Biblioteca da Área de Engenharia e Arquitetura
Diretoria: Danielle Ferreira Thiago
Revisão:
Marcelo Raimundo da Silva – Espaço da Escrita
Cyntia Sonetti V. Oliveira – Espaço da Escrita
Joana D’Arc da Silva Pereira – Coleções Especiais
Formatação
Rose Meire da Silva / Marisa Cristina P. Loboschi
Capa:
Fernanda Santos
Equipe: Referência, Ações Pedagógicas e Circulação
Maria Solange Pereira Ribeiro – Coordenadora do Concurso
Crônicas do I e II Concurso Literário das Engenharias – 2013 e
2014
Unicamp/Campinas, SP: Biblioteca da Área de Engenharias e
Arquitetura, 2015.
76 p.
1. Literatura. 2. Crônicas. I. Título.
Sumário
Quem disse que engenheiro não lê?.................................................... 5
I Concurso - 2013 .............................................................................. 7
Qual o benefício do saber? ............................................................. 8
Os perigos da literatura no século XXI ......................................... 13
O tempo do diálogo ...................................................................... 16
Celsius 233 (ou algo do tipo) ........................................................ 21
Mais beleza que o mais belo dos sorrisos! .................................... 24
Um presente inesperado ................................................................ 32
Um futuro perdido ........................................................................ 34
De laranjas e sardinhas ................................................................. 37
II Concurso - 2014 .......................................................................... 41
#chorando #ihatemylife #instadepressão* .................................... 42
Não se pode não ter ...................................................................... 46
Flor inodora .................................................................................. 49
A Felicidade nossa de cada dia ..................................................... 54
A mulher dos olhos amarelos ....................................................... 56
Brasília .......................................................................................... 58
Cara ou coroa ................................................................................ 60
Cotidiano, dinâmica e caos ........................................................... 63
Domingo perséptico ...................................................................... 65
Felicidade, minha ou nossa? ......................................................... 70
Nesses tempos............................................................................... 72
Reféns em busca da felicidade ...................................................... 76
5
Quem disse que engenheiro não lê?
Ainda é comum que se separa em polos inconciliáveis as
ciências naturais e as linguagens artísticas, por mais que existam
casos de autores que transitam entre os dois universos.
A BAE vem se empenhando em diminuir o canyon, ou
melhor, o preconceito de que engenheiro não lê, engenheiro não sabe
escrever. Pensamos que é apenas uma questão de exercício, prova
disso são as crônicas que compõem esse livrinho. Fazem parte do I e
do II Concurso de literatura para os alunos das engenharias que
ocorreu em 2013 e 2014 que acontecerá todo ano, de agora avante,
para comemorar o dia do engenheiro, 11 de dezembro.
A proposta é promover o debate cultural através dos
concursos literários, saraus musicais para envolver alunos/as das
ciências exatas, no nosso caso as engenharias, com a palavra através
da Literatura e da Arte. Vamos desmistificar a ideia de que
engenheiros só pensam em números, racionalidade e exatidão.
Maria Solange
6
7
I Concurso - 2013
8
“Qual o benefício do saber?” Mauricio Dester
1º Lugar
Faculdade de Engenharia Mecânica
Arquibaldo sobe a ladeira íngreme do bairro onde reside. O Sol da
tarde brilha oscilante entre as casas simples. Sente seu braço cansado da
mochila e do dia-a-dia estafante. O calor que sente é evidenciado pelo
brotar do suor molhando sua camisa. Na mente, um borbulhar de
pensamentos emanados em meio ao inconformismo e tristeza que o
assolam. Talvez seja a indiferença frente ao seu empenho e dedicação no
pequeno escritório onde trabalha ou por ver brotar, no meio onde convive, a
vulgaridade e a insolência. Pergunta-se amiúde: “Por que me assola, vez ou
outra, estes sentimentos de indignação e pesar perante as injustiças e
mediocridade que permeiam nosso tecido de relações?”. Talvez não devesse
se inteirar tanto da política, da economia, dos problemas sociais. Pode ser
que isso esteja lhe trazendo mais mazelas do que benefícios. Afinal, já é
conhecido pela sabedoria popular que a “ignorância é a mãe da felicidade”.
Será que existe benefício em saber, por exemplo, que o nome
científico do “Capim Gordura” é “Melinis minutiflora”, planta nativa da
África, largamente disseminada no Brasil, e, segundo a sabedoria popular,
ser esta uma erva que muito ajuda na luta contra os cálculos renais? Qual a
utilidade em saber sobre Voltaire e um de seus preceitos básicos: “poderia
não concordar com nada do que você dissesse, mas lutaria até a morte pelo
seu direito de dizer”? E por falar em Voltaire, qual seria a contribuição de
conhecer os princípios do Iluminismo, cuja gênese e clímax deram-se na
França: liberdade, igualdade, fraternidade. Qual o valor destes princípios
atualmente?
9
Estes eram alguns dos pensamentos que cotidianamente
perambulavam pela mente de Arquibaldo. Sabia, por meio das muitas
leituras a respeito do Iluminismo, não haver somente boas intenções por
detrás dos pilares que o sustentavam. Pelo menos era uma época onde
fervilhavam ideias, discussões e, o mais importante, as pessoas eram
instigadas a pensar, a emitir suas opiniões, apesar dos reveses que, muitas
vezes, sofriam. A dúvida continuava a consternar Arquibaldo. Seria mesmo
útil ou necessário saber que um monge, isolado em seu mosteiro e por meio
de simples experimentos com ervilhas, lançou as bases da genética?
É bom salientar que Arquibaldo não era o que se pode chamar, um
alienado. Nada tinha, por exemplo, contra os avanços tecnológicos
propiciados pela civilização contemporânea. Muito pelo contrário, se
deliciava com a imensidão de informações disponibilizadas pela “World
Wide Web”. Alimentava, por meio desta incrível rede multidisciplinar, sua
insaciável sede de saber.
Nas suas investigações sobre biologia, uma vez lembra-se de ter
lido que o importante não é o saber por si só, mas sim os mecanismos
mentais acionados quando uma nova informação, uma nova descoberta,
uma análise situacional ou o esforço para entender um texto bem escrito é
realizado. A cada uso que se faz da “máquina cerebral”, novas sinapses são
criadas. Sinapses, e me desculpem aqueles já conhecedores de seu
significado, são ligações estabelecidas entre neurônios, por intermédio das
quais se torna possível a construção da memória, do conhecimento e das
habilidades. São como se fossem pontes do saber, pequenas estradas do
conhecimento.
O amor pela leitura estava ampliando cada vez mais o saber de
Arquibaldo. Embora aquilo lhe trouxesse satisfação, também havia um
preço a pagar. Tanto pelo saber em si, mas também pela própria ampliação
10
deste saber. Traz consigo uma singela hipótese, curiosa e interessante, que
ilustra muito bem a consequência da ampliação do saber. Em uma roda de
amigos com interesses comuns, e quando o tema da conversa permite,
Arquibaldo sempre se entusiasma na narrativa: “Imagine-se que o
conhecimento de uma pessoa esteja encerrado em uma esfera, tudo o que
está fora da esfera é o que esta pessoa não conhece. Quando ela amplia o
seu saber, é como se o volume desta esfera também se ampliasse.
Evidentemente a superfície desta esfera também se torna maior, na
proporção do quadrado de seu diâmetro, e aí é que vem o problema.
Aumenta também a área de contato com aquilo que esta pessoa não sabe,
aquilo que está fora da esfera. Quanto mais se sabe mais se tem consciência
do não saber”. Encerra com a sensação do dever cumprido, o dever de
plantar a semente do saber, de despertar a curiosidade pelo novo, mesmo
sabendo-se dos contrapontos.
O latir alegre de seu cachorro o tira de suas elucubrações. Abre o
portão e adentra o lar simples. Muitas tarefas domésticas ainda o aguardam
e seu dia ainda se estenderá por mais algumas horas. Contudo, ao final da
noite, não vai faltar mais um pouco de leitura para alimentar sua mente
antes do descanso merecido. Sua vida simples não o preocupa, e nem
deveria preocupar mesmo. Na simplicidade pode haver tanta profundidade
quando na sofisticação, tudo depende do ponto de vista. É possível
mensurar a profundidade contida na simples frase de Jean Paul Sartre: “O
inferno são os outros”?
Seria arriscado dizer que o futuro de Arquibaldo é promissor?
Talvez, pois garantia mesmo nesta vida só existe uma. Mas, de minha parte,
caro leitor, tenho quase certeza que pela perseverança e pelo caminho
escolhido por ele, o do saber, Arquibaldo será um homem de sucesso.
Saliente-se bem que sucesso, aqui, não é sinônimo de dinheiro e bens
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materiais. Depois de certa idade, não há mais hipocrisia em dizer que
sucesso vai muito além disto. O que vejo para o futuro de Arquibaldo? Um
homem um pouco solitário em seu vasto conhecimento. Inquieto pelo
tamanho de seu “círculo do saber”. Não tão feliz, pois, não se pode ser
plenamente feliz presenciando tantas injustiças, mazelas e mediocridades
resultantes do modelo da sociedade contemporânea, que em última análise,
tem o viés de uma ditadura “leve” e perniciosa. Talvez impaciente, pela
ânsia em alcançar logo as conclusões, o que, não raro, ofusca mentes menos
hábeis.
A dúvida é inevitável: onde está então o sucesso? O sucesso, caro
leitor, está exatamente nos efeitos colaterais do saber. A agilidade de
raciocínio. Não somente a agilidade proporcionada pelos jogos
computacionais tão propalados na atualidade, que, aliás, são fantásticos
para desenvolver certas habilidades. Todavia, esta agilidade da qual
estamos falando vai muito além. Trata-se daquela que se tem ao conseguir
rapidamente captar e ver o descortinar das entrelinhas de um verso, por
exemplo, de Chico Buarque: “corações de mãe, arpões, sereias e serpentes,
que te rabiscam o corpo todo, mas não sentes”. Daquela que nos permite
entender o que há por traz da aparente simplicidade da Mona Lisa ou, para
aqueles mais afetos das ciências exatas e da lógica, da elegância do
paradoxo do “Gato de Schrödinger”. Outro efeito colateral interessante, e
talvez mais prático, é o desenvolvimento da capacidade de síntese e análise,
tão útil nas maratonas selecionadoras com as quais inevitavelmente
Arquibaldo vai um dia se deparar.
Por isso tudo eu estou com Arquibaldo e adoro vê-lo com uma
camiseta que, por hábito, traja em situações especiais, na qual se pode ver
estampado, em letras pungentes, sobre um fundo lúgubre, duas frases
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bastante inquietadoras: “Por que o jovem não deve ler?”, e a resposta escrita
logo abaixo: “Para não saber como se responde a esta pergunta”.
13
“Os perigos da literatura no século XXI”
Daniele Moraes Amador Barbosa
2ºLugar
Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação
Ah, o jovem. A juventude transviada. Desde 1955, o cinema fez
com que o comportamento rebelde da juventude fosse cada vez mais
acentuado, com a idolatria a James Dean. Após isso, a juventude só piorou:
sexo, drogas, rock’n’roll. Computadores. Videogames. Não há como contê-
los. O problema é que a sociedade se esqueceu de um meio de
entretenimento que, atualmente, vem sendo utilizado mais e mais pelos
jovens: a leitura. Por isso, venho alertá-lo sobre os perigos da literatura e
convencê-lo de por que o jovem não deve ler, através de um relato da prima
do meu vizinho.
Jéssica? Aquela esquisita que fica isolada na sala de aula? Pode ser,
mas também Jéssica, a melhor aluna do primeiro ano do colegial; Jéssica, a
rata de biblioteca; Jéssica, a filha perfeita. Durante todo o intervalo da
escola, Jéssica ficava na biblioteca tentando conhecer cada livro de cada
estante. Nunca sabia qual livro escolher e, quando escolhia, nunca sabia o
que se passava no mundo até que terminasse de ler.
Toda segunda terça-feira do mês, Jéssica pegava um livro escolhido
aleatoriamente na biblioteca, para conhecer de tudo um pouco. Um dia, ela
pegou um livro de capa preta cuja capa estava gasta, de modo que ela não
podia ler o título. Mal sabia que ter pego aleatoriamente esse livro mudaria
sua vida, e talvez não tenha sido tão aleatório.
O livro não tinha um tema específico, mas contava várias histórias,
parecia um livro de crônicas: havia algumas histórias comoventes, com
pessoas sendo curadas e perdoadas; algumas histórias fantasiosas, com
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animais falantes e mutantes; e algumas histórias assustadoras, que
envolviam desde crianças sendo atacadas por ursos por terem zombado de
um homem careca, até casos de incesto, linchamentos e homicídios. Jéssica
adorou esse livro por causa dessa mistura na temática, e começou a
recomendá-lo para as poucas pessoas que eventualmente falavam com ela
na escola. Algumas pessoas já tinham ouvido falar do livro que Jéssica leu
e, como ela não sabia o título do livro por causa da capa gasta, acabou
sabendo da boca de um dos colegas de classe. Outras pessoas já tinham lido
esse livro também, mas tinham interpretações variadas.
Jéssica adorava chegar em casa e se perder no mundo de fantasia
desse novo livro que se tornara seu favorito. Mas o problema é que ela tinha
uma mente fraca e, graças a isso, era muito influenciável. A leitura se
tornou uma arma nas mãos de Jéssica, que começou a reler apenas as
histórias mais violentas de seu livro. Após certo tempo, apenas reler não a
satisfazia mais: ela precisava reproduzir alguma delas. Ela estava
confundindo realidade com ficção: escolheu sua história preferida e decidiu
que seria o personagem principal.
Na escola, Jéssica e a única pessoa com quem conversava de
verdade na escola, Fernanda, estavam conversando sobre as histórias que
Jéssica havia lido e Fernanda lhe disse que sua família a amava somente
porque ela era uma ótima aluna, ótima filha, comportadinha. Assim, Jéssica
replicou: “Ah é? Vou te provar: vou tornar a vida da pessoa que mais me
ama um inferno e ela vai continuar me amando”. Aposta feita.
Quando Jéssica chegou em casa, sua mãe estava fazendo o jantar.
Seu pai estava lendo o jornal na mesa da cozinha enquanto seu irmão mais
novo fazia a lição de casa ali também. Jéssica perguntou à mãe, “Você me
ama?” “Claro que sim, filha!”, a mãe respondeu. “Não importa o que
aconteça?” “Não, minha filha: amor de mãe é incondicional”.
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Sem titubear, Jéssica correu para a gaveta da cozinha e retirou um
facão. Não houve nem tempo para a mãe notar e reagir: Jéssica esfaqueou o
pai e o irmão na sua frente. “Amor de mãe é incondicional, mãe?”,
perguntou à mãe. A mãe implorava para viver e tentava acalmar a filha:
“Sim, filha, eu ainda te amo”.
Jéssica passou o resto da vida na prisão, mas pelo menos provou
para sua amiga que sua mãe ainda a amava e a temia, assim como a história
do seu livro favorito, que continuava lendo na prisão, onde havia vários
exemplares. Cabe a você, leitor, refletir sobre os perigos da leitura para os
jovens que você conhece. Que tipo de livros eles leem? Que tipo de livro
você lê? Esse livro lhe parece familiar? Acorde.
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“O tempo do diálogo”
Luís Roberto Dias
3º Lugar
Faculdade de Engenharia Civil
Sentado ali, foi onde me dei conta de como tudo parecia mais
quieto, como se de fato qualquer palavra houvesse cessado, embargada nas
gargantas por um nó que ameaçava desmanchar-se no oceano dos olhares
que se evitavam, se encontravam, se compreendiam e davam ao próximo o
sustento necessário para seguir de forma firme, ao menos até o próximo
olhar.
“O jovem não deve ler! Deve manter-se puro, afastado das ideias já
corrompidas dos mais velhos. A segurança do jovem reside na inocência, no
isolamento de toda a bagunça desse mundo, ele deve criar o próprio mundo.
Para sempre puro, casto, visto com a esperança ainda viva, com o amor
novo e a liberdade que só um jovem tem e que os adultos invejam”,
suspirou o homem de forma apática. Eu não sabia se aquilo se dirigia a
mim; estava letárgico, sentia apenas as batidas do meu próprio coração
inundado por dor e angústia, como uma martelada surda que fazia meu
corpo todo vibrar. Uma onda de ansiedade surgia dentro de mim e
rebentava contra o meu peito, recuava e voltava a rebentar, levava com ela
qualquer sensação, sobrando somente minha mente vazia, consumida e
arrasada. Não consegui evitar olhar para o lado, à procura do meu
interlocutor, e dentro de mim surgiu certa urgência por ar puro. Fechei
meus olhos e respirei fundo. “Por quê?” arrisquei. “Por que o que?” ele
respondeu. “Por que o jovem não deve ler?”
“A partir do momento em que se entra em contato com um livro, é
um caminho sem volta, você deixa um pouco de si mesmo para trás e passa
17
a cultivar dentro de si ideias que antes não estavam lá, o livro corrompe a
pureza da sua mente vazia, abre-lhe portas para sensações e pensamentos
que você não sabia que pudessem existir.” Foi essa a resposta. “Achei que
esse fosse o motivo pelo qual o jovem devesse ler. Expandir a mente,
encontrar novas saídas, fugir de uma realidade presa a um mundo como
esse”, respondi, sentindo certo conforto na ideia de poder me desprender
daquele momento e ir para dentro de um livro. “Mas é exatamente aí que
está seu erro, o mal reside em toda a ideologia pútrida que o livro lhe insere
na mente, em toda a ideia de que o mundo já está formatado com ideias
prontas ou que tudo pode ser como você quer se você tiver vontade o
bastante. Há a perspectiva irreal de infinitas possibilidades que o consomem
e destroem. Quem me dera não ter em mim a angústia de uma realidade
diferente, melhor do que esta, pesando em minha mente, enquanto tudo que
tenho é isto!” Ele respirou, e com o olhar baixo, prosseguiu: “Uma pessoa
cheia de ideias é uma pessoa perigosa e em perigo. O melhor é deixar isso
de lado e viver uma vida sem ambições, na doce ignorância em que
nascemos!” ele terminou, fora de compasso e meio em dúvida. Eu sentia
minha garganta seca. “Como pode dizer isso? Ignorância nunca fez bem a
ninguém, além disso, acho que ambições e ideologias, nosso eterno
inconformismo com tudo que acontece de errado à nossa volta, a vontade de
mudança, tudo isso é inerente à vida, faz parte do desenvolvimento do ser
humano. Se os livros fazem parte disso tudo é no sentido de alimentar
mentes que já nascem famintas por conhecimento, ampliar nossos
horizontes a cada página. Livros nos dão os instrumentos necessários para
trazer essa mudança à realidade. Você fala que os livros corrompem nossa
mente, quando isso não é verdade. As ideias contidas nos livros não nos
tolhem, ainda é possível termos nossas próprias ideias; na verdade, os livros
são o combustível necessário para construirmos nosso próprio intelecto”,
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falei, tentando registrar aquilo em minha mente, de forma que fizesse algum
sentido. Nada parecia fazer muito sentido ali, como um sonho, ou um frio e
escuro pesadelo.
“Você já começa a soar como ele”, o senhor respondeu, com o
olhar distante fixado à frente, entre a coroa de flores e aquilo que eu insistia
em desviar o olhar. ”Cheio de ideias na cabeça”, falou, com um soluço.
“Lendo tantos livros, e com o pensamento mudado. Olhe e veja, no final, no
que é que deu esse novo horizonte do qual você fala!”. Era disso que se
tratava tudo aquilo. “Não foi culpa dele ou dos livros o que aconteceu. Ele
só quis dar a opinião dele sobre o assunto, a briga não foi nem uma briga.
Tenho a impressão que o tempo dos argumentos já não existe para nenhum
de nós, apenas ouvidos fechados e falta de diálogo”, falei, me perdendo um
pouco em pensamentos no final. Ele me fitou de forma demorada: “Jovens
não deviam ler, deviam ser livres, jovens deviam ser cheios de si e das
próprias ideias, jovens deviam trazer o frescor de um novo pensamento e
não ser contaminados pelo bolor dos antigos. Jovens deviam sorrir e não se
preocupar, jovens deviam ter a mente aberta para novas opiniões, deviam
perder-se para sempre na magia de um momento, jovens deviam namorar,
jovens deviam” - ele deu uma pausa - “jovens deviam viver para sempre”, o
homem falou, engasgando um pouco no final. “Não é dele que falo”,
continuou, com um gesto em direção ao caixão, no centro do cômodo; “É
do outro! Que ideia tão fixa vale a vida de outra pessoa? Só podemos
defender aquilo em que acreditamos até que uma bala discorde de nossa
opinião, e começo a crer que isso não é tão difícil esses dias. Você está
certo! O tempo do diálogo acabou, sobraram apenas os surdos e os cegos.”
O som do disparo, a onomatopeia de mais aquela morte surgiu em minha
mente. BAM! E tudo era passado.
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“Não sei se funciona da forma como você pensa, qualquer contato
te transforma, um livro é em parte a essência da pessoa que o escreveu,
pessoas nos transformam tanto quanto livros, a diferença é que livros vão
muito além do que nos limita o espaço que nos cerca. Se estamos todos
fadados a nos corromper diante das ideias de outras pessoas, posto que não
podemos nos isolar do mundo, devemos fazer exatamente o contrario do
que você fala! Devemos ler; ler tudo que podemos, conhecer pontos de vista
diferentes, nos permitir ver com outros olhos diferentes situações, devemos
ler incansavelmente e com a mente aberta para novas experiências,
absorvendo ao máximo o conhecimento que conseguimos tirar disso. E para
não nos prendermos a uma única ideia que não é nossa, devemos nos
desprender através de várias ideias diferentes, e no meio dessa bagunça
toda, quem sabe possamos encontrar nossa própria voz.”
“Ele encontrou a própria voz, e em uma única noite ela se foi pela
voz de outro que gritou mais alto”, ele falou impassível. “Sim, nos é
possível falar da violência que vem de uma interpretação pobre de um livro
ou ideologia em comunhão com o poder que sentimos, com o conhecimento
que o livro nos concede. Podemos ler livros e sermos capazes de admirar o
valor de uma vida, ou então nos mantermos ignorantes e indiferentes ao
próximo. Isso não depende do livro, mas sim de quem o lê.”
“Se ao menos ele tivesse se calado, se não por medo, quem sabe por
ignorância!”
“Medo é ignorância, não devemos nos impedir de aprender mais, de
expressarmos nossa opinião apenas pelo medo das consequências que isso
traz. Não devemos nos manter ignorantes à vida, pois é pela ignorância, o
medo de uma nova perspectiva e de que esta possa conter algo de verdade,
que morremos todos; o medo de descobrir que aquilo que está escrito no
livro está aberto a interpretações, ou que existem outras formas de ver a
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mesma situação, e que quem sabe toda a relutância em mudar de opinião
tem menos a ver com uma linha ideológica e mais a ver com nosso próprio
egoísmo. Eu acredito que de fato foram os livros que deram voz a ele
naquele momento, e foi a falta de livros por parte do outro que o calou para
sempre. E agora, esse silêncio que ficou, as palavras presas. É só isso que
conquistamos sem leitura, apenas o silêncio que vem do medo.”
Ele calou-se, e voltamos a mergulhar no eterno silêncio daquelas
palavras, enquanto o dia passava e a vida continuava a correr despercebida
do lado de fora. O tempo do diálogo havia acabado.
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“Celsius 233 (ou algo do tipo)”
Caio Oliveira Dantas
Faculdade de Engenharia
Acordo para mais um dia de ontem, ou anteontem, tanto faz. Troco
olhares com o relógio, e ele me diz que estou atrasado para uma reunião;
estou cogitando cortar meus laços com ele. Mais um atraso, mas tudo bem,
já se tornou um traço da minha persona. Aliás, não espere cronicidade deste
relato, o que é um tanto irônico, já que esta é uma suposta crônica, mas a
ironia é também um pedaço de minha máscara.
Chego enfim à dita reunião. Tenho outra em seguida, uma pausa
para o almoço, e mais uma reunião. Se eu não atrasar o curso, daqui a cinco
anos me formo em reuniões, estou até pensando em fazer um mestrado.
O teto estava muito bonito durante as reuniões, e o almoço foi bom
apenas o bastante. Completado este ciclo, me ponho a vagar pela FEM
(força eletromotriz, de acordo com meu professor de física 3), o local é
agradável, mas não gosto de passar muito tempo lá por causa das pessoas,
não que eu tenha algo contra pessoas (apesar de eu ter), mas é que lá as
pessoas são conhecidas.
Pouco após o início de minha jornada avisto o Fulano, ruminando a
mesma conversa de sempre. Eu o cumprimento, ele regurgita um pouco de
conversa em mim, eu me despeço e me limpo sem que ele perceba. Fulano
é meu colega. Não, Fulano é todos os meus colegas. Não que eu não goste
deles, são extremamente simpáticos, mas parecem todos seguir o roteiro de
algum seriado norte-americano, ou talvez eu sofra da Delusão do Show de
Truman. Eu até iria a um psiquiatra, se isso não fosse resultar em apenas
mais uma pílula da felicidade (já tomo duas); além do mais, eu nem sequer
vi o filme.
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Voltemos aos coadjuvantes. Sei que alguns deles eram pessoas
interessantes antes de vir para cá, mas aparentemente a grande queima de
livros desta distopia interiorana ocorreu assim que passaram no vestibular.
Me refiro a livros literários, pois os (livros) acadêmicos aqui abundam
como em nenhum outro lugar, e os lemos com voracidade jamais vista (pelo
menos no período de provas). Não me iludo pensando que o hábito de
leitura é semente e/ou fruto de uma personalidade interessante, mas arrisco
afirmar que a falta dele é garantia de rapidez.
Vejo o tempo adormecer sobre o sol da tarde (ou algo do tipo), mas
não acho nada de especial e sigo em direção ao refeitório. Janto lentamente,
é um hábito neutro meu; neutro, pois para a minha saúde é benéfico, mas
para minhas relações sociais é deveras prejudicial, visto que o moralismo e
as convenções sociais obrigam todos aqueles que me acompanham a se
submeterem à excruciante experiência de me esperar terminar de comer.
Enfim satisfeito, todos comemoram a ocasião, me sinto como o herói
Ulisses (Tavares?) ao fim de sua saga.
É claro que esta aventura gerou um atraso, sequer preciso olhar o
relógio para saber disso (cortei relações com ele, afinal), basta a experiência
de viver todos os dias o mesmo dia. Ao adentrar a sala de aula me
maravilho, um robô está dando aula. Isso sim é um curso de Engenharia de
Controle e Automação de ponta, até os professores são autômatos! Me sento
ao lado de Fulano, e como um bom aluno plugo um cabo em minha cabeça
e entro em transe. Saio da sala sem me recordar de nada do que foi
explorado em aula, mas torço para que todos os dados tenham sido
transferidos corretamente.
Me lembro tarde demais de que é sexta-feira, tento escapar sem ser
notado, mas os Fulanos já estão agitados demais e eu acabo sendo pego.
Acontece o que eu previa/temia, me propõem uma ida ao bar. Alguns meses
23
atrás eu aceitaria, mas como hoje é igual a ontem, que por sua vez é igual a
todos os dias anteriores, acabo aceitando mesmo.
Eu mentiria se dissesse que não compreendo a euforia de meus
colegas, a noite de sexta-feira marca, afinal, o início de seu ciclo de vida (o
fim de semana). O bom estudante de engenharia enxerga os dias letivos
como um intervalo entre os finais de semana, parece repreensível, mas é
justificado pelo fato de que ele o faz para no futuro se tornar um
profissional que trabalha para ter dinheiro suficiente para se divertir nas
férias, no fim de semana e na aposentadoria, ainda que seu emprego não lhe
dê prazer e sua semana seja uma espera torturante pelo seu fim.
Aposentado, finalmente, Fulano tem todo seu tempo livre para dedicar às
atividades que pode e gosta de fazer, que infelizmente se limitam a
nenhuma, pois sua saúde agora não o permite de se divertir da maneira que
o fazia quando jovem, e porque ele nunca apreciou nenhuma forma de
cultura, e hoje se diz velho demais para mudar seus hábitos. Com o passar
do tempo, milhares de Fulanos caem à sua esquerda e à sua direita, e Fulano
então, arrependido, olha para trás e vê as luzes de Sodoma.
24
“Mais beleza que o mais belo dos sorrisos!”
Christian F. de Jesus
Faculdade de Engenharia Civil
Eu ainda me recordo daquele dia de minha tenra juventude! Com
efeito, foi um momento triste para mim. Não obstante, vim eu mesmo
outrora a perceber que fora também um acontecimento muito especial e
marcante para minha vida. Eu era um jovem, que, naquele dia, caminhava
desnorteado pelas ruas de São Paulo. Eu, então, me via como o mais
desfavorecido das existentes criaturas! Por que se mostrava Deus tão
injusto? Será que chegara o momento de eu questionar a Sua Existência
Superior? Por que se existe um Deus ... ora, por que ele se silencia para
comigo? E esse silêncio – Ah, confesso – angustiava e corroía-me. Somam-
se a isso a minha intensa ingratidão, frustração e indignação com relação a
esse vigente sistema; imposto nas nossas vidas. Minha alma estava nas mais
intensas batalhas e turbilhões de conflitos e incertezas. Eu precisava de um
apoio, de um aviso, de uma mensagem, de uma palavra portadora de
conforto e por tudo isso estar ausente era grande a minha aflição. De fato,
ainda me arrepio com tais recordações desse momento de minha existência!
Em introspecção e absorto, tão sem destino, eu andava pelas ruas da cidade
e apenas me acompanhavam as minhas críticas e reflexões.
Embora ainda jovem, eu não podia admitir e aceitar que meus projetos
pessoais eram conduzidos e fadados para o fracasso. Eu não queria e não
me permitiria ser um perdedor. Tudo que eu havia feito dera errado e eu
estava a esmo. Sentia-me totalmente sem vida e em uma supérflua
existência! Visualizava-me impotente e inútil. Saiba! Ficamos assim, caro
leitor, quando não sabemos para onde ir e o que fazer; sabe? ... Quando não
temos o célebre plano “B” nas nossas vidas. Nesse ínterim, pensamentos
25
desconexos se avolumavam e se articulavam no meu ser e era grande a
minha dor. Até mesmo em atentar com meu maior bem e dádiva (minha
vida) fora em meus pensamentos uma possibilidade. No entanto,
fortuitamente, logo esse maléfico vigor se esvaecera e esmorecera. Algo me
dava um certo conforto. Mesmo eu estando na deplorável situação de
errante – é que a vida – evidencia-se como oponente notável e expressiva
demais em nossa existência. Começava assim a me convencer e a aceitar
que perdi muitas lutas, mas tudo bem!? Já que fora para uma relevante
adversária – a Vida!
Não obstante, a frustração era intensa e profunda em meu coração. E revelo:
não tardou muito e, logo nesse mesmo dia, eu retomei certa razão. Assim,
eu não conseguia mais me enganar com minhas fabricadas justificativas!
Eu não podia falhar, pois, embora de família humilde, eu pudera estudar.
Afinal, meus pais indubitavelmente muito investiram em mim! Eu me
cobrava: sou filho único e um privilegiado. Possuo meios para poder
conquistar meus sonhos e para me preparar para a batalha da vida!
Afinal, eu estudei e trabalhei tanto para efetivar, a saber: meus objetivos,
sonhos e ambições. Para qual finalidade eu havia com tanto esmero
estudado? Por que havia lido tanto? E tudo me parecia uma perda de
energia! Será que não seria mais sábio um jovem não se ater à leitura e
antes desfrutar de seu tempo em uma vigorosa ociosidade? Ademais,
deduzo que você concorda, leitor, que existem muitos prazeres e variados
entretenimentos para um jovem! Afinal, quase tudo pode ser muito “legal”
nessa fase da vida. Que sentido faria perder um valioso tempo tentando
obter sabedoria e procurar dirimir desproporções de em um mundo tão
confuso e desconexo... ao menos, assim o é para mim!
Na realidade, os livros me confundem! Talvez tivesse sido melhor para
mim em não tê-los aberto. Note, um mundo com tantas diferenças e
26
injustiças às quais muitas pessoas se adaptam em ignorá-las. Nós passamos
nas ruas e se há um mendigo, recorremos em uma habilidade adquirida e
refinada de não enxergá-lo, quase que contrariando as leis da ótica! E tudo
nos parece normal. Talvez tudo seja mais fácil com essa simplificação: o
desprezo, aliás, que muitos poucos sabem, é o verdadeiro antônimo de
Amor e não do ódio. Não pensamos que amanhã poderemos ser afetados
por uma crise, doença, desemprego e decerto sermos nós os desfavorecidos.
Inúmeros interesses financeiros, econômicos, publicitários, farmacêuticos e
industriais subjugam valores éticos e humanos e, não raro, tornam
inoperantes as mais simplórias necessidades vitais humanas. E a Ciência,
que sempre foi a minha eleita como a salvadora para um efetivo e justo
mundo. Entretanto, às vezes, “Ela própria”, se deixa corromper. Haverá
sempre situações e motivações cujos esforços não trabalham para os
interesses humanos, mas para motivos escusos e de má fé. Adiciona-se que
idealizações politicamente corretas e respeitosas ao equilíbrio do meio
ambiente são muitas vezes vistas como estorvos para um mundo com
prioridades de ambição e de poder. Consolava-me que nem sempre é ou foi
assim (e, por isso, eu ainda tinha expectativas e esperanças!).
Entenda: tudo é mais fácil nos livros! E, lá, nos parece que as soluções para
um mundo melhor funcionam muito bem. Eu tenho a impressão que ao lê-
los os infortúnios são só questões de parâmetros. Com corretas ações e
tempo, conforme muitos deles apregoam, tudo de ruim e errado parece se
resolver. Aliás, os meus disputavam espaço comigo em meu quarto. Por
pouco, não fui despejado por eles! E eu desde cedo me pus a colecioná-los
ou os ia visitar, sem “marcar hora”, em bibliotecas. Neles sempre havia
muitas teorias sobre isso ou aquilo. Até mesmo para eliminar os eleitos
como os mais fracos e débeis em uma sociedade. Ah, isso se chama
“eugenia”, o que motivou tantas ações, inclusive julgadas científicas,
27
justificando holocaustos em nossa pródiga história. Talvez eu devesse
desfazer de todos esses livros, pois esse ou aquele me deixavam em crise
existencial ou inócuo. Alguns me faziam perder muito tempo em seu estudo
e análise. Talvez eu não fosse digno de compreendê-los em sua
profundidade, já que eu sou tão limitado. Sou um ignorante e não sou digno
de decifrar os segredos do mundo, eu pensava! Nesse momento, lembrei-me
da minha caminhada, das palavras do grande pensador Sócrates, e são essas:
“Só sei que de nada sei!” E tais palavras me estruturaram subsídios para não
desistir ou desfazer de minha amada coleção. Ao menos, investindo meu
tempo neles, resguardei–me do marketing e da publicidade consumista,
sensacionalista e tendenciosa da nossa sociedade. Também dos programas
dessa ou daquela emissora que nos fazem menos criativos e brilhantes.
Serei, na pior das hipóteses, um boçal torneado pelas escolhas de meu
próprio livre arbítrio, gabava-me. Não podia deixar nada corromper minha
análise crítica, meus pensamentos e minha expressividade. Tinha medo sim,
mas era o de fracassar, de perder o encanto e a minha fé em minhas poucas
e pequenas virtudes. Mas, certamente, não o de errar pelas minhas próprias
mãos. Aliás, caro leitor, tudo pode ter o seu valor e, acredite, até em nossos
erros! Não era admissível eu deixar abalar a minha curiosidade e paixão
pelo conhecimento. Ih! Espantei-me, nossa! Eu os havia lido! E se esses ou
aqueles livros me influenciassem ou me tornassem o que era contrário aos
meus ideais e essência!?
Ah! Desde já aquele tempo, eu queria fazer diferença nesse mundo.
Desejava fazer algo inovador, criativo e ajudar, e ser útil à minha sociedade.
Engrandecer o meu país e honrá-lo. Para mim, não havia maior êxtase que
alguém criar algo importante. Algo criado que fosse útil e absorvido na
cultura e na tecnologia. São ‘Don Quixotes e Aquiles’, que exultantes, se
materializam. É um guerreiro ‘Jedi’ que toma vida no cinema e que luta
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para o bem ou para as trevas. É um “Principia” que modela a Natureza e
que ajuda os homens a fazerem grandes feitos na ciência e no mundo! São
“Os Elementos” que delineiam e traduzem as curvas geométricas desse
mundo.
Asseverei que era indispensável em minha trajetória eu conhecer os grandes
clássicos dos mais variados campos do saber. No entanto, mesmo jovem,
discerni que a realidade é bem mais complexa do que nos livros. Quase
tudo o que eu aprendera nos mesmos me deixava por demais confuso ou
dividido. Tive perspicácia – e nisso tenho mérito, leitor – que nem todo
livro é sadio e que nem todos contêm as verdadeiras sabedorias. Talvez
todas elas nem estivessem em suas páginas! Poderiam também, porventura,
e com frequência, serem achadas nas pequenas ações do nosso cotidiano,
nos gestos de uma ingênua criança, nas palavras de um líder indígena ou no
equilíbrio da Natureza!! Ah! A Natureza... Ela me encanta por sua
formosura e complexidade. Até em seu caos existe uma ordem. Emociono-
me: Oh, Natureza! Em encontrar, em seus projetos deslumbrantes,
sequências matemáticas de Fibonacci e tão sublimes e formosas Razões
Áureas!
Eu viria a me esforçar para compreender grandes pensadores e
cientistas; e conhecer as suas histórias pessoais... seus encantos, feitos e
dificuldades. Eu precisava achar justificativas para me provar que esses
‘mitos’ também teriam fraquezas semelhantes às minhas e que não eram
talvez semideuses. E eu, em minha ignorância, poderia me motivar em
acompanhá-los, mesmo como um curioso ou observador distante. Que um
dia, como eles, eu superaria meus mestres e poderia disseminar algum
saber. Será que eles tinham tantas dificuldades como eu para aprender e
entender a dinâmica do mundo? Será que sofriam para compreender
Matemática e Física e será que não raro tiravam notas sofríveis em suas
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avaliações, como eu? Porventura, aprenderam ou tiveram inspiração... e
conflitos retirados das suas leituras? Entenderam também em suas
juventudes que não deveriam ler; porque ficavam divididos e confusos?
Entretanto; mais maduro, vim a compreender que o problema não são os
livros. O problema é como os deixamos nos transformar, para as boas ou
más ações! Como diz um célebre sábio indiano: “Seja você as boas
mudanças que deseja ver no mundo!”.
Não obstante, via-me sem domínio nesse momento de desconsolo e
desespero. No fundo, eu admito, estava ciente de minhas limitações e
fraquezas. De fato, já conformado, cabisbaixo e inoperante eu ajuntava
então forças para poder desistir de meus sonhos, ideais e encantos!
Já era noite e após tanto andar, despertei para meu entorno; e
percebi, também, que já me cansara. De repente, um sibilar do vento
invadiu meus ouvidos. Sensação de frio provinha de gotículas de chuva,
absorvendo a energia da minha pele. Entretanto, logo elas se intensificaram
e já era grande o meu desconforto. Precisava de um abrigo e, ao longe, vi os
trilhos suspensos do metrô. Embaixo de tal estrutura de engenharia,
encontrei “acalento” e já eram intensos os ventos e a tempestade. Tudo era
mórbido e me deparei para minha surpresa com crianças. Eram duas ou três
de variadas idades e ativaram minha atenção. Elas estavam com roupas
leves e rasgadas e pareciam não se incomodarem, como eu, com o intenso
frio. Fiquei estático e extático porque elas brincavam e pareciam ser
grandes as suas alegrias e aquele lugar ser tão familiar para elas.
Observando-as pareciam ter muito cuidado e comprometimento umas com
as outras e se sentiam confortáveis naquele lugar, diferentemente de mim.
Vi então, mais deslocada para um dos lados, uma mulher. Deduzi
que ela era a mãe daquelas crianças, pois ela também se detinha em
observar e a ter um olhar típico de quem cuida e transfere carinho. Meu
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olhar se voltou para o seu rosto e vi que parecia ser jovem; entretanto, suas
expressões eram bem envelhecidas e desgastadas. Possuía uma pele
machucada e cicatrizes, grande rugosidade na face, cabelos mal cuidados e
simplórias vestimentas (também furadas aqui e ali). Olhei, então, para o seu
corpo e era esquálido, tão frágil e sem forças... Talvez devido à vida difícil
e pelas adversidades da vida que há tanto tempo a acompanhava – pensei!
Com um foco mais atento, notei uma protuberância em seu ventre,
desproporcional com seu biótipo. Sim! Ela estava esperando um bebê.
Analisei e asseverei que estavam ali no frio, sem comida e sem moradia e
só possuíam uns aos outros. Moravam embaixo daquela estrutura e se
encontravam pela ‘própria sorte’! Estavam ali sozinhos no mundo;
sobrevivendo dia após dia, sem saber o que o amanhã os reservaria.
Subi então e mirei a atenção no rosto daquela mulher... e,
inconsolável, me pus em pranto! Explicarei ... Chorei porque contemplei,
caro leitor, o mais belo sorriso dos que eu já vira. Imagino que nem o mais
célebre e formoso sorriso se equiparava ao que eu presenciava. Sim,
certamente nem o exultante, misterioso e belo de Mona Lisa! Transmitia-
me uma felicidade que nunca eu vira, nem mesmo nos sorrisos dos mais
bem sucedidos, famosos ou afortunados em dinheiro e posses. Ademais,
pensei (...) que problemas eu tinha na minha vida! Afinal, passava eu fome,
sede e vivia ao alento!? Eu tinha tudo na vida para alcançar meus ideais e
projetos de vida.
Chorei, porque mesmo na fraqueza física e psicológica que passava aquela
mulher, ela emitia um sorriso de intensa felicidade. E ela estava, caro leitor,
de cabeça erguida! Estava em uma postura forte e preparada para a batalha
que a vida lhe reservasse. Estava preparada para uma batalha que já a
esperava no início do alvorecer do próximo dia. Talvez devido a uma força
inexplicável que observamos nas gloriosas mães! Uma energia advinda da
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necessidade de criar seus filhos e de luta pela sobrevivência. Talvez um
lindo sorriso, porque conseguiu preservar a vida dos seus e saiu vitoriosa
em mais dia! Seria bom, provavelmente, em não pensar se repetiria o
sucesso no amanhã.
Chorei, leitor, porque nunca soube nem o nome daquela mulher. E
porque eu nunca a agradeci. Ela me amparou – sem perceber, é verdade – e
sem ter lido provavelmente um livro e sem declamar grandes filosofias.
Afinal, aquela mulher me ajudou naquele momento difícil de minha vida! E
hoje, quando esmoreço, recordo-me de sua postura altiva, de sua cabeça
erguida e da beleza de seu lindo sorriso. E assim, caro leitor, aquela mulher
me ajuda pela minha Vida Inteira!!
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“Um presente inesperado”
Leandra Teixeira Marcondes
Faculdade de Engenharia Agrícola
Quando eu recebi o presente de aniversário que havia ganhado dos
meus pais, parei, por um momento, para imaginar o que poderia ser. Me
disseram que seria um grande presente. Após analisar e pensar em filmes,
videogames, chocolates e até imaginar que fosse um vale-presente, resolvi
abrir para acabar com o suspense. Ao tirar o conteúdo da embalagem, não
pude acreditar no que via entre meus dedos: um livro.
Meus pais sabem que o presente que eu mais gostaria de ganhar
seria um tablet, mas eles me deram um livro de ficção, de cujo autor e título
eu nunca tinha ouvido falar. Para falar a verdade, eu nunca li um livro por
vontade própria. Quando era criança, eu gostava de ler gibis e histórias
infantis, mas, conforme fui crescendo, fui gostando cada vez menos de ler e
fui achando que era muito chato e entediante. No colégio, eu era obrigada a
ler livros antigos e chatos, geralmente escritos séculos atrás, cujas histórias
eu não entendia e, por isso, não me atraíam.
Depois que eu saí do colégio e comecei a cursar Engenharia, passei
a ler cada vez menos. Apenas leio o que é chamado de “Manual”, que são
livros como o de “Cálculo” ou de “Geometria Analítica”. Continuo
evitando ler livros de ficção ou das Ciências Humanas, pois acho que não
preciso deles. Eu preciso dos livros que me ajudam a entender os conceitos
técnicos do curso que eu escolhi, isso sim.
Eu comecei a folhear o livro, página por página. Li a capa, a
contracapa, li o fundo, li os comentários sobre o livro para ver se despertava
a minha curiosidade, mas nada. Era uma ficção sobre monstros e zumbis.
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Eu realmente não sei o que se passou pela cabeça dos meus pais para me
comprarem um livro de presente.
Não que eu não goste de livros. Eu gosto deles e acho magnífico o
poder deles de nos levar para épocas e mundos diferentes. Mas eu não gosto
de ler, não acho interessante e muito menos divertido; nunca fui
verdadeiramente estimulada a ler. Eu acho mais interessante jogar, ficar no
computador, assistir a vídeos que satirizam outras pessoas e, até mesmo, ver
televisão do que parar por um momento e ler um livro.
Naquela noite, antes de dormir, resolvi abrir o livro numa página
qualquer e comecei a ler. O trecho falava sobre uma perseguição da
personagem que eu acreditava ser a principal. Continuei a ler as páginas
seguintes e, quando dei por mim, já tinha lido cerca de 20 páginas. Olhei no
relógio, para ver quanto tempo se passara, e, num momento de susto,
percebi que haviam se passado cerca de duas horas. Fiquei em dúvida:
continuar ou não a leitura? Eu acordaria cedo, no dia seguinte, para a aula.
Engraçado como eu havia me rendido àquelas poucas páginas lidas: nunca
tinha lido um livro que me prendesse daquela forma. Surpresa, resolvi que
continuaria na noite seguinte, se tivesse vontade. Então, coloquei o livro
sobre o criado-mudo e apaguei as luzes.
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“Um futuro perdido”
Leandra Teixeira Marcondes
Faculdade de Engenharia Agrícola
Minha filha e meu genro saíram, e eu fiquei responsável por cuidar
dos meus netos naquela noite. Minha filha deu a luz a três meninos e
nenhuma menina; já, meu outro filho, teve três meninas terríveis, por assim
dizer: três a três, nada iguais no comportamento. Estava eu lendo o jornal
daquele dia, enquanto meu neto mais velho jogava, no computador, um
jogo de monstros, e os dois mais novos se divertiam assistindo ao desenho
de heróis mascarados, exibido pelo canal infantil da TV a cabo.
Eu fiquei ali, na poltrona, como se não estivesse. Fiquei como se
fosse invisível. Quando eu era jovem, era muito chegado ao meu avô, e hoje
eu mal sei o que os meus netos sonham para o futuro, o que desejam ou o
que fazem no dia-a-dia. Eu não sou um avô, sou apenas um velho. Hoje,
vivemos no mundo do novo, do belo e do ágil; então, um velho como eu é
totalmente descartável, diferente da minha época, em que o velho era
valorizado e visto como o mais sábio da família.
Em certo momento, perguntei para o meu neto mais velho: “Ei,
garoto, o que você tem lido de interessante?”. Ele me respondeu num tom
natural e orgulhoso: “Nada, vô”. Aquela resposta entrou pelos meus
ouvidos como uma flecha que perfura o alvo e machuca profundamente.
Como meu neto tem lido nada? Em seguida, eu perguntei: “Como você tem
lido nada, garoto? Você não gosta de ler Machado de Assis?”. E num tom
de deboche, ele disse: “Ele é velho vô, não se lê mais isso”.
Olhando fixamente para o jornal que estava em minhas mãos,
percebi que eu era o único a tê-lo tocado e o único a dar atenção àquele
pobre e antigo meio de notícias. Quando eu era garoto, não tínhamos esses
35
jogos e toda esta tecnologia disponível aos jovens. Os objetos, hoje, são
feitos para durar pouco: tudo é instantâneo e rápido, sem muita reflexão.
Então, uma leitura – ou algo mais complexo – se tornou algo difícil e de
enorme sacrifício para os jovens. Me lembro que o colégio era um lugar
gostoso de frequentar. Aprendia várias línguas, valorizava o ensino e meu
professor, tinha maior interação com meus colegas, principalmente quando
jogávamos futebol. Eu gostava muito desse jogo, era um momento
valorizado, assim como o resto das coisas que tínhamos. Tudo o que era
conquistado era muito valorizado, era muito difícil conquistar as coisas:
vivíamos, assim, repletos de sensações boas.
Eu me lembro de que cada livro era, como se fosse uma aventura
nova, um desafio novo. Relembro a sensação de terminar de ler um livro,
como eu ficava em êxtase. A maravilhosa sensação de ler página por
página, sentir o cheiro dos livros, viajar por suas histórias e aproveitar deste
meio para aumentar a minha cultura... inexplicável. Eu acho que meus netos
nunca sentirão esta sensação tão boa.
Acho que meus netos não leem, pois não são instigados a fazê-lo,
seja pela sociedade ou pela minha filha, e isso é muito preocupante: eles
nunca sentirão a sensação de viajar por mundos e histórias fantásticas, não
pensarão sobre a própria vida, não se conhecerão e não terão esse grande
amigo que é o livro. Hoje em dia, os jovens estão absurdamente cercados: a
internet e as novas tecnologias, a televisão, os padrões de beleza e de
comportamento, a instantaneidade... Coisas que eu nem imaginava que
existiriam, quando eu era garoto. Tudo isso os deixa com pouco interesse
pelas leituras e pelos conhecimentos mais profundos. Até mesmo os jovens,
na faculdade – principalmente engenheiros –, ficam presos em um mundo
exato, cheio de números, teorias, explicações canônicas. Presos no mundo
do momento, cheio de padrões e praticidade. Vejo meus netos e os jovens
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de hoje cada vez mais longe dos livros, cada vez mais longe um do outro...
e de si mesmos.
De sobressalto, parei minha reflexão: com um som estridente. Fui
avisado que meu neto havia superado mais uma fase do jogo. Então, liguei
o computador e achei uma história infantil de que os meninos gostavam.
Desliguei a televisão e fui ler o conto para os meus netos mais novos.
Coloquei-os na cama e li a história de um garoto que lutava contra os
monstros que tomaram Nova Iorque. Quando acabei a história, eles já
haviam caído no sono. Apaguei as luzes, voltei para a minha poltrona e
peguei um livro de crônicas do Rubem Braga: voltei, assim, para o mundo
da imaginação.
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“De laranjas e sardinhas”
Rodolfo Dourado Maia Gomes
Faculdade de Engenharia Mecânica
Quando era criança e recém-adolescente, sempre ouvia histórias de
escola dos meus pais. Ficava impressionado como eles, naquela mesma
idade, já tinham lido clássicos da literatura nacional e estrangeira, tiveram
disciplinas de latim, estudaram filosofia. Minha mãe é assistente social,
meu padrasto, engenheiro civil, meu pai, economista. Só com meu pai que
não ouvi histórias de escola, pois a sua cessou quando eu tinha apenas 5
anos. Reclamavam das intermináveis páginas do périplo de um bendito
canhão em Guerra e Paz. Emocionavam-se com as agruras da paz e as
esperanças da guerra. Discutiam personalidades, não as de “roliudi”, mas as
de Bentinho e Capitu na eterna discussão sobre traição, aquele olhar, aquele
filho, aquela passagem, aquele comportamento, aquela ressaca.
Ouvir essas e outras conversas que não necessariamente histórias de
escola, mas, de uma forma ou de outra, iniciadas nela, interessavam-me não
somente pelo conteúdo em si, mas porque era ali que eu também conhecia
meus pais, mesmo sem me dar conta disso. Seus gostos, seus modos de
pensar e ver o mundo e as pessoas, como se, para tudo, tivesse uma
referência mais profunda e elaborada. Muito embora nem por isso
permeadas por contradições e tormentos no carregar de seus próprios
canhões... Na busca incessante de Paz numa Guerra sem fim. Nessa busca,
meu padrasto morreu em guerra, eu já estando adulto. Perdeu para si
mesmo, mas conquistou muito ali na trincheira: amou e foi amado por
minha mãe. Essa bandeira branca ele viu tremular. Ela me vestiu para
atravessar o negro do luto.
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Já, na minha época de escola, sentia diferença daquela dos meus
pais. Uma época entre o Muro em pé e caído. Livre da internet e não
descoberto por ela. A leitura já não me parecia ser tão incentivada ou
forçada na escola, e as disciplinas perderam um pouco daquele brilho que
meus pais passavam: de descoberta do mundo e de nós mesmos. Ler era
obrigação, diversão jamais. Para o vestibular, o clímax do conjunto da obra;
os resumos dos livros obrigatórios já estavam ali ao alcance das mãos,
encadernados, elegantemente processados por quem entende do assunto e
entregues aos alunos. José Saramago, Machado de Assis, Manuel Antônio
de Almeida, Eça de Queirós, Raul Pompéia, Guimarães Rosa, e tantos
outros ali condensados numa lata de sardinha pela Especialistas LTDA.
para consumo rápido e objetivo. Uma lata de impor respeito, diga-se de
passagem. Era o início da leitura pré-ruminada, da terceirização do ler, do
sentir, do pensar e do elaborar.
A laranjada do Stanley Kubrick ganhando as prateleiras e entrando
em nossas casas no tic-tac mecânico de um Charles Chaplin. Era difícil
conversar com os amigos sobre política e cinema, porque eu era um chato
mesmo; eu gostava da perspectiva histórica para dar contexto da conjuntura
atual ou daquela notícia. Eu era tão chato, como essa frase soa. Gostava de
conversar com as pessoas mais velhas, como os pais de meus amigos. Ouvir
as histórias de lutas na ditadura ali ditas na dura. De uma juventude, parte
dela pelo menos, com objetivos comuns, ideais e sonhos elevados. E os da
minha? Não sei. Quando caiu o Muro, outro se fez. Implícito. Se é que já
não esteve sempre ali.
E hoje, quando o que só tenho são minhas histórias de escola,
parece que é ainda mais distante a impressão daqueles jovens, como meus
pais, que sabiam e liam tanto, que pareciam tão preparados e imbuídos de
cultura universal, vamos dizer assim. Hoje é tudo tão “al”: superficial e
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artificial. O relógio da parede da cozinha aumentou a velocidade de seu
passo. O mundo gira mais rápido. O imediatismo invadiu nosso dia-a-dia
que luta na fé cega de alcançar a velocidade da mensagem instantânea.
Acabou-se a época do “tempo é dinheiro”. Tempo é tempo, e entrará um dia
nos livros de Economia como recurso escasso.
Parar para se aprofundar é parar no tempo, é ser carcomido pelas
suas engrenagens, é ser ultrapassado. Como assim não está sabendo disso?
Aconteceu há uma hora atrás. Não saber é ultrajante até que alguém
iluminado questione desde quando tomar conhecimento é saber de alguma
coisa. “Quem espera nunca alcança”. Esperar é foco epidêmico de
impaciência. Às favas a gentileza. Com o andar da carruagem, paciência
virará o oitavo pecado capital.
O dia-a-dia dentro de casa virou exemplo clássico de busca
implacável de otimização de logística e resultado. Nossa vida diária se
organiza no espaço de uma lata de sardinha, é anticlaustrofóbica. Sair fora
dela, um pouco que seja, dispara tal síndrome angustiante. Enclausuremo-
nos na segurança de nossa autoconstruída prisão. Parar para ler mais de cem
páginas de um livro, então? Perda de tempo, alguém já fez isso antes e
disponibilizou o resumo na internet, alguns até belos e bem escritos. De
preferência curtos. Cem páginas de resumos é como ter lido mil livros
considerando um longo resumo de dez páginas por livro, sem ninguém
precisar saber que não li um sequer. E o que relacionamentos e o
jornalismo, em geral, possuem em comum nos dias de hoje? Fácil: perda de
profundidade. Gastar tempo “lendo” muito para quê? Quero mais é pular
etapas. Que o parceiro, amigo ou informação já venham prontos com os
ajustes de fábrica baseados em pesquisa de hábitos do consumidor, só sendo
necessário algumas pequenas configurações pessoais, e pronto. Nada que é
diferente de mim presta, tem de ser do jeito que eu quero.
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Diversidade só de meus aplicativos, roupas e seguidores da rede
social. Se deu problema ou dor de cabeça, parto para outra ou pratico
bullying. É uma questão de sobrevivência e aceitação, é preto ou branco,
claro ou escuro, bem ou mal, yin ou yang. Tudo muito simplório. É tudo
descartável, mas não se preocupe: alguém vai coletá-lo para reciclagem. A
laranjada do Stanley Kubrick é, hoje, sucesso de venda e tem lugar cativo
em nossas casas no tic-tac digital de um Charles Chaplin remasterizado.
Tenho esse vislumbre de que estamos trilhando o caminho para
uma nova espécie, deixando de ser Homo sapiens sapiens em direção ao
Homo sapiens acceleretur. Deveríamos ter perdido o sapiens há muito
tempo, pelo que nós já fomos e ainda somos capazes de causar um ao outro.
Mas não, um era pouco, tínhamos de ser “bissapientes”. E esse caminho eu
acho que é o certo se isso significar termos de viver um período de grande
crise da espécie. São em períodos assim que catalisam grandes
transformações. Não partirão de nós, mas sim, como reza a profecia,
daquelas sete crianças de cidades diferentes que, curiosas, abrirão ao
mesmo tempo um livro muito velho para verem despertar aquilo que temos
de melhor.
É por isso que o jovem de hoje não deve ler.
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II Concurso – 2014
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“#chorando #ihatemylife #instadepressão*” Daniele Moraes Amador Barbosa
1º Lugar
Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação
Todo mundo sabe que vivemos em uma sociedade à beira da
depressão. Cada vez mais e mais pessoas têm problemas psicológicos, se
sentem tristes, ansiosas, com vontade de desistir de tudo. Eu tenho
depressão, sua vizinha tem depressão e até mesmo você pode começar a não
ver um sentido para a sua vida e sentir vontade de dormir o dia inteiro, já
que, no mundo dos sonhos, quem manda é você.
Alguns dizem que a tecnologia faz com que as pessoas se afastem e
se isolem e, portanto, se sintam mais tristes. Os gestos de amizade deixaram
de ser brincar de adoleta no pátio da escola para serem curtir o status do
coleguinha no facebook ou postar uma selfie com a legenda #bestfriends.
As pessoas saem com os amigos, mas não aproveitam nada, pois só se
preocupam em tirar fotos e postar nas redes sociais para que todo mundo
veja. No final das contas, todo mundo fica sozinho com suas tecnologias:
seus melhores amigos são o smartphone e o notebook. Como eu, você
também deve estar se imaginando como as coisas estarão no futuro se
continuarem assim. Porém, diferentemente de você, eu agi: meu trabalho de
fim de curso na faculdade foi – pasme – uma máquina do tempo, e minha
primeira viagem foi para 17/06/2114, meu aniversário.
Vim parar na Unicamp. Em 2014, nós costumamos ver alunos
estressados com tantas provas e trabalhos, arrancando os cabelos e lotando
a agenda do SAPPE – Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao
Estudante. Eu, em 2114, encontrei vários alunos sorridentes. Mesmo tirando
nota baixa, bombando matérias, ficando de exame... Eu encontrei vários
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alunos sorridentes. Estranhamente sorridentes. Artificialmente sorridentes.
Mas tudo bem, vai que as pessoas de 2114 têm essa cara artificial mesmo e
eu, com meu olhar do século passado, acho estranho.
Após entrar em algumas aulas como ouvinte, notei como a
tecnologia dominou tudo: os professores, visivelmente cansados, mas
sorridentes, simplesmente apertam um botão, que faz com que arquivos de
texto com o conhecimento da aula sejam transferidos via wi-fi para os chips
que todo aluno tem implantado debaixo de sua pele. A aula se tornou um
simples download de alguns minutos, o que permite que os alunos tenham
várias aulas por dia e se formem em apenas 2 meses. E sempre sorrindo.
Com uma tecnologia avançada assim, não tem como ficar triste!
Outra coisa estranha que percebi nas pessoas do futuro é que eles
ficam se coçando demais, mais especificamente na nuca. Além disso, me
surpreendeu o fato de que o SAPPE não existe mais, virou um
estacionamento (pois é, infelizmente em 2114 ainda não temos carros
voadores, só um trânsito mil vezes maior). Mas o bandejão continua lá,
servindo o mesmo cozido misto pelos mesmos 2 reais.
Andando pelo campus, encontrei um rosto familiar. Familiar até
demais, era eu mesma. Sem pensar nas consequências de conversar com
alguém do futuro, corri em direção a mim mesma:
- EI!
- Ah, finalmente chegou o dia em que eu me visitei!
- O quê? Como você sabe?
- Ué, eu sou você no futuro, logo o que você está fazendo agora é
meu passado, não é?
- É mesmo... Mas e aí, o que me conta de interessante do futuro?
- Nada de mais, está tudo chato como sempre, se não mais.
- Como assim? O pessoal vive sorrindo, só está ruim pra você!
44
- Claro que eles vivem sorrindo, com serotonina na veia qualquer
um consegue...
Então eu me expliquei a que ponto a tecnologia chegou. Como a
sociedade estava ficando cada vez mais triste e as pessoas cada vez mais
isoladas com suas tecnologias, os cientistas inventaram uma solução para
esse problema em meados de 2030, quando o Prozac já era tão comum
quanto aspirina: diminuir os usos de tecnologias e fazer com que as pessoas
socializem mais, como antigamente? Claro que não! Passaram a injetar um
líquido com excesso de serotonina nos cidadãos, como se fosse uma vacina
contra depressão, mas tinha que tomar todo dia. Com o tempo, a tecnologia
foi avançando mais e, hoje em dia, dentre os chips que as pessoas têm
implantados sob a pele, está um chip que periodicamente configura
digitalmente nosso nível de serotonina para 100%, e essa configuração
causa uma coceirinha na nunca, que é onde o chip fica.
- Mas por que você continua na mesma vida triste de sempre? –
Perguntei.
- Porque eu reconfigurei o meu próprio chip e desabilitei essa
besteira toda. Melhor ser triste de verdade do que feliz de mentira. Além do
mais, ser triste é mais poético... E você não imagina o quanto as pessoas
pagam por livros com histórias e poemas tristes hoje em dia. Já que elas não
se sentem tristes, pagam pra ler como seria.
- Mas por que você não reconfigura os chips de outras pessoas
também?
- Porque é ilegal. Hoje em dia você TEM que ser feliz. A tecnologia
permite isso e o governo exige por lei, porque cidadão feliz não reclama,
não protesta e gasta dinheiro com todas as bobagens que a mídia impõe!
Depois disso, voltei correndo para 2014 e venho por meio desta
carta aberta à população alertá-lo, leitor: Coloque o celular no silencioso,
45
desligue o notebook e vá jogar Banco Imobiliário com seus amigos. As
redes sociais NÃO SÃO os únicos métodos de socialização. E antes de se
viciar em antidepressivo por conta própria, visite um psiquiatra. Mas não
conte sobre suas eventuais viagens no tempo porque não vão acreditar.
Atenciosamente,
[Meu nome]
Hospital Psiquiátrico Maria das Graças, 16 de setembro de 2014.
*É moda nas redes sociais postar fotos com as “tags” (palavras-chave)
começando com “#” (lê-se “hasthag”) e contendo qualquer informação
que sirva (ou
não) de legenda para a foto em questão. Dentre essas tags, é comum postar
#instaalgumacoisa, sendo o “insta” referente a uma rede social chamada
“instagram”, onde o usuário posta fotos e adiciona melhoramentos a ela
através de filtros.
46
“Não se pode não ter” Luan Guainais M dos Santos
2º Lugar
Faculdade de Engenharia Mecânica
Neste tempo em que – diz-se – não se pode perder tempo, muito
tempo se perde nas contradições que constroem a ponte que conecta
felicidade e tecnologia. O carpe diem contemporâneo suscita o uso
frenético de instrumentos adotados como órgãos extracorpóreos, abióticos,
tomados como essenciais nas relações entre as pessoas e destas com o
mundo. Produtos da tecnologia são o nosso vestuário, mas não nosso em
comunhão – a condição de vida a que cada um está submetido determina o
tamanho de seu próprio guarda-roupa tecnológico, conjunto cujo tamanho
pode variar do vazio ao total. E é este arsenal de instrumentos que confere
cor e formato à realidade humana, pois é através deles que a espécie
humana se relaciona com o universo.
Pensemos a felicidade como um complexo emaranhado de
sentimentos e sensações de regozijo associados a fatores condicionantes do
conforto e do bem-estar. Indiscutivelmente, na classe de tais fatores se
enquadram as benesses dos avanços tecnológicos, e ao perceber que a
tecnologia exerce soberano poder sobre a satisfação das necessidades
materiais dos seres humanos, emerge a questão que talvez se devesse
encontrar no âmago da razão de ser do progresso científico: tal progresso
está essencialmente a serviço do bem-estar geral da pessoa humana? O
casamento entre a lógica do método científico e aquela do mercado, há
tempos, põe em xeque a premissa de que o domínio da técnica tem como
fim último a promoção da felicidade de todos.
47
Ora, como podem todas as pessoas serem felizes diante da óbvia
estratificação social brindada pela diferenciação no acesso aos avanços
tecnológicos? Como podem estar felizes todos se nem todos podem
acompanhar a volátil e contínua transformação por que passam os meios de
produção, de locomoção e de comunicação? Certamente, se a uma novidade
tecnológica que destitui trabalhadores de seus empregos correspondesse, em
contrapeso, a uma novidade que os compensasse, atingir-se-ia uma
condição de equilíbrio estacionário que, ao menos, traria a todos uma
percepção de mudança para melhor. Materializam-se novos e cada vez mais
arrojados projetos de automóveis, que passam a ser produzidos aos milhares
em tão pouco tempo; não obstante, a esmagadora maioria das pessoas não
se aproxima de poder acessá-los no decorrer de suas vidas. Esmagadora
maioria que se serve do transporte coletivo, que, não em toda parte, se
apresenta em condições ótimas em termos de conforto e de agilidade.
Tarefa fácil e prazerosa para uns é tarefa árdua, desgastante para outros.
Estariam mesmo todas as pessoas felizes com mérito à tecnologia
se o poder de uns não passa da vontade de outros? Às novidades
tecnológicas poucos têm alcance, muito embora não haja fronteiras para a
publicidade que desenfreadamente as procuram vender, publicidade cujo
mais poderoso artifício é convencer que o produto em voga é um passaporte
para a felicidade. Colocamo-nos, aqui, uma questão ética. A que lógica
obedece o método científico: a do bem-estar social ou à do mercado
lucrativo? Lucro, logro, ganância. Etimologia que não se casa com a de
felicidade. Estaríamos nós confundindo avanço com progresso? Assistimos
ao consumismo como transgressor dos potenciais benefícios da tecnologia.
A publicidade, sim, persuade, e torna-se cada vez mais difícil às pessoas
que se contentem com o que possuem, que se deem conta do supérfluo,
caindo em um redemoinho que converge ao consumo, impulsionado por
48
uma necessidade fictícia. É preciso possuir porque os outros também
possuem. Nessa lógica, o errado é não ter.
Estaríamos vivendo sem saber aonde queremos chegar? Vendo um
progresso sem meta, pautado por um avanço da técnica com fim apenas em
si? Sabemos que se conduzem, com precisa objetividade, os métodos que
promovem fabulosas novidades tecnológicas. Resta saber a que propósito
tudo se faz.
49
“Flor inodora”
Christian Fialho de Jesus
3º Lugar
Faculdade de Engenharia Civil
“Mais que maquinaria ou tecnologia; precisamos de humanidade,
Mais do que inteligência ou esperteza; precisamos de amor e bondade,
Não sois máquinas; homens é que sois!”
C. Chaplin (tradução adaptada do filme “O Grande Ditador”)
Recordo-me de quão intensa era a minha tristeza naquele dia. Sentia
uma vontade intensa de conversar com alguém e, sabe!, de desperdiçar
palavras ao vento. Eu almejava desvincular a minha alma de um mundo,
por vezes ... tão dinâmico e turbulento. Ao menos, por alguns instantes. Ao
menos - novamente repito - naquele dia!
De fato, meu coração se sentia tão solitário, embora eu estivesse
envolto por tantas pessoas. Como pode alguém estar tão acompanhado e,
ainda assim, estar e se sentir tão só?! - eu me questionava. E isso ainda
continua sendo um paradoxo para mim. Com efeito, as pessoas com que me
deparei, nesse dia, estavam deveras muito ocupadas e absortas com suas
maravilhosas máquinas tecnológicas. Notei que esses equipamentos, não
raro, são mais agradáveis e desejáveis do que alguma despretensiosa
conversa. Em seguida, veio quase que naturalmente à minha mente, um
grande pensador francês. Afinal, Rosseau em sua obra “Do Contrato
Social”, afirma que somos seres sociais. Ele evidencia a necessidade que
temos da vivência com o próximo. Assim; paulatinamente com essa
interação em grupo, construímos o legado de nossa civilização e do nosso
saber. Mas eu não tinha ninguém para interagir e para dialogar! E isso é que
também nos faz uma vida moderna, porque nos tornamos tão
50
sobrecarregados, atarefados e sempre com um escasso tempo ou com
valores sociais no mínimo questionáveis.
Tive, em seguida, uma prova e me inquietava em eu não saber, de
forma exata, algumas questões. Olhei ao lado e em sequência para frente e
vi como alguns colegas usam a tecnologia de forma tão útil para o ato de
colar. Não estou, prezado leitor, condenando a cola ou algum colega. Eu
estaria mentindo se dissesse que nunca precisei de “uma ajuda mnemônica”.
Em verdade, eu seria o primeiro a me explicitar e condenar. Não obstante, o
que surpreende é que a até ‘a cola’ tinha uma função social quando esta era
passada de colega a colega. Havia um trabalho em grupo não nobre - é
verdade! Antes, exigia-se uma criatividade em elaborá-la e na logística dos
movimentos dos pedacinhos de papéis. Também na melhor estratégia de em
como não se ser revelado na errônea ação. Dava, ao certo, algum trabalho e
uma elaboração mental. Hoje é só abrir uma telinha de um celular e o
processo já se consolidou individual e prático. Até isso, a tecnologia alterou
socialmente. Ela tem o poder de alterar atitudes e hábitos com uma
surpreendente rapidez e com um notável impacto social. É indubitável que
os tempos modernos transformam as pessoas e o seu meio.
Depois de algumas horas sem tecnologia - Ah! - eu já sentia
transtornos em meu ser. É certamente um vício moderno. Eu precisava ir
para a sala de computadores, pois estava sem o meu portátil. Afinal, não
conseguimos ficar por muito tempo sem essas maravilhas modernas. E,
mais uma vez, todos estavam na sala entretidos com suas fabulosas e
práticas máquinas. Eu não podia incomodar ninguém! É quase que uma
ética que se impõe pela tecnologia moderna com a seguinte mensagem não
declarada e oculta, a saber: “não encha o saco”, pois todos estamos
ocupados ou atrasados em algo. Claro, a não ser que eu solicite a
companhia de um equipamento de rápido processamento que não expõe
51
reclamações orais ou expressões faciais de desaprovação. Isso me
confortava e também imaginava como é relevante a tecnologia que tanto
facilita nossas vidas. O mundo se evidencia interligado e, por isso, quase
sem limites. Podemos ter com praticidade e rapidez praticamente quaisquer
informações que desejarmos. Pensei! Se há uma companhia mais desejável
que essas maquinarias? Aliás, são tão “inteligentes e comportadas” e que
não nos aborrecem com suas neuras e problemas. Estava compreensível e
justificado em ser tão difícil achar alguém para conversar. E aceitei a
derrota em desolação - confesso!
Restou-me entrar em uma rede social e verifiquei que tenho
exatamente 4925 contatos. Refleti que eu devo conhecer menos de dez. E
que, antes dessas redes, eu tinha mais contato com amigos do que hoje.
Mesmo agora, não obstante ser tudo tão fácil e rápido. Antes,
conversávamos mais e demoradamente. Havia um contato de
companheirismo salutar de ser a ser. Uma preocupação e interação social
não individualista. Entendíamos a relevância do outro para o sucesso de
nossa trajetória na vida. Existia um abraço ou aperto de mão e não raro
sorrisos sinceros. E eu queria conversar em palavras faladas e não nas
colocadas escritas e virtuais. Afinal, você há de concordar comigo, caro
leitor, que existem coisas que só são efetivas e confortantes se feitas
pessoalmente. Aliás, como era bom outrora em que conversávamos e
jogávamos, por horas, jogos de dados ou de estratégias. O tabuleiro e esses
jogos não virtuais nos reuniam socialmente. Isso acabou, mas não posso
culpar a tecnologia. Talvez seja o processo natural da dinâmica da vida:
cada um cresce e toma seu caminho. E aprendi que as pessoas mudam.
A tecnologia é uma grande aliada nas tarefas e no acesso das
informações na minha vida e não posso deixar de admirá-la. Ela facilita e
melhora, com certeza, as mais diversas diretrizes e necessidades de minha
52
rotina cotidiana e de todos, tais como alimentação, o transporte, os estudos,
o trabalho ... Entretanto, o certo é que eu não estava feliz. E percebi mesmo
sem algum diálogo, embora muitos externassem uma imagem contrária de
plenitude, eu sentia que eles também no seu íntimo estavam incompletos.
Sim, prezado leitor, acredite! Comunicamo-nos mais pela linguagem
corporal do que por meio de palavras. Eu não entendia o motivo porque um
vazio tão grande se inseria e se consolidava em meu ser e aparentemente
também nos outros. Talvez, eu nunca irei saber a resposta de minha
infelicidade - asseverei!
No entardecer, fui como de costume buscar minha filhinha (de
quase três anos) na creche. Eu estava triste, mas, ao vê-la, admito que me
‘enchi de intensa alegria’. E para minha surpresa, ela veio correndo.
Abraçou-me e me deu uma linda flor. Não uma ‘flor inodora’ e virtual, mas
uma com textura, com cores vivas que maravilham os nossos olhos e com
um exalante agradável odor e tudo tão acalentador! E de imediato, todo o
meu vazio se revestiu de satisfação e esperança. Transbordei-me de
felicidade! - asseguro. Afinal, recebi não um abraço virtual, mas um com
um contato tão confortável e libertador. Com efeito, só algo real e com boas
intenções poderia proporcionar tal energia tão sublime.
Entendi que a felicidade, de fato, é encontrada em as coisas serem
fiéis ao que são na realidade - em elas não perderem a sua verdadeira
identidade; senão, as mesmas perdem sua energia de vida cujo norteio nos
eleva e emociona. Tudo se resume em sermos humanos e não potenciais
maquinarias. Ademais, em não descuidarmos das nossas necessidades
humanas e sociais em um mundo tão carente e em deterioração. Em
seguirmos o que a Natureza nos determina e não nos omitir de admirar -
seja pela escassez de tempo do dia a dia ou pela nossa negligência - o
maravilhoso mundo ao nosso redor. E isso desde suas pequeninas coisas até
53
às suas mais complexas estruturas. Afinal, eu penso que deve ser muito
infeliz quem nunca teve tempo ou vontade de se aprazerar com o canto de
um pássaro ou de se maravilhar com o sorriso e alegria ingênua de uma
criança. Sem isso, a contemplação e interação do mundo real que nos
envolve, poderemos ter apenas uma ilusão de um bem-estar tecnológico.
Mais que isso, o sentimento que estamos em uma sociedade que somente
evolui. De fato, a tecnologia é uma formidável ferramenta e um caminho
para nossas vidas, mas não as respostas para a procura e encontro da
felicidade na vida de todos nós - Ah! Só as acharemos significativamente
em um mundo real - mesmo com suas imperfeições. E, soma-se a isso, tudo
dentro de um equilíbrio com o nosso interior! Senão, caro leitor, tudo será
uma busca por uma “Flor Inodora” (...) ou por uma ‘Vida sem sentido e sem
Felicidade’!
54
“A Felicidade nossa de cada dia” Mariana Mazetto Gazola
Faculdade de Engenharia Mecânica
Todo dia é a mesma coisa. Levantar, escovar os dentes, tomar
banho, almoçar, ir trabalhar, chegar em casa, estudar, jantar e dormir.
Muitas pessoas vivem sempre na mesmice de cada dia, não fazendo nada de
diferente. Apesar de que o que realmente importa não é fazer coisas
diferentes todos os dias, mas sim se perguntar o porquê de fazer aquilo.
O que as impede de ficar na mesmice é pensar que as redes sociais
vão dar uma ajuda no relacionamento delas com os outros. Acordar e postar
no Twitter que acabou de acordar não é a mesma coisa que acordar e ir dar
“Bom Dia” para as pessoas que moram com você. Ir viajar e postar fotos no
Instagram não é a mesma coisa que aproveitar as pessoas que estão na
viagem com você. Mas, mesmo assim, ainda existe o sentimento de
felicidade de compartilhar estes fatos com sua rede de amigos que, em
grande parte, são apenas conhecidos.
Hoje o mundo é pautado nos avanços que a tecnologia traz, e não
sempre nos benefícios que teremos com a tecnologia. Ao utilizar as redes
sociais, que, em teoria, existem para trazer maior proximidade entre as
pessoas, vivemos em um paradoxo, já que muitas conversas em famílias são
agora mensagens trocadas pelo Whatsapp. E as pessoas se sentem felizes
por ter uma “conversa em família” em que não há nenhuma interação
pessoal.
Somos os seres considerados os mais inteligentes da face da Terra
e, mesmo assim, não merecemos tal título. Por que deixamos o melhor para
comer por último? Por que não podemos continuar escrevendo cartas
mesmo no mundo da tecnologia? Por que não podemos fazer Engenharia se
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somos meninas? Por que não podemos gostar de rosa se somos meninos?
Muitas vezes nos limitamos em coisas simples.
Depois de anos fazendo as mesmas coisas, adquirimos vícios que
simplesmente nos levam a lugar nenhum e, mesmo assim, persistimos neles,
sem simplesmente pensar na solução. O problema não é só pensar em uma
solução, mas, talvez, simplesmente pensar. Temos que refletir sobre uma
pergunta simples: “O que me faz feliz?”.
Com certeza, se a população pensasse na pergunta acima, não
teríamos respostas relacionadas às redes sociais. Os avanços tecnológicos
devem ser usados sim para melhoria de produtos, construção de próteses,
redes de informação, mas não devem nunca ser o fator decisivo para a sua
felicidade ou infelicidade.
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“A mulher dos olhos amarelos” Raul Lima Cosaca
Faculdade de Engenharia Civil
Chegar a um novo mundo onde você tem muitas coisas para
descobrir e não conhecer ninguém, só com a valentia de seguir seus sonhos,
o que não é suficiente para entender o que falam, mas sim para saber o que
dizem. Esse foi o meu primeiro desafio no Brasil.
Era dia de matrícula, todo mundo está com pressa, estressado,
ninguém tem tempo para cumprimentar e só pensamos em uma coisa: “já
quero que o dia acabe”. Finalmente acaba o dia, com um atestado de
matrícula na mão.
- Já sou estudante da UNICAMP! – pensei – Incrível!
Ainda tinha sido só um estudante especial, a emoção era grande.
Lembro que tudo começou pela minha curiosidade por essa coisa que não te
deixa dormir tranquilo e sempre te faz perguntar “por quê?”. E assim
conheci um mundo chamado ciência. Foi essa mesma curiosidade que me
fez chegar a um país onde tinha muitas coisas para aprender. Cheio de
entusiasmo, assisti a minha primeira aula. Eu estava tão nervoso e atrasado.
A porta estava fechada e não tinha como entrar. Então fiquei aguardando, e
foi quando conheci o popular “cafezinho” ou “intervalinho” que nessa
ocasião me deu uma oportunidade valiosa: apresentar-me ao professor. Ele
me olhou com estranheza, imagino que devido a meu português. Mas foi
uma conversação profissional e curta suficiente para saber que, se eu queria
uma porta aberta, teria que abri-la eu mesmo. Foi assim que entre
entrevistas e palavras mal pronunciadas, consegui concluir uma coisa que se
escuta em todos os casos: “Você precisa ser estudante regular, passe no
processo seletivo e falamos” e então, surgiu um novo objetivo.
57
O processo seletivo estava próximo. Estudar muito era minha única
opção, e meu quarto alugado e vazio não era a melhor opção. Assim, foi
que veio à minha mente: “não existe melhor lugar para estudar que em uma
biblioteca”. Mas, eu só conhecia a biblioteca como um lugar lúgubre e
cheio de silêncio. Porém, não tinha melhor opção; com meu RA na mão e
com meu português ruim, fui até o balcão de atendimento. Cumprimentei e
recebi uma grata surpresa. Normalmente, eu sou muito cordial com todo
mundo sem exceções, mas se percebe que também aqui tem se perdido
muito do protocolo social e da etiqueta, que para mim não é outra coisa que
respeito e amor a si mesmo. E é algo que, em especial na juventude, mas
não exclusivamente nela, está se perdendo. Finalmente quando comecei
meu cadastro na biblioteca, conheci a uma mulher simpática e linda, com
uma voz familiar e ao mesmo tempo cordial e gentil, com uns lindos olhos
amarelos. Agora sabia que estava no lugar correto. Daqui para frente me
sentiria feliz em estudar na biblioteca e conhecer tanta gente amável.
Depois de um tempo descobri que a mulher não tinha olhos amarelos, mas
sim verdes e lembrei que eu era daltônico, uma enfermidade que afeta a
visão das cores, algo terrível para alguém como eu que trabalha num
laboratório cheio de análises colorimétricas. Felizmente, nestes tempos,
existe o espectrofotômetro. Mas isso me faz lembrar que nossas
dificuldades só servem para sermos quem somos agora. Sentir-se feliz é o
melhor caminho para viver.
58
“Brasília”
Otávio Leite Bastos de Nazaré
Faculdade de Engenharia Mecânica
Brasília. 2014.
Não há necessidade de falar a data, o tempo não existe. Eu nunca fui de ser
maluco, mas me assustei com minha própria ideia. No paraíso de concreto,
olhei para o céu. As cores se sincronizavam numa sinestesia perfeita.
Num repentino sentimento, pensei que conseguiria encostar nele.
Saltei uma vez, cheguei perto, saltei outra,
E senti a maciez de um pedaço de nuvem.
Não foi na terceira vez, foi na sétima vez que alcancei aquele céu.
7, o número perfeito.
A gravidade estava de ponta cabeça,
Olhei para cima e vi Brasília voando. Vi aquele avião cinza num céu verde
imenso e só de falar tudo ao contrário já me embaralha a cabeça, e eu via o
eixo, ali ficavam os presídios de luxo da cidade.
Funcionava como um tipo de regime semiaberto-invertido, os bandidos
trabalhavam na cadeia durante o dia, quer dizer, frequentavam o presídio.
Motivos? Meramente "sociais". Sim, de fato. Eles dormiam em casa durante
a noite. Estranho? Acrobático... circense talvez.
É que o pão e circo virou só circo, meu amigo.
O bobo da corte não existe mais.
Meu povo hoje morre de fome, pra empanturrar os bobos, que são da corte.
Mas ninguém se queixava. Aliás, não podemos nos queixar do circo. E se
não poder se queixar significa que está tudo ótimo ou que tudo é uma
lástima, meu caro e ávido leitor, Ah, isso fica a seu critério, eu não falo
nada, só escrevo. Até porque ninguém escreve falando.
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Era uma tarde de quarta. Nas asas voadoras de Brasília, eu podia ver uma
tripulação imensa de trabalhadores apressados.
Eu não sabia mais se aquilo era norte-sul ou leste-oeste. O eixo norte-sul
encaixa melhor no centro. Pouco importa, o voo era sublime. Eu vi aquele
cerrado esplêndido. A contorção das árvores do planalto central é minha
dança favorita, é um movimento estático. Eu nunca tinha visto água parada
em cima de mim.
Se aquele momento de delírio acabasse ali, aquela água cairia, meu
pensamento se iria. Sem pensamento, a mente morre FIM. Seria um fim,
mas tive concentração para olhar crítico aquilo tudo, mesmo estando
embaixo, a sensação era de estar por cima. Eu tinha a realidade-marionete.
O mundo era mais irreal do que eu pensava. Aconteceu ou não? Ache o que
quiser, ou o que lhe convier.
Cada um com suas loucuras. Eu só sei que minha loucura era Brasília, e que
minha paixão anos-60 era dela.
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“Cara ou coroa”
Rodolfo Dourado Maia Gomes
Faculdade de Engenharia Mecânica
Tem certa fama no mundo, turbinada pela internet, a campanha do
abraço grátis. Basta segurar uma placa com a oferta numa rua movimentada
e outra pessoa desconhecida disposta a consumar o ato ali e agora. Topa? É
abraçar ou largar. Seus ativistas garantem diversos efeitos medicamentosos,
como redução da pressão sanguínea, dos batimentos cardíacos e de
hormônios ligados ao estresse. Mas, lá no Japão, resolveram simplificar o
processo ao eliminar os riscos de ser ignorado, de foras, de ciúmes e, no
extremo, de ser preso por atentado ao pudor e aos bons costumes:
simplesmente eliminaram, com tecnologia, o intermediário. Com
ergonomia ainda por cima. Pois, nesse ano, foi apresentada numa feira
internacional uma cadeira que literalmente abraça quem se sentar. Não tem
hora para o abraço, é do gosto do freguês, disponível 24 horas por dia, sete
dias por semana, ano todo, sem feriado e hora-extra. Seu manual do usuário
garante que espanta a solidão, reduz o ódio e a ira. E, claro, tem garantia de
um ano.
Não importa se comprado ou gratuito, o importante é abraçar a
procura pela felicidade. Dalai Lama e Hannah Arendt sintetizados. O ser
humano busca ser feliz sob apenas uma condição: a humana. É aí que o
bicho pega. Ela chegou a tal ponto que até as cadeiras são arregimentadas
para preencherem o esvaziamento que a modernidade vem trazendo à
sociedade e, o que é “tragirônico”, para assumirem o papel de trazer o
humano para perto de nós; quão longe temos nos lançado desde que nós
passamos a observar a natureza e a usarmos nosso intelecto em nosso
61
proveito, criando cada vez mais com ele ao ter um entendimento tão melhor
dela.
A revolução científica, que vem siamesa ao Renascimento e às
Revoluções Industriais, expandiu horizontes para a (a)ventura humana.
Possibilitou expandir fisicamente nossas habilidades, seja a enxergar muito
além do que podemos a olho nu, arremessando a visão aos confins do
Universo ou mergulhando aos confins da matéria, seja ampliando o campo
de visão de uma ponta a outra do espectro eletromagnético. E do olfato
então, nem se fala; passamos a farejar mais do que uma boa cebola e alho
fritos na manteiga como os ingredientes das estrelas, luas, cometas e a
atômica flatulência do urânio.
A tecnologia deu essa extensão às nossas habilidades e ao nosso
frágil corpo, nos expandiu para fora. Somos capazes de cavar montanhas
com mãos de aço, de barrar rios com braços de concreto, de correr na
velocidade da bala, voar na do som, deixar pegadas no Mar da
Tranquilidade vendo a Terra cheia despontar no horizonte, jogar bola de
gude com átomos ou fazer uma sopa deles tentando reproduzir a célebre
receita do chef Big Bang. Isso sem mencionar que expandiu também a
própria vida com a longevidade superando barreiras rumo à Quarta Idade.
Tudo isso é o lado coroa da moeda. E seu reverso? Cara, é aí que o
bicho come. Cogumelos atômicos em terras de Nagasaki e Hiroshima, a
rosa hereditária, estúpida e inválida. É também onde a cobra fuma.
Tabagismo fóssil aquecendo o planeta com ameaça real sobre nossa própria
existência como espécie. E a porca torce o rabo. Ferragens torcidas de
carros como obras fúnebres pelas mãos de nossos James Dean e suas
vítimas. Se fomos capazes de nos lançar tão longe, também fomos, e
continuamos indo, longe demais.
62
A extensão para fora foi tão distante que negligenciamos voltarmos
para dentro, como sociedade e indivíduos, crentes e maravilhados de nossa
capacidade de termos solução técnica para tudo, fruto de nosso intelecto e
criatividade, destarte consultórios de psicólogos e psiquiatras cada vez mais
concorridos, com clientela cada vez mais precoce e uma indústria
farmacêutica cuspindo mais e mais comprimidos em nossas bocas,
acomodados em nossas cadeiras que abraçam.
No fundo, precisamos nos desparafusar, desfazer nossos curtos-
circuitos, arrefecer as fontes de sobreaquecimento, solucionar nossas
impedâncias bugadas, nossas capacitâncias de angústia, lubrificar mancais,
colocar nos eixos a geringonça social. Aprender que a busca da felicidade é
exercitar para alcançar cada vez mais e com mais permanência esse estado
de espírito, como diria de uma forma deveras mais elegante um famoso
tibetano.
A tecnologia é obra humana, senhoras e senhores. É salvação e
tragédia, duas faces da mesma moeda. Cunhada por nós em sociedade à
nossa imagem e semelhança. Diga-me: você escolhe cara ou coroa? Eu?
Prefiro não brincar com a sorte. Fechei para balanço (até o primeiro idiota
me fechar no trânsito).
63
“Cotidiano, dinâmica e caos”
Guilherme Mateus Magalhães
Faculdade de Engenharia Mecânica
Penha. Segunda-feira com típicas chuvas de verão de início do ano
com trânsito caótico e previsível. No sacudir do asfalto desnivelado, segue a
linha 253.
Olho pela janela buscando refúgio na passagem tão efêmera que
num piscar de olhos já se foi. Nada no concreto, nas gotas de chuva ou nos
guarda-chuvas me atrai a atenção. Passageiro entra, faz barulho na catraca,
o ônibus sacode mais uma vez, uma criança passa debaixo da catraca para
não pagar a passagem, o homem boceja depois de um dia de trabalho, a
empregada caprichosa ajeita o cabelo com as pontas dos dedos, o cobrador
entediado se segura para não cair da cadeira. Tudo em seu lugar de sempre,
como sempre, em mais um dia do cotidiano.
A porta do transporte se abre mais uma vez, mas agora, antes da
passageira, entra uma borboleta voando suavemente pelo vento chuvoso.
Ela, como eu, buscava refúgio, mesmo que em um ônibus metropolitano
lotado.
Observei o contraste da delicadeza e simplicidade do abrir e fechar
de asas da borboleta que pousava na porta do ônibus com o trânsito
barulhento, com a chuva que não se calava e com o ambiente hostil do
transporte público. Hipnotizado, achei um refúgio. Irreal e fugaz, mas
absoluto. Olhar o abrir e fechar das asas da borboleta me deu a sensação de
que eu havia fugido do estresse da cidade grande, esqueci-me até de qual
era o meu destino na linha 253.
Entre tudo que ela poderia trazer para nós passageiros poderiam
estar muitas coisas. O que ela trouxe a mim não tem nome, nem explicação.
64
Acho que é a mesma coisa quando dizem que borboletas trazem sorte. Sorte
não precisa ser explicada, tê-la já basta.
O motorista observou o inseto pousado na porta, e sua reação foi
bem diferente da minha. Por medo de se deixar fascinar, negando a paz que
a borboleta trazia, ele se manteve com os pés na cidade monótona. Ele abriu
e fechou a porta do ônibus a fim de que borboleta nos deixasse.
Delicadamente resistente, a borboleta não cedeu, e parou o movimento de
suas as asas para manter a firmeza na porta.
O abrir e fechar ríspido das portas se manteve. A borboleta
persistiu, e suas asas aos poucos foram se despedaçando. Vencida, ela caiu
no asfalto molhado, e fugiu da minha visão e da do motorista satisfeito.
Foi-se a borboleta. Era a sorte, o refúgio, o bem-estar raro
estampado no asfalto que radiava laranja no preto e branco urbano indo
embora.
Em seguida, um homem de bengala se levantou para descer no
próximo ponto. Com o balançar do ônibus, ele quase caiu no chão. Foi
salvo por uma moça rápida o suficiente para erguê-lo antes que isso
acontecesse.
O homem saiu do ônibus, deixando para trás o veículo que me
abrigava, que agora estava sem borboleta, sem homem, sem sorte, sem
nada.
65
“Domingo perséptico”
Daniel Candeloro Cunha
Faculdade de Engenharia Mecânica
Fugia desesperadamente daquela nuvem de males que a perseguia
há algum tempo. Sua agressora, multifacetada, moldava-se de todas as
formas imagináveis para atormentá-la com vigorosos ataques, ininterruptos.
Ruídos fortes e ritmados começaram a ecoar ao seu redor. Sua confusão
crescia a cada repetição daquele som invasivo que tremia a realidade.
Acordou desnorteada.
Desligou o despertador e apreciou o silêncio, aliviada. Havia
escapado daquele mundo antiquado, incoerente e hostil – ali tudo era
diferente. Não dormia mais num solo sujo, duro e frio no meio de uma
insegura clareira. Estava sobre uma cama limpa e confortável, dentro de um
edifício capaz de resistir, sem esboçar um fraquejo sequer aos ventos mais
potentes e gélidos que por lá passassem.
Levantou-se e foi ao banheiro. Havia luz, água e calor, cada qual
controlado em configurações tão convenientes que até o mais limitado dos
que carecem de bom senso saberia que aquilo não era produto de mera
aleatoriedade. Retângulos mostraram-lhe a própria face com a clareza com
que se veem os pés ao olhar para baixo, distintas ferramentas limparam
cada parte de seu corpo com especialidade, panos modernos secaram-na,
um assento barulhento sugou alguns subprodutos que expelia regularmente
– rotina completa. Voltou ao quarto.
Abriu seu armário. Duráveis, resistentes, quentes, bonitas – agora
tinha roupas para cobrir a nudez e até mesmo alguns acessórios para
remarcar sua identidade. Apesar de os chãos não serem mais espinhosos,
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sapatos com solas espessas protegiam-na das eventuais asperezas que
pudessem importuná-la. Vestida, apanhou a carteira e saiu.
Não era necessário fatigar-se. Andar por dias para atingir distâncias
medíocres era sinônimo de insanidade. Máquinas transformavam fluidos
sofisticados em movimento dirigido. As distâncias não se relacionavam
mais com as demoras, a proximidade impunha-se soberana – se não pela
rapidez de locomoção, pela instantaneidade da comunicação através
daqueles cabos que conectavam toda a civilização ou, simplesmente,
através do espaço que, sem oposição, permitia aquele sem-número de ondas
de informação permear por ele incessantemente.
Chegou ao centro comercial. Foi à cafeteria e fez um pedido. Não
precisava mais colher, caçar e plantar. Seu café vinha de um aparelho que,
em poucos segundos, moía os grãos, aquecia a água, posicionava um filtro
pelo qual passava o líquido fervente dissolvendo o moído, adoçava e,
finalizando aquela artística e coordenada sequência, entregava-lhe
educadamente o copo com produto final. Quanto ao donut, este já estava
preparado na vitrine, trazido de uma fábrica onde um conjunto de robôs
confeccionava-os continuamente: cada um fazia uma pequena modificação
naqueles bolos que entravam na linha até que, por fim, a esteira estivesse
coberta por donuts homogêneos, idênticos e planejadamente deliciosos,
prontos para serem encaixotados e enviados aos comerciantes.
Bebeu, comeu e entregou alguns pedaços de papel no caixa.
Recordou-se que seus papeis estavam acabando e que precisava obter mais
assim que possível, mas decidiu não se preocupar com isso naquele dia.
Resolveu ir até o parque para um passeio.
Passou pelo prédio onde ficavam os vigilantes da cidade. Agora não
dependiam de paus e pedras, equipavam-se com utensílios capazes de atirar
peças metálicas com explosões controladas para interceptar qualquer
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ameaça em seu campo de visão – além do poder de fogo, aprimoravam suas
capacidades protetoras com carros blindados, coletes à prova de balas,
rádios, helicópteros.
Podiam lidar com qualquer adversidade, não havia o que temer.
Depois se deparou com o lugar no qual os enfermos eram tratados.
As doenças não eram mais explicadas por mitos e sanadas por espíritos.
Agora, elas eram estudadas e curadas sistematicamente. Vacinas
imunizavam, remédios remediavam, informação prevenia e enfermeiros e
médicos utilizavam pequenas e grandes máquinas para tratar os
hospitalizados com precisão. A vida se alongava, assim como sua
qualidade.
Chegou ao parque. Pessoas andavam despreocupadas, com tempo
livre. O lazer regulava suas vidas, o trabalho não passava de um mal
necessário a ser minimizado, não precisavam viver numa permanência de
atenção e agito para garantir a sobrevivência. O clima era calmo, sereno.
Passou algumas horas vendo os músicos cantarolando, os amantes se
proclamando, os ociosos divagando – atingiu espontaneamente um estado
reflexivo.
Fora uma manhã muito agradável. Colocada numa perspectiva
apropriada pelas quimeras que lhe torturaram o sono, pôde apreciar o
conforto e a segurança de sua cama, de seu lar, de sua cidade, de toda a
modernização do mundo – o progresso era evidentemente luxuosamente
bom.
Lúcida, sentiu paz, daquelas pazes que tentamos reproduzir sempre
que podemos, daquelas que chamamos de felicidade. Contudo, o sentimento
amenizava-se conforme percebia a raridade do instante. Todos os dias,
desfrutava dos avanços tecnológicos que sustentavam seu estilo de vida e
nunca sentira esse apreço – ninguém parecia reparar no aparente descaso
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que se dava àquilo. A tranquilidade daquele local convertia-se em apática
conformação. A constância sobrepunha-se sobre as camufladas melhorias
diluídas no tempo – mesmo que a vida fosse melhor para todos em termos
absolutos, seus sentimentos, reativos quase exclusivamente aos estímulos
das mudanças, não precipitariam em prazer pelo reconhecimento das
conquistas históricas; a conquista alheia, incapaz de provocar satisfação, de
fato só poderia ser tratada com descaso pelos que vivem rodeados por ela.
Sóbria, cansou de conjecturar e partiu.
Viu mais uma vez aqueles desocupados que, privados de propósito,
gastam seu tempo emitindo sons arbitrários, acariciando-se sem razão,
raciocinando sem interação – eles nunca sairiam dali, daquela bolha
impassível e inerte. Em seguida, passou pelos doentes, sofrendo cativos,
esperando pela permissão divina para abandonar suas dores ou pela sorte
humana de poder continuar sentindo-as em desalento – contraditórios, para
adiar o desfecho da vida, param de viver.
E cruzou com os policiais, ineptos, insensibilizados, manipuláveis,
colocados numa guerra contra quem deveriam ajudar – cegos, não
enxergam a inversão de suas resoluções; tentando prevenir a violência,
geram-na. Chegou ao centro comercial, àquele lugar obsceno onde vendem
futilidades, feitas por meios de produção insustentáveis, abusivos,
desumanizados – sacrificam o que não lhes pertence para acumular bens
cujo único valor é o monetário, competem para ver quem forma o maior
monte antes do fim. Subiu no ônibus repleto, o cheiro e o calor quase
superavam o desagrado provocado pela precariedade daquele veículo, o
chuvisco que começara a cair passava pelos buracos corroídos no teto e
sujava-lhe o colo – um serviço básico, reduzido, abandonado.
Entrou em casa sem acender a luz – usou a escuridão para não
precisar se afligir reparando nos desconfortos inerentes a seu próprio lar.
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Sufocava pela desgraça que a perseguia. Desnorteada, correu para sua cama
e tentou dormir, na esperança de escapar daquele mundo antiquado,
incoerente e hostil.
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“Felicidade, minha ou nossa?”
Ana Paula Gonçalves
Faculdade de Tecnologia
A felicidade é um assunto recorrente na vida de qualquer ser
humano, é algo que envolve a maioria de nossas ações, e é na busca desse
sentimento essencial ao coração que fazemos tudo que está ao nosso
alcance sem medir esforços. Segundo estudiosos da área, a felicidade pode
ser designada de infinitas formas, sendo uma delas a felicidade pessoal, já a
outra, a felicidade coletiva.
As características desse sentimento são difusas e os diferentes
períodos da história mostram que os meios para se alcançá-la mudam de
tempos em tempos. No século passado, por exemplo, ocorreram muitas
transformações positivas na organização da sociedade e nos conceitos da
felicidade coletiva, inúmeros itens podem ser associados a essa mudança,
porém, a inserção da tecnologia foi o ponto crucial. Através dela, tivemos
maior acesso às informações, aos familiares, a outros lugares e a novas
experiências que nos trazem a sensação de estarmos conectados por uma
rede de troca de ideias e sentimentos que nos deixam ainda mais perto da
felicidade.
Já em pleno século XXI vivemos na era das “selfies”. Autorretratos
tirados por câmeras digitais, eles mostram, na maioria das vezes, situações
engraçadas, em lugares bonitos e agradáveis, onde todas as pessoas são
aparentemente felizes e estão reunidas com amigos e familiares. Um ponto
que se deve ponderar diz respeito ao real significado dessas fotografias: será
que, ao divulgar essas fotos ao público, estamos querendo mostrar ao
mundo que a felicidade coletiva é algo tangível, e não envolve aspectos
como qualidade nos serviços públicos de saúde, educação e segurança?
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Não podemos criar expectativas errôneas de que a felicidade
individual pode ser substituída pelo sentimento coletivo; ambos devem
andar unidos, pois cada um possui um estilo de vida, e tem ou não o acesso
à educação, saúde, e alimentação de qualidade, fatores primordiais para a
condição de uma sociedade feliz. Há inúmeras variáveis que determinam a
felicidade de um ser e de um coletivo, e é necessária a incessante busca para
que o equilíbrio seja alcançado.
A felicidade tem de se tornar um sentimento ainda mais sublime, e
as tecnologias atuais estão sendo ótimas ferramentas para isso. Cabem a
cada um de nós o bom senso e a análise do que vemos em nossa realidade.
Apenas assim, seremos capazes de alcançar a plena felicidade no âmbito
pessoal e coletivo.
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“Nesses tempos”
Marina Weyl Costa
Faculdade de Engenharia Mecânica
Naquele tempo, a rua não tinha asfalto, mas, para ser justa, não
tinha asfalto quase em lugar nenhum. O lugar onde ficava a casa antiga
décadas depois se transformaria no lugar mais elegante da cidade, com
prédios de apartamentos caríssimos com vista para o córrego que naquele
tempo alagava tudo e fazia as casas serem palafitas. Décadas depois o
córrego seria domesticado e ganharia margens de cimento, e as pessoas que
morariam nos apartamentos caros iriam correr ao redor dele enquanto as
pessoas menos ricas ririam daqueles grã-finos metidos a besta que se
exercitavam ao redor daquele esgoto fedorento a céu aberto. Naquele
tempo, o córrego era livre e não fedia, mas chegava na porta de casa e eles
tinham que atar as redes no alto para o caso de uma noite chover um pouco
mais.
Mas, mesmo naquele tempo, a casa antiga já era antiga; e a menina
adolescente estava conhecendo a casa nova, na esquina da rua, em frente ao
lugar onde as pessoas iam pegar água.
Naquele tempo, o bairro não tinha água encanada, e na casa na
outra esquina da rua o sétimo filho foi o escolhido da vez para encher o
balde. E lá foi ele, descalço na terra batida, com sua bermuda velha, sem
camisa e cara de moleque. Como todo mundo, foi para a frente da casa da
menina adolescente, e ela olhou de cima a baixo o menino e decidiu que era
o mais bem apessoado das redondezas. Ele, por sua vez, olhou a menina e
até hoje nega, mas pensou desavergonhadamente que ela poderia ser a sua
próxima namorada.
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Naquele tempo, não havia o Tinder, e as pessoas descobriam os
solteiros da região andando por aí e davam “Mach” na paquera.
Naquele tempo, eles se apaixonaram, e muitos outros tempos
vieram.
Algum tempo, depois daquele tempo, a menina e o menino já eram
moça e rapaz e ele tinha um diploma e um emprego em outro estado. E,
nesse tempo, telefone era uma coisa tão cara que praticamente não existia, e
eles trocavam apenas cartas de amor, que demoravam dias para chegar.
As cartas de amor eram as coisas mais linda do mundo, e às vezes
tão sensuais que faziam a moça corar. Mas, não existe distância maior do
que aquela entre o papel e o amor; e quando o rapaz voltou ao seu estado, a
moça descobriu que havia outra moça, e chorou muito ouvindo Roberto
Carlos no radinho de pilha.
(Naquele tempo não havia youtube, e as pessoas compravam fitas
para gravar suas músicas favoritas no rádio).
Quase um ano se passou até o rapaz conseguir o perdão e o coração
da moça de volta. Mas foi a vez da moça conseguir o diploma e o emprego
longe, mais longe ainda do que ele fora na sua vez. E o rapaz, que já vinha
querendo voltar a estudar em outros ares, decidiu tentar e logo conseguiu ir
também.
Ela, até hoje, diz que foi pedida em casamento pelo orelhão,
apertando os botões certos para aproveitar o bug e fazer as poucas fichas
tornarem o interestadual eterno. Ele, até hoje, diz que ela entendeu errado.
Os dois dizem que não queriam festa. Mas houve vestido branco, gravata
borboleta e quantidades inimagináveis de cerveja, doces e salgadinhos; e as
fotos, em sua maioria sofríveis, batidas por uma irmã do noivo em uma
câmera de filme, porque fotógrafo era muito caro.
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(Vinte e cinco anos depois essa irmã do noivo se aposentou e
decidiu que faria um curso de fotografia. Hoje ela tem uma câmera
profissional, sabe editar imagens no Photoshop, publica lindezas no
Facebook, faz exposições e até já ganhou prêmios. Diz que eles deveriam se
casar de novo, para ela fotografar).
Os dois então se mudaram para outro estado, e a mãe da moça
mandava telegramas urgentes:
- Mãe, o que aconteceu?
- Nada, só estava com saudades e você não liga.
- Consertaram o orelhão...
Antes de casar, a moça morava com uma amiga, e as duas no início
improvisavam fogão com uma lata de leite em pó. Com o passar do tempo
conseguiram até o luxo de uma televisão, presente de um tio mais abastado
da moça (e pensar que quando morava na rua sem asfalto, vivia de
“televizinha”, vendo TV na janela da vizinhança!). Quando ela casou e foi
morar com o rapaz, foi da TV do que a amiga mais sentiu falta.
Depois de alguns anos casados, o rapaz e a moça decidiram virar
pai e mãe. Primeira viagem, tudo é lindo e fundamental. Exceto o vídeo do
ultrassom:
- Pra que a gente vai comprar isso? Tem que fazer consórcio pra
comprar videocassete, a gente nunca vai ter tanto dinheiro na vida!
Seis anos depois, as duas filhas dos dois dormiam assistindo a
desenhos em fitas no videocassete comprado em loja popular. Quando a
mais velha já tinha lá pelos seus dezoito anos, a não-mais-moça viu um dvd
de desenho em promoção e quis comprar.
- Pra que isso, mãe?
- Guardar para os meus netos.
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- Mãe, quando você tiver netos, ninguém mais vai saber o que é um
dvd.
Quando a mais velha tinha uma década de vida, a mãe, que era
médica, chegou em casa com seu novo aparelho para ser utilizado em
emergências – nada mais de bipe, era um celular!
Três anos depois a menina já tinha o seu também. E ele tinha menos
da metade do peso do primeiro da mãe.
No ano seguinte, a família ganhou um novo membro – o
computador! E a vida de adolescente nunca mais foi a mesma, com a
possibilidade de externar suas emoções confortavelmente escondido por
detrás de uma tela.
Hoje as duas filhas moram longe dos pais, e a família tem um grupo
de Whatsapp e se vê por Skype.
- Pra mim isso era o absurdo dos absurdos da ficção científica –
disse um tio, meio atordoado ao ver e ouvir a menina do outro lado do país
pela tela do computador.
As meninas não têm ideia de como é não ter água encanada ou ter
que atar sua rede alto para o rio não molhar. A mãe reclama que o pai passa
muito tempo no smartphone, mas eles ainda trocam sms de amor.
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“Reféns em busca da felicidade”
Tarik Dawud Mustafa
Faculdade de Engenharia Química
Você acorda e já vai desbloqueando seu celular, checando as
notificações das mais diversas redes sociais que foram geradas enquanto
você dormia. Tomar café e escovar os dentes são ações em segundo plano
quando o assunto é ver quantos “amigos” apreciaram o que você postou na
noite anterior. Se as afirmações anteriores procedem, você já está refém da
Internet em busca de ser feliz. Caso contrário, tome cuidado para não ser
pego de surpresa.
A Internet se infiltra aos poucos na vida das pessoas. Chega como
quem não quer nada, oferece recursos que aparentam ser muito eficientes a
princípio, e acaba rendendo os indivíduos a partir do momento em que eles
resolvem aderir a quaisquer redes sociais. A Internet apresenta a esses
usuários um universo lúdico. Para isso, ela os deixa postar o material que
quiserem e dá oportunidades para que seus “amigos” opinem sobre esse
material. Mas, ela manipula essa interação.
Isso porque a ferramenta mais básica que ela oferece para esse
contato entre suas vítimas se resume a um ‘curtir’, de modo mais
generalizado. Assim, críticas e verdades acabam sendo não ditas. Nunca, na
história da humanidade, as pessoas tiveram tantos “amigos”. Nunca, as
pessoas riram tanto sem estarem emitindo nenhum som do outro lado da
tela, exceto aquele de seus dedos apertando o teclado.
Percebe-se que os reféns da Internet estão rendidos por meio das
mais diversas plataformas. Dedos deslizam por telas indiscriminadamente a
qualquer hora, em qualquer lugar. E, com a crescente democratização da
tecnologia, vemos a Internet fazendo vítimas dos mais diversos setores
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sociais e faixas etárias. Ouço amigos surpreendidos dizendo que suas avós
estão conectadas nas redes sociais colhendo diariamente alimentos
produzidos em suas fazendinhas virtuais e percebo como essa usurpadora
de vidas reais age cada vez mais efetivamente.
Ela não deixa as pessoas apreciarem o sabor daquela comida
gostosa por obrigá-las a se preocuparem mais em postar uma foto do prato
que estão comendo e checar a todo o momento quantas pessoas curtidas
receberam; não deixa que seus reféns se comuniquem com as pessoas que
estão perto deles na vida real, obrigando-os a conversar com seus parceiros
de cárcere, situados do outro lado da tela, além de criar uma sensação
desagradável quando não se está conectado com ela.
Apesar desses efeitos catastróficos que a Internet causa, não é
impossível recuperar suas vítimas, porém o processo é bem doloroso. Para
essas, é difícil aceitar que existe um mundo não tão fantástico assim para
ser vivido, e que as pessoas reais não são tão legais quanto seus colegas de
claustro. Contudo, é preciso mostrar a esses indivíduos que a vida é melhor
sem filtros ou qualquer “curtida” não tão verdadeira quanto a Internet
apresenta a seus reféns. Afinal, ela se sustenta pelas mentiras que conta,
pelas verdades que manipula. Em oposição, a felicidade verdadeira precisa
de um mundo real para existir.
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Mensagem Final
As crônicas aqui apresentadas fazem parte de um trabalho de
incentivo a leitura e a criação literária da Biblioteca da área das
Engenharias, que refletem uma parte dos muitos talentos que temos
escondido neste universo acadêmico.
Diante desta realidade, a Biblioteca cumpre seu papel de ser
ambiente de incentivo a leitura e a cultura. Temos certeza que esta
iniciativa, de trazer nossos alunos para o mundo da escrita, é um
complemento importante para o seu aprendizado e sua trajetória
acadêmica.
Portanto, sempre que for possível, a Biblioteca promoverá tais
eventos, pois acreditamos que além de ser ambiente de promoção da
informação, podemos através dessas ações plantar sementes que com
certeza darão bons frutos, tanto para a vida pessoal quanto para a vida
profissional de nossos estudantes!
Danielle T. Ferreira