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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
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A SOCIALIZAÇÃO DO INDIVÍDUO E A RUPTURA DOS VÍNCULOS AFETIVOS: as conseqüências sociais e
psicológicas das perdas afetivas dos jovens oriundos de abrigo <>
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Por: Claudete de Almeida Cruz
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Orientador
Prof. Ms. Nilson Guedes de Freitas
Rio de Janeiro
2003
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE <>
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A SOCIALIZAÇÃO DO INDIVÍDUO E A RUPTURA DOS VÍNCULOS
AFETIVOS: as conseqüências sociais e psicológicas das perdas afetivas dos jovens
oriundos de abrigo <>
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Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso
de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Terapia de Família.
Por: . Claudete de Almeida Cruz
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida , e a missão a mim confiada de trabalhar com seres humanos
A amiga Dulce Helena, pelo apoio e incentivo na elaboração desse projeto
Aos amigos, companheiros indispensáveis a minha vida
As colegas de turma, que dividiram conflitos e alegrias
Ao corpo docente do Projeto “A Vez do Mestre”
Ao Professor Nilson
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho aos meus pais que mostraram em suas
atitudes, e em seus ensinamentos, o valor da vida, e de ser
humano.
A minha irmã Beatriz, pela lealdade e amizade sincera.
Aos jovens e famílias que acompanhei na atividade profissional
de onde partiu a inspiração desse trabalho.
RESUMO
O interesse deste trabalho provém das reflexões acerca das influências sociais no vínculo familiar. As organizações familiares mudaram ao longo da história, assim como o comportamento, a responsabilidade social da família e a ameaça e/ou perda do pátrio poder. O tempo lógico-temporal dessas mudanças, distancia-se cada vez mais do tempo dos sentimentos, da elaboração do novo, do convívio familiar, da afetividade. Essas sanções muitas vezes traduzem-se na determinação da perda do pátrio poder. As histórias que surgem a partir da fala dos conselheiros, dos familiares e da própria criança ou adolescente se revestem de medos, dúvidas, inseguranças, esperanças e buscas. As medidas protetivas, como o abrigamento são feitas, sem acompanhamento da família por um determinado período de tempo, para percepção da real necessidade. Ao longo deste trabalho, constatamos que a presença da pobreza tem sido regra nas práticas judiciárias com a infância e a juventude. A questão da criança e do adolescente foi contemplada na lei, porém seus direitos ao convívio familiar, não foram assegurados na prática. Para tanto, o principal teórico utilizado no trabalho foi Eunice T. Fávero.
Palavras-chave: vínculo afetivo, abrigo, família, políticas sociais, exclusão.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
I - A Afetividade no Contexto de Socialização do Indivíduo 10
II - As Influências Sociais no Vínculo Familiar 17
III - O Comportamento na Vivência em Abrigo 23
IV - Consequências Sociais das Perdas dos Vínculos Afetivos 33
CONCLUSÃO 41
BIBLIOGRAFIA 45
ÍNDICE 46
FOLHA DE AVALIAÇÃO 47
ATIVIDADES CULTURAIS 48
INTRODUÇÃO
Em séculos passados, a criança e o adolescente, não eram vistos muito
bem pela sociedade tradicional. A redução da infância era reduzida a seu período mais
frágil, mesmo não sabendo bastar-se. A criança então, mal adquiria algum desembaraço
físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus trabalhos e jogos. De criança,
transforma-se logo em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude, que talvez
fossem praticadas antes da Idade Média e que se tornaram aspectos essenciais das
sociedades evoluídas de hoje.
A transmissão dos valores e dos conhecimentos, e de modo mais geral, a
socialização da criança, não eram portanto nem assegurados nem controladas pela
família. A criança se afastava de seus pais, e pode-se dizer que durante séculos a
educação foi garantida pela aprendizagem, pela convivência da criança ou do jovem com
os adultos.
A passagem da criança pela família e pela sociedade era muito breve e
insignificante para que tivesse tempo ou razão de forçar a memória e tocar a
sensibilidade. Quando a criança conseguia superar os primeiros perigos e sobreviver, era
comum que passasse a viver em outra casa que não a de sua família.
A partir do fim do século XVII, uma mudança considerável alterou o
estado de coisas. Começou um longo processo de enclausuramento das crianças (como
dos loucos, dos pobres, das prostitutas) que se estenderia até nossos dias, e ao qual se dá
o nome de escolarização.
Essa separação deu-se como uma das faces do grande movimento de
moralização dos homens promovido pelos reformadores católicos ou protestantes
ligados à Igreja, às leis ou ao Estado. A família tornou-se o lugar de uma afeição
necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, algo que não era antes. Não era mais
uma questão de estabelecer os filhos em função dos bens e da honra, tratava-se de um
sentimento novo. Os pais se interessavam pelos estudos de seus filhos e os
acompanhavam habitualmente nos séculos XIX e XX, mas ainda desconhecido.
A família começava a se organizar em função da criança, que ganhou
lugar de destaque e importância. A conseqüência disso, foi a polarização da vida social
no século XIX em torno da família e da profissão, e o desaparecimento da antiga
sociabilidade.A partir daí, as mudanças sociais, atingem diretamente a família, que
também muda em função de atender essas necessidades, assumindo ou renunciando a
funções de proteção e socialização de seus membros em resposta as necessidades da
cultura. Nesse sentido, as funções da família atendem a dois diferentes objetivos: um
interno, a proteção social psicossocial de seus membros; o outro é externo, a
acomodação a uma cultura e a transmissão da mesma. Por esse motivo, a família esta
passando por um período de transição, e se acomodando à sociedade. Surge então, os
conflitos sociais.
A desigualdade social, oportuniza uns, e excluem outros. Quando as
necessidades dessa estrutura familiar, não são atendidas, há um rompimento de valores.
A família abre mão da socialização de seus filhos, cada vez mais cedo, por não dar conta
desse processo afetivo e social. Outros grupos estão assumindo esse papel, sem que a
sociedade tenha desenvolvido fontes extrafamiliares adequadas de socialização e apoio.
Sendo o abrigamento, um dos recursos encontrados pela sociedade, como forma de
solucionar, essas questões. A afetividade do sujeito, fica comprometida, trazendo
conseqüências intrapsíquicas e com isso, para a própria sociedade.
No capítulo um, veremos a afetividade no contexto de socialização do
indivíduo, como fator de desenvolvimento, e participação no contexto social, disso
dependendo para uma inteiração mais positiva, por ser um processo de equilibração
progressiva, forma pela qual lida com a realidade na tentativa de compreende-la, como
organiza seus conhecimentos em sistemas integrados de ações, com a finalidade de
adaptação, que pode ser mais saudável ou não, dependendo do ambiente ser facilitador
ou não, desse processo. A base teórica desse capítulo foi a de Clara Regina Rappaport,
Wagner da R. Fiori e Cláudia Davis.
No capítulo dois, serão abordadas as influências sociais no vínculo
familiar, como a organização familiar mudou ao longo da história, o comportamento e a
responsabilidade social da família. A ameaça e/ou perda do pátrio poder, contemplados
no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e no código civil brasileiro. O principal
teórico utilizado foi Michael Stocker e Elizabeth Hegeman.
No capítulo três, será visto o comportamento na vivência em abrigo a
partir da invasão colonizadora. A proposta neoliberal, promovendo o corte dos gastos
públicos, os serviços e benefícios sociais, dificultando a sobrevivência ampliada da
família pobre. O envolvimento de crianças, adolescentes e famílias no narcotráfico,
como meio de sobreviv6encia. O abrigamento também, como solução de riscos sociais, e
minimização de problema econômico familiar, e forma de controle social. O principal
teórico utilizado foi C.F. Talita .
No último capítulo, veremos as conseqüências sociais das perdas dos
vínculos afetivos, onde o processo de globalização reforça mais a exclusão social. A
necessidade de um olhar mais profundo de uma política redistributiva e compensatória
de apoio às famílias em situação de pobreza, e a rede social como intervenção mais
eficiente. O principal teórico foi Patrícia Minuchin e Salvador Minuchin.
CAPÍTULO I
A AFETIVIDADE NO CONTEXTO
DE SOCIALIZAÇÃO DO INDIVÍDUO
Para discorrer sobre este assunto, é necessário compreender um pouco do
desenvolvimento humano, o que faremos a seguir.
A primeira forma de equilíbrio que a criança irá adquirir consiste, na
formação de uma série de esquemas sensoriais-motores que lhe permitirão organizar
aquelas dificuldades iniciais de sensações internas e externas, dando-lhe condições de
atuar sobre a realidade.
O desenvolvimento é um processo que busca atingir formas de equilíbrio
melhores ou, um processo de equilibração sucessiva que tende a uma forma final, qual
seja a aquisição do pensamento operacional formal. Em cada fase de desenvolvimento, a
criança consegue uma determinada organização mental que permite lidar com o
ambiente. Esta organização mental (equilíbrio) será modificada na medida em que o
indivíduo consiga atingir novas formas de compreender a realidade e de atuar sobre ela,
e tenderá a uma forma final que será atingida na adolescência e que consistirá no padrão
intelectual que persistirá durante a idade adulta. Não acontece um ápice no
desenvolvimento intelectual na adolescência, com uma estagnação depois. Ocorre é que,
chegado o grau de maturidade mental representado pela oportunidade de realizar
operações mentais formais, será a forma predominante de raciocínio utilizada pelo
adulto. O desenvolvimento posterior consistirá numa ampliação de conhecimentos tanto
em extensão como em profundidade, mas não na aquisição de novos modos de
funcionamento mental.
O desenvolvimento humano, é um processo de equilibração progressiva
que tende para uma forma final, qual seja a conquista das operações formais. O
equilíbrio se refere à forma pela qual o indivíduo lida com a realidade na tentativa de
compreendê-la, como organiza seus conhecimentos em sistemas integrados de ações ou
crenças, com a finalidade de adaptação.
Existem formas diferentes de interagir com o ambiente nas diversas faixas
etárias. Piaget denominou estágio ou período. Referindo-se ao desenvolvimento
seqüencial e fixa. Considera como curso de aquisição de comportamentos, aptidões,
sentimentos, conhecimentos, etc.
Nessa visão, as faixas etárias correspondem determinados tipos de
aquisições mentais e de organização destas aquisições que condicionam a atuação da
criança em seu ambiente social. A medida que amadurece física e psicologicamente, a
criança irá, pelo estimulo que recebe físico e social, construir sua inteligência.
Freud em sua coleção, coloca que a criança não tomará parte ativa na
determinação da seqüência de suas fases de desenvolvimento. Diz que ocorrerão,
basicamente na mesma idade , para todas as crianças e se caracterizarão, principalmente,
pelo investimento da libido em uma ou outra região do corpo. É como se esta seqüência
de desenvolvimento e de integração da personalidade estivesse pré-fixada e seguisse um
curso natural acompanhado a própria maturação física da criança. Por esse motivo,
existe um paralelo muito forte entre o biológico e o psicológico, podendo quase dizer,
que o próprio crescimento biológico irá determinar em que fase de desenvolvimento
psicológico a criança estará. É como se estivesse passivo em seu próprio processo de
desenvolvimento.
O adolescente tem necessidade de intelectualizar e fantasiar, para dar
conta da perda do corpo infantil. Vive construindo castelos no ar, e quase pode habitá-
los. O ponto central do processo psicodinâmico que leva o adolescente a intelectualizar e
fantasiar é a luta que trava contra a perda do corpo de infância, as regras que organizam
este período e as vivências infantis com os pais. Perde o modelo de proteção e
onipotência infantil, perde a bissexualidade da identidade infantil. Perde o que era e não
pode ainda construir o que será. Só pode fazê-lo na fantasia. Quando isso acontece de
uma maneira saudável, sem repressões, elabora a angústia das perdas que vive. Não é o
mundo que ele quer reconstruir ou salvar, mas a si mesmo, construir e estabilizar, um
dos motivos básicos que leva o adolescente às manifestações artísticas e culturais.
A socialização na família, tem um papel preponderante no processo
social-afetivo do indivíduo, que influenciará seu comportamento, decisões, reflexões,
escolhas diante de possibilidades, etc. Nesse processo, que tem várias técnicas, tem na
forma verbal, seu principal meio de comunicação.
Na classe média, a comunicação oral se dá através de um código
lingüístico elaborado, onde os sentimentos, as preferências, as reações pessoais e os
estados subjetivos justificam o comportamento. São permitidas várias alternativas de
comportamento na interação interpessoal, havendo menos imposições e mais
comunicação verbal.
Na classe baixa as ordens são taxativas, transmitidas por uma única
mensagem simples. As crianças emitem respostas condicionadas, não tendo necessidade
de refletir ou fazer discriminações, o que não incentiva o pensamento, pois não existem
várias possibilidades a serem consideradas, não havendo necessidade de discriminações
mais refinadas. Assim, a versatilidade lingüística e cognitiva tende a se desenvolver em
crianças de classe média, enquanto na classe baixa vai haver predomínio de um código
lingüístico restrito.
Muitas respostas sociais são aprendidas simplesmente pela observação e
reprodução de comportamentos observados em outras pessoas, nos primeiros anos de
vida e mesmo durante a época da freqüência escolar. Nesta fase, o comportamento dos
pais serve como modelo para o comportamento dos filhos (não excluindo outros
modelos, como professores, amigos,personagens de TV, revistas, livros,etc). A imitação
irá depender do relacionamento modelo-observador e do reforço que se segue à emissão
do comportamento observado. Esses “modelos” não são conscientes, e são reforçados
através de recompensas ou punições diretas.
Segundo Mowrer (1950), pode ocorrer a identificação evolutiva porque a
mãe é mediadora de recompensas biológicas e sociais e, por isso, seu comportamento
adquire valor de reforço secundário para a criança. Assim, a criança pode auto-reforçar-
se por reproduzir o comportamento da mãe ou do pai. Pode ocorrer também a
identificação defensiva, quando as exigências disciplinares dos pais envolvem frustração
e punição e, conseqüentemente, sentimentos agressivos de ódio. Para solucionar este
conflito interno, a criança pode obedecer e interiorizar os padrões de comportamento e
os valores sociais dos pais. Pode denominar-se “formação de caráter, de consciência”ou
mesmo “de superego”.
O papel dos pais como agentes socializadores é fundamental. São eles as
primeiras pessoas com as quais as crianças se identificam. Suas características de
personalidade bem como o clima criado na família pela adoção de um tipo ou outro de
prática de criação infantil são decisivos para determinar o desenvolvimento social dos
filhos.
No ponto de partida da evolução mental, não existe, certamente, nenhuma diferenciação entre o eu e o mundo exterior, isto é, as
impressões vividas e percebidas não são relacionadas nem à consciência pessoal sentida como um “eu”, nem a objetos
concebidos como exteriores. São simplesmente dados em um bloco indissociado, ou como que exposto sobre um mesmo plano, que não
é nem interno nem externo, mas a meio caminho entre esses dois pólos. Estes só se oporão um ao outro pouco a pouco. Ora, por
causa desta indissociação primitiva, tudo que é percebido é centralizado sobre a própria atividade. O eu, no início, está no
centro da realidade, porque é inconsciente de si mesmo e à medida que se constrói como uma realidade interna ou subjetiva, o mundo
exterior vai se objetivando. Em outras palavras, a consciência começa por um egocentrismo inconsciente e integral, até que os
progressos da inteligência sensório-motora levem à construção de um universo objetivo, onde o próprio corpo aparece como elemento entre os outros, e, ao qual se opõe a vida interior,
localizada neste corpo. 1
O ser humano necessita desde que nasce, de toques, carinho, amor, cuidado, proteção, limite, etc. que será a
forma pela qual, lidará com seus relacionamentos futuros. Quanto mais contato afetivo positivo ele tiver, melhor será seu
desenvolvimento cognitivo e afetivo, e mais saudável suas relações sociais. Ao passo que se existir, mais afetividade negativa em seu contato com o mundo, poderá ter sérios
1 PIAGET(1964), p.19.
comprometimentos de comportamento, dificultando sua interação social afetiva.
O homem é o único ser que necessita de outro ser humano, pra saber que
é gente. Aprende por imitação no início da vida, olhando outros fazerem e reproduzindo.
Mais tarde, assume suas características próprias na maneira de relacionar-se com o
mundo, e essa fase inicial de afetividade, influi diretamente nas suas ações. Mesmo
sofrendo num ambiente facilitador de afetividade negativa, como por exemplo, ver a
mãe apanhar constantemente, tenta intervir a seu favor, chora, bate no transgressor, etc.
sua conduta tende a ser no futuro, uma reprodução desse meio, já que seu exemplo de
amor, era o bater, que pra ele então, estará associado como troca afetiva.
A afetividade por muito tempo foi confundida como sendo uma emoção banal, e portanto, sem maiores significados
no contexto social humano. Filósofos e outros profissionais, tentaram dimensionar essa questão abordando a importância da mesma nas relações humanas, e sua influência no contexto
intra e interpessoal. A afetividade, e o que valorizamos, nos torna a espécie de pessoas que
somos, e as sociedades, os tipos de sociedade que são. Nossa vida, pensamento e ação,
estão envolvidos com a afetividade. Ela, é importante para o conhecimento ético. É parte
essencial da vida, desempenhando papéis preponderantes tanto em tornar a vida boa ou
má. Faz da vida a espécie que é, com o tipo de identidade que tem. Existem escritores
que defendem que a situação social afeta as percepções, e com isso, a maneira como a
afetividade do sujeito vai interagir com esse meio.
A ausência e a deficiência de afetos e emoções são quadros
característicos da dissociação, da despersonalização e de várias neuroses,
condições limítrofes e psicoses. Sem afetividade, é impossível viver uma
vida humana satisfatória, e pode até ser impossível uma vida humana,
sequer ser uma pessoa. Relatos que negam ou omitem o fato de que as
pessoas são seres afetivos, não falam de pessoas saudáveis, que podem
viver e vivem vidas humanas e satisfatórias.2
Conforme foi mostrado nesse capítulo, o ser humano em seu desenvolvimento, passa por vários processos
desde que nasce, até a fase adulta, e em cada um deles, tem no social familiar e extensivo, seu exemplo. Cada etapa é
importante, e trás consigo, suas perdas que precisam ser elaboradas, no tempo de cada um , por ser o indivíduo, uno, e seus ganhos. É com esse ir e vir, que o ser humano amadurece, sendo capaz de lidar com as dificuldades que vem de encontro
a vida. Quando alguma interrupção, corta, ou adianta a seqüência natural desse processo, os prejuízos são
incalculáveis para o indivíduo e a sociedade. Porque há a necessidade físico-temporal, das questões serem elaboradas,
processadas, para que a vida siga seu curso natural. Isso se dá, quando o indivíduo, tem condições básicas e saudáveis para
seu pleno desenvolvimento, facilitando as descobertas e aprendizados. Sua afetividade
positiva estará alta e suas relações serão favorecidas com isso. Quando em detrimento
dessa facilitação familiar e/ou social por repressão, falta de limite, diminuição ou falta
no reforço dos aprendizados, a afetividade negativa é que estará em alta, e com isso, a
forma de lidar com a vida, será problemática, trazendo perdas sociais para o indivíduo e
a sociedade.
2 ver STOCKER (2002)
CAPÍTULO II
AS INFLUÊNCIAS SOCIAIS NO VÍNCULO FAMILIAR
Durante a Segunda metade do século XIX e princípio do século XX, os
antropólogos trabalharam sob a influência do evolucionismo biológico. Tentavam
organizar seus dados de maneira a que as instituições dos povos mais simples
correspondessem a um estágio primitivo da evolução da humanidade, ficando nossas
próprias instituições relacionadas com as formas mais avançadas ou desenvolvidas.
Baseados na família de casamento monogâmico, que era considerado a instituição mais
digna de admiração, e servia como referência para atribuir a outras instituições, valores
ditos “bom” ou não. Como conseqüência, os fatos foram torcidos e mal interpretados.
Cada costume diferente desse padrão, era cuidadosamente selecionado como vestígio de
um tipo mais antigo de organização social.
Com o passar do tempo, percebeu-se que esse tipo de intervenção estava
ultrapassada, já que o acúmulo de dados revelou que o tipo de família caracterizado, na
civilização moderna, pelo casamento monogâmico, pelo estabelecimento independente
do casal jovem, pelas relações intensas entre os pais e os filhos, dentre outras coisas, era
diferenciado de outros povos, mesmo não sendo fácil perceber diante dos costumes dos
povos com culturas, tradições, valores diferentes. Com isso, não era suficiente analisar o
comportamento social e familiar sob o prisma de um modelo, que não era o único na
civilização humana.
Alguns autores sustentam que os povos mais antigos podem ser
considerados um remanescente daquilo que se poderia definir como “idade áurea”,
anterior à submissão do homem às guerras e perversidades da civilização; assim, o
homem teria conhecido, nesse estádio primitivo, a felicidade da família monogâmica,
para perdê-la depois até seu mais recente redescobrimento cristão. No geral, excetuando
a chamada escola de Viena, é no sentido de uma convicção cada vez maior, entre os
antropólogos, de que a vida familiar está presente praticamente em todas as sociedades,
mesmo aquelas que possuem costumes sexuais e educacionais bastante distantes dos
nossos. Após sustentarem durante cerca de cinqüenta anos que a família, tal como existe
nas sociedades modernas, somente poderia ser um desenvolvimento recente, resultante
de uma evolução lenta e duradoura, os antropólogos cada vez mais se convencem do
contrário, isto é, de que a família, consistindo em uma união mais ou menos duradoura,
socialmente aprovada, entre um homem, uma mulher e seus filhos, constitui fenômeno
universal, presente em todo e qualquer tipo de sociedade.
Estas posições extremas, erram igualmente por excesso de simplificação.
Existem casos em que não se pode afirmar que existam laços familiares. Um exemplo
disso, é dado pelos naires, um grupo numeroso que vive na costa do Malabar, na Índia.
O tipo de vida guerreira dos homens não lhes permitia constituir família. O casamento
era uma cerimônia puramente simbólica da qual não resultava qualquer laço permanente
entre um homem e uma mulher. Às mulheres casadas era permitido ter quantos amantes
quisessem. As crianças pertenciam exclusivamente à linha materna, e a autoridade
familiar, assim como a territorial, era exercida pelos irmãos da mulher e não pelo seu
efêmero marido. Uma vez que a terra era cultivada por homens considerados inferiores,
pelos naires, tanto os irmãos da mulher como seu marido temporário ou seus amantes
ficavam inteiramente livres para se dedicarem às atividades militares.
Pelos exemplos expostos aqui, fica claro que a civilização humana,
passou por vários tipos de organização familiar, desde sua existência propriamente dita.
Cada organização trazia e em si, a maneira como cada membro deveria comportar-se, e
o não cumprimento dessas normas, trazia-lhes, conseqüências. A evolução e progresso
vieram, e alguns sistemas familiares, mantiveram-se primitivamente, enquanto outros
acompanharam, o curso desse processo.
As revoluções francesa, industrial e tantas outras, também trouxeram
mudanças às famílias, que precisavam organizarem-se de acordo com as propostas
novas. Não havia tempo hábil para isso. O tempo lógico-temporal dessas mudanças,
distanciavam-se cada vez mais do tempo dos sentimentos, da elaboração do novo, do
convívio familiar, da afetividade. Uma das formas dos valores serem passados de pais
para filhos, formando assim vínculos, era o colóquio diário, as refeições juntas, etc; a
partir daí, a família teve seu tempo junto privado ou diminuído, deveria atender
rapidamente as mudanças sociais, criando um certo distanciamento nos vínculos
familiares, que agora precisava atender ao crescimento rápido da indústria, comércio,
etc.
Com o progresso, crescimento populacional desordenado, má distribuição
de renda, explosão demográfica, exclusão social, ficava cada vez mais inviável um
“controle” social. Sem políticas públicas voltadas para as demandas familiar e social,
crescem os conflitos, que atingem as famílias. Os pais sem ter como educar, alimentar,
dar condições de saúde, lazer, vê no abandono, uma solução rápida, a resposta de
eliminação de suas responsabilidades. A sociedade por sua vez, tenta dar conta dessa
evasão-afetivo-social, veiculando a importância dos assistentes sociais, psicólogos,
psicopedagogos, pedagogos e outros profissionais nas escolas, ONGs, OGs, etc,
atribuindo a estes, a responsabilidade que antes era papel da família. Assim, a família vê
nessas ações , a resposta de suas angústias, medos e fracassos, resolvidos por quem tem
conhecimento. O vínculo que antes estava no seio familiar, agora é dividido com outras
pessoas que passam fazer parte da vida de crianças e adolescentes.
Socialmente convencionou-se que a mãe e, na história mais recente, o pai,
têm que amar o filho. E amor, nessa situação, significa cuidar adequadamente dele,
material e emocionalmente. Portanto, a mãe e o pai que não o fazem, estão deixando de
cumprir seus deveres e violando direitos da criança. Essa violação de direitos está sujeita
a sanções por parte do Estado, por meio do Poder Judiciário.
Essas sanções muitas vezes traduzem-se na determinação da perda do
pátrio poder (perda dos direitos legais sobre os filhos – ECA (Lei 8069-90) e, nos casos
que envolvem situações de pobreza da família de origem da criança, como fator
constituinte de sua entrega; raramente no acionamento do Poder Executivo para cumprir
a lei. Para que crie programas de auxílio, de forma que a criança não seja retirada da
família e da comunidade de origem em razão da falta de condições materiais que lhe
possibilitem crescer e se desenvolver com dignidade (ECA, art.23).
O ECA ( Estatuto da Criança e do Adolescente) contempla no art.28, a
colocação da criança ou do adolescente em família substituta, como medida de proteção.
A colocação em família substituta, bem como as demais medidas protetivas, devem ser
aplicadas, de acordo com o artigo 98, sempre que os direitos forem ameaçados ou
violados.
O Código Civil brasileiro, no artigo 395, estabelece que a mãe ou o pai
perderão pátrio poder quando castigarem imoderadamente o filho; o deixarem em
abandono ou praticarem atos contrários à moral e aos bons costumes.
Para aplicação das medidas protetivas, o ECA dispõe que deverá ser dada
preferência àquelas que visam o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Nos incisos do artigo 101, constam as medidas em caso de ameaça ou violação dos
direitos previstos no artigo 98; encaminhamentos, orientação, apoio, acompanhamentos,
matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento de ensino fundamental, inclusão
em programa oficial ou comunitário de auxílio , tratamento a alcoólatras e toxicômanos,
abrigamento se necessário, para crianças, adolescentes.
A violência física e psicológica por parte de pai e mãe em relação a filhos
é uma evidência cada vez mais presente na realidade ou mais exposta. O amor materno
não é natural e sim construído, social e culturalmente. Em pesquisa sobre o mito do
amor materno, o amor não é inato, depende de condições sociais, econômicas, e
históricas. O sentimento do amor materno depende de “ocasiões propícias ao apego”3 .
Segundo a autora, historicamente o amor materno foi sendo construído
como “necessário”, na medida em que a mulher, como responsável pelo mundo interno,
privado, passou a ser valorizada a partir dos cuidados com a casa e os cuidados e carinho
dispensados aos filhos.
O amor paterno, por sua vez, colocou-se historicamente como
“contingente”, pois ao pai, responsável pelo mundo externo, pelo conhecimento e
3 ver BADINTER (1985)
intervenção nesse mundo, não necessariamente caberia as obrigações referentes aos
cuidados, incluindo o amor, aos filhos. Alguns homens, apresentam comportamento
diferente a esse, principalmente os mais jovens, que estão cada vez mais demonstrando
“desejo de maternagem ou mesmo de maternidade”4. Esse comportamento porém, atinge
segmentos de camadas médias da população, não tendo igual respaldo no universo
masculino da classe menos favorecida.
Na atualidade pode-se dizer que ficamos menos chocados com a atitude
masculina perante descuidos com os filhos, porque ninguém elegeu o amor paterno em
lei universal da natureza. Ao contrário do materno , que foi, historicamente, sendo
naturalizado.
A carência socio-econômica é o motivo alegado pela mãe e/ ou pai
quando da entrega, ou pelo responsável pela criança, quando procura a Justiça da
Infância e Juventude, o que ocorre em muitos casos, meses ou anos antes da sentença de
destituição do pátrio poder. Em momento em que a criança está abrigada ou integrada a
outra família. Um outro motivo, é o referente ao abandono e em seguida a negligência e
a violência doméstica. Esses, são um dos motivos que podem causar a perda do vínculo
familiar.
4 Ibidem, p. 362.
CAPÍTULO III
O COMPORTAMENTO NA VIVÊNCIA EM ABRIGO
Durante a história brasileira, a partir de sua invasão colonizadora, a
exploração desenfreada de seres humanos e da natureza atingiu também as crianças.
Os jesuítas investiram primeiramente na educação de crianças indígenas
por considerá-las “almas menos duras”, mais propensa a aceitar a doutrinação católica.
Eram deliberadamente afastadas de suas tribos e entre 1550 e 1553 foram criadas as
“Casas dos Muchachos” custeadas pela Coroa Portuguesa.
De 1550 a 1560 existiram as confrarias do Menino Jesus, instituições
mantidas e dirigidas por religiosos e confrades leigos, também destinadas a órfãos e
indígenas. Fim de tornar mais eficazes a evangelização e catequese dos indígenas, os
jesuítas solicitaram à Coroa a vinda de meninos órfãos de Portugal, acreditando resolver
assim, duas situações: a do abandono de crianças em Portugal, a dominação do povo
indígena no Brasil.
Com a chegada dos meninos órfãos, a partir de 1550, foram fundados
Colégios dirigidos por jesuítas. O primeiro localizou-se em Salvador. O fenômeno das
crianças enjeitadas passou a ser um problema no momento em que as cidades se
multiplicavam e a vida urbana iniciava sua expansão. As crianças órfãs começaram a ser
assumidas por Irmandades da Misericórdia. A primeira foi a de Santos, fundada por
Brás Cubas em 1543.
Foi o Pe. Nóbrega quem solicitou à Coroa o envio de meninas órfãs para
o Brasil, a fim de que se tornassem futuras esposas de colonos. Nesse caso, o envio de
órfãs de Portugal constituiria uma solução para o problema moral. A orfandade e o
desamparo das crianças nascidas no Brasil transformava-se num verdadeiro problema
social.
A situação da criança negra não foi melhor do que a da criança indígena.
Entre os séculos XVI e XIX foram trazidos ao Brasil aproximadamente 3.600.000
negros escravizados. Não há registro sobre o número de crianças trazidas, pois as
chamadas “crias de peito” (crianças que mamavam) e as “cria de pé” (crianças que
andavam) não eram taxadas.
O trabalho da criança escrava começava antes dos 5 e 6 anos de idade,
sendo entregues à tirania e “domados” com chicotes, acompanhavam suas mães ao
campo e desempenhavam determinadas tarefas. A partir dos 7 anos começavam a fazer
serviços mais pesados e de forma regular.
Nos princípios do século XVIII o abandono nas ruas causava escândalo
público. Foram as confrarias, irmandades e santas Casas de Misericórdia que assumiram
o cuidado dos órfãos, abandonados ou enjeitados. Foram instituídas as “Rodas dos
Expostos”, sistema importado de Portugal, que consistia numa porta giratória com uma
gaveta acoplada, onde as crianças eram depositadas em sigilo.
Foi o Governador da Bahia, Sabugosa quem primeiro exigiu que a
Irmandade da Misericórdia instituísse uma roda de expostos, concretizada em 1726.
Deu-se início em São Paulo em 1824 estendeu-se até o período republicano,
constituindo-se na principal política de atendimento, sendo utilizada até 1948.
Em Setembro de 1871, com a Lei do Ventre Livre a situação se agravou.
As crianças se tornariam um custo alto, sem retorno, para os senhoras escravagistas, que
por questões econômicas, e não humanitárias, “libertaram” somente a barriga grávida da
mulher negra, seu ser continuava escravo, continuava impedido de amamentar, cuidar e
proteger seus filhos, que se juntavam ao número de abandonados provenientes de
famílias pobres e filhos de prostitutas. Era quase nula a preocupação por parte da Igreja
Católica Colonial com a realidade de abandono, de exploração e de violência da criança
negra.
Depois de quatro séculos finda a escravidão em 1888, o acesso à vida
digna é negado ao povo negro e sua mão de obra foi substituída pela mão de obra
migrante, e as casas de recolhimento dos expostos tornaram-se o reduto principal para
acolher as crianças negras desvalidas, que funcionavam em precárias situações, e
freqüentemente as crianças ali abrigadas morriam.
Em 1881, o código penal demonstrava uma certa preocupação com
crianças “desamparadas ou delinqüentes”. A pressão de sindicatos e entidades, já em
1920, faz com que a situação das crianças se torne de ordem jurídica. Assim, em 1923, a
lei orçamentária nº 4.242, autoriza serviços de assistência à infância abandonada e foram
criados os grandes internatos.
As crianças eram submetidas à reclusão, pois se acreditava que o
isolamento social seria necessário para que voltassem ao convívio na sociedade
“reparadas” e “adaptadas”. Protegendo, assim, o interno da hostilidade do mundo e
principalmente “proteger a sociedade da presença incômoda dos menores”. Eram
freqüentes as notícias alarmantes sobre o atendimento prestado nas instituições de
“menores”. Nesse cenário, em 1964 é criada a Fundação Nacional do Bem Estar do
Menor – FUNABEM.
A FUNABEM é criada no ano do golpe militar no Brasil. Os filhos dos
pobres passam a ser, fortemente denominados “menores”, e todas as instituições de
acolhimento são chamadas “internatos”.
Os internatos eram descritos como prisões, onde as crianças e
adolescentes tinham possibilidades reduzidas de relações sociais, e passaram a ser
consideradas “objetos de intervenção do Estado”. Em 1979 foi editado o novo código de
menores (Lei 6697/79) que consagrava a doutrina de “situação irregular”, assim,
novamente as crianças e adolescentes, vítimas do sistema, foram presas.
Nas décadas de 70 e 80 surgiram muitas entidades não governamentais,
com propostas progressivas, inclusive dentro da Igreja Católica, influenciados pelo
concílio Vaticano II e a Teologia da Libertação intensificaram ações comunitárias,
dando respostas ao momento atual das crianças e adolescente.
Em 1987, a criança é tema da Campanha da Fraternidade promovida pela
CNBB, com o lema “quem acolhe o menor a mim acolhe”. As discussões que aí
surgiram somadas às ações nacionais em defesa dos direitos fundamentais das crianças e
dos adolescentes, resultaram no artigo 227 da Constituição Federal.
De “objeto de intervenção do Estado” a “sujeitos de direitos”: um grande
passo que gerou uma longa caminhada, um mutirão nacional que elaborou o Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei Federal nº. 8069/90 de 13/07/1990.
Enquanto o código de menores se destinava apenas aos “menores em
situação irregular” (carentes,abandonados, inadaptados e infratores) o ECA se dirige a
todas as crianças e adolescentes, sem excluir nenhuma; onde o código de menores se
preocupava com a “proteção e vigilância” dos “menores em situação irregular”, o ECA
se preocupava em garantir “todos os direitos para todas as crianças”, ou seja, trata-se
realmente de assegurar uma proteção integral ao conjunto da população infanto-juvenil
brasileira. E a proteção consiste em garantir para todas as crianças e adolescentes, sem
exceção alguma, os direitos relativos à sobrevivência, ao desenvolvimento pessoal e
social e à integridade física, psicológica e moral.
Na área da assistência social, está o direito de todos aqueles que estejam
em estado de necessidade, que se situa o atendimento de acolhida em abrigos, que deve
ser realizado em pequenos grupos, de forma personalizada, sendo realizado um
programa educativo que de forma integral favoreça o pleno desenvolvimento das
crianças e adolescentes garantido-lhes a inclusão social e a recomposição dos vínculos
familiares.
As questões que envolvem o abrigamento são várias, porém, existem
regularidades quanto às condições de vida daqueles que procuram Conselho Tutelar,
Juizado da Infância e da Juventude, etc, para abrigar seus filhos. A maioria são da classe
social pobre. São migrantes, compõe-se de pessoas solteiras, mulheres sós, com arranjos
familiares transitórios ou instáveis, estão sem trabalho ou têm trabalho precário, têm
baixa ou nenhuma renda, instalam-se em moradias com poucas condições de
habitalidade ou provisórias, dentre outras coisas. “A luta pela sobrevivência percorre o
seu dia a dia, e sobrevivência não apenas no que se refere às condições materiais, mas
também às afetivas”.5 Estão fora de processos organizativos de sua comunidade, quando
existe.
Não existem informações sistematizadas sobre as conseqüências do
sistema neoliberal, que promoveu precárias condições socioeconômicas, segundo
pesquisa.6 Mas, é possível dizer que as condições de vida dessas pessoas, já marcadas
pela exclusão social, e as transformações estruturais do ajuste neoliberal, podem ter
ficado mais comprometidas a partir da década de 1990, pelos cortes sociais existentes
nesse projeto.
O ajuste neoliberal implementado no país fez com que as condições
socioeconômicas de grande parte da população fossem agravadas, ocorrendo um
aumento dos níveis de pobreza. A precarização das condições de trabalho incluída nesse
sistema é uma de suas mais claras expressões. Essa precarização pode ser identificada,
de acordo com Mattoso, “pelo aumento do trabalho por tempo determinado, sem renda
fixa, em tempo parcial... (bico)” e sem contribuição à Previdência Social. Implica na
“ampliação da desregulamentação, dos contratos temporários, de falsas cooperativas de
trabalho, de contratos por empresas ou mesmo unilaterais”.7
As mudanças oriundas desse sistema, não atingem apenas a esfera
econômica, mas redefinem, globalmente, o campo político-institucional e as relações
sociais, desencadeadas por meio de “políticas liberalizantes, privatizantes e de
mercado”, com a redução do Estado (ou o Estado Mínimo).
As políticas sociais, que já eram precárias e não universais, foram
atingidas triplamente:
Primeiro, pela redução de recursos que acompanhou os diversos ajustes fiscais e deteriorou qualitativa e quantitativamente os serviços sociais básicos, sobretudo nas áreas com elevada participação de recursos da esfera federal, como a saúde. Segundo, pela redução do
5 FÁVERO(2001),p.75. 6 Ibidem, p. 76. 7 MATTOSO (1999), p. 8.
uso de programas sociais extremamente focalizados, sem estratégia, assistencialistas e clientelistas na relação com o público-alvo. Terceiro, porque estas mudanças vieram, quase sempre, acompanhadas de propostas de reformas sociais explicitamente privatizantes, favorecidas pela falência organizada dos serviços públicos.8
Na medida em que a proposta neoliberal apregoa o corte nos gastos
públicos, os serviços e benefícios sociais têm sido reduzidos, agravando a situação das
políticas sociais, ao mesmo tempo, gerando um aumento na demanda por eles. A
população que mais precisa, também é a que fica mais excluída do seu uso.
Em conseqüência desse ajuste, a situação de pobreza vivenciada por uma
grande parcela da população, que já não tinha acesso ou tinha dificuldade de acesso à
participação no processo de trocas sociais, tendeu a ampliar-se. A pobreza insere-se num
quadro de violência social que tem que ser considerado a partir de uma multiplicidade de
fatores que o constrói e que atinge todas as dimensões do viver de significativo número
de pessoas. Pode-se dizer, conforme Telles, que “a pobreza não é apenas uma condição
de carência possível de ser medida por indicadores sociais, de renda e outros. É antes de
mais nada uma condição de privação de direitos”9.
Outro fator preponderante é o envolvimento cada vez maior e mais cedo
por crianças e adolescentes no narcotráfico, que entra assumindo o papel da família ou
do Estado nas necessidades econômicas e afetivas, já que proporciona “poder”, recursos
nas necessidades de saúde, moradia, alimentação, etc. A própria família, excluída dos
serviços públicos, vê no tráfico o apoio à sua sobrevivência, e solução para algumas
dificuldades. Calando-se, como aliada nos momentos de conflitos sociais. Os filhos
ficam a mercê desse “cuidado”, totalmente entregues ao comando do tráfico.
Quando a família não tem comprometimento com o tráfico, e vê seus
filhos envolvidos, correndo riscos, procuram abrigo, como tentativa de salvação, e
preservação, podendo com isso, afastar-se em definitivo do convívio com esse
adolescente ou jovem.
8 Ibidem, p. 37. 9 TELLES (1992), p. 352.
Esses fatores aliados a outros, promovem além de exclusão social, o
afastamento dos membros da família, pela falta dos recursos mínimos necessários à
sobrevivência, e a unidade familiar, promovendo violência doméstica, urbana, social,
êxodo das crianças e/ou adolescentes em busca daquilo que suas famílias de origem não
podem oferecer, existindo um número cada vez maior de crianças e adolescentes nas
ruas, longe das escolas, e do convívio familiar. Por essa condição, os vínculos se perdem
de ambos os lados, na família, e para a criança e/ou adolescente.
Situação de pobreza, não implica em perda do pátrio poder, ou
afastamento na criação de filhos. Uma forma encontrada para tentar calar uma realidade
social de privação de direitos foi à criação de abrigos, para tentar conter o que o sistema
neoliberal trouxe.
A questão da criança e do adolescente foi contemplada na lei, porém seus
direitos ao convívio familiar, não foram assegurados na prática, já que as famílias em
condições sócio-econômica-cultural cada vez mais precárias, sem emprego fixo,
moradia, alimentação, é cada vez mais ameaçada de não poder cuidar de seus membros.
A sociedade por precisar de Instituições de acolhida integral, dando conta
de uma situação cada vez mais caótica em relação aos processos de cidadania,
principalmente das classes menos favorecidas, vê no abrigo, uma forma de tentar
controlar e amenizar, as conseqüências do abandono e exclusão social por situações
Crianças e adolescentes são levadas para abrigos, e a maioria não tem conhecimento do
por quê. Mesmo aquelas que sabem estar correndo riscos em suas comunidades de
origem, e por isso a necessidade do abrigamento, não vê de uma forma tranqüila, esse
recurso, gerando sentimento de desconforto, insegurança, ameaça, abandono, etc.
O primeiro momento pode ser de natureza legal, administrativa ou
técnica, relacionada ao estudo sobre a situação de cada criança ou adolescente, mas não
é só isso. O movimento de chegada e saída de crianças e adolescentes no abrigo, carrega
em si um componente emocional bastante significativo.
Toda criança ou adolescente que chega, encontra-se numa situação de
fragilidade afetiva. Na maioria das vezes, saiu de uma situação já acostumada, mesmo
que inadequada, para um lugar novo onde tudo pode parecer ameaçador. Os
responsáveis pelo novo espaço não é alguém de sua relação anterior, como confiar em
alguém que se diz “amigo”, querendo ajudar, sem nunca ter feito um vínculo anterior?
Nesse momento a acolhida é fundamental. Exigem por parte dos responsáveis paciência,
tratamento digno, chamá-los pelo nome, conversar sobre a nova moradia e apresentar às
pessoas com quem terá contato mais próximo e que cuidará de sua permanência ali. O
trabalho educativo só é possível, quando esse vínculo é estabelecido, se assim não
ocorrer, os conflitos serão uma constante, e os confrontos também. Já que aqueles que
deveriam proteger e amar não fizeram, como alguém estranho, pode fazer isso, é o
sentimento inconsciente que pode surgir por parte das crianças ou dos adolescentes.
O acolhimento, no momento que chega no abrigo é de fundamental
importância para sua estadia ser a mais proveitosa possível. É um momento de revelação
e ao mesmo tempo de reserva. A história que surge a partir da fala dos conselheiros, dos
familiares e da própria criança ou adolescente se revestem de medos, dúvidas,
inseguranças, esperanças e buscas.
Cada abrigo possui suas regras, normas, e cada criança ou adolescente e
famílias, devem adaptar-se. Algumas famílias esbarram na burocracia de visitas com
horários marcados, ou impossibilidade da mesma ocorrer por determinação da justiça ou
pelas regras da Instituição. Essas situações podem afastar a família dos filhos, trazendo
distanciamento ou perda dos vínculos, dando lugar ao vínculo institucional, que assim
como na entrada trazia ameaça, agora favorecem as relações com os responsáveis
diretos, indiretos, e outros abrigados.
A maior parte das Instituições não tem trabalho específico e sistemático
com as famílias, que também precisam de proteção, para processar proteção. Sem
acompanhamento específico, inviabiliza o retorno da criança ou adolescente ao convívio
familiar, por não ter os problemas trabalhados. A criança ou adolescente, é o indicador
que alguma coisa falhou ou não vai bem no sistema familiar.
O convívio no abrigo com outras crianças e/ ou adolescentes com origens
diversificadas, traz situações e conhecimentos nunca vividos por alguns, e que podem
influenciar direta ou indiretamente no comportamento dos abrigados. Mudança na
maneira de falar portar-se, adquirindo novos hábitos positivos ou negativos. Reforçando
alguns, e criando outros.
O ECA (Lei 8069/90), contempla que o abrigamento deve ser o último
recurso, somente quando estritamente necessário, pelo período máximo de três anos. Por
compreender as implicações emocionais que podem ocorrer por parte dos abrigados. Na
prática não funciona assim. O abrigamento é feito, sem acompanhamento da família por
um determinado período de tempo, para percepção da real necessidade. Não existindo
trabalho com a família, para tentar diminuir o número cada vez mais crescente de
abrigamento.
Quando é inevitável, também não há acompanhamento familiar, para
buscar compreender as fronteiras do sistema familiar, e o que não está funcionando, para
haver um retorno mais rápido possível da criança ou adolescente ao convívio familiar,
sendo ele, um paciente identificado10 de um sistema comprometido. A permanência,
geralmente ultrapassa os três anos, pelas condições da família ou na impossibilidade do
retorno à mesma ou ainda pela dificuldade de encontrar uma família substituta. Com
isso, os laços afetivos com a Instituição aumentam, sendo cada dia vivido, um reforço
dessa afetividade com a instituição e nas trocas com os outros educandos, uma forma
que futuramente pode dificultar a reinserção familiar ou social.
10 Ver MINUCHIN (1999)
CAPÍTULO IV
CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS DAS PERDAS DOS VÍNCULOS AFETIVOS
A sociedade passa por um momento de transição, mas não exime da
responsabilidade diante das diferenças sociais, que geram conseqüências para a própria
sociedade. A violência é uma delas, evasão escolar, e com isso, um expressivo número
de jovens chegam em idade para o mundo do trabalho, sem escolarização, sem uma
qualificação profissional, num mercado cada vez mais globalizado, onde a
competitividade, é o eixo que movimenta esse sistema, dificultando sua inserção social.
A violência está fortemente presente no cotidiano de nossas cidades. Não
apenas a da polícia ou dos bandidos, mas também a dos salários, transportes e jornadas
de trabalho; isso para não falar nas situações de doenças, acidentes e desemprego ou nas
formas espoliativas de moradia.
O processo de globalização reforçou mais a exclusão social, e a classe
menos favorecida, foi a mais prejudicada. Os direitos violados, programas de
atendimento diminutos e mais distantes daqueles que realmente necessitam, trás o
aumento da violência urbana, que assume existir um “poder paralelo”, onde a própria
sociedade é refém. Atribui-se ao narcotráfico esse “poder”, que não pode ser ignorado,
mas que não é o real provedor desse “paralelo”.
A economia contribui na medida que a jornada de trabalho precisa ser
aumentada, para garantia do emprego ou para gerar maior recurso financeiro à família.
Nesse mesmo movimento, há um distanciamento entre os membros da família, que
nisso, perde momentos de trocas, para o repasse de valores morais, cristãos, afetivos,
cidadania, etc, para construção da personalidade, caráter da criança. Sem isso, pode
crescer a “mercê” das ruas que tem linguagem própria, e sua maneira de educar e
transmitir valores.
Um outro fator preponderante, é a habitação, que a família sem
profissionalização, escolarização, vivendo longe do emprego formal, de “bicos”, sem
nenhum tipo de renda fixa., portanto sem garantias, para aquisição de uma moradia
digna, vê nas construções desordenadas, sem material adequado ou espaço físico
condizente, em encostas, viadutos, sem rede de esgoto, tratamento de água, etc, a única
forma de sobrevivência, e de lar. Dessa forma educam seus filhos, que correm riscos
pessoais, sociais. Aqueles que não acham uma solução, abandonam ou são abandonados
por essas crianças e/ou adolescentes, que não vêem na família suas necessidades
afetivas, econômicas, dentre outras atendidas, partindo em busca de “liberdade”, que
não sabem bem como, e o que é. E, assim, vão, vivendo a própria sorte.
A saúde, uma outra área precária, que tem no SUS (Sistema Único de
Saúde), o único recurso na busca de um atendimento, mas que tem na precariedade de
profissionais, especialistas, longas filas, consultas e exames, quando conseguidos serem
marcados, datam de longos dias ou meses de espera, dificultando promover qualidade na
saúde, e por extensão, de vida, causando morte pela demora do atendimento, ou
alternativas caseiras que não resolvem o problema, disfarçando o sintoma ou
mascarando a enfermidade.
Uma família com essa realidade em seu cotidiano, sendo sobrevivente, inviabiliza a administração da consciência
crítica, da transmissão de valores, o exercício pleno da cidadania, já que não tem seus direitos garantidos. A família precisa de garantia de direitos, para processar e contemplar
seus membros. ...a pobreza pode provocar a compaixão, mas não a indignação moral diante de uma regra de justiça que tenha sido violada.(...)
Transformada em paisagem, a pobreza é trivializada e banalizada, dado com o qual se convive com um certo desconforto, é verdade-, mas que não interpela responsabilidades individuais e coletivas.11
Ao longo da história a presença da pobreza tem sido regra nas práticas
judiciárias com a infância e a juventude. Os códigos de menores de 1927 e de 1979 eram
explicitamente dirigidos à regulação e controle dos então denominados menores pobres
ou considerados em “situação irregular” perante a sociedade, representando perigo para 11 TELLES (1992), p.52
ela. A sociedade e o Estado não eram responsabilizados pela construção da situação de
pobreza em que viviam e os problemas que os envolviam, quando muito, eram situados
no âmbito da família.
Com a instituição do ECA, pretendeu-se a superação dessas formas de ver
e agir com a criança e o adolescente, bem como estender o discurso legal para a esfera
dos direitos, buscando-se garantir direitos fundamentais e sociais a todas as crianças e
adolescentes, independentemente da classe social a que pertencem. É importante a
mudança na lei para provocar mudanças nas práticas, para criação de uma nova
mentalidade, a partir da concepção de sujeito de direitos ditada pelo ECA. Fato que
demanda longo tempo histórico para concretizar-se. Pesquisas na área jurídica, tem
demonstrado que a Justiça da Infância e Juventude continua “especializada” no controle
das particularidades da questão social e a pobreza continua como paisagem ou pano de
fundo das ações que aí tramitam.
Segundo Telles, a pobreza tem servido como paisagem em discurso
político, e mesmo sendo notada, registrada, documentada, tema de “debate público”, é
desrealizada nas formas de sua figuração “como problema que diz respeito aos
parâmetros que regem as relações sociais”.12A ausência de políticas públicas, desvela
uma situação de violência social. Se fazendo necessário um olhar mais profundo à essa
questão, e uma política redistributiva e compensatória de apoio às famílias em situação
de pobreza, mais eficiente. Demonstra a necessidade de mudanças nas práticas
cotidianas dos profissionais que atuam junto a essa clientela, principalmente do poder
judiciário.
Pesquisas realizadas nas Varas da infância e da adolescência, revelam as
frágeis relações que levaram estas famílias a entregar seus filhos ou a tê-los retirados de
seus cuidados. Evidencia a figura da mulher/mãe pobre e sua maneira de resolver as
dificuldades e os desafios para o exercício de suas funções maternas de proteção, de
pertencimento, de construção de afetos, de educação, de socialização de seus filhos.
Sentem-se freqüentemente impotentes face a uma sociedade que as responsabiliza e 12 Ibidem, p. 54.
culpabiliza. Vivendo situações-limite, determinadas por um modelo econômico
excludente, sem acesso a benefícios mínimos, sociais, econômicos e culturais,
freqüentemente tendem, elas mesmas, a se culpabilizarem.
Pesquisas sociais apontam, que alguns programas e políticas abordam
duas tendências: uma baseia-se na perspectiva de controle de uma população que se
afirma estar em risco social, e os que entendem as crianças como pessoas dotadas de
potencial e pautam pela sua proteção, oferecendo-lhes oportunidades.
Na primeira situação percebe-se a exclusão social, seguida do
confinamento dessas crianças, e/ou adolescentes, afirmando estar apoiando ,“ajudando”
às famílias. São afastadas de suas famílias, que são vistas como incapazes de educar,
proteger, dar afeto aos seus filhos. Não deixando de cuidar e perceber, que é clara, a
necessidade de intervenção da sociedade em todo seu âmbito, quando tais fatos de
negligência, acontece. Porém, sobre esse olhar, a família é “afastada”, assumindo a
responsabilidade por essa criança, e/ou adolescente, o judiciário, que na maioria dos
casos, vê no abrigamento a solução imediatista do conflito social. O controle se faz
necessário dentro dessa visão, como meio de se manter afastado do convívio social,
aqueles que constituem ameaça para si e a sociedade.
Os processos se arrastam nas Varas da Infância e da Adolescência,
passando-se meses, anos, até que uma solução, sem pesquisa mais profunda, é dada.
Nesse período, os vínculos se rompem na maior parte das vezes, podendo afastar
qualquer possibilidade de retorno futuro dessa criança, e/ou adolescente ao convívio
familiar de origem, seja pela perda dos vínculos afetivos ou por determinação judicial,
que destituiu o pátrio poder. Às famílias são pouco trabalhadas, impossibilitando um
diagnóstico da real necessidade daquele sistema familiar, que se perde nos corredores da
justiça.
O outro seguimento não faz separação de criança pobre das demais,
lutando por uma igualdade de direitos, que devem ser dados indistintamente, qualquer
que seja a origem dessa criança, e/ou adolescente. Percebendo neles potencial,
criatividade, necessitando de oportunidade para desenvolverem-se de uma forma
equilibrada e saudável. Um importante instrumento é criado, para garantir que seja
mantido e exercido esse direito infanto/juvenil: o ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente).
Outros tipos de serviços são criados para atender não só as crianças, como
suas respectivas famílias, dando à elas, famílias, oportunidade de conhecer suas
dificuldades, aprender a lidar com elas, e a resolver no âmbito familiar, essas questões.
Para que criança, e/ou adolescente possam voltar às suas famílias, o mais breve possível,
tendo suas necessidades atendidas.
Surge o trabalho em rede, para atender as grandes necessidades das
famílias, independente de sua classe social. Nasceu dos programas inovadores da
psiquiatria comunitária do pós-guerra, nos anos 50. Essa prática se consagrou como
recurso de desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos, permitindo o retorno ao
convívio com seu grupo de origem: família, amigos e sua rede social. O reforço nas
relações do indivíduo com seu círculo social e familiar, era trabalhado. A rede social
passa a ser utilizada para tratamentos emergenciais de “pacientes em crise”, aparecendo
a comunidade e o contexto social como espaço de intervenção terapêutica.
Esta forma de pensar traz uma postura de crítica e de mudança dos
antigos asilos, manicômios e condições de existência dos hospitais psiquiátricos,
transformando-os em comunidades terapêuticas. Isso possibilitou a humanização dos
tratamentos psiquiátricos àqueles que, segundo diagnóstico médico, de alguma forma se
encontravam sem condições de se auto-gerir: indivíduos com perfil para hospitalização-
internação. Este novo olhar sobre a questão, altera a noção de enfermidade mental,
definido como “transtorno de personalidade”, para um conceito mais amplo de
desadaptação social. Tal movimento resultou em um programa de reinserção social de
pacientes psiquiátricos e promoção de saúde mental, através de uma educação para a
saúde.
O conceito de rede social foi construído a partir dos programas
alternativos da psiquiatria, movimentos de mudança da prática institucional médica com
repercussão no social. Historicamente, algumas formulações conceituais a partir de
trabalho com grupos de uma mesma comunidade ou problemática:
1930/31, Moreno, médico, psiquiatra, esboça um mapa da rede de
relações a partir da construção da técnica sociométrica, o sociodrama. Através de
estudos realizados com jovens delinqüentes em Hudson, Estados Unidos, permitiu que
seus pacientes pudessem vivenciar conflitos, localizando em sua rede pessoal ou social
alternativas de tratamento;
1952, Kurt Lewin, criador da expressão dinâmica de grupo e da teoria de
campo. Postulou a formação dos papéis sociais, onde, qualquer sujeito por mais
ignorado em seu contexto, faz parte do contexto do grupo social, influencia e é
influenciado-modelado por este;
1954/1972, John Barnes realiza um estudo pioneiro acerca das redes
informais e formais, familiares e extra-familiares no cotidiano de um vilarejo isolado de
pescadores na Noruega, com o objetivo de mostrar a importância dos vínculos sociais
extra-familiares na vida cotidiana;
1957, Elizabeth Bott realiza na Inglaterra estudo sobre as relações
externas de famílias urbanas. Desenvolve metodologias pioneiras para analisar as
práticas de interação informal, a rede familiar extensa, diferenciando a composição da
rede como esra é constituída por: estrutura da rede, agrupamentos em sub-redes,
conjuntos e conteúdo das interações: apoio efetivo que é oferecido, informação pr’tica,
conselhos, entre outros.
1979, Linderman, em sua teoria da crise, ressalta a importância da
posição central da rede social pessoal, familiar e extra-familiar na co-determinação dos
efeitos a curto e longo prazos em uma situação de crise.
Ao longo desse período, que enfatiza a importância das relações
interpessoais e do contexto onde elas se inserem, a expressão rede social torna-se
freqüente no atendimento a famílias. O trabalho com redes sociais expandiu-se por
outros níveis de atuação: instituições, grupos formais e comunitários, trabalhando
problemáticas as mais variadas, tanto de assistência terapêutica quanto de orientação e
acompanhamento.
Torna-se evidente a inserção cada vez maior de atuação na rede social
informal e comunitária dos indivíduos: atuação em situações de tensão nas relações
humanas, famílias, fábricas, escolas, organização e dinâmica das instituições sociais.
Assim, o sistema familiar passa a ser compreendido como fazendo parte de uma cadeia
cada vez maior de relações e informações, que lhe possibilitam alternativas de
transformações no espaço pessoal (cura, adaptação frente a certas situações) e até
mesmo do contexto social (participação nos problemas da comunidade), construindo sua
cidadania.
A função da rede é: companhia social, apoio emocional, guia
cognitivo,regulação ou controle social, ajuda material e de serviços, acesso a novos
contatos. Essa gama de instrumentalização, possibilita um maior acesso as famílias,
podendo ajudar num diagnóstico mais eficiente, e que de verdade, irá ao encontro de
suas reias necessidades, contribuindo para o fortalecimento ou criação dos vínculos
afetivos. Na escolha de uma visão ou outra, está a resposta social de um cidadão que
começa a ser formado afetivamente, já influenciando e sendo influenciado, pelo contexto
social. As práticas nas políticas sociais, vão ditar que tipo de cidadãos querem formar, e
atuando nas diversas esferas sociais, contribuindo de forma mais ou menos positiva no
crescimento e no desenvolvimento social.
CONCLUSÃO
O ser humano em sua existência, se depara com perdas, e ganhos que
perpassam por sua afetividade, podendo esse processo ser mais ou menos conflituoso. A
socialização na família, importante nesse processo de desenvolvimento, influenciará seu
comportamento, decisões, reflexões, escolhas. É um processo de equilibração
progressiva que tende para uma forma final, qual seja a conquista das operações formais.
O equilíbrio se refere à forma pela qual o indivíduo lida com a realidade na tentativa de
compreendê-la, como organiza seus conhecimentos em sistemas integrados de ações ou
crenças, com a finalidade de adaptação.
A civilização humana, passou por vários tipos de organização familiar,
cada uma trazia a maneira como cada membro deveria comportar-se. Uma das formas de
passarem valores de pais para filhos, era o colóquio diário, onde o vínculo afetivo era
reforçado.
Com o progresso, crescimento populacional desordenado, má distribuição
de renda, explosão demográfica, exclusão social, esse reforço foi sendo cada vez mais
ameaçado e diminuído, fragilizando as relações familiares, já que as famílias precisavam
ter seus membros adultos todos no mundo do trabalho, para garantir a sobrevivência,
ficando os filhos “entregues” a própria sorte. Com a família trabalhando, os vínculos
passaram a ser feitos em outros grupos sociais, desda tenra idade, o que antes era
iniciado no convívio familiar.
O narcotráfico foi um desses grupos, assumindo o papel da família ou do
Estado nas necessidades econômicas, afetivas, dando recursos de saúde, moradia
alimentação, tendo em algumas famílias a aceitação, devido suas necessidades, com isso,
o envolvimento de crianças e adolescentes, é cada vez maior e mais cedo. As famílias
que não queriam comprometimento com o tráfico, e tinham seus filhos em situação de
risco, viam no abrigo, a “salvação” de seus problemas, podendo ter nesse recurso, a
perda dos vínculos afetivos e do pátrio poder. A questão da criança e do adolescente foi
contemplada na lei, porém seus direitos ao convívio familiar, não foram assegurados na
prática.
A família precisou adaptar-se a modernidade trazida pelo progresso, que
“exigia” produtividade em tempo cada vez menor, atendendo a competitividade. Assim
não havia mais tempo para estar em família, e os laços afetivos, importantes para o
suporte do sistema familiar, foi enfraquecendo alguns desses sistemas, que passou a ver
nos profissionais, governo, etc, a saída para suas dificuldades na moradia, alimentação,
e educação de seus filhos.
Os serviços sociais reduzidos, e o agravamento das políticas sociais,
trouxeram como conseqüência a situação de pobreza vivenciada por uma grande parcela
da população, que já não tinha acesso ou tinha dificuldades de acesso à participação no
processo de trocas sociais, que tendeu a ampliar-se.
O processo de globalização reforçou mais a exclusão social, e a classe
menos favorecida, foi a mais prejudicada. Os direitos violados, programas de
atendimento diminutos e mais distantes daqueles que realmente necessitam, trás o
aumento da violência urbana, que assume existir um “poder paralelo”, onde a própria
sociedade é refém. A ausência de políticas públicas, desvela uma situação de violência
social.
Uma política redistributiva e compensatória de apoio às famílias em
situação de pobreza, se faz necessário, para uma reversão no quadro de exclusão
existente, onde fazem parte uma expressiva parcela de pessoas, promovendo uma
sociedade mais justa e equilibrada à todos, para exercício pleno de cidadania, e de trocas
afetivo-social com maior qualidade. Isso demanda a necessidade de mudança nas
práticas dos profissionais que atuam direta e indiretamente no atendimento dessa
clientela. Quanto mais saudável for esse desenvolvimento, maior a qualidade nos
relacionamentos intra, inter psíquico do indivíduo.
As práticas nas políticas sociais, vão ditar que tipo de cidadãos querem
formar, e terão atuando nas diversas esferas sociais. Contribuindo de forma mais ou
menos positiva no crescimento e no desenvolvimento social.
SUGESTÃO: Investigar como o jovem que teve os vínculos rompidos,
situa-se nas suas relações afetivas de trabalho, família (se conseguiu formar uma), inter e
intrapessoal. Como, e de que forma conseguiu e qual sua contribuição e participação no
contexto social .
BIBLIOGRAFIA
I. BLACK, Evan I. e Colaboradores. Os Segredos na Família e na Terapia
Familiar. Porto Alegre: Artmed, 1994.
II. BRASIL. Lei nº8069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
III. FAVERO, T.E. Rompimento dos Vínculos do Pátrio Poder.SP : Veras, 2001
IV. MINUCHIN P., COLAPINTO J. MINUCHIN S. Trabalhando com Famílias
Pobres. Porto Alegre: Artmed,1999.
V. RAPPAPORT R.C. FIORI R. DA W. DAVIS C. Teorias do desenvolvimento –
conceitos fundamentais. Volume 4. SP: Pedagógica e Universitária Ltda,1981
VI. RIVIÈRE E.P. Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes,2000
VII. SLUZKI, C.E. A Rede social na Prática sistêmica. SP :Editora Casa do
Psicólogo, 1997
VIII. STOCKER M. e HEGEMAN E. O Valor das Emoções. São Paulo: Palas Athena,
2001.
IX. TALITA F.C. Marco Referencial de Atendimento em Abrigos. RJ: CNBB,2002
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
SUMÁRIO 6
INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO I
A Afetividade no Contexto de Socialização do Indivíduo 10
CAPÍTULO II
As influências sociais no Vínculo Familiar 17
CAPÍTULO III
O Comportamento na violência em abrigo 23
CAPÍTULO IV
Conseqüências Sociais das perdas dos vínculos afetivos 33
CONCLUSÃO 41
BIBLIOGRAFIA 45
ÍNDICE 46
FOLHA DE AVALIAÇÃO 47
ATIVIDADES CULTURAIS 48
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes
Título da Monografia: A SOCIALIZAÇÃO DO INDIVÍDUO E A RUPTURA DOS
VÍNCULOS AFETIVOS: as conseqüências sociais e psicológicas das perdas
afetivas dos jovens oriundos de abrigo
Autor: Claudete de Almeida Cruz
Data da entrega: 05 de Julho de 2003.
Avaliado por: Conceito:
Avaliado por: Conceito:
Avaliado por: Conceito:
Conceito Final:
ATIVIDADES CULTURAIS