Conflito e Cooperação em Espaços de Interação Sociedade Civil–Estado para o Desenvolvimento de Territórios na Amazônia Brasileira
Documento para su presentación en el VIII Congreso Internacional en Gobierno, Administración y Políticas Públicas GIGAPP. (Madrid, España) del 25 al 28 de
septiembre de 2017.
Autores
Mário Vasconcellos SobrinhoE-mail: [email protected]
Ana Maria de Albuquerque VasconcellosE-mail: [email protected]
Herbert Cristhiano Pinheiro de AndradeE-mail: [email protected]
Resumo: O artigo discute experiências de interação entre atores sociais para a construção de propostas de desenvolvimento territorial na Amazônia Brasileira. O trabalho discute especificamente três exemplos de interação entre atores sociais para mediação de conflitos emergentes e construção de pactos territoriais baseados na cooperação. Baseado em uma análise qualitativa, a pesquisa mostra que: (a) o conflito e a cooperação são resultantes da construção sócio-histórica de cada território; (b) na Amazônia brasileira, as políticas de desenvolvimento regional iniciada nos anos 50 promoveram uma série de conflitos territoriais; (c) os territórios são, por natureza, espaços de conflito e de negociação para sua requalificação; (d) com suporte de organizações intermediárias, há tentativas de requalificação territorial na região; e, (e) a cooperação é uma forma de potencializar os ativos dos territórios.
Palavras-chave: Cooperação. Conflito. Desenvolvimento territorial.
Abstract: This paper discusses experiences of social actors’ interaction for buinding territorial development proposals in Brazilian Amazon. Specifically, the paper discusses three examples of interaction between social actors for mediation of emerging conflicts and construction of territorial pacts based on cooperation. Based on a qualitative analysis, the research shows: (a) conflict and cooperation are outcomes of individual territory socio-historical construction; (b) in the Brazilian Amazon, the regional development policies initiated in the 1950s promoted a series of territorial conflicts; (c) territories are, by nature, spaces of conflict and negotiation for their requalification; (d) with support from intermediary organizations, there are efforts for territorial re-qualification in the region; and, (e) cooperation is a way of boosting the assets of the territories.
Key-words: Cooperation. Conflict. Territorial development.
Resumen: En el artículo se analizan experiencias de interacción entre actores sociales para la construcción de propuestas de desarrollo territorial en la Amazonia brasileña. El trabajo analiza de manera especial tres ejemplos de interacción entre actores sociales para la mediación de conflictos emergentes y la construcción de pactos territoriales basados en la cooperación. A partir de un análisis cualitativo, la investigación mostró que: (a) el conflicto y la cooperación son resultado de la construcción socio-histórica de cada territorio; (b) en la Amazonia brasileña, las políticas de desarrollo regional iniciadas en los años 50 provocaron una serie de conflictos territoriales; (c) los territorios son, por naturaleza, espacios de conflicto y de negociación para su recalificación; (d) con apoyo de organizaciones que intermedien, hay posibilidades de recalificación territorial en la región; y, (e) la cooperación es una forma de potenciar los activos de los territorios.
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Palabras clave: Cooperación. Conflicto. Desarrollo territorial.
Nota biográfica:
Mário Vasconcellos Sobrinho é economista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará, PhD em Estudos do Desenvolvimento pelo Centre for Development Studies, University of Wales Swansea (Reino Unido), Pós-doutor em Gestão Pública e Governo pela EAESP da Fundação Getúlio Vargas, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA).
Ana Maria de Albuquerque Vasconcellos é cientista social, mestra em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará, PhD em Estudos do Desenvolvimento pelo Centre for Development Studies, University of Wales Swansea (Reino Unido), professora da Universidade da Amazônia (UNAMA).
Herbert Cristhiano Pinheiro de Andrade é professor da Univesidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). É membro do Grupo de Pesquisa Gestão Social e do Desenvolvimento Local da Universidade da Amazônia (UNAMA) e do GEGOP - CLACSO.
1- INTRODUÇÃO
Desde o final dos anos 80 do século passado que emergiram muitos espaços de
interação entre Sociedade Civil e Estado no Brasil para fins de consecução de políticas
públicas e/ou para a implantação de projetos, programas e políticas de desenvolvimento.
Esses espaços têm sido fortemente marcados como lócus de conflitos entre atores
sociais e agentes que representam tanto o Estado quanto a Sociedade Civil. Entretanto,
entende-se que os conflitos são inerentes a qualquer espaço de interação e servem para
impulsionar a construção de consensos mínimos, concertação social e pactos territoriais
para o desenvolvimento de territórios. Significa refletir o que na perspectiva de
Habermas (1989), representa o agir comunicativo que permeia a relação entre os
sujeitos em seus espaços de interlocuções para a construção de uma sociedade mais
justa e menos conflituosa.
O presente artigo busca discutir e apresentar aprendizados que as experiências
de interação entre atores sociais da sociedade civil e Estado nos trazem quando os
objetivos dos espaços de interação se vinculam ao desenvolvimento territorial. Busca-
se, especificamente, focar em exemplos de aceitação do conflito como parte do processo
de desenvolvimento territorial e de sua mediação por meio de organizações
intermediárias para cooperação entre os agentes envolvidos. O artigo provém de várias
experiências de pesquisa sobre conflitos e cooperação em espaços de interação realizada
pelos autores no contexto do estado do Pará, na Amazônia Brasileira. Trata-se de um
trabalho de cunho qualitativo que se reporta a três exemplos de conflitos e cooperação
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em projetos, programas e ações públicas que ocorreram na região. O artigo busca
discutir e mostrar que: (a) o conflito e a cooperação são resultantes da construção sócio-
histórica de cada recorte territorial; (b) os territórios são, por natureza, espaços de
conflito, mas, ao mesmo tempo, são espaços de negociação para sua requalificação; (c)
na Amazônia brasileira, as políticas de desenvolvimento regional iniciadas na segunda
metade do século XX resultaram em uma série de conflitos territoriais na região; (d)
todavia, há tentativas de mediação de conflitos e apresentação de propostas de
desenvolvimento territorial; e, (e) a cooperação se apresenta, então, como uma forma de
potencializar os ativos dos territórios. Os exemplos utilizados ao longo do texto
mostram que conflito, contradição, cooperação e concertação andam lado a lado em
qualquer espaço ou esfera pública estabelecida para fins de consecução de projeto,
programas e políticas de desenvolvimento.
2- DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL, CONFLITO E COOPERAÇÃO
No Brasil, desde o fim dos anos 90 do século passado que o conceito de
território vem tomando forma para as discussões sobre desenvolvimento em função do
desgaste ainda em evidência da noção de região e, mais precisamente, de
desenvolvimento ou planejamento regional. Tal desgaste tem ocorrido pela
incapacidade de apresentação de resultados macroeconômicos e macrossociais de
desenvolvimento convincentes pela lógica regionalista. Desta forma, a compreensão de
região tem adquirido uma nova perspectiva que tem exigido a capacidade de
reinterpretar e reconhecer o espaço a partir de suas múltiplas perspectivas. Assim, o
conceito de região passou a ser entendido como uma construção histórico-social na qual
se entrelaçam a política, economia, cultura e, sobretudo o ambiente local enquanto
instâncias conformadoras da sociedade e definidoras de sua organização espacial
(Vasconcellos & Vasconcellos, 2009).
A criação de novos espaços públicos de formulação e gestão tornou-se um dos
elementos estruturantes do desenvolvimento que passou a assumir uma postura
territorial. Em boa parte, esses novos espaços dizem respeito à inovação institucional e à
criação de ambientes onde se combinam articulações intraestatais, estado-sociedade e
estado-sociedade-mercado. Os arranjos e formatos construídos nesta direção (fóruns,
conselhos, câmaras, consórcios) se sustentam na ideia de integração e participação
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social dos diversos atores locais que (re) constroem com suas ações e práticas cotidianas
o desenvolvimento dos territórios.
Em termos concretos, no Brasil o território passa a ser unidade de referência
para a ação do Estado e regulação de políticas públicas a partir dos anos 2000, mais
precisamente com o governo Lula da Silva (2003 – 2010) que assumiu uma postura
político-ideológica mais próxima do social-reformismo, dando um pouco mais de voz à
sociedade civil para o diálogo com o Estado e com os próprios agentes de mercado.
Passou a se apresentar como uma resposta do Estado nacional às intensas críticas
referentes à ineficácia e ineficiência de suas ações, seu alto custo para a sociedade e a
permanência das mazelas sociais mais graves como a pobreza, desemprego e violência,
dentre outras. As iniciativas de descentralização das políticas públicas, a valorização da
participação dos atores da sociedade civil, especialmente os beneficiários dos programas
de governo, e a redefinição do papel das instituições, fez crescer a importância das
esferas do poder público local, especialmente os municípios, e dos atores coletivos e
individuais da sociedade civil. Consequentemente, as particularidades dos atores
coletivos, individuais e institucionais em jogo necessariamente se colocam. Um
importante fator é o reconhecimento do nexo existente entre os espaços de planejamento
e implementação de políticas e as bases associativas efetivamente ancoradas nos
territórios. Esse tipo de nexo se apresenta como um diferencial capaz de conferir
legitimidade e densidade aos processos de desenvolvimento territorial por se distinguir
de dinâmicas centradas nas formas clássicas de ‘poder local’ que se apresenta como
sinônimo de poder ‘sobre o local’.
Segundo Abramovay (2000), o capital social de um território será mais forte na
medida em que ele permitir a ampliação do círculo de relações sociais em que vivem
aqueles que participam de sua construção sócio-histórica para o desenvolvimento. A
abordagem territorial do desenvolvimento, nesta perspectiva, supõe a ampliação das
oportunidades de escolha por parte dos atores do território. Na verdade, trata-se de um
tema estratégico que envolve um projeto político de território.
Sen (1999) aponta duas opostas perspectivas analíticas sobre desenvolvimento.
A primeira sustenta que o desenvolvimento é um processo violento, sofrido, envolvido
inevitavelmente em “sangue, suor e lágrimas” (Sen, 1999:35). Nesta perspectiva,
segundo o autor, o desafio de acumular riquezas o mais rapidamente possível pode levar
até ao sacrifício imediato do bem-estar social e coletivo que somente depois seriam
construídos em bases mais sólidas. Em perspectiva oposta, Sen (1999:32) diz que o
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desenvolvimento pode ser, também, um processo “essencialmente amigável” e que
“pode ser exemplificado por coisas como trocas benéficas, ou pelo trabalho de redes de
segurança social, ou por liberdades políticas ou por desenvolvimento social – ou uma ou
outra combinação destas atividades de apoio” (Sen, 1999: 32). Desenvolvimento, então,
significa o aumento da capacidade de os atores fazerem escolhas. A liberdade e,
portanto, o desenvolvimento não pode ser pensado fora das condições concretas de seu
exercício. Não basta que a lei assegure certos direitos, o fundamental é que os atores
locais possuam as capacidades, as qualificações, as prerrogativas de se deslocar, de
participar dos mercados e de estabelecer relações humanas que enriqueçam sua
existência.
O termo conflito não deve ser tratado de forma singular uma vez que ocorre
sob múltiplas formas. Ele ocorre territorialmente e é resultante das interações entre
pessoas, grupos sociais, organizações, comunidades e territórios em diferentes espaços e
tempos históricos (Almeida, 2009: 44). O conflito, ou melhor, “os conflitos” se
apresentam de variadas formas e são partes inerentes aos territórios que, por natureza,
são constituídos de relações humanas e estruturas sociais. Portanto, os conflitos têm
naturezas, espaços e tempos próprios. Conflitos por poder, apropriação dos recursos
naturais, domínio ideológico do projeto de território e do aparato institucional são
apenas alguns exemplos de conflitos que se vinculam à discussão sobre
desenvolvimento territorial.
Se por um lado os conflitos podem ser interpretados como uma perturbação ao
“funcionamento normal” da sociedade (Durkheim apud Canto, 2016) e uma barreira
para o desenvolvimento dos territórios; por outro lado, os conflitos podem também ser
entendidos como mecanismos impulsionadores de mudanças e melhorias das sociedades
para a busca de novos projetos de desenvolvimento. Neste último caso, a busca por
consensos contingenciais e temporários e a construção de concertações sociais (Tapia,
2005) e pactos territoriais (Dallabrida & Ferrão, 2016) podem ser alternativas para o
desenvolvimento dos territórios. Parte-se do entendimento que os conflitos são inerentes
aos territórios e que a cooperação entre os atores sociais, não para eliminar os conflitos,
mas para minimizá-los e/ou moderá-los, é um caminho possível para o desenvolvimento
territorial. A tentativa de cooperação não consiste em por fim aos conflitos, mas em
regulamentar suas formas de modo que suas manifestações sejam menos destrutíveis e
mais edificantes para todos os atores sociais e para os territórios propriamente ditos.
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Para construir entender a cooperação entre atores sociais na perspectiva do
desenvolvimento territorial faz-se necessário analisar os vários pontos que agem
interativamente na construção do território. Dentre esses pontos estão a competição
política, as normas e regras estabelecidas no território e pelos diferentes níveis de
governo, a capacidade de gestão das organizações locais e as redes de relações
(networks) institucionais e de atores sociais. Isso significa que para entender a
cooperação no território há necessidade de compreender os contextos sócio-político e
socioeconômico onde a mesma se estabelece.
A compreensão da cooperação como uma forma de ação coletiva para o
desenvolvimento territorial somente será realizada se análises e evidências empíricas
percorrerem por trás da hipótese de sinergia (Evans, 1997) e das relações sem conflito
entre os atores sociais. Nesse contexto, questões importantes que emergem são: quais
fatores influenciam a aproximação entre os atores para a cooperação? Quais fatores
contribuem e/ou inibem a cooperação entre os atores? Quais tipos de ações coletivas
têm sido estabelecidos? Ações coletivas com coordenação centrada no Estado refletem
os interesses e prioridades dos atores territoriais? Como Gaventa (2004) sugere, para
examinar espaços de interação intraestatais, estado-sociedade e estado-sociedade-
mercado se faz necessário questionar como esses espaços foram criados, com quais
interesses e quais são os termos de engajamento dos atores sociais.
Mesmo que o território assuma o principio da participação no planejamento e
estabelecido um novo arranjo institucional para suportar a cooperação dos atores locais
nesse processo, ainda não é totalmente claro como a cooperação entre os atores sociais
tem promovido o equilíbrio de interesses e prioridades de todos àqueles que compõem
os espaços de interação. Ainda existem lacunas no conhecimento para entender como a
participação reflete a cooperação e o empoderamento das camadas sociais que
historicamente são excluídas do processo de desenvolvimento dos territórios. Este artigo
busca exatamente contribuir para no debate sobre participação, cooperação e
empoderamento para o desenvolvimento territorial e cobrir parte da lacuna existente.
Dado o exposto, duas questões emergem como centrais para entender a
efetividade dos novos arranjos institucionais que promovem participação e cooperação
entre os atores sociais para o desenvolvimento territorial: em que medida a participação
de representantes das organizações locais no planejamento e/ou implementação de
políticas, programas e projetos de desenvolvimento territorial representa cooperação?
Como Cornwall (2004) sugere, novos espaços público podem ser ocupados por novas
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ideias e atores sociais, mas podem ser também espaços de fortalecimento de velhas
estruturas de poder. A cooperação é uma estratégia efetiva para incluir os interesses das
diversas coletividades nas estratégias do desenvolvimento territorial? Como Sen (1999)
indica, um grande desafio é a construção de cooperação onde os interesses dos
diferentes atores sociais são tão diversos.
3- DESENVOLVIMENTO REGIONAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA E
EMERGÊNCIA DE CONFLITOS
Há uma vasta literatura que apresenta e discute a história de inserção da
Amazônia brasileira no contexto do desenvolvimento nacional brasileiro na segunda
metade do século XX. Por se tratar de uma história longa e que envolve
aproximadamente 50% do território brasileiro, destaca-se aqui apenas um breve recorte
dessa história para fazer apontamentos de alguns dos muitos conflitos e contradições
que a política de desenvolvimento regional trouxe para espaços territoriais específicos
da região.
Na década de 1950 o governo federal brasileiro iniciou projetos de (a)
infraestrutura física para maior integração da região norte do país com o resto do Brasil
por via da construção de uma estrada federal que passou a ligar Belém, no estado do
Pará, à Brasília, capital do Brasil; e (b) infraestrutura institucional para apoio ao
desenvolvimento econômico com a criação da Superintendência de Valorização
Econômica da Amazônia (SPEVEA) que mais tarde passou a ser a Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM).
Na década de 1960, já com o governo autoritário e militar, o Brasil passou a
contar com planos nacionais de desenvolvimento que definia os rumos e estratégias de
desenvolvimento nacional e traçava os papeis que o governo adotava para o
desenvolvimento regional e, nesse caso específico, para a Amazônia brasileira. No
contexto deste planejamento foi implantado o Plano de Integração Nacional (PIN) com
abertura de novas estradas, dentre as quais a mais importante foi a rodovia
Transamazônica; e os Planos de Desenvolvimento da Amazônia (PDA) cujas tônicas
eram criar polos regionais de desenvolvimento baseados na agropecuária e mineração.
Em 1970 se estabeleceu o programa denominado POLAMAZÔNIA com
objetivo do uso dos recursos naturais e aproveitamento das potencialidades da
agropecuária, agroindustrial e florestal em áreas definidas como prioritárias na região
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em face o entendimento de que seus resultados seriam irradiados para todo o território
regional.
Já na década de 1980 a ênfase foi dada para o maior aproveitamento dos
recursos minerais e a infraestrutura energética para a indústria extrativista em
implantação na região. Nesse contexto, foi construída a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, a
maior hidrelétrica genuinamente brasileira. Houve, ainda, a construção de outras
hidrelétricas na região, assim como suporte a implantação de indústrias extrativas
minerais para produção de alumina, bauxita, ferro e manganês nos estados do Pará e
Amapá.
O que se quer destacar nessa breve descrição histórica é que o conjunto desses
planos, programas, projetos e iniciativas ocasionaram significativas desestruturações e
reestruturações do território e meio ambiente regional que potencializou conflitos entre
o Estado, sociedade civil e mercado e que o desenvolvimento macroeconômico não se
traduziu em desenvolvimento social nos diversos territórios da região. Para
exemplificar, houve na região processos de concentração fundiária, devastação da
floresta, inchaço dos núcleos urbanos, surgimento de novos aglomerados humanos em
regiões próximas onde os grandes empreendimentos de instalaram, poluição dos rios e
aumento da pobreza e violência. Esses exemplos apenas corroboram com o
entendimento da limitação do approach de desenvolvimento regional e de sua
insuficiência de transformar os resultados macroeconômicos e macrossociais para o
nível local e territorial.
Paiva (2010) e Canto (2016) fazem um esforço para traçar uma tipologia de
conflitos que os denominam de socioambientais a partir das interações entre os
múltiplos atores sociais – novos e antigos – e as respectivas atividades que visam o uso
e apropriação dos recursos naturais da região e suas consequências. Dentre esses estão,
conflitos referentes aos (1) recursos hídricos, em particular as restrições de acesso a
água por muitas comunidades locais; (2) ordenamento territorial, com invasões,
expropriações e disputa pela terra; (3) moradia, com ocupação urbana desordenada e
ausência de infraestrutura de água, energia, esgotamento sanitários, dentre outros; (4)
pecuária, representado por criação extensiva de gado que se alia ao desmatamento; (5)
monocultivos, sobretudo com produção de grãos e uso de agrotóxicos; e, (5) extração
predatória dos recursos naturais, representado pela baixa existência de planos de
manejo, extinção de espécies nativas e uso de recursos do subsolo.
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É neste quadro sócio-histórico predominantemente de conflitos e contradições
do modelo de desenvolvimento regional implantado nos territórios da Amazônia
brasileira que tem emergido, por via da perspectiva de desenvolvimento territorial, os
novos espaços públicos institucionais de interação entre os atores sociais para, de
alguma forma, responder aos conflitos emergentes.
4- DOS CONFLITOS À COOPERAÇÃO: CONSECUÇÃO DE PROPOSTAS
DE DESENVOLVIMENTOS TERRITORIAIS
Dada a diversidade de territórios e a multiplicidade de conflitos existentes, a
construção e efetivação de espaços públicos institucionais de interação entre os atores
sociais variam de acordo com o quadro sócio-histórico específico de cada recorte
territorial. Em outras palavras, há em cada território a predominância de determinado
tipo de conflito que influencia no comportamento dos atores sociais nos espaços de
interação. Os exemplos que seguem demonstram três tipos de construção de diálogo e
cooperação entre os atores sociais.
4.1- Regularização fundiária e financiamento produtivo para superação da
pobreza
Entre 2009 e 2014 foi implantado no município de Igarapé-Açú, no estado do
Pará, um programa de desenvolvimento territorial denominado Pará-Rural; programa
este criado por lei estadual em 2005. O objetivo do Pará-Rural era combater a pobreza
rural a partir da regularização fundiária, geração de trabalho e renda mediante o suporte
a processos locais de desenvolvimento, financiamento de projetos produtivos e
promoção do fortalecimento institucional da gestão territorial do Estado. O programa foi
financiado entre 2008 e 2014 pelo Banco Mundial e seu desenho definia a participação e
cooperação de atores sociais locais no planejamento do território como fundamental
para melhor eficiência e efetividade dos investimentos realizados. Na prática, o Pará-
Rural se destaca por trazer diferentes atores rurais da esfera pública, sociedade civil e
mercado para elaborar, implementar e avaliar um plano de interesse comum e promover
maior eficiência e efetividade no uso do recurso público sob o approach de governança
e ações colaborativas (Vasconcellos Sobrinho, Teixeira & Vasconcellos, 2016).
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O Programa Pará-Rural se implementou em nível local a partir de uma
estratégia de mobilização de organizações da sociedade civil, empresariais e de
instituições governamentais para subsidiar a elaboração e execução de um projeto de
desenvolvimento territorial. A metodologia previu a execução de um diagnóstico
participativo e, em consequência, a instituição de um Fórum de Desenvolvimento
Municipal (FDM) para a elaboração de um Plano de Desenvolvimento Municipal
(PDM). Buscou-se estimular o protagonismo dos atores sociais locais na definição dos
rumos de desenvolvimento municipal para o curto, médio e longo prazo.
O pressuposto seguido pelo programa foi ancorado na definição de
desenvolvimento local sugerido por Buarque (2008, p. 25) “como um processo
endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de
vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos”.
Nas reuniões do FDM foram discutidas as realidades das comunidades locais e
do município como um todo sob os pontos de vista econômico, social, cultural e
ambiental. O FDM promoveu um grande seminário na sede do município para a
construção de matrizes de problemas locais envolvendo todas as dimensões que
ancoram o debate sobre o desenvolvimento sustentável do território. Estas matrizes
serviram de base para a etapa seguinte de elaboração do PDM.
Embora a participação nas reuniões do FDM e na construção do DP tenha
ensejado o confronto entre diferenciadas visões de mundo e projetos de sociedade, este
confronto proporcionou a inovação, o amadurecimento e o comprometimento dos
participantes com as estratégias consensuadas e pactuadas no plano de
desenvolvimento. O confronto propiciou aos atores sociais do território mudanças na
forma de articulação entre as instituições do governo, da sociedade civil e dos agentes
produtivos com vistas a uma perspectiva de desenvolvimento mais multidimensional.
Esse confronto pode ser caracterizado como um dos mais importantes momentos do
aprendizado coletivo.
A história de Igarapé-açu mostra que entre os anos 50 e 70 o município foi
fortemente atingido com a construção da estrada Belém – Brasília dentro do projeto
nacional de integração regional. De forma resumida, a estrada extinguiu uma ferrovia
até então existente no estado e que ligava facilmente Igarapé-Açú a outros municípios e
a capital do estado. Esta ferrovia facilitava o fluxo de pessoas e mercadorias e sua
extinção provocou uma desestruturação socioeconômica do município.
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A partir da década de 70 houve uma tendência à implantação de lavouras
permanentes (pimenta do reino e, posteriormente, dendê) e semipermanentes (maracujá)
para atendimento exclusivo do mercado externo (Silva, 2010). A cultura da pimenta do
reino ganhou força incentivada por iniciativas governamentais e pelos bons preços
praticados no mercado internacional, permanecendo assim até a segunda metade da
década de 80 quando praticamente desapareceu em função de problemas fitossanitários
(Sousa Filho, 2001). A mesma ressurgiu apenas no final da década de 90 e permanece
até os dias de hoje como uma importante cultura no contexto municipal.
A década de 90 foi marcada pela introdução da cultura do dendê e pelo
crescimento da atividade pecuária em grandes propriedades. A expansão da cultura do
dendê foi alavancada pelas condições bioclimáticas favoráveis e pela implantação de
uma empresa agroindustrial com incentivos fiscais do Governo Federal (Silva, 2010). A
pecuária se implantou em áreas anteriormente dedicadas ao plantio de culturas
alimentares de propriedade de antigos colonos que foram adquiridas por comerciantes
urbanos locais. A pecuária provocou uma reconfiguração na produção rural e nas
unidades de produção, com concentração de terras para formação de pastos e
estruturação de fazendas com áreas superiores a 500 hectares (Sousa Filho, 2001)
provocando, assim, um conflito entre pequenos produtores familiares e grandes
produtores. Com uma expansão crescente do rebanho, a pecuária provocou sérios
problemas ambientais para o município.
Durante as oficinas de DP foram constatadas nos discursos dos produtores
locais as consequências diretas das opções tecnológicas adotadas, sobretudo a partir dos
anos 90 do século XX. A especialização de culturas, como o maracujá e a pimenta do
reino, por exemplo, fragilizaram os pequenos produtores em suas relações com o
mercado, provocando, em momentos de crises dessas culturas, o endividamento e, em
muitos casos, a venda de seus lotes e o aumento da pobreza rural. A forte dependência
da indústria de insumos agrícolas provocou um aumento significativo de seus custos de
produção, e a ausência de estrutura de assistência técnica levou ao uso inadequado e
indiscriminado de agrotóxicos, gerando sérios riscos para a saúde dos produtores e seus
familiares e para os ecossistemas locais.
O debate entre os atores sociais locais permitiu uma auto avaliação da estrutura
territorial e foi capaz de identificar que, exceto em alguns casos particulares, os
produtores trabalham de maneira isolada, com pouca articulação entre eles. Os mesmos
identificaram que tem cada produtor possui suas próprias práticas e seus circuitos de
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comercialização diretamente ao consumidor, o que fragiliza a perspectiva coletiva para
o desenvolvimento do território. De fato, até então predominava no município o
associativismo político e uma estrutura individual de produção. Quando este cenário foi
discutido nas reuniões do FDM, os atores locais se deram conta de quanto os mesmos se
enfraqueciam ao terem suas bases coletivas frágeis e com baixa cooperação. Por outro
lado, perceberam, também, o quanto possuíam de conhecimento e aprendizado sobre o
território vivido e que não compartilhavam entre si.
O aprendizado coletivo gerado pelas experiências econômicas vivenciadas
pelos atores sociais de Igarapé-Açu após a discussão permitiu que construíssem um
plano de desenvolvimento territorial (denominado Plano de Desenvolvimento
Municipal) que traçou uma visão de futuro resultante do consenso negociado no
processo de construção do mesmo. O plano evidencia a busca de regeneração das bases
que conformam o processo de desenvolvimento municipal uma vez que define um
desenvolvimento baseado na sustentabilidade e na gestão participativa. O mesmo
sinaliza para a centralidade na economia rural, com sistemas de produção
ecologicamente corretos e na promoção da igualdade, solidariedade e justiça social
(Igarapé-Açú: Plano de Desenvolvimento Municipal, 2009, p 07).
A visão de futuro estabelecida pelos atores sociais no PDM expressa uma
intenção de ruptura com os princípios de um modelo produtivista e individualista que os
mesmos identificaram como esgotado. Tomou-se uma clara opção de iniciar no
município um processo de transição para a agroecologia levando em conta o conjunto
das atividades hoje estruturadas no território. Fez-se opção por um modelo econômico
capaz de internalizar os investimentos realizados e irradiá-los para o conjunto da
economia local. Todavia, este consenso demanda mudanças institucionais que
aumentem a participação da sociedade na gestão do território e promovam, a partir de
processos solidários, a igualdade e a justiça social. O aprendizado aqui empreendido
ultrapassa a perspectiva econômica, mas pode-se caracterizá-la como aprendizado
econômico e produtivo, vinculado às questões ambientais.
4.2- Ocupação urbana desordenada e ausência de infraestrutura
Entre 2010 e 2014, a Universidade da Amazônia (Unama), com a finalidade de
contribuir para o desenvolvimento sustentável da sociedade na qual está inserida, criou
um programa de apoio ao desenvolvimento do município de Benevides, município
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partícipe da região metropolitana de Belém (RMB), a maior região metropolitana da
Amazônia. O programa denominou-se Programa Integrado Município Sustentável
(PIMS). O PIMS estava ancorado em uma estratégia de desenvolvimento endógena e
participativa com vistas à mobilização de organizações da sociedade civil, empresariais
e instituições governamentais e não governamentais em torno da elaboração e execução
de um plano de desenvolvimento territorial para o município de Benevides. Em termos
de pressuposto teórico, o PIMS possuía a concepção de que a partir da parceria entre o
governo, a sociedade civil e a iniciativa privada poder-se-ia construir um projeto de
desenvolvimento municipal que priorizasse o conjunto das comunidades existentes no
município (Vasconcellos Sobrinho, Vasconcellos, Heidtmann Neto & Sousa, 2015).
Sob o programa, a Unama colocou à disposição de Benevides a sua capacidade
instalada de pesquisa e extensão para construir e acompanhar seu plano de
desenvolvimento territorial, assim como executar atividades de extensão que estivessem
dentro do escopo de suas ações. Para as atividades que estavam fora de suas linhas de
ação, a universidade se apresentava como articuladora de outras parceiras. Seu objetivo
era ser um ator construtivo e mediador de relações de conflito e competição no processo
de desenvolvimento do município a partir da construção de confiança e capital social
entre os atores. Se a parceria ideal é àquela baseada em confiança (Harris, 2000), esta
passou a ser um princípio perseguido pela universidade.
O PIMS assumiu como pressupostos básicos que o desenvolvimento municipal
sustentável é: (a) um processo endógeno de mudança que leva ao dinamismo econômico
e à melhoria da qualidade de vida das comunidades locais; e (b) um produto da relação
dinâmica de todos seus atores sociais que envolvem organizações locais e
governamentais, comunidades e empresas. Assim, o objetivo central do programa foi
contribuir para a implantação de um modelo de desenvolvimento municipal sustentável
através da geração de conhecimentos técnicos e científicos, do suporte ao planejamento
municipal e do oferecimento de serviços técnicos, jurídicos, social e cultural no âmbito
da extensão universitária.
No contexto do objetivo central, o programa teve dentre seus objetivos
específicos a elaboração, em conjunto com os atores sociais locais, de um plano
municipal de desenvolvimento sustentável (PMDS) e a articulação, junto a organizações
governamentais, não governamentais, de fomento, de pesquisa e universidades,
parcerias para implantação do plano de desenvolvimento municipal sustentável juntando
esforços e recursos (McQuaid, 2000).
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Metodologicamente, o PIMS ancorou-se em uma nova proposta interdisciplinar
de diagnóstico municipal denominada análise territorial integrada (ATI). A partir dessa
análise, partir-se-ia para elaboração do plano municipal de desenvolvimento sustentável
(PMDS) e para definição de projetos de ações de desenvolvimento a serem priorizadas
no município (PROAÇÕES).
O objetivo dos diagnósticos e mapas elaborados pela ATI foi subsidiar a
elaboração do PMDS que envolvia, também, as discussões dos resultados com as
diversas comunidades locais do município. A ATI utilizou-se de técnicas do diagnóstico
rápido participativo em que as diversas coletividades locais apresentavam, também, suas
necessidades e demandas para serem contempladas no planejamento nos horizontes de
curto, médio e longo prazo. Em termos operacionais, teve-se como ponto de partida o
Plano Diretor do Município, instituído pela Lei Municipal n. 1.031/06, de 11 de outubro
de 2006, e outros planos já elaborados para o município.
Do conjunto dos municípios da RMB, Benevides é o que tem apresentado nos
últimos 25 anos a maior modificação na sua estrutura socioeconômica e territorial. Em
1991, Benevides apresentava uma taxa de urbanização de apenas 12,21% e em 2010,
segundo dados do IBGE (2000, 2010), essa taxa chegou a 55,98%. A população
municipal cresceu de 35.546 habitantes em 2000 para 51.651 em 2010 (IBGE, 2000,
2010), o que correspondeu a uma taxa média superior a 4% ao ano – a segunda maior
dentre os seis municípios metropolitanos. A população estimada para 2014 era de
57.393 habitantes (IBGE, 2014).
O movimento populacional de Benevides está vinculado ao crescimento e
espraiamento da população advinda de Belém, Ananindeua e Marituba em direção ao
município dentro de um processo de expansão e periferização urbana, assim como do
aumento de imigrantes advindos de outros estados do nordeste do Brasil, em particular
do estado do Maranhão (IBGE, 2000, 2010). Esses fenômenos têm provocado um
adensamento populacional no município de Benevides. Isso pode ser ratificado pela
densidade demográfica. Tomando como referência a proporção de habitantes pela área
total do município, o que se observa é uma significativa alteração para maior na
densidade demográfica entre os anos de 2000 e 2010 que variou de 187, 87 para 275,00.
Consequentemente, cresceram as ocupações urbanas dentro e/ou em direção a
Benevides e multiplicam-se as demandas econômicas e sociais por parte dessa
população fazendo com que Benevides se apresente, então, como periferia pobre da
Região Metropolitana de Belém.
14
O PIMS iniciou formalmente com a assinatura de um protocolo de cooperação
entre a Unama e a Prefeitura de Benevides, em junho de 2010. Nesse protocolo,
caracterizado como a primeira parceria formal para a consecução do programa, a
Unama se dispôs a levar a sua competência de pesquisa e extensão instalada e o governo
local a providenciar apoio logístico para as ações do mesmo. A assinatura desse
protocolo foi antecedida por uma série de discussões em âmbito interno na universidade
e com os primeiros atores convidados à discussão – os secretários municipais de
Benevides.
As bases iniciais para a análise territorial integrada foram construídas com a
aproximação de diversos atores sociais e a constituição inicial de elementos
fundamentais de confiança à luz do que diz Harris (2000) e Fowler (1997). Um dos
grandes desafios que o programa enfrentou foi colocar todos os atores sociais em um
mesmo ambiente para a realização da ATI e para o planejamento municipal (PMDS).
Como em qualquer sociedade, em Benevides há uma diversificação de atores
que, consequentemente, exercem diferentes tipos de poder. A cooperação e a parceria
no contexto de um planejamento municipal pressupõem compartilhamento de poder
entre os atores envolvidos (Vasconcellos, Vasconcellos & Souza, 2009). Entretanto, tal
compartilhamento está vinculado aos interesses e objetivos de cada ator social. Uma das
grandes preocupações da equipe foi não deixar que acontecesse o que Olson (1965)
constatou em suas pesquisas em que, em espaços de disputa de poder, há grandes
possibilidades de que interesses individuais se sobreponham a interesses coletivos. Isso
significou que a parceria deveria definir claramente os objetivos que se queria alcançar
a partir da ATI e do planejamento participativo.
Chambers (2005) argumenta que em um processo participativo de construção
de diagnóstico e planejamento, um dos pontos fundamentais é a definição de um
consenso mínimo ou pacto social entre os atores envolvidos. Diante do quadro de
pobreza, crescimento urbano acelerado e rápida transformação socioterritorial de
Benevides, urgia a necessidade de estabelecimento de um consenso mínimo que
enfocasse a população mais carente como objetivo do desenvolvimento. À época, os
dados da Caixa Econômica Federal apontavam 7.176 famílias pobres com perfil para
enquadramento no programa Bolsa Família. Entretanto, somente 4.233 estavam
cadastradas no programa. No início de 2010, 3.079 famílias receberam o benefício, o
que representava um total de 9.804 pessoas diretamente beneficiadas, ou seja, 21% do
total da população estimada para o mesmo ano. Evidenciava-se a necessidade de se
15
focar no combate e erradicação da pobreza no município e de se construir parcerias para
atacar essas mazelas sociais.
Assim, no sentido de organizar as informações sobre a pobreza no município, a
ATI levantou dados sobre demografia, saúde, educação, trabalho e assistência social. O
diagnóstico teve duas fases. A primeira caracterizou-se pelo levantamento de dados por
um conjunto de professores e alunos da instituição. A segunda fase se constituiu na
validação dos dados em encontros da equipe de ATI com atores locais provenientes do
governo, associações e escolas (professores) que em reuniões apontavam alguns
elementos e áreas a serem priorizadas. As reuniões eram mediadas por uma professora
da universidade. O objetivo da mediação era construir o consenso mínimo entre os
atores sociais para implementação de uma estratégia de desenvolvimento social para o
município.
O reconhecimento da existência de diversas coletividades no município é um
importante fator para implantação de um modelo de sustentabilidade (Vasconcellos;
Rocha; Ladislau, 2009). O processo de diagnóstico foi lento na medida em que na
construção da ATI exigia um traçado metodológico em que os atores sociais seriam os
principais responsáveis pelo diagnóstico e planejamento. O papel da Unama era de
facilitadora do processo e de organizadora das ideias em forma de documentos. A
Unama não fez, por ela mesma, o planejamento, embora tenha organizando dados
secundários existentes sobre o município como forma de subsidiar a construção da ATI.
A Unama buscou se apresentar apenas como mais um ator no processo de
desenvolvimento do município.
A análise territorial integrada requer, por um lado, a transparência dos dados e
informações para que todos os atores sociais conheçam a realidade presente. Entretanto,
não se pode desconsiderar que, por outro lado, o compartilhamento de dados e
informações pode representar a fragilização de poder daquele que o exerce baseado
nessas informações.
A equipe da Unama teve um cuidado especial na forma de disponibilizar os
dados e informações coletadas sobre o município. Embora a maioria dos dados sejam
públicos, a população em geral não tem tido acesso sobre eles. Isso porque o quadro de
engajamento da população nos processos de planejamento e de decisão no município
ainda é bastante pequeno. A equipe do programa reconhece que na implantação de um
modelo de desenvolvimento territorial, cooperação e conflito fazem parte de um mesmo
cenário (Vasconcellos, 2009). Por esse motivo é que iniciativas de cooperação são
16
potencializadas e possibilidades de conflito são minimizadas. Assim, os dados e
informações devem ser usados apenas dentro do contexto do diagnóstico e planejamento
evitando-se, assim, o uso político dos mesmos. Os estudos reconhecem a necessidade
das cidades em ritmo de crescimento urbano acelerado a se prepararem, em
planejamento (Plano Diretor e Plano de Desenvolvimento Sustentável) para as
modificações territoriais e transformações sociais advindas do crescimento
populacional. E nesse sentido, a cooperação e pactuação são fundamentais para a
construção do território que se quer alcançar.
4.3- Extração predatória e queimadas dos recursos naturais
Entre 2000 e 2011 foi implantado um programa federal de assistência técnica e
crédito que buscava garantir o desenvolvimento da agricultura familiar, integrado à
conservação ambiental na Amazônia brasileira. O programa denominou-se Proambiente
(Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural) e esteve
vinculado ao Ministério do Meio Ambiente a partir de 2003 quando de sua efetiva
implementação. O objetivo do programa era implantar uma nova lógica de produção na
Amazônia brasileira, definida como ‘conservação produtiva’ (Hall, 2004). Tratava-se de
uma lógica que estabelecia um link de complementação entre produção e conservação
do meio ambiente.
A concepção do Proambiente foi elaborada por várias instituições de
movimentos sociais e contribuição de organizações não governamentais (ONGs), sendo
que estas últimas assumiram o papel de organizações intermediárias (Vasconcellos e
Vasconcellos Sobrinho, 2014) para implantação do programa em nível local. De fato,
pode-se afirmar que o Proambiente foi a primeira experiência de programa concebido
em nível da sociedade civil que ascendeu para a esfera do governo federal (scaling up) e
transformou-se em política pública para atender especificamente comunidades rurais na
Amazônia brasileira (scaling down) (Vasconcellos & Vasconcellos Sobrinho, 2012).
Sob a concepção de desenvolvimento territorial, o Proambiente definiu 12
polos de ações nos nove estados da Amazônia Legal (Acre, Rondônia, Mato Grosso,
Tocantins, Pará, Roraima, Amapá, Amazonas e Maranhão). Cada polo foi planejado
para atuar com 250 a 500 famílias. A denominação de polo foi definida a partir de um
novo conceito de territorialidade que se diferencia da atual configuração de município.
Cada polo, em geral, abrangia áreas pertencentes a três ou quatro municípios de uma
17
mesma região. Estes possuíam entrelaçamentos histórico-sociais, econômicos e
culturais.
O Proambiente representou uma nova e significativa ação politica uma vez que
propunha a criação de novos espaços de dialogo e participação entre os atores sociais
locais com organizações do Estado e ONGs. A ideia era que a participação e a
cooperação forneceriam instrumentos para reverter às ações planejadas de cima para
baixo (top-down) e priorizar as pessoas e comunidades quem se destinavam as ações
que Chambers (1983: 22) denomina de beneficiários.
O Programa assumiu a concepção de participação como importante mecanismo
de governança e aprimoramento da democracia (Tendler, 1997 p. 7). A participação era
parte de uma noção de governança ligada à ideia de gestão do desenvolvimento
territorial. A governança entendida como uma forma de administração do sistema social
para melhor atendimento dos anseios da maioria das pessoas das comunidades até então
excluídas dos processos regionais hegemônicos desenvolvidos na Amazônia.
As ONGs como organizações intermediárias para implantação do Proambiente
nos territórios realizaram vários eventos nas e com as comunidades envolvidas no
programa a fim de diagnosticar o quadro econômico, social, ambiental de cada
território. Esses levantamentos, realizados dentro dos princípios do diagnóstico
participativo, foram capazes de traçar o perfil dos problemas e potencialidades das áreas
a partir do diálogo entre atores sociais locais, ONGs e representante do governo federal
e municipal.
Pode-se afirmar que as práticas participativas na construção dos diagnósticos
foram ações positivas do Proambiente que criaram imbricamentos entre o programa, as
políticas estabelecidas pelo governo federal, os governos locais (municipais) e as
demandas das comunidades rurais. O objetivo foi relacionar as demandas das
comunidades no processo de mudança no sistema produtivo. À época, em uma das
comunidades no estado do Pará, mais precisamente na comunidade Vila do Galho no
município de Concórdia do Pará, identificou-se a demanda por elaboração de uma
política que apoiasse a comunidade para conservação dos recursos naturais por meio de
pagamento por serviços ambientais (PSA).
O PSA significaria a compensação financeira à comunidade pelas práticas de
conservação e gestão do meio ambiente caracterizada pela redução do fogo na floresta,
introdução da lógica de trituração dos rejeitos florestais para formação de adubos,
manutenção dos rios por via da diminuição da poluição e da extração racional dos
18
recursos pesqueiro e recuperação do solo. Essa demanda vinculava-se a minimização de
vários conflitos ambientais relacionados ao desmatamento, queimadas e poluição dos
rios realizados pelos produtores rurais para fins produtivos. Essas atividades são de
conhecimento das comunidades rurais por muitas gerações e passaram a ser valorizadas
e aperfeiçoadas pela academia. A questão é que o uso dessas práticas demandam custos
e dificultam a introdução de produtos agrícolas na competição de mercado. Esses
problemas, adicionados com a baixa geração de renda que a própria atividade agrícola
de base familiar proporciona, têm dificultado a redução da pobreza e inserção social das
comunidades rurais e o desenvolvimento socioeconômico das mesmas. Portanto, o
diagnóstico realizado em conjunto pelos atores sociais envolvidos nas questões
ambientais propiciou uma proposição específica para o desenvolvimento territorial.
O caso do Proambiente mostra que a participação de ONGs como
organizações intermediárias entre atores sociais locais e os governos foi significante
para análise e proposição de mudanças e comportamentos sociais e ambientais.
O ambiente de interação entre os atores sociais promovido pelo Proambiente
pode ser visto como um espaço produzido por ONGs, movimentos sociais e instituições
de pesquisas para participação, cooperação e mudanças nas estruturas de governança em
favor da democratização e do desenvolvimento territorial (Vasconcellos & Vasconcellos
Sobrinho, 2012). Nesta direção, o espaço intermediário representou um recurso de
capital social para fortalecimento de setores da sociedade civil que precisavam de forças
políticas para fazer valer seus direitos e proposições de políticas de desenvolvimento.
De fato, a introdução de aspectos como participação cria oportunidades para cooperação
e redefinição de canais de interações entre sociedade civil e governo para ampliação de
direitos, inclusão social e cidadania (Gaventa, 2004). Ainda que muitas dificuldades
emerjam para o efetivo engajamento de ONGs como organizações intermediárias; seja
pelo papel que elas representam na sociedade; seja pelo desconhecimento de estratégias
inovadores que sirvam como eficazes instrumentos de escala de interação (scaling up),
no caso do Proambiente elas foram importantes canais para criação de espaços de
interação e cooperação entre os atores sociais em prol do desenvolvimento dos
territórios.
5- A TÍTULO DE CONCLUSÃO
À luz de três casos de interação entre atores sociais da sociedade civil, Estado e
19
mercado na construção de projetos de desenvolvimento territorial, buscou-se neste
artigo discutir que (a) conflito e a cooperação são resultantes da construção sócio-
histórica de cada recorte territorial e, ao mesmo tempo, importantes elementos para sua
(re)construção; (b) os territórios são, por natureza, espaços de conflitos e contradiuções,
mas, ao mesmo tempo, são espaços de negociação, concertação e pactuação para sua
requalificação; e, (c) que a cooperação é uma forma de potencializar os ativos dos
territórios.
Os exemplos mostrados de criação de espaços públicos em diversas escalas
territoriais e as consequentes inter-relações entre os atores sociais dos territórios; seja
para relacionarem-se ou receberem políticas e programas governamentais; seja para
proporem aos governos novas políticas públicas; ou ainda, para enfrentamento e/ou
realinhamento junto aos movimentos do território impostos pela dinâmica das cidades,
faz emergir um conjunto de aprendizados que retroalimentam as relações estabelecidas
e deixam clara a importância do conflito e cooperação para o desenvolvimento
territorial.
As experiências apresentadas neste artigo se referem às relações entre os
sujeitos e agentes, e entre governo e sociedade em diferentes escalas territoriais na
Amazônia, precisamente território enquanto conjunto de comunidades, município ou
mesmo cidade e área urbana. Tais experiências nos trazem algumas luzes para entender
por onde caminhamos, confrontamos, conflitamos, dialogamos, pactuamos e buscamos
mecanismos para encontrar formas de potencialização dos ativos do território para o
desenvolvimento. Na verdade, muitos aprendizados emergem das experiências
apresentadas. Aqui se pontua pelo menos três dessas aprendizagens: primeiro, àquelas
advindas das dinâmicas socioeconômicas existentes na região que acabam por
potencializar os conflitos e contradições e reforçar o entendimento da limitação da
perspectiva regional, macroeconômica e macrossocial de desenvolvimento que por
muito tempo dominou as lógicas de desenvolvimento para Amazônia. Segundo, as
formas e buscas de requalificação dos territórios subnacionais e comunitários no diálogo
com os movimentos sociais, ONGs, e universidade por via da participação social e
criação de novos espaços públicos; e, terceiro, a importância de agentes externos ao
território local (nos casos apresentados, um programa financiado por organismo externo,
uma universidade e ONGs intermediárias) para impulsionar o diálogo e a cooperação
entre os atores sociais locais, sem desconhecer, entretanto, a existência dos conflitos e
contradições.
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