cidadania e participaÇÃo popular: os conselhos municipais de assistÊncia social como espaÇos...

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Universidade Anhanguera-Uniderp Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR: OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO ESPAÇOS DEMOCRÁTICOS DE CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA EDMARCIUS CARVALHO NOVAES GOVERNADOR VALADARES/MG 2011

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Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual como requisito parcial à obtenção do grau de especialista em MBA em Administração Pública e Gestão de Cidades da Universidade Anhanguera-Uniderp / Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Orientador: Prof. Dimas Gonçalves GOVERNADOR VALADARES – (MG) 2011

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Page 1: CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR: OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO ESPAÇOS DEMOCRÁTICOS DE CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA

Universidade Anhanguera-Uniderp

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR: OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO ESPAÇOS

DEMOCRÁTICOS DE CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA

EDMARCIUS CARVALHO NOVAES

GOVERNADOR VALADARES/MG

2011

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EDMARCIUS CARVALHO NOVAES

CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR: OS CONSELHOS

MUNICIPAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO ESPAÇOS

DEMOCRÁTICOS DE CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA

Monografia apresentada ao Curso de Pós-

Graduação Lato Sensu TeleVirtual como

requisito parcial à obtenção do grau de

especialista em MBA em Administração

Pública e Gestão de Cidades

Universidade Anhanguera-Uniderp

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

Orientador: Prof. Dimas Gonçalves

GOVERNADOR VALADARES – (MG)

2011

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RESUMO

O tema da presente pesquisa é a “Cidadania e Participação Popular: Os Conselhos Municipais de Assistência Social como Espaços Democráticos de Controle Social da Gestão Pública”. Objetiva-se identificar a importância das decisões democráticas elaboradas nos Conselhos Municipais de Assistência Social para o fortalecimento de um Planejamento Estratégico Municipal que visa à eliminação das celeumas socioassistenciais da sociedade. Para tanto, foram utilizados livros, produções acadêmicas e artigos jurídicos. Pode-se inferir que tais Conselhos são salutares para a realização do Controle Social da Gestão Pública, por serem espaços democráticos que proporcionam a viabilização da cidadania e da participação popular na Administração Pública. Palavras-chave: Cidadania, Participação Popular, Conselhos Municipais de Assistência Social, Controle Social, Gestão Pública.

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ABSTRACT

The theme of this research is the "Citizenship and Popular Participation: Municipal Councils of Social Welfare and Social Spaces Democratic Control of Public Management."The objective is to identify the importance of democratic decisions developed in the Municipal Councils of Social Assistance for strengthening of a Municipal Planning Strategy which aims at eliminating the uproar welfare of society. For this, we used books, legal articles and academic productions. It can be inferred that such councils are salutary for the realization of the Social Control of Public Management, being democratic spaces that provide the feasibility of citizenship and popular participation in Public Administration.

Keywords: Citizenship, Popular Participation, the Municipal Councils of Social Work, Social Control, Public Management.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................

PROBLEMA DE PESQUISA..............................................................................

OBJETIVO..........................................................................................................

METODOLOGIA.................................................................................................

REFERENCIAL TEÓRICO.................................................................................

1. CONSELHOS MUNICIPAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.............................

1.1. Análise Histórica..........................................................................................

1.2. A composição, organização, funcionamento e natureza da participação

nos Conselhos ...................................................................................................

1.3. A intersetorialidade e o papel dos atores sociais.........................................

2. O EXERCÍCIO DA CIDADANIA E DA PARTICIPAÇÃO POPULAR............

2.1. Os Conselhos Municipais como viabilizadores do exercício da cidadania

e da participação popular ..................................................................................

2.2. Identidade Social e Identidade Coletiva......................................................

2.3. A Cidadania e a Participação Popular como Consciência Política..............

DESENVOLVIMENTO .......................................................................................

3. A DEMOCRACIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.....................................

3.1. Da Democracia Formal à Substancial ........................................................

3.2. Da Democracia Participativa........................................................................

3.3. Os Conselhos como Espaços Democráticos e Descentralizados...............

4. CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA..............................................

4.1. Gestão Pública Urbana e Municipal.............................................................

4.2. A Ética na Gestão Pública...........................................................................

4.3. Controle Interno e Externo da Administração Pública.................................

4.4. A contribuição do Controle Social para a Gestão Pública...........................

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................

REFERÊNCIAS..................................................................................................

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INTRODUÇÃO

Os Conselhos Municipais de Assistência Social, enquanto espaços

institucionalizados e de representação de diversos grupos de interesse na Política de

Assistência Social, constituem-se uma nova possibilidade de participação e inclusão na

decisão e na discussão das políticas sociais. Tal mecanismo decorre do processo de

democratização e descentralização da governança das políticas públicas pelo qual se

estruturou a gestão pública, a partir da Constituição da República de 1988.

A presente pesquisa pretende pesquisar esse novo paradigma de gestão

pública, onde os Conselhos Municipais de Assistência Social surgem com o papel de

protagonizar as decisões políticas no que se refere às políticas públicas sociais. Nessa

dinâmica, por meio de uma articulação dialética com todos os movimentos sociais

organizados, pode-se realizar o Controle Social (acompanhamento e fiscalização da

execução das políticas sociais), primando pela conduta ética dos gestores.

Nesse sentido, os Conselhos Municipais de Assistência Social viabilizam o

exercício da cidadania dos conselheiros e dos demais atores sociais envolvidos, bem

como fortalece o senso da importância de uma participação popular mais consciente

politicamente, através da formação de uma identidade social e coletiva.

Para tanto, numa primeira parte, apresentam-se a elaboração do problema

de pesquisa, seus objetivos e metodologia adotada. O referencial teórico ocupa-se da

discussão dos Conselhos Municipais de Assistência Social, (natureza, composição,

organização e intersetorialidade com as demais políticas), analisa o exercício da

Cidadania viabilizada pela Participação Popular e sua contribuição para formar uma

identidade social e coletiva. Já o desenvolvimento da pesquisa aprofunda as formas

democráticas de participação e de controle social da Gestão Pública, no que se refere

à política de Assistência Social.

A pesquisa conclui destacando a importância dos Conselhos Municipais de

Assistência Social, enquanto espaços democráticos que visam garantir o Controle

Social da Gestão Pública, e conseqüentemente proporcionar o exercício da cidadania

de seus conselheiros, que se dedicam a efetivar a Participação Popular na

Administração Pública das políticas socioassistenciais, e por fim, são apresentadas as

referências bibliográficas.

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PROBLEMA DE PESQUISA

Os Conselhos Municipais de Assistência Social apresentam-se como

espaços democráticos para a efetivação do Controle Social da Gestão Pública na

execução da Política de Assistência Social, visando que os gestores públicos atuem de

forma ética e transparente, para elidir as celeumas socioassistenciais existentes.

Nesse sentido, pode-se afirmar que esses espaços, como vêm sendo

articulados, possuem uma perspectiva de fomentar a construção da cidadania de seus

os conselheiros integrantes, por meio da participação popular, bem como que esse

controle social exercido contribui para o desenvolvimento de planejamentos

estratégicos municipais eficientes de políticas socioassistenciais que consigam

extinguir os gargalhos da realidade brasileira?

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OBJETIVOS

Examinar o papel de mecanismo de Controle Social dos Conselhos

Municipais de Assistência Social;

Compreender os reflexos na formação da cidadania e da consciência política

dos integrantes dos Conselhos Municipais de Assistência Social, de forma que

promova uma participação popular, fruto de uma identidade social e coletiva.

Identificar a importância das decisões democráticas elaboradas nos

Conselhos Municipais de Assistência, para o fortalecimento de um Planejamento

Estratégico Municipal que visa à eliminação das celeumas socioassistenciais da

sociedade brasileira.

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METODOLOGIA

A presente monografia apóia-se em pesquisas em livros, produções

acadêmicas e artigos jurídicos sobre as seguintes temáticas: Conselhos Municipais de

Assistência Social como Espaços Democráticos de Controle Social; a formação da

Cidadania por meio da Participação Popular na tomada de decisões na Gestão Pública;

Planejamento Estratégico Municipal.

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REFERENCIAL TEÓRICO

1. CONSELHOS MUNICIPAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Atualmente, convivem em espaços municipais – segundo o IBAM (Instituto

Brasileiro de Administração Municipal) e o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada) – três tipos de Conselhos, a saber:

a) Conselhos de Programas;

b) Conselhos Temáticos, e;

c) Conselhos de Políticas (ou Gestores).

Os Conselhos de Programas são aqueles vinculados a programas

governamentais concretos, onde, em geral, são

associados a ações emergenciais bem delimitadas quanto ao escopo e à sua clientela. Dizem respeito ao provimento e acesso a bens e serviços elementares ou a metas de natureza econômica. A participação se restringe ao acolhimento da clientela beneficiária, contemplando também as parcerias e sua potência econômica ou política. São exemplos, os Conselhos de Desenvolvimento Rural, de Alimentação Escolar, de Habitação, Emprego e Distribuição de Alimentos (Mazega, 2006, p. 36)

Já os Conselhos Temáticos são aqueles que não se encontram vinculados

imediatamente a nenhum sistema ou legislação nacional. São associados a grandes

movimentos de idéias ou temais gerais. Exemplos: Conselho Municipal de Cultura,

Conselho Municipal de Esporte, etc. Por fim, os Conselhos de Políticas, também

conhecido como Conselhos Gestores, são aqueles vinculados “às políticas públicas

mais estruturadas ou concretizadas em sistemas nacionais, em que se situam os

Conselhos de Saúde, de Assistência Social, de Educação, da Criança e do

Adolescente” (Mazega, 2006, p. 36).

Estes últimos, em geral, são previstos em legislação nacional, com atribuições

estabelecidas legalmente no plano de formulação e implementação das políticas na

respectiva esfera governamental, sendo concebidos

como fóruns públicos de captação de demandas e negociação de interesses específicos dos diversos grupos sociais e como forma de ampliar a participação dos segmentos com menos acesso ao aparelho do Estado (...) Dizem respeito à dimensão da cidadania, à universalização dos direitos, garantindo a sua inscrição ou inspiração na formulação das políticas e seu respeito na execução delas (Mazega, 2006, p. 36, apud IBAM, IPEA).

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Neste primeiro capítulo, será analisada como surgiu à atual concepção dos

Conselhos Municipais da Política de Assistência Social, qual a importância desses

espaços de discussões e decisões, bem como os principais desafios destas instituições

que ampliam a participação popular na gestão pública.

1.1. ANÁLISE HISTÓRICA:

A história remonta experiências de conselhos como formas de gestão pública e

de organização coletiva da sociedade civil, apresentando-nos a Comuna de Paris, os

conselhos de fábricas de Turim, os conselhos dos cidadãos dos Estados Unidos,

dentre outras. Cunha & Pinheiro (2006) prelecionam que

no Brasil do século XX registraram-se diversas experiências de conselhos, como os conselhos comunitários criados pelo poder público para mediar suas relações com movimentos e organizações populares, na década de 1970; e os conselhos populares, nas décadas de 1970 e 1980, criados por iniciativa da sociedade civil visando estabelecer negociação com o poder público, além do controle sobre recursos e instituições.

Na década de 1980, a sociedade brasileira encontrava-se discutindo a ineficácia

dos serviços prestados pelos governos, notadamente aqueles da área social. Entendia-

se como necessário que a população tivesse a possibilidade de participar da definição

desses serviços, uma vez que estes tinham por escopo atender suas necessidades

reais. Outra finalidade seria a fiscalização, por parte da sociedade, das ações

desenvolvidas pelos gestores públicos e a possibilidade de denunciar desvios, caso

fossem encontrados.

Registros históricos brasileiros apresentam as primeiras experiências positivas

ocorridas na cidade de São Paulo, tendo como objeto a Política da Saúde, o que se

expandiu, a posterior, para a política da criança e do adolescente e da Assistência

Social.

Tais conselhos representavam a possibilidade do “Estado e sociedade civil,

compartilharem o poder de decisão acerca de questões que afetam diretamente a vida

das pessoas, influenciando as decisões sobre as ações dos governos e controlando-

as” (Cunha & Pinheiro, 2006, p. 97).

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No campo jurídico, foi com a promulgação da Constituição da República de

1988, em seus artigos 203 e 204, definindo a Política de Assistência Social, que tais

intenções se concretizaram. Segundo o inciso II do Art. 204, tal política tem como uma

de suas diretrizes a “participação popular, por meio de organizações representativas,

na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”.

Coube à LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742, de 7 de

dezembro de 1993), a regulamentação dos Conselhos como espaço de controle social,

por intermédio da participação popular na gestão política de Assistência Social,

primando também pela descentralização político-administrativa para os estados e

municípios, com comando único em cada esfera de governo e a competência exclusiva

do Estado na condução da PNAS – Política Nacional de Assistência Social.

Isto significa dizer que esses conselhos possuem caráter deliberativo e

dimensão político-institucional, devendo, portanto, serem criados por leis específicas, e

atuarem no sistema que regulamenta essa política pública, a saber, o SUAS – Sistema

Único de Assistência Social.

Dessa forma, não se trata apenas de uma “opção política de um ou outro

governo”. Pelo contrário, é uma “questão de princípios, deveres constitucionais”, que se

operacionalizam “por meios de conselhos e das conferências de Assistência Social”

(Cunha & Pinheiro, 2006). Foi assim que. na década de 1990, os Conselhos com esse

formato se proliferaram, ganhando relevo no cenário político e institucional brasileiro,

sendo apresentados

como canais de institucionalização da participação popular na formulação das políticas públicas, cuja importância consiste na criação de um espaço não-estatal como esfera pública. Sua dinâmica de funcionamento é entendida para além do controle das administrações, pois envolve o conjunto de organizações sociais que se articulam com o Estado (Mazega, 2006, p. 33)

1.2. A COMPOSIÇÃO, ORGANIZAÇÃO, FUNCIONAMENTO E NATUREZA DA

PARTICIPAÇÃO NOS CONSELHOS:

A composição dos conselhos deve primar pela paridade entre representantes do

governo e da sociedade civil, o que significa dizer que é necessária que haja a mesma

quantidade de representantes, respectivamente, de cada segmento.

Compete a cada município, quando da promulgação de lei municipal específica

que cria o Conselho de Assistência Social, estabelecer quem e quantos serão seus

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membros. Há essa organização por entender que tal composição mista possibilita o

pluralismo e a expressão de interesses diversos de os atores sociais envolvidos, onde

o debate livre e aberto, por meio de consensos, é capaz de produzir decisões que

serão pactuadas democraticamente por todos os participantes, acerca de cada assunto

levantado.

Os conselheiros governamentais são indicados pelos secretários ou por

dirigentes dos órgãos públicos que possuem assento no Conselho. Já no que se refere

à participação da sociedade civil nos Conselhos de Assistência Social, o Conselho

Nacional de Assistência Social promulgou as Resoluções 191/2005 e 23/2006, onde

subsidiam a regulamentação dos artigos 3° e 17 da LOAS. Segundo tais resoluções, a

sociedade civil se faz representa nestes Conselhos por intermédio de três categorias

de representatividade, a saber:

1) Representantes de Entidades:

a) de atendimento: aquelas que prestam serviços e que executam programas, projetos

e benefícios de proteção social básica e/ou especial voltados para o público da

Assistência Social;

b) de assessoramento, defesa e garantia de direitos: aquelas que realizam serviços,

programas e projetos voltados prioritariamente para a defesa, efetivação e construção

de novos direitos, que promovam a cidadania, o enfrentamento das desigualdades

sociais, o fortalecimento dos movimentos sociais e das organizações de usuários, a

formação e capacitação de lideranças;

2) Representantes de Usuários: pessoas ou grupos que são beneficiados pelos

programas, projetos e serviços e benefícios da Política de Assistência Social, que

podem apresentar organizados de diversas formas, preservando espaço para aquelas

que, além da defesa de direitos, tenham participação dos usuários em seus órgãos

diretivos.

3) Representantes de Trabalhadores do setor: aqueles que atuam

institucionalmente no campo da formulação, execução e avaliação da política de

Assistência Social e que tenha como proposição a defesa, não só de seu segmento,

mas dos direitos sociais dos cidadãos e usuários da política, porém, não sendo

representação patronal ou empresarial.

Esses representantes são escolhidos por meio de processo de escolha pública,

em que todos os possíveis interessados podem participar. Cabe aos eleitos representar

todo o segmento que o escolheu, e espera-se que as questões que lhe dizem respeito,

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sejam debatidas e decididas no Conselho. Segundo Cunha e Pinheiro (2006, p. 102),

tais conselheiros da sociedade civil

são eleitos dentre seus partes e, além de alguma trajetória de vida ou de trabalho vinculada à área de Assistência Social, compartilham com seus representados as expectativas e os compromissos da própria política pública. Assim, a cada momento em que informa ao segmento que o elegeu o andamento das discussões do conselho e que o consulta quanto às decisões que deverão ser tomadas, o conselheiro não apenas se nutre da opinião de seu segmento quanto aos encaminhamentos que dará no processo deliberativo, mas se legitima enquanto representante.

Dessa forma é de suma importância que tais conselheiros representantes da

sociedade civil, se preocupem com o bem estar social.

Nestes espaços ocorre a formação da cidadania desses conselheiros por meio

de suas ações. Tal por razão é necessária que ocorra, sempre que possível, a

renovação desses representantes da sociedade civil, onde os novos conselheiros terão

a oportunidade de formar similarmente suas cidadanias e contribuir com a Política de

Assistência Social, através de uma participação popular que se amplia em espaços

democráticos.

No que tange à organização dos Conselhos de Assistência Social, estes seguem

um pacto federativo, o que significa dizer que é necessária sua existência em três

níveis de organização: federal, estadual e municipal. Justifica-se tal organização, uma

vez que o SUAS é descentralizado, implicando numa relação regular e permanente

entre esses conselhos, apoiando-se mutuamente e articulam ações e decisões, tendo

por escopo manter a coerência deste Sistema, respeitando as autonomias de cada

instância dentro do que especificamente competem-nas.

Também se faz necessário que os Conselhos Municipais de Assistência Social

possuam a estruturação administrativa de uma Secretaria Executiva. Por meio desta,

organiza-se internamente o Conselho, sua documentação, correspondências, infra-

estrutura das reuniões e outras ações, dando suporte para seu pleno funcionamento.

O funcionamento dos Conselhos Municipais de Assistência Social é regular: com

reuniões regulares e periódicas, onde as deliberações são realizadas sobre as

demandas apresentadas. Alguns recursos federais que são repassados para Estados e

Municípios estão vinculados à comprovação da realização dessas reuniões regulares e

periódicas dos Conselhos, que avaliam e deliberam a respeito desses recursos.

Dentro desse espaço, considerando a multiplicidade de assuntos que lhe são

propostos, é necessário que os conselheiros se preparem para decidirem sobre as

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temáticas, razão pela qual se justifica a formação de comissões fixas com

funcionamento regular e permanente (por exemplo, comissão de legislação) e/ou

comissões provisórias (grupos de trabalhos temáticos).

As deliberações tomadas pelos Conselhos devem ser transformadas em

Resoluções, com ampla divulgação, uma vez que expressa a opinião pública sobre o

assunto discutido, o que as tornam determinações para que o cumprimento do Poder

Público e da sociedade.

Sobre a importância da organização e do funcionamento regular dos conselhos

Cunha & Pinheiro (2006, p. 105) coadunam ao afirmar que são eles que nos mostram

se o conselho está conseguindo ser um espaço que amplia a inclusão dos diversos segmentos na formulação e no controle da política; se os temas que a sociedade e o governo consideram relevantes estão sendo deliberados publicamente (ao invés de acontecer em gabinetes fechados, atendendo a interesses particulares); se a sociedade civil organizada consegue colocar em pauta questões que até então eram ignoradas pelo poder público; se informações relevantes para a decisão estão sendo divulgadas ou se estão de apenas alguns; se há momentos em que os diversos atores podem expressar suas opiniões e, a partir de negociações entre eles, formularem acordos que venham a se expressar nas decisões do conselho.

Os conselhos apresentam-se como instituições de estruturas permanentes que

funcionam continuamente, tendo participação efetiva na gestão da política de

Assistência Social ao garantir que a mesma seja democrática e participativa, bem como

que o SUAS seja descentralizado política-administrativamente.

Neste sentido, preleciona Mazega (2006, p. 31), para que os municípios possam

se fortalecer, institucional e politicamente, duas condições são cruciais, a saber:

a primeira é a necessidade de melhorar o desempenho das políticas públicas municipais, tornando-as mais eficazes (...) partindo do pressuposto de que a maior proximidade da população nos assuntos públicos governamentais, aumenta as possibilidades de se constituírem estruturas mais eficazes na condução do uso de recursos públicos, de gestão e financeiros. A segunda condição (...), versa sobre a necessidade de se criarem-se mecanismos que garantam governos mais democráticos e ampliem a participação em termos de controle e de co-gestão das políticas sociais.

Suas decisões giram em torno da gestão de bens públicos, primando pelo

estabelecimento de diretrizes e estratégias de ação, definindo as prioridades,

sobretudo as orçamentárias, bem como regulamentando e normatizando as ações de

áreas especificas dentro da política de Assistência Social.

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Assim, é por meio da participação nos Conselhos, tanto da sociedade civil

quanto do Estado, que ocorre o compartilhamento de decisões sobre a Política, bem

como o acompanhamento da execução das deliberações realizadas.

1.3. A INTERSETORIALIDADE E O PAPEL DOS ATORES SOCIAIS:

É necessário que os Conselhos Municipais de Assistência Social atuem na

perspectiva da intersetorialidade, onde temas correlatos que atingem os cidadãos de

um mesmo território geográfico sejam discutidos em conjunto com os demais

Conselhos, para que, por meio da articulação, discussão, negociação e da ação

conjunta, possam encontrar as melhores soluções para os problemas locais.

Também se faz necessário que os Conselhos tenham o pleno entendimento de

sua responsabilidade, bem como a do Estado, separando-as. Compete ao Executivo a

execução das ações que efetivam a política e ao Conselho, o papel de propor,

acompanhar e fiscalizar a execução. Isso acarreta a necessidade de uma interação

frutífera entre os envolvidos, respeitando as diferenças, tendo por o escopo a busca

permanente de soluções para os principais problemas sociais.

Tal interação também é necessária no relacionamento com o Poder Legislativo.

Os Conselhos Municipais não substituíram os representantes do Legislativo. Trata-se

de uma nova forma de representação que complementa as legislativas, para que, de

forma conjunta, ocorra a produção de melhorias na Política de Assistência Social e em

sua fiscalização.

Em relação aos movimentos sociais, aos fóruns de participação ampliada, às

organizações prestadoras de serviço ou de assessoria, defesa e garantia de direitos, a

interação deve ser a mais estreita possível. Primeiro porque são desses espaços de

organização da sociedade civil que emana muitos dos conselheiros municipais de

assistência social. Agrega-se a isso a realidade de um fluxo de informações entre

esses atores sociais que contribuem de forma significativa, para as deliberações dos

conselhos.

No entanto, Cunha & Pinheiro (2006, p. 107) salientam que a participação nos

conselhos demanda a leitura e o conhecimento de um conteúdo ético, instituído no

Código de Ética (Resolução CNAS 209/2005), como “uma contribuição para resgatar e

enfatizar a função pública dos conselheiros e dos servidores que trabalham no

Conselho”.

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Um dos deveres dos conselheiros é fazer a defesa do “caráter público da Política

de Assistência Social, definida em seus estatutos legais, a ser prestada tanto por

órgãos governamentais quanto pelas entidades de Assistência Social, inclusive as que

os conselheiros representam” e “contribuir pra a manutenção do espaço do Conselho

como esfera de debate, diálogo, etapa anterior ao momento de deliberação”.

Fazem-se ainda necessárias atividades permanentes de formação para os

conselheiros, para que possam articular capacitações específicas sobre a Política de

Assistência Social e possíveis interfaces com as demais políticas, sociais e

econômicas, bem como do aprofundamento na compreensão sobre democracia, suas

formas e possibilidades, e as perspectivas nesta direção no que se refere aos

Conselhos.

2. O EXERCÍCIO DA CIDADANIA E DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

Neste capítulo, será analisado como se concretiza a Cidadania e da Participação

Popular por intermédio dos Conselhos Municipais de Assistência Social, a importância

desses espaços para a construção de identidades sociais (individual e coletiva) e da

conscientização política dos cidadãos, bem como o impacto desse apoderamento para

as políticas públicas.

2.1. OS CONSELHOS MUNICIPAIS COMO VIABILIZADORES DO EXERCÍCIO DA

CIDADANIA E DA PARTICIPAÇÃO POPULAR:

Fruto da construção histórica que remete aos séculos XVII e XVIII, uma das

principais dimensões da cidadania diz respeito à regulação dos direitos e dos deveres

dos indivíduos e dos grupos na sociedade.

Segundo Gohn (1995), a cidadania pode ser classificada como individual ou

coletiva. A cidadania individual pressupõe a liberdade e a autonomia dos indivíduos

envolvidos num sistema de mercado, onde todos sejam respeitados e percebam

garantias mínimas para livre manifestação, de suas opiniões e da autorealização de

suas potencialidades.

Destaca-se, portanto, a dimensão civil da luta pelos direitos civis e políticos.

Segundo Costa (2008, p. 21) esse novo parâmetro de cidadania é recorrente da

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modernidade, a qual fez com que a sociedade ocidental mudasse suas referências, ao

eleger

os indivíduos como valor supremo em contraposição aos grupos estratificados da sociedade de castas; a primazia da razão sobre as crenças e dogmas; o domínio da natureza do homem por meio da tecnologia; e o reino da opinião publica, por meio do voto e do sistema representativo democrático, em contraposição ao direito devidos dos reis.

Já a cidadania coletiva, diz respeito a uma dimensão sociocultural ao reivindicar

direitos sob a forma de concessão de bens e serviços, e não apenas a inscrição desses

direitos em lei, bem como por reivindicar espaços sociopolíticos, sem precisar

homogeneizar e perder a identidade cultural. Dessa forma, ela remete

por um lado às origens clássicas do cidadão da polis grega, pois diz respeito a uma dimensão cívica em que os cidadãos exercitam virtudes cívicas e têm, na comunidade em que vivem sua referencia coletiva. Por outro lado, remete à contemporaneidade ou aos tempos pós-modernos. Diz respeito à busca de leis e direitos para categorias sociais até então excluídas da sociedade, principalmente do ponto de vista econômico, e do ponto de vista cultural (Costa, 2008, p.22).

Nessa perspectiva, as cidadanias individuais e coletivas percebem o Conselho

Municipal de Assistência Social como o espaço sociopolítico ideal para a reivindicação

de seus direitos no que se refere à concessão de bens e serviços.

Instituídos pela Constituição da Republica de 1988 em resposta ao conjunto de

movimentos e lutas sociais que, em contraposição ao centralismo político e à

concentração de poder característicos do período da ditadura militar, que exigem a

descentralização do Estado e o direito à participação da população à participação

política, os Conselhos Municipais são cruciais para:

a interlocução com a sociedade e a vocalização dos segmentos sociais representados, o estímulo ao debate político e à formulação de propostas de aperfeiçoamento de políticas públicas. (...) articular e incentivar a criação de um fórum permanente de usuários onde serão estabelecidas as demandas para a agenda pública, e ampliadas as formas de acesso às informações sobre seus direitos, conforme as previsões da política de assistência social e demais regulamentações; criar estratégias de financiamento e de sensibilização para a organização de associações representativas dos usuários, com vistas à garantia do seu lugar político junto aos serviços socioassistenciais, fóruns e conselhos de assistencia social,

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respeitando o direito de livre escolha do usuário” (BRASIL, MDS, 2010, p. 161).

Afirmar que os conselhos são efetivos órgãos de representação popular e de

promoção da cidadania se justifica, haja vista a ocorrência da participação popular

quando da articulação e do diálogo com movimentos sociais, sindicatos e demais

organizações da sociedade. Como conseqüência, a publicização de ações e iniciativas,

a disseminação e o compartilhamento de informações relevantes ao acompanhamento

da política, bem como a promoção de meios que possibilitem o envolvimento da

sociedade nos debates relativos à implementação e ao futuro desta.

A participação popular é uma das novas disciplinas que se justifica pela

preocupação de resolver os problemas existentes na sociedade. Sabe-se, que até a

década dos anos 70 a participação popular era pouco explorada em sua totalidade,

enquanto fenômeno social. Predominava-se a visão de ser “o ato último da forma mais

transcendente da decisão política, ou seja, o voto, assim como também à filiação a

partidos políticos” (Costa, 2008, p. 29).

Alguns teóricos da área adotam a idéia de ação política em detrimento de

participação política, pois estes entendem que aquela pressupõe uma concepção de

sujeito como ator, como ser ativo, que é protagonista da realidade e não mero

reprodutor quando incitado a encarar determinadas situações que exigem um

posicionamento de sua parte a respeito.

Partindo de uma variável fundamental no que se refere à participação política, a

convencionalidade de seu caráter, a participação popular pode ser classificada em

„formas convencionais‟ e „não convencionais‟ (D´Adamo, 1995; apud Costa, 2008, p.

37).

As primeiras são ações que conduzem de uma ou outra maneira, ao voto, e

supõe a filiação formal ou informal a um partido ou tendência política. Por sua vez, as

formas não convencionais aquelas advindas “da idéia da vontade de mudar ou

transformar uma situação diretamente, ainda que através de modos diferentes e

inclusive questionáveis, mais que de influir através de delegação em representantes

oficiais pelos meios estabelecidos”.

Circunstanciada pela democracia, tal participação política tem a ver com as

condutas realizadas pelos sujeitos e não com as atitudes ou a consciência política, pois

quando assim o tem, é fruto de uma identidade social e coletiva construída com o

tempo.

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2.2. IDENTIDADE SOCIAL E IDENTIDADE COLETIVA:

Partindo do pressuposto que a identidade é um fenômeno social que surge da

dialética entre o indivíduo e a sociedade, Melucci (2004, p. 50) a define como “um

sistema de relações e representações”, como “um sistema de vetores em tensão entre

si”. Tal sistema procura um equilíbrio, de forma constantemente “entre a diferença

como a afirmamos e como ela é reconhecida pelos outros”.

A perspectiva psicanalista ao debruçar sobre o conceito de identidade, contribui

de forma significativa ao conceituá-la como um

fenômeno em que o homem insiste na ilusão de ser único, ilusão necessária para sustentar o narcisismo. A identidade aparece também como construção imaginária de uma representação social que mascara a presença do Outro no si mesmo e avaliza sua pertinência no mundo humano. Desta forma, a identidade surge como sintoma, defesa contra angustia de não poder saber sobre si, a não ser a partir da imagem, tomada em si mesma, como metáfora congelada em único sentido, sem, no entanto, perder sua propriedade de ser mensagem. (ROSA, 1998, p. 123)

É na interação interpessoal que o sujeito identifica-se com o outro, mas também

se diferencia dele. É a identificação que garante a segurança de se saber quem se é, o

que evita a confusão com os demais. A identidade traz consigo características

imprescindíveis, tais como a singularidade, a unicidade, a exclusividade. Não obstante,

cabe à identidade social o papel de oposição e de complementaridade à essa

identidade pessoal.

A identidade social é entendida como a criação de um autoconceito que o

individuo produz acerca do seu conhecimento de pertencimento a um grupo (ou

grupos) sociais, além do significado emocional e do juízo de valor que associa à esse

pertencimento (Tajfel, 1981, p. 290).

A identidade social é aquela advinda de um movimento social, que Melucci

(2004) entende como um processo de identidade coletiva, construído socialmente por

parte dos indivíduos ou grupos que formam tal movimento social.

Para o autor, a identidade coletiva que fortalece a existência dos movimentos

sociais, “está em constante transformação, o que rompe a idéia da identidade coletiva

como algo que permanece inalterado ao largo do tempo”. Dessa forma, a identidade

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coletiva é fruto de um processo de construção, que “se distancia da concepção da

identidade como algo unitário e coerente”.

Os Conselhos Municipais desencadeiam um enfrentamento de conflitos, cujos

conteúdos permanecem durante um período, ausentes de mobilizações. Isso ocorre

porque os processos de vinculação advindos de uma identidade coletiva criam redes

de cooperação social, que se manifestam na participação dos conselheiros, uma vez

existir sentimentos, valores, motivações que fazem com que uma pessoa se identifique

com a causa e, conseqüentemente, participe.

2.3. A CIDADANIA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR COMO CONSCIÊNCIA

POLÍTICA:

Segundo Costa (2004, p. 139) ser cidadão “é ser um sujeito com direitos

(garantidos constitucionalmente) e sujeito de direitos (pela responsabilidade e

compromisso consigo mesmo e com o outro, seja seu grupo social ou sua

comunidade)”. Não obstante, a cidadania transcende a garantia de direitos civis e

políticos. Ela é acessada no momento em que o individuo incide na vida pública da

cidade, quando se torna um ator social, no sentido de ter ações concretas que

promovem alterações em sua própria vida e em sua cidade.

A aquisição de tal cidadania é um processo interminável, pois quando se adquire

a cidadania, há a necessidade de realizar um trabalho que amplie os limites já

alcançadas, por entender que a cidadania é sempre o ponto de partida para ampliação

de conquistas já adquiridas. É o sentimento de pertencimento que aumenta a

necessidade do cuidado com o que é seu, seja privado ou público, que constrói a

identidade coletiva e, conseqüentemente, viabiliza a participação política, muito pelo

desejo de continuar participando e fazendo parte da construção de uma cidade melhor

para todos.

A consciência política, na lição de Sandoval (2011) pode ser representada pelas

Crenças, Valores e Expectativas Societais, sendo estas entendidas como

a representação social que os indivíduos constroem sobre a estrutura social, as práticas e finalidades das relações sociais. São os significados que as pessoas atribuem à estrutura social considerando as relações políticas entre as categorias sociais e as próprias intenções das pessoas que constituem essas categorias. Essas representações são produtos das interações sociais e da

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experiência dos indivíduos nos vários grupos, instituições e contextos de vida em sociedade. (Costa, 2004, p. 139)

Assim, a conscientização política é fruto dessas crenças e valores de sociedade

que o individuo constrói, na medida em que se relaciona com a cidade e vai se

apropriando dos espaços públicos. Isso se dar quando o individuo ao sentir o

pertencimento a um grupo e sentir-se excluído ou incluído, pode ressignificar o que

pensa acerca da cidadania, da política e de sua participação.

Ao passo em que aumenta o nível de pertencimento, de maior responsabilidade

pela cidade, o individuo começa a fazer parte desse cenário. As relações interpessoais

e as vivencias cotidianas lhe proporciona o sentimento do que é estar inserido na vida

pública e política de sua cidade. Ao conviver com as políticas públicas o sujeito

favorece a vivencia política, “porque coloca mais a mostra a vivencia das crenças e

valores societais, demarca mais as concepções de eficácia política que as pessoas

podem desenvolver”. Nesse sentido, o exercício da cidadania é um aprendizado a partir

da vivencia em fóruns de participação popular e que se estende para outras dimensões

da vida.

No que se refere à Política de Assistência Social, essa conscientização política

promovida pela participação popular advinda da cidadania exercida, faz com que

discurso assistencialista se dilui na medida em que políticas públicas são instauradas

na cidade, com a conseqüente participação dos moradores, bem como na medida em

que a população que utiliza tal política o faz como um direito e não como um favor da

Gestão Pública para com os munícipes carentes.

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DESENVOLVIMENTO

3. A DEMOCRACIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A melhor concepção de democracia enquanto forma de organização política é a

democracia formal, que se caracteriza por indicar um certo número de meios que são,

precisamente, as regras de comportamento, sedo que tais meios independem dos fins.

(Mazega, 2006, p. 17).

As regras, normas e princípios da democracia formal representativa visam

assegurar a liberdade e direitos fundamentais, para a permanência do processo

democrático, bem como do sistema político e formas de governo atuais.

Nesse capítulo serão analisadas as formas de manifestações da democracia e a

possibilidade dos conselhos municipais serem espaços democráticos na gestão

pública.

3.1. DA DEMOCRACIA FORMAL À SUBSTANCIAL:

No início do Século XX, compreendido no período entre-guerras da Europa e

pós-Segunda Guerra, no continente europeu, foi marcado por uma teoria hegemônica

sobre a democracia mais vinculada à natureza da soberania, baseadas nas análises de

Rousseau no final do Século XVIII, segundo a qual existiam dois poderes fundamentais

do Estado: o legislador, próprio do povo e poder derivado, onde o povo delega a outros

sob forma de mandato revogável.

Não obstante, tal concepção não prevaleceu uma vez que desassociou a

democracia e a participação popular. Isso se deu ao limitarem a soberania na

participação da vida política para “o acesso dos mais qualificados às posições de

liderança” (SANTOS, 2002) por entender que seriam “mais racionais”, e por

entenderem que as “complexas relações que se desenvolveram no interior da arena

política do Estado exigiram a institucionalização de procedimentos administrativos

especializados” (MAZEGA, 2005, p. 18).

A partir de então a democracia partir para uma linha weberiana, onde se exigia

uma burocracia especializada que pudesse solucionar as dificuldades advindas da

expansão da multiplicidade de forma em que a gestão pública se apresentava em suas

políticas.

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Destarte, podia-se inferir que a concepção de uma democracia

hemogenicamente soberana, além de não ser bem sucedida, afastava do processo

democrático a participação da sociedade nos processos de decisão política. Passou-se

então a se buscar uma compreensão da democracia que prezasse pela qualidade,

quando se difundiu na linguagem política a existência de uma diferenciação entre

democracia formal e democracia substancial.

Para Bobbio (1987), a democracia formal se caracterizava pelas regras do jogo

ou procedimentos democráticos tidos como universais, a saber, as eleições, o voto e os

sistemas partidários. Tal tipo de democracia fora considera pelo autor como utópico,

pois em qualquer regime de governo também necessita de uma democracia

substancial, ou seja, uma democracia onde houvesse a participação direta da

população nas decisões tomadas na política pública.

Assim, entende-se que o processo democrático necessita de um lado promover

a participação direta nos espaços adequados, ou por representação; e de outro, pelo

combate do poder autocrático.

3.2. DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA:

Em nossos dias se faz necessário fortalecer os espaços públicos para a

participação de múltiplos indivíduos na vida política, uma vez que a democracia

representativa se apresenta não consegue atender todas as demandas e expectativas

das sociedades contemporâneas. A democracia participativa se justifica uma vez que

possibilita melhor a qualidade da democracia ao imprimir

a ela uma nova ordem de procedimentos que envolvem a dimensão social. Essa nova dimensão, no âmbito das práticas societárias, passa por uma ruptura com tradições formais estabelecidas em leis e normas, abordam elementos culturais, políticos, sociais e históricos, visando o estabelecimento de uma postura participativa da sociedade (Mazega, 2005, 19).

Pela democracia participativa que é considerada de base por incorporar novos

interesses e novos atores na vida política, entende-se aquela onde o sujeito se dedica,

direta ou indiretamente, a uma série de atividades que contribuem para as decisões

políticas.

Tal atuação, no que se refere à tradicional democracia representativa não

promove “uma relação de negação, mas de superação dialética”, pois a democracia

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representativa “conserva e eleva a nível superior as conquistas” da democracia

participativa (COUTINHO, 1992, p. 36).

É de Bordieu (1987 apud Mazega, 2005, p. 20) o entendimento de democracia

como

em primeiro lugar, como a participação de forma episódica e secundaria, geralmente limitada a eleições de governantes. Em segundo lugar, como a participação cotidiana no processo de formulação das políticas publicas e de tomadas de decisões coletivas. Nesse último, amplia-se a participação democrática para além dos princípios e mecanismos representativos, articulando, de fato, a democratização do Estado e da sociedade por intermédio de inúmeras formas de participação direta ou indireta junto aos governos, em todos os seus níveis.

Ao se propor a participação popular na vida política democracia, caminha-se

para uma nova proposta de interesses comuns, que extrapolam as divergências entre o

Estado e a Sociedade Civil, visa-se a criação de um Estado ampliado, onde segundo

Carvalho (1997, p. 101), o Estado passa a ser composto de duas esferas:

a primeira, a sociedade política (ou Estado) que tem como finalidade única e exclusiva a coerção; a segunda, a sociedade civil, formada pelas organizações, responsável pela elaboração e/ou difusão das ideologias (sindicatos, partidos políticos, sistema escolar, imprensa, etc).

Essa associação da noção de público no político, na história do Brasil decorre da

luta política de redemocratização inicia-se na década de 80, em oposição ao regime

militar à época instalado, onde a sociedade civil, em diversos segmentos (sindicatos,

associações, igrejas, imprensa, partidos políticos de oposição, etc), se organizou para

combater ao Estado autoritário. Naquele momento, não se visava a construção de

espaços públicos de participação. Desejava-se a autonomia da sociedade civil em

relação ao Estado.

Nessa conquista de um Estado amplo, segundo Mazega (2005, p. 22), este

passa a, “mesmo servindo como um instrumento de classe dominante”, a “considerar

os interesses das classes dominadas nos processos políticos”, ou seja, passa a

“reconhecer os interesses da maioria no processo de incorporação das demandas

sociais e na implantação de políticas públicas”. Trata-se de um Estado “pluralista que

funcione a partir do reconhecimento da diversidade de interesses sociais e da

aceitação de suas formas de representação” (Carvalho, 1996, p. 96).

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A partir das conquistas dos movimentos realizados pela Sociedade Civil, a noção

do caráter público das ações do Estado passa a ser associado a relação deste com

aqueles, bem como a partir da criação de espaços públicos permanentes de

deliberação sobre os interesses da sociedade.

Dessa forma, o público associa-se a mecanismos de construção de legitimidade

de demandas e representações, pertinentes ao Estado e a Sociedade Civil. No que se

refere ao Estado, consiste “na capacidade de incluir em seu aparato, mecanismos

legítimos de representação da diversidade de interesses que compõem a Sociedade”, e

no que se refere à Sociedade Civil, “a capacidade de transformar suas demandas em

questões políticas, a serem reconhecidas e acolhidas pelo Estado, através de políticas

públicas” (Mazega, 2005, p. 24 apud Dagnino, 2002).

O Estado, dessa forma, tem ações de caráter público no momento em que

promover a interação entre o governo e a sociedade, na medida em que contribuem ou

não, para aperfeiçoar as ações governamentais na direção do avanço da democracia.

Essa interação se manifesta, sobretudo, nos espaços públicos, que se constituem

enquanto tentativas de controle social do Estado, com o espoco de promover uma

maior transparência e publicização das políticas púbicas, bem como possibilitar a

participação efetiva de setores da sociedade civil que se formam, uma vez não terem

outras formas de acesso à espaços de decisões.

3.3. OS CONSELHOS COMO ESPAÇOS DEMOCRÁTICOS E DESCENTRALIZADOS

A Constituição da República de 1988 tornou o Brasil, além de democrático,

formalmente possuidor de uma estrutura descentralizada, no que se refere a recursos

políticos e financeiros. A descentralização caracterizou-se como o mecanismo central

nos processos políticos de distribuição de competências entre as esferas de governo,

assim como para se estabelecer novas formas de cooperação entre Estado e

Sociedade.

Segundo preleciona Mazega (2005, p. 26) com o mecanismo de redefinição de

atribuições e competências para os diferentes níveis de governo

a descentralização promovida pela Constituição mostrou-se, desde logo, um instrumento de transferência de receitas do governo federal para as instâncias governamentais de nível hierárquico, sendo, ao mesmo tempo, atribuída a essas esferas de governo a responsabilidade de prover importantes serviços de natureza econômica e social, muitas vezes superior à sua própria capacidade administrativa e financeira.

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Tal descentralização se deu por entender também que os municípios são a

esfera político-administrativa que melhor se adéqua aos princípios democráticos,

sobretudo no que se refere à governança – conceituação entendida como o

fortalecimento da capacidade de comando do governo e de coordenação entre distintos

interesses em jogo, (Arretche, 2000) – à distribuição do poder de forma equilibrada,

bem como por possibilitar a realização mais eficiente do controle social sobre as ações

de governo de democratização do atendimento.

Ao ampliar as possibilidades de acesso ao poder de novos grupos na arena de

decisões políticas locais, a forma descentralizada de gestão permite com que os

Conselhos se firmem os espaços institucionalizados onde diversos grupos de

interesses são representados, uma vez possuírem tais espaços mecanismos que

viabilizam o avanço de práticas democráticas nas esferas de políticas públicas.

Nesse sentido, a descentralização que partilha o poder entre os níveis de

governo e entre o Estado para com a Sociedade Civil organizada, necessariamente,

passa pelos Conselhos Municipais, enquanto espaços de participação popular, de

controle social e de democratização no que se refere às políticas sociais, para que

assim ocorra, de fato, “a transferência de competência quanto o planejamento e a

tomada de decisões, como a necessária compatibilização dos recursos para a

implementação dos serviços a serem assumidos pelas diferentes esferas de governo”

(Potyara, 1996).

Infere-se nesse processo que os Conselhos são instâncias de participação da

sociedade na gestão das políticas públicas, uma vez representarem

a oportunidade de mudanças no padrão de interlocução entre a população e o governo, desde que sejam reconhecidos como espaços de negociações de demandas e de incorporação de interesses diversos nos processos de decisão. Podem servir, também, como instrumento de controle sobre as ações do governo, tanto no uso de recursos quanto na prestação de serviços à população, na medida em que posicionam como canais de participação alternativos às práticas clientelistas e de democratização da gestão das políticas sociais. (Mazega, 2005, p. 28).

4. CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA:

O processo de democratização política do Brasil iniciada nos últimos anos da

década de 80 elevaram os direitos civis em detrimento do regime militar até então

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presente, recuperando direitos básicos como a liberdade de expressão, de imprensa e

de organização. Para tanto, a Constituição da República de 1988 elencou uma ordem

institucional tendo como princípios norteadores duas estratégias: a abertura da

participação popular e societal e o compromisso com a descentralização tributária para

os estados e municípios.

Passadas mais de duas décadas, a questão do gerenciamento correto e

eficiente dos recursos públicos se tornou assunto que ganha visibilidade no debate

político brasileiro.

A corrupção, o desperdício e a má aplicabilidade de recursos públicos, os

enriquecimentos ilícitos, as práticas de superfaturamento, os desvios de verbas,

subornos, bem como outras técnicas criminosas de apropriação de recursos públicos

para fins privados, suscitam a necessidade de discutir o papel da participação da

sociedade, de uma forma maior, por meio de um engajamento direto de combate às

tais distorções.

Segundo Frischeisen (2000, p. 110) o aprofundamento do processo democrático,

permite à sociedade civil uma participação no campo das políticas públicas, sobretudo

no que se refere à fiscalização dos administradores, bem como nos canais de

comunicação com a própria administração, o que fez surgir órgãos e instituições de

controle, internos e externos, ultrapassando o mero exercício do voto e campanhas

eleitorais pela população.

Todo o aparelhamento do Estado, decorrente das reformas administrativas, para

a execução das políticas públicas, tem caminhado para a ampliação do controle social,

entretanto, percebe-se que são tímidos os meios disponíveis para a sociedade, além

do despreparo do cidadão para exercê-lo.

Neste capítulo será analisada a Gestão Pública e suas classificações, o Controle

da Administração Pública, tanto interno como externo, qual a importância da ética

nessa gestão, bem como a importância do controle social para a mesma.

4.1. GESTÃO PÚBLICA: URBANA E MUNICIPAL:

No prisma administrativo, a gestão refere-se ao conjunto de recursos decisórios

e a aplicação das atividades destinadas ao ato de gerir. Nessa perspectiva, segundo os

autores Rezende e Castor (2006), a governança seria a competência dos gestores nas

atividades e nas ações de gestão. Relaciona-se à capacidade dos governos nas

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respectivas funções que assumem, bem como no que se refere à competência na

implementação de políticas públicas, com o objetivo de facilitar as ações necessárias

na condução do município, considerado pelos autores, como “um organismo dinâmico

e complexo que se caracteriza por grandes diversidades, múltiplos contrastes e

interesses divergentes”.

É de Lefebvre (1999) a diferenciação do conceito de cidade e de urbano, onde a

cidade é um objeto definido e definitivo, já o urbano, um objeto virtual ou possível. Tal

abordagem teórica complexa de urbano se dá porque esta classificação permite

apreender as desigualdades e, nesse sentido, possibilita a apreensão da dinâmica dos

elementos da realidade urbana, na medida em que os contrastes passam a ser

analisados em sua relação contraditória. Isso se justifica levando em consideração o

processo de produção do espaço de forma desigual, decorrente do acesso diferenciado

da sociedade à propriedade privada, bem como da estratégia de ocupação do espaço

urbano.

Nesse sentido, a Gestão Pública pode ser analisada como Gestão Urbana e a

Gestão Municipal. A primeira, segundo Wosniak (2011, p. 4, apud Rezende e Castro,

2006, p. 27) relaciona-se

ao conjunto de recursos e instrumentos da administração aplicados na cidade como um todo, visando à qualidade da infra-estrutura e dos serviços urbanos, propiciando melhores condições de vida e aproximando os cidadãos nas decisões e ações de governança pública municipal.

Já a Gestão Municipal, se refere “a gestão da prefeitura e de seus órgãos,

institutos, autarquias e secretarias”, tratando-se do “conjunto de recursos e

instrumentos da administração aplicada na administração local por meio de seus

servidores municipais”.

A Gestão Pública, tanto como Gestão Urbana ou Gestão Municipal, podem

utilizar-se dos conceitos de “new public management” e de inteligência organizacional.

A nova gestão pública (new public management) tem por parâmetro a aplicação dos

modelos de gestão, oriundos da iniciativa privada na organização pública, em conjunto

aos conceitos de administração estratégica, que se foca nos negócios empresariais.

Nessa perspectiva, segundo Jones e Thompson (2000), o cidadão é o cliente em

foco, uma vez existir a delegação de responsabilidades, a substituição de normas por

incentivos, a elaboração de orçamentos com foco nos resultados, o uso de soluções de

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mercado e não apenas decisões administrativas, bem como a medição do sucesso da

governança pelo cidadão.

Já a inteligência organizacional, rege-se por teorias da cognição humana e

social, segundo as quais é necessário integrar a capacidade das pessoas na solução

dos problemas, na convivência dos seres humanos e no saber fazer, focando-se nos

lados sociais e profissionais. Como preleciona Rezende (2006), há o favorecimento de

uma série de fatores, como a sinergia de funções municipais, a adequação às

tecnologias disponíveis, a elaboração de planejamento estratégico organizacional,

planejamento estratégico municipal, planejamento estratégico de informações e gestão

do conhecimento.

4.2. A ÉTICA NA GESTÃO PÚBLICA:

O ordenamento jurídico possui uma multiplicidade de normas que conjugam seu

marco regulatório e institucional da ética na Gestão Pública. A própria Constituição da

República elenca princípios para nortearem a Administração Pública, nas três esferas

de governo da federação no que se refere à ética, a saber:

a) princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência;

b) a licitação pública como regra para aquisição de bens, e;

c) probidade administrativa onde atos contrários são punidos com suspensão de

direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e o ressarcimento

ao erário público.

Não obstante, segundo Carneiro (2002), nas duas últimas décadas do século

XX, ficou claro que a corrupção deixou de ser tida apenas como um problema “moral”

para ser vista como ameaça à ordem econômica, a organização administrativa e ao

próprio Estado de Direito. O restabelecimento da ética enquanto padrão efetivo se faz

necessário para reverter o crescente nível de desconfiança da sociedade, quanto à

conduta dos seus agentes públicos.

Para tanto, os debates atuais centralizam-se para o respeito e para a vivência

dos princípios éticos na “coisa pública”, como assim como na identificação e

desmontagem das práticas que conduzem a percepção negativa, generalizada pelo

público, das condutas na administração pública.

Por haver a possibilidade de se efetivar um poder discricionário no trabalho

diário na gestão pública, na administração dos recursos públicos, no âmbito das

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funções e elaborações de políticas, a integridade dos políticos e funcionários é um

ingrediente essencial para o fortalecimento da sociedade democrática. (Clemenza e

Soto, 2004). Assim, nota-se a importância da ética

como mecanismo de controle da arbitrariedade no uso do poder público; como um fator vital para a criação e manutenção da confiança na administração pública e suas instituições; e também proporciona a base para a existência de práticas e costumes de respeito ao cumprimento dos procedimentos. Enfim, a ética pública é um fator chave da qualidade da administração pública (Carvalho, 2005, p. 2).

As restrições, as regras, normas que pauta a prática de uma ética coletiva,

inspira comportamentos dos sujeitos que atuam como servidores públicos, uma vez

que estes se auto-analisam enquanto funcionários e também como membros de uma

sociedade. Dessa forma, balancear as ações preventivas e repressivas é o maior

desafio da prática da gestão pública que preze pela ética, o que está diretamente

vinculado aos mecanismos de controle social.

4.3. CONTROLE INTERNO E EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:

Toda e qualquer organização prescinde de controle, uma vez que administrar

compreende: planejar, organizar, dirigir e controlar. O Controle interno da organização

é na realidade um controle administrativo, também denominado de autocontrole.

A atividade controladora pressupõe o monitoramento de determinada variável

com o intuito de compará-la a um dado padrão e, a partir dos resultados,

implementarem as ações devidas.

O controle feito pelo Estado e consagrado na Constituição da República por

meio de direitos, como, por exemplo, o direito de petição (art. 5º, XXXIV); direito de

receber dos órgãos públicos informações de interesse geral (art. 5º, XXXIII); ação

popular (art. 5º, LXXIII) e direito de denunciar aos Tribunais de Contas (art. 74, § 2º) é

um direito fundamental do cidadão.

O controle das atividades estatais se faz por meio de acompanhamento da

evolução dessas atividades e pelo confronto do desempenho observado com padrões

anteriormente definidos.

Segundo Capanema o sistema de controle é fundamental para

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qualquer organização e deve ser entendido de forma ampla, isto é, não está limitado apenas aos aspectos financeiros e administrativos, pois compreende todo o conjunto de métodos e ações implementados dentro de determinado órgão administrativo, criando uma cultura de transparência, efetuando comparação entre os resultados previstos e os realizados em sintonia com o interesse público.

A atividade estatal está sujeita a dois tipos básicos de controle, a saber: o

político e o administrativo.

O controle político tem por escopo a manutenção do equilíbrio entre os poderes

e tem por base o sistema de freios e contrapesos, cujas origens remontam à

Constituição dos Estados Unidos da América. Como exemplos de tal controle têm-se a

possibilidade do veto de leis aprovadas no Congresso Nacional, pelo Chefe do Poder

Executivo, previsto no art. 66, § 1º, da Constituição da República e o controle de

constitucionalidade das leis realizado pelo Poder Judiciário.

Já, o controle administrativo visa assegurar a legalidade, a legitimidade e a

economicidade das atividades administrativas desenvolvidas por todos os Poderes. É a

fiscalização que incide sobre as atividades desenvolvidas pela Administração Pública.

O controle administrativo pode ser classificado em interno (é o poder-dever),

quando exercido pelo próprio Poder que pratica o ato fiscalizado, ou como externo –

quando executado pelos Poderes Legislativo e Judiciário ou pela própria sociedade.

Tanto o controle externo quanto o interno podem ser exercidos por iniciativa própria ou

mediante provocação.

O controle administrativo interno, resulta do poder de autotutela da

Administração, o qual a possibilita de rever os próprios atos quando ilegais, inoportunos

ou inconvenientes, com fulcro nos princípios da legalidade, supremacia do interesse

público, eficiência e economicidade. Destarte, examina-se o mérito do ato

administrativo, ou seja, a boa gestão da coisa pública. É possível que A Administração

Pública anule seus atos ilegais e ou revogá-los, se entendê-los como inconvenientes

ou inoportunos, porém sendo garantido o respeitado aos direitos adquiridos, conforme

entendimento das Súmulas 346 e 473 do STF.

São órgãos de controle interno:

a) A Controladoria Geral da União – CGU: Um órgão do Governo Federal que

tem como responsabilidade assistir à Presidência da Republica no que diz respeito a

assuntos referentes à defesa do patrimônio publico e à ampliação da transparência da

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gestão pública, via atividades de controle interno, auditoria pública, correição,

prevenção à corrupção e ouvidoria.

No que se refere especificamente à Política Nacional de Assistencia Social, é o

órgão legitimo para a fiscalização e aplicação da efetividade na gestão do Fundo

Nacional de Assistencia Social – FNAS, podendo, por exemplo, sortear municípios a

serem auditados no que se refere às ações financiadas com recursos federais, entre

estes, os recursos do FNAS ou do IGD/PBF.

b) Ouvidorias Públicas: Possibilitam a comunicação entre a sociedade e os

órgãos públicos responsáveis pelas políticas públicas. Constituem-se em canais de

comunicação direta entre cidadão e governo em que se registram reclamações ou

denuncias. O cidadão faz a reclamação ou denuncia e tem que ter uma resposta, mas,

nem todos os municípios ainda contam essa instancia.

Já ,o Controle Administrativo Externo, ocorre quando a Administração Pública -

compreendendo todos o órgãos e entidades que desempenham função administrativa

nos três Poderes da República – se sujeita ao controle do Legislativo, que o exerce

com o auxilio do Tribunal de Contas e do Ministério Público.

1) O Tribunal de Contas: É o órgão que auxilia o Congresso Nacional no

exercício do controle supremo das contas, ao:

a) exercer a fiscalização e o controle contábil e financeiro, orçamentário,

operacional e patrimonial de todas as unidades administrativas vinculadas aos poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário da União, bem como das fundações e sociedades

mantidas pelo poder público federal.

b) julgar as contas dos administradores e responsáveis por dinheiro, bens e

valores públicos, bem como as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou

outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.

c) fiscalizar recursos repassados da União mediante convênio, acordo, ajuste,

repasse automático regular fundo a fundo ou outro instrumento aos municípios, estados

e Distrito Federal.

No que se refere à Política de Assistência Social, se o Conselho Municipal de

Assistência Social suspeitar de irregularidades no uso dos recursos pela prefeitura –

seja aqueles previstos no Plano Municipal de Assistencia Social, dos benefícios do

Programa Bolsa Família ou do orçamento em geral – pode encaminhar a denúncia por

escrito juntando informações para serem analisadas. O TCU analisa a denúncia e, em

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caso comprovação da irregularidade, pode responsabilizar o administrador que a

cometeu ou enviar a decisão ao Ministério Público.

Ressalta-se que o Conselho não dispõe de mecanismos legais para intervir em

situações de irregularidades. Cabe a ele o imprescindível papel de levantar

informações, por exemplo, sobre o uso irregular de recurso e então encaminhar ao

TCU.

2) Ministério Público: Criado pela Constituição da República de 1988 é um

órgão autônomo, que defende e fiscaliza a aplicação das leis, e representa os

interesses da sociedade, zelando pelo respeito aos poderes públicos e pela garantia

dos serviços públicos.

Tem por atribuição zelar pelos direitos socioassistenciais, para tanto, torna-se

parceiro dos Conselhos, pois podem ser propostas ações civis públicas contra os que

violam os interesses coletivos, ou ainda, inquéritos civis públicos para verificar se

determinado direito foi ou não violado.

Dessa forma, podem os Conselhos recorrer ao Ministério Público ao

constatarem irregularidades na Administração Pública.

4.4. A CONTRIBUIÇÃO DO CONTROLE SOCIAL PARA A GESTÃO PÚBLICA:

O surgimento de um controle social remete-se à década de 20 do século

passado. À época, mais aproximava à linha durkheimiana do que para a idéia atual de

mobilização social. Segundo Buratto (2004), o mesmo era entendido “como um

conjunto de recursos materiais e simbólicos de uma sociedade para garantir que a

conduta de seus membros respeitasse as regras e princípios estabelecidos”. Hoje se

têm apontado para uma necessidade de participação, cada vez maior por parte da

sociedade, no controle da administração, fazendo emergir um novo conceito.

É por meio do controle social que a sociedade se organiza formal e

informalmente, com o objetivo de controlar os comportamentos individuais e as

organizações públicas, o que,

pode ocorrer tanto de baixo para cima (quando a sociedade se organiza politicamente para controlar ou influenciar instituições sobre as quais não possui poder formal) ou de cima para baixo (quando se exerce por meio de conselhos diretores de instituições públicas). (Bresser Pereira, 2003).

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Para tanto, é necessária a organização da sociedade civil, de forma permanente,

em múltiplos espaços públicos, desde o planejamento estratégico municipal até a

execução do mesmo, além da transparência e visibilidade do Estado e mecanismos

legais que garantem essa participação do cidadão.

De forma genérica, classificam-se os mecanismos de controle da parte das

diversas instituições de controle, sob o ponto de vista gerencial em

a) controle hierárquico ou administrativo, que se exerce dentro das organizações

públicas ou privadas;

b) controle democrático ou social, que se exerce quando os grupos sociais se

organizam para defenderem interesses particulares ou públicos;

c) controle econômico via mercado.

Assim, são os Conselhos Municipais de Assistencia Social instituições de

controle democrático ou social, que o exerce desde o planejamento estratégico dos

municípios até a sua execução, uma vez que defendem os interesses dos usuários da

política de Assistência Social.

Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2010, p.

163), constitui o público usuário da política de assistência social cidadãos e grupos que

se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social, tais como:

a) famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade,

pertencimento e sociabilidade;

b) identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual;

c) desvantagem pessoal resultante de deficiências e ciclos da vida;

d) exclusão pela pobreza e/ou, no acesso às demais políticas públicas;

e) uso de substâncias psicoativas;

f) diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos;

g) inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal;

h) estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem

representar risco pessoal e social.

No Brasil, durante os anos que se seguiram o processo de redemocratização, os

movimentos sociais se consolidarem em redes de abrangência regional ou nacional,

firmando–se como sujeitos na formulação e monitoramento das políticas públicas.

Nos anos 1990 esses movimentos sociais tiveram atuação fundamental na

resistência às práticas neoliberais e de flexibilização dos direitos sociais, às

privatizações, dogmatismo do mercado e enfraquecimento do Estado. Foi nesse

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período que se proliferaram em todo o país experiências de gestão estadual e

municipal em que lideranças desses movimentos, em larga escala, passaram a

desempenhar funções de gestores públicos.

Com as eleições de 2002, alguns dos setores mais organizados da sociedade

trouxeram reivindicações históricas acumuladas passando a influenciar diretamente a

atuação do governo e vivendo de perto suas contradições internas, sobretudo no que

tange às políticas socioassistenciais.

Para tanto, o diálogo entre Estado e sociedade civil assumiu especial relevo,

com a compreensão e a prevenção do distinto papel de cada um dos seguimentos no

processo de gestão (BRASIL, 2010, p. 26).

Essa interação, fortalecida pelos Conselhos Gestores da Assistência Social, é

desenhada por acordos e dissensos, debates de idéias e pela deliberação em torno de

propostas. Tais requisitos são indispensáveis ao pleno exercício da democracia

,cabendo a sociedade civil exigir, pressionar, cobrar, criticar, propor e fiscalizar as

ações do Estado.

Essa concepção de interação democrática construída entre os diversos órgãos

do Estado e a sociedade civil, trouxe consigo resultados práticos em termos de

políticas públicas e avanços na interlocução de setores do poder público com toda a

diversidade social, cultural, étnica e regional que caracteriza os movimentos sociais.

Avançou-se fundamentalmente na compreensão de que os Direitos Humanos,

constituem condição para a prevalência da dignidade humana, e que devem ser

promovidos e protegidos por meio de esforço conjunto do Estado e da sociedade civil.

Uma das finalidades básicas do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH - 3) é

dar continuidade à integração e ao aprimoramento dos mecanismos de participação

existentes, bem como criar novos meios de construção e monitoramento das políticas

sobre Direitos Humanos no Brasil (Brasil, 2010, p. 27)

Para que esse objetivo seja alcançado, se faz necessário o aperfeiçoamento da

interlocução entre Estado e Sociedade civil, bem como da implementação de medidas

que garantam à sociedade maior participação no acontecimento das políticas públicas

em Assistência Social, num diálogo plural e transversal entre os vários atores sociais e

deles com o Estado.

É também necessário ampliar o controle externo dos órgãos públicos por meio

de ouvidorias, realizar conferências periódicas sobre a temática, fortalecer os

conselhos nacional, distrital, estaduais e municipais de Assistência Social. Garantir à

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estes eficiência e independência são algumas das formas de assegurar o

aperfeiçoamento das políticas por meio de diálogo, de controle e das ações continuas

da sociedade civil.

Fortalecer as informações em Assistência Social com produção e de seleção de

indicadores para mensurar demandas, monitorar, avaliar, reformular e propor ações

efetivas garante e consolida o controle social e a transparência das ações

governamentais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Conselhos Municipais de Assistência Social são espaços eminentemente

democráticos decorrentes dos direitos civis, conquistados a partir do processo iniciado

por movimentos sociais desde a década de 70 e consagrada pela Constituição da

República de 1988.

Como fruto desse processo de liberdade e avanços, sobretudo no que se

referem às questões sociais, tais Conselhos, na arena do Direito, se legitimaram como

espaços propícios para a deliberação acerca das melhores decisões de governos em

relação às políticas socioassistenciais, uma vez que a descentralização existente

quanto aos recursos financeiros e a execução da Política de Assistência Social no

Brasil prezam pela necessidade das decisões elaboradas nos Conselhos de

Assistência Social.

Ao possuírem os Conselhos Municipais de Assistência Social um caráter

deliberativo e uma dimensão político-institucional, em âmbito municipal, suas decisões

descentralizadas são tomadas de forma que representem os grupos de interesses da

cidade. Esse espaço, democrático se propõe a consolidar tal política pública como uma

questão de direito, afastando-se, portanto, de práticas assistencialistas, comumente

praticadas por gestões neoliberais.

As deliberações tomadas pelos Conselhos devem ser transformadas em

resoluções, com ampla divulgação, uma vez que expressa a opinião pública sobre o

assunto discutido, o que as tornam determinações para que o cumprimento do Poder

Público e da sociedade.

Compete ao Executivo a execução das ações que efetivam a política e ao

Conselho, o papel de propor, acompanhar e fiscalizar a execução. Isso acarreta a

necessidade de uma interação frutífera entre os envolvidos, respeitando as diferenças,

tendo por o escopo a busca permanente de soluções para os principais problemas

sociais.

Os Conselhos Municipais de Assistência Social ao acompanharem a

execução da Política de Assistência Social visa garantir que a gestão pública se paute

por parâmetros éticos, ou seja, que os mecanismos de controle da arbitrariedade no

uso do poder público sejam eficientes, o que serve como um fator vital para a criação e

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manutenção da confiança na Administração Pública e em suas instituições

socioassistenciais.

De igual forma, é nesse espaço democrático que o exercício da cidadania se

fortalece ao ser reivindicar direitos em forma de lei, através da concessão de serviços e

bens, para categorias sociais até então excluídas da sociedade, principalmente do

ponto de vista econômico e do ponto de vista cultural.

É essa prática da Participação Popular por meio dos Conselhos que se

forma uma identidade social e coletiva nos conselheiros, bem como uma

conscientização política acerca da organização e execução das políticas públicas

sociais por parte da Administração Pública, desde o momento de se elaborar o

planejamento estratégico municipal.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que isento

completamente a Universidade Anhanguera-Uniderp, a Rede de Ensino Luiz Flávio

Gomes e o professor orientador de toda e qualquer responsabilidade pelo conteúdo e

idéias expressas no presente Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de

plágio comprovado.

Governador Valadares, 05 de agosto de 2011