ANAIS DO VI SIPEM
1IM/UFRJ- Brasil [email protected] 2IBC – Brasil [email protected] 3INES– Brasil [email protected] 4IBC – Brasil [email protected] 5IBC – Brasil [email protected]
Combinatória, Deficientes Visuais, Surdos, Recursos Didáticos.
RESUMO
ABSTRACT
15 a 19 de novembro de 2015 Pirenópolis - Goiás - Brasil
Palavras-chave:
Keywords
Combinatorics, Visual Impairments, Deaf, Didatic Resources.
Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental com Adaptações para Deficientes Visuais e Surdos 1Claudia Segadas, 2Fábio Garcia Bernardo, 3Júlio César Dos Santos Moreira, 4Paula Marcia Barbosa, 5Wagner Rohr Garcez
O trabalho tem como objetivo analisar e discutir resultados da aplicação de atividades de análise combinatória para alunos com deficiência visual e surdos do Ensino Fundamental, à luz de referenciais teóricos correlatos. Baseadas em situações-problema, as atividades foram aplicadas a alunos do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e do Instituto Benjamin Constant (IBC), instituições especializadas no ensino de surdos e deficientes visuais, respectivamente. Como algumas questões abordadas nos livros didáticos tinham um apelo visual, fomos motivados a adaptar tais problemas de modo que fossem compreensíveis aos alunos cegos, criando recursos didáticos que permitissem um melhor entendimento do proposto aos estudantes. A compreensão da linguagem escrita interfere no entendimento dos enunciados, especialmente no caso de alunos surdos. Os recursos, bem como a tradução para a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) mostraram-se importantes para auxiliar os alunos surdos a compreender e reconhecer as situações matemáticas envolvidas nos enunciados das questões.
The aim of this work is to analyze and discuss results of applying combinatorial analysis activities for students with visual impairments and deaf at elementary schools, in the light of related theoretical frameworks. Based on problem situations, activities were applied to students of the National Institute of Deaf Education (INES) and Benjamin Constant Institute (IBC), specialized institutions in teaching deaf and visually impaired, respectively. Since some textbook activities have a visual appeal, we adapted them so that they would become comprehensible to blind students. Comprehension of the written language affects understanding of statements, especially for deaf students. Resources, as well as translation into the Brazilian Sign Language (LIBRAS) proved to be important to help deaf students to understand and to recognize mathematical situations involved in the statements of the issues.
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 2
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito do grupo de extensão e pesquisa
“Ensino de Matemática para Deficientes Visuais e Surdos” do Projeto Fundão - UFRJ, tendo
sido em todas as etapas discutido pelo grupo, que é composto por professores da educação
básica, do ensino superior e por alunos de licenciatura. Trata-se, assim, de um estudo realizado
de forma colaborativa. Tem como objetivo central discutir resultados de aplicação de atividades
envolvendo o conteúdo de combinatória no Ensino Fundamental. Dentre outros aspectos,
verificaremos como as adaptações realizadas e os recursos didáticos auxiliaram alunos
deficientes visuais e surdos para a resolução das atividades. Examinaremos também como a
compreensão da linguagem escrita interfere no entendimento dos enunciados, especialmente
no caso de alunos surdos.
As atividades foram aplicadas em três instituições do governo federal: uma especializada
na educação de surdos, a outra na educação de deficientes visuais e a terceira uma escola de
ensino regular. O foco deste trabalho será nos resultados obtidos nas duas primeiras
instituições, em que participaram alunos de sexto, sétimo e nono anos.
Embora o conteúdo a ser ensinado em combinatória não traga na sua essência um apelo
visual tão evidente como em geometria, algumas estratégias empregadas para a resolução de
problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios
que constam em livros didáticos contêm figuras no seu enunciado, o que pode ser um
obstáculo para o aluno cego.
Selecionamos para este artigo três atividades, algumas por conterem originalmente
figuras e outras pelos aspectos sutis relacionados à linguagem e que somente pudemos
observar quando as aplicamos com surdos. Iremos nos debruçar sobre elas tendo sempre
como pano de fundo, as leituras que fizeram parte do arcabouço teórico deste trabalho. Desde
já advertimos que não se pode tratar alunos com deficiência visual e surdos como se fossem
um só grupo, as estratégias aplicadas para cada um foram pensadas tendo em mente suas
particularidades.
A análise combinatória é um componente curricular essencial da matemática e tem um
papel importante na vida cotidiana do aluno, no que se refere ao cálculo de possibilidades e
tomada de decisão. Os Parâmetros Curriculares Nacionais pregam que o ensino de
combinatória seja introduzido desde o Ensino Fundamental argumentando que:
O Ensino de Análise Combinatória
Introdução
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 3
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
[…] o emprego de problemas envolvendo combinatória leva o aluno, desde cedo, a desenvolver procedimentos básicos como a organização dos dados em tabelas, gráficos e diagramas, bem como a classificação de eventos segundo um ou mais critérios, úteis não só em Matemática, como também em outros campos, o que reforça a argumentação dos defensores de seu uso desde as séries iniciais do ensino fundamental. (BRASIL, 1998, p.137)
Recomendam ainda que o aluno seja de início apresentado a problemas que
envolvam a contagem direta para, posteriormente, resolver outros em que não possa se valer
deste método, mas que tenha que utilizar o princípio multiplicativo.
Kapur (1970) aponta algumas razões pelas quais a combinatória deve constar no
currículo escolar, dentre as quais: pode ser introduzida desde cedo no currículo e dispõe de
problemas para os diversos anos de escolaridade; não exige muitos pré-requisitos; pode ser
usada para treinar os alunos a enumerar, fazer conjecturas, generalizar e ter pensamento
sistemático e possui diversas aplicações internas ou não à matemática.
Pìaget e Inhelder (1951, apud BATANERO et al, 1997) citam que um sujeito que não
possui capacidade combinatória não é capaz de usar a ideia de probabilidade, salvo em casos
de experimentos aleatórios muito elementares. Lopes (1977) enfatiza que as ideias de
combinatória, estatística e probabilidade estão presentes desde cedo na vida da criança,
citando como exemplos os jogos e a expectativa de um acontecimento.
A resolução de problemas combinatórios para quaisquer alunos pode requerer o uso de
esquemas visuais, como diagramas e árvores. Estes esquemas mostram-se alternativas
importantes para auxiliar a identificar a estratégia a ser utilizada para os casos em que a
contagem direta não é possível de ser realizada.
Estes esquemas (recursos visuais) são fortes aliados para os alunos surdos, pois, segundo
Skliar (1998, p.28) “A surdez é uma experiência visual [...]. E isso significa que todos os
mecanismos de processamento da informação, e todas as formas de compreender o universo
em seu entorno, se constroem como experiência visual”, porém para os cegos, ou se cria
alguma forma de representá-los concretamente ou se espera que venham a utilizar alguma
forma de representação abstrata que os capacite a resolverem as questões. Pesquisas neste
sentido, por sinal, se fazem necessárias.
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 4
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006), a pesquisa-ação é um tipo especial de
pesquisa participante, em que o pesquisador se introduz no ambiente a ser estudado não só
para observá-lo e compreendê-lo, mas sobretudo para mudá-lo em direções que permitam a
melhoria das práticas e maior liberdade de ação e de aprendizagem dos participantes. Nesse
sentido, os autores discutiram, elaboraram e aplicaram as atividades desenvolvidas a partir de
referenciais teóricos e de suas experiências pessoais. As atividades foram propostas e discutidas
com os alunos com o intuito de explorar as possíveis respostas, valorizar a escrita e a fala,
através de discussões, sempre buscando um maior aprofundamento e procurando encontrar
caminhos mais curtos e apropriados para a resolução das mesmas.
A pesquisa-ação, desenvolvida neste trabalho, procurou estabelecer uma ação
conjunta e cooperativa dos pesquisadores junto aos alunos. Através desse processo
investigativo de intervenção em que caminham juntas, práticas investigativas, práticas
reflexivas e práticas educativas, podemos repensar nossas estratégias, gerando novas questões
de investigação.
Assim como Fiorentini e Lorenzato (2006), acreditamos que a educação matemática
é uma prática social. Nesse aspecto, o trabalho de campo torna-se uma opção importante, pois
fornece elementos fundamentais para que possamos melhor compreendê-la e assim, discuti-la
para modificá-la.
As atividades mostradas adiante foram aplicadas em duas turmas do Instituto Benjamin
Constant (IBC), duas turmas do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e uma turma
do Colégio Brigadeiro Newton Braga (CBNB). Neste artigo iremos nos deter na aplicação que
se deu nas duas primeiras instituições.
No IBC foram turmas de 6º e 7o anos. No 6o ano eram 8 alunos, 3 cegos e os demais com
baixa visão e no 7o ano eram 6 alunos, com 2 cegos e os demais com baixa visão. Além de
recursos didáticos por nós criados, levamos as questões escritas em braille para os alunos
cegos e em tamanho ampliado para os alunos com baixa visão.
No INES foi aplicado em duas turmas de 9o ano com 12 alunos cada. Nesta instituição, há
uma abordagem bilíngue, na qual a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) é a língua de instrução,
sendo a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, a segunda língua. Contudo, no
experimento, optou-se por aplicar as atividades primeiramente em Língua Portuguesa, a fim de
avaliar a interpretação e reconhecimento de situações matemáticas envolvidas nos enunciados
pelos alunos. Posteriormente, os enunciados foram traduzidos para a LIBRAS. No que diz
Metodologia
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 5
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
respeito a esse processo de tradução, cabe ressaltar que não basta explicitar o significado de
uma palavra sem o contexto ao qual ela está inserida. Segundo Agra (2007, p.3):
[…] uma língua é algo social, histórico, determinado por condições específicas de uma sociedade e de uma cultura e assim, entende-se que, no processo de tradução, o tradutor deve levar em conta os fatores culturais e lembrar que a palavra só tem sentido em um contexto que se especializa neste determinado cenário.
Quanto a dificuldades na leitura por parte dos alunos, houve a preocupação de que o
texto escrito não fosse um empecilho para a realização da atividade, assim optou-se pela
tradução e não pela simplificação deste com o objetivo de facilitar a compreensão, pois de
acordo com Coutinho (2015) “facilitar a compreensão do texto escrito, pelos alunos, por meio
da simplificação do português, podem também simplificar o desafio cognitivo proposto e
comprometer o ensino de Matemática”.
Nas duas instituições os alunos liam individualmente as questões e tinham um tempo
(não definido a priori) para resolvê-las. Em seguida, discutíamos as soluções propostas,
analisávamos as corretas e as incorretas, bem como buscávamos estabelecer uma metodologia
de solução. Grande parte das questões podia ser resolvida pelo princípio multiplicativo. Neste
caso, procurávamos auxiliá-los a chegar nele, visto que permite resolver grande quantidade de
problemas de análise combinatória.
Conforme citado, o trabalho foi realizado de forma colaborativa, visando atingir objetivos
comuns. As concepções, planejamento, desenvolvimento, coleta e análise de dados, bem
como a escrita dos resultados foram todos pensados e discutidos por todos os pesquisadores,
autores do estudo, bem como pelos demais participantes do grupo.
Os pesquisadores realizaram dois encontros em cada uma das turmas supracitadas
para a aplicação das atividades que serão descritas, utilizando dois tempos de aula (cerca de
1h40) em cada um desses encontros. Após a aplicação das atividades, o grupo todo se reunia
para discutir, pensar e escrever relatórios sobre os resultados observados.
Considerando os objetivos deste trabalho, apresentaremos a seguir as observações
e discussões sobre a aplicação das três atividades nas duas instituições.
ORGANIZANDO CUBINHOS
a) Você tem 5 figuras iguais formadas, cada uma, por 6 caixas de fósforos e tem também 10
cubinhos. Em cada figura coloque 2 cubinhos, sabendo que:
- não pode haver dois cubinhos na mesma caixa;
Atividades Propostas
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 6
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
- um dos cubinhos deve estar obrigatoriamente na fileira com uma única caixa.
Há 5 possibilidades diferentes de organizar os cubinhos. Utilize as figuras para mostrar cada
uma delas.
b) De quantas maneiras diferentes podemos organizar 2 cubinhos na figura abaixo, um em
cada caixa, sabendo que não pode haver dois cubinhos na mesma caixa?
Esta atividade foi baseada em uma questão do texto de Imenes, Jakubovic e Lellis (1993).
Como no texto do livro estão desenhadas as figuras, construímos um material que os alunos
pudessem manipular com uma placa de papelão e bases de caixinhas de fósforo (Figuras 1 e
2).
No item (a) os alunos deveriam ter entendido bem as condições de distribuição dos
cubinhos em cada caixa. Poderiam utilizar todas as cinco pilhas ou, então, fixar o primeiro
cubinho na caixa de cima de uma das pilhas e ir alterando a posição do segundo. No item (b)
poderiam resolver utilizando o princípio aditivo (5+4+3+2+1) ou então o princípio
multiplicativo, não esquecendo de dividir por 2, para não computar as repetições ( ).
Na aplicação desta questão para as turmas de sexto e sétimo anos do IBC, foi possível
observar que os alunos nunca haviam lidado anteriormente com situações desta natureza.
Dessa forma, problemas que, à primeira vista, poderiam parecer triviais, apresentaram-se
complexos para uma parte destes alunos. Uma consideração a ser feita diz respeito ao uso do
material concreto, pois este se mostrou importante por permitir a visualização do problema aos
cegos, sendo utilizado por todos os alunos.
Após a distribuição do material e apresentação da questão, solicitamos aos alunos que
buscassem a solução, se possível, registrando-a. Tanto no item (a), quanto no item (b), foi
Figura 1: Material para o item (a) Figura 2: Material para o item (b)
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 7
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
notada a dificuldade de enumerarem as diferentes possibilidades. Pelo fato de realizarem a
contagem de maneira aleatória, isto é, sem seguir um padrão, eles incorriam na repetição dos
resultados. De modo a facilitar o registro e promover uma ordenação do raciocínio
combinatório, foi sugerido que as caixinhas fossem numeradas de 1 a 6, em que 1
representava a única caixinha da primeira fileira, 2 e 3 as da segunda fileira e 4, 5 e 6 as da
última fileira. Dessa forma, todos alunos encontraram as respostas (1,2), (1,3), (1,4), (1,5) e
(1,6) para o item (a).
O item (b) possuía um nível maior de dificuldade em relação ao item (a). Algumas
estratégias diferentes poderiam ser desenvolvidas para se alcançar a resposta final, mas os
alunos esbarraram mais uma vez na dificuldade de ordenar de maneira sistemática as
possibilidades. Na turma do sexto ano, apenas um aluno, com baixa visão, conseguiu resolver
esta tarefa utilizando os dedos da mão no lugar dos cubinhos, mostrando todas as 15
possibilidades dentro da caixinha. Na turma do sétimo ano, dois alunos acertaram o item
utilizando o material completo, isto é, a placa com as caixinhas e os cubinhos.
Foi possível observar a dificuldade para os alunos cegos de escreverem as respostas
das questões cuja resolução possuía um grande número de possibilidades. O material concreto
os ajudou na visualização da questão, mas a falta de organização foi um empecilho para
obterem o sucesso desejado.
No INES, no primeiro momento, quase todos os alunos exploraram o material sem
preocupação em entender o enunciado entregue. Fizeram diversas tentativas de organizar os
cubinhos: alguns colocaram todos os cubinhos na mesma figura, dividindo-os igualmente em
duas caixas; outros repetiram a mesma organização do exemplo em todas as 5 figuras e,
outros ainda, organizaram os dois cubinhos em cada figura de maneira aleatória. A partir
desse momento orientamos em LIBRAS que era necessário fixar um cubinho em uma das
caixas e variar a posição do segundo cubinho.
No item (b), tal como no IBC, também não realizaram a contagem das possibilidades de
forma sistemática. Em uma das turmas todos os alunos começaram a desenhar as
possibilidades. Já na outra turma, os alunos apenas contaram as possibilidades aleatoriamente,
e escreveram uma resposta final, não necessariamente correta. Uma aluna em especial
escreveu: 5 x 6. Quando perguntamos o porquê, ela disse: “Porque tem 6 caixas e 5”.
Questionamos então: “5 o que?”. Ela não soube responder, apenas usou os números que
estavam no enunciado.
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 8
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
MONTANDO SANDUÍCHES
Na cantina da escola há dois tipos de pães: pão francês e pão de forma. Dois tipos de
recheio: queijo e salame. Quantos tipos diferentes de sanduíches você pode escolher sabendo
que eles podem ser feitos com apenas queijo, apenas salame ou queijo com salame? Escreva
todas as possibilidades.
Este tipo de atividade é comum de constar nos primeiros problemas que são introduzidos
de análise combinatória. Escolhemos o contexto de cantinas escolares, por estas estarem
presentes nas instituições em que se deram a pesquisa, portanto fazia parte do cotidiano dos
alunos. Nossa experiência com alunos videntes revela que estes se valem de desenhos ou
objetos concretos para simbolizarem os pães e recheios. Construímos os sanduíches e
recheios utilizando EVA (para representar o salaminho e queijo), esponja para representar o
pão de forma e papel ondulado para representar o pão francês (Figuras 3 e 4). A princípio
pensamos em montar sanduíches de presunto e queijo, porém o formato do presunto é
retangular, tal qual o do queijo, o que nos fez optar pelo salaminho.
Mais uma vez, o material manipulável foi um auxílio indispensável para os alunos com
deficiência visual, pois lhes era permitido montar os sanduíches e assim visualizarem as
possíveis respostas. É interessante destacar que alguns alunos, ao montarem dois sanduíches,
esgotando assim o material entregue, afirmaram que não havia mais possibilidade de preparar
outro. Isto ocorreu porque, na concepção do aluno, uma vez feito o sanduíche, não seria
possível retirar o seu recheio para a montagem de mais alguns. Após a intervenção dos
professores que aplicaram a questão, orientando-os quanto a essa possibilidade, os alunos
deram continuidade à resolução, alcançando a resposta desejada, isto é, seis. Destacamos
novamente a dificuldade em registrar de maneira sistemática as respostas.
No INES, diferentemente do IBC, o enunciado da questão foi apresentado com imagens
indicativas da diferença entre pão francês e pão de forma. Na cantina da escola há dois tipos
de pães: pão francês ( ) e pão de fôrma ( ) . Dois tipos de recheio: queijo e salame.
Quantos tipos diferentes de sanduíches você pode escolher sabendo que eles podem ser feitos
com apenas queijo, apenas salame ou queijo com salame? Escreva todas as possibilidades.
Nesta segunda atividade, todos os alunos logo entenderam o que era para ser feito e
listaram as possibilidades. Entretanto, alguns alunos não diferenciaram o pão de fôrma do pão
francês, mesmo com os desenhos no enunciado, que foram feitos para facilitar a
compreensão. Tal como no IBC, a maioria não listou de forma sistemática as soluções,
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 9
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
contando-as de maneira aleatória. Aproveitamos esse momento para orientá-los a resolver a
atividade de forma organizada, para que não contassem uma possibilidade mais de uma vez
ou esquecessem alguma possibilidade.
Havíamos preparado material manipulável para ser utilizado, caso necessário, igual ao do
IBC. Em uma das turmas deixamos o material disponível em cima da mesa do professor, mas
não houve interesse pelo seu uso. Já na segunda turma, o material foi entregue junto com a
atividade. Todos os alunos utilizaram o material e, inspirados nele, fizeram desenhos dos
sanduíches, compreendendo melhor a diferença entre os pães.
CAMINHO PARA A ESCOLA
Um aluno para ir de casa à escola precisa chegar ao centro da cidade para então pegar
outra condução. Sabendo que de casa até o centro ele pode utilizar trem, ônibus ou van e do
centro até a escola, ônibus ou metrô, de quantas maneiras diferentes ele pode ir de casa à
escola passando pelo centro?
Assim como na anterior, a situação de ir à escola e escolher que condução irá tomar faz
parte do cotidiano desses alunos, que em geral necessitam de duas conduções para chegarem
à sala de aula.
Nesta atividade, os alunos do IBC, de um modo geral, entenderam o que era para ser
feito, apresentando oralmente algumas possibilidades. Na turma do sétimo ano, um aluno
cego cometeu o erro de somar o número de escolhas possíveis para ir de casa ao centro com o
número de escolhas para ir do centro à escola. Os demais alunos dessa turma listaram
corretamente as possibilidades.
No sexto ano, mais uma vez foi possível observar a ordenação de maneira não
sistemática, resultando na repetição das possibilidades. Como dois alunos apresentaram
dificuldades na compreensão da questão, e não haviam materiais manipuláveis preparados
para esta atividade, um dos professores procurou adaptar o material da escala cuisenaire para
representar o trem, o ônibus e a van (Figura 4). De igual modo, três placas retangulares foram
utilizadas para representar a casa, o centro e a escola. Ainda assim, estes alunos não
Figura 3: Material representando os elementos envolvidos na questão
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 10
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
conseguiram encontrar a solução. Os demais, após serem orientados, conseguiram ordenar de
forma sistemática e chegaram à resposta correta.
No INES, no início da atividade os alunos procuraram no enunciado palavras que
conheciam. Ao encontrar palavras desconhecidas, como condução, eles perguntaram e
esclarecemos por meio da LIBRAS seu significado, utilizando palavras conhecidas como
transporte.
Ao invés de responderem o enunciado da questão, relataram sua experiência pessoal
narrando como faziam para chegar à escola. Uma das alunas, por exemplo, sinalizou: “eu só
pego metrô”. Tiveram muita dificuldade de entender que se tratava de uma situação
hipotética em que só haveria as opções descritas no enunciado. Quase todos os alunos ficaram
muito preocupados em escrever um texto longo para a resposta. Diversas vezes afirmamos que
não se fazia necessário ficarem tão presos à correção da escrita em português. Apenas dois
alunos responderam corretamente e depois explicaram para os demais. Após esse primeiro
momento, foi apresentado no quadro duas maneiras de organizar o pensamento: listando as
opções ou fazendo a árvore de possibilidades, quanto ao pedido dos alunos.
Ensinar combinatória não é uma tarefa das mais fáceis. Esta afirmação é feita baseada
no contraste que há entre um ensino pautado no uso de algoritmos, no qual o professor
espera que seus alunos os reproduzam na resolução das questões, e um ensino baseado em
situações que requerem uma exploração, levando o aluno a conjecturar as variadas
possibilidades sem necessariamente se ater a uma fórmula. Neste caso, o ensino de
combinatória encaixa-se nesta última descrição. Embora muitos alunos queiram descobrir se
uma determinada questão envolve um arranjo, uma combinação ou uma permutação, para
então aplicar uma fórmula, reconhecidamente este não é o meio recomendado pela maior
parte dos educadores. Na verdade, levando o aluno a compreender o princípio multiplicativo,
o professor o prepara para resolver a maioria das questões de raciocínio combinatório. Dessa
forma, este assunto revela-se interessante e importante para ser trabalhado com nossos
Figura 4: Aluno manipulando a escala cuisinaire
Considerações Finais
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 11
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
estudantes, desde as séries iniciais.
A ausência de um pensamento sistemático foi um dos pontos observados nessa pesquisa.
Pensar como o deficiente visual ou surdo compreende as questões relacionadas ao raciocínio
combinatório nos motiva a pesquisar sobre a melhor maneira de conduzi-los a ter uma
organização que os auxilie no processo de contagem.
Os materiais adaptados, desenvolvidos pelo grupo, auxiliaram na criação de estratégias
de contagem e na compreensão das questões, sendo em alguns casos fundamentais. Embora
tenham sido criados para serem manipulados por deficientes visuais e surdos, podem ser
também utilizados por professores em classes regulares.
Foi possível notar ainda a importância de enunciados claros e objetivos. Após a leitura
dos mesmos, os alunos pediram explicações e fizeram conjecturas, tentando melhor entender
a situação descrita nos problemas. Cabe ressaltar que as atividades “caminho para escola” e
“montando sanduíches” são situações comuns no dia a dia dos alunos e foram trabalhadas
em cima de contextos reais e com bastante significado para eles, o que os motivou a buscarem
as soluções de forma criativa. As aulas ganharam outra conotação, se mostrando dinâmicas e
prazerosas. Notamos claramente que alguns alunos puderam perceber e concluir que o
princípio multiplicativo era um importante caminho para a solução.
Alguns aspectos observados neste trabalho vem nos estimulando a buscar pesquisas que
possam nos auxiliar a melhor entendê-los. Um destes é o número significativo de alunos
surdos que mudaram o contexto das questões para situações ligadas às experiências pessoais,
colocando-se no sujeito das situações. Este dado foi particularmente percebido na questão do
caminho da escola. Outro tema que tem captado nossa atenção são as situações de sala de
aula em que a manipulação do material se sobreponha ao seu fim. Na questão dos sanduíches,
por exemplo, o fato de alguns alunos terem montado aqueles que eram possíveis com o
material entregue e não perceberem que o enunciado solicitava o número de todas as
quantidades possíveis, sugere que, de alguma forma, estes alunos “abandonaram” a pergunta
proposta e se limitaram ao material disponível. Neste caso, vale a pena pensar no papel do
professor como mediador e a sua influência neste contexto, tendo sempre em mente que o
material deve ser um auxiliar na compreensão matemática. Estas e outras questões vêm
alimentando nosso trabalho e têm sido fontes de mais investigações.
VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 12
15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil
AGRA, K. L.O., A integração da língua e da cultura no processo de tradução. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, v. 01, p. 01-18, 2007. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/agra-klondy-integracao-da-lingua.pdf . Acesso:14 de junho de 2015.
BATANERO, C., NAVARRO-PELAYO, V. e GODINO, J. Effect of the implicit combinatorial model on combinatorial reasoning in secondary school pupils. Educational Studies in Mathematics 32, 181-199; 1997.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/matematica.pdf. Acesso: 12 de junho de 2015.
COUTINHO, M. D., A constituição de saberes num contexto de educação bilíngue para surdos em aulas de matemática numa perspectiva de letramento. (Tese de doutorado), Faculdade de Educação, UNICAMP, São Paulo. 2015.
FIORENTINI, D., LORENZATO, S. Investigação em Educação Matemática: Percursos Teóricos e Metodológicos. Coleção Formação de Professores. São Paulo: Editora Autores Associados, 2006.
IMENES, L., JAKUBOVIC, J. e LELLIS, M. Matemática ao vivo – 3a Série, 1o Grau. São Paulo: Scipione, p. 117-119, 1993.
KAPUR, J. N. Combinatorial Analysis and School Mathematics. Educational Studies in Mathematics 3, p. 111-127, 1970.
LOPES, M. L. Justificativa de um currículo de matemática para o ensino pré-escolar (4-7 anos). Boletim GEPEM, p. 21-33, ago. 1977.
PIAGET, J. e INHELDER, B. La genèse de l'idée de l'enfant hasard chez. Presses Universitaires de France, Paris, 1951 apud BATANERO, C., NAVARRO-PELAYO, V. e GODINO, J. Effect of the implicit combinatorial model on combinatorial reasoning in secondary school pupils. Educational Studies in Mathematics 32, 181-199; 1997.
SKLIAR, C. “Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade” In SKLIAR, C. (org.) A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.
Referências