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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas - FFLCH
Disciplina: Ética e Filosofia Política (Opinião Publica e Revolução)
Professor: Milton Meira do Nascimento
Discente: Mateus Perez Jorge
A repercussão histórico-filosófica da revolução e a legitimidade da opinião
publica à luz da crítica nietzschiana aos valores morais.
RESUMO
Neste trabalho, pretende-se desenvolver uma articulação conceitual entre a
interpretação de vontade geral proposto por Robespierre (outrora originariamente
desenvolvida por Rousseau no Contrato Social) como um tribunal soberano com a
critica nietzschiana aos critérios intrínsecos presentes na moral ocidental para se avaliar
os valores que utiliza determinados critérios para se definir uma hierarquia de valores
baseados na moral vigente da época. Para Nietzsche, estes critérios estão dentro de um
campo aberto de discussão moral que impera o cristianismo e as ideologias burguesas
modernas.
Apresentação:
Uma proposta alternativa para interpretar a trajetória histórica do movimento
iluminista e da revolução francesa encontramos no estudo acadêmico publicado sob o
título ´´Opinião pública e revolução´´ do professor Milton Meira do Nascimento, que
verificamos uma releitura deste processo a partir de uma articulação teórica entre os
intelectuais, a verdade e o domínio público da política a partir da ênfase no papel dos
intelectuais para a propagação dos valores da revolução.
Sob um cenário de turbulentas transformações sociais e políticas, encontramos
nos líderes do círculo social representados por Bonneville, Fauchet e Mercier papéis de
destaque na medida em que, segundo Milton Meira do Nascimento, (autor de Opinião
Pública e revolução) teria sido o único grupo a teorizar de modo sistemático sobre ‗‗o
papel dos intelectuais e da opinião pública na busca da verdade‘‘1. A articulação destes
três aspectos, (os intelectuais, a verdade e a política) tendem a reconsiderar o lugar da
opinião pública e da liberdade de imprensa como garantia de soberania popular no qual
o povo é capaz de expressar e exercer a vontade geral utilizando a retórica fomentada
por intensos debates públicos como instrumentos para se identificar, expressar e efetivar
a vontade geral.
Por meio desta nova abordagem do repertório intelectual presente na
enciclopedíe, o professor Milton Meira do Nascimento propõe expor como a concepção
de opinião pública adquire gradativamente um estatuto racional ao mostrar sua
evolução, antes relacionada ao engano e a incerteza2, agora expressão da vontade da
maioria apoiada em princípios racionais a partir da retomada da concepção da vontade
geral desenvolvida por Rousseau. A opinião pública elevada a um status racional
1 Cf. LIMA, E. 2006 Teoria e Debate nº 06 - abril/maio/junho de 1989. Publicado em 02/04/2006.
2Cf. É fundamental diferenciarmos a concepção de opinião pública em Rousseau dos chamados
enciclopedistas iluministas: ´´para ele, não é possível formar a opinião pública, mas preservá-la. Enquanto
que d´Alembert, Diderot, Voltaire acreditam num futuro triunfante do saber científico e num
desenvolvimento gradual da razão, Rousseau aponta para um futuro não muito promissor, dada a situação atual das ciências e das artes, que, segundo ele, só tem contribuído para corromper os costumes. Nessas
condições, têm pouco sentido o discurso persuasivo. A voz da verdade não soa como trombeta aos
ouvidos de ninguém. Em outras palavras, em Rousseau não encontramos nem nenhum momento a figura
do intelectual portador da verdade e que deve, por isso mesmo, transmiti-la a homens ignorantes e cheios
de preconceitos.´´. NASCIMENTO, M, M. 1990. p.54
deveria levar em conta o debate intensivo3 como meio e critério para se chegar à
verdadeira opinião. A procura por legitimação da autonomia e liberdade de ação política
de determinados grupos sociais somente poder-se-ia dar-se por meio do livre debate e
livre circulação das idéias sendo um critério fundamental para que se torne legítimo a
soberania popular.
Idéias deste teor foram defendidas por Robespierre e seus adeptos pautando-se
na perspectiva da livre circulação das idéias para legitimar os rumos que a vontade geral
tenderia; inclusive de poder distinguir as opiniões falsas dos juízos verdadeiros. Esta
concepção é encontrada em Robespierre a partir de um registro que faz em seu
‗Discurso sobre a liberdade de imprensa‘ (presente no livro Opinião Pública e revolução
de Minto Meira Nascimento) ao defender que a verdadeira opinião prosseguirá
incansavelmente vencedora nos debates: ‗‗Mas por que se preocupar tanto em perturbar
a ordem que a natureza estabelece por si mesma? Não vedes que, pelo curso necessário
das coisas, o tempo traz a proscrição do erro e o triunfo da verdade? Deixemos as
opiniões verdadeiras ou falsas um desenvolvimento igualmente livre, pois somente as
primeiras estão destinadas a permanecer‘‘4
Como observa o autor de Opinião pública e revolução, soaria estranho à defesa
da liberdade de imprensa
‗por parte do principal articulador do terror revolucionário. Mas, o que
precisamos desde já destacar é que, não só em Robespierre, mas na maioria dos
escritores e políticos do século XVIII há o pressuposto sempre presente de que
3 Um aspecto interessante a ser frisado, refere-se ao papel revolucionário da imprensa, na medida em que
ao propagar e democratizar uma série de idéias, opiniões e informações decorrentes do processo da
derrocada no antigo regime, ela se opõe em justaposição a cultura do segredo, alicerçada no antigo regime
para resguardar eventuais privilégios e benesses presente dentro da hierarquia clerical e nobiliárquica.´´Se
a desconfiança, o desprezo das classes dirigentes e dos filósofos relativamente aos ―gazeteiros‖
começaram a declinar desde os anos de 1770, é a Revolução Francesa que protagoniza a mudança mais profunda, instalando 2 importantes ideias que vão marcar toda a ação dos jornalistas deste tempo. - A
primeira ideia é a de que o segredo é sempre detestável, é a proteção dos privilégios, a muralha que as
monarquias absolutas erguem à sua volta para dissimular as iniquidades que ainda conservam. O segredo
é, por essência, contrarrevolucionário. Consequentemente, o novo regime tem como primeira ambição
permitir e merecer a transparência dos assuntos públicos. - Em segundo lugar, a Revolução presta
constantemente homenagem a um modelo dominante: o da Antiguidade, e às formas de democracia direta
que existiam nas cidades gregas ou na antiga Roma. A cultura dos atores é fundamentalmente clássica:
têm na mente todo um conjunto de referências que vêm alimentar a sua eloquência, as suas controvérsias
e as suas ambições. Portanto, procura reinventar-se a democracia direta ao preço desta algazarra de
vociferações que o público lança a partir das tribunas das assembleias.``
4 Cf. ROBESPIERRE, M. – Discours sur la liberté de la Presse, sessão de 11/5/1791, Éditions Hemera,
Tomo V V, p.47. In. NASCIMENTO, M, M. 1989. p.62
há uma verdade e de que ela ou se forja no debate (...) ou (...) já está dada no
campo das disputas e seu destino é vencer o erro.‘‘5
A análise de Milton Nascimento permite-nos reconhecer e compreender a
evolução histórica de dois movimentos importantes durante o processo revolucionário
que, se divergentes na forma, comungam de um mesmo objetivo a fim de se distinguir o
erro para emergir a verdadeira opinião em prol da causa revolucionária. Um de cunho
democrático, ‗no qual a condição é de igualdade para todos os debatedores‘‘6 que se
respeita a diferença das opiniões. Outra é uma vertente autoritária, que faz emergir a
vitória da verdade originada apenas por uma das partes. Ou seja: a verdade que
sobressai é a verdade do grupo que sai vencedora em um debate que se percebe
explícito a luta de interesses.
A última concepção da verdade é problemática: supõe a supressão das opiniões
alheias divergentes e a supremacia de uma única opinião que se coloca como verdadeira
e justificada por força de persuasão. Mas também é problemática a concepção de
opinião trazida por Robespierre, uma vez que a verdade se legitima segundo o critério
da defesa do bem público. Já para Sebastian Mercier, ‗apontava para o critério de
funcionamento da teoria na prática.7‘‘ Como observado por Nascimento, há inúmeras
ambigüidades nestas argumentações tais como a necessidade de clara identificação do
que pode ser considerado bem público no caso de Robespeirre; ou qual tipo de prática
poder-se-ia comprovar como teoria verdadeira. A resolução destas problemáticas só
podem se resolver pelo incentivo contínuo da livre e democrática propagação e
circulação das idéias, solução possível somente se praticado efetivamente em mundo
secular e totalmente desdivinizado permitindo emergir compreensões claras e
verdadeiras sobre tudo que seria parte do bem público ou não. Para que se consolide
este mundo pautado no discurso operado no plano imanente seria necessário cair o véu
teológico para que se possa forjar a verdade dentro da dinâmica discursiva ordinária no
plano efetivo do mundo não-transcendente.
5 Cf. NASCIMENTO, M, M. 1989,. P.62.
6 Cf. Op. Cit.
7 Cf. Op. Cit.
Embora as pesquisas acadêmicas recentes indiquem uma perspectiva imanente e
não transcendental nas análises sobre a filosofia política do século XVIII, com a crítica
nietzschiana à modernidade podemos relativizar esta abordagem com a crítica radical
nietzschiana à moral da revolução e alguns valores rousseauístico incorporados nas
idéias iluministas e da revolução
No plano do debate aberto e intensivo a orientação de uma verdade a partir da
intenção de se chegar à verdadeira opinião repercutiu um problema central para os
principais críticos da modernidade; pois se tratam de uma concepção avaliadora que
pressupõe uma vinculação intrínseca de uma forma de se operar os juízos de valores
com a herança imaterial cristã; baseando na crença em um ideal transcendental na
defesa intrínseca por harmonia e coesão social. Segundo Nietzsche tais pressupostos se
ramificaram na sociedade como um todo a partir de tendências observadas em práticas
sociais e culturais cristalizadas e orientadas sob um prisma metafísico: são estas
problemáticas essenciais e que por sua ganham destaque fundamental neste trabalho,
uma vez que - segundo Nietzsche, pouco foram tematizadas pelos teóricos do
iluminismo e da revolução como um plano possível que gestaram seus pensamentos.
Desde os primeiros escritos nietzschianos sobre a política já percebemos uma
oposição radical de Nietzsche contra Rousseau e as repercussões das teses deste para
com o movimento iluminista francês. Com esta perspectiva, torna-se necessário recorrer
e aprofundar as discussões que Nietzsche busca travar com as idéias modernas de seu
tempo; aquele considerado o principal crítico dos pressupostos metafísicos e dos
processos que levaram a sua secularização dentro da sociedade.
* * *
Sabemos que embora sua crítica sobre os valores repercutidos na modernidade
fosse insistente e intensa, notamos em sua leitura crítica sobre a revolução francesa e o
iluminismo algumas peculiaridades na forma como trata cada um destes fenômenos
sociais e culturais imprimindo novas perspectivas para cada um destes processos a partir
de um debate concentrado na condenação e contestação aos valores vinculados a esta
mesma tradição de pensamento.
Desde o princípio desta análise deve-se primar na compreensão pelo filósofo por
uma modernidade que herda sutilmente valores e pressupostos oriundos da tradição
cristã; se vinculando com a cultura moderna ao encontrar afinidades temáticas daquela
com a bandeira revolucionária pela defesa na igualdade, liberdade e a revolução como
princípios fundamentais do movimento revolucionário Francês8.
Observando as transformações que a civilização perpassava, o filósofo
reconhece-se adepto a tese do continuísmo, procurando apontar a permanência de
alguns valores morais do cristianismo na modernidade, como se houvesse um eco
natural da moralidade cristã dentro dos movimentos revolucionários do final do século
XVIII.
Em um aforismo intitulado como Os últimos ecos do cristianismo na moral de
Aurora (1881), o filósofo reconhece a influência dos valores cristãos que se secularizam
para a política moderna de seu tempo, pois ‗‗foi o resíduo da mentalidade cristã que
prevaleceu quando a crença fundamental, muito oposta e rigorosamente egoísta, de que
´uma só coisa é necessária´, a crença na importância absoluta da salvação eterna
pessoal, assim como os dogmas nos quais se apoiava9, foram pouco a pouco recuando, e
que a crença acessória no ‗amor‘, no ―amor do próximo‖, (...) vinha assim ocupar o
8 Deve-se a vinculação entre os princípios da revolução francesa com os valores cristãos trata-se uma
interpretação peculiar da filosofia de Nietzsche e não uma visão generalizada dos recentes estudos e
pesquisas acadêmicas sobre a revolução francesa. Como lembra Julião, ´´durante a fase intermediária, o
que é mais destacado, é que Nietzsche lançou o Iluminismo contra a Revolução Francesa, que foi vista
por ele como uma explosão violenta do ressentimento cristão que dominou e destruiu a última floração da
cultura aristocrática da Europa, a França dos séculos XVII. Para o nosso filósofo, a Revolução Francesa
foi essencialmente uma secularização da moral escrava cristã, apesar da máscara enganadora anticristã
que os revolucionários vestiram18. Os fins morais da Revolução, liberdade, igualdade e fraternidade são,
segundo Nietzsche, os princípios de rebanho e nivelamento de uma cultura décadent, dominada ainda
pela moralidade cristã.``JULIAO, J, N. 2014, p.08. 9Vale ressaltar que a secularização da moralidade cristã se reconhece até na própria forma como o
primeiro governo republicano proclamou os principais lemas da nova república pelo governo
revolucionário. Em 07 de Maio de 1794, ´´por decreto da Convenção, o povo francês reconhece a
existência de Deus, as sanções da vida futura e a imortalidade da alma.´´ In. VI – A glória póstuma.
p.XXXII. Apud. Cronologia; ROUSSEAU, J, J. 1999.
primeiro plano.‘‘ Na medida em que ´´se aprofundava a separação desses dogmas, mais
se procurava de algum modo justificar essa separação por um culto de amor à
humanidade: não ficar atrás em relação ao ideal cristão, mas passar-lhe à frente se
possível, esse foi o secreto aguilhão dos livres pensadores franceses, de Voltaire e
Augusto Comte: e este último, com sua célebre máxima moral ‗viver para os outros‘,
supercristianizou, com efeito, o cristianismo.´´10
A grande crítica de Nietzsche neste
trecho de Aurora é colocar em jogo o processo de secularização da religião que tornou a
prática da fé cristã, antes exercida de forma solitária, individual e espontânea, agora
uma exigência coletiva em prol do Estado, a partir da incorporação de determinados
valores como amor ao próximo para dentro da vida em sociedade. Desta forma, a tese
de Nietzsche deixa notar semelhanças entre a forma como o ideal cristão da boa prática
do amor ao próximo continuou depois da consolidação da nova república. A tese do
continuísmo se ratifica com a prevalência para o último ideal – o amor ao próximo, e
vai se tornar decisiva nos caminhos que a política vai tomar no século XIX,
consolidando o processo de secularização religiosa por meio da perpetuação do que o
filósofo chama como as últimas ressonâncias morais do cristianismo tardio.
Em termos filosóficos e históricos Nietzsche reconhece a algumas
personalidades de seu século o mérito de dar maior potencial de propagação tanto aos
dogmas vinculados à moral milenar do cristianismo quanto dos sentimentos gerados
pela prática da boa fé cristã a partir de sua secularização no campo da ação social
efetiva, diz ele:
´´Schopenhauer na Alemanha e John Stuart Mill na Inglaterra, conferiram a maior celebridade à doutrina dos sentimentos simpáticos e da
compaixão ou da utilidade para os outros, como princípio de ação: mas eles
não foram senão ecos — essas doutrinas surgiram em toda parte ao mesmo
tempo, sob formas sutis ou grosseiras, com uma vitalidade extraordinária,
desde a época da Revolução Francesa aproximadamente, e todos os sistemas
socialistas se colocaram como que involuntariamente no terreno comum dessas
doutrinas. Não existe talvez hoje preconceito mais difundido que aquele de
imaginar que sabemos o que constitui verdadeiramente a coisa moral. Cada um
parece hoje ouvir com satisfação que a sociedade está prestes a adaptar o
indivíduo às necessidades gerais e que a felicidade assim como o sacrifício de
cada um consiste em considerar-se membro útil e instrumento de um todo: entretanto, hesita-se muito ainda neste momento para saber onde é preciso
procurar esse todo, se na ordem estabelecida ou na ordem a ser fundada, se na
10
Cf. NIETZSCHE, F. A, §132.
nação ou na fraternidade dos povos, ou ainda em novas pequenas comunidades
econômicas.´´11
Este último registro permite constatar sua reafirmação sobre a tese crítica
envolvendo as filosofias e ideologias políticas de seu século e colocando em jogo o
processo de secularização cultural da religião que se apropriou da prática da fé cristã,
tornando-se uma exigência coletiva em prol do corpo político. Este seria um movimento
ideológico que – para Nietzsche, consolidou a tese de Rousseau pela defesa do caráter
utilitarista do homem para a manutenção da hierarquia e do establishment social,
político e econômico do Estado, a fim de tornar o indivíduo um instrumento útil e
necessário do Estado.
Ao retomar a tese da autonomia com o fim de contestar a tese do utilitarismo
desenvolvido por teóricos como John Stuart Mill12
rechaça a tese de Rousseau da
vontade geral e seu papel de implementar a coesão social e o bem comum13
. Estas
relações entre o pensamento nietzschiano e os valores rousseauístico defendidos pela
tese da autonomia e da soberania popular entram em choque na medida em que
Nietzsche desconfia haver um plano moral comprometido com o cristianismo, presente
tacitamente nas teses do formulador moderno do contrato social.
Ao aprofundarmos mais estas reflexões, notamos que as diferenças de
tratamento do filósofo em relação a alguns intelectuais do iluminismo em contraste a
Rousseau se dão por outros caminhos, que se diferenciam na forma e na intensidade
como a crítica nietzschiana se desenvolve e investe. As nuances de tratamento são
reveladoras para sua posição filosófica e política, cada vez mais perceptíveis na fase
intermediária; o chamado período positivo de sua filosofia. A diferenciação vai ser –
portanto, fundamental para tomarmos as reflexões de Nietzsche e apresentar a de
Rousseau sob um ponto de vista mais alto.
11 Cf. NIETZSCHE, F. 2004, §132.
12 Cf. o qual entende que o indivíduo deve-se adaptar ´´ às necessidades gerais e que a felicidade assim
como o sacrifício de cada um consiste em considerar-se membro útil e instrumento de um todo´´. Op. Cit.
13 Cf. É freqüente o viés utilitarista presente na tese rousseouística referente a importância do pacto social
para dar condições para o conhecimento verdadeiro da vontade geral. Pois, ´´ a vontade geral é
invariavelmente reta e tende sempre à utilidade pública.´´ E ´´no tocante a tudo quanto cada um aliena,
pelo pacto social, de seu poder, de seus bens e de sua liberdade convém-se que representa somente a parte
de tudo aquilo cujo uso interessa à comunidade´´.
Nietzsche contra a revolução e a favor do iluminismo: a fase intermediária como
ponto de inflexão na filosofia contra a moral moderna.
É recorrente nas leituras sobre Nietzsche uma associação direta e objetiva da
crítica de Nietzsche contra a revolução francesa e os valores vinculados ao projeto da
revolução. Mas durante a fase a intermediária14
representada pelas obras Humano,
demasiado humano, Aurora e Gaia Ciência verifica-se claro e notório uma distinção de
interpretação entre os idéias da revolução e o projeto iluminista anterior. Chega a emitir
elogios ou críticas brandas ao iluminismo por um lado; e por outro condena abertamente
a revolução nos seus princípios e valores.
Comentando esta peculiaridade da filosofia nietzschiana, o comentador e
pesquisador José Nicolau Julião corrobora essa perspectiva ambivalente do filósofo na
fase intermediária ao apontar que ´´o que é mais destacado, é que Nietzsche lançou o
iluminismo contra a Revolução Francesa, que foi vista por ele como uma explosão
violenta do ressentimento cristão que dominou e destruiu a última floração da cultura
aristocrática da Europa, a França dos séculos XVII.15
´´ Na fase intermediária vemos
explicitamente sua afeição a alguns intelectuais do iluminismo que, a despeito de
Voltaire, tece elogios tanto quanto outros intelectuais letrados do mesmo matiz ao
mesmo tempo em que afronta diretamente filósofos que defendiam ideais por ele
entendidos da décadence, como Rousseau:
Verificamos esta distinção clara em uma reflexão que aprofunda as diferenças
entre Voltaire e Rousseau:
14 Faz-se necessário uma ponderação da evolução linear de suas críticas ao longo das suas últimas duas
fases de discussões filosóficas. É digno de nota que sua filosofia tenha como marca central uma relação fundamental entre as vivências e sua produção intelectual e isto se expressa na forma como seus
interlocutores o influenciaram e incentivaram posteriormente o desenvolvimento de uma produção mais
amadurecida e independente. Sendo assim, em linhas gerais podemos identificar relativa adesão na fase
intermediária pelo romantismo alemão e pelos ideais aristocráticos por parte de alguns intelectuais do
iluminismo como Voltaire no último caso e o músico Wagner no primeiro.
15 Cf. continuação: ´´Para o nosso filósofo, a Revolução Francesa foi essencialmente uma secularização
da moral escrava cristã, apesar da máscara enganadora anticristã que os revolucionários vestiram. Os fins morais da Revolução, liberdade, igualdade e fraternidade são,segundo Nietzsche, os princípios de rebanho
e nivelamento de uma cultura décadent, dominada ainda pela moralidade cristã. Como dirá anos depois
em Para além do bem e do mal, a Revolução Francesa é a última grande revolta dos escravos e ainda,
´por isso, é a filha e a continuação do cristianismo...ela tem os instintos contra a igreja, contra a
aristocracia, contra os últimos privilégios´.´´ JULIAO, J, N. 2014, p.08.
´´Há visionários políticos e sociais que com eloqüência e fogosidade pedem a
subversão de toda ordem, na crença de que logo em seguida o mais altivo templo da
bela humanidade se erguerá por si só. Nestes sonhos perigosos ainda ecoa a superstição
de Rousseau, que acredita numa miraculosa, primordial, mas, digamos, soterrada
bondade da natureza humana, e que culpa por esse soterramento as instituições da
cultura, na forma de sociedade, Estado, educação. Infelizmente aprendemos, com a
história, que toda subversão desse tipo traz a ressurreição das mais selvagens energias,
dos terrores e excessos das mais remotas épocas, há muito tempo sepultados: e que,
portanto, uma subversão pode ser fonte de energia numa humanidade cansada, mas nunca é organizadora, arquiteta, artista, aperfeiçoadora da natureza humana.´´ 16
Na seqüência verifica-se claramente a opção pela perspectiva filosófica e
ideológica de Voltaire ante Rousseau:
Não foi a natureza moderada de Voltaire, com seu pendor a ordenar, purificar e
modificar, mas sim as apaixonadas tolices e meias verdades de Rousseau que
despertaram o espírito otimista da Revolução, contra o qual eu grito: "Ecrasez l'infâme
[Esmaguem o infame]!".149 Graças a ele o espírito do Iluminismo e da progressiva
evolução foi por muito tempo afugentado: vejamos — cada qual dentro de si — se é
possível chamá-lo de volta!´´17
Nota-se que Nietzsche fora um fiel adepto das causas e dos princípios do
iluminismo, denotando uma efetiva opção por uma perspectiva positiva em sua filosofia
com relação aos valores vinculados a este movimento. Em contraponto a esta
perspectiva, condena Rousseau por ter afugentado o espírito do Iluminismo e da
progressiva evolução, colocações claramente apontada neste último registro.
Sob um ponto de vista niilista e reativo que - na percepção de Nietzsche, se
propaga e consolida material e moralmente a revolução disseminada no âmago da
sociedade. Segundo José Nicolau Julião – comentando Nietzsche,
‗‗os fins morais da Revolução, liberdade, igualdade e fraternidade são
(...) os princípios de rebanho e nivelamento de uma cultura décadent, dominada
ainda pela moralidade cristã. Como dirá anos depois em Para além do bem e
do mal, a Revolução Francesa é a última grande revolta dos escravos e (...) ,´por isso, é a filha e a continuação do cristianismo...ela tem os instintos contra
igreja, contra a aristocracia, contra os últimos privilégios.‘ ‘‘18
16 Cf. NIETZSCHE, F. §463. HH.
17 Op. Cit.
18 Cf. JULIAO, J, N. 2014, P. 08. Apud. NIETZSCHE, F. In. KSA, vol. XIII, p.396.
Na mesma base de interpretação, a comentadora Scarlet Martton propõe
aproximar no mesmo plano de perspectiva Kant com Rousseau, atestando a concepção
negativa de Nietzsche em relação às contribuições deste último para o iluminismo e o
século XIX - herdeiro da revolução: ‗‗com a idéia de autonomia, Kant introduz, no que
diz respeito à conduta humana, uma reviravolta análoga à operada por Rousseau no
Contrato social. Se este descreve o homem entregando-se por completo à sociedade e
sujeitando-se somente a si próprio, aquele o concebe como submetendo-se inteiramente
à lei moral e obedecendo, no entanto, apenas a si mesmo.‘‘ Porém no contexto da
organização social, ´´Rousseau declara: ―a obediência à lei que prescreveu a si próprio é
liberdade (...). Para ambos, embora em registros diferentes, a obediência à lei justifica-
se por ser o homem o seu autor, de modo que, em vez de destruir a liberdade, ela a
manifesta e pressupõe.19
`` Uma denúncia implícita de Nietzsche é destacada pela
comentadora a partir de uma falsa concepção de liberdade atribuída por Rousseau na
sua defesa a obediência à lei moral.
Vinculando autonomia com uma moral constituída sob princípios racionais o
filósofo desacredita a autonomia denunciando-a como uma mentira e engodo. A partir
destas reflexões nietzschianas sobre Rousseau torna-se crescentemente notório a
crescente oposição de Nietzsche à Rousseau, enfatizando a rejeição por sua concepção
de autonomia.
Sobre este último aspecto, vale voltar-se ao comentário de Scarlet Martton:
´´Nietzsche parece desprezar a idéia de autonomia, central na doutrina
moral kantiana e na teoria política rousseauísta. Submeter-se ao grupo social ou
ao imperativo categórico, obedecendo unicamente a si próprio, talvez não
passe‘ de engodo. A sociedade espera do indivíduo que tenha ocupação
permanente, caráter invariável, opiniões constantes; quer que se torne um
animal ―previsível, constante, necessário‖, pois só assim pode estar certa de dispor dele a qualquer momento. ‗‗Ela honra essa natureza de instrumento,
esse permanecer-fiel-a-si-mesmo, essa imutabilidade de pontos de vista,
esforços, e até mesmo de vícios, com suas honras mais altas‖ (GC § 296). Para
atingir os seus objetivos, a sociedade emprega diferentes meios: estimula o
respeito à tradição, encoraja a preservação dos hábitos, difunde o medo de
desobedecer. Eles revelam-se, porém, ineficazes, quando se trata dos que nada
temem, dos que dificilmente se deixam subjugar, dos que não acatam as
normas do grupo, enfim, dos que preferem agir e pensar por si mesmos.´´20
19 Cf. MARTON, S. 2010, p. 118.
20 Cf. MARTON, S. 2010, p. 118.
A partir desta perspectiva crítica proposta pela comentadora de Nietzsche, nota-
se a insistência nietzschiana em rechaçar a tese da autonomia de Rousseau; reflexo da
intenção nietzschiana em procurar uma proposta conceitual alternativa dentro dos
termos da filosofia e da história da filosofia, o qual resultará na proposição de um
projeto de transvalorização de todos os valores utilizando-se como critério uma
redefinição do conceito de vontade desenvolvida em Rousseau e que mais tarde viria a
ser conhecido como vontade de potência.
Assim, o conceito vontade de potência – forjado a partir da fermentação
intelectual das ciências de sua época (bem como a insistência particular do filósofo na
retomada por concepções filosóficas oriundas do pré-socratismo grego) imprimi nova
dimensão no debate de Nietzsche com a crítica aos valores da modernidade que já se
entendia abertamente como herdeira direta dos valores morais do cristianismo.
O nível da discussão passa-se agora em um plano ontológico, onde o diálogo de
Nietzsche com a modernidade e os principais representantes da filosofia política de seu
tempo se dá de forma articulada e têm como tronco principal a intenção de dar
prosseguimento a chamada transvalorização de todos os valores. Por volta de 1882, no
final da sua fase intermediária, verifica-se a insistência do filósofo em dialogar com
determinadas categorias e conceitos das ciências da vida e da natureza, já ensaiando
primeiros passos para amadurecer sua filosofia e desenvolver o conceito relativo à
vontade de potência (sempre articulado em paralelo com a idéia do eterno retorno).
Segundo Scarlett Marton, o conceito vontade de potência vincula-se a uma visão
pluralista tanto do mundo interno – o corpo do Homem, quanto no âmbito mais geral e
externo, a formação da sociedade, do mundo e do universo. Por meio das investigações
biológicas sobre o mundo orgânico se têm as bases conceituais para que o filósofo
distancie-se da concepção organicista da sociedade e do mundo, optando por uma visão
pluridimensional o qual não haveria diferenças entre a classificação de orgânico e
inorgânico provenientes da biologia tradicional que influenciou indiretamente um viés
fisiológico para a antropologia e a sociologia oitocentista.
Dentro do contexto de intenso debate com a biologia, cenário principal para
formulação da vontade de potência e sua conexão direta com a concepção de homem e
mundo nietzschiana, distanciamos o conceito de vontade enquanto uma única vontade
para uma recepção pluridimensional relativo à suas tonalidades afetivas. A respeito
deste conceito, Scarlet Martton comentando Nietzsche reforça a tese da pluralidade e
sua relação intrínseca com o conceito da vontade de potência:
‗‗consistindo numa pluralidade de adversários, tanto no que diz
respeito às células quanto aos tecidos ou órgãos, ele é animado por combate
permanente. Até o número dos seres vivos microscópicos que o constituem
muda sem cessar, dado o desaparecimento e a produção de novas células. No
limite, a todo instante qualquer elemento pode vir a predominar ou a perecer. Compreende-se então que ―a vida vive sempre às expensas de outra vida‖ (XII,
2 (205)), justamente por ser a luta o seu traço fundamental. Vencedores e
vencidos surgem necessariamente a cada momento, de sorte que ―nossa vida,
como toda vida, é ao mesmo tempo uma morte perpétua‖ (XI, 37 (4)). Desse
ponto de vista, a luta garante a permanência da mudança: nada é senão vir-a-
ser, ela faz também com que se estabeleçam hierarquias — e é isso o que conta
por ora.21‘‘
Na medida em que Nietzsche passa a desenvolver o conceito da vontade de
potência, amadurece suas críticas contra a moral e a filosofia dos últimos séculos,
passando a vincular uma perspectiva voltada ao projeto de superação da ordem vigente
por meio do projeto da transvalorização de todos os valores.
Projeto que traz consigo conceitos fundamentais para se relacionar com as
categorias antropológicas desenvolvidas por Rousseau relativo à tese da vontade
particular e vontade geral que, em contraste a tese nietzschiana vontade de potência,
aponta para uma bipartição na relação entre homem e mundo ou, homem e natureza.
Segundo Nietzsche, a forma como Rousseau cunhou o termo vontade , acarretou um
viés naturalista visando legitimar o establishment possibilitado pelo contrato social,
conquanto que Nietzsche busca legitimar um projeto de superação e negação deste
mesmo establischment.
Por um lado em Rousseau há duas formas para se conceber o homem:
Homem em estado de natureza entendido como ´´pessoa natural´´
Homem em estado civil entendido dentro da comunidade como ´´pessoa
moral´´22
21 Cf. MARTON, S. 2010, p.134
22 A soma das vontades particulares não dá vontade geral, mas um agregado, mas se além do agregado
você têm algo em comum, você passa a ter uma comunidade.
Quando o indivíduo adentra na comunidade socialmente organizada, ingressa
carregando consigo uma parcela da vontade geral.23
Em certa perspectiva Nietzsche
enxerga um Rousseau que quer ver a vontade particular como parte integrante da pessoa
natural (indivíduo) enquanto que a vontade geral é visto como se naturalmente fosse
parte da pessoa moral, vinculado com o corpo social e político. Já Nietzsche defende
uma relação mais complexa: por um lado a vontade de potência não é uma categoria
humanista para se referir as vontades e paixões humanas de forma direta e simples; sim
uma categoria ontológica para se descrever as pulsões e forças internas entendidas em
uma perspectiva que rejeita a concepção humanista, como se fosse composto por uma
racionalidade separada de seus instintos naturais; negação que têm como objetivo final
estar além do homem comum ou, buscar o além-homem nietzschiano.
Por outro lado, esta perspectiva persegue uma intenção implícita e oculta na
filosofia nietzschiana que procura vincular o homem dentro de uma visão filosófica que,
ao defender a integração homem-mundo (ou homem-natureza) retoma a tese pré-
socrática da totalidade o qual descreve a constituição do mundo e do homem como
configurações de forças em mútuas relações. Nesta abordagem, as forças se relacionam
e configuram o mundo e o homem aparece como detalhe adicional, pois está dentro de
uma concepção cosmológica em que não há separação entre o orgânico e inorgânico,
isto é; entre homem e mundo.
Esta concepção vai ser decisiva para Nietzsche radicalizar as teses humanistas
que normalmente tendem a separar o homem da natureza como, no entender
nietzschiano, Rousseau procurou realizar. A passagem do orgânico para o inorgânico
vai se descrever dentro de uma cosmologia que, em linhas gerais, não pactua da ideia de
um universo como um ser vivo e orgânico e, ao mesmo tempo é contrário a tese da
possibilidade de existir uma vontade consciente como a pressuposta em Rousseau -
segundo Nietzsche.
23 Nietzsche também faz uma relação desta dinâmica em sua filosofia ao apontar para os valores incorporados no homem como conseqüência da internalização de valores a partir de certas práticas do
cristianismo e da filosofia metafísica e moral. Em um de seus projetos voltados a transvalorização dos
valores, descreve de que modo esta incorporação ocorreu: ´´ ―1. A incorporação dos erros fundamentais.
2. A incorporação das paixões.
3. A incorporação do saber e do saber que renuncia. (Paixão do conhecimento) 4. O inocente. O indivíduo
singular como experimento. O aliviamento da vida, rebaixamento, enfraquecimento - transição.´´ A partir
de muitas reflexões ontológicas sobre a história, amadurece a concepção de incorporação dos valores e
passa a relacionar a cultura e os hábitos antropológicos com uma certa herança da tradição cristã e dos
valores seculares do ocidente. Em Para Além do Bem e do Mal esta relação torna-se perceptível e clara: ´´
Verificamos uma alusão deste pensamento na Gaia Ciência:
109. Guardemo-nos! – Guardemo-nos de pensar que o mundo é um ser vivo.
Para onde iria ele expandir-se? Como poderia crescer e multiplicar-se? Sabemos
aproximadamente o que é o orgânico; e o que há de indizivelmente derivado, tardio,
raro, acidental, quer percebemos somente na crosta da terra, deveríamos reinterpretá-lo
como algo essencial, universal, eterno, como fazem os que chamam o universo de organismo? Isso me repugna.24
Mais adiante radicaliza esta ideia, procurando apontar que a ideia de orgânico e
a ordem como algo natural no mundo uma exceção:
(...)A ordem astral em que vivemos é uma exceção; essa ordem e a
considerável duração por ela determinada tornaram possível a exceção entre as
exceções: a formação do elemento orgânico. O caráter geral do mundo, no entanto, é
caos por toda a eternidade, não no sentido de ausência de necessidade, mais de ausência de ordem, divisão, forma, beleza, sabedoria e como quer que se chamem nossos
antropomorfismos estéticos.25
As conseqüências de um pensamento naturalizador sobre a forma e constituição
do mundo acarretariam em implicações profundas e duradouras na própria forma de
concebermos os juízos e avaliarmos o mundo e as pessoas. ‗‗O caráter geral do mundo,
no entanto, é caos por toda a eternidade, não no sentido de ausência de necessidade,
mais de ausência de ordem, divisão, forma, beleza, sabedoria e como quer que se
chamem nossos antropomorfismos estéticos.26
‘‘ Com esta reflexão tende a conclusão da
felicidade humana enquanto um fenômeno que é exceção e por isto, não é uma regra e
tampouco uma necessidade ontológica.
A denúncia da necessidade humana na busca por um sentido racional aos
fenômenos ontológicos do mundo e do homem também é outro aspecto marcante em
sua filosofia:
24 Cf. NIETZSCHE, F. GC, §109.
25 Op. Cit.
26 Op. Cit.
‗‗Julgados a partir de nossa razão, os lances infelizes são a regra geral, as
exceções não são o objetivo secreto e todo o aparelho repete sempre a sua toada, que
não pode ser chamada de melodia – e, afinal, mesmo a expressão ‗lance infeliz‘ já é
uma antropomorfização que implica uma censura. Mas como poderíamos nós censurar
ou louvar o universo? Guardemo-nos de atribuir-lhe insensibilidade e falta de razão, ou
o oposto disso; ele não é perfeito nem belo, nem nobre, e não quer tornar-se nada disso,
ele absolutamente não procura imitar o homem!27
Com esta última reflexão nietzschiana, torna-se notório o desejo do filósofo em
apontar um novo caminho de interpretação do mundo e da sociedade, não mais baseada
em uma razão que tende opor homem moral do homem em estado de natureza a partir
do silenciamento dos instintos, mas numa visão totalizante do que se entende por
Homem. Aqui há uma visão mais alargada do conceito de razão, moralidade e de
Homem, acarretando uma reformulação do lugar que a razão em uma perspectiva
ampliada ocupa na história da filosofia e do pensamento humano; abrindo espaço para
outras formas de concepção da razão, mais próxima do lógos pré-socrático.
Nesse sentido, a proposta para uma reformulação do papel da razão na história
da filosofia acarretou em uma redefinição do papel que a própria ideia de vontade vai
acarretar para os debates em torno da política e especialmente do significado do pacto
social na contemporaneidade. A partir das duas formas de se conceber a categoria
vontade por meio do pensamento nietzschiano e de Rousseau, foi possível compreender
sob o viés de Nietzsche a forma decadente como Rousseau pressupõe a idéia de vontade
particular e vontade geral: ambas marcadas por um desmembramento de nascença,
externalizando certa idéia de homem baseado na oposição consciente entre uma vontade
particular que dá lugar espontânea e naturalmente a vontade geral - quando o indivíduo
opta por fazer parte da sociedade civil.
O que Nietzsche procura criticar neste ponto é que em um contexto que se
predomina o pensamento e a retórica cristã, adentrar na sociedade civil não é uma
opção, mas uma resultante inevitável a partir da configuração de forças históricas que,
especialmente para o homem fraco e sujeito aos valores decadentes da cristandade,
indicaram-no o caminho civilizacional como única opção e a adesão a esta proposta fora
por dois motivos: a subordinação do homem a razão ideológica, científica, política ou
religiosa;e o enfraquecimento ou silenciamento dos instintos da maioria, o que interdita
27 Op. Cit.
a re-educação do homem a partir da valorização dos instintos interiores – o que seria o
homem em estado de natureza segundo a matriz rousseauística.
Na visão de Nietzsche, o tratamento dado a concepção de vontade por Rousseau
marca o auge do idealismo moral na modernidade do século XIX e institucionaliza o
tempo progressista e linear como única forma de se conceber a história humana.
Também internaliza no homem o pressuposto da irreversibilidade do tempo decorrendo
o seu aprisionamento no tempo cronológico e denotando os fenômenos sociais e as
causas políticas como inevitáveis e irreversíveis.
No limite, a partir da leitura nietzschiana sobre Rousseau podemos supor que sua
tese relativa à autonomia é uma ilusão na medida em que está circunscrita a linearidade
do tempo histórico e a irrefutabilidade dos fatos já que para Nietzsche, a única forma
possível de recuperar a efetiva autonomia de si mesma perpassa pela reflexão do sujeito
e do mundo num plano ontólogico a partir de uma nova concepção de temporalidade;
baseada na hipótese do eterno retorno28
como pressuposto para se exercer efetivamente
o seu projeto de transvalorização de todos os valores.
* * *
28 Cf. A fórmula filosófica mais conhecida que descreve este conceito está presente no aforismo §341 de
Gaia Ciência, que pressupõe a possibilidade do eterno retorno como uma hipótese terrível e abismal como
uma proposta colocada para um homem comum: ´´E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse
em tua mais solitária solidão e te dissesse: ―Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás
de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer
e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te
retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores,
e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra
vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!‖ – Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias
o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe
responderias: ―Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!‖. Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse;
a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: ―Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?‖ pesaria
como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e
com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"
NIETZSCHE, F. §341.
Epílogo:
Estas últimas reflexões tenderam aproximar o conceito da vontade em Nietzsche
e Rousseau e tiveram como principal objetivo mostrar como um conceito singular e
acessível para o público em geral pode adquirir recepções e conotações tão díspares e
até mesmo em oposição. Desnudar tais diferenças permite-nos conhecer algumas
semelhanças no plano das intenções de cada um dos filósofos que se baseiam numa
visão filosófica cujo ideal da totalidade ou do conhecimento a cerca desta traz,
conseqüências no modo de compreender o mundo, o homem, a formação dos valores
bem como as bases epistemológicas e ontológicas que legitimam a produção e recepção
dos juízos de valores que, cuja origem remonta a antiguidade, mas que traz implicações
diretas para a nossa modernidade e conseqüências para se compreender a formação
política e organização social contemporânea.
A síntese da tese central de Nietzsche pode ser compreendida a partir de sua
tentativa na resignificação do conceito de vontade ao vincular com sua teoria das
forças, buscando a partir disto relacionar com a recepção iluminista das teses morais
rousseauística tendo como base um plano racional, conceito que foi essencial para
sistematizar e legitimar a bandeira revolucionária a fim de preservar a sociedade dos
desmandos e autoritarismo monárquico que, no limite, poderia levar a desordem social.
Contrariamente as concepções que tendem vincular revolução como contestação
radical da ordem vigente, o conceito revolução se aproxima mais de uma conceituação
astrológica, enquanto processo que visa à mudança das conjunturas políticas e sociais a
fim de se preservar a estrutura da ordem social, econômica e cultural, isto é: o
establishment vigente. Tal adesão começa a ter êxito somente a partir do momento em
que as teses iluministas passam a se propagar por meio do poder midiático fomentados
por intelectuais eruditos voltados a construir uma massa crítica capaz de opinar e decidir
claramente sob os rumos e destinos da nação. As conseqüências disto foi que através da
imprensa escrita se tornou possível formar a chamada opinião pública com a finalidade
de provocar adesão social dos diversos grupos e segmentos sociais em prol da causa
revolucionária e, ao mesmo tempo, fazer neste processo formar e constituir uma opinião
pública capaz de expressar a chamada vontade geral.
Se por um lado o Contrato Social de Rousseau propôs uma adesão para coesão
social por meio do apaziguamento das vontades particulares em detrimento da adesão
do indivíduo a vontade geral, por outro a forma como se pressupôs chegá-la pela leitura
e interpretação dos membros do círculo social, constata-se a peculiaridade de considerar
a opinião verdadeira baseada em uma perspectiva plástica da razão, legitimada pela
idéia da livre construção a partir do debate e circulação espontânea das idéias: para estes
a verdade não é dada previamente, mas se constrói; adquirindo um caráter elástico e
vinculando-se a perspectiva de história enquanto vir a ser mais do que uma história
compreendidas sob pressupostos teleológicos a partir de um destino previamente dado e
certo, onde as regras do jogo e a conjuntura já se pressupõe como previamente dada e
conhecida.
Além disso, outra peculiaridade refere-se ao primado dos homens cultos tais
como os membros do círculo social que se compreendiam na vanguarda dos processos
de mudança históricas profundas e irreversíveis na sociedade. Talvez por se vincular a
um viés aristocrático compreendemos melhor os elogios e até a simpatia de Nietzsche
em relação à parcela dos membros desta intelectualidade, com destaque para Voltaire e
Diderot na medida em que, por conceber uma perspectiva mais alargada da razão,
desenvolveram as bases para um cenário fértil e propício para que se germinem bons
frutos e boas idéias a partir do debate em público.
* * *
Excurso:
O destino de Nietzsche e a crença na totalidade pré-socrática.
A repercussão dos valores apregoados durante a revolução francesa manteve-se
atual na medida em que se engendraram dentro de uma complexa cadeia de eventos
políticos, sociais, culturais e filosóficos, disseminando idéias revolucionárias que
opunham ao poder real ou, pelo menos, colocava em questão a legitimidade de seu
poder por meio da imprensa constituída especialmente por homens das letras e da
filosofia em geral.
A grande questão que se destaca deste turbilhão social refere-se à forma como
um grupo seleto de intelectuais da França obtiveram a adesão das camadas populares
carentes em recursos materiais e culturais por meio de estratégias discursivas baseada
numa certa lógica do discurso orientada sob os preceitos do contrato social, mas
aplicado de forma peculiar no contexto das turbulentas transformações políticas e
sociais deste país. Nesse sentido, legitimar o destino de um povo por meio da
pressuposição de uma vontade geral forjada nos intensos debates discursivos na
imprensa escrita foi – em termos epistemológicos - estratégia absolutamente
revolucionária na forma e intensidade como se propagou.
Não é por menos que este movimento chamou a atenção de Nietzsche durante
boa parte de sua trajetória intelectual, exigindo dele uma posição filosófica e política a
respeito. De certa forma, a concepção relacionada a vontade geral adquire certa
conotação ontológica tendo em vista um caráter relativamente abstrato e generalizante
como Rousseau erige seu modelo.
Pierre Burgelin em comentário introdutório ao Contrato Social enfatiza este
aspecto quando percebe duas importantes interpretações de Rousseau a partir de uma
leitura crítica e identificando como idealista e utopista - ´´porque se mantém no nível
dos princípios, no abstrato. Constrói a máquina, diz ele, cabe aos outros fazê-la
funcionar.´´ A partir da recepção de Rousseau como um idealista, duas tradições se
estabelecem:
‗‗uns lêem em O contrato a apologia da democracia direta, da
bondade do povo. Outros compreendem ali a antecipação do que chamamos
regimes totalitários. Isolam-se e ´e exalçam-se´ facilmente os textos. No
entanto, essas duas séries de conseqüências que se extraem deles menosprezam
o fato de que para Rousseau a autoridade não é nem o povo, em sua realidade,
nem o poder político, mas a razão esclarecida pela consciência. Soberano29 em
direito, o povo é digno e dele se traz em si a vontade geral, não suas paixões ou
seus preconceitos30; mesmo sendo possível admitir que as paixões e os
preconceitos se anulam por sua oposição, há maior probabilidade de que uma
maioria exprima a vontade geral.31‘‘
Esta linha de raciocínio faz alusão à idéia originária do que podemos chamar
como verdadeira democracia, baseada numa relação entre governo e seus representados
– os cidadãos, tendo como ponto-chave o uso da razão esclarecida como norte para o
desenvolvimento do povo e da boa governabilidade. Complementando esta reflexão,
Burgelin infere:
´´a política implica antes de tudo a educação do cidadão. Apenas
homens esclarecidos não se deixarão enganar por insidiosas propagandas, terão
como única paixão o amor pela pátria, só eles poderão estabelecer uma sociedade justa. Enquanto não formos capazes desse esforço, permanecemos
escravos. Como moralista e como filósofo, Rousseau anuncia que os homens
são responsáveis pela sociedade que fazem, qualquer que seja a escusa
sociológica que possam encontrar. O contrato social não tem interesse
histórico, é a condição implícita de todo julgamento político.32´´
Uma política que se baseia na educação erudita remonta a teses da antiguidade,
quiçá a República de Platão cuja proposta de um Estado ideal dever-se-ia estar baseado
numa república dirigida apenas por filósofos. De certa forma, a estratégia é retomada na
29 Grifos meus.
30 Cf. O preconceito enquanto um aspecto inerentemente presente no homem quando em sociedade, torna-
se uma categoria fundamental para identificarmos como se contrasta a concepção de opinião pública em
Rousseau com os chamados enciclopedistas iluministas: ´´para ele – Rousseau, não é possível formar a
opinião pública, mas preservá-la. Enquanto que d´Alembert, Diderot, Voltaire acreditam num futuro
triunfante do saber científico e num desenvolvimento gradual da razão, Rousseau aponta para um futuro
não muito promissor, dada a situação atual das ciências e das artes, que, segundo ele, só tem contribuído
para corromper os costumes. Nessas condições, têm pouco sentido o discurso persuasivo. A voz da
verdade não soa como trombeta aos ouvidos de ninguém. Em outras palavras, em Rousseau não
encontramos nem nenhum momento a figura do intelectual portador da verdade e que deve, por isso
mesmo, transmiti-la a homens ignorantes e cheios de preconceitos.´´.NASCIMENTO, M, M. 1990. p.54
31 Cf. BURGELIN, P. XXIII, Apud. ROUSSEAU, J, J. 1999.
32 Cf. Vale ainda acrescente que ´´Rousseau era suficientemente cético acerca de seus contemporâneos,
até mesmo de seus compatriotas, para não enxergar a decadência das instituições e dos costumes.É por
isso que se persuadiu que a zona de ação do homem de boa vontade agora não podia estender-se muito
além da família e que seu tratado de educação se limitou a esse domínio: talvez os pais ainda possam educar seus filhos de acordo com a natureza, o que significa sensatamente. Mas inscreveu O contrato
social no Émile. Seu aluno não ignora os reveses e os dissabores, a ambição do mestre é que o verdadeiro
homem terminará se impondo sobre aqueles que não passam de escravos. Multopliquemos os Émiles e
talvez chegue o dia em que a aventura da cidade antiga poderá recomeçar sob uma forma nova.´´
BURGELIN, P. p. XXIII, Apud. ROUSSEAU, J, J. 1999.
modernidade sob uma roupagem diferente, mas em mantém em essência como norte o
desejo de uma política ideal a partir da educação do cidadão como princípio
fundamental de toda boa prática; cujo destino final será reinar a harmonia e coesão
social a partir do momento em que o Contrato Social se efetiva sendo absorvido e aceito
por todos. Torna-se notório como Rousseau traça com naturalidade o processo que leva
a transformação do homem em estado de natureza para o homem em estado civil:
´´Encerrarei este (...) livro com (...) uma observação que deve servir de base a todo o
sistema social´´ pressupõe Rousseau: ´´em vez de destruir a igualdade natural, o pacto
fundamental substitui, ao contrário, por uma igualdade moral e legítima aquilo que a
natureza poderia trazer de desigualdade física entre os homens,e, podendo ser desiguais
em força ou em talento, todos se tornam iguais por convenção e de direito.´´33
.
* * *
Com estas últimas ponderações um breve balanço crítico torna-se efetivo acerca
das contribuições negativas e positivas da proposta do Contrato Social tendo como
contraponto a posição nietzschiana sob uma leitura crítica: se por um lado Nietzsche
pressupõe uma crítica implícita as teses de seu opositor no campo do discurso filosófico
por defender princípios morais com um plano de fundo psicológico no qual a vontade
particular e a vontade geral servem como base para Rousseau fundar o Contrato Social;
por outro, Nietzsche pressupõe uma visão de totalidade cuja crença no vir a ser e em
deuses pré-socráticos são indispensáveis para legitimar sua tarefa de desconstruir a
moral vigente tomando como plano de fundo uma crença oculta numa totalidade
abstrata que se desenrola, segundo ele, no plano das imanências.
Apesar das insistentes e continuadas críticas nietzschianas ao iluminismo e a
revolução francesa trazendo consigo valores que propagaram duradouramente ao longo
da história, é notório considerar os rearranjos de suas idéias nas obras finais,
especialmente nas que constam reflexões que relacionam a si mesmo como um
33 Cf. ROUSSEAU, J, J. 1999, p.30
fenômeno necessário da história. Em um trecho de Ecce Homo ao tratar sobre O caso
Wagner, registra:
Eu não teria sido possível sem essa espécie-oposta, sem os alemães, sem esses
alemães, sem Bismarck, sem 1848, sem ´guerras de libertação´, sem Kant, até mesmo
sem Lutero...Os grandes crimes culturais dos alemães justificam-se em uma economia
mais alta da cultura...Eu não quero nada diferente, nem mesmo retroativamente – eu nao
poderia querer nada diferente...Amor fati...até mesmo o cristianismo torna-se
necessário: só a forma mais elevada, a mais perigosa e sedutora em seu não à vida,
provoca a sua mais elevada afirmação – Eu...O que são, no fim das contas esses dois
milênios? Nosso experimento mais instrutivo, uma vivessecção na própria vida...Apenas
dois milênios!...´´34
A auto-imagem que traça de si como um acaso necessário (como irá tratar assim
em sua obra auto-genealógica Ecce Homo – Eis o homem) dentro de uma dinâmica de
forças que se conjugaram entre si deram possibilidade ao surgimento histórico do
personagem Nietzsche e seu pensamento contestador. Esta reflexão implica pensar
Nietzsche como fenômeno histórico inevitável e inexplicável a partir das forças
políticas configuradas no mundo moderno pós-1789 dados as condições históricas de
seu tempo – entendam-se culturais, sociais e filosóficas.
Por outro lado, é recorrente em sua filosofia utilizar da genealogia histórica para
explicar as apropriações e os juízos de valores reproduzidos pela herança histórica dos
costumes e hábitos. Um registro em Para além do bem e do mal se desenvolve uma
reflexão que tende a relacionar o pensamento e as crenças filosóficas modernas com a
herança advinda de costumes e hábitos herdados pelos nossos ancestrais:
´´não se pode apagar da alma de um homem o que seus antepassados fizeram
com mais gosto e mais constância: se foram, talvez, poupadores diligentes e apetrechos
de uma escrivaninha ou caixa-forte, modestos e burgueses em seus apetites, afeiçoados
a prazeres rudes e, ao mesmo tempo (...), deveres e responsabilidades (...); ou (...) por
fim, alguma vez sacrificaram privilégios antigos de nascimento e de propriedade para
viver inteiramente segundo sua fé – seu ´deus´ -, na condição de homens de uma
consciência implacável e delicada que se ruboriza diante de todo arranjo. Não é absolutamente possível que um homem não tenha em seu corpo as qualidades e
predileções de seus pais e ancestrais: não importando o que as aparências digam em
contrário. Este é o problema da raça. Supondo que se conheça algo dos pais, então é
permitida uma conclusão acerca do filho: qualquer descomedimento repugnante,
qualquer inveja mesquinha, qualquer mania grosseira de sempre dar-se razão –
conforme essas três coisas juntas, em todas as épocas, sempre constituíram o autêntico
34
Cf. NIETZSCHE, F. p.163, 2003. In. PODACH, OP. CIT.,P.318-19.).
plebeu – devem passar ao filho tão seguramente quanto sangue corrompido; e com a
ajuda da melhor educação e formação apenas se conseguirá enganar acerca de
semelhante herança.
Este trecho sugere refletir sobre as estratégias diversas encontradas pelos
filósofos com a proposta de superar e transmutar uma crise. No caso de Nietzsche esta
superação pressupõe um desdobramento da própria história revendo e transformando os
valores herdados até então; na caso da revolução francesa pressupõe fazer tábula rasa
dela e começar uma nova história a partir de então.
Nesse sentido, a principal repercussão que podemos inferir a história da
revolução francesa em contraste com o papel de Nietzsche na modernidade do tempo
presente é que a primeira imprime a impressão de que nós jamais conseguiremos escutar
além, isto é, antes da revolução francesa; e o último permite o oposto para que possa
escutar outras tradições e costumes e fazer o nosso próprio balanço crítico a fim de
superar as condições de existência vigentes.
* * *
Referências:
NASCIMENTO, M, M. 1989, Opiniao pública e revolução
HARDT, L, S. Rousseau e Nietzsche: de como a ideia de natureza estabelece o devir.In: Revista
Comum: Rio de Janeiro. v.9, nº22, p.5 a 38. Janeiro/Junho 2004.
MATOS, J, C. Criticas nietzschianas a modernidade. Revista Impulso, N. 08.
JULIAO, J, N. As consideracoes de Nietzsche sobre o Iluminismo. Revista Tragica: estudos de
filosofia da imanencia - 2014, - Vol. 7 - n. 1 - pp.01-20.
MARTON, S. 2010, Das forças cosmicas aos valores humanos.
NIETZSCHE, F. Aurora, 2010. Cia das Letras
_____________Crepusculo dos Idolos, 2005. Cia das Letras
____________ Genealogia da Moral,2007, Martins Fontes
_____________Gaia Ciência,2009, Cia das Letras
_____________Humano, demasiado humano,2008, Martin Claret
____________Para além do bem e do mal,_____________.
ROUSSEAU, J, J. O contrato Social.