O CONCEITO DE TOTALITARISMO EM AZEVEDO AMARAL1
Rogerio Dultra dos Santos2
Resumo: Reputa-se até hoje ao livro de Karl Loewenstein, Brasil under Vargas
(1942) a diferenciação entre autoritarismo, fascismo e totalitarismo. Este artigo
tem por objetivo demonstrar que o jornalista político Azevedo Amaral (1881-
1941), intelectual ligado ao Estado Novo brasileiro (1937-1945), construiu uma
argumentação que, ligando a análise da história e da realidade brasileiras à
situação européia do início do século XX, já fazia recurso a um sofisticado
conceito de totalitarismo, vinculando-o à questão econômica das corporações,
para criar a distinção entre modelos de Estado autoritários, fascistas e
totalitários, por ele desenvolvida em primeira mão no seu livro O Brasil na crise
atual (1934). Isto situa o autor brasileiro e suas contribuições intelectuais como
responsáveis por uma das definições mais importantes da teoria política do
século XX.
Abstract: Until today, the differentiation between authoritarianism, fascism and
totalitarianism is reputed to the book Brazil under Vargas (1942) by Karl
Loewenstein. This article objectives to demonstrate that the political journalist
Antonio José Azevedo Amaral (1881-1941), an intellectual linked to the Brazilian
regime New State (1937-1945), built an argument that connects the analysis of
Brazilian history and reality to the situation of early twentieth century Europe.
The author uses a sophisticated concept of totalitarianism, linked to the
economic question of corporatism, as a resource to create the distinction
between models of authoritarian, fascist and totalitarian rules, that he developed
in first hand in his book The current crisis in Brazil (1934). This analysis places
the Brazilian author and their intellectual contributions as being responsible for
one of the most important definitions of the political theory of the twentieth
century.
1 Artigo originalmente apresentado no 34º Encontro Anual da ANPOCS em Caxambu, no Grupo de Trabalho “Intelectuais, Cultura e Democracia”, coordenado pelos professores Luiz Werneck Vianna e Rubem Barboza Filho. Aproveito para agradecer a avaliação generosa e as sugestões precisas do professor José Murilo de Carvalho. Agradeço também as ricas sugestões dos professores Ricardo Benzaquem de Araújo, César Guimarães, Nísia Trindade e Fabio Gentile. Por fim, agradeço a revisão crítica do texto a Gisele Silva Araújo. Na medida do possível, tentei incorporar tudo o que foi sugerido. Este trabalho foi desenvolvido dentro de projeto de pesquisa vinculado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). 2 Graduado em Direito pela Universidade Católica de Salvador (UCSal), Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Ciência Política pelo antigo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ); Professor Adjunto do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito e Coordenador do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected].
2
1. Introdução
O conceito totalitarismo se estabelece no pós-Segunda Guerra como uma
categoria interpretativa central, forma privilegiada de acessar o entendimento
mais preciso não só em relação ao holocausto, mas sobre a dinâmica inusitada de
opressão política do Estado nacional-socialista. Uma boa parte das reflexões
sobre o totalitarismo foi acusada de reificá-lo e abordá-lo numa perspectiva a-
histórica. O termo tornou-se uma categoria geral da ciência política, culminando
num conceito abstrato, com o estudo de Carl J. Friedrich e Zbigniew Brzezinski
Ditadura totalitária e Autocracia (1956). Este processo de abstração conceitual
teria sofrido—desde sua gênese — uma oposição em direção à pesquisa
histórica, segundo a bibliografia especializada, com o livro de Hannah Arendt, As
Origens do totalitarismo (1949) (Cf. Roberts, 2005). Nesta obra, a idéia de
totalitarismo como regime de governo que não diferencia as esferas privada e
pública, e que redunda na eliminação da espontaneidade — ou da humanidade
— adquiriria contextualidade. Assim, o totalitarismo ligar-se-ia não somente a
uma manifestação temporal de organização do Estado, mas igualmente a uma
reconfiguração do espaço político moderno. O núcleo desse movimento de
reorganização teria como característica central a necessidade de controle das
massas urbanas, seja para fins de legitimação política, seja para operar a
continuidade do poder pela própria dinâmica do controle, sem que as massas
participassem do processo relativo às decisões políticas fundamentais.3
3 As massas urbanas passam a integrar, portanto, o centro das preocupações políticas desde meados do século XIX, com a ampliação da população eleitoral da Inglaterra, fenômeno que gerou conseqüências não apenas políticas, mas que inaugurou, inclusive, a temática das massas eleitorais para o debate da teoria política e social no resto da Europa. Vários fatores determinaram a alteração radical do cenário político da Inglaterra Vitoriana. Em especial, dois conjuntos de fatores: o primeiro referente a alterações econômicas e institucionais, como os atos de reforma político-institucional entre os anos de 1832 (Primeiro ato de Reforma) e o Ballot Act de 1872 (que instituiu o voto secreto), a ampliação do eleitorado, o crescimento e a dominação global da economia inglesa (especialmente a partir do incremento das indústrias de jornais e ferroviária). O segundo conjunto de fatores é de natureza propriamente política, como a predominância dos partidos nas eleições, a nacionalização da idéia de representação, o processo de regulação dos votos dos membros do parlamento e a relação dos líderes partidários com o Gabinete de governo. Segundo Gary Cox, esse movimento político-institucional representou o momento histórico em que eleitores distritais deixaram de votar em pessoas e passaram a votar em partidos. As conseqüências desse processo extremamente complexo foram o incremento do Poder Executivo em definir os rumos das disputas eleitorais – em detrimento da força individual do Membro do Parlamento –, a verticalização da hierarquia partidária e a redução das
3
Muito antes deste debate — e incluído aí o conceito de totalitarismo —,
uma proposição de tipologia dos Estados contemporâneos ficou conhecida
através da publicação do livro Brasil sob Vargas (1942), de Karl Loewenstein,
reputado até hoje como o autor da diferenciação entre autoritarismo, fascismo e
totalitarismo. A já clássica distinção proposta naquele livro sobre o Estado Novo,
no qual o jornalista político Azevedo Amaral4 é explicitamente citado, virou
ponto pacífico no debate internacional, especialmente entre autores da esquerda
jurídica vinculados à denominada Escola de Frankfurt, como Otto Kirchheimer e
Franz Neumann.
Tanto Loewenstein quanto Arendt argumentam que a distinção que
realizam deriva da avaliação sócio-histórica de elementos empíricos. O primeiro
autor determina que a sua abordagem sociológica o faz privilegiar o campo de
pesquisas e entrevistas, conscientemente desprezando o “material descritivo e
interpretativo” encontrado nos livros jurídicos e políticos sobre o regime
estadonovista, a maioria considerada laudatória. A segunda, afirma produzir a
sua tese ao examinar a experiência humana nos campos de concentração,
dotando o totalitarismo de concretude histórica imediata. A hipótese levantada
por este artigo é que, especificamente em Loewenstein — embora esta hipótese
possa naturalmente ser estendida à própria Hannah Arendt — encontra-se
claramente um conjunto de elementos que podem ser derivados da
diferenciação homônima realizada por Azevedo Amaral quatro anos antes, no
seu livro O Estado autoritário e a realidade nacional, ainda em 1938.
Este artigo tem por objetivo demonstrar que Azevedo Amaral, durante a
década de 1930, construiu uma argumentação que, ligando a análise da história e
da realidade brasileiras à situação européia do início do século XX, já fazia
recurso a um sofisticado conceito de totalitarismo para a distinção entre
modelos de Estado autoritários, fascistas e totalitários, por ele desenvolvida em
dissidências internas, bem como a centralização geral do processo eleitoral. (Cf. COX, 1987; OSTROGORSKY, 1902; MICHELS, 2001). 4 Antônio José Azevedo do Amaral (1881-1941) nasceu no Rio de Janeiro e formou-se em Medicina em 1903 exercendo, na sua vida pública, basicamente o papel de jornalista político. Foi correspondente político de vários jornais brasileiros na Inglaterra entre 1906 e 1916. Escreveu os livros Ensaios Brasileiros (1930), O Brasil na crise atual (1934), A aventura política no Brasil (1935), Renovação nacional (1936), O Estado autoritário e a realidade nacional (1938), A verdade sobre a Espanha (1938) e Getúlio Vargas, Estadista (1941).
4
primeira mão. Seu viés peculiar, enfaticamente, recai sobre a questão econômica:
as formas variadas das corporações estão no cerne da oposição, talvez mesmo
radical, entre um Estado totalitário, que invadiria de maneira absoluta a esfera
privada, e um Estado autoritário, que seria democrático e produziria
positivamente a nacionalidade. Nota-se, enfim, que as teses de Lowenstein
resenham em grande medida os conceitos estipulados por Azevedo Amaral, o
que é reforçado pelo contraste em relação às fontes utilizadas por Franz
Neumann na construção de sua noção de Estado totalitário, no famoso livro
Behemoth, estrutura e prática do nacional-socialismo (1942). Conclui-se, ainda,
que o conceito de totalitarismo não se forja, como pretende Hannah Arendt, a
partir da experiência do campo de concentração: embora tenha sido
tragicamente experimentado ali, ele já povoava o pensamento ocidental, não só
pelos autores propriamente ligados ao fascismo, como pelas mãos do próprio
Azevedo Amaral.
Se os debates acerca dos termos autoritarismo, totalitarismo e fascismo
ainda detém relevância, o de totalitarismo, sem sombra de dúvida, levanta um
volume extraordinário de análises. É nas origens intelectuais do fascismo
italiano que ele encontrou a sua formulação primeira. Sua definição é atribuída
pela historiografia ao filósofo italiano Giovanni Gentile (1875-1944), Ministro de
Instrução Pública de Mussolini entre 1922 e 1924. Em março de 1925, Gentile
fez uma anotação do termo, que foi utilizado publicamente por Mussolini num
discurso do mesmo ano. Desde a sua ascensão em 1922, Mussolini desejava
determinar um formato político ditatorial que ultrapassasse a idéia do regime de
transição que as forças aliadas viam como tolerável, e encontraria no conceito
cunhado por Gentile a substância de seu projeto político.
Intelectual ligado emocionalmente ao período do risorgimento italiano da
primeira metade do novecentos, Gentile retomava a idéia de que a Itália, mesmo
após a unificação, carecia de uma “renovaç~o”, todavia irrealizada. Acreditava
que no século XX, por conta da ascensão do individualismo e do secularismo, o
país ainda não havia encontrado o seu heroísmo e sua fé, necessitando de uma
5
espécie de “redenç~o” (Cf. Gregor, 2004a).5 Para ele, o Estado deveria ser
coletivista, “a organizaç~o e a vontade da comunidade”, submetendo a si as
aspirações de todos. O fascismo, então, precisaria angariar a total aderência ao
nacionalismo, penetrando em todas as esferas da sociedade. Ao Estado caberia
incutir valores morais nas pessoas, a importância dos indivíduos derivando de
sua condição de componentes do Estado. A partir de Gentile, Mussolini cunha o
conteúdo do conceito — “tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada
contra o Estado” — e o nomeia: “Um partido governar o Estado ‘totalitariamente’
é um novo começo na história. Não existem pontos de referência ou de
comparação. Por sob as ruínas das doutrinas liberais, socialistas e democráticas,
o Fascismo extrai aqueles elementos que ainda são vitais” (Neville, 2003, p. 68 e
ss.).
A ascensão das massas populares ao cenário político e seus levantes
vitoriosos ou não — Comuna de Paris (1871), Revoluções Russas (1905 e 1917),
Revolução Húngara (1919) e, em outra chave, a República de Weimar (1919) —
teriam ameaçado a centralidade das elites econômicas e políticas, provocando
uma reação. Tais elites alegariam a incapacidade das massas de se comportar de
acordo com um entendimento racional da política e de suas instituições. A
resultante teria sido a forte crítica aos desdobramentos políticos do
racionalismo — ao parlamentarismo e às instituições de tradição política liberal,
como partidos, eleições, sufrágio e parlamento — que têm lugar na passagem do
século XIX ao XX. Consideradas essas instituições incapazes de controlar os
arroubos das massas por independência e autonomia, procurou-se, então, por
outras tecnologias políticas, sedimentar a necessidade de coordenar o irracional
e o emocional, sobressaindo-se a propaganda, o carisma e o mito como
instrumentos centrais de composição dessa nova realidade.6
Nessa “Era dos extremos”, no dizer de Hobsbawn, um dos pólos da
contenda política se constituiu pelos movimentos operários organizados em
5 A figura exemplar do risorgimento foi Guiseppe Mazzili, que desenvolveu uma doutrina integral da política, indistinta da moralidade, da religião ou de concepções de vida e interesses essenciais da humanidade (Cf. Gregor, 2004b, p. 21). 6 Nesse sentido, e dentre muitos outros, Campos, 1940; Le Bon, 2000; Schmitt, 1994; Schmitt, 1996; Schmitt, 1998; Sorel, 1992; Tarde, 2006.
6
busca de autonomia política e direitos. A “ameaça comunista” daí derivada, o
medo do avanço da Quinta Coluna, gerou extremismo no pólo oposto, o da
conservação da situação dominante. Numa sociedade em que o caráter social dos
conflitos é a tônica do momento, não só a necessidade de se atribuir poderes
legislativos à autoridade administrativa é nuclear. Igualmente central na
estratégia de neutralização das possíveis revoluções políticas em marcha é a
coordenação da vida social em todos os seus aspectos. Assim, a crença de que as
normas e as instituições jurídicas vinculadas à dinâmica parlamentar deveriam
ocupar o lugar central na estrutura de justificação política do Estado foi,
paulatinamente, transformando-se em quimera.
O fenômeno totalitário, ao eclodir na realidade social e política européia,
não deixou de repercutir na elaboração de outros modelos políticos, em especial,
pelo seu caráter de universalização. O capitalismo monopolista, a
internacionalização do mercado financeiro e da organização dos sindicalismos
socialista e comunista, a influência doutrinária de caráter autoritário, por conta
de inúmeros outros motivos, se disseminaram pelo ocidente, atingindo
realidades sócio-políticas distintas, como foi o caso da América Latina e,
particularmente, do Brasil. Isso significou que países de outros continentes
tiveram que interpelar intelectualmente a nova situação social e política dos
países centrais da Europa. Tiveram, em especial, que desenvolver tecnologias
institucionais locais de barragem da possível e premente ascensão das massas,
instados em especial pelo medo da onda comunista, dentre outros fatores. É
assim que o conceito de totalitarismo aparece de forma quase que natural, num
contexto cultural distinto da sua origem histórica, como possibilidade real de
conformação de formas políticas diversas. Embora não se possa universalizar os
elementos sociais, culturais e históricos que estimularam a gênese do fenômeno
totalitário, resta avaliar até que ponto a contribuição original e elaborada de
Azevedo Amaral pode ter influenciado — de forma subterrânea — no debate
sobre o mesmo.
O texto a seguir se divide da seguinte maneira. Na primeira parte é
desenvolvida a distinção entre os modelos de Estado totalitário e autoritário no
livro Brasil sob Vargas de Karl Lowenstein. Na segunda parte é apresentada a
7
formulação de Azevedo Amaral sobre a mesma diferenciação conceitual,
destacando-se o processo intelectual de sua construção, através do vínculo que o
autor produz entre realidade histórica, política e econômica brasileira e os
modelos de Estado que poderiam alcançar ou não a produção de um sentido
histórico para a nacionalidade. Por último é apresentada a perspectiva do jurista
alemão Franz Neumann, como alternativa analítica à compreensão dos motivos e
fundamentos da ascensão dos Estados autocráticos. A obra de Neumann reforça
a idéia de que a construção do conceito de totalitarismo se deve às
características do desenvolvimento histórico da economia capitalista na
Alemanha, o que reforça a tese de Azevedo Amaral, desenvolvida em torno da
análise dos diversos modelos de corporativismo e de suas conseqüentes
repercussões econômicas e políticas.
2. A distinção conceitual entre Estado Autoritário e Estado Totalitário
em Karl Loewenstein
O primeiro relato realmente minucioso escrito por um jurista — no caso
um constitucionalista conhecido pelo viés sociológico de suas obras — sobre o
Estado Novo brasileiro foi o livro Brasil sob Vargas (1942), de Karl Loewenstein.7
Em janeiro daquele ano, alguns dias após o ataque japonês à base norte-
americana de Pearl Harbor, o Presidente Getúlio Vargas aceita assinar a entrada
do Brasil nas Nações Unidas. Este tardio e vacilante alinhamento não passou
despercebido às agências do Ministério da Guerra dos Estados Unidos da
América, que designou Loewenstein para produzir um relatório detalhado sobre
o Brasil, com o fito de determinar o alcance daquele alinhamento. Neste mesmo
ano — entre os meses de fevereiro e maio —, esse autor visitou o país e conviveu
7 O constitucionalista alemão Karl Loewenstein, radicado nos EUA desde 1932 (primeiro em Yale (1934-36) e depois em Ahmherst) é, sem sombra de dúvidas, um dos mais influentes constitucionalistas do século XX com a edição de sua Teoria da Constituição (1957), sendo classificado, depois da publicação de seu livro Direito e realidade constitucional dos Estados Unidos (1959) de jurista antípoda ao Carl Schmitt da Teoria da Constituição (1928). Discípulo direto de Weber, Loewenstein foi um dos autores mais preocupados com a classificação tipológica das formas de governo, sendo considerado —erroneamente— o primeiro autor a realizar uma distinção corrente entre governo autoritário e governo totalitário, conforme discussão a seguir, que tenta devolver o lugar de precedência devida a Azevedo Amaral (sobre Loewenstein, conferir Anabitarte, 1979).
8
diretamente com os seus mais proeminentes atores políticos e, em especial, com
o então Ministro da Justiça e Negócios Interiores Francisco Campos e o Ministro
das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha.
O tempo urgia. Loewenstein sabia das limitações profundas de uma
pesquisa empírica realizada em uma realidade cultural pouco conhecida. Tinha
consciência da precariedade das análises realizadas até então — lacunosas e
partidárias, a maioria. Apesar de ter optado expressamente pela pesquisa de
campo, obviamente conheceu a relevância estratégica dos ideólogos do regime e
travou contato com as obras principais de sustentação e crítica do mesmo.8
Tendo apresentado, três anos antes, uma pesquisa semelhante sobre a
organização político-jurídica e social da Alemanha, A Alemanha de Hitler (1939),
Loewenstein sentia-se apto para, pelo menos, traçar um retrato detalhado sobre
a estrutura jurídico-institucional brasileira. A partir de uma avaliação sócio-
jurídica do regime varguista em comparação com o nacional-socialismo, utilizou
uma distinção funcional que lhe permitiu conceituar de forma consistente dois
tipos ideais: os regimes totalitário e autoritário. É no estudo do regime de Vargas
que a questão conceitual se coloca pela primeira vez de forma mais clara neste
autor e alguns indícios — em especial, a comparação com a argumentação de
Azevedo Amaral — apontam para o fato de que ele esteve em contato direto com
o texto do ideólogo brasileiro sobre o tema e sorveu dali as idéias decisivas para
a realização da tarefa (Loewenstein, 1939).9
8 “Em primeiro lugar, há uma lacuna a ser preenchida. Por mais surpreendente que seja, nenhum livro objetivo sobre o regime de Vargas foi ainda publicado em Inglês, ou em qualquer outra língua, sobre essa matéria. Nenhum advogado ou cientista político brasileiro iria realizar uma tarefa que, por força do material controverso, poderia envolver uma boa dose de censura dos Poderes constituídos. Os franceses, normalmente os primeiros quando se trata de analisar um novo sistema de governo, foram impedidos na sua missão pela guerra. Para a ciência política na Alemanha nazista, o Brasil não parecem ter oferecido muito apelo. Os americanos, em virtude da sua proximidade geográfica e de colaboração no hemisfério, deveriam estar mais interessados do que outros no Brasil de hoje, mas somos estranhamente pouco dispostos a quebrar o nosso provincianismo arraigado e dedicar esforços científicos para uma tarefa que exige para a sua conclusão com êxito um entendimento da mente Latina, bem como familiaridade com os processos governamentais baseadas na tradição européia.” (Loewenstein, 1942, p. 1). 9 A síntese dessa classificação está em Loewenstein, 1957, pp. 75 e ss. Para uma genealogia da discussão terminológica acerca do conceito de totalitarismo, ainda nos anos 1960, ver Friedrich et alli, 1969. Como dito na introdução, Loewenstein pretende construir uma interpretação do regime a partir da legislação e dos dados oficiais produzidos e através de entrevistas e reuniões com figuras proeminentes do regime, com jornalistas e políticos da situação e da oposição. Despreza em nota metodológica, os escritos políticos nacionais, por adjetivar neles a qualidade
9
No Brasil, os estudos da época tendiam a classificar o Estado Novo —
muitas vezes de forma depreciativa — como fascista.10 Para o autor, o fascismo e
o bolchevismo são espécies de totalitarismo, caracterizados genericamente por:
a) uma forma autoritária de governo; b) um controle totalitário da vida privada;
c) um partido único fascista que auxilia neste controle e; d) uma “discriminaç~o
arbitr|ria contra classes, grupos sociais e indivíduos” — inclusive no acesso a
funções burocráticas no corpo do Estado, o que gera ao final a substituição das
classes dominantes tradicionais por novos estratos que governam sem a
restrição dos valores da tradição. Sua classificação analítica do Brasil sob o
governo Vargas como ditadura autoritária destaca, em contraposição aos
regimes totalitários, a permanência das classes tradicionais no controle político,
a inexistência de partidos e a ausência de controle da vida privada (Loewenstein,
1942, pp. 370-1). Esta distinção entre Estado totalitário e Estado autoritário, a
partir da comparação básica entre as realidades da Alemanha e do Brasil, é a
contribuição que lhe dá destaque internacional nos anos 40.11 Para Loewenstein,
tecnicamente o Brasil sob o Estado Novo não é um Estado totalitário, mas uma
ditadura plenamente desenvolvida, já que
as regras jurídicas que governam a sociedade política não são aprovadas pelo povo, mas são sobrepostas de cima pelo governo. Se uma contraposiç~o apropriada ao termo “democr|tico” est| em quest~o, o regime deve ser dito “autorit|rio”. Mas n~o é nem totalit|rio nem
de positivistas e propagandistas do regime. Dentre as obras (a maioria citando com grafia errada os autores) está o livro de Azevedo Amaral O Estado Autoritário e a realidade nacional (Cf. Loewenstein, 1942, p. 41 e ss.). Como se verá, antes de Loewenstein, Azevedo Amaral já trabalhava esta distinção conceitual entre autoritarismo e totalitarismo, em 1938. Citado pelo autor alemão como fonte histórica para se entender o Estado Novo, Azevedo Amaral, entretanto, não é considerado como a origem da tipologia desenvolvida. É importante ressaltar que a interpretação de Loewenstein sobre o regime varguista, bem como a determinação de suas características e funções, podem ser hoje alvo fácil de inúmeras contestações. Para os objetivos deste artigo ser~o delimitados t~o somente os aspectos relativos { construç~o de seus “tipos ideais” de regimes políticos. Todas as descrições produzidas sobre o Estado Novo a partir da referência ao livro de Loewenstein devem padecer desse pressuposto, isto é, da não preocupação com a precisão das análises e interpretações daquele autor, mas apenas com seus resultados heurísticos relativos ao tema deste artigo. 10 É fato que os discursos de Francisco Campos e do próprio Getúlio Vargas colaboravam com esta apreciação. Mas, como anota Loewenstein (1942, pp. 121 e ss.), seguindo aqui um diagnóstico de Azevedo Amaral, o Estado Novo e, em especial, a Constituição de 1937, prescindiram de um background ideológico preciso (Cf. Amaral, 1938, pp. 147-9). 11 Conforme observação de Alfredo Gallego Anabitarte, em nota de rodapé no livro de Loewenstein Teoria da Constituição, este é o primeiro registro da distinção. (Cf. Loewenstein, 1957, p, 75, n. 3).
10
“semitotalitario” — se há uma coisa como um total que seja somente metade do total. É imperativo esclarecer estes termos usados frouxa e indiscriminadamente. “Autorit|rio” refere-se à forma de governo, ao tipo e técnica de configuração política do poder. “Totalit|rio”, por outro lado, refere-se a um modo de vida, a fatores sociais. Isto implica que a esfera privada da vida do cidadão ou do sujeito individual está subordinada às políticas de interesse público do Estado ao ponto da obliteração. Um Estado totalitário é sempre um Estado autoritário; o controle totalitário da vida privada pode ser realizado somente por um comando autoritário. Mas um Estado autoritário não precisa de ser totalitário. O Brasil é um caso em questão. Nada está mais afastado da verdade do que a suposição de que a vida social no Brasil sob Vargas é totalitária no sentido preciso do sacrifício da esfera privada do indivíduo ao Leviatã do Estado. A vida privada, o direito privado, a família, os negócios, a recreação e as atividades culturais permanecem não afetados pelo regime sob a circunstância de que não obstruam políticas públicas. Qualquer influência que o Estado possa exercer em tais manifestações da vida privada somente toca a superfície. Se há qualquer coisa que é compartilhada pelo povo brasileiro é sua entranhada aversão a todas as formas da intrusão totalitária sobre sua privacidade (Loewenstein, 1942, p. 370).
O modelo de ordem política que Loewenstein percebe na organização
constitucional brasileira, a partir de 1937, é o de um Estado autoritário. O Brasil
sob Vargas, diferentemente dos Estados com uma organização totalitária ou
fascista da vida social, não criou nem voltou o aparato estatal para o controle da
esfera privada. A vida social dos indivíduos, seu cotidiano, sua cultura, suas
regras de convivência, em não estando subordinadas a controles e a políticas
públicas sofisticados o suficiente e centralizados, não poderiam ser classificadas
de totalitárias ou fascistas. Ainda: a própria decantação da legislação — sua
estabilidade e eficácia — dependia, em grande parte, de sua funcionalidade, isto
é, da capacidade de impor aceitação prática daqueles a quem se destinava. Nesse
sentido, como sustenta no trecho acima, o termo autoritarismo fica
exclusivamente vinculado { forma de governo, “ao tipo e técnica de configuraç~o
política do poder”. Apesar de Loewenstein lembrar que a estrutura jurídica do
Estado Novo poderia, facilmente, ser classificada de fascista, a maioria de sua
legislação não teria sido aplicada ipisis literis, sendo direcionada, quando
efetivada, contra uma pequena e dispersa oposição política, dominada por
remanescentes do movimento integralista e pela organização de fascistas e
11
nacional-socialistas nas colônias italianas e alemãs (Idem, pp. 141 e ss; 155 e ss;
372).12
O regime do Estado Novo não destoaria, portanto, dos governos que se
estabeleceram pela América Latina, sob uma oligarquia dominante, como “uma
ditadura autoritária para a qual a teoria constitucional francesa cunhou o hábil
termo régime personnel” (Idem, p. 373). Usando uma interpretaç~o muito
próxima à de Azevedo Amaral – como se verá a seguir –, Loewenstein sustenta
que, como o golpe derivou de uma conciliação complexa de interesses — e
mesmo ideologias — geralmente divergentes, o nível de aceitação popular foi
suficiente para que se prescindisse dos instrumentos usuais de controle social
das ditaduras da época. A própria existência da Constituição, seguindo a tradição
do modelo de ditadura positivista delineado pelo castilhismo, resultaria em
reconhecimento de princípios básicos de conformação da comunidade política
que impedem a direção da vida privada.
Ao mesmo tempo em que alinha o regime estadonovista ao caudilhismo,
Loewenstein traça uma descrição pormenorizada da estrutura político-
administrativa do Estado Novo, utilizando como baliza os desdobramentos
institucionais de uma Constituiç~o “fantasma”, e cuja existência seria uma
“realidade virtual”. Na verdade Loewenstein localiza imediatamente a fonte da
organização institucional de um Estado que se moderniza sob o controle
centralizado de Vargas: os Decretos Legislativos do Poder Executivo. A
Constituição não representaria, assim, um poder direto na organização do
Estado Novo, embora tenha previsto e permitido a constante dilação do estado
de emergência, tenha funcionado no que respeita à legitimação do poder político
do Presidente e em relação à determinação dos direitos sociais — que a
equiparam, exclusivamente neste ponto (o capítulo “Da Ordem Econômica”, art.
12 Interpretações radicalmente diversas sobre a real interferência do aparelho repressivo do Estado Novo sobre os seus opositores são inúmeras. O importante, para os limites deste artigo, é marcar que a observação de Loewenstein sobre a realidade sociológica do Estado Novo, correta ou equivocada, serviu para que o autor diferenciasse funcionalmente o modelo de Estado fascista do modelo de Estado autoritário. A possibilidade de que esta conclusão do autor seja derivada de uma observação sociológica imprecisa ou equivocada reforça a tese do presente artigo de que a sua tipologia dos Estados pode ter se configurado à priori – por influência da leitura de Azevedo Amaral –, independentemente da realidade empírica estudada por Loewenstein.
12
135 a 155), à Constituição de Weimar (Idem, pp. 49; 341). A questão, para o
autor, é que
Uma vez no poder, autocracias est~o pouco interessadas em “legalizarem-
se” por uma constituiç~o formal. Seu objetivo primordial é estabelecer o
maquinário de compulsão através do qual estarão aptas a manterem-se
no poder contra possíveis ataques de oponentes políticos e uma defecção
perigosa da opinião pública (Idem, p. 133).
Em seu livro sobre a estrutura jurídico-administrativa do Terceiro Reich,
Loewenstein já indicava que a eventual formalização de atos governamentais
através de legislação ou de regulações estatutárias muitas vezes se processa de
forma “intencionalmente equívoca” ou mesmo “desonesta, por razões
oportunistas”. O comum nos governos autocr|ticos da época, é que qualquer
formalização seja considerada limitante para o exercício arbitrário do poder
político. A modernização de um aparato burocrático, a organização de pelo
menos uma estrutura partidária, geralmente controlada pelo governo e
“medidas legislativas e administrativas para a ‘Defesa do Estado’” s~o as ações
que garantiriam, nesses casos, a manutenção do poder político, em especial, o
controle político dos Estados brasileiros pela cassação dos governadores e pela
instituição da estrutura burocrática capitaneada pelos interventores estaduais
(Idem, pp. 27-8; 133). 13
De qualquer sorte, Loewenstein identifica os elementos institucionais
que, no Brasil, possibilitaram uma diferenciação em relação aos modelos
13 Para o autor, o Estado Brasileiro inovou da duplicação do controle e da produção de regras da administração pública. A Constituição de 1937 previa a substituição dos Governadores eleitos que não tivessem seus mandatos confirmados pelo Presidente em 30 dias. Em seu lugar, eram nomeados os Interventores, administradores/políticos de confiança de Vargas. Segundo Loewenstein, o poder dos Interventores foi a expressão do domínio político através da confiança privada no Presidente, o que manteve em uma espécie de invisibilidade a ascendência das forças armadas e da polícia. Mas ao lado dos poderes de intervenção nos Estados, vigia as funções dos Presidentes Estaduais dos Departamentos Administrativos. Nomeados igualmente pelo Presidente, esses departamentos funcionavam como corpos legislativos e de supervisão dos Interventores e dos municípios. Os Presidentes dos Departamentos Administrativos fiscalizavam os atos dos Interventores e — com exceções importantes como Minas Gerais — tinham mais poderes que estes, que eram mais visíveis publicamente. Vale a citação que analisa esse sistema de duplo controle da administração implementado pelo Estado Novo. Para o autor, o sistema “Golpeia o observador estrangeiro como um dos mais originais e melhor organizados aspectos técnicos do Estado Novo, tão genuíno e bem sucedido em aproximação (quanto em qualquer lugar) ao Estado administrativo que em muitas partes do mundo toma lentamente a forma nas ruínas do Estado legislativo”. (Loewenstein, 1942, pp. 59-60; 66). O Decreto-Lei 1.202 de abril de 1939 regulamentava a atividade administrativa dos Interventores.
13
“típicos” de ditaduras autorit|rias: a) houve a outorga de uma Constituiç~o no
momento do golpe de Estado; b) não permaneceu de pé sequer uma estrutura
partidária; c) o regime varguista instalou-se no poder com ampla aquiescência
pública e; d) dispensou, portanto, a construção de um aparato para moldar e
orientar a opinião pública para além do controle da imprensa. Restaram as
legislações de Defesa do Estado e de estímulo à nacionalidade e ao patriotismo,
como antídotos a atitudes contrárias à segurança do Estado. Chama essas
medidas de controle legislativo do extremismo político, isto é, a confecção
coordenada de medidas legislativas contra atividades consideradas
“subversivas”: a “legislaç~o emocional”, um conjunto de medidas destinadas a
conter manifestações políticas inspiradas no estrangeiro, de natureza
insurrecional (nacional socialismo, fascismo e falangismo) (Loewenstein, 1942,
p. 134 e ss.). Os focos definidos por esta legislação foram a imprensa escrita e as
comunidades estrangeiras instaladas no país.
A questão colocada — a avaliação, por Loewenstein, do regime varguista
enquanto ditadura autoritária —, é que o termo autoridade, no autor alemão,
abarca elementos que não transparecem, ou não são incluídos quando o mesmo
termo se coloca nos autores brasileiros — em especial, por Francisco Campos,
Oliveira Vianna e Azevedo Amaral. Se em Francisco Campos o regime defendido
é antiliberal, plebiscitário, cesarista e visa em tese uma sociedade massificada
(Cf. Santos, 2007), em Azevedo Amaral chamam atenção os instrumentos de
controle social e econômico da massa (sistema corporativo), idealizados para
cumprir exatamente o que esse autor evitava publicizar: o aparelhamento
político dos movimentos trabalhistas pela burocracia do Estado. Já Oliveira
Vianna, por outro lado, vê a democracia e a representação política vinculadas à
capacidade legislativa dos conselhos técnicos, que passam a figurar como
instituições centrais para a organização do Estado, no lugar do Parlamento (Cf.
Santos, 2010). Embora estes autores se refiram a um Estado autoritário, o termo
figura em todos eles como um adjetivo que representa, pura e simplesmente, a
fortificação da autoridade pública, como se verá a seguir.
14
3. O conceito de Totalitarismo em Azevedo Amaral
Toda a abordagem teórica de Azevedo Amaral tem como estrutura
discursiva a comparação entre a realidade brasileira e a conjuntura ocidental.
Em se tratando de uma época em que a Europa está vivendo uma onda
autoritária, não surpreende que o objetivo maior de um autor antiliberal no
Brasil seja o de alinhar o país ao momento histórico presente. Assim, não é por
acaso que no livro O Brasil na crise atual (1934), Azevedo Amaral pretende
avaliar as conseqüências políticas, econômicas e sociais do processo de
“sincronismo” entre o desenvolvimento histórico brasileiro, “a marcha do
progresso brasileiro” e o “ritmo geral do mundo civilizado”. Para o autor, as
forças que determinam a vida social dos povos “evoluídos” est~o repercutindo
imediatamente na realidade nativa e não temos mais a possibilidade de
figurarmos como meros expectadores, numa situaç~o de transiç~o na qual “os
problemas brasileiros s~o os problemas mundiais” (Amaral, 1934, pp. 7 e ss.).
A partir desse confronto entre realidades diversas, porém
complementares, Azevedo Amaral almeja determinar a singularidade da
experiência brasileira, recuperando os fundamentos, princípios e condições de
plasmagem histórica e institucional do que chama de “personalidade nacional”.
Motiva-lhe a repercussão, na vida institucional pátria, da força das tendências
universais, preservando, no processo, a identidade da fisionomia nacional (Idem,
pp. 173 e ss.). Como vários autores da época, desaprova a resultante oligárquica
estimulada pelo federalismo da Constituição de 1891. O seu objetivo é identificar
quais elementos que, estimulados a emergir durante a Revolução de outubro de
1930, poderiam permitir a harmonização entre a forma institucional e política
do Estado Brasileiro com a “realidade nacional”, impedindo o “desmembramento
do Brasil”. O diagnóstico se coaduna com a tese do idealismo utópico de Oliveira
Vianna — as instituições políticas até então importadas da França, Inglaterra e
América do Norte não são adaptáveis à realidade da vida social nacional — na
sua crítica aos mecanismos e instituições da democracia liberal transplantados
para o Brasil pela Primeira República (Cf. Vianna, 1927). Para o autor, a unidade
territorial e política do país repousa sobre essa base precária, que demanda
superação urgente (Cf. Amaral, 1934, p. 199). Azevedo Amaral remete a questão
15
do idealismo utópico não só ao período republicano, mas também ao momento
da Independência, tomado por ele como exemplo de “reação anti-nacionalista”:
Emancipamo-nos politicamente, afirmando a nossa soberania, mas ao mesmo tempo começamos a nos distanciar da trajetória normal do nosso desenvolvimento histórico, iludidos pela miragem dos modelos estranhos que uma pequena minoria culta ou semi-culta encarava como tipo de perfeição adaptável a todos os povos da terra. A este propósito não é inoportuno lembrar aqui que a elite intelectual (...) era toda mais ou menos influenciada pela ideologia francesa do século XVIII e comungava o credo de Rousseau sobre a perfectibilidade humana e era inclinada a não prestar atenção às peculiaridades de psiquismos nacionais, encarados como passos efêmeros no curso de uma progressiva fraternização dos homens (Amaral, 1934, p. 179).
Esse programa intelectual e político das elites brasileiras teria marcado,
na apreciação de Azevedo Amaral, a incorporação de uma filosofia da história
progressista de natureza artificial. O “intelectualismo europeizante” possuía,
assim — para além da “crosta de verniz europeu lançada pela classe dirigente ao
país” — um desdobramento institucional marcado pelo democratismo: ao lado
da independência política, a colonização espiritual gerou um modelo de Estado
dissonante com o “Brasil real”. Em livro anterior, Ensaios Brasileiros (1930), o
autor já criticara o sistema político liberal como sendo datado historicamente,
incitado pela articulação de um Estado laissez-faireano. Esse Estado neutro
estimularia privilégios dos grupos dominantes e seria incapaz de fazer frente ao
desenvolvimento das forças econômicas, tornando-se “órg~o quase inútil como
centro coordenador daquelas atividades” (Amaral, 1930, pp. 202 e ss.). O
resultado consistiria na ameaça constante do desmembramento.
3.1. A formação do Brasil e a necessidade de centralização política
Em se olhando para o processo de formação política do país desde a
situação colonial, o autor considera — já no seu livro de 1930 — a preocupação
da metrópole em manter a divisão territorial e populacional em unidades
administrativas distintas. A Província é organizada como um “compartimento
estanque” que desde sua formaç~o colabora para evitar a uni~o do Brasil e
manter o domínio de Portugal, pelo uso político que a Coroa portuguesa faz de
sua configuração burocrática e meramente administrativa (Amaral, 1930, pp.
16
212 e ss.). Tal movimento de coordenação exterior da unidade provincial não só
evitou a formaç~o de vínculos que permitissem a “trama” de uma “nacionalidade
coesa”, como estimulou o “desenvolvimento de um particularismo regionalista”,
ou seja, a oligarquização. Em sentido diverso, a unidade infra-provincial, o
município, era autônomo politicamente e crítico das regras e limitações
administrativas emanadas de Portugal. Surgia naturalmente como unidade
política anti-portuguesa e, portanto, como célula de formação da nacionalidade
(Cf. Amaral, 1930, p. 214).14
Nesse momento da argumentação fica patente a proximidade do
diagnóstico relativo ao excessivo poder provincial, inaugurado por Paulino José
Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, no seu Ensaio sobre o Direito
Administrativo (1862). Este aponta, já sob o Império, e exatamente como
Azevedo Amaral, a necessidade de que a Província esteja limitada às funções
administrativas e não políticas, questionando como problemática a extensão
política de suas atribuições.15 A crítica às interpretações equivocadas do Ato
Adicional de 1831 alinha Azevedo Amaral a este autor, mas o primeiro insiste
que depois da Constituiç~o de 1824 “o Brasil deixou de ser um Império unit|rio,
para transformar-se em uma virtual monarquia federativa” (Amaral, 1934, p.
217-8). Fica também claro que a análise realizada por Karl Loewenstein se nutre
desta avaliação profundamente arraigada na tradição intelectual brasileira: a
preponderância da burocracia sobre a política na coordenação dos órgãos
estaduais de governo, gerando submissão ao centro político, seja ultramarino,
seja o poder centralizado na União.
14 “Assim, o patriotismo brasileiro teve uma formaç~o caracteristicamente centrípeta, irradiando para a convergência de uma idéia nacional não das províncias que permanecem como simples divisões administrativas, mas dos municípios que são os núcleos ativos de uma consciência política gradualmente evoluída.” (Amaral, 1930, p. 214). 15 “Que tivesse o poder provincial faculdade para legislar sobre a nomeação e demissão de empregos provinciais e municipais relativos a objetos da competência das Assembléias Provinciais, nada mais justo e regular, e é essa a única inteligência razoável que pode ter o Ato Adicional [de 1831]. Entendeu-se porém que o poder provincial podia legislar sobre a criação, supressão e nomeação para empregos relativos a objetos da competência do poder geral, ao passo que este não podia, e com razão, legislar e nomear para empregos relativos a objetos da competência das Assembléias Provinciais. //Tal era a descentralização anárquica e desordenada que trouxe a inteligência que a opinião democrática exagerada daqueles tempos dava ao Ato Adicional. Cortava, cerceava, reduzia a nada a atribuição essencial e constitucional, conferida ao Poder Executivo pelo Art. 102, § 4, da Constituiç~o.” (Uruguai, 2002, p. 464).
17
Se, para Azevedo Amaral, o Império consolida e aprofunda a
“europeizaç~o” do país e de suas elites, o movimento republicano nacionalista
que se insurge contra a “dinastia ultramarina” n~o evita o desvirtuamento do
sentimento nacional, em funç~o da “aç~o perturbadora” dos modelos
democr|ticos que lhes servem de inspiraç~o. A “press~o das aspirações
federalistas” impôs a sedimentação da situação administrativa que a
Constituição de 1891 só pôde fazer frente de forma tímida e limitada. Assim, o
problema posto pelo autor é o de definir até que ponto a eliminação do papel
político das Províncias e a elevação do protagonismo dos Municípios podem
evitar que o Brasil deixe de ser uma simples Confederação de Estados para se
consolidar como uma verdadeira União Federativa, nos moldes já experienciados
pelos EUA pelas mãos de James Madison. A solução passa, evidentemente, pela
centralização administrativa da Província, pela terminação dos seus elementos
de autonomia política e pelo controle político das regiões administrativas do
Brasil pela União.
O programa político de afirmação da autoridade nacional passa a ser, no
autor, um programa de enfeixamento dos poderes do Estado nas mãos do
Executivo. Depende, em Azevedo Amaral, não só do município, mas do processo
de centralização política que se vincula ao desenvolvimento histórico das nações
européias. Para ele, esta situação era negada historicamente pela realidade
brasileira até mesmo sob a Constituição de 1934, a qual repetiria os postulados
da Constituiç~o de 1824: “Subsiste uma estrutura de entidades hier|rquicas — o
Município, a Província e a Nação — a cada uma das quais cabem
promiscuamente funções políticas e administrativas” (Amaral, 1934, p. 222).16
16 Note-se que Azevedo Amaral aparentemente destoa, na sua crítica à europeização das elites imperiais, de autores comumente alinhados à tradição que vê na centralização política do Estado brasileiro o leitmotiv da civilização e da construção da solidariedade nacional, do espaço público na sociedade, evitando a dissolução do Brasil em uma miríade de repúblicas caudilhescas. Ressalte-se, no entanto, o objetivo político nuclear de Azevedo Amaral, que certamente é o de centralização política. Assim, o próprio Visconde do Uruguai, bem como Tavares Bastos, Oliveira Vianna, dentre outros, recuperam o Império como o momento histórico que consolida a superação do privatismo e dos interesses oligárquicos. Apesar de uma distinção situacional, que indica a recepção das elites dos ideais demo liberais, Azevedo Amaral pode ser alinhado, inclusive, ao diagnóstico posterior de um Florestan Fernandes, para quem, em leitura de Luiz Werneck Vianna: “O processo de diferenciaç~o dos interesses entre colônia e metrópole, de onde surgira o espírito nativista e a adesão ao liberalismo dos homens que realizaram a Independência, teria importado uma forma particular de internalização da ideologia liberal, em
18
A Revolução de 1930 tem precisamente o papel de recuperar essa
inteligência e operar a consolidação do Município como núcleo unificador de
onde provém a “consciência homogênea da nacionalidade” (Amaral, 1934, p.
226). E, estabelecido deste modo o problema, cabe então determinar a
identidade histórica entre o Brasil e a Europa na conformação da unidade
nacional. Para este fim ressalta-se, em síntese, a oposição que Azevedo Amaral
estabelece entre Estado Político (democracia liberal) e Estado Técnico (Estado
Administrativo ou Ditadura). É na generalização teórica produzida no começo do
livro que o autor analisa as formas tomadas pelos Estados contemporâneos —
em especial, o modelo autocrático e os fenômenos sociológicos e políticos a ele
subjacentes —, e as alinha através de uma filosofia da história. Para ele, a
configuração política do ocidente está determinada pela prevalência de
princípios intelectuais orientadores da ação humana, condensados em sistemas
doutrinários que se sucedem no tempo histórico. Duas correntes
caracterizariam, assim, a passagem do século XIX para o século XX, dando origem
a modelos de Estado, atitudes práticas e a pontos de vista diferenciados: o
evolucionismo (ou conservantismo) e o revolucionismo (ou progressismo).
3.2. Revolução e decadência das instituições políticas liberais
O evolucionismo, calcado nos ideais biologicistas do século XIX,
representaria o juízo ilusório de uma continuidade homogênea do tempo
histórico e das relações humanas, redundando num desenvolvimento social de
natureza dialética e progressiva (Hegel). Já o revolucionismo, que se consolidaria
na segunda década do século XX, configurar-se-ia por uma ideologia
revolucionária, que concebe a ação social como criadora e transformadora,
marcando o caráter descontínuo do avanço social (Sorel) e dos períodos
históricos propriamente ditos (Spengler). Para o autor, tanto o evolucionismo
quanto o revolucionismo apresentam uma orientação intelectual, uma avaliação
institucional e uma concepção política orientadora da ação social. Esses três
elementos que compõem ambos os sistemas doutrinários apontam, na passagem
que ela viria a expressar mais os anseios ‘de emancipaç~o dos estamentos senhoriais da 'tutela colonial'’ do que os de ‘emancipaç~o nacional’” (Vianna, 1999).
19
histórica de um a outro, um padrão específico de Estado. Assim, a prevalência da
ideologia revolucionista no século XX permite compreender os fundamentos da
consolidaç~o de um modelo de “Estado onipotente”, que concentra poder
político, questiona os fundamentos do governo representativo e se manifesta
como autoridade discricionária cujo horizonte de sentido pode ser a violência.
Azevedo Amaral argumenta que, após a experiência da 1ª Guerra
Mundial, países como França e Inglaterra estavam “desembaraçados para o
exercício de uma ditadura, cuja autoridade se foi acentuando à medida que os
problemas militares e diplom|ticos se tornavam mais complexos e difíceis”.
Nesse sentido, a realidade da administração ditatorial, que durante a Guerra era
considerada excepcional e extrema, foi se acomodando ao espírito de renovação,
rompendo, portanto, com a experiência advinda da tradição, especialmente no
que concerne à estrutura político-administrativa organizada segundo os moldes
da democracia liberal. O Estado moderno, reproduzindo um jurisdicismo
originariamente feudal, estava interessado apenas em garantir vantagens e
privilégios da classe burguesa, colocando em segunda ordem a organização da
vida social. No entanto, a partir da experiência das mobilizações militares de
massa, da importância social adquirida pelas classes trabalhadoras, dos conflitos
que envolviam “uma intensificaç~o geral de todas as atividades sociais”, houve a
necessidade dram|tica “de substituir o Estado político pelo Estado técnico”,
caminho esse que, “n~o se opera por uma evoluç~o imperceptível, mas pela
substituição brusca de processos e de instrumentos que novas descobertas e
inventos vêm tornar obsoletos” (Amaral, 1934, pp. 46 e ss.).
No limite, o problema em relação aos processos de natureza
revolucionária — que geram transformações bruscas — é a ausência de
orientação doutrinária de caráter racional. O conceito de revolução, ao contrário
do que compreende o senso comum — continua a argumentar o autor — não
tem direç~o preordenada, sendo uma manifestaç~o “passional”, uma “reaç~o das
forças ininteligentes do subconsciente coletivo” na direç~o da destruiç~o das
“organizações sociais e políticas obsoletas, dentro de cujas configurações n~o
seria mais possível conter um estado de alma coletivo”. É esse, inclusive, o
diagnóstico dele em relação aos desdobramentos imediatos da Revolução de
20
outubro de 1930. Pelo fato de que as massas não traduziriam no interior desse
movimento revolucionário uma capacidade de ação deliberada, Azevedo Amaral
entende — numa espécie de crítica à idéia de que as lideranças desses
movimentos apenas repetiriam as suas tendências, não sendo então
propriamente chefes, mas “expoentes” — a prevalência do domínio intelectual
das elites. Assim, o processo revolucionário, intrinsecamente irracional, é
estimulado de fora pelo interesse calculado dos pequenos grupos, sem
identidade com o psiquismo popular.17 A partir dessa avaliação, o autor define o
seu conceito de revolução, base a partir da qual passará a analisar o movimento
histórico de consolidação dos Estados totalitários:
Impõe-se, portanto, preliminarmente, uma diferenciação rigorosa entre verdadeiras revoluções, que são movimentos de natureza essencialmente construtora nos quais se traduz a realização prática de uma elaboração ideológica, processada por uma minoria em geral muito pequena de indivíduos privilegiados, que traçam novos rumos ao desenvolvimento sociogênico e impõem pela ação da sua vontade de domínio às massas uma atitude de rebeldia contra a ordem existente, vindo a demoli-la por este meio e lançar ulteriormente com a cooperação passiva e mais ou menos dócil das multidões os alicerces de uma nova estrutura política e social, e os simples movimentos insurrecionais de caráter exclusivamente popular, que em geral pouco destroem e nunca edificam novas formas de existência coletiva (Idem, p. 59).
Este diagnóstico severo em relação à esterilidade dos movimentos
populares marca indelevelmente o elitismo de Azevedo Amaral e o alinha com
um conjunto de autores da época claramente simpáticos aos movimentos
políticos coordenados “por cima”. Nesses termos, considera que o conceito de
revoluç~o n~o deve ser associado necessariamente { idéia de “expans~o do
poder das multidões”, mas sim a que reforça o “predomínio das minorias
superiores”. A sua conclus~o, dado o argumento acima, é que “a ascendência do
17 “As massas, embora contendo em si em estado potencial as energias passionais da sociedade, caracterizam-se por uma inércia psíquica, que as condena a permanecerem indefinidamente em posição de equilíbrio espiritual estável, do qual espontaneamente apenas se afastam momentaneamente sob a influência de estímulos instintivos, para retornarem a ele imediatamente após uma série de oscilações de pequena amplitude e sem consequências sobre a estrutura geral da sociedade. Para que as forças passionais potencialmente contidas nas massas se expandam em tempestades violentas e capazes de subverter a ordem estabelecida na sociedade, é preciso que sobre elas se exerça a ação deflagradora da inteligência e da vontade de domínio, que só se encontram como elementos do psiquismo das minorias, que em tempos normais constituem os grupos privilegiados e dirigentes das coletividades.” (Amaral, 1934, p, 56.).
21
poder político das massas n~o passa de uma ilus~o”. Para Azevedo Amaral, as
democracias legam às massas trabalhadoras um poder político usualmente
equiparado às sociedades tradicionais e quando são revolucionariamente
alteradas, essas sociedades modernas restringem radicalmente o acesso às
questões políticas da maioria da população, relegando as decisões fundamentais
a oligarquias diminutas e sem vínculo com a tradição. Quanto mais radical é a
revolução social, tanto menos direito às decisões políticas têm as massas (Cf.
Amaral, 1934, pp. 63 e ss.).
A ascensão do modelo de Estado Técnico na Europa demonstra, para o
autor, que o desdobramento revolucionário representa a oligarquização do
poder político e, portanto, a conformação de uma autoridade discricionária.
Rússia e Alemanha, diferentemente da Itália, trariam a característica mais
desenvolvida desse novo espécime político. Vale a citação:
As finalidades traçadas pelo gênio de Lênin à revolução russa envolviam, como postulado fundamental da gigantesca transformação nacional, concebida pelo formidável estadista, a organização de um Estado que estendesse as suas atividades a todos os aspectos da vida coletiva e cuja direção fosse centralizada em um aparelho inequivocamente autocrático (Idem, p. 73).
É indelével a vinculação de uma autocracia que irá se denominar
totalitária à influência do marxismo. O individualismo liberal será oposto ao
coletivismo, { subordinaç~o do indivíduo ao todo social, “consciência coletiva
dominadora e ditatorial”, conforme o diagnóstico de Karl Marx trazido pelo
autor. O coletivismo da teoria marxiana, segundo ele, não encontra reflexo
concreto na realidade russa. Ali prevalece o controle político da elite partidária,
dominada pela “personalidade única de Lênin” (Amaral, 1934, p. 100-1).
Azevedo Amaral não só antecipa o conflito mundial, mas também caracteriza
Rússia, Alemanha, Japão e Itália como países organizados de forma totalitária. Os
alinha, em termos de perspectiva política, contra as nações responsáveis pela
manutenção de um projeto econômico ainda centrado no indivíduo. Entretanto,
não avança na formulação de uma análise que explicite a idéia de uma política
calcada na eliminação da espontaneidade. Tal movimento teórico virá, no
entanto, de forma indelével, pouco tempo depois, no seu livro de maior
repercussão, O Estado autoritário e a realidade nacional (1938).
22
No que concerne à inserção da dinâmica brasileira no cenário
internacional, nota Azevedo Amaral a expansão sem limites das prerrogativas do
Poder Executivo, a ponto do mesmo solapar completamente, no final da Primeira
República, a autoridade e as funções do Poder Legislativo. O autor aponta o
processo de delegação legislativa como uma característica importada pelo
Estado brasileiro do exemplo dos países centrais (Amaral, 1938, pp. 72 e ss.). A
falta de orientação ideológica e de programa político definido fizeram com que
as correntes revolucionárias de 1930 ficassem abertas à influência do exterior.
Patentearam-se, assim, a absorç~o do “exemplo russo, como o caso do fascismo
italiano”. Mais uma vez, como j| indicara anteriormente, os revolucion|rios de
1930 demonstravam a sua debilidade em termos de afirmação da nacionalidade,
sucumbindo à europeização (Idem, p. 83). Não haveria possibilidade de
sustentar nenhuma revolução meramente por elementos políticos — como
estava acontecendo por aqui —, sem que esta se transformasse em revolução de
natureza econômica e social.
Como mais um exemplo das revoluções pátrias, o caso de outubro de
1930 teria mostrado que os revolucionários não tiveram nenhuma dificuldade
em derrubar o regime anterior, que caiu decomposto depois de se arrastar
“patenteando os mais inequívocos sinais de avançada senilidade” (Amaral, 1938,
p. 105). A orientação difusa das forças revolucionárias se articulou em torno da
idéia segundo a qual o Estado deveria ser governado de forma impessoal. Essa
teoria de combate ao personalismo, sustentada desde cedo pela Aliança Liberal
— num reforço retórico ao regime democrático — não tinha, segundo o autor,
uma conformação prática palpável, sendo previsível o resultado contrário,
tendo-se em vista a forte personalidade do chefe do governo provisório:
O advento do novo regime, que havia sido anunciado como tendo por finalidade precípua o combate ao personalismo, caracterizou-se logo pela concentração da política nacional na pessoa do ditador civil, investido de ilimitado poder discricionário (Amaral, 1938, p. 115).
Esse movimento de consolidação de uma feição ditatorial do governo
provisório era espontâneo, no entender do autor, tendo em vista a harmonização
entre o perfil pessoal de Getúlio Vargas e a natureza excepcional dos problemas
surgidos da revolução. Liga ele os fatos de outubro de 1930 ao processo
23
autêntico de evolução histórica da nacionalidade brasileira. A discricionariedade
do poder político de Vargas casava, portanto, com a necessidade de controlar a
sedimentação do novo regime, no refrear dos extremismos e implantando o
velho conservar mudando.18 A escolha de Vargas, no processo de acirramento
ideológico que antecede o golpe de 10 de novembro de 1937, é a implantação de
uma “nova ordem baseada nas realidades do meio brasileiro” e capaz de salvar a
nação dos extremismos fascista e soviético (Cf. Amaral, 1938, p. 139 e pp. 156 e
ss.).
3.3. Autoritarismo, Totalitarismo e fascismo
É nesse momento que o autor começa a delinear a sua avaliação do
conceito de Estado Totalitário e, conseqüentemente, de totalitarismo. O faz,
portanto, em antagonismo com o desdobramento político do Estado brasileiro
sob Vargas, o qual denomina de Estado autoritário — inclusive, com o mesmo
sentido da comparação feita posteriormente por Loewenstein, como se verá a
seguir. O motivo da oposição entre o modelo brasileiro e os demais é a
submersão do integralismo fascista e bolchevista num Estado caracterizado
como “órg~o de express~o” e “instrumento de atuaç~o da vontade ditatorial” do
grupo social dominante. Tanto a Rússia comunista quanto a Itália de Mussolini
são governos de classe, ditaduras nas quais, nos dois casos,
O conceito de Estado totalitário aparece como expressão inequívoca da compressão das iniciativas e da liberdade do indivíduo pela força coercitiva de uma organização estatal absorvente e que se torna a única razão de ser da própria nacionalidade (Amaral, 1938, p. 160).
A definição de Azevedo Amaral de totalitarismo flerta diretamente com a
idéia de subsunção do indivíduo à atividade estatal, mesmo que aparentemente a
questão possa estar restrita à capacidade individual para atuar na economia.
Entretanto, quando determina que o Estado torna-se a razão da nacionalidade,
abre semanticamente a possibilidade de se interpretar de forma mais elástica o
18 “Benito Mussolini exprimiu uma vez, de modo lapidar, essa miss~o do estadista revolucion|rio, dizendo que não bastava ter coragem para reformar, mas que era também preciso a coragem para conservar. (...) No caso da revolução brasileira de 1930, o ditador investido do poder discricionário viu-se defrontado por um problema muito mais complexo que a simples defesa dos elementos vitais da tradição nacional contra a onda renovadora a cuja impetuosidade era preciso opor os diques de um conservantismo construtor.” (Amaral, 1938, p. 117-8)
24
conceito. De qualquer sorte, é a partir desta afirmação que ele concebe a
possibilidade de distinguir com clareza o modelo de Estado totalitário e do
Estado autoritário. O autoritarismo é compreendido como uma característica
intrínseca ao exercício do governo político, condiç~o para a atuaç~o “eficiente”
do Estado (Cf. Amaral, 1938, p. 166). Não haveria oposição, portanto, entre a
autoridade do Estado e a essência dos regimes democráticos — e democrático-
liberais, inclusive.19 O Estado autoritário caracterizar-se-ia pela capacidade de
demarcar “a esfera intangível de prerrogativas inalien|veis” dos indivíduos.
Nesse modelo de Estado distinguem-se, portanto, esfera pública e privada.20
Nesses termos, não é o elemento autoritário que determina a distinção dos
regimes fascista e bolchevista do regime do Estado Novo, mas o seu caráter
totalitário (Cf. Amaral, 1938, p. 170).
Assim, o Estado totalitário não é aquele que se imiscui somente na
organização da vida social e econômica — como, obviamente, era o caso do
Estado Novo, alicerçado na legitimidade formal das corporações profissionais,
caracteristicamente voltado para a intervenção na economia. Para Azevedo
Amaral, a questão eleva-se também ao plano “espiritual”, e a compress~o que um
Estado totalitário é capaz de produzir pode facilmente reduzir a coletividade
nacional “a uma massa de escravos”.21 O ponto nodal,
19 “Certamente os enxertos que se fizeram na doutrina da democracia, principalmente desde a revolução francesa, desvirtuaram e corromperam, no chamado regime democrático-liberal, o conceito da autoridade. Mas ainda sob a influência mais acentuada das correntes do liberalismo, a noção da autoridade governamental sobreviveu, afirmando-se de modo particularmente característico em todas as ocasiões de dificuldade política ou de sérios problemas nacionais.” (Amaral, 1938, p. 166). 20 A citaç~o completa é esclarecedora: “O Estado autorit|rio baseia-se na demarcação nítida entre aquilo que a coletividade social tem o direito de impor ao indivíduo, pela pressão da maquinaria estatal, e o que forma a esfera intangível de prerrogativas inalienáveis de cada ser humano Assim, enquanto o Estado fascista, igualando-se nesse ponto essencial ao Estado comunista, encara os indivíduos como meras unidades a serem, utilizadas na organização estatal como elementos destituídos de iniciativa e de liberdade, o Estado autoritário do tipo instituído entre nós pela Constituição de 10 de Novembro obriga apenas o cidadão a entregar-se à coletividade no que deve e não pode deixar de pertencer a ela, mas deixa-lhe intacta a órbita em que impera soberana a sua consciência pessoal e na qual se concentram os interesses especiais que só a ele dizem respeito.” (Amaral, 1938, p. 171-2). 21 “A diferença que daí decorre entre um Estado totalit|rio, fascista ou comunista, é um Estado autoritário é profunda e inconfundível. No primeiro caso, a coletividade nacional reduz-se a uma massa de escravos. Hitler há pouco exprimiu com admirável sinceridade esse ponto de vista, dizendo em um comício de lavradores alemães que o nacional-socialismo não visava fazer homens livres, mas apenas um Estado livre. Na Rússia e na Itália, Stalin e Mussolini, sem porem
25
O que define o totalitarismo, no sentido peculiar que a essa expressão lhe deu o fascismo, não é portanto a extensão do poder estatal, mas a natureza compressiva, absorvente, aniquiladora da personalidade humana, que imprime às instituições fascistas um aspecto repelente, tornando-as tão incompatíveis com todos que prezam a dignidade do espírito. A submissão dócil à autoridade do Estado não repugna, nem pode repugnar aos indivíduos normais, que intuitivamente compreendem que um povo, para se transformar em uma nacionalidade, precisa organizar-se em uma estrutura hierárquica, cuja solidez e funcionamento eficiente exigem a atuação de uma autoridade capaz de tornar-se a força coordenadora e orientadora dos elementos que se justapõem na sociedade. Mas esse conceito do Estado autoritário, decorrente das condições naturais da plasmagem das sociedades, não envolve o aniquilamento da personalidade humana acarretado pelo totalitarismo fascista.
Configuração conceitual polêmica esta — ou seja, definição por
comparação negativa —, que Azevedo Amaral faz com o objetivo de questionar a
propalada identidade entre o regime corporativo da economia estadonovista e o
corporativismo fascista italiano. Como Oliveira Vianna, Azevedo Amaral vai
buscar a inspiração para a defesa do novo modelo econômico brasileiro nas
corporações medievais, fundadas na solidariedade econômica coletiva e
obliteradas por séculos, segundo ele, pela exacerbação do individualismo liberal
laissezfaireano (Cf. Amaral, 1938, p. 176-7). O objetivo aqui é demarcar a
distinção entre o modelo econômico pátrio e a origem conceitual do
totalitarismo, que vai encontrar a sua gênese no processo de expansão
capitalista de caráter internacional, isto é, na transformação da ação do capital
das forças humanas para “um plano de cooperaç~o corporativista, de que o trust
se tornou o órg~o característico”. Nesses termos, o “capitalismo corporativo” se
diferencia do corporativismo de Estado, pelo fato deste vincular-se à organização
sindical e à representação social dos interesses. O capitalismo corporativo, pelo
contrário, se desumaniza, exigindo das organizações políticas limites radicais
para a concorrência individualista, sujeitando a sociedade ao jugo da burocracia
totalitária (Cf. Amaral, 1938, pp. 180 e ss.).22
em palavras a coisa tão clara, têm, cada um pelos seus métodos peculiares, realizado na prática a fórmula do Führer germ}nico.” (Amaral, 1938, p. 172). 22 Idem, p. 180 e ss: “Na It|lia, a índole ditatorialista do sr. Mussolini e a fisionomia ultra-estatista da organização fascista inverteram o sentido do corporativismo. Em vez do Estado ser a expressão orgânica e dinâmica da nação, que nele atua através dos órgãos representativos das
26
Assim, a origem do conceito de totalitarismo em Azevedo Amaral provém,
além da idéia de compressão da espontaneidade dos indivíduos, também das
distinções funcionais entre um corporativismo brasileiro de caráter
representativo, e corporações fascistas italianas, planificadoras e burocráticas.
Trata-se, aqui, de uma definição da dinâmica “org}nica” e “nacional” da
economia brasileira, em contraposição às feições nefastas e redutoras das
liberdades que teria tomado o capitalismo internacional, em especial na Europa.
O Estado autoritário nacional é para o autor, nesse sentido, perfeitamente apto a
ser considerado também uma democracia, dado o caráter representativo das
instituições corporativas nos moldes estabelecidos pela Constituição de 1937 e
dada a ampliação natural das funções estatais diante da realidade social e
econômica cambiante, segundo o autor (Cf. Amaral, 1938, pp. 180 e ss.).23 O
Estado autoritário surge, portanto, como um instrumento de realização das
aspirações nacionais e como um meio-termo entre os “conceitos extremos” de
Estado: o democrático liberal e o “totalit|rio, comunista ou fascista”. Essa
comparação entre modelos de Estado, embora mais detalhada e exata que a
realizada posteriormente por Karl Loewenstein em 1942, é precisamente a
mesma.
Azevedo Amaral tinha claramente a necessidade retórica de determinar
as diferenças entre o Estado Novo e os Estados totalitários. Tinha por objetivo
afastar as volumosas críticas segundo as quais Getúlio Vargas estaria
fascistizando o Brasil. Não havia ainda a pressão internacional que os Estados
suas atividades econômicas e espirituais, torna-se a única realidade o propulsor exclusivo do dinamismo nacional, que é apenas um reflexo da vontade despótica do detentor da maquinaria estatal. O sindicato não é o núcleo donde promana para o Estado a energia da vontade nacional. E apenas um tentáculo burocrático, por meio do qual o Estado exerce o seu poder arbitrário dos múltiplos setores da nacionalidade comprimida e asfixiada nas malhas da organização totalit|ria.”. Mais adiante, afirma: “Realmente, o que caracteriza a organizaç~o econômica do Estado totalitário é o postulado da negação implícita do direito dos indivíduos ou dos grupos formados na sociedade a desenvolver qualquer forma de atividade produtora fora da órbita traçada pelo Estado. Em uma sociedade submetida ao comunismo ou ao fascismo, toda a atividade econômica pertence virtualmente ao Estado e o que é deixado como campo da ação individual o é a título precário. De fato, as liberdades concedidas ao indivíduo e às organizações privadas representam apenas uma tolerância, uma situação transitória admitida como conseqüência da incapacidade temporária do Estado de ocupar-se diretamente daquele setor particular da economia.”. Idem, p. 216. 23 Sobre o conceito antiliberal de democracia no constitucionalismo do Estado Novo, ver Santos, 2007.
27
Unidos da América iriam fazer em 1942 para definir o alinhamento do país no
conflito mundial. A pressão era exercida no sentido de afastar o governo Vargas
dos extremismos do integralismo e do comunismo. E é com este objetivo em
mente que Azevedo Amaral vai esposar os argumentos que delimitam as
diferenças fundamentais do Estado autoritário em relação às alternativas
radicalizadas da Europa.
O argumento definitivo, para ele o mais impactante, certamente foi a
questão da liberdade individual. A autonomia do indivíduo, mesmo sob a
autoridade do Estado Novo, deveria ficar claramente garantida na interpretação
da Constituição de 10 de novembro de 1937, realizada pelo autor no livro O
Estado autoritário e a realidade nacional. É por isso que não soa artificial ou
espantoso o desenvolvimento do argumento, que certamente sofistica
incrivelmente a conceituação do totalitarismo, ligando-o inclusive à dimensão
econômica, de forma semelhante às análises dos pesquisadores da Escola de
Frankfurt nos anos 30 na Alemanha, embora considerando que o que é contexto
local dos autores lá signifique, aqui, uma realidade universal. Este fato estende
automaticamente a possibilidade de transmissão e amplificação do conceito a
experiências políticas diversas. Vale à pena a transcrição dos trechos nodais do
conceito de totalitarismo no autor afim de que se perceba a consciência do
mesmo de todos os desdobramentos de uma realidade política e social
totalitária, muito antes da mesma se tornar clara — nas dimensões estabelecidas
por Azevedo Amaral —, inclusive para os intelectuais europeus. Ante o exposto,
o texto basta-se por si só:
Dentro de uma organização totalitária de qualquer daqueles dois tipos [fascista e bolchevista], o equilíbrio político e a ordem social dependem implicitamente da subalternização completa dos componentes individuais da sociedade ao ritmo ditado pelo interesse coletivo e cuja manutenção invariável constitui a suprema finalidade do aparelho estatal. (...) No totalitarismo bolchevista ou fascista, não surge nem pode surgir o problema da liberdade individual. O Estado dirige a Nação e atende a tudo que aparece no seu dinamismo, obedecendo apenas às injunções de uma consciência coletiva cuja existência é teoricamente postulada e cujas expressões perceptíveis se traduzem através do pensamento, das emoções, das aspirações e das tendências do indivíduo ou indivíduos que exclusivamente no momento personificam a organização estatal. Se é
28
certo que na prática uma atenuação relativa desse ponto de vista fundamental tem forçosamente de ocorrer sob a pressão irresistível das realidades da natureza humana, que contradizem violentamente esse conceito extremo do absolutismo estatal, em teoria, pelo menos, o que dissemos corresponde ao conceito ideológico do Estado totalitário. Na Rússia Soviética e na Itália Fascista — formas gêmeas em que se polariza a idéia totalitária — o ditador, como personificação do organismo estatal, tem virtualmente o monopólio da liberdade. Dele, e somente dele, promanam as volições que movimentam as engrenagens da maquinaria governamental e, através destas, irradiam, como tentáculos compressores, sobre cada indivíduo integrado no corpo social. Qualquer divergência do ritmo imposto por essa vontade dominadora envolve uma rebeldia pessoal contra o funcionamento predeterminado do sistema orgânico da nação (Amaral, 1938, p. 276-7). (...) Nos regimes totalitaristas, o Estado assume a posição de entidade monopolizadora, não apenas de todas as iniciativas políticas, econômicas e sociais, como também do privilégio de organizar, manter e dirigir as atividades espirituais da Nação. O pensamento torna-se uma função estatal nos regimes totalitários. Está, portanto, na lógica da ideologia dessas organizações determinar os limites além dos quais o indivíduo não pode ir, no exercício das prerrogativas do espírito. Não dispondo de meios para perseguir os refratários à disciplina espiritual, dentro do reduto inexpugnável da consciência de cada um, o Estado totalitário impede a irradiação das idéias que julga inconvenientes comprimindo todas as manifestações do pensamento e submetendo as que tolera a um processo rigoroso de vigilância e censura. Isto, ninguém ignora, é o que se passa na Rússia Soviética, na Itália fascista e na Alemanha nazista, para não citar imitadores secundários e terciários do totalitarismo (Amaral, 1938, p. 296). Não só a liberdade física, cultural e econômica são obliteradas, mas em
especial, a liberdade de pensamento. O Estado totalitário realiza este processo
de compressão das identidades eliminando o processo de representação
político-econômica corporativa, vinculado aos sindicatos profissionais (Cf.
Amaral, 1938, p. 179). Ao se concluir a apresentação das idéias centrais que
compõem a construção do conceito de totalitarismo e a distinção entre Estado
totalitário e Estado autoritário na obra de Azevedo Amaral nota-se a clara
identidade entre esta análise e a conceituação e as distinções produzidas anos
depois pelo jurista alemão Karl Loewenstein, menos no que respeita ao
detalhamento das questões econômicas e mais no que concerne ao
esfacelamento da distinção entre espaço público e espaço privado. Já em 1938,
29
Azevedo Amaral não se furta em descer aos detalhes e avaliar detidamente as
características do sistema intelectual e institucional do totalitarismo e os seus
desdobramentos na vida cotidiana no que concerne à perda da liberdade.
Loewenstein, em contato direto com a intelectualidade nativa achou
pronta e acabada no Brasil não só a análise sobre a realidade política brasileira
do Estado Novo mas os motivos teóricos, políticos e constitucionais do não
alinhamento do Brasil às potências do Eixo. Como se disse acima, na sua missão
ao Brasil ele tinha por dever de ofício exatamente a necessidade de produzir
uma avaliação sobre o alinhamento internacional do país para as agências de
Estado norte-americanas. Loewenstein tinha apenas alguns meses para produzir
um resultado consistente o suficiente sobre o perfil e as intenções políticas dos
dirigentes brasileiros para informar as autoridades dos EUA. Enviesada ou não
— a existência de viés utilizada como desculpa para não utilizar Azevedo Amaral
como fonte declarada —, a obra O Estado autoritário e a realidade nacional
apontava com clareza para as mesmas conclusões que chegou Loewenstein no
seu relatório final. No último tópico do livro Brasil sob Vargas, denominado Os
Estados Unidos e o Brasil, escrito logo após o país declarar adesão às Nações
Unidas, Loewenstein conclui que Vargas fora bem sucedido em navegar entre as
trevas do totalitarismo e o mar profundo da desintegração dos partidos, ameaças
constantes das democracias de massa. Sua escolha pelo alinhamento do Brasil
com os estados Unidos reforçava, então, uma longa tradição de amizade, além de
garantir a posição militar estratégica dos EUA na base de Natal e afiançar a
solidariedade do hemisfério sul através da afirmação de um modo de vida
comum. Em resumo, o constitucionalista alemão, sem lançar mão de argumentos
substancialmente diversos dos já esposados por Azevedo Amaral, assevera por
fim ser a posição do Brasil a de um alinhamento substantivo e não efêmero às
Forças Aliadas.24
24 “Depois de muitas mudanças na política, o que às vezes levantou dúvidas substanciais sobre
onde o regime giraria ultimamente, Vargas alinhou seu país com os Estados Unidos na luta
contra a dominação totalitária do mundo.” (Loewenstein, 1942, p. 371-2).
30
4. O conceito de Ditadura Totalitária em Franz Neumann
Se a construção teórica de Karl Loewenstein centra foco nas
características estritamente jurídico-políticas da distinção entre Estados
autoritários, fascistas e totalitários, o que destoa da complexidade do tema
quando desenvolvido por Azevedo Amaral, outros autores, na mesma época
compreenderam perfeitamente a necessidade de se alinhar o fenômeno de
mutação político-institucional à abordagem econômica. O jurista e cientista
político Franz Neumann (1900-1954), da geração fundadora do Instituto de
Pesquisas Sociais, também conhecido como “Escola de Frankfurt” foi o
responsável por uma das primeiras e mais contundentes avaliações do
fenômeno nazi-fascista na Alemanha. Em seu livro Behemoth: estrutura e prática
do nacional-socialismo (1942) estabeleceu de forma crítica os fundamentos
políticos, doutrin|rios, sociais e econômicos do que chamou de “capitalismo
monopolista totalit|rio”, num sentido muito próximo da idéia de corporativismo
capitalista de Azevedo Amaral. Foi, igualmente, um incisivo crítico das reformas
constitucionais que acabaram levando a Alemanha ao jugo de Hitler. Os estudos
deste autor não só esclarecem o processo de erosão das instituições econômico-
jurídico-políticas da democracia de Weimar, como também exteriorizam uma
sofisticada explicação das características das ditaduras totalitárias em
comparação com outras formas de regimes de natureza autocrática.
Segundo Franz Neumann, num dos primeiros textos de avaliação crítica
sobre o definhar de Weimar, A Decadência da democracia alemã (1933), a
situação política de um sistema constitucional que balançava entre liberalismo e
socialismo era a de um equilíbrio tênue. A democracia coletivista que havia
implantado os direitos trabalhistas não chegou a criar um Estado corporativo
porque o poder político pertencia exclusivamente ao Parlamento. O poder não
era, portanto, dividido com partidos ou sindicatos que, aliás, não estavam
subordinados legalmente ao Estado, já que o Conselho Econômico Nacional não
participava da legislação. A aparente trégua na luta de classes através da
incorporação de direitos sociais na Constituição, combinados com uma estrutura
liberal, devia-se ao fato de o objetivo político primordial do Reich ser “evitar o
bolchevismo”. Enquanto perdurava a situaç~o de estabilidade econômica, o
31
sistema capitalista poderia suportar em silêncio o conjunto de direitos sociais
reconhecidos e implementados através da Constituição de 1919. Quando os
lucros começaram a escassear, o movimento contra a organização social do
trabalho — que originalmente havia sido criada a fim de abafar as reivindicações
socialistas e comunistas — intensificou-se. O alvo passou a ser o sistema
democrático liberal-parlamentar que, em funcionamento, representava a
“plataforma da emancipaç~o trabalhista” (Cf. Neumann, 1996, pp. 29-43).
Para Neumann, havia um problema na estrutura constitucional que
ajudou a enterrar rapidamente a República de Weimar num governo com
poderes concentrados no Executivo. Enquanto a Constituição garantia a
existência de inúmeros direitos sociais, que necessitavam da imediata e às vezes
constante regulamentação, o Parlamento, desenhado nos moldes do liberalismo,
não desenvolveu — nos anos da República — uma dinâmica eficaz em sua
prática legislativa. A conseqüência foi o rápido deslocamento da competência de
regulamentação legislativa para o Gabinete de Ministros, vinculado ao Executivo,
e a auto-limitação do Parlamento, que passou a legislar exclusivamente sobre
princípios gerais, “deixando a sua aplicaç~o para os ministros
(Blankettgesetze)”.25 Um enorme poder foi transferido, portanto, para instâncias
burocráticas vinculadas ao Poder Executivo o que, no entender de Neumann: a)
fragilizou o controle parlamentar da produção legislativa; b) eliminou a
dissidência política dentro do parlamento (a formação do Gabinete era de
coalizão); e c) deu um status de governo de fato à burocracia.
Tanto na configuração dos poderes emergenciais contidos originalmente
no art. 48 da Constituição de Weimar, quanto nos derivados da incapacidade
política e legislativa do Parlamento em operar sob uma situação de aguda crise
política, “o desejo por um executivo forte e a demanda por poderes de
emergência adequados eram, ent~o, dois elementos para o mesmo problema”
(Rossiter, 1963, p. 35). Tratava-se da necessidade genética da República de
resolver suas aporias através de um sistema jurídico que incorporasse e
25 O termo Blankettgesetze significa norma em branco, ou seja, uma norma que necessita ser preenchida com o conteúdo de outra para adquirir sentido e ter aplicação. No caso, o Executivo passou a se encarregar administrativamente do problema, numa corrupção gritante do princípio de divisão dos poderes (Cf. Neumann, 1996, p. 35).
32
legitimasse medidas de natureza emergencial. Um movimento constitucional
antiliberal, capitaneado por Carl Schmitt, passou a suprir com doutrina uma
necessidade que remontava ao Império Prussiano e ao seu paradigmático estado
de guerra (Kriegszustand).
A força da interpretação schmittiana do art. 48 da Constituição de
Weimar, relativa ao estado de emergência — condicionado pelas características
do estado de guerra prussiano — está em sua capacidade de permitir a
reconfiguração completa do modelo de governo sob a égide de uma mesma
Constituição. Como a maioria dos modelos legislativos de estado de guerra, de
beliger}ncia, de emergência ou de “comoç~o intestina”, o art. 68 da Constituiç~o
Imperial Prussiana, em oposição aos inúmeros limites atribuídos pela clássica
legislação liberal do estado de sítio, era uma autorização de fato ilimitada para o
exercício antiliberal do poder político. As indefinições temporal, espacial e
material de uma declaração de guerra deixam a seu promotor a liberdade de
utilizá-la da maneira que melhor entender. Esta fórmula, claramente distanciada
da idéia de norma jurídica de corte liberal, foi a inspiração dos parlamentares
alemães em geral, e de Hugo Preuss em especial, para contornar a crise pela qual
passava a Alemanha à época da reunião da assembléia constituinte weimariana,
em 1919. 26
A “republicanizaç~o” de um instituto imperial n~o conseguiu, contudo,
garantir a estabilidade econômica demandada pela situação crítica da Alemanha
derrotada após a 1ª Guerra Mundial. No momento em que o art. 48 da
Constituição de Weimar passou a ter como função dar ao Poder Executivo
competência legislativa, as novas responsabilidades constitucionais limitaram a
autonomia dos sindicatos que perderam, gradualmente, suas funções originais
por conta do processo de centralização política. As lideranças sindicais passaram
a representar os trabalhadores em um sem número de organismos estatais,
tornando-se politicamente fracas e dependentes de um Estado cada vez mais
26 “Art. 68. O Kaiser pode, se a segurança pública no território federal estiver ameaçada, declarar o estado de guerra em qualquer parte dele. Até a promulgação de um estatuto imperial regulando as condições, a forma de proclamação e os efeitos de tal declaração, as provisões que se aplicam s~o aquelas do estatuto Prussiano de 4 de Junho de 1851”. Nenhum estatuto imperial foi promulgado, e a lei de 1851 ficou valendo até o fim do Império (Cf. Rossiter, 1963, p. 36).
33
fascistizado e corporativista. Segundo Neumann, a alternativa impossível era a
guerra civil. O Decreto de emergência, suspendendo indefinidamente os direitos
civis no começo de 1933, foi o fiat constitucional para a instauração de uma
ditadura que durou até 1945 (Cf. Neumann, 1996, p. 37-9).
Em resumo, para Neumann, conforme o seu artigo A Mudança da função
do direito na sociedade moderna (1937), essa estratégia jurídica de erosão dos
elementos democrático-liberais da Constituição de Weimar — em especial das
limitações formais e materiais para a instituição do estado de emergência —
surge na Alemanha como um programa de natureza conservadora. Configura-se
como uma necessidade política para restringir o poder do parlamento, que não
mais representa, no processo de formulação legislativa da República de Weimar,
os interesses do grande latifúndio, do capital, do exército e da burocracia. A
generalidade da lei, que sob a configuração de princípios gerais do direito passou
a ser — sob a influência teórica de Carl Schmitt — a única forma de expressão do
Parlamento, deslocou para a burocracia administrativa a regulação dos casos
concretos, transformando o Poder Executivo em gestor da livre concorrência e
em legislador de fato da ordem econômica e social. Para Neumann, a
Constituição de Weimar, sob esse influxo interpretativo, viu renascer
disfarçadamente um “direito natural que passa ent~o a exercer funções contra-
revolucion|rias” (Cf. Neumann, 1937, pp. 47 e 52-3). O autor resume as
conseqüências de tal abordagem jurídica indicando que
O período de 1918 a 1932 foi caracterizado pela quase universal aceitaç~o da doutrina da escola do “direito livre”, pela destruiç~o da racionalidade e calculabilidade do direito, pela restrição do sistema de contratos, pelo triunfo da idéia do comando sobre aquela do contrato e pela prevalência dos “princípios gerais” sobre normas jurídicas genuínas. Os “princípios gerais” transformaram todo o sistema jurídico. Mas a sua dependência numa ordem de valores extra-legal nega a racionalidade formal, gerando uma imensa quantidade de poder discricionário para o juiz e eliminando a linha de divisão entre o Judiciário e o Executivo, de modo que as decisões administrativas — isto é, decisões políticas — tomam a forma de decisões de cortes civis ordinárias (Idem, p. 54-5).
Essas transformações político-institucionais são interpretadas in totum
por Neumann no seu Behemoth, de 1942. Lá, critica a avaliação de Ernst
Fraenkel, segundo a qual a estrutura jurídica do Estado Nazista seria dual: de um
34
lado, um conjunto de leis que representam o Estado Normativo, de outro, a
arbitrariedade e a violência do Estado de Prerrogativa (Cf. Fraenkel, 2006). Para
Neumann, esta dualidade simplesmente não existe. O Estado nacional-socialista
teria implodido o Estado Democrático de Direito em todas as suas facetas.27 Um
dos elementos que assevera a radicalização da distinção entre o Estado
Nacional-Socialista e outras realidades políticas e jurídicas é o papel sócio-
político e econômico da propaganda.
Para Neumann, a propaganda é um instrumento de violência que tira
proveito de um corpo social enfraquecido pela luta de classes, por antagonismos
raciais e religiosos e, no geral, pela política terrorista do regime, que transforma
a cultura em mercadorias negociáveis. A versatilidade e eficácia da propaganda
nazista — inalcançável numa democracia — deriva do seu descolamento
absoluto da verdade e, igualmente, pelo fato da cultura do regime ser destituída
de uma teoria política racional e, portanto, ser unicamente constituída de
impulsos publicitários (Cf. Neumann, 1942, pp. 356 e ss.). O resultado é que a
maioria absoluta da população pode ser reduzida a ferramentas controladas pela
propaganda. Derivando desses elementos outros objetivos políticos, a
propaganda, segundo o autor,
através da sincronização de todas as atividades culturais (...) submete o povo alemão a tensões incessantes. A insistência sobre o ativismo no lugar do pensamento significa que os homens podem nunca ter liberdade e tempo para pensarem por si sós. Ação sem pensamento só é possível se existe direção e controle da ação, com exceção de curtos períodos de espontaneidade genuína das massas (Idem, p. 358).
Neumann defende, assim, que a propaganda Nacional-Socialista é “a destruiç~o
do que quer que remanesça de espontaneidade”, além da incorporaç~o da maioria da
população numa espécie de super-máquina guiada pela providência, ou por uma força
irresistível da natureza, ou mesmo pelo destino, que levará a Alemanha à vitória
definitiva (Cf. Neumann, 1942, p. 358). Esta idéia de um Estado que, através da
27 Para Neumann, a lei, sob o nacional-socialismo, ao fim e ao cabo, é apenas uma manifestação política da vontade do Estado ou da comunidade, representada pelo Füher. Não garante a estabilização das expectativas nem a certeza jurídica, já que tudo que é manifesto na forma da lei é considerado justo, isto é, possível, eliminando a calculabilidade e racionalidade características do Estado de Direito, de um Estado limitado por lei e que funciona através da lei: a teoria do direito sob o Estado nazista é “nada mais que um arcanum dominationis, i. é, um meio para a estabilizaç~o do poder.” (Cf. Neumann, 1957, p. 58 e ss.).
35
propaganda de massa leva 90% da população a uma situação de repetição mecânica de
sua vontade, gerando perda de espontaneidade, idéia que é central para o argumento
desse texto, Neumann a desenvolve a partir de Serge Chakotin, discípulo de Pavlov, que
a desenvolve no famoso Estupro das massas (1940).
Ao lado da propaganda, da manipulação intencional do domínio
carismático com o fito de submeter a população ao desespero e ao terror,
Neumann alinha no seu Behemoth um conjunto de elementos de natureza
política, social e econômica que fazem eco às análises desenvolvidas quatro anos
antes por Azevedo Amaral no Brasil no que respeita ao fenômeno do
totalitarismo.
5. Considerações Finais
Em Azevedo Amaral não é só possível identificar uma descrição precisa e
pormenorizada do fenômeno totalitário como também nesse autor se clarifica a
distinção entre totalitarismo — visto como a materialização orgânica do
fascismo e do comunismo — e o autoritarismo, entre a aniquilação radical da
individualidade e o que chama de organização nacional da autoridade. Garante-
se, com a prática do Estado autoritário — que identifica como sendo o Estado
Novo —, uma possibilidade de organização social em que a liberdade individual,
de natureza não-política, pode ser preservada sem atentar contra a segurança da
coletividade. Com a distinção entre espaço público e privado, a consciência
cívica, que derivaria de uma certa freqüência do processo de consulta popular,
sob bases plebiscitárias, dá origem a um tipo de legitimidade social que não
redunda em dissolução das individualidades, pois marcada pela identidade
laboral do sindicalismo corporativo-representativo.
Obviamente, Azevedo Amaral parte de uma concepção antiliberal de
democracia, considerando possível a subtração de direitos políticos — como o
de formação de partidos, o de sufrágio e o de representação política parlamentar
— sem que a nação perca, no seu entendimento, a capacidade de influenciar nos
destinos do país. Compartilhou esta perspectiva com os ideólogos centrais do
Estado Novo e funcionou como organizador dos argumentos que ajudaram a
justificar o regime. Seu papel fundamental, nesses termos, foi o de produzir um
36
forte conjunto de argumentos que ajudaram a proteger — de forma mais ou
menos eficaz — a acusação de ser o Brasil sob Vargas um Estado totalitário ou
fascista. Tal objetivo pôde ser alcançado, em especial, no momento em que seus
textos serviram de base para que representantes diplomáticos — como o
próprio Loewenstein — entendessem ter o país uma configuração política que
não se afastava do modelo centralizador e não radicalizado de lugares como
Estados Unidos da América e Inglaterra, inclusive. Assim, apesar dos protestos
de vários intelectuais contrários ao regime, o Estado Novo conseguiu se firmar
frente à comunidade internacional como uma ditadura “democr|tica” nos
moldes antiliberais, como Estado autoritário que paradoxalmente preservou o
espaço da iniciativa privada e permitiu o desenvolvimento do processo de
industrialização e complexificação da economia nacional. Firmou-se aqui
igualmente como Estado corporativo, que organizaria as classes economicamente
ativas num processo de incorporação via juridicização dos direitos sociais. Para
Azevedo Amaral, estes caracteres do Estado Novo permitiram preservar os
elementos civilizacionais específicos da nacionalidade brasileira.
Para além deste objetivo de defesa e justificação, que cobriu de sucesso o
ideólogo e que posteriormente fomentou uma leitura maniqueísta tanto do
ideólogo quanto do regime, pode-se dizer que Azevedo Amaral foi além de suas
pretensões estratégicas conjunturais. Produziu, antes mesmo da maioria dos
textos que enfrentaram a questão na Europa, um arcabouço conceitual sólido o
suficiente sobre o modelo de Estado totalitário não só permitindo, mas
realizando em seus pormenores as diferenciações nucleares em relação ao
modelo de Estado autoritário. Por necessidades derivadas de uma conjuntura
política específica, cunhou uma aproximação a um dos temas centrais da teoria
política do século XX. Antecipou-se, inclusive, àquela que é considerada a maior
expoente sobre a temática totalitária, condensando a bibliografia mais festejada
da época e formatando uma compreensão sofisticada e detalhada sobre a perda
da espontaneidade e a destruição do indivíduo sob o terror totalitário.
Nesse sentido, a rápida comparação com a obra de Loewenstein é, por si
só, um instrumento de análise contundente o suficiente para se defender a tese
de que o jornalista político brasileiro foi um dos pioneiros na determinação e
37
análise do próprio conceito de totalitarismo e de como este veio a ser conhecido
no decorrer da segunda metade do século XX. A produção de trabalhos
posteriores sobre este tema poderá corroborar não só o fato de que se está
diante de uma obra suficientemente importante para o entendimento da
evolução da teoria política, mas igualmente, confirmar que não se poderá mais
estudar o a teoria política no século XX e o tema do totalitarismo e do
autoritarismo sem levar em conta as idéias e as análises realizadas por Azevedo
Amaral nos seus textos da década de 1930.
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