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A Abordagem de Jung à Espiritualidade e Religião Lionel Corbett Pacifica Graduate Institute, Santa Barbara

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Jung, psicologia, espiritualidade

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A Abordagem de Jung à Espiritualidade e Religião

Lionel Corbett

Pacifica Graduate Institute, Santa Barbara

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A psicologia Junguiana sempre enfatizou a importância—inseparabilidade, realmente— da

espiritualidade e da religião para a saúde mental. De fato, esta ênfase é uma das razões históricas pelas

quais o pensamento Junguiano tem sido marginalizado na comunidade psicoterapêutica. Hoje,

entretanto, uma vez que está claro que uma vida espiritual beneficia a saúde física e mental, e é

importante nas vidas de muitas pessoas (Hill & Pargament, 2003), o valor da abordagem de Jung tem

se tornado mais óbvio. Talvez relacionado ao movimento contemporâneo na psicoterapia em direção a

tratamentos que tendem a ignorar a espiritualidade e o inconsciente, há agora uma onda de interesse de

base em Jung, como evidenciado pela existência de muitas organizações comunitárias, nos EUA e em

demais países, que estudam psicologia Junguiana. A maior parte destas são programas educacionais

para pessoas leigas. Eu acredito que este interesse resulta do fato de que a psicologia Junguiana oferece

uma abordagem espiritual ao desenvolvimento da personalidade e à psicoterapia, preenchendo assim

uma necessidade cultural.

A religião é tanto uma parte dos escritos de Jung que este foco se tornou um dos pontos críticos

de concordância ou discordância com sua abordagem da psique. Em todo o seu trabalho, tem-se uma

constante sensação de que ele está ciente da presença de uma realidade espiritual subjacente ao que é

consciente. Para os detratores de Jung, esta ênfase transgride os limites da psicologia, mas os

psicoterapeutas Junguianos pensam que sua abordagem contribui com uma perspectiva única; ela nos

permite trabalhar espiritualmente e psicologicamente ao mesmo tempo. É Importante dizer de início

que os Junguianos não trabalham de qualquer forma padronizada, em parte porque, como disse Jung,

cada paciente requer sua própria teoria, e em parte porque em última análise a personalidade do

terapeuta é o principal instrumento terapêutico.

Em termos gerais, a abordagem de Jung é uma psicologia profunda (depth psychology), que dá

uma grande ênfase ao inconsciente, especialmente em seus níveis transpessoais ou arquetípicos. Ao

lidar com material pessoal, a maioria dos Junguianos alia a abordagem Junguiana clássica com alguma

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forma de teoria psicanalítica contemporânea. No Reino Unido, muitos Junguianos se apropriam da

teoria Kleiniana, enquanto que nos EUA a teoria das relações de objeto e Psicologia Psicanalítica do

Self são populares, e observamos que muitos aspectos da análise Junguiana tradicional são similares a

recentes desenvolvimentos em psicanálise relacional (Giannoni, 2009). A despeito destas diferenças, há

importantes características da abordagem Junguiana comuns a todos os praticantes, entre as quais

encontramos uma abordagem espiritual da psique.

Este capítulo delineará algumas das maneiras em que a psicoterapia Junguiana permite ao

psicoterapeuta ver a psique e o processo de psicoterapia de uma perspectiva tanto espiritual quanto

clínica. Para o clínico, a abordagem de Jung tem várias vantagens; ela não compartimentaliza as vidas

espiritual e psicológica do paciente, permite o desenvolvimento de uma espiritualidade que não é

baseada em nenhuma instituição religiosa tradicional, e permite o surgimento que uma imagem de

Deus (God-image) orgânica e não ditada por nenhuma teologia específica (Corbett, 1996, 2007). Uma

vez que o tratamento Junguiano é ajustado às necessidades e dinâmicas únicas do paciente e à

personalidade e preferências teóricas do clínico, esta abordagem não se presta a um formato

padronizado ou ―manualizado‖. Antes, os princípios teóricos de base extraídos de Jung informam um

entendimento clínico que, por sua vez, influencia as intervenções e interpretações do terapeuta. Este

capítulo apresenta estes princípios fundamentais, que podem ser incorporados em diferentes formas de

psicoterapia profunda (depth psychotherapy).

O Self como uma Imagem de Deus Intra-psíquica

A abordagem de Jung presume a presença de uma imagem de Deus a priori na psique, a que ele

refere-se como o Self. O Self é um princípio ordenador intra-psíquico que representa a si próprio por

meio de imagens que surgem do inconsciente. Como o inconsciente é visto como uma fonte de

sabedoria e cura, os terapeutas Junguianos dão grande atenção aos sonhos e outras manifestações do

Self, o qual se acredita estar em um diálogo com a consciência. Conforme o processo terapêutico abre

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mais e mais do inconsciente, a verdadeira imagem de Deus do indivíduo—em oposição àquela

aprendida na Escola Dominical—se torna consciente e se transforma. Vemos esta ―transformação de

Deus‖ nos sonhos da pessoa (Jung, 1975a, p. 314; Edinger, 1992). Por exemplo, no início de seu

trabalho terapêutico, uma mulher sonha que, enquanto está deitada na cama, um grande gancho desce

do alto, a transfixa pelo peito, e a suspende, impotente, no ar. Abaixo ela vê um velho de túnica branca

que dispara contra ela com um canhão—ela percebe que a figura é Deus. Seu trabalho psicológico

inclui sua tentativa de lidar com seu pai tirânico, cujas qualidades ela havia inconscientemente

projetado em sua imagem de Deus punitiva, uma dinâmica bem documentada por Rizzuto (1981).

Eventualmente, conforme seus problemas com o pai atenuam-se, ela sonha que ela é levada por um

grande salão que contém imagens e ícones de todas as tradições religiosas do mundo. Dizem a ela que

ela pode escolher qualquer uma delas; ela se decide por uma estátua do Buda sorridente, uma imagem

de espiritualidade alegre, bastante diferente da espiritualidade sombria em que ela foi criada. Seu

trabalho psicoterapêutico leva a uma mudança concomitante em sua espiritualidade.

Uma paciente reclama de ansiedade por toda a vida. Seus pais eram extremamente críticos,

insensíveis, ansiosos, e incapazes de acalmá-la. Elas faziam-na sentir que o mundo é perigoso, e não

oferece senso de proteção. Ela foi criada como uma cristã devota, e lhe foi dito que ela era protegida

por um Deus amoroso, que seria ao mesmo tempo punitivo e colérico se ela agisse mal. Sua

incapacidade em confiar neste Deus, e seu medo dele, causam culpa e confusão; é difícil para ela

compreender como ela pode constantemente sentir tanto medo e ser ao mesmo tempo protegida por

Deus. Sua relação com Deus é tão importante para ela quanto qualquer outra relação, e ela quer abordá-

la em seu próprio nível, mas sua imagem de Deus não pode ser separada do trabalho psicoterapêutico

sobre sua ansiedade. O conteúdo de seu potencial inato para experimentar o divino foi preenchido por

experiências pessoais; sua imagem de Deus foi colorida pela projeção de seus imagos parentais

(parental imagoes) e seu treinamento religioso. Ao invés de tratar sua ansiedade e sua dificuldade

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religiosa como dois problemas separados, o que requereria que ela obtivesse conselhos de um guia

religioso além do terapeuta, para o terapeuta Junguiano o trabalho procede pari passu tanto com sua

imagem de Deus como com suas relações de objeto (object relations) precoces. Tal exploração a torna

consciente das conexões entre sua imagem de Deus e suas dinâmicas familiares precoces, um processo

que a liberta para desenvolver uma relação mais madura para com o divino.

Imagens de Deus e Religiões

Para Jung, os conteúdos específicos de imagens de Deus coletivas são projeções histórica e

culturalmente determinadas. Cristo, Zeus, Yahweh, Odin, ou quaisquer outros nomes de Deus são

nomes locais para o Self, que é um princípio transpessoal, intrapsíquico, o qual Jung (1977b) crê ser

empiricamente demonstrável e universalmente presente (Heisig, 1979). O Self é representado

simbolicamente em mitos e religiões, e (crucialmente para esta abordagem) também aparece dentro das

imagens oníricas do indivíduo. Jung faz uma importante distinção entre tais imagens de Deus e o

divino em si. Embora haja muitas imagens de Deus, nós não podemos, como psicólogos, dizer qualquer

coisa sobre sua fonte; a psicologia pode falar apenas das representações intrapsíquicas do divino. O

―original além das imagens‖ é psicologicamente inacessível (Jung, 1976a, p. 706). Jung jamais diz que

a imagem de Deus que experimentamos é apenas psicológica, mas ele acreditava que a questão da

existência de um Deus transcendente além da psique era um problema para os teólogos, e não para os

psicólogos.

Jung (1971; 1977a) sugeriu que a verdadeira imagem de Deus de um indivíduo é o que quer que

seja de maior valor ou poder na psique; isto pode ser dinheiro, ciência, poder, sexo, ou onde quer que

uma pessoa se torne absoluta. A verdadeira imagem de Deus de uma pessoa (ao invés daquela em que

ela foi instruída a acreditar) é frequentemente inconsciente, de forma que a imagem de Deus que as

pessoas professam externamente pode não corresponder à sua imagem de Deus subjetiva. Um cristão

pode acreditar nas figuras sagradas sem de fato experimentar o divino como uma experiência pessoal.

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As motivações e comportamento deste cristão ―não advém da esfera do cristianismo, mas da psique

inconsciente e indiferenciada, que ainda é tão pagã e arcaica quanto sempre foi… sua alma está em

descompasso com suas crenças externas…‖ (Jung, 1977b, pp. 11-12). Assim, Ulanov (1986, p. 164)

relata um sonho no qual um homem está ―ardentemente, sinceramente, profundamente envolvido em

um ato de adoração, mas a adoração é dirigida a um porco gigante‖. Como Hall (1993) coloca, nossas

preocupações religiosas podem ir para o subterrâneo, para o inconsciente, e retornar em sonhos. Os

sonhos fornecem uma janela para os processos mentais inconscientes nos quais conteúdos religiosos e

psicológicos frequentemente estão significativamente entrelaçados. Por exemplo, Jung (1987, p. 346)

relata o caso de uma mulher que perdeu todo o interesse na religião. Em um sonho, que teve um grande

impacto emocional nela, o analista é um gigante, de pé em um enorme campo de trigo através do qual o

vento (uma antiga imagem para o espírito) estava soprando, fazendo o trigo fluir em ondas. O analista

segura a paciente nos braços e a balança, enquanto ela sente-se nos braços de um deus. No nível

pessoal este sonho retrata uma transferência idealizadora, e, ao mesmo tempo, sugere que ela está

projetando no analista não a imagem judaico-cristã de Deus, mas um deus pagão da natureza ou

vegetação. Terapeutas Junguianos estão similarmente sintonizados às fontes de significado, tanto

individuais quanto culturais, transmitidas em sonhos.

O Self

Na prática clínica Junguiana, o Self ou imago dei é uma ideia centralmente importante. O Self é

tipicamente visto como uma outra consciência transcendente, à qual o ego se relaciona. Para Jung,

―tudo essencial acontece no Self, e o ego funciona como um receptor, espectador, e transmissor‖ (Jung,

1973, p. 236). Como coloca Erdinger (1973, p. 3), ―o ego é a sede da identidade subjetiva, enquanto

que o Self é a sede da identidade objetiva‖. O Self é o verdadeiro centro de gravidade da personalidade,

que ele organiza e unifica. A relação entre ego e Self é referida como o eixo ego-Self, uma vez que se

entende que estes dois estejam em uma relação dialógica. Por exemplo, o Self é considerado como

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sendo a fonte dos sonhos e o trabalho psicoterapêutico sobre os sonhos leva a mais sonhos em uma

sequência recíproca. A ideia de um eixo ego-Self corresponde a uma forma de espiritualidade

devocional ou dualística do tipo encontrado em tradições monoteísticas; o nível de ego representa o ser

humano individual em relação ao divino, os dois sendo bem distintos entre si. Jung também fala do Self

como a totalidade da psique, o que significa que o ego é parte do Self, sugerindo uma forma de

espiritualidade não-dual similar àquela encontrada em muitas tradições místicas. Para os filósofos não-

dualistas, a realidade é uma unidade não-dividida, de forma que para as tradições teístas orientais, o

divino e o humano não são duas entidades separadas. Abordagens não-duais à psicoterapia estão recém

começando a aparecer na literatura (Prendergast & Bradford, 2007); exemplos são encontrados na

psicologia budista e psicoterapias emergentes baseadas na atenção plena (ver Siegel et al., este

volume). Esta perspectiva não apenas oferece ao terapeuta múltiplas maneiras para compreender a

relação do paciente com o divino, mas também molda seu entendimento do processo terapêutico como

um processo em que uma firme divisão entre o crescimento psicológico e espiritual se dissolve.

Terapeutas Junguianos creem que a psicoterapia é realizada dentro do campo supraordinário do Self

transpessoal, que é uma terceira presença na sala. Neste nível não-dual, a consciência do terapeuta e a

do paciente não estão realmente separadas, então não é surpreendente que sincronisticamente o

paciente possa trazer algum aspecto do material do próprio terapeuta. Para os Junguianos, a teoria da

sincronicidade (que se refere a um evento externo que significativamente coincide no tempo com

material intra-psíquico) expressa a profunda simetria entre os reinos da psique e do mundo, que não são

separados. Entretanto, as implicações psicoterapêuticas de uma abordagem não-dual do Self não foram

desenvolvidas na literatura Junguiana (Corbett, 2011), embora a noção do Self como a totalidade da

psique permaneça heuristicamente e filosoficamente importante.

Os símbolos do Self ocorrem espontaneamente nos sonhos, e são reconhecíveis por suas

qualidades numinosas ou espirituais—eles suscitam emoções de reverência e mistério. Pode-se sonhar

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com uma imagem de Deus bem conhecida, como o Cristo, ou os sonhos podem produzir imagens do

Self anteriormente desconhecidas de maneira que seja particularmente relevante ao assunto. O Self

pode aparecer de forma abstrata, comumente em uma forma de mandala (Jung, 1977c). Uma mandala

(a palavra em sânscrito para círculo) é uma figura geométrica simétrica normalmente consistindo de

alguma combinação de quadrados, círculos ou triângulos, frequentemente com um foco no centro. Nas

tradições religiosas orientais, estes diagramas são usados como um auxílio para a meditação. Elas

normalmente têm uma simetria quádrupla; o número quatro é um antigo símbolo de completude e

estabilidade. O nível de organização ou desorganização das mandalas que aparecem nas pinturas

espontâneas de uma pessoa pode refletir o grau de integração ou ordem na psique de um indivíduo, de

forma que alguns clínicos Junguianos encorajam o trabalho com arte não apenas por seu valor

expressivo, mas também para monitorar o curso do tratamento. Nos sonhos, as mandalas assumem

formas como cidades simétricas com ruas ou rios radiando de um centro, ou rodas, flores circulares,

etc. Imagens de mandalas simétricas tendem a aparecer em sonhos quando a vida do sonhador está

passando por um período de desorganização, porque a psique, como o corpo, tende a ser

autorreguladora. Quando a personalidade está em desequilíbrio, a psique tenta corrigir-se produzindo

imagens de ordem e estrutura. Em outros momentos, em uma tentativa de resolver conflitos internos, o

Self representa a si mesmo na forma de imagens de sonho que unem aparentes opostos, como uma

cobra com asas, ou uma figura que é tanto velha quanto jovem, ou tanto masculina quanto feminina.

Estas qualidades, que o sonhador em sua vida consciente crê estarem em oposição uma à outra, são

então mostradas como sendo complementares, partes de um todo unificado. Elas tendem a aparecer

quando o sonhador está excessivamente identificado com um dos polos de um conflito. Por exemplo,

um homem em conflito entre agressão e passividade sonha com um animal selvagem e uma ovelha

coexistindo. O Self também pode aparecer como um fenômeno natural espetacular, tal como um

enorme animal dourado, talvez se referindo ao nível instintual da psique, ou como uma grande árvore,

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referindo-se ao aspecto vegetativo da psique. Cada uma destas imagens refere-se apenas a um aspecto

em particular do Self, dependendo da necessidade do sonhador. Estas imagens podem ser bastante

originais, sem conexão com qualquer tradição religiosa, reconhecíveis apenas por sua numinosidade.

Esta postura é a antítese de abordagens que insistem em apenas uma imagem de Deus dogmaticamente

correta, tais como o cristianismo tradicional, que projeta o Self no Cristo. Uma vez que a o nível

transpessoal da psique é autônomo, o indivíduo não tem controle sobre de que maneira o Self pode

aparecer. Imagens do Self podem, portanto, contradizer doutrinas recebidas. Um homem sonhou que

um gigantesco OVNI descia do céu e pairava a uma curta distância sobre sua cabeça. A base do OVNI

era recoberta de olhos, de cada um dos quais um facho de luz brilhante descia sobre o sonhador, como

se a nave o estivesse olhando. O efeito, no sonho, era de reverência e maravilhamento. Obviamente um

OVNI não é uma imagem judaico-cristã do divino, mas para Jung a numinosidade do sonho e o

formato de mandala da nave a qualificam como um símbolo do Self. Não apenas isto, mas uma das

dificuldades de desenvolvimento do sonhador resultavam de crescer em uma família em que ele não era

visto; o sonho aborda diretamente este complexo, e abre a porta para a exploração psicoterápica desta

dificuldade. Em adição à óbvia dinâmica relacional ou de transferência que o sonho possa implicar, o

terapeuta pode adicionar que o paciente é visto pelo Self, ou mesmo pelo olho de Deus. Os efeitos

psicológicos benéficos desta experiência são óbvios.

Jung acredita que, embora ele possa demonstrar a existência do Self como uma função

psicológica, faze-lo não ―toma o lugar de Deus‖ ou prova a existência de Deus em um sentido

metafísico (1978a, p. 463). Entretanto, está claro que Jung localiza a experiência do divino dentro da

subjetividade humana, sem se comprometer com a questão de se as imagens de Deus na psique são

exatamente iguais, ou apenas correspondem, ao Deus transcendente do teísmo tradicional. Ele crê que

há uma relação psicológica consistente entre o divino em si e suas imagens intrapsíquicas, mas falando

como psicólogo ele não pode determinar se elas são a mesma coisa ou não. Não obstante, na prática

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clínica o Self se tornou um de facto termo para Deus (God-term); muitos psicoterapeutas Junguianos

tacitamente da experiência do Self como uma experiência do Deus que é mencionado no teísmo

tradicional, embora esta prática não seja estritamente fiel à definição técnica de Jung. Ao mesmo

tempo, somos cuidadosos para não importar ideias teológicas para nosso trabalho psicológico, porque o

Self pode aparecer de maneiras completamente originais, que podem entrar em conflito com as

imagens da tradição religiosa do indivíduo. Um cientista com uma imagem masculina, tradicional de

Deus sonhou com uma enorme e luminosa figura feminina sentando-se sobre ele. Conforme ela o fazia,

―nós nos fundimos e era como se ela estivesse entrando em cada uma das células do meu corpo‖.

Apenas um fragmento de um self pessoal (personal self) permanecia, o que deu ao sonhador uma

sensação de dimensão, ―como se eu não fosse maior do que uma pequena aranha‖. Esta experiência foi

provocadora de humildade e transformativa. O sonho poderia ser reduzido a uma explicação em

termos de uma mãe opressiva alguma interpretação semelhante da vida pessoal do sonhador. Mesmo

que isto estivesse correto o terapeuta Junguiano também apontaria que esta foi uma experiência

numinosa dos aspectos femininos do divino, ou o self em seus aspectos femininos, o que tem

implicações importantes para o desenvolvimento espiritual do indivíduo. Apontar isto o tornaria

consciente das limitações de sua imagem de Deus tradicional e excessivamente masculina. Ao mesmo

tempo, ele se tornaria consciente de que, como todos os homens, ele possui um elemento feminino em

sua psique (que Jung chamava a Anima), para com o qual é valioso ter compreensão e identificação.

Esta nova conscientização promoveria seu processo de individuação, que requer este tipo de crescente

assimilação de, e relacionamento com, o inconsciente.

O Self e a Imagem de Deus

O Self no trabalho de Jung é um tipo de versão psicológica do Atman da tradição Hindu. Ele

afirma que ―o que se entende por Self está não apenas em mim, mas em todos os seres‖ (Jung, 1978a,

p. 463), que corresponde a uma afirmação semelhante no Bhagavad Gita (IX, 20). A crença de Jung de

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que não pode haver imagem de Deus exclusiva também está de acordo com o Gita (V, 21) de que o Self

pode ser venerado em qualquer forma. A ideia de que o Self pode aparecer de muitas formas diferentes

contribuiu para o desconforto dos teólogos cristãos para com a teoria de Jung, uma vez que o

cristianismo tradicional estava comprometido a uma Cristologia e uma imagem de Deus que ele

afirmava ser suprema.

Como uma imagem de Deus existe na psique, Jung é capaz de falar na ―relatividade de Deus‖,

significando que para ele, Deus não é absoluto, existindo além da esfera humana, mas de certa forma

depende da consciência da humanidade, de forma que há uma ―relação recíproca e essencial entre o

homem e Deus, pela qual o homem pode ser compreendido como uma função de Deus e Deus como

uma função do homem‖ (1971, p. 243). Neste contexto, ele cita o místico do século XVII Angelus

Silesius, que afirma sobre Deus: ―Ele não pode viver sem min, nem eu sem ele‖ (Jung, 1977a, p. 190).

Ou seja, é preciso uma pessoa para saber que Deus é Deus. A imagem de Deus de Jung é portanto

relativa ao invés de transcendente. Neste contexto, vale salientar que o subtítulo da recente exibição do

Livro Vermelho de Jung no Rubin Museum of Art de Nova York era ―A Criação de uma Nova

Cosmologia‖. Dourley (1995) sugere que Jung introduziu uma cosmologia radicalmente nova em que a

divindade e a humanidade estão intimamente envolvidas em um processo unitário de redenção mútua.

A ideia da co-criação mútua humano-divina é encontrada em vários textos religiosos, incluindo o

Bhagavad Gita (III, 11). Apoiando esta ideia, Jung também invoca a noção de Meister Eckhart, do

século XIV, de que Deus nasce continuamente na alma, que para Jung é sinônima com a psique (Jung,

1971). A noção de Jung de uma imagem de Deus inata na alma continua a linha de pensamento de

Eckhart. Jung também faz uso da distinção de Eckhart entre Deus, que podemos nomear, e o Supremo

que está além de nossa experiência. Para Jung, o que Eckhart quer dizer por Deus é uma função da

psique, enquanto que o cristianismo tradicional vê Deus como ―absoluto, existindo em si mesmo‖

(Jung, 1971, p. 243).

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Aqui devo fazer a distinção entre a noção de Jung da relatividade de Deus do trabalho de

Feuerbach, para quem as ideias, sentimentos e imaginação humana se transformaram em um ser divino,

de forma que a doutrina religiosa é a objetificação de algum aspecto da natureza humana. Para Jung, o

Self e o nível arquetípico da psique são realidades objetivas e autônomas, que radicalmente

transcendem o ego; eles não são algo que criamos, e eles são distintos da natureza humana. Uma vez

que Jung acredita que o ego e o Self afetam-se mutuamente, teólogos do processo contemporâneos

creem que a abordagem de Jung é consistente com a sua (Griffin, 1990). Neste contexto de processo,

Jung acredita que o Self é uma unidade indivisa que se diferencia dentro da consciência humana, e a

gradual expansão de nossa consciência é uma tarefa humana central (Jaffe, 1983). Conseqüentemente,

uma vez que o trabalho psicoterapeutico expande a consciência, a psicoterapia tem uma importante

função coletiva, além de uma função pessoal; ela permite que o Self se diferencie por exemplo,

tornando-se mais consciente de princípios opostos dentro de si. Eu levo esta ideia metafísica mais

adiante na discussão de Jung da história de Jó (vide infra).

Arquétipos e Complexos

O arquétipo, uma das ideias mais controversas de Jung, é um princípio organizador na psique

que fornece uma disposição inata para as experiências humanas típicas. Processos arquetípicos podem

ser considerados como análogos psicológicos às leis que os físicos usam para descrever o mundo

material, que agem como restrições na forma que os físicos formulam suas teorias. Similarmente, a

psique opera de acordo com estruturas e processos profundos que governam a organização da

experiência e nossa maneira de descrevê-la. A ideia de princípios invariantes na psique e o conceito de

estruturas psicológicas intrínsecas são hoje levadas a sério entre psicólogos evolucionistas, e são

implícitas, ou explícitas, na abordagem de Piaget ao desenvolvimento cognitivo, a linguística de

Chomsky, a antropologia estrutural de Lévi-Strauss, e em descrições etiológicas de mecanismos de

liberação inatos (innate release mechanisms) (Stevens, 1982). As imagens-esquema da psicologia

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cognitiva também vêm à mente. A comum má interpretação da noção de arquétipo é reduzi-la a

estereótipos; na verdade, ela é um puro potencial cujo conteúdo específico é preenchido pela

experiência e cultura do indivíduo.

Jung não tem uma explicação satisfatória para a origem dos arquétipos. Em seus primeiros

escritos, quando ele estava preocupado em encontrar um substrato psicológico para a ideia, ele sugeriu

que os arquétipos são os resíduos herdados das experiências repetidas da humanidade, que por milênios

se viu em situações semelhantes, deixando traços indeléveis no cérebro (Jung, 1971). Esta ideia foi

criticada com sendo Lamarckiana, embora Jung sempre insistisse que o conteúdo específico dos

arquétipos não são herdados—os arquétipos apenas representam os potenciais para certos tipos de

experiência. Gradualmente ele percebeu que uma explicação em termos de herança leva o problema da

origem dos arquétipos até a pré-história sem resolvê-lo. Em seu trabalho posterior, portanto (Jung,

1964), ele afirma que a origem dos arquétipos é desconhecida, e que mesmo a pergunta de se eles se

―originaram‖ de qualquer forma é um problema metafísico irrespondível; eles aparecem com a aparição

da psique, cuja própria origem é um mistério (Jung, 1977c). Eles entram em cena ―com a própria vida‖

(Jung, 1977a, p. 149).

Jung (1964) crê que o nível arquetípico da psique é comum a toda a humanidade, porque ele

encontra padrões religiosos e mitológicos similares através de culturas e períodos históricos. Por

exemplo, todas religiões e culturas representam a Grande Mãe, a deusa, ou os aspectos femininos do

divino, que recebe diferentes nomes em diferentes culturas. A Abençoada Virgem Maria, Kali, Ísis ou

Deméter são aspectos locais da mesma estrutura arquetípica que é irredutível e apenas conhecida

simbolicamente. Esta perspectiva tem implicações clínicas; entender estas imagens arquetípicas que são

dominantes na psique individual revela os princípios organizacionais que afetam as crenças espirituais

da pessoa, bem como seu funcionamento psicológico central (core psychological functioning). Em um

nível humano, o arquétipo da mãe, que inclui o potencial de ser e experimentar uma mãe, pode ser

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expresso de muitas formas. Os detalhes da maternidade variam de cultura a cultura, e de família a

família, de forma que o complexo de mãe consiste deste potencial arquétipo preenchido com

experiências da própria mãe, levando ao desenvolvimento de um complexo de mãe. Os complexos são

estruturas intrapsíquicas com tons afetivos (affectively toned) e persistentes, consistindo de grupos de

associações, memórias e imagens relacionadas que se aglomeram em torno de um centro arquetípico.

Para os analistas Junguianos, teorias tais como a teoria de relações de objeto e a Psicologia

Psicanalítica do Self são descrições das maneiras em que o nível humano do complexo é formado.

Dependendo do comportamento dos primeiros cuidadores de um indivíduo, o tom emocional de seus

complexos pode ser positivo ou negativo; o complexo negativo—por exemplo, o resultado de um meio

self objetal traumático (a traumatic self object milieu)—leva à psicopatologia. O complexo de Édipo é

um de vários complexos possíveis na mente de uma pessoa, e não é necessariamente central.

Jung crê que os arquétipos são princípios espirituais na psique; ele refere-se a eles como

―órgãos‖ ou ―ferramentas‖ de Deus (Jung, 1975a, p. 130). (Aqui ele está claramente referindo-se ao

Deus dos teólogos). Uma vez que os arquétipos formam o centro dos complexos, o terapeuta Junguiano

está sempre ciente de que o sofrimento do indivíduo tem uma base espiritual, tanto quanto um nível

humano O centro arquetípico do complexo pode ser representado em um sonho. Por exemplo, uma

mulher sonha que a cabeça decepada de sua mãe a está perseguindo; ao invés de cabelos, a cabeça está

coberta de serpentes, como a cabeça da mítica Medusa, que transformava as pessoas em pedra. Esta

imagem graficamente ilustra o efeito que sua mãe tinha sobre a sonhadora, e a associação mítica sugere

a qualidade arquetípica do centro arquetípico de seu complexo de mãe.

Os arquétipos são representados mitologicamente na forma dos deuses e deusas da antiguidade,

os quais Jung considera serem os conteúdos da psique que foram ―extrapolados no espaço metafísico e

hipostasiados‖ (Jung, 1977c, p. 59). Ao dar nomes e personalidades às suas divindades, os antigos

personificavam o que Jung agora chama de processos arquetípicos. Este nível mitopoético da psique é

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autônomo; o ego não tem controle sobre suas funções, como vemos por exemplo quando nos

apaixonamos—um processo arquetípico que na antiguidade era atribuído à deusa Afrodite. O arquétipo

pode manifestar-se positivamente ou negativamente, dependendo do comportamento dos primeiros

cuidadores do indivíduo, uma vez que eles ―humanizam‖ a experiência do arquétipo e o trazem para

dentro do espaço e tempo. Um homem cujo pai era autoritário e punitivo sofre de um complexo de pai

negativo que o deixa com medo de figuras de autoridade masculinas. O nível humano de um tal

complexo poderia ser descrito por várias teorias psicológicas. O que Jung acrescenta é o apontar para o

centro arquetípico do complexo; o pai deste homem se comportava como os deuses ―Pais Celestes‖,

mitológicos, como Zeus, que exigia ser obedecido e que punia mortais pela desobediência. Outro pai

era um tipo de homem ―Apolo‖, um perfeccionista remoto preocupado com pensamento racional,

lógica e ordem. A única maneira que seu filho poderia escapar a esta crítica internalizada seria através

de estados alterados de consciência; ele voltou-se para uma fuga Dionisíaca nas drogas, musica e

sensualidade (Dionísio era o deus do êxtase, vinho e loucura). Os processos psicológicos representados

por tais deidades mitológicas ainda estão presentes em nós, mas agora, nas palavras de Jung, ―os deuses

tornaram-se doenças‖ (Jung, 1976b, p. 37) – nós os vemos em nossas patologias.

Arquétipos e o Processo Terapêutico

Uma vantagem adicional em o terapeuta reconhecer tais elementos arquetípicos no material do

individuo é o reconhecimento de seu poder emocional numinoso. Enfrentar um complexo é como se se

estivesse enfrentado uma força que parece ser mais do que humana. Este reconhecimento coloca a

dificuldade do paciente em uma perspectiva mais ampla, do que é possível com uma visão mais

limitada do problema. O paciente pode localizar sua situação dentro do depósito da experiência humana

retratado na mitologia e na religião, e assim não sentir-se tão isolado. Abordada corretamente, a relação

terapêutica evoca o lado positivo do arquétipo, que está sempre presente como um potencial, de forma

que os benefícios da psicoterapia são apenas em parte o resultado dos esforços do terapeuta. Em adição

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ao campo intersubjetivo entre os participantes, uma terceira presença, o Self arquetípico, participa no

processo terapêutico, uma conscientização que produz uma certa humildade no terapeuta Junguiano.

Em adição à conscientização da interação pessoal que opera na sala da terapia, o terapeuta

Junguiano está também consciente de que há dimensões arquetípicas do campo terapêutico que podem

ser descritas metaforicamente usando imagens míticas. Por exemplo, Winnicott (1971) descreveu o

espaço analítico como uma área intermediária entre a realidade do terapeuta e as fantasias do paciente,

um espaço que oferece a possibilidade de experimentar novos significados. Em uma evolução desta

ideia, Ogden (2004) descreveu um ―terceiro analítico‖ co-criado ao qual as subjetividades individuais

do analista e analisado são subordinadas; este nível ganha vida própria dentro do campo interpessoal, e

é experimentado como um quase imperceptível devaneio de fundo na mente do terapeuta. Ogden crê

que seu devaneio o informa do que está acontecendo inconscientemente entre ele e o paciente. Dentro

deste espaço ambíguo, não-linear, ―intermediário‖, a comunicação se dá em um nível humano, mas

também pode ser representada mitologicamente como a presença de Mercúrio/Hermes. Na antiguidade

ele era um guia de almas, um deus da comunicação e da revelação astuto, esquivo, e às vezes

enganador, a quem era impossível apreender. "Mercúrio" pode portanto ser considerado

metaforicamente como um aspecto arquetípico do processo que jaz entre os participantes, e é assim

uma maneira de falar-se sobre o intangível espírito de relacionamento, transformação e os

escorregadios processos do inconsciente. É portanto importante que o terapeuta preste atenção aos seus

imagens, pensamentos, sensações corporais e sentimentos internos, que não podem ser desprezados

como processos primários irrelevantes de pensamento, mas podem ser reconhecidos como a presença

de um campo mercurial, uma forma de comunicação do inconsciente que é diretamente relevante ao

trabalho (Schaverien, 2007). Os Junguianos creem que a consciência de uma tal dimensão arquetípica

adiciona maior profundidade de significado ao processo terapêutico. Os clínicos, portanto, prestam

mais atenção às suas experiências subjetivas quando conduzindo a terapia, bem como às suas

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associações e sonhos sobre o paciente fora das sessões, uma vez que estes fenômenos nos ajudam a

compreender o paciente e o nível arquetípico da relação terapêutica.

Dimensões Espirituais da Relação Terapêutica

Jung descreveu o nível arquetípico ou espiritual da relação terapêutica usando a metáfora do

casamento sagrado, que leva ao sentido de que a dupla terapêutica pertence a uma família. Jung

(1975b) retratou este nível da transferência como um coniunctio, ou união, intrapsíquico, um termo

tomado dos alquimistas medievais. Ele acreditava que a antiga prática da alquimia não era apenas o

antecedente da química moderna; os alquimistas projetavam processos intrapsíquicos transformativos

nas operações materiais do laboratório. Portanto, o que os alquimistas faziam era tão psicológico

quanto material. Ao menos entre os alquimistas espirituais, o que foi descrito como a busca por literal

ouro era na verdade uma busca por ouro espiritual, o Self, ou pela transformação espiritual de traços de

personalidade plúmbeos. Jung via muitos paralelos entre as imagens alquímicas e a psicoterapia, de

forma que a alquimia parece oferecer representações metafóricas de processos inconscientes. (Aqui é

importante lembrar a sugestão de Lakoff (1993) de que a metáfora é um modo fundamenta de

pensamento). O terapeuta pode às vezes ver analogias entre as imagens alquímicas e um processo que

está ocorrendo no paciente, o que é útil se ajuda a ver que a experiência do paciente é parte de um

padrão arquetípico ou transpessoal. Por exemplo, os alquimistas realizavam seus experimentos em um

vas bene clausum, ou seja, um vaso bem fechado, que é considerado como análogo ao recipiente, o

ambiente de holding (holding environment) ou o quadro (frame) da psicologia. Dentro deste vaso, os

elementos eram separados e recombinados para formar o ―ouro‖ alquímico, ou a emergência do Self.

Os alquimistas usavam o termo ―nigredo‖, ou negrume, para descrever o estado inicial obscuro do

material com que trabalhavam, que corresponde ao estado mental do paciente no início do trabalho—a

alquímica prima materia. Gradualmente uma série de mudanças de cor ocorria no vaso alquímico, que

se dizia terminar na produção de ouro; estas cores seguiam uma sequência em particular (preto, branco,

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amarelo e vermelho) que pode às vezes ser vista nas imagens de sonho dos pacientes, indicando

estágios do trabalho. Edinger (1991) forneceu uma lista de paralelos similares entre as operações dos

alquimistas e os vários processos da psicoterapia, indicando maneiras em que os alquimistas, como o

terapeuta, separavam, analisavam, e então sintetizavam e consolidavam novo material. A descoberta do

processo arquetípico análogo refletido em uma tradição histórica extremamente distante da psicologia

profunda atual aumenta a percepção do terapeuta Junguiano de que o sofrimento do paciente tem um

propósito, e não é aleatório. Para os terapeutas Junguianos, sintomas tais como ansiedade e depressão

não podem ser inteiramente compreendidos pela observação de fatores de desenvolvimento na infância

(childhood developmental factors); os sintomas também tem uma função prospectiva ou voltada para o

futuro. Os terapeutas Junguianos entendem tais sintomas como uma espécie de chamada de despertar

do Self para uma maior a consciência (Jung, 1978a), como se ele estivesse pretendendo mover o

paciente em uma direção em particular. O sintoma é ao mesmo tempo uma experiência do lado escuro

do Self e um importante aspecto do desenvolvimento contínuo do paciente. A tarefa terapêutica inclui

ajudar o indivíduo a descobrir a nova direção em que seu sintoma o está levando, observando as

maneiras em que sua vida foi alterada pelo problema.

Jung observou que muitas das pessoas que o consultavam para psicoterapia não sofriam de

distúrbios clinicamente definíveis. Eles sofriam de um senso de futilidade, falta de uma conexão

espiritual, e a falta de um mito crível, uma história sagrada pela qual eles pudessem viver. Uma das

primeiras críticas de Jung a Freud era de uma preocupação exclusiva com as pulsões não satisfaz as

necessidades espirituais do paciente, e não acrescenta sentido à vida. Para Jung, a neurose pode ser

compreendida como ―o sofrimento de um ser humano que não descobriu o que a vida significa para

ele‖. A estagnação espiritual causa sofrimento, e o problema psicoterapêutico é encontrar o ―significado

que vivifica‖ (―the meaning that quickens‖). A razão e a ciência não fornecerão o que é necessário; o

paciente está doente porque ―ele falhou em decifrar o significado de sua própria existência (Jung, 2005,

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pp. 230-231)‖. O problema religioso do paciente é portanto relevante ao seu problema emocional e

pode até ser sua causa (p. 239). Jung acreditava que os principais problemas de nossas vidas não são

tanto resolvidos quanto superados, significando que encontramos uma perspectiva mais ampla, de

forma que o problema perde sua urgência mesmo que não tenha sido resolvido em seus próprios

termos. Ele observou que para pacientes lidando com questões existenciais de significado e propósito,

especialmente aqueles na segunda metade da vida, é essencial encontrar uma perspectiva religiosa da

vida. Isto não necessariamente significa uma adesão à religião tradicional, embora possa incluí-la;

significa a recuperação de uma conexão pessoal à dimensão do sagrado. Jung (1978b) acredita que o

reconhecimento pelo terapeuta dos fatores espirituais nos esforços de um paciente é, portanto, de

importância vital. Se um paciente descobria que uma religião tradicional ainda estava viva, Jung sentia

que um resultado satisfatório para a psicoterapia era que o paciente retornasse à sua Igreja. Entretanto,

como muitos psicoterapeutas contemporâneos, Jung via muitos pacientes que não tinham fé, pessoas

para quem Deus estava morto. Nesta situação, quando a Igreja falha, a psicoterapia pode ser convocada

a agir em uma capacidade que costumava ser o papel do sacerdote ou diretor espiritual(1977a). para

Jung, a recuperação de uma postura religiosa implica prestar atenção às manifestações do inconsciente,

uma vez que Deus age a partir do inconsciente (Jung, 1997a, p. 468). Parte do valor de cuidar dos

sonhos é que, paradoxalmente, embora a fonte do sofrimento emocional esteja no inconsciente, nós

também procuramos ao inconsciente por ajuda.

Abordagens à psicoterapia tais como a Psicologia Psicanalítica do Self clarificam o nível

humano da psicoterapia, mas não o nível arquetípico ou espiritual. Por exemplo, Kohut (1984)

enfatizou a importância do espelhamento (mirroring) na psicologia; resumidamente, isto significa

responder de uma maneira harmônica ao estado afetivo da pessoa e afirmar seu valor. Isto é

particularmente importante para pacientes a quem jamais se respondeu de maneira empática durante a

infância, e que portanto, permanecem ávidos por receptividade. Para os terapeutas Junguianos,

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responde-se então não apenas no nível humano, mas também à presença do Self como uma criança

divina, o nível pré-pessoal ou transpessoal da criança que esteve sempre presente e jamais reconhecido.

Este Nível arquetípico da criança é visto na mitologia de deuses crianças, tais como o bebê Jesus, o

bebê Krishna, etc. Kohut também descreveu uma necessidade de desenvolvimento por idealizar, por

fundir-se psicologicamente com uma fonte de força e conforto. Este papel é projetado sobre o terapeuta

quando o paciente sofreu um defeito ao longo desta linha de desenvolvimento. Quando se vê outra

pessoa de uma maneira idealizada, de alguma forma perfeita e sábia, se está projetando o Self naquela

pessoa ou inconscientemente buscando o divino em outros.

A Individuação como um Processo Espiritual

Jung acreditava que ele podia discernir um processo teleológico que ele denominou

individuação, significando o desenvolvimento da personalidade, completo e único. Para que a

individuação ocorra, a consciência deve identificar-se com o inconsciente, mas não ser sobrepujada por

ele. A individuação requer a gradual expansão da consciência egóica (ego consciousness), de forma que

conteúdos inconscientes, incluindo material obscuro e doloroso, seja gradualmente reconhecido e

integrado. Não temos ideia de qual será o resultado final deste processo, ou o que ele requererá em

termos de sofrimento; o resultado não pode ser imaginado pelo ego—é preciso tempo para se descobrir

quem realmente se é, mas a ânsia por viver a própria unicidade é uma lei natural inelutável (Jung,

1977c). Uma vez que o processo de individuação é guiado pelo Self, ele pode ser difícil, uma vez que,

como Jung coloca, ―a experiência do self é sempre uma derrota para o ego‖ (1976c, p. 546).

Gradualmente, ―o ego individuado sente a si próprio como o objeto de um sujeito desconhecido e

supra-ordenado‖ (Jung, 1977d, p. 240); ou seja, eu percebo que o Self está ciente de mim. Esta frase

não deve ser compreendida como sugerindo a presença da deidade transcendental do monoteísmo

tradicional; dentro do paradigma de Jung, toda a experiência religiosa é intrapsíquica. Para ele,

―transcendência‖ é uma função de um poder imanente na psique que transcende a possibilidade de

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expressão consciente; nada pode ser conhecido além dos limites da psique (Dourley, 2001). No início

da vida não se está consciente da presença do Self, mas uma pessoa se torna gradualmente ciente da

presença de um spiritus rector (espírito governante) dentro da personalidade, que guia seu

desenvolvimento (Jung, 1978c, p.167). Como qualquer caminho espiritual, este processo não é fácil;

ele expõe a pessoa às demandas do inconsciente—os tradicionais perigos da alma.

A individuação envolve um processo de vida inteira da encarnação de potenciais específicos do

Self em uma personalidade empírica. Para Jung, a vida do Cristo é um exemplo de individuação, uma

vez que ele viveu sua vida tão plenamente quanto possível a despeito do sofrimento em que isto

incorreu (Jung 1977a; Edinger, 1987), mas Jung crê que nós podemos todos agora nos tronar

conscientes desta encarnação em nós mesmos, ao invés de depositar tudo no Cristo (McGuire & Hull,

1987, p. 97-98). A individuação pode ocorrer inconscientemente, em cujo caso simplesmente vive-se a

vida e o desenvolvimento ocorre naturalmente, ou melhora-se o processo tornando-se consciente dele

(Jung, 1977c), que é a função da psicoterapia.

Individuação não quer dizer egocentrismo; individuação quer dizer que embora não se esteja

alienado de, ou em oposição às normas coletivas, se está orientado a elas de forma diferente. Não se

ignora o mundo, mas antes ―toma-se o mundo para si mesmo‖ (Jung, 1978b, p. 226). A pessoa se

diferencia tanto quanto possível da família e da cultura, mas paradoxalmente, quanto mais ele

individua-se, mais é levada a relacionamentos, ao invés de isolamento (Jung, 1971). Eventualmente,

experimenta-se o Self como novo centro de consciência. Todas as tradições religiosas oferecem

caminhos rumo à individuação, mas pode-se também individuar-se fora de uma tradição religiosa

prestando atenção às manifestações do Self (a fenomenologia do espírito) dentro da própria alma.

A Função Religiosa da Psique

Esta seção descreve o que pode ser o centro da psicologia de Jung—sua noção de que a psique

tem uma função religiosa intrínseca, uma tendência natural e espontânea a produzir experiências

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religiosas. Jung acreditava que uma experiência do nível arquetípico do inconsciente, ou o contato

direto com o Self, produz experiências numinosas ou místicas. Nisto, Jung foi influenciado pelo

conceito de Rudolf Otto (1958) do numinoso, embora haja algumas diferenças de perspectiva entre

seus usos do termo. Otto descrevia a experiência numinosa como um encontro com o mysterium

tremendum et fascinans. Exemplos bíblicos são Deus dirigindo-se a Moisés na sarça em chamas,

(Êxodo 3), ou Saulo na estrada para Damasco, que ouve Jesus dizendo ―Por que me persegues?‖ (Atos

9, 3-9). Frente a tal experiência o indivíduo fica impressionado, produzindo a ―humildade sem

palavras‖ de uma criatura frente a um mistério inexpressível (Otto, 1958, p. 13). Estas experiências

produzem perplexidade, pavor, e uma sensação de estranheza. Elas também são fascinantes,

prometendo amor divino, perdão ou graça, embora às vezes elas possam produzir horror e terror. A

experiência numinosa não pode ser causada intencionalmente, e não pode ser controlada; ela tem que

ser sofrida sem ser compreendida.

Como Otto, Jung (1978a) crê que as experiências numinosas são experiências irredutíveis do

sagrado, mas enquanto que Otto associa a experiência numinosas com a imagem de Deus cristã, para

Jung uma experiência numinosa não apresenta conotações teísticas e pode aparecer em qualquer forma.

Para Otto o numinoso é ―inteiramente outro‖, enquanto que para Jung há uma imagem de Deus

localizada dentro da psique, de maneira que o divino está mais ―aqui dentro‖ do que ―lá fora‖.

Diferente de Otto, Jung (1965) não acredita que a indivíduo deva submeter-se totalmente à experiência

numinosa; ele acredita que é importante que o ego tome uma posição em relação à experiência

transpessoal. Jung (1997b) reconhece que a despeito de sua importância, uma experiência numinosa

pode causar a fragmentação da personalidade, de forma que ele acredita que se deva manter certa

distância dela ao invés de ser completamente sobrecarregado por ela, o que pode produzir uma psicose.

Os terapeutas Junguianos encorajam o indivíduo a tentar relacionar-se à experiência ao invés de

identificar-se com ela, e tentar encontrar uma forma de expressá-la através de um meio como pintura,

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escrita ou dança.

Jung (1973) acredita que, qualquer que seja a forma que elas tomem, experiências numinosas

podem ter um efeito curativo—de fato, ele observa que ―a aproximação do numinoso é a real terapia‖

(1973, p. 377). Por exemplo, uma mulher cuja mãe era desvalorizadora, distante, e crítica dela e de seu

corpo, teve o seguinte sonho:

Estou em um elevador de vidro que, sem ter cabos visíveis, está se dirigindo em linha reta para

cima, no meio de um vasto espaço aberto. O céu está limpo e azul, e posso ver por centenas de

quilômetros. Eu percebo que estou apertada contra um grupo de lindas e sobrenaturais

mulheres, que estão oscilando e cantando uma melodia hipnotizante. Nós estamos nuas. Eu sou

erguida por elas, elas me segura, me acariciam e me abraçam. Sua canção fala de amor,

compaixão e perdão. Há um sentimento de intimidade. A certa altura, elas começam a derramar

mel em mim; a sensação é amorosa e doce; sou preenchida com incríveis paz e alegria, além de

palavras ou descrição.

Este sonho numinoso abordou diretamente suas dificuldades emocionais e teve um poderoso efeito

curativo. Ele atende aos critérios de Otto—é misterioso, tremendo e fascinante— mas as imagens não

tem nenhuma relação particular com a tradição judaico-cristã. Estes tipos de experiência numinosa são

afetivamente poderosos, que é a razão pela qual são úteis, uma vez que ―a coisa que cura a neurose

deve ser tão convincente quanto a neurose, e uma vez que a última é real em demasia, a experiência útil

deve ser igualmente real‖ (1977a, p. 105).

Jung (1977b) acredita que o espírito do Iluminismo de nossos tempos nos alienou das

profundidades da psique, de onde emanam tais experiências numinosas. Jung preocupa-se que, para

muitas pessoas modernas, ―tudo se encontra externamente‖... na Igreja e na Bíblia—mas jamais

interiormente... Muito poucas pessoas experimentaram a imagem divina como a posse mais íntima de

suas próprias almas (p. 12) Os racionalistas confrontam os conteúdos numinosos do inconsciente com

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um preconceito materialista, reduzindo ou ignorando imagens que tem um grande significado

simbólico para a alma. Em contraste, Jung (1977a) acreditava que experiências numinosas são um

tesouro que nos fornece uma fonte de vida, significado e beleza: ―se tal experiência ajuda a tornar sua

vida mais saudável, mais bela, mais completa e mais satisfatória para você e aqueles que te amam,

você pode seguramente dizer: 'Esta foi a graça de Deus'‖ (p. 113-4). Experiências numinosas podem ser

reduzidas desprezando-as como alucinatórias, histéricas ou produtos de uma imaginação superexcitada,

mas na falta de outras evidências de distúrbios psicológicos manifestos, os terapeutas Junguianos estão

inclinados a aceitar estas experiências em princípio, como experiência direta do sagrado. Quando a

experiência é auto autenticadora em função de seu poder emocional, o terapeuta precisa apenas afirmar

ou espelhar a apreciação da experiência do paciente. Ocasionalmente, pode-se precisar explicar a um

paciente perplexo o que é que ele ou ela experimentou. A tarefa terapêutica é ajudar a pessoa a

assimilar a experiência e seus efeitos em sua vida. Jung acredita que a psique é por natureza religiosa, e

espontaneamente produz experiências numinosas, que para Jung são uma forma de revelação contínua

ocorrendo dentro da psique individual. Para ele, a revelação não está confinada a um evento em

particular na história sagrada de uma tradição religiosa. A revelação pode aparecer para o indivíduo de

uma maneira que não necessariamente coincida com as escrituras tradicionais, ou sua elaboração pelas

igrejas. As religiões tradicionais que se concentram principalmente no culto, estudo da Bíblia, e

pregação frequentemente não enfatizam a experiência direta do numinoso, mas para Jung ―é inútil

louvar a luz e pregá-la, se ninguém pode vê-la‖; o problema é ensinar às pessoas a arte de ver (p. 13),

porque as pessoas não percebem que as imagens numinosas jaz dentro da psique. Entretanto, as igrejas

tradicionais frequentemente desconfiam de experiências místicas diretas, porque elas podem contrariar

sua teologia. Jung dá o exemplo de Nicholas von Flüe, no século XV, que experimentou uma

assustadora visão numinosa. Ele esforçou-se por dar sentido a esta experiência à luz de sua teologia, e o

fez decidindo que ele devia ter ―contemplado à própria Santíssima Trindade‖, muito embora a

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experiência original não fosse absolutamente trinária. Foi preciso um longo esforço para dar à

experiência uma forma que Nicholas pudesse entender, usando o dogma para transformar ―algo

horrivelmente vivo na bela abstração da ideia da Trindade‖, uma transformação que o salvou da

fogueira (1977c, pp. 9-13). Para Jung este é um exemplo da maneira em que o dogma protege a pessoa

ao custo de alterar o significado de uma experiência genuinamente numinosa. Jung (1977a) diz até

mesmo que é a função da Igreja opor-se a formas de experiência religiosa quando elas são não

ortodoxas. Ele crê que a Igreja tentou suprimir o gnosticismo porque ele continha motivos mitológicos

e elementos irracionais que o cristianismo não podia incorporar.

Experiência Numinosa: Implicações Clínicas

Clínicos Junguianos frequentemente veem imagens numinosas que contradizem os

ensinamentos da religião da infância de um paciente. Tais experiências numinosas estão

frequentemente relacionadas às dificuldades emocionais do paciente. Uma mulher com um pai furioso

e abusivo cresceu em uma família fundamentalista em que lhe foi ensinado que ela era uma pessoa

pecadora em grave risco de punição por um Deus irado. Em um sonho, ela está em uma biblioteca (um

local de segurança para ela) em que Jesus está lendo um livro para uma criança pequena. A sonhadora

está encantada de estar em sua presença; ela caminha até ele, e se apoia nele. Ele passa seu braço em

torno da sonhadora, em que ―todo meu ser foi inundado de aceitação, amor e paz‖. Ela entendeu isto

como significando que ―Se eu era amada por Jesus, eu devia ser boa‖. Este sonho não pareceu apenas

sacramental, ele teve um efeito profundamente curativo; como ele foi uma experiência direta do

sagrado, ele apaziguou seus medos da danação eterna de uma maneira que teria sido difícil de realizar

apenas com meios psicoterapêuticos.

Jung frequentemente adverte que experiências numinosas não são sem perigos; elas podem

possuir as pessoas e inspirá-las a crer que elas são profetas. A identificação com o numinoso então leva

à uma perigosa inflação. Portanto, ter tido tal experiência ponderosa é crucial superar a tentação de

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colocar-se como um redentor do mundo (Jung, 1977d). Ironicamente, a despeito de seus frequentes

avisos sobre estes perigos, os detratores de Jung frequentemente o acusavam destes precisos excessos

(Corbett, 2011a).

Para o psicoterapeuta é importante observar que uma experiência numinosa pode ou não ter um

conteúdo judaico-cristão tradicional—apenas sua qualidade afetiva é importante. Geralmente,

percebemos que a experiência aborda um aspecto particular da vida do indivíduo, tal como uma

dificuldade psicológica ou um problema existencial. A experiência pode ocorrer em um de vários

modos; como um sonho, uma visão em estado de vigília, através do corpo, no mundo natural, no

decurso de trabalho criativo, ou como um evento sincronístico (Corbett, 1996; 2000a; 2000b; 2006). Os

Junguianos prestam particular atenção aos sonhos, que se acredita serem produzidos pelo Self,

seguindo uma longa tradição bíblica de sonhos enviados por Deus (1978a). Como Dourley (1981)

destaca, uma vez que o numinoso se manifesta dentro da psique, a psique é sacramental. Para Jung

(1977b), a relação entre a psique e Deus é como a que existe entre o olho e o sol, e: ―seria blasfêmia

afirmar que Deus pode se manifestar em todos os lugares exceto apenas na alma humana‖ (p. 10).

Na prática clínica às vezes observamos que as experiências numinosas falam por si mesmas e

não precisam de interpretação, mas outras vezes imagens numinosas muito enigmáticas ou assustadoras

irrompem na consciência, como o sonho seguinte indica. Para o sonhador, estas imagens foram

profundamente misteriosas, muito poderosas, e fascinantes ao mesmo tempo:

Eu estava em um laboratório de química. Eu senti um pequeno movimento em meu ouvido

esquerdo, e com meu dedo eu peguei uma pequena cobra com as asas de um pássaro. Eu pus a

cobra em um frasco, e imediatamente havia uma linda, exuberante floresta no frasco. Isto

ocorreu de novo com um segundo frasco. Subitamente, uma cobra alada muito maior voou do

meu ouvido esquerdo, seguida de perto por uma segunda exatamente igual. Sangue começou a

correr do meu ouvido. Então minha pele começou a se desprender, e uma enorme cobra alada

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subiu por minha garganta e irrompeu por minha boca à medida que meu rosto caia para trás e

começava a deslizar para baixo ao longo do corpo da cobra emergente. A sensação era de que eu

ia morrer, uma vez que esta cobra era muito maior do que meu corpo. Eu acordei com medo,

antes que meu corpo fosse completamente desprendido.

Este tipo de sonho numinoso é às vezes considerado demoníaco pelos tradicionais guias

espirituais. (esta interpretação foi dada a uma paciente minha por seu pastor quando ela lhe disse que

tinha sonhado com Jesus como uma mulher). Entretanto, dada a numinosidade deste sonho, terapeutas

Junguianos não julgariam sua origem desta forma. Nós tentaríamos entender as imagens nos termos da

história de vida da pessoa, levando em conta seu desenvolvimento, estrutura de personalidade, e seu

ambiente cultural. É importante também discernir a importância prospectiva do sonho, a direção em

que ele está movendo o sonhador. Neste caso, dada a falta de associações pessoais do sonhador, o

sonho não pôde ser compreendido em termos puramente pessoais. Tampouco ele pode ser explicado

apenas em termos da tradição judaico-cristã; ele requer uma excursão pela ampla história mítica da

humanidade para que seu significado possa ser entendido. A cobra é um símbolo enormemente

complexo—ela não é simplesmente fálica ou demoníaca. A serpente alada é uma imagem mitológica da

harmonia entre céu e terra, ou da união da matéria ctônica e do espírito. A cobra pode representar a

energia vital primordial, ou o nível primitivo, instintivo da psique, e como ela troca de pele, também

implica em uma capacidade de renovação. Na antiguidade, a cobra estava associada à Grande Mãe ou à

deusa, e muitas outras deidades, incluindo Esculápio, o curandeiro divino. O sonho representa portanto

uma tremenda ativação de tais forças arquetípicas dentro do inconsciente do sonhador. É comum que as

imagens de sonho numinosas tomem uma forma que é bastante diferente da tradição religiosa do

próprio sonhador. Em tal caso, o terapeuta tenta ajudar a pessoa a encontrar o significado da

experiência, se necessário localizando suas imagens em religiões ou mitologias com as quais o

sonhador pose não estar familiarizado. Uma vez que o material simbólico de qualquer mitologia ou

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tradição religiosa pode aparecer no sonho de um paciente, os terapeutas Junguianos tentam se

familiarizar com tantas tais tradições quanto possível.

Uma vez que fenômenos numinosas são intrapsíquicos e de grande importância subjetiva, Jung

crê que eles são a província apropriada da psicologia. Em função da influência de Kant, que nega a

possibilidade de saber qualquer coisa definida sobre o reino metafísico, Jung afasta-se de especulações

sobre a fonte das experiências numinosas e não faz alegações ontológicas sobre o Deus transcendental

da religião tradicional. Ele insiste que ele não pode fazer quaisquer afirmações sobre o divino em si,

uma vez que esta é a província da teologia. Ele pode falar apenas da imagem de Deus que aparece na

psique. Esta insistência, entretanto, não o protegeu de críticas, tanto de psicólogos quanto de teólogos.

Fromm (1959) reclamou que Jung eleva o inconsciente ao status de um fenômeno religioso. Buber

objetou que falar do Self como uma imagem intrapsíquica do divino reduz Deus a algo psicológico e

portanto não transcendente, enquanto que para Buber o divino é um ―Outro absoluto‖, uma realidade

ontológica além da psique e independente do ser humano (1952, p. 68).

Jung respondeu a tais críticos assinalando que a psique é real, portanto uma imagem de Deus

intrapsíquica é real. Ademais, nós podemos experimentar o mundo ou Deus por meio da psique, e o

psicólogo não pode dizer o que jaz além dela. Ele insistia que ele estava meramente apontando o fato

empírico de que o mistério divino escolhe manifestar-se por meio da psique, uma afirmação que não

exclui a possibilidade de um nível transcendental da divindade—significa apenas que especulação

sobre aquele nível não é a província da psicologia. Para Jung, o Outro de Buber é na verdade o nível

transpessoal da psique, com o qual o ego está em relação. Jung incisivamente apontou que o Tu divino

de Buber seria definido de uma forma por Buber, e de outra pelos defensores de outras tradições. Deve-

se entretanto reconhecer que se Jung está correto, o valor da prece e do ritual são postos em questão;

eles têm um referente objetivo? Talvez eles sejam simplesmente uma expressão do eixo ego-Self.

Dourley (2002) sugere que não há base comum entre Jung e Buber porque as diferenças entre o

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monoteísmo tradicional e a abordagem de Jung são fundacionais e irresolúveis.

Para Jung, quando experimentamos o numinoso não podemos distinguir se estas ações emanam

de Deus ou do inconsciente. ―Nos não podemos dizer se Deus e o inconsciente são duas entidades

diferentes. Ambos são conceitos limítrofes para conceitos transcendentais‖ (Jung, 1977a, p. 468). Jung

(1977a) não se compromete inteiramente sobre se o que chamamos Deus é sinônimo com o

inconsciente, ou se o inconsciente é simplesmente um meio de expressão divina; ele acredita que

empiricamente, não podemos distinguir entre estas possibilidades. Ele insiste que não temos ideia da

natureza do inconsciente, que é apenas um pressuposto, não uma entidade independente cuja essência

metafísica nós compreendemos (Jung, 1979). O inconsciente ―designa apenas meu não-saber‖ (Jung,

1973, p. 411; ênfase no original). ―O conceito do inconsciente é uma hipótese com fins de

conveniência‖ (Jung, 1977a, p. 39). Jung vê o inconsciente como um tipo de consciência em si mesmo;

ele observa que percepção, pensamento, volição e intenção ocorrem no inconsciente como se um

sujeito estivesse presente (Jung, 1978b). O inconsciente não pode ser hipostasiado; ele contém muitos

centros de consciência, ele não é uma entidade e não deve ser considerado como ―um sistema pessoal

encapsulado‖ (1977c, p. 22).

Parte da resistência à ideia de que a psique desempenha um papel na produção da experiência

numinosas parece originar-se de um preconceito que quer tornar a religião a provincial apenas do

sublime e do transcendente, desligando-se, assim, de realidades psicológicas cotidianas e da

psicopatologia, que são vistas como de alguma forma inferiores às realidades religiosas. Como Schaer

(1950, p. 60) aponta, é em parte esta a razão dos contemporâneos de Freud terem ficado tão ultrajados

por ele ligar a religião à psicologia humana comum. Algumas das mesmas críticas ainda parecem

aplicar-se a teólogos que criticam a abordagem de Jung à religião, uma vez que ele a liga tão

intimamente às estruturas da psique. Assim, lembrando o debate Jung-Buber, quando Edinger (1984)

ousadamente sugeriu que uma abordagem de psicologia profunda à espiritualidade (do tipo descrito

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neste capítulo) poderia ser uma forma emergente de dispensação divina, ele foi acusado de confundir os

discursos teológico e psicológico.

Jung Sobre a Alma

Jung publicou seu O Homem Moderno em Busca da Alma em 1933, uma época em que muitos

behavioristas e psicanalistas estavam negando a própria existência da alma, e evitavam o uso de tal

linguagem porque ela soava teológica demais. Os Junguianos usam o termo ―alma‖ em uma variedade

de maneiras, todas as quais são distintas do uso tradicional teológico. Para os Junguianos em geral,

―alma‖ é sinônimo de psique. Às vezes também se fala da alma como se fosse uma espécie de ―órgão‖

psicológico que nos permite construir uma ponte para o espírito, moldando aquela experiência em

imagens e efeitos que podemos experimentar inteligivelmente. (Aqui, ―espírito‖ é utilizado para

designer o nível transpessoal da psique, ao invés de em seu sentido tradicional como o poder e a

presença de Deus). A palavra alma também é usada para transmitir um senso de profundidade,

completude, significado, e a mais profunda subjetividade do indivíduo como distinta das preocupações

cotidianas do ego (Corbett, 2009).

Mais importante para Jung, a alma ou psique é a sine qua non de toda a experiência e é um

domínio em si mesma; a alma não é redutível ao funcionamento do cérebro (1978b; 1978a). Esta

questão é tão controversa entre os Junguianos quanto na comunidade geral de psicólogos e filósofos.

Alguns Junguianos contemporâneos apontaram uma variedade de maneiras em que a neurociência

contemporânea é compatível com as teorias de Jung. Os arquétipos foram vistos como as funções

emergentes do hemisfério cerebral direito em desenvolvimento, e a ênfase de Jung no inconsciente e no

sistema-self (self-system) é vista como consistente com o entendimento contemporâneo dos mais altos

níveis do hemisfério direito não-verbal (Wilkinson, 2006). Para muitos de nós, entretanto, esta

abordagem é próxima demais do fisicalismo ou do monismo materialista, o que tornaria a psique um

epifenômeno do cérebro. O funcionamento do cérebro pode explicar a emergência de um self pessoal,

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mas não a existência do Self transpessoal quando ele é entendido como o Deus interior. Dado nosso

presente estado de conhecimento, parece preferível tolerar a tensão criada pela questão mente-cérebro

sem uma tentativa de encerramento prematura.

A Epistemologia de Jung

A ênfase de Jung na realidade da psique é crucial para compreender seu ponto de vista teórico,

que tem importantes implicações clínicas. Para ele, a psique é real porque ela têm efeitos reais. Ela

parece ter seus próprios propósitos, e deve ser abordada em seus próprios termos (Jung, 1978b). O

ponto de vista psicológico de Jung evita o realismo extremo (esse in re) e o idealismo extremo (esse in

intellectu). Ele denominou sua postura epistemológica esse in anima, que reconhece que há um mundo

externo mas sustenta que a psique é o elo indispensável entre nossa experiência subjetiva do mundo e o

mundo em si (Jung, 1971). Em defesa desta posição, Kotsch (2000) argumentou que a epistemologia

não-objetivista de Jung é consistente com aquela adotada por muitos cientistas cognitivos

contemporâneos. A psicologia não-objetivista contrasta vividamente com a o objetivismo tradicional,

que sustenta que a mente é um reflexo passivo do mundo de objetos reais, e que conceitos são

significativos à medida que eles correspondem a objetos conhecidos—isto é, ordem e significado são

presumidos como sendo externos à experiência humana. Alguns psicólogos e filósofos da ciência agora

acreditam que esta perspectiva não pode estar correta, dada a descoberta do ―inconsciente cognitivo‖ e

a importância do conhecimento tácito no pensamento consciente. Estes escritores sugerem que a

relação entre sujeito e objeto é essencialmente psicológica, dependente dos processos mentais e sociais

humanos. A ênfase de Jung na realidade da psique e sua posição epistemológica mediam entre a

escolha forçada entre descrições objetivistas e relativistas do conhecimento. Na epistemologia

interacionista de Jung, uma imagem mental não é uma simples cópia de um objeto no mundo externo,

mas é em parte gerada pelas próprias predisposições da psique. A ênfase de Jung na realidade da psique

significa que o mundo físico não é a única realidade; nós podemos confiar em nossa intuição de que há

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um nível espiritual não detectável pelos sentidos. A imaginação tem sua própria realidade, e para o

clínico, os conteúdos psicológicos do paciente, não importa o quão bizarros, não podem jamais ser

desprezados como fabricações sem sentido; eles são uma realidade viva, que tem efeitos reais. Um

medo de fantasmas é tão real quanto o medo de fogo.

Jung Sobre Religião, Dogma, e Doutrina

Jung usa o termo ―religião‖ em um de seus sentidos etimológicos tradicionais, do latim

relegere; religião significa atenção cuidadosa ao que quer que seja numinoso (1977a). Para Jung, a

religião é tão importante que longe de ser regressiva ou neurótica, a falta de uma conexão espiritual é

uma potencial fonte de neuroses. Para Jung (1976a), as instituições religiosas agem como sistemas

psicoterapêuticos. Elas permitem ao crente sentir-se parte de um todo e a encontrar ajuda quando em

sofrimento; elas fornecem ensinamentos espirituais e uma resposta aos dilemas da vida. Ao mesmo

tempo, Jung (1975a) enfatiza a experiência direta do sagrado em contraste a abordagens de religião

baseadas puramente na fé, as quais ele crê invariavelmente produzirem, ao menos inconscientemente,

uma dúvida concomitante que precisa ser reprimida. Jung era, portanto, ambivalente a respeito da

crença em dogmas e doutrinas tradicionais. Ele acreditava que o dogma, símbolos tais como a cruz, e

rituais originam-se todos no nível arquetípico da psique, de forma que religiões permitem que este nível

do inconsciente seja experimentado de uma forma contida. Uma experiência individual com o

numinoso era seguida pela fé na experiência e então sua institucionalização na forma de dogma (Jung,

1977b). Dogmas tais como o Deus-homem, o Nascimento Virginal, e a Trindade são imagens

arquetípicas do divino, que também são encontradas em diversas religiões pagãs pré-cristãs (Jung,

1977a). Portanto, uma vez que eles são arquetípicos, quando dogmas como estes são vivos para uma

pessoa, eles fornecem contato indireto com o inconsciente, ainda que ao preço de uma conexão com

sua própria psique. Para que a religião seja autêntica, a fé deve estar conectada a experiências pessoais

que correspondam aos preceitos da tradição. A religião institucional só é útil se se seus símbolos são

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vivos e significativos para o indivíduo; de outra forma, a crença em um credo pode substituir a uma

espiritualidade real, uma vez que ela diz ao indivíduo em que crer, o que pode tornar a experiência

direta do sagrado mais difícil de se atingir, e assim pôr-se no caminho do desenvolvimento espiritual. A

aderência a um credo institucional pode proteger a pessoa da experiência numinosa imediata, o que

pode ser uma salvaguarda importante para pessoas que não conseguem tolerar a intensidade afetiva da

experiência numinosa e para aquelas que precisam de certeza e estruturas externas. Entretanto, a crença

sem a experiência direta do sagrado pode desaparecer sob a investida de eventos de vida dolorosos,

enquanto que a experiência direta do numinoso produz fé e conhecimento que são auto-autenticantes e

não requerem crença em função do poder da experiência (Jung, 1977a). Abordar o sagrado em termos

de experiência pessoal evita o problema de decidir qual das afirmações teológicas competidoras das

religiões tradicionais está correta.

Na crise espiritual produzida pelo desaparecimento dos símbolos tradicionais judaico-cristãos,

Jung recomenda voltar-se à experiência pessoal da psique autônoma, que produz a experiência religiosa

primordial, uma volta que ele crê ser capaz de restaurar a fé. As imagens numinosas da psique fazem

uma ponte entre o consciente e o inconsciente. Estas imagens se tornam símbolos pessoais que podem

não ter sentido para outros, mas por serem numinosas elas permitem o desenvolvimento de uma

espiritualidade pessoal, em contraste a uma espiritualidade coletiva. Por exemplo, eu relatei o sonho de

um padre católico em que a enorme figura da Vênus de Willendorf aparece acima dele; de seu seio um

fluxo de leite flui para o cálice que ele está segurando (Corbett, 2007). Isto representa a imagem

arquetípica da deusa em uma forma pré-cristã, dizendo ao sonhador que o sustento do divino feminino

é sacramental para ele. Esta imagem numinosa compensa uma figura do divino excessivamente

masculina. A intensidade afetiva deste sonho faz desta figura um verdadeiro símbolo religioso para ele,

embora ela não o fosse sê-lo considerada em sua igreja— um exemplo da maneira em que a psique

autônoma não pode ser cristianizada. O inconsciente produz material simbólico de qualquer panteão

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religioso que pode ser herético à tradição do indivíduo, mas que é de qualquer forma de grande

significado pessoal. Desnecessário dizer, a maior parte das tradições estabelecidas hesitaria frente à

ideia de aceitar uma tal manifestação do inconsciente como uma autêntica revelação do sagrado, mas

para o terapeuta Junguiano, a qualidade emocional do sonho atende aos critérios de numinosidade de

Otto. Pode-se entender a ansiedade que esta abordagem pode produzir, uma vez que ela poderia abrir as

portas a material patológico sendo aceito como espiritualmente válido, uma preocupação que

provavelmente contribuiu ainda mais para o desgosto do teólogo pela abordagem de Jung. Os

Junguianos responderiam apontando que os perigos de se encarar material inconsciente não são

diferentes dos perigos da experiência religiosa em geral—como coloca o Novo Testamento: ―Terrível

coisa é cair nas mãos do Deus vivo‖ (Hebreus 10: 31). As imagens numinosas deste tipo

frequentemente aparecem quando o indivíduo está em uma crise de vida—certamente isto é provável

no caso de pessoas em psicoterapia. Tipicamente, os terapeutas Junguianos descobrem que tal

experiência tende a produzir uma nova postura nos sintomas da pessoa, mesmo que eles não sejam

atenuados.

Jung Enquanto Empirista e Fenomenologista

Jung era comumente acusado de praticar metafísica, ao que ele tipicamente respondia que ele

repudiava especulações metafísicas e relatava apenas observações empíricas. Ele afirma trabalhar

fenomenologicamente, declarando que ele está preocupado apenas com o fenômeno da religião, e evita

especulação sobre a fonte e natureza das experiências religiosas. O clínico Junguiano tenta entender o

significado psicológico da experiência numinosa sem interpretá-lo em termos de doutrinas pré-

existentes e sem fazer afirmações ontológicas sobre a fonte da experiência.

A Crítica de Jung da Imagem de Deus Cristã

Uma abordagem Junguiana à imagem de Deus dominante é útil para muitas pessoas

contemporâneas para quem a imagem de deus cristã não é mais significativa. Jung acreditava que a

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imagem de Deus cristã era excessivamente masculina, e demasiado exclusivamente luz. Foi, portanto,

importante para ele que em 1950 o Papa pronunciou o dogma de que a Abençoada Virgem Maria havia

sido assunta ao céu de corpo e alma, uma vez que isto finalmente integrou os aspectos femininos do

divino à imagem de Deus oficial cristã (Jung, 1973, p. 567) Mais controversamente, Jung acreditava

que uma vez que o Self é uma totalidade ele deve conter todos os opostos, e assim, deve ter tanto um

lado de luz quanto um lado de escuridão. O lado escuro da imagem de Deus da bíblia Hebraica é

aparente, por exemplo, em Isaías 45:7, que diz que Deus cria tanto ao mal quanto à paz, e em Amós

3:6, que afirma que o mal não se abate sobre uma cidade a menos que o Senhor o deseje. Entretanto,

escritores cristãos preferem projetar o mal na figura de Satã ou do Anticristo e insistir em Deus como

amor. Assim, João 1:5 afirma que ―Deus é luz, e não há nele quaisquer trevas‖. (O livro do Apocalipse

de é uma exceção a esta imagem de Deus benevolente). Entretanto, Jung (1976) sentia que excluir o

mal de nossa imagem do divino não está de acordo com eventos como o Holocausto e a bomba

atômica. Ele acreditava que a noção de Santo Agostinho de que o mal é o privatio boni, a ausência do

bem, não fazia justiça ao poder e à presença do mal no mundo (Jung, 1978c). Embora as críticas de

Jung não façam justiça às ideias de Agostinho, Jung preocupa-se de que a ideia de que ―todo o bem

vem de Deus e todo o mal vem do homem‖ cria uma inflação em nós, uma ―vaidade Luciferiana‖ que

dá ―monstruosa importância à alma‖ sem mencionar que Deus criou à serpente no Jardim do Éden

(1973, p. 540). Jung portanto objetava à noção medieval de Deus como o summum bonum (bem maior)

uma vez que nossa imagem da realidade última deve representar todas as qualidades de sua criação,

tanto benevolentes quanto malevolentes (1975a). Para alguns pacientes em psicoterapia, a noção de que

o divino tenha tanto um lado obscuro quanto um lado feminino é muito útil; ela lhes permite manter

uma relação com o divino que não está subordinada à imagem de Deus tradicional.

Para Jung, um importante exemplo do lado escuro da imagem de Deus tradicional é encontrado

no livro de Jó. Na Resposta a Jó de Jung, ele sugere que nesta história a figura de Javé é forçada a

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tornar-se consciente de seu lado escuro. Jó assim age como uma consciência reflexiva para o divino,

que precisa igualar o desenvolvimento moral da humanidade, representado por Jó, como resultado do

qual a imagem de Deus canônica tem de mudar. Assim, a resposta Jó é a encarnação no Cristo, uma vez

que a imagem de Deus da bíblia Hebraica agora se torna um Deus de amor que vive e sofre entre os

seres humanos. Nesta discussão, Jung insiste que ele está falando apenas da imagem de Deus

antropomórfica encontrada no livro de Jó (Jung, 1975a), e se considerarmos sua palavra, Jung não está

falando da escuridão do divino em si. Entretanto, como este texto repetidamente usa as palavras Deus

ou Javé, e raramente o termo imagem de Deus, muitos intérpretes creem que Jung estava acusando o

próprio divino de comportar-se inconscientemente. Jung pode ser lido desta forma porque ele sugere

que uma vez que o divino em si é uma totalidade indivisa, os princípios opostos dentro da natureza

divina (por exemplo, Javé como tanto perseguidor quanto auxiliador) podem apenas separar-se em seus

opostos constituintes quando eles são experimentados dentro da consciência humana, de forma que nos

tornamos ―recipientes cheios do conflito divino‖ (1977a, p. 416). Alguns terapeutas Junguianos

portanto acreditam que os seres humanos agem como uma consciência reflexiva para a divindade em si.

Aplicado à prática da psicoterapia, isto significa quanto mais conscientes nos tornamos, mais prestamos

um serviço ao divino, permitindo-lhe diferenciar e tornar-se consciente de si mesmo dentro da psique

humana. Como disse Jung, ―Deus torna-se manifesto no ato humano da reflexão‖ (p. 161) – outro

exemplo da ideia tradicional de que o potencial divino toma forma apenas dentro de sua criação.

Tendências Contemporâneas na Prática Junguiana

A comunidade terapêutica Junguiana está atualmente preocupada com muitos dos problemas

que ocupam o campo mais amplo da psicoterapia, a correlação das ideias Junguianas e da

neurobiologia, teoria do afeto, traumas, adição, identidade de gênero, teoria de dinâmica de sistemas

(dynamic systems theory), complexidade, e a natureza do self. Ao mesmo tempo, há algumas questões

de pesquisa como a sincronicidade e sua relação com a noção da mecânica quântica, de não localidade,

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que estão especificamente ligadas à teoria Junguiana. Cambray (2010) está tentando ligar a noção de

Self de Jung às teorias de emergência contemporâneas. A tipologia de Jung (Beebe, 2006) é

amplamente usada na forma do Indicador de Tipo de Myers-Briggs, agora um popular instrumento

psicológico.

Jung estava preocupado em desenvolver sua psicologia como uma ciência da subjetividade,

uma maneira de estudar-se o mistério da personalidade. Ele estava principalmente preocupado com o

status científico da psicologia face à ―equação pessoal‖— a consciência do pesquisador. Ele acreditava

que a psicologia encontra-se entre as ciências naturais e humanas, e ele colaborou com o físico

quântico Wolfgang Pauli nesta área. A crítica acadêmica padrão de Jung é a falta de evidências

empíricas para suas ideias, mas Jung por sua vez criticava a abordagem experimental e estatística da

psicologia acadêmica convencional, com base em que estas abordagens impõem condições sobre a

natureza que a forçam a responder de uma maneira que seja orientada à questão humana e assim

limitam as respostas possíveis da natureza. Ele acreditava que isto produzia uma visão preconceituosa e

parcial, deixando de for a aspectos únicos, não repetíveis ou raros do mundo que não podem ser

abordados estatisticamente (Jung, 1978b). (Experiências numinosas são um bom exemplo do último

tipo de experiência). Em resposta a críticos de sua teoria dos arquétipos e a psique objetiva, que ainda é

descartada por cientistas positivistas, Jung (1975a) defendia o valor heurístico e status empírico destes

conceitos, o que ele acreditava que lhes desse uma explicação satisfatória para suas observações. Ele

apontava que a maneira em que provamos um fato é diferente em diferentes disciplinas, levantando a

questão contemporânea da natureza da evidência. Jung percebeu que seu trabalho deixara muitas

pendências, e ele sugeriu várias áreas de pesquisa em potencial, a maior parte das quais entretanto

foram ignoradas por seus estudiosos contemporâneos (Shamdasani, 2003). Um dos problemas do

campo é que muitos Junguianos estão satisfeitos com as ideias de Jung de uma maneira bastante

complacente e limitada, e não buscam à comunidade acadêmica. Isto pode ser em função de um medo

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de que o ensino de Jung na universidade pode levar a uma abordagem externa e intelectualizada da

psique, ao invés de um encontro pessoal com o inconsciente transpessoal. O próprio Jung acusava as

universidades de ―racionalismo estéril‖ e falta de visão. Tacey (1997) apontou que a abordagem neo-

Platônica de Jung ao conhecimento é um desafio para a inclinação Aristotélica, heroica da academia,

que valoriza a lógica e a racionalidade. Jung fala de forças invisíveis, espirituais na psique que não se

prestam a quantificação, uma abordagem que é vista com suspeita pelos pesquisadores empiristas

tradicionais, que o veem (injustamente, uma vez que esta não era sua intenção) como o fundador da

especulação New-Age. Eles acreditam que uma vez que as ideias de Jung ―não podem‖ ser verdadeiras

de acordo com sua visão de mundo materialista, suas ideias ―não devem‖ ser verdadeiras.

Quase toda a literatura Junguiana é qualitativa, fenomenológica e hermenêutica ao invés de

empírica, quantitativa ou estatística; a pesquisa tende a focar-se em estudos de caso individuais, no

processo da psicoterapia, imagens arquetípicas, tipologia, mitologia, religião, e as humanidades. Para a

maioria dos clínicos Junguianos, modelos de prova positivistas-fisicalistas não parecem apropriados

para este tipo de material, especialmente dadas as importantes diferenças entre as suposições

ontológicas da ciência materialista e a psicologia Junguiana. A escassez de pesquisas empíricas neste

campo também é atribuível ao tipo de personalidade que é atraído pela psicologia Junguiana. A maior

parte dos Junguianos são introvertidos e intuitivos, com uma visão de vida Romântica e religiosa,

preocupados com seu próprio processo de individuação e não atraídos a pesquisas quantitativas. Estes

fatores contribuem para a alienação da psicologia Junguiana da corrente principal da psicologia

acadêmica, que vê os Junguianos como ingênuos demais. Os Junguianos por sua vez veem a academia

como demasiado fria e ignorante dos níveis transpessoais da psique, talvez até defendida contra eles. O

rompimento de Jung com Freud, e a amarga denúncia de Freud a Jung tiveram um efeito

surpreendentemente duradouro, de forma que a psicanálise convencional ignorou as contribuições de

Jung, muitas das quais foram redescobertas por analistas Freudianos sem atribuição (Beebe, Cambray,

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& Kirsch, 2001). O alegado e muito debatido antissemitismo de Jung (Maidenbaum, 2003) foi um fator

contribuinte neste distanciamento, embora o trabalho de Heidegger e Wagner, conhecidos por suas

posturas políticas dúbias e racismo, tenha sido reconhecido pela academia. Em muitos círculos

acadêmicos e livros didáticos há um alto nível de falsas declarações sobre Jung e seu pensamento, o

que Shamdasani (2003) chama de ―História Light‖ ou história livre de evidências (p. 27).

A despeito do fracasso da psicologia Junguiana em integrar-se à psicologia convencional, 53

programas de treinamento em psicologia analítica existem no mundo, e 22 grupos estão se

desenvolvendo, sob a égide da Associação Internacional de Psicologia Analítica. Desnecessário dizer, o

campo é dividido por conflitos institucionais típicos e há várias escolas de pensamento Junguiano.

Vários modelos de treinamento Junguiano são descritos por (2010). Eu acredito que clínicos que

adentram este campo são atraídos a ele pela abordagem religiosa de Jung à psique e sua disposição

reverente, que se desenvolve durante a análise Junguiana. Embora poucas universidades ensinem Jung,

um possível sinal de que o campo possa eventualmente integrar-se à corrente principal é o

desenvolvimento de alguns programas de graduação que ensinam psicologia Junguiana, tais como o

Pacifica Graduate Institute em Santa Barbara, a Texas A&M University, e a University of Essex na

Inglaterra.

Conclusão

A psicologia Junguiana é por sua natureza uma abordagem espiritual à psique, porque Jung

postula tanto um nível pessoal quanto um nível espiritual ou transpessoal à psique. Ambos participam

nas estruturas da personalidade, incluindo em sua psicopatologia. Os níveis da psique são

inextricavelmente entrelaçados, e uma vez que eles sempre trabalham paralelamente, a prática da

psicologia Junguiana é um exercício intrinsecamente espiritual (Corbett & Stein, 2005; Corbett,

2011b). Uma vez que Jung não categoricamente separa a psique e o espirito, não se pode declarar

definitivamente se a psicoterapia Junguiana é uma abordagem espiritual com aspectos psicológicos, ou

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uma abordagem psicológica com uma coloração religiosa. Jung quer que a religião seja uma realidade

viva, e ele vê a psicologia profunda e a psicoterapia como veículos para esta possibilidade. Sua

abordagem é útil para aqueles de nós que mantém um senso do sagrado mesmo que estejamos

alienados das instituições religiosas tradicionais. Nós acreditamos que o contato pessoal com a psique

transpessoal evita o perigo de permanecer inconscientemente aprisionados no particular mito coletivo

em que nascemos, que pode nos prevenir de descobrirmos nossa própria conexão com o sagrado. Se

Jung está correto, um novo mito de Deus e uma nova imagem de Deus (Edinger, 1996) estão surgindo,

tanto individualmente quanto coletivamente; se esta abordagem florescer, ela pode ajudar a atenuar os

conflitos religiosos que ameaçam nossa civilização. Os psicoterapeutas podem contribuir para o

surgimento da nova imagem de Deus tornando-se conscientes dela em nosso próprio material, e no de

nossos pacientes. No meio tempo, vale lembrar a inscrição que ficava sobre a porta da frente da casa de

Jung: ―Vocatus atque non vocatus, Deus aderit.‖ (Chamado ou não, Deus estará presente.)

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