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Gestao municipal. cidadania e participac;ao popularAdolfo Ignacio Calderon

Habitar no ABeD paulistaAntonio Carlos Kfouri

Saude do trabalhadorAmarita C. Valerio Lages e Marisa Alves de Oliveira Sena

Analise da politica previdenciaria brasileira na conjunturanacional - da Velha Republica ao Estado autoritarioAna Maria Baima Cartaxo

Dos intelectuais ao Estadolima Rezende Soares

ERVICO#

OCIAL&OCIEDADE

40 ANOXIII· DcZ.1992

ARTIGOS

A crise dos projetos de transformac;:ao social ea pratica profissional do Servic;o SocialMaria Ozanira da Silva e Silva

o papel da etica na construc;ao do projeto politico-profissionaldo assistente socialClaudia P.Diniz Correia

Democracia en America Latina: experiencias y reflexionesAlberto Adrianzen

Os sujeitos sociais em questaoLuiz Eduardo W. Wanderley

RESENHASDois novos peri6dicos portuguesesJose Paulo Netto

)140

SERVICO SOCIAL & SOCIEDADERevista Quadrimestral de Servi~o SocialAno XllI - n2 40 - dezembro 1992

Comite editorial: Maria Carmelita Yazbek, Mariangela Belfiori Wanderley, RaquelRaichelis.

Conselho editorial: Aldaiza de Oliveira Sposati, Jose Pinheiro Cortez, M~ian~e~aBelfiori W anderley, Maria Carmelita Yazbe~, ~ana ~uclaMartinelli, Myrian Veras Baptista, Raquel Ralchelis e SergIOFuhrmann.

Capa: Carlos Clemen .Revisiio: Ana Maria Barbosa, Maria de Lourdes de Almeida, Marise Leal, Rita

de Cassia M. Lopes.

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Edi~ao, publica~ao e assinaturasCORTEZ EDITOR A

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Impresso no BrasilDezembro 1992

ART/GOS

Gestao municipal,cidadaniae

participa~aopopular*Adolfo Ignacio Calder6n**

Caracterizar a questao da participacao popular - tanto noprocesso de democratizacao como no govemo e na administracao doaparelho estatal - como "participacao induzida"l, constitui-se numageneralizacao que, apesar das suas limitacoes, consegue refletir 0

direcionamento dos processos que se vem observando na vida polfticado pals como decorrencia desta questao.

Certamente, este carMer "induzido" advem da tendencia queexiste no cenario polftico, orientada pela criacao e institucionalizacaode mecanismos de participacao popular; mecanismos estes que, apesarde serem institucionalizados dentro de uma perspectiva vertical, naodeixam de se constituir em instancias necessarias e imprescindlveisdentro do processo de redemocratizacao do Estado.

* Texto apresentado no IX Congresso Nacional dos Soci610gos e SeminarioLatino-americano de Sociologia, Sao Paulo, ago. 1992.

** Soci6logo, p6s-graduando em Ciencia Sociais na Pontificia UniversidadeCat6lica de Sao Paulo.

1. Ver textos e1aborados por Edson Nunes, em "Municipio y Democracia.Gobiemos Locales en Ciudades Intermediarias de America Latina". Colecci6n EstudiosUrbanos, Ediciones SUR, Santiago do Chile, 1991.

Essa tendencia, que parece acentuar-se cada vez mais, tomouseu primeiro impulso com a promulgac;ao da Constituic;ao de 1988,que, a partir da combinac;ao da democracia direta e democraciarepresentativa, estabeleceu novos mecanismos para exercer a soberaniapopular, assim como 0 plebiscito, 0 referenda e a iniciativa popula?

A participac;ao popular, entendida pela Federac;ao, por meio daConstituic;ao, como urn "principio democratico"3, esUisendo incorporadapelo aparelho estatal, tanto no ambito estadual como municipal,estabelecendo-se, com isso, novos espac;os onde diversos setores dasociedade civil poderao participar, direta ou indiretamente, no governoe na administrac;ao publica.

Neste sentido, atraves do presente texto, tentaremos levantaralgumas reflexoes em relac;ao a complexidade da articulac;ao doprocesso de participac;ao popular, tomando como referencia as expe-riencias da administrac;ao de Luiza Erundina na Prefeitura Municipalde Sao Paulo.

A vit6ria de Luiza Erundina nas eleic;oes municipais de 1988foi urn fato politico surpreendente, na medida em que conseguiuultrapassar, nos ultimos dias antes da eleic;ao, Paulo Maluf, candidatoapontado pelos institutos de pesquisa de opiniao publica como vencedordo processo eleitoral. Segundo urn estudo feito por Judith Muszynski4,Erundina venceu por urn margem muito pequena, 5.39 pontos per-centuais em relac;ao ao seu opositor mais pr6ximo, tendo sido inumerosos fatores que influenciaram sua eleic;ao.

No mencionado trabalho, pode-se observar que, apesar do votoantigovemo, do voto anti-Maluf e de alguns acontecimentos como arepressao a passeata dos professores universWirios, a invasao dasiderurgica de Volta Redonda pelo exercito e 0 espancamento demanifestantes na inaugurac;ao de uma estac;ao do metro no bairro de

2. Maria Vitoria Benavides, "Participa~ao Popular na Nova Constitui~o: UrnCorretivo a Representa~o Polftica", em Perspectivas, jan./rnar. 1990.

3. Ibid. p. 21.4. Judith Muszynski, "As Raz6es de urn Resultado Surpreendente: A Vit6ria

de Luiza Erundina", Serie Textos IDESP n. 35, Sao Paulo, 1989.

It~quera ~ fatores estes que, sem duvida alguma, tiveram impactoe infl~enclaram. nos resultados desse processo eleitoral -, a eleir;aode LUlZa Erundma nao pode ser reduzida a uma simples atitude deprotesto do eleitorado.

Segundo a autora deste trabalho, esses fatores influenciaram epermitiram que 0 PT explorasse todo 0 seu potencial. Ela consideraque, para podermos compreender a eleic;ao de Erundina, devemoscomec;ar por considerar 0 "apoio com 0 qual 0 partido conta ap6sanos de rnilitancia", bem como 0 fato de Erundina "ter se tornadoa partir de urn certo momenta da campanha, uma candidata vi<ivel:em quem 0 eleitorado progressista poderia apostar"5.

Urn primeiro aspecto a ressaltar seria precisamente que 0 votono partido, ou levando em conta 0 partido, foi tambem urn fator degrande influencia na sua eleic;ao. A ideia sobre a importancia daestrutura partidaria e a relac;ao voto x partido, tambem compartilhadapor Francisco de Oliveira6

, se sustentaria - de acordo com os dadosapresentados por Muszynski - no fato de que dois terc;os do eleitoradode Erundina se identificaram com 0 PT, dos quais urn terr;o do totalestava votando no partido, e 0 outro terc;o valorizava a associar;aoentre partido e candidat07•

A eleic;ao de Luiza Erundina e a vit6ria do PT no processoeleitoral de 1988 podem ser considerados fatos muito significativose relevantes na vida politic a do pais. Isso, nao s6 por ser Sao Pauloa maior metr6pole do Brasil, com doze rnilhOes de habitantes, comotamhem pelo fato de ser 0 PT urn partido novo, identificado comode "esquerda" e que, depois de ter participado em tres processoseleitorais, somente em 1988 conseguiu vencer na capital paulista. Atudo isso podemos acrescentar ainda outros fatores significativos, comoa eleic;ao de uma mulher para a Prefeitura da cidade, bem como 0fato de ela ser nordestina.

Com 0 PT na adrninistrac;ao e a consequente direr;ao dos rumosda cidade, acreditamos que se instalou em alguns setores da sociedadecivil 0 que poderfamos denorniar de "expectativa", que se deu em

5. Ibid. p. 29.6. Franciso de Oliveira, "Elei~es, Mais que Sirnplesmente ...", Novas Estudos

CEBRAP n. 23, mar. 1989.7. Muszynski, op. cit. p. 8.

varios nfveis e que se fundamentava principal mente nas seguintesquestoes: 0 que esta gestao fara de diferente? 0 que urn partido deesquerda podera fazer na administra~ao da cidade de Sao Paulo?

Tais expectativas atingiram tambem as ciencias politicas, quepassararn a questionar-se sobre a forma como seria administrada acidade, as medidas a serem tomadas para alcan~ar seus objetivos, asexperiencias que se poderiam resgatar dessa gestao e a transcendenciaque pudesse ter a administra~ao petista no panorama polftico do pais.

A partir da analise de alguns documentos elaborados pela ad-ministra~ao do PT, percebemos que esta reconheceu que 0 fato deestar dirigindo os rumos da cidade nao implicava, de forma alguma,a instaura~ao de urn govemo socialista ou algo semelhante. Forarncientes das lirnita~oes de poder que possuiam, tanto em rela~ao aogovemo estadual como federal; mesmo assim, propuseram-se a ad-ministrar a cidade dentro de uma nova perspectiva, pretendendo fazerpolftica de urn modo diferente. Ate que ponto foi diferente? Essaavalia~ao nao pretendemos fazer neste texto, mas, sim, acreditamosser import ante mencionar quais principios programMicos moveramessa administra~ao.

A gestao Erundina partiu do principio de que "Sao Paulo e umacidade de todos", sendo 0 seu objetivo "demonstrar que e possivelgovemar para todos"S, ou seja, e possivel govemar para a maioriada popula~ao da cidade. A marca distintiva dessa gestao foi - pelomenos teoricarnente - a vontade de atingir esse objetivo a partir deurna inversao das prioridades govemamentais, assim como da aplicagaodos recursos public os em beneficio dos setores sociais e dos bairros"historicamente marginalizados". Tudo isso se complementa com al-gumas ideias que fazem parte da ret6rica partidaria, que diz respeitoa moraliza~ao das a~oes do govemo, a realiza~ao de urn govemotransparente, democratico e com arnpla participa~ao popular.

No Jamal das Plenarias, informativo que a Prefeitura Municipalde Sao Paulo distribuia nas reuniaes entre a popular;:aoe os representantes

do govemo numa linguagem simples e bastante didMica, considerava-seque os objetivos acima mencionados contrariavam violentamente osinteresses das chamadas "classes dominantes", pelo fato de que estas"Nao conseguem mais apropriar-se e beneficiar-se das ar;:oesda prefeitura.Sao obrigados a aceitar que os recursos publicos sejam aplicados nasregioes mais carentes e nao somente no Morumbi e Jardins da Vida.(...)As classes ricas estavam acostumadas, alias, mal acostumadas, a decidiro que era born para a cidade 'deles'. Jamais quiseram permitir que 0

povo inteiro participasse das ar;:oesdo Governo, (...) A cidade funcionavas6 para eles. Agora esta funcionando para todos - e nao estao gostandonem urn pouCO,,9.Como pode-se perceber, dentro do discurso petista seincide muito na polariza~ao social, na divisao ricos/pobres e domina-dos/dominadores, atribuindo-se a essa administra~ao 0 papel de defensorados interesses dos pobres e da classe trabalhadora.

Os objetivos desse govemo, assim como os seus principiosnorteadores, encontram-se melhor explicitados nas diretrizes geraisque orientararn essa gestao:

"2.1. A recupera~ao da cidadania. Isto implica colocar 0 govemoa servi~o da coletividade e nao de interesses economicos minoritarios.Promover os direitos sociais, rompendo com as prMicas assistencialistasde submissao e de discrirnina~ao dos individuos.

2.2. Desenvolver a~oes polfticas mais amplas em defesa do nossomunicipio e dos demais, que vivem uma situa~ao de penUria financeira.Neste sentido se propoe a articula~ao de uma frente de prefeitos.

2.3. Buscar novas fontes de financiamento junto ao govemofederal e govemar com austeridade. Reorientar a aplica~ao dos recursospublicos municipais com vistas a solucionar os graves problemassociais. Reorientar a polftica tributaria municipal, fazendo recair maiorpeso sobre as classes de renda mais alta. Combater a corrup~ao comvigor.

2.4. Reestruturar a administra~ao municipal visando a raciona-liza~ao e moraliza~ao administrativas. Fazer 0 gerenciamento diretodos recursos, servi~os e obras, acabando com a privatiza~ao injustificadade servi~os.

2.5. Govemar com transparencia e participa~ao popular. Colocaro govemo municipal a servi~o das lutas por liberdade e democracia.

2.6. Democratizar 0 aparelho administrativo do Municfpio atravesda' cria~ao de mecanismos de participa~ao e controle popular e da'descentr.aliza~ao administrativa.

2.7. Estimular e fortalecer a organiza~ao da popula~ao emmovimentos sociais e conseIhos populares, respeitando sua autonomia.

2.8. Contribuir para que 0 servi~o publico se conscientize dasua condi~ao de servidor do povo e reconhecer seu direito a sindi-caliza~ao.

2.9. Contribuir para fortalecimento da autonomia e das prerro-gativas do Poder Lcgislativo municipal.

2.10. Colocar Sao Paulo no cenario intemacional das grandesmetr6poles, intensificando 0 estabelecimento de convenios intemacio-nais de coopera~ao tecnica e cultural"lO.

A participa~ao popular tern se constitufdo em bandeira reivin-dicativa, assim como em urn ideal comurn, entre as diversas tendenciasno interior do PT, apesar das divergencias existentes na forma comodeve ser articulada, inclusive na sua pr6pria concep~ao e conceitua-liza~ao.

Por meio da leitura de diversos documentos da PMSP, pressu-poe-se, em rela~ao a esta questao, a existencia de uma idealiza~ao aser atingida. No plano de govemo de 1989, estabeleceu-se como metaa ser alcan~ada a realiza~ao de urn govemo democrMico com "efetivaparticipa~ao popular". Nas diretrizes que orientaram essa gestao,propoe-se "govemar com transparencia e participa~ao popular", bemcomo "democratizar 0 apareIho administrativo" atraves da cria~ao de"mecanismos de participa~ao e controle popular". Em outros docu-mentos, fala-se de "consolidar os mecanismos de participa~ao nogovemo de cada regiao da cidade".

Meses depois de ter assumido a administra~ao da cidade, agestao petista passou a se autodenominar "Governo DemocrMicoPopular da Cidade de Sao Paulo", denomina~ao que oficialmente diz

respeito ao carMer democrMico do apareIho administrativo, na medidaem que abriu espa~o para a participa~ao dos setores populares, bemcomo dos interesses que· diz defender.

Ao myel dos documentos elaborados pela gestao do PT, obser-vamos que existiu uma preocupa~ao pela implementa~ao de mecanismosque articulem 0 processo de participa~ao popular na tomada dedecisoes, bem como na fiscaliza~ao e controle das obras da Prefeiturae dos bens e servi~os que esta oferece. Essa preocupa~ao tambem aobservamos na tentativa de implementar mecanismos que captem eincorporem as demandas e reivindica~oes coletivas.

A gestao estudada, ao asswnir a administra~ao em 1988, traziajunto ao seu discurso a inten~ao de "realizar urn govemo com amplaparticipa~ao popular". Partindo dessa inten~ao, inicialmente a gestaoErundina tentou articular, a partir de urn impulso voluntarista eespontanefsta, mecanismos que Ihe permitissem atingir os objetivostra~ados, mecanismos estes que num primeiro momenta nao tinhamnenhurn respaldo jurfdico-constitucional, podendo desaparecer ap6s 0

termino do seu mandato.Nesse sentido, na tentativa de incorporar e articular a participa~ao

popular na gestao municipal, a administra~ao do PT inicialmenteimpulsionou a cria~ao de uma serie de mecanismosll. Criaram-sealgumas instancias que tentaram estabelecer uma comunica~ao entreo govemo e a popula~ao, como os "nucleos de atendimento apopula~ao" (NAP), as Camaras de negocia~ao, os ConseIhos comentidades representativas da sociedade civil e movimentos sociaisorganizados, alem dos mutiroes, como forma de mobiliza~ao e en-volvimento da sociedade civil em a~oes conjuntas para resolverproblemas das necessidades coletivas. Assim mesmo criaram-se algumasinstancias que tentaram se constituir em canais de decisao no govemo,como foram as comissoes de macrorregiao, as Audiencias PUblicas,as Plenarias Populares Regionais etc. No documento "Participa~aoPopular na Administra~ao: Balan~o e Perspectivas 1989/1990", con-sidera-se que a a~ao tanto das Administra~oes Regionais (Ars) quantodas diferentes secretarias, em rela~ao a esta questao, passou pela"incorpora~ao de demandas e reivindica~oes da popula~ao, pela inser~aoda mesma em instancias de controle e fiscaliza~ao de servi~os espe-

11. Documento "Participa~o Popular na Administra~o: Balanyos e Perspectivas1989/1990".

cfficos e pelo acompanhamento na aplica~ao de recursos public os emareas especiIicas"12. Por outro lado, considera-se que estes processosdeterminam que esta forma de administrar a cidade seja consideradacomo "uma gestao participativa dos servi~os e 6rgaos municipais",representando "uma experiencia nova e arrojada, de administra~aoparticipativa"13.

Foi posteriormente, atraves da aprova~ao da lei orgarnca municipalpela Assembleia Municipal Constituinte, a 4 de abril de 1990, quea gestao da prefeita Luiza Erundina fez grandes avan~os em rela~aoa descentraliza~ao polftica e administrativa da Prefeitura Municipalde Sao Pualo. Esses avan~os tem-se dado tamMm em rela~ao aincorpora~ao da participa~ao popular na administra~ao municipal, namedida em que, atraves dessa lei, ela foi institucionalizada. Medianteessa lei criaram-se as Subprefeituras, os Conselhos de Representantes,as Audiencias PUblicas, 0 Plebiscito e 0 Referendum, estabelecendo-sedessa forma as bases jurfdicas para a realiza~ao de uma reform a noaparelho estatal. Tudo isso tendo como base a participa~ao direta docidadao, bem como a democracia representativa.

Atualrnente - na tentativa de complementar 0 especificado pelalei orgarnca municipal em rela~ao a questao da participa~ao popular- vem ocorrendo urna discussao em tomo do anteprojeto de lei doPrograma Integrado de Participa~ao Popular (PIEP). Nesse anteprojeto,pretende-se regulamentar as instancias deterrninadas pela lei orgarncamunicipal: audiencias publicas, plebiscito e referendum. Alem disso,propoe-se a cria~ao de comiss5es de gestao de equipamentos sociais,de conselhos regionais de cidadaos e de unidades de atendirnento einforma~ao. Esse projeto de lei foi elaborado, segundo esta gestao,visando "garantir a fiscalizayao e participayao do cidadao, na gestaodos serviyos e obras publicas municipais, e no aprirnoramento dademocracia local"14.

No documento anteriormente mencionado, considera-se que atra-yes da irnplementayao da lei orgarnca municipal pretende-se "Consagrarde forma definitiva e incontestavel a interferencia do povo nas decisoesdo govemo"15. E conveniente lembrar que a palavra povo, deixando

12. Ibid.13. Ibid.14. Documento do Programa Integrado do PIEP; "Participa~ao Popular/1991".15. Documento "Participa~o Popular na Administra~o: Balan~os e Perspectivas

1989/1990".

de lado 0 seu carater demag6gico, traz irnplfcita a ideia de participa~aoda sociedade civil. Falar em democratizar os mecanismos da gestaomunicipal irnplica falar - alem da descentralizayao administrativa -da abertura de canais de participayao para a sociedade civil em gerale nao somente para os setores populares. Com isso queremos dizerque a abertura desses canais servira como cenario para 0 estabelecimentodo jogo democratico, a mesma que traz no seu bojo a luta polfticademocratica, podendo participar livremente dela os representantes ouos cidadaos pertencentes aos diversos setores sociais. Assirn mesmo,falar em consagrar a participayao do "povo" nas decisoes do govemo,irnplica falar tamMm - alem da institucionalizayao da participayaodos "cidadaos" na administrayao da cidade - da abertura e institu-cionalizayao de novos canais de participayao polftica.

A irnplementayao de urn gestao participativa, considerando-se ainstitucionalizayao da participayao da sociedade civil, constitui-se emurn novo modelo de como administrar a cidade. Uma experienciamodema, pretensiosa, e que no atual contexto s6cio-polftico certamenteencontrara uma serie de obstaculos e dificuldades na sua irnplementayao.

Esse modelo de administrayao participativa sem duvida algumase constitui num dos mais avanyados e democratic os da sociedadecapitalista contemporanea, modelo esse que nos paises do TerceiroMundo, como 0 Brasil - independentemente do carMer popular ounao do grupo polftico que esteja na administrayao municipal -, abreurn novo espayo para que, atraves da luta polftica democratica, oscidadaos participem da gestao da cidade, incluindo nestes os chamadossetores populares. Tal modelo, que vem sendo irnplantando parado-xalrnente pela iniciativa da gestao petista, e urna medida que poderfamoschamar de revolucionaria, mas nao dentro dos padroes e da perspectivasocialista tradicional. Contrariamente, seria revolucionaria pelo fato demodernizar 0 aparelho administrativo de acordo com os modelos maisavanyados e democrMicos existentes no mundo capitalista e naosocialista.

Depois de tres anos e meio de govemo local, seria interessantelevantar algumas interrogayoes. Ate que ponto a questao da participa~aopopular se constituiu numa marca distintiva entre a gestao do PT eas outras gestoes? Ate que ponto e possivel falar que existiu urnaampla e efetiva participayao popular? A participayao popular foi urnfato ou simplesmente fez parte do discurso?

Participa~ao na cidade de Sao PauloEntraves e perspectivas

Se por urn lade a gestao Erundina fez grandes avanl):os natentativa de democratizar 0 aparelho municipal, por outro nao conseguiufugir da chamada "participal):ao induziada". Com isso queremos dizerque as polfticas elaboradas pela atual gestao em relal):ao a questaoda participal):aopopular nao fogem a tendencia de articular e impulsionaro processo participativo de forma vertical, partindo do aparelho estatal.

o fate de as al):oesda gestao petista se enquadrarem dentro dachamada participal):ao induzida, no atual contexto nao possui caraterpejorativo nem reduz 0 valor e a importancia do trabalho desenvolvidopor ela. Certamente, falar de participal):ao induzida nao implica ne-cessariamente a institucionalizal):ao de canais de participal):aode maneiraarbitraria e autoritaria, urna vez que estas podem ser institucionalizadasa partir de urn amplo processo de discussao com movimentos, orga-nizal):oes e instituil):oes democniticas da sociedade civil.

Ora, se a administral):ao do PT, apesar dos posicionamentosdivergentes existentes no seu interior, terminou por aderir a chamada"participal):ao induzida", nao podemos deixar de mencionar que estafoi muito mais ah~m, na medida em que demonstrou vontade polfticanao somente para a institucionalizal):ao de novos canais de participal):ao,mas, tambem, para a implemental):ao e concretizal):ao do processoparticipativo.

Urn fate marc ante durante a gestao Erundina foi precisamenteque, apesar dos incentivos a participal):ao, ela s6 tern conseguido uma"lirnitada repercussao das al):oesgovernamentais,,16. Por que esta limitadarepercussao? Sera que a responsabilidade foi somente da administral):aopetista? Quais foram os motivos?

Sem duvida, sac muitos os motivos que tern influfdo para quenao se tenha atingido urna ampla e efetiva participal):ao popular. Mas,para podermos compreender 0 porque, temos de perceber que aarticulal):ao de urn processo de ampla participal):ao, alem de ser urndos requisitos basicos para se poder falar de democracia como valor

16. Pedro Jacobi, "Politicas P6blicas e Alternativas de Inova~o da GestaoMUnicipal:0 Complexo Caso da Cidade de Sao Paulo", Caderno CEDEC n. 18, SaoPaulo, 1991.

em si17, constitui-se nurn processo muito complexo que foge da vontadeda "classe polftica", dos "intelectuais" e do pr6prio aparelho estatal.

Orientados a partir 'da importancia que possui a participa~aopopular dentro do processo de democratizal):ao, a classe polftica podeinduzir, a partir da estrutura do Estado, a participal):ao da populal):ao,pode criar e estabelecer mecanismos e canais de participal):ao, masde forma alguma essa vontade polftica implicara a existencia de umaampla participal):ao da sociedade civil, urna vez que, para a construl):aode urn processo participativo, necessita-se de agentes e elementosexternos, alheios a vontade polftica do Estado.

No plano te6rico, a articulal):aode urna ampla e efetiva participal):aopopular pode ser considerada como uma necessidade hist6rica, poremesta s6 podera se concretizar atraves da "luta de vontades polfticasconscientes e responsaveis,,18. Logo, nao se pode negar que a existenciade urna estrutura organizacional, que possibilite a participal):ao dasociedade civil, constitui-se num grande avanl):o na perspectiva dearticular urna ampla e efetiva participal):ao,mas, para sua concretizal):ao,e fundamental a existencia de "cidadaos que participem". Cidadaosresponsaveis e conscientes, farniliarizados com a luta polftica demo-cratica e capacitados para "participar da vida da cidade literalmentee, extensivamente, da vida da sociedade"19.

Urn obstaculo diffcil de ser superado por essa adrninistral):ao dizrespeito a faHa de amadurecirnento da consciencia de cidadania napopulal):ao,assirn como a ausencia de uma cultura polftica democratica20.

17. Francisco C. Weffort, Por que Dernocracia? Sao Paulo, Brasiliense, 1984.18. Ibid. p. 31.19. Dermeval Saviani, "Educa~o, Cidadania e Transi~ao Democratica", in Maria

de Lourdes M. Covre. (Org.), A Cidadania que niio Temos, Sao Paulo, Brasiliense,1986.

20. A cultura politica democratica e entendida como urn processo de forma~aode urn conjunto de valores e conhecirnentos, atraves dos quais a coletividade dariarespostas em rela~ao a politica. Politica que nao se restringe ao sufnigio universal,ao sistema partidano ou ao aparelho estatal, senao, vai muito mais alem, na rnedidaern que abrange diversas estruturas da vida em sociedade, envolvendo a questao daParticipa~ao e a tornada de decis5es nas diversas organiza~5es politicas e sociais e aforma como estas se vinculam as institui~5es que representam 0 aparelho estatal e 0

poder politico em geral. Ver JUlioCotler (Org.) Para afirmar La democracia, Institutode Estudios Peruanos, Lima, 1987.

Tentar implementar e concretizar esse projeto de participa~ao na gestaoda cidade perpassa pela necessidade do reconhecimento da popula~aoda sua condi~ao de cidadaos; isto significa que 0 processo participativos6 sera desencadeado na medida em que haja indivfduos que sepercebam nao apenas como moradores da cidade, mas, tambem, comocidadaos21.

Geralmente, quando se trata da constru~ao da cidadania, muitosautores e profissionais da area abordam essa questao partindo de urntipo-referencial teoricamente ideal de cidadao, aquele que, ciente deseus deveres e direitos, esta prestes a reivindica-Ios e lutar pelatransforma~ao da realidade. Mas a constru~ao da cidadania, no cotidianoda cidade, vem se mostrando uma questao muito complexa, que sedistancia desse tipo-ideal, tomando dire~oes pr6prias que nos levama questionar a configura~ao de urn novo perfil de cidadao a partirda pr6pria realidade brasileira.

Diante do atual contexto, acreditamos que possuir conscienciada condi~ao de cidadao nao implica, necessariamente, a existencia deuma compreensao que leve a a~ao e transfdrma~ao da realidade social.Pressupoe-se que, pelo pr6prio contexto s6cio-polftico-economico epela estrutura da nossa sociedade, torna-se cada vez mais diffcilexercer -se plenamente, e nao s6 nominalmente, a cidadania. Isso seconstitui em urn profundo problema; por tras das generaliza~oes quecostumam se realizar muito comodamente, encontram-se milhares dehomens, mulheres e crian~as que trabalham e lutam para conseguiros elementos basicos de subsistencia. Sao moradores da cidade que,alem de possufrem uma escassa cultura polftico-democratica - devidoa pr6pria trajet6ria polftica da sociedade brasileira -, encontram noseu cotidiano situa~oes adversas que lirnitam e absorvem 0 tempo ea capacidade necessarios para exercerem a sua cidadania. De certaforma, contribui tambem para isso 0 fato de que, na atual conjuntura,estamos assistindo a um recuo ao myel do movimento popular e umcerto ceticismo em rela~ao as propostas de transforma~ao social. Aslutas populares passaram a caracterizar-se por possuir objetivos rei-vindicat6rio-imediatistas, nao conseguindo articular-se com um projetopolftico de maiorabrangenci<t, que se torna cada vez mais diffcil deconcretizar devido a existencia de uma crise no panorama das solu~oespara os problemas estruturais do pafs. Ressaltamos ainda que, ao myel

dos partidos chamados de "esquerda", das organiza~oes polftico-sin-dicais e do movimento popular em geral, a transforma~ao da sociedadevia revolu~ao para a constru~ao de uma sociedade socialista vemsendo substitufda gradativamente pela ideia de transforma~ao da so-ciedade via democratiza~ao do Estado, uma vez que 0 socialismoreal, como sociedade ideal, esta deixando de ser um referencial desociedade, pois revelou-se inviavel.

Contudo, acreditamos que seria um erro considerar que 0 fatode ser cidadao "consciente" implique que 0 morador da cidade,mecanicamente, torne-se um lutador social, um revolucionario, ousimplesmente um cidadao que aja na reivindica~ao dos seus direitos.Supoe-se ser possfvel a existencia de uma consciencia de cidadaniaem deterrninados indivfduos, mas sao os problemas estruturais que seenfrentam na vida cotidiana que, entre outros fatores, podem impedirque ela se evidencie, pois reduzem a possibilidade do exercfcio dacidadania. Sendo a pr6pria sociedade, atraves das suas contradi~oessociais e seus problemas estruturais, quem exclui amplos setores sociaisda possibilidade de exercer a cidadania. Tudo 0 que ora foi explicitadofaz pressupor que no plano te6rico deve-se procurar compreender ecentrar a reflexao sobre a questao da cidadania e a participa~aopopular, a partir do cotidiano do morador da cidade, assim comotentar captar a realidade dos indivfduos dos chamados "setores popu-lares", no atual contexto de d.pidas transforma~oes.

Como mencionamos anteriormente, a ausencia de uma culturapolftico-democratica e em decorrencia a faHa de amadurecimento daconsciencia de cidadania, sao elementos que dificultam a constru~aoda democracia como valor em si, na medida em que lirnitam aspraticas participativas de amplos setores sociais.

A administra~ao estudada encontra grandes obstaculos em taiselementos, pois, para articular 0 processo de participa~ao popular naose precisa somente de cidadaos conscientes e responsaveis, mas tambemde cidadaos que estejam farniliarizados com as praticas democratic as.Este Ultimo elemento e diffcil de ser pensado num pafs como 0 Brasil,que nao possui tradi~ao democratica e cuja tradi~ao polftica se vemarcada "pel a ambigiiidade entre a democracia e 0 autoritarismo",onde a polftica do "golpe" tem-se tornado uma pratica comum ehabituat22.

Sem duvida alguma, a avalia~ao da participa~ao popular naopodera ser realizada a partir da perspectiva do fracasso da propostade urn partido, na medida em que as a~oes realizadas por esta gestaotern contribuldo para 0 fortalecimento do pr6prio "processo democra-tico".

Nao podemos continuar falando da ausencia da cultura democratic acomo algo eterno; e precise que se fale tambem da sua forma~ao apartir do pr6prio processo de produ~ao hist6rica. A forma~ao de umacultura democratic a da-se atraves de urn processo de acurnula~ao deexperiencias democraticas, na medida em que se aprende a viver emdemocracia, concebendo e identificando a sociedade e sua esferapolftica como democratic as, nas quais cada cidadao possua urn espa~opr6prio e urna responsabilidade ..

Neste sentido, as tentativas de articular urn processo com amplaparticipa~ao popular por parte da gestao petista - embora os resultadosnao possam ser observados de forma imediata - constituem-se emexperiencias que de alguma forma estao contribuindo para a forma~aode urna cultura democratica. Certamente, a sociedade brasileira estatendo as suas prirneiras experiencias na constru~ao da sua democracia.Portanto, acreditamos que as a~oes da atual gestao fazem parte dosprimeiros Passos rumo a democratiza~ao do Estado e da sociedade,e a forma~ao de urna cultura democratica.

Outro fate importante a ser mencionado e precisamente que, nodecorrer de quase tres anos de gestao municipal, a cria~ao e institu-cionaliza~ao de canais e mecanismos de participa~ao popular naoforam fruto de grandes processos de mobiliza~ao e pressao por parteda sociedade civil, tendo esse perfodo se caracterizado por urn baixonfvel de mobiliza~ao da popula~ao em geral e urna lirnitada participa~aopor parte dos diferentes setores sociais, inclusive dos chamados "setorespopulares" .

Nas avalia~6es realizadas pelas secretarias municipais que com-poem 0 Foro Intersecretarial de Participa~ao (PIS), tanto 0 baixo nfvelde mobiliza~ao da sociedade civil quanta a reduzida participa~ao nasinstancias e canais de participa~ao popular apresentam-se como duas

constantes. Isso tambem se evidencia ao fazermos uma rapida revisaodas consultas populares e audiencias public as realizadas no ano de1990.

A Secretaria do Bem-Estar Social (SEBES), no encontro realizadoem Cajamar, apontou como dificuldade para a articula~ao do processoparticipativo, nos diversos equipamen~o~ s~iais, ~ resistencia dapopula~ao a participar e a faHa de moblhza~~o; COnSl?erou-s~~ue ~sdemandas sociais, urna vez atendidas, nao motlvam mats a particlpa~aodas mesmas. Na avalia~ao feita pela Secretaria Municipal de Educa~ao,considerou-se que urna das dificuldades para articula~ao das praticasparticipativas nos Conselhos Municipais de Educa~ao, nos Conselhosde Representantes de Conselhos de Escola e nos pr6prios C~nselhosde Escola, foi precisamente a pouca participa~ao dos mOVlmentossociais, devido a desconfian~a sobre 0 poder real de decisao dasdiversas instancias. A Secretaria de Abastecimento, atraves do programa"Sacolao do Trabalhador", que pretendia organizar a popula~ao parao futuro gerenciamento desse programa, apontou como urn entrave areduzida participa~ao e a falta de compreensao da popula~ao sobrea necessidade de uma comissao de trabalho para os fins mencionados.Na Secretaria da Habita~ao, a resistencia dos setores mais organizadose considerada como urna dificuldade para poder dirlamizar a participa~aonos F6runs Regionais de Habita~ao. Diferentemente acontece nosprogramas de urbaniza~ao de favelas e nos program as de c?~i~os,onde existe a participa~ao somente das pessoas diretamente oeneflcl~das,nao sendo possivel articular a a~ao de movimentos de outros bam:ose setores. Nas experiencias de outras secretarias, como nas Plenanasde Transito e Transporte e os mutiroes educativos promovidos pelaCompanhia de Engenharia e Trafego (CET), nas quais t.amM~ ~ar-ticipam a Secretaria Municipal de Transporte e a Companhia Muruclpalde Transportes Coletivos (CMTC), apontam-se como obstaculos aresistencia da popula~ao a tomar parte e a faHa de mobiliza~ao dosmovimentos sociais. Considera-se que as a~6es que nao tragam re-sultados imediatos nao despertam 0 interesse da popula~ao. Os fatosanteriormente mencionados tambem sao apontados como dificuldadespela Secretaria da Saude em rela~ao aos Conselhos Municipais deSaude e as comissoes de gestao local. As campanhas do Or~amentoe Programa (OP) de 1991, da Reforma Tributaria e da Tarifa Zeroforam as prirneiras atividades realizadas de forma articulada entre as

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Secretarias e as Administra~oes Regionais. Essas campanhas se rea-lizaram atraves das consultas populares23. No OP-91 foram realizadas19 audiencias publicas em todo 0 municfpio, com urna participa~aode 6.529 pessoas, existindo urna maior participa~ao nas regioes pe-rifericas da cidade, como e 0 caso da Freguesia do 6, com 399participantes, Campo Limpo com 612 e Sao Mateus com 762. Nasregioes centrais e de classe media, 0 nu.mero de participantes tendea se reduzir, como na Lapa, com 123, e Pinheiros com 93 participantes.Como podemos observar, apesar da propaganda de divulga~ao viaradio, TV, cartazes, folhetos e faixas, 0 numero de participantes ternsido muito reduzido em compara~ao a popula~ao total do municipio,com quase 12 rnilhoes de habitantes. Na campanha a favor da "famosa"Tarifa Zero e do projeto de Reforma Tributaria, a participa~ao ternsido menor do que na campanha OP-91; foram realizadas 19 audienciaspublic as em toda a cidade, tendo somente urn total de 1.563 p~ti-cipantes. Tudo isso nos leva a constatar que, tanto a redUZldamobiliza~ao da popula~ao em torno das propostas da atual gestao,como a pequena atua~ao dos diversos setores sociais nos diversoscanais de participa~ao, foram fatos que tamMm obstaculizaram avontade polftica da adrninistra~ao Erundina em rela~ao a participa~aopopular. Muitos sao os fatores que contribuem para se encontrarrespostas ao porque dessas duas realidades; acredita-se que, alem dafalta de amadurecimento de urna consciencia de cidadania, esses fatosestao intimamente ligados ao pr6prio contexto s6cio-polftico-economicoque a sociedade brasileira atravessa, ao qual ja fizemos referenciasno item anterior. Nao ha duvida de que a adrninistra~ao petistaencontrou no atual contexto urn obstaculo diffcil de ser superado, 0mesmo que, direta ou indiretamente, veio contribuindo para umareduzida participa~ao da popula~ao.

23. Os Dlimeros que utilizaremos em rela,.ao a essas Ires campanhas foramobtidos do documento "Participa,.ao Popular. Avalia,.ao-1990", PIEP-~S, Sao Paulo,1990.

Apesar dos fatores ja mencionados, que obstaculizaram a vontadepolftica desta gestao com rela~ao.: ~articipa.~ao p~pular ~ a. faltade amadurecimento de uma conSClenClade cldadarua, a ausenCla deuma cultura polftico-democratica, a reduzida mobiliza~ao da sociedadecivil e 0 pr6prio contexto s6cio-polftico-econornico -, nao se podenegar que houve tamMm alguns outros obstaculos no ambito daestrutura partidaria, do aparelho estatal e do funcionalismo publico,que contribufram para que a maquina adrninistrativa nao desenvolvessetodo seu potencial.

As divergencias existentes no interior do PT em rela~ao aconcep~ao, conceitualiza~ao e as formas de articular a participa~aopopular foram problemas-chaves na atual administra~a024, que desen-cadearam uma faHa de propostas concretas de como viabilizar, a partirdo cotidiano da adrninistra~ao, as diretrizes tra~adas em rela~ao aparticipa~ao. Isto contribuiu para que, inicialmente, 0 espontanefsmoe 0 voluntarismo tenham marcado a rela~ao da adrninistra~ao com apopula~ao. Por outro lado, a faHa de propostas mais esclarecidasdeterrninaram a ausencia de uma equipe tecnica preparada para irn-plementar as polfticas e diretrizes desta gestao, trazendo como resultadoa realiza~ao de urn trabalho, inicialmente, desarticulado.

Certamente, tamMm influfram as divergencias polftico-ideol6gicasexistentes no seio do funcionalismo publico, neste caso referindo-seaos funcionarios public os rnilitantes ou simpatizantes de outras for~aspolfticas, os quais muitas vezes, por nao compartilharem das propostasda gestao, obtaculizaram os trabalhos por esta desenvolvidos. Urnoutro fato a mencionar e, precisamente, a resistencia do funcionalismopublico para romper com 0 adrninistrativismo e as rotinas tradicionaisde trabalho. Esta ultima questao, sem duvida, tera de levar a repensaras fun~oes e 0 papel que desempenha 0 funcionario publico dentrodo aparelho municipal, principalmente neste momenta em que se tentaimplementar a reforma adrninistrativa.

Estamos inseridos num mundo de rapidas transforma~oes, ondeas mudan~as dos contextos s6cio-polfticos e economicos tern sidomarcantes. Na atual conjuntura, como nos fala Antonio Flavio Pier-rucci25, a sociedade brasileira, apesar das suas contradi~oes, estavivenciando urn processo de democratiza~ao no qual estao se incor-porando amplos setores da sociedade e atingindo urna parcela maiorda popula~ao. 0 sufragio universal foi estendido tamMm para osjovens a partir de 16 anos; os analfabetos podem votar; 0 conhecidohorario eleitoral permite que diversos candidatos, inclusive os "des-conhecidos", tenham urn espa~o para manifestar-se etc.

Para conseguir articular 0 processo de participa~ao na gestao dacidade, faz-se necessaria, entre outras coisas, a vincula~ao de urnprocesso educativo-informativo paralelo orienta do a forma~ao de urnaconsciencia de cidadania. No caso da administra~ao estudada, nao ediffcil constatar sua vontade polftica. A mesma que, apesar de suaslirnita~oes, reconhece essas necessidades e desde 0 infcio de seumandato investiu nesse setor. Mas, apesar disso, pode-se verificar quesomente 0 seu trabalho nao e 0 suficiente.

Acredita-se que, tanto a participa~ao dos cidadaos na gestao dacidade, como a atividade educativa para a forma~ao de urna conscienciade cidadania, sao duas questoes que deixaram de ser M muito tempourna necessidade dos partidos chamados de "esquerda", com 0 intuitode fazer a revolu~ao. Contrariamente ao que muitos pens am, a forma~aode urna consciencia de cidadania e a abertura de novos canais departicipa~ao polItic a, constituem-se em uma necessidade basic a parao enriquecimento, reafirma~ao e sustenta~ao do sistema democratico.

Neste sentido, a implementa~ao da participa~ao na gestao dacidade, bem como a atividade educativa que esta implica, deveriamconstituir-se nao s6 nurna tarefa da Prefeitura, como tamMm de todasas institui~oes, organiza~oes e movimentos da sociedade civil que dealguma forma contribuem para a forma~ao de urna cultura polftica.Esta atividade educativa, se articulada ao myel da sociedade civil em

25. Palestra proferida na mesa-redonda: "Partidos Politicos, Representa~ao' eParticipa~ac", coordenada por Miguel Chaia, no VI Congresso dos Soci6logos, SacPaulo, out. 1991.

geral, sera uma via que poderia levar a supera~ao de muitos dosobstaculos encontrados pela gestao petista. Ate que ponto esta gestaopodera contar com 0 apoio das organiza~oes, movimentos e institui~oesda sociedade civil? Hipoteticamente, podemos afrrmar que af esta urnadas maiores dificuldades.

Para que esta administra~ao consiga esse apoio, acreditamos queseja necessario atingir urn consenso no seio da chamada "classepolftica" e das institui~oes, organiza~oes e movimentos democraticosda sociedade civil, a partir da ideia de que, no atual contexto, aparticipa~ao e a cria~ao de urna consciencia de cidadania deixaramde ser fatores desestabilizadores do Estado para se tornarem elementosnecessarios a democracia e a sociedade brasileira em geral. Essaprocura pelo consenso deve estar orientada, principalmente, na tentativade superar 0 "constrangirnento ideol6gico" que ainda persiste emmuitos setores da sociedade e da classe polftica em rela~ao a articula~aodo processo de participa~ao popular. Segundo Maria Vitoria Benavi-des26, esse "constrangirnento ideol6gico" surge na medida em que aideia de participa~ao popular muitas vezes e associada "a temoressobre uma suposta tenta~ao totalitaria", devido a esta lembrar processos"tfpicos de uma revolu~ao,m. a mesma que hipoteticamente irnplicaa participa~ao do povo na dire~ao. Vale mencionar que, no atualcontexto, essa associa~ao participa~ao popular-estrategia comunista naopossui maior fundamento, nao s6 devido ao colapso do socialismoburocratico no Leste europeu, mas tamMm pelo fato de que a questaoda necessidade da participa~ao esta sendo pleiteada por urna outraperspectiva, que engloba a questao da cidadania e 0 fortalecimentodo sistema democratico.

Na tradi~ao polftica brasileira, a instaura~ao de urn novo governo,ao menos aparentemente, em geral significa a nega~ao do governoanterior. Existem, como exemplo, a "Nova Republica" do governo Sarney,o "Brasil Novo" do governo Collor. No myel estadual, 0 "NovoTempo" dos governos Quercia e Fleury. E em myel municipal, 0

"Governo Democratico Popular" da gestao Erundina.Estamos quase no termino da gestao do PT, e podemos preyer

que, ao final do seu mandato, estara ainda no infcio todo esse processo

26. Maria Vitoria Benavides, op. cit.27. Francisco Weffort, op. cit. p. 117.

de implementa~ao de reforma administrativa da cidade. Caso 0 PTnao consiga a reelei~a028, caberia perguntar-nos: sera que 0 grupopolitico que assurnir a administra~ao da cidade dara continuidade aoprocesso de implementa~ao da reforma do aparelho administrativo,principalmente nos itens que dizem respeito a questao da participa~aopopu1ar? 0 fato de a reform a administrativa ser uma iniciativa dagestao petista limitara a continuidade da sua implementa~ao? Pensandonos partidos chamados de "direita": sera que estes se mostraraocoerentes com 0 seu pr6prio discurso de moderniza~ao e democrati-za~ao, possibilitando a continuidade das reformas administrativas?

Para dar continuidade as reform as administrativas do aparelhomunicipal, ap6s 0 termino do mandato da atual gestao, e necessarioque a que a suceda possua, dentre outras coisas, vontade politica.Esta vontade podera surgir a partir da afinidade politico-ideol6gicaque possa existir, ou dos interesses comuns que possam ter tanto 0PT como 0 grupo politico que 0 suceda na administra~ao da cidade.Esses interesses comuns poderao surgir, tamMm, a partir do consensoque se possa conseguir em rela~ao ao carater democrcitico das reformasem andamento. Caso nao exista essa vontade politic a, abre-se apossibilidade de obstaculizar 0 processo de reforma administrativa,principalmente no que tange a articula~ao da participa~ao dos cidadaosna gestao da cidade.

Antes de conduir, diremos que a existencia ou a aprova~ao deuma lei nao constitui uma seguran~a nem uma garantia da suaimplementa~ao; com isto, queremos dizer que a aprova~ao da LeiOrgarucll Municipal, e principalmente dos itens que dizem respeito achamada "participa~ao popular", nao constituem garantia de concre-tiza~ao ap6s 0 mandato da gestao petista. Infelizmente, essa e umagrande debilidade da nossa sociedade e da sua legisla~ao. Comoprincipal expoente temos a Constitui~ao e, para verificar, basta olharmosos arredores da pra~a da Se ou ler 0 famoso Estatuto da Crian~a edo Adolescente.

Apesar disso tudo, a existencia de uma lei que beneficie diretaou indiretamente os setores majoritarios da popula~ao constitui-se num

28. Pressup6e-se que caso urn candidato do PT seja eleito nas elei ••6es de1992, 0 PT teria maiores condi ••6es para implementar a Lei Organica Municipal edar continuidade as obras iniciadas durante a gesta:o Erundina.

grande avan~o na constru~ao de uma sociedade mais justa e democratica.Mas, diante de uma lei que s6 se encontra explicitada no papel ediante de uma classe politic a que faz pouco ou nada por implementa-Ia,resta a sociedade civil em geral organizar-se, pressionar e mobilizar-separa que as leis e os direitos civis, politicos e sociais deixem deconstar somente em documentos e tomem-se realidade. Neste sentido,a nao-concretiza~ao das reformas administrativas ap6s 0 mandato daatual gestao podera, talvez, acarretar como consequencia 0 fato deque estas reform as pendentes venham a constituir -se posteriormenteem bandeira reivindicativa dos chamados "setores populares" e dopr6prio PT, na luta pela democratiza~ao do Estado e da Sociedade.

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Habitar no ABeDpaulista

ou que politicas habitacionais foram adotadas pelasadministra~6es municipais do ABeD no periodo de

1989 a 1992.

Antonio Carlos Kfouri*

A regiao do ABCD paulista e nacionalmente conhecida por sero principal p610 industrial do pais e, devido a grande concentra~aooperaria iniciada na decada de 50 com a implanta~ao da industriaautomobilfstica, por ser 0 ber~o do novo sindicalismo brasileiro surgidono final da decada de 70. Alem do grande numero de industrias ede operarios, e tambem por isso, a regiao do ABCD paulista e localde moradia de uma parte expressiva da popula~ao da Regiao Metro-politana de Sao Paulo (RMSP), a maior concentra~ao de popula~aourbana do pafs, composta por 37 municfpios.

A popula~ao do ABCD, distribufda em 7 municfpios, represent aaproximadamente 15% da popula~ao total da RMSP. Exclufdo 0

municfpio de Sao Paulo, cuja popula~ao equivale e aproximadamente70% da popula~ao da RMSP, os demais 15% da popula~ao encontram-se

* Antonio Carlos Kfouri, arquiteto pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismoda USP, esta realizando seu mestrado no Curso de Pos-Gradua~ao da FAU-USP, eprofessor-assistente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC de Campinas,e arquiteto da Companhia Metropolitana de Habita~ao de Sao Paulo - Cohab-SP,atualmente comissionado junto a Prefeitura do Municipio de Sao Bernardo do Campocomo assessor da Secretaria de Obras, e e assessor teenico do movimento populardenominado Comissao da Terra do Jardim Oratorio em Mami-SP.


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