Download - Atributos Não Instanciados
-
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO LGICA E METAFSICA
Rodrigo Alexandre de Figueiredo
Atributos No Instanciados
1 volume
Rio de Janeiro 2012
-
R
odr
igo
A
lex
andr
e de
Fi
guei
redo
Atr
ibu
tos
No
Inst
an
cia
dos
IFCS UFRJ 2012
-
Rodrigo Alexandre de Figueiredo
Atributos No Instanciados
1 volume
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao Lgica e Metafsica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de mestre em filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Marco Antnio Caron Ruffino
Rio de janeiro 2012
-
Figueiredo, Rodrigo Alexandre de Atributos No Instanciados/Rodrigo Alexandre de Figueiredo, 2012. xi, 260f.: Il. Orientador: Marco Antnio Caron Ruffino Dissertao (Mestrado em filosofia) Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Cincias Sociais - Programa de Ps-Graduao Lgica e Metafsica.2012. 1. Atributos Universais 2. Atributos no instanciados - Teses. Ruffino, Marco Antonio Caron (Orient.). II Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Ps-graduao Lgica e Metafsica. III. Mestre.
-
Rodrigo Alexandre de Figueiredo
Atributos No Instanciados
Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Lgica e Metafsica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Filosofia. rea de concentrao: Filosofia, Ontologia Lgica e Semntica filosfica.
Rio de Janeiro,..... de ..................... de........
Aprovada por:
__________________________________
Presidente, Prof., Doutor, Marco Antnio Caron Ruffino, Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________
Guido Imaguire, Doutor, Universidade federal do Rio de Janeiro
___________________________________
Ludovic Soutif, Doutor, Pontifcia Universidade Catlica Rio de Janeiro
-
Dedico esta dissertao ao meu pai
-
AGRADECIMENTOS
Apesar de ser esta uma humilde dissertao de mestrado, muitas pessoas contriburam com ela direta ou indiretamente e, portanto, todos merecem os meus agradecimentos. Agradeo primeiramente ao meu orientador, Marco Ruffino, no s pela excelente orientao, mas tambm pela grande amizade e pela ajuda na difcil transio para o Rio. Agradeo ao professor Guido Imaguire pela grande ajuda nesta dissertao. Agradeo ao professor Ludovic Soutif por ter aceitado de bom grado fazer parte da banca examinadora. Agradeo ao professor Desidrio Murcho, por ter me ensinado o que a filosofia. Agradeo aos companheiros do GEFA-UFOP e Matheus Martins Silva, pelas discusses profcuas durante a graduao; em especial, agradeo ao Rodrigo Cid, com quem conversei muito sobre o problema dos universais durante o mestrado. Agradeo ao professor Rodrigo Guerizoli pela ajuda com a bibliografia. Agradeo algumas pessoas que foram importantes para a minha permanncia no Rio no incio um pouco difcil, entre elas o Rafael Martins, Maria Clara Marques Dias, Mario Nogueira e a Solange (me do Rodrigo Cid). Agradeo a pacincia das pessoas com quem morei durante o mestrado (Alessandro, Thiago, Guilherme e Rafael). Agradeo minha famlia pelo apoio em todos os momentos. Agradeo por fim aos amigos que fazem valer a pena continuar seguindo.
-
Wise philosophers defer to plain men; but a plain man who has accompanied us so far will hardly contain his derision. To swallow the doctrine that universals are constituents of the world, just as a certain morsel of flour is a constituent of a pudding mixture, is painful, even when it is stipulated that the universals in question be exemplified. But that unexemplified universals are as much constituents of the world as exemplified ones! Is not that as though you were to say that flour is a real constituent of ice-cream because it is true that ice-cream is not made of it?
(Allan Donagan, 1963)
-
RESUMO
FIGUEIREDO, Rodrigo Alexandre de. Atributos no instanciados. Rio de Janeiro, 2012. Dissertao (Mestrado em Lgica e Metafsica) Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Esta dissertao versa sobre os atributos no instanciados. Alguns filsofos pensam que temos que levar a srio a noo de atributo universal (entidades que so, em um sentido mnimo, instanciveis entidades que podem ter instncias). Um exemplo de atributo universal a propriedade de ser vermelho que todas as rosas vermelhas instanciam (supondo que tal propriedade existe). Dentre os filsofos que levam a srio a noo de atributo universal, alguns pensam que todo atributo universal realmente existente tem que ter alguma instncia no mundo atual; esses filsofos so os chamados aristotlicos. Para estes, a propriedade de ser vermelho instanciadas pelas rosas vermelhas s existe enquanto h indivduos (como as rosas vermelhas) que instanciam aquela propriedade. Outros filsofos pensam que os universais existem mesmo que no tenham instncias atuais, ou seja, so pelo menos alguns deles so contingentemente instanciados; neste caso, a propriedade de ser vermelho existiria mesmo que no houvesse nada que fosse vermelho no mundo atual. Outros ainda pensam que existem atributos que sequer podem ter instncias, por exemplo, a propriedade de ser quadrado e redondo, que so os atributos necessariamente no instanciados. Esses dois ltimos fazem parte de uma corrente filosfica chamada platonismo. Defendo uma variante moderada do platonismo, que no v problemas com atributos universais contingentemente no instanciados, mas sim com atributos necessariamente no instanciados atributos que no podem ter instncias. A tese aqui ser condicional: Se temos motivos para postular a existncia de universais, no h problema com a existncia de atributos contingentemente no instanciados, mas apenas com os atributos necessariamente no instanciados.
Palavras chave: Universais, Atributos contingentemente no instanciados, atributos necessariamente no instanciados, dependncia ontolgica.
-
ABSTRACT
FIGUEIREDO, Rodrigo Alexandre de. Atributos no instanciados. Rio de Janeiro, 2012. Dissertao (Mestrado em Lgica e Metafsica) Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
This dissertation deals with unistantiated attributes. Some philosophers think that we must accept the notion of universal attributes (entities that are instantiable, in a minimal sense entities that can have instances). An example of a universal attribute is the property of being red that is instantiated by all red roses (assuming that such property exists). Among the philosophers who take the notion of universal attribute seriously, some think that all really existing universal attribute must have one instance in the actual world; these philosophers are called Aristotelians. So, the property of being red instantiated by red roses exists only if there are individuals (such as red roses) that instantiate that property. Other philosophers think that universals exist even if there are not actual instances, or at least some of them are contingently instantiated. In such a case the property of being red would exist even if there was nothing that was red in the actual world. Others believe that there are attributes that could not have instances, for example, the property of being square and round attributes necessarily uninstantiated. These two theses are proper of a philosophical movement called Platonism. I advocate a moderate variant of Platonism, a variant that sees no problems with contingently uninstantiated attributes, but with necessarily uninstantiated attributes. The thesis here is conditional: if we have reason to postulate the existence of universals, there are no problems with the existence of contingently uninstantiated attributes, but there are problems with necessarily uninstantiated attributes.
Keywords: universals, contingently uninstantiated attributes, necessarily uninstantiated attributes, ontological dependence.
-
SUMRIO
1 INTRODUO......................................................................................................... 11
1.1 Ontologia e categorias ontolgicas........................................................................ 11
1.2 Atributos................................................................................................................. 14
1.3 O problema dos universais.................................................................................. 21
1.4 Argumento contra o realismo................................................................................ 29
2 LOUX E OS ATRIBUTOS NECESSARIAMENTE NO INSTANCIADOS.... 33
2.1 Os argumentos de Loux..................................................................................... 33
2.2 Crticas de Casullo aos argumentos de Loux.................................................... 36
2.3 Atributos necessariamente no instanciados..................................................... 40
2.4 Concluso........................................................................................................... 51
3 ARMSTRONG E A RECUSA DE UNIVERSAIS NO INSTANCIADOS..... 52
3.1 Introduo: teoria dos universais de Armstrong.............................................. 52
3.2 Alguns problemas para a teoria dos universais de Armstrong........................ 57
3.3 Universais no instanciados?............................................................................ 61
3.4 Concluso.......................................................................................................... 67
4 LEIS DA NATUREZA E UNIVERSAIS NO INSTANCIADOS.................... 68
4.1 Introduo......................................................................................................... 68
4.2 Casos de Tooley e a possibilidade de universais no instanciados.................. 72
4.3 Poderes: uma soluo para os casos de Tooley?.............................................. 81
-
4.4 Soluo de Armstrong para os casos de Tooley.............................................. 83
4.5 Crticas soluo de Armstrong aos casos de Tooley..................................... 87
4.6 Concluso......................................................................................................... 90
5 O ARGUMENTO DONAGAN/RUSSELL....................................................... 92
5.1 O argumento Donagan/Russell....................................................................... 92
5.2 Concluso......................................................................................................... 96
Concluso............................................................................................................... 98
Referncias............................................................................................................ 101
-
11
1 INTRODUO
Resumo
Neste captulo inicial, busco introduzir algumas noes bsicas que sero importantes no decorrer da dissertao. Noes como as de categorias ontolgicas, atributos (e algumas distines que fazemos em relao a eles). Por fim, falarei um pouco do problema dos universais; mencionarei alguns argumentos a favor de universais e um argumento contra o realismo dos universais.
1.1 Ontologia e categorias ontolgicas
Grosso modo, a ontologia a cincia que estuda o que h. Em ontologia queremos
saber quais os tipos de entidades que existem. Dessa forma, vrios dos problemas que
encontramos na filosofia so problemas ontolgicos. Podemos nos perguntar se existe Deus;
nesse caso estamos investigando se h uma entidade com tais e tais propriedades. Por outro
lado, podemos investigar se h uma dada categoria de entidades; por exemplo, podemos
querer saber se h entidades compondo a categoria dos atributos universais, que a categoria
de entidades que, em um sentido mnimo, instancivel. A ontologia na qual estamos
engajados aqui desse segundo tipo. A principal tarefa desse tipo de ontologia, acredito, a
de determinar quais seriam (ou qual seria, no caso de haver apenas uma) as categorias mais
fundamentais da realidade; quais categorias formam o que D.C. Willians chama de alfabeto
do ser; em outras palavras, quais as entidades mais bsicas que compe a realidade, a partir
das quais tudo feito. A estas categorias mais bsicas chamamos categorias ontolgicas.
Uma categoria ontolgica bsica na medida em que elas so irredutveis a outras categorias.
Notemos que uma entidade que pertence a uma categoria, no pertence a outras categorias (no
caso de haver mais de uma). Por exemplo, se admitimos como categorias ontolgicas a
categoria dos indivduos particulares (coisas como eu, o computador no qual escrevo, um
determinado cavalo, etc.) e tambm a categoria dos atributos universais, as entidades que
-
12
compe a primeira categoria no podem compor a segunda, e do mesmo modo, as entidades
que compe a segunda no podem compor a primeira, apesar de poder haver alguma relao
ontolgica entre tais entidades que copem as diferentes categorias (a relao de instanciao,
por exemplo: eu instanciaria o atributo universal de ser humano). As categorias so, portanto,
mutuamente excludentes.
H muitos tipos de entidades candidatas ao ttulo de categoria ontolgica. Podemos
dar alguns exemplos: os indivduos particulares; os atributos universais; os atributos
particulares; os tipos de objetos; os eventos; entre outros tipos de entidades. Perguntamo-nos
em ontologia se entidades como os indivduos particulares so entidades bsicas da realidade,
ou se so redutveis a entidades mais bsicas. Do mesmo modo perguntamos se os atributos,
sejam universais e/ou particulares, so entidades bsicas da realidade. E assim para os demais
candidatos.
Uma questo de metaontologia importante aqui a de como decidir disputas
ontolgicas. Qual o critrio que teramos para decidir entre dois sistemas de categorias
ontolgicas diferentes? E como avaliar uma teoria isoladamente, sem compar-la a outras
teorias?
Pensa-se comumente que uma teoria ontolgica deve por um lado ser econmica na
quantidade de entidades que postula e, por outro lado, fornecer explicaes simples dos
fenmenos que sero explicados por meio dessas entidades postuladas. Pensa-se tambm que
deve haver um equilbrio entre essas duas noes (economia e simplicidade). Quanto noo
de economia ontolgica preciso clarificar algo mais. Uma teoria pode ser econmica quanto
aos tipos de entidades que postula, e tambm quanto quantidade de entidades de um dado
tipo que ela postula. Por exemplo, uma teoria pode postular apenas uma categoria de
entidades fundamentais, mas tambm postular um nmero infinitamente grande de entidades
que compe tal categoria; tambm podemos postular um nmero relativamente grande de
-
13
categorias fundamentais, mas um nmero reduzido de entidades que compe cada uma das
categorias. No claro o peso que temos de dar a cada um dos tipos de economia, mas parece
que nesse caso temos na medida do possvel buscar um equilbrio dos dois tipos de economia.
Ou seja, no postular um nmero infinitamente grande nem de categorias, nem de entidades
que compem as categorias.
H um princpio muito importante na nossa busca para saber se uma determinada
categoria de entidades deve ser admitida em nossa ontologia. O princpio conhecido como a
navalha de Ockham. Tal princpio diz que no devemos postular entidades sem que haja
necessidade. O princpio pode ser aplicado a uma nica teoria ontolgica e tambm para
fazermos uma comparao entre diferentes teorias. Por um lado, em relao a uma teoria
apenas, o princpio nos encoraja a perguntar se temos motivos para postular certa categoria de
entidades. Temos motivos para acreditar em certas entidades? Queremos explicar certos
fenmenos e nos perguntamos se uma dada categoria capaz de explicar esses fenmenos, ou
se o seu poder explicativo ilusrio. Por outro lado, em relao comparao de teorias, se
duas teorias tm o mesmo poder explicativo, mas uma postula menos entidades do que a
outra, o princpio nos encoraja a acreditar na teoria que postula menos entidades (a teoria com
mais entidades postula-as desnecessariamente, segundo o princpio). Nesse ponto, ento, o
princpio nos permitiria decidir qual das teorias teramos mais motivos para pensar que
verdadeira. No claro at que ponto esse princpio deve ser seguido estritamente; contudo,
como em ontologia no temos muitos critrios para avaliao e deciso entre teorias, o
princpio em causa pode nos ajudar em alguns momentos.
-
14
1.2 Atributos
Comecemos com algumas distines necessrias. Alguns filsofos fazem uma
distino entre dois tipos de entidades: atributos e indivduos. Por exemplo, Scrates um
indivduo, e a sabedoria um atributo seu. Dependendo da teoria que um filsofo aceite ele
pode entender os atributos como universais e/ou como particulares. Entendida como
universal, a sabedoria que um atributo de Scrates, seria tambm um atributo de Plato.
Entendida como particular, a sabedoria de Scrates nica, apenas Scrates a possui; e do
mesmo modo a de Plato, apenas ele possui tal sabedoria. Dizer que um atributo universal
dizer, em um sentido mnimo, que ele instancivel, isto , pode ter vrias1 instncias ao
mesmo tempo; seria o caso da sabedoria (entendida como universal) instanciada por Scrates
e Plato. Quanto aos particulares, temos uma variedade de candidatos a pertencerem a tal
categoria (a nossa escolha por um ou outro candidato vai depender da nossa teoria das
categorias): indivduos (como Scrates, essa folha de papel, a minha xcara de caf, o Cristo
Redentor, etc.), atributos particulares (os chamados tropos), substratos nus (o fundamento
da diferena entre particulares qualitativamente idnticos) e substncias aristotlicas
(indivduos pertencentes a classes naturais como, por exemplo, espcies biolgicas).
Podemos fazer ainda uma distino entre dois tipos de atributos: as propriedades e as
relaes (alguns aristotlicos fazem uma distino adicional entre propriedades e relaes por
um lado, e tipos por outro, mas no precisamos entrar nestes pormenores aqui). Podemos
entender as propriedades como relaes unrias, pois so atributos instanciados por apenas
um indivduo; enquanto as relaes so atributos instanciados por pares, trios, ou n-uplas de
indivduos. Exemplos de propriedades so a propriedade da sabedoria, a propriedade de ser
1 Se admitimos propriedades conjuntivas e ainda admitimos entidades abstratas como os nmeros em nossa
ontologia, ento a propriedade de ser par e primo s pode ter uma instncia, a saber, o nmero dois. Isso um
motivo para pensar que os universais so entidades instanciveis, mas no estritamente multiplamente
instanciveis.
-
15
mortal, a propriedade de ser humano, entre outras. Um exemplo de relao a de ser mestre
de, que relaciona os membros dos seguintes pares ordenados e 2.
Os atributos podem ser de primeira ordem e de ordens superiores. Um atributo de
primeira ordem quando ele instanciado por um particular ou por n-uplas de particulares. Por
exemplo, a propriedade de ser vermelho um atributo de primeira ordem, uma vez que ela
instanciada por rosas particulares, carros particulares, entre vrias outras coisas. Mas a
propriedade de ser uma cor uma propriedade de segunda ordem: ela instanciada por
propriedades de primeira ordem como a propriedade de ser vermelho, ser amarelo, verde, etc.
E supostamente a propriedade de ser uma cor tem outras propriedades, que por sua vez
tambm tm propriedades, e essa hierarquia de propriedades parece no terminar. Isso pode
ser um problema para uma teoria que admite a existncia de atributos. Mas no vamos nos
deter nesse ponto por aqui.
Uma distino importante a se notar aqui entre atributos universais puros e atributos
universais impuros. Um atributo universal puro quando a expresso predicativa que o
expressa no faz a referncia algum particular; o atributo ser impuro se expresso predicativa
que o expressa fazer referncia a algum particular. Por exemplo, a relao ser filho de uma
relao universal pura, na medida em que ela no envolve algum particular. Mas a
propriedade ser filho de Rodrigo uma propriedade universal impura, pois envolve o
particular Rodrigo (notemos que vrias coisas podem ter a propriedade de ser filho de
Rodrigo, por isso ela universal). Nessa dissertao trataremos apenas dos atributos
universais puros e se devemos admitir a existncia no instanciada desses atributos. Se
admitimos que os universais impuros tm o mesmo status ontolgico que os puros, seguir-se-
2 Meus exemplos de atributos podem no ser agradveis a alguns filsofos, como o caso de Armstrong. Mas
suponhamos que esses so atributos genunos pelo menos para introduzir a noo.
-
16
ia facilmente a existncia de atributos no instanciados. A prpria relao ser filho de Rodrigo
seria uma relao no instanciada (pelo menos no momento presente).
Gostaria de fazer a seguir um mapeamento das diversas questes que temos em
relao aos atributos. Primeiramente, temos a questo de saber se h ou no atributos,
independente da natureza desses atributos (se so universais ou no). As teorias nominalistas
procuram no se comprometer com a existncia de atributos, enquanto os demais (realistas e
nominalistas dos tropos) acreditam que tais entidades formam uma categoria ontolgica
genuna. Mas estes ltimos divergem em relao a se tais atributos so universais ou
particulares: alguns realistas admitem os atributos como universais apenas; h realistas que
admitem atributos universais e atributos particulares; e os tericos dos tropos admitem os
atributos como particulares apenas. H ainda a questo, entre os realistas, de saber se h ou
no os atributos no instanciados, sejam necessariamente no instanciados, sejam
contingentemente no instanciados. Na discusso geral sobre os atributos, podemos destacar,
portanto, as seguintes questes:
(1) H atributos?
(2) Os atributos so universais?
(3) H atributos contingentemente no instanciados?
(4) H atributos necessariamente no instanciados?
As questes (1) e (2) so questes que interessam a todos os filsofos que debatem o
chamado problema dos universais; sejam os filsofos nominalistas, sejam os realistas. Essas
duas questes no so comumente separadas na discusso do problema dos universais. J a
pergunta (3) de interesse dos filsofos realistas (sejam platnicos ou aristotlicos). Por fim,
a discusso de (4) de interesse dos filsofos platnicos.
A vantagem que vejo em colocar as questes nestes termos preservar nossa
caracterizao de universais como entidades instanciveis. Saber se h esse tipo de atributo
-
17
apenas uma das questes envolvendo os atributos, mas no todas as questes envolvendo os
atributos. Podemos querer saber se h atributos necessariamente no instanciados, que no so
de modo algum entidades universais, segundo nossa caracterizao de universal. Recorremos
aos diferentes atributos com interesses diferentes. Por exemplo, no precisamos de atributos
no instanciados para explicarmos a semelhana objetiva, precisamos apenas de atributos
multiplamente instanciveis.
Essa dissertao trata das questes (3) e (4); queremos saber se temos de admitir atributos
universais instanciados em mundos possveis no atuais, e tambm se h atributos no
instanciados em qualquer mundo possvel. Quais seriam os motivos para se acreditar na
existncia desse tipo de entidade?
Antes, vamos nos ater questo de saber se h atributos universais, o chamado
problema dos universais. Dessa questo emerge a nossa questo central aqui nessa
dissertao, que so as questes (3) e (4). Somente os filsofos com uma ontologia realista, ou
seja, que admite a existncia de atributos universais, tm que responder questo de se os
atributos existem independentemente de suas instncias (caso em que plausvel pensar na
existncia de atributos no instanciados, seja contingentemente, seja necessariamente no
instanciados).
J que nosso tema central a discusso entre realistas, vale a penas aqui mencionar
alguns tipos de realismos que encontramos na literatura dos universais. Os realistas
concordam que existem atributos e esses atributos so universais, porm, eles discordam em
relao a vrios tpicos referentes discusso sobre os universais. Por exemplo, esto em
desacordo em relao natureza dos universais; em relao ao modo como os conhecemos;
em relao generalidade de suas teorias, isto , em relao a quais universais temos de
admitir e quais temos de recusar como existentes; em relao aos tipos de fenmenos que
explicaremos postulando universais. Esses tpicos esto relacionados de alguma forma, no
-
18
sentido em que a aceitao de uma teoria especfica nos permite tratar determinados tpicos.
Por exemplo, quando nos comprometemos com universais de uma dada natureza, estamos
fadados a dar uma resposta especfica a que tipos de fenmenos podemos explicar com essas
entidades; alm disso, dada a natureza dos universais e os fenmenos que explicaremos com
eles, nossa teoria ser mais ou menos geral, e tambm nosso conhecimento dessas entidades
estar condicionado s nossas respostas anteriores. Se admito que existe um universal
correspondente a cada predicado intensionalmente diferente, posso dar um tratamento dos
predicados em semntica. Por outro lado, se admito que os universais so teis apenas para
explicar a semelhana e os poderes causais dos indivduos, ento minha teoria no pode dar
um tratamento dos predicados em geral, mas apenas dos predicados relacionados
semelhana e aos poderes causais dos indivduos.
Podemos dividir as teorias realistas em duas vertentes bem gerais; so elas o realismo
platnico e o realismo aristotlico. Esses nomes se do pelo fato de terem sido Plato e
Aristteles, respectivamente, os precursores de tais teorias. A divergncia desses dois tipos
gerais de realismos se d quanto natureza dos universais. Para o realismo platnico os
universais so entidades transcendentes, ou em um platonismo mais fraco, pelo menos alguns
universais so transcendentes; enquanto para o realismo aristotlico os universais so
entidades imanentes. Com o termo universais transcendentes queremos dizer que essas
entidades existem independentemente de suas instncias espaciotemporais. Por exemplo,
suponha que exista um universal U. Segundo a teoria platnica, esse universal existe sem que
seja necessrio que exista algo que o instancie. um fato contingente o de que o universal U
tenha alguma instncia. Por outro lado, o termo universais imanentes quer dizer que os
universais existem, mas dependem da existncia de suas instncias. Voltando ao exemplo do
universal U, este s existiria enquanto h indivduos que o instancia; sua existncia est
necessariamente conectada existncia de suas instancias: se U no est (esteve ou estar)
-
19
instanciado, ento U no existe. Uma diferena relevante entre as teorias platnicas e
aristotlicas o fato dos universais platnicos no existirem no espao e no tempo, enquanto
para os aristotlicos os universais, em alguma medida, existem no espao e no tempo.
Nota-se que a teoria platnica ter uma maior generalidade do que a teoria aristotlica;
o filsofo platnico, em geral, est disposto a admitir mais universais do que os filsofos
aristotlicos. Um platnico admite, alm dos universais instanciados admitidos pelos
aristotlicos, tambm os universais no instanciados e, em uma verso extremamente forte do
platonismo, os atributos necessariamente no instanciados. A teoria platnica , pois, passvel
de uma diviso mais estrita. H pelo menos trs tipos de teorias platnicas: (i) o realismo
platnico factual; (ii) o realismo platnico moderado; e (iii) o realismo platnico extremo3.
Segundo o realismo platnico factual, nem todo universal existe instanciado;
entretanto, um fato contingente o fato de um universal existir em um dado mundo. Isso quer
dizer que os universais podem existir independentemente de suas instncias, mas os
universais no so entidades necessariamente existentes, isto , existentes em todos os
mundos possveis. Para o realismo platnico moderado, assim como para o realismo platnico
factual, alguns universais podem existir independentemente de suas instncias e so entidades
contingentes; mas o realismo platnico moderado admite tambm a possibilidade de existir
universais construdos a partir daqueles admitidos pelas duas teorias (por exemplo, por meio
de conjunes). Por fim, segundo o realismo platnico extremo, todo universal existe
independentemente de suas instncias, so eles entidades necessariamente existentes, isto ,
existem em todos os mundos possveis.
A principal divergncia entre os tipos de platonismos que os dois primeiros vm os
universais como entidades contingentes, na medida em que um universal no precisa existir
em todos os mundos possveis; apesar disso, alguns universais podem existir
3 Tal distino se encontra em Michael Tooley (1987, p. 119).
-
20
independentemente de suas instncias. J o realismo platnico extremo v os universais como
existentes necessrios, existentes em todos os mundos possveis. Ao longo da histria, esse
ltimo tipo de teoria platnica parece ter sido mais comumente defendida; o prprio Plato foi
um defensor de uma teoria nesses moldes. Contemporaneamente temos alguns defensores de
uma teoria platnica extrema, por exemplo, Russell (1912), Donagan (1963), Loux (1978) e
Chisholm (1989). Uma teoria platnica daquele primeiro tipo foi defendida por Tooley (1987)
e Fales (1990).
Acredito ser possvel fazermos uma diviso mais estrita do platonismo. Somente para
exemplificar, nessa diviso acima, no contemplamos a diferena entre um platnico que
acredita que todos os atributos so transcendentes, mas no que existam atributos
necessariamente no instanciados, daqueles que acreditam que os atributos so transcendentes
e existem atributos necessariamente no instanciados. Apesar da distino no abarcar todos
os tipos de teoria, ela nos serve para exemplificar o quanto diferem as teorias reunidas pela
alcunha platnicas.
O realismo aristotlico em relao aos universais tambm no homognio. O que h
de comum a essas teorias que elas recusam a existncia de universais no instanciados: os
universais que existem dependem necessariamente da existncia de instncias suas. Mas
encontramos algumas diferenas de pormenores nas teorias aristotlicas. Para ilustrar uma
dessas diferenas, alguns aristotlicos, como Lowe (2006) e provavelmente Aristteles nas
Categorias, acreditam que devemos postular quatro categorias ontolgicas bsicas, a da
substncia, dos tipos, das propriedades e relaes (universais) e dos tropos. Outros
aristotlicos, como Armstrong (1989), acreditam que precisamos postular apenas particulares
e universais (propriedades e relaes).
Nesta dissertao, os principais tpicos a serem tratados sero os argumentos que
chamo de semnticos, como o argumento de Loux (1978) e o de Russell/Donagan (1963); a
-
21
teoria dos universais de Armstrong e sua recusa de universais no instanciados, e as
consideraes sobre leis da natureza de Tooley (1977), Armstrong (1983) e Fales (1990). Mas
antes de entrarmos nesses tpicos especficos, vejamos alguns argumentos a favor do
realismo, seja a favor do realismo aristotlico, seja do platnico; e tambm algumas objees
que tm sido levantadas contra as teorias realistas.
1.3 O problema dos universais
Falemos do chamado problema dos universais. Quando falamos em problema dos
universais no estamos querendo dizer que nosso problema so os universais (apesar de tais
entidades serem problemticas), mas antes, que temos um problema e queremos saber se um
tratamento4 satisfatrio dele envolve necessariamente a postulao de atributos universais; ou
se, por outro lado, podemos dar um tratamento satisfatrio sem recorrer a tal noo. O
problema dos universais pode ser caracterizado da seguinte forma5. H o fenmeno da
semelhana no mundo; e no uma semelhana que meramente detectamos, mas uma
semelhana objetiva que depende de alguma forma da natureza das coisas que se assemelham.
Por exemplo, os elefantes se assemelham, em algum grau e objetivamente, aos demais
indivduos de sua espcie em serem todos elefantes; eles tambm se assemelham, em um grau
menor, mas no menos objetivamente, aos demais mamferos em serem todos mamferos. Os
humanos, da mesma forma, se assemelham entre si, so biologicamente cruzveis, seus
processos biolgicos, qumicos e fsicos se assemelham, assim como se assemelham tambm
alguns de seus comportamentos sociais e morais. A semelhana no est apenas no reino das
4 Sigo aqui a ideia de David Lewis (1983: 170) de que h trs maneiras de dar um tratamento ao problema da
semelhana: negar que h de fato um problema em causa, analisar o problema, ou tomar a noo como
primitiva (no analisvel). 5 Rodriguez-Pereyra (2000) pensa que o verdadeiro problema dos universais o Many over One: como pode o
mesmo particular ter varios universais diferentes. Essa no uma posio comumente aceita e, como no o
tpico central aqui a discusso sobre qual de fato o problema dos universais, no me deterei neste problema.
Assumirei apenas uma caracterizao mnima do problema, que no isenta de problemas.
-
22
espcies biolgicas, os elementos qumicos e fsicos tambm se assemelham em diferentes
graus; um eltron se assemelha ao outro por serem ambos eltrons e ambos terem carga -1;
um tomo de hlio se assemelha a um tomo de nenio em serem ambos gases nobres.
Tambm o carter moral das pessoas se assemelha: dizemos Scrates humilde, e tambm
Plato humilde, pois h uma semelhana no carter de tais indivduos. Ou ainda, no
domnio dos artefatos, dois objetos se assemelham em serem ambos obras de arte, xcaras,
computadores, ou muitas outras coisas. Detectamos a semelhana tambm entre os atributos:
o vermelho, o cor-de-rosa e o azul se assemelham em serem cores. H, pois, uma identidade
qualitativa entre entidades numericamente distintas; a essa altura os filsofos se perguntam se
um tratamento desse fenmeno envolve a postulao de universais.
H de um modo geral duas formas de responder a essa pergunta: afirmando que
devemos postular essas entidades (com ou sem restries), ou afirmando que o trabalho pode
ser feito sem recorrer a elas. Os chamados realistas acreditam que devemos admitir a
existncia de atributos universais para darmos um tratamento satisfatrio do fenmeno da
identidade qualitativa entre indivduos numericamente distintos. Por exemplo, o que explica o
fato de Scrates, Plato e Aristteles serem humanos a existncia de um nico atributo
universal instanciado por eles, universal que podemos chamar de humanidade (supondo
aqui que os realistas sejam unanimes quanto existncia do universal em causa). Os realistas
acreditam ainda que a noo de universal tem mais utilidade do que apenas solucionar o
problema dos universais: a postulao de tais entidades nos permite tambm tratar vrios
tpicos em filosofia como predicao, referncia abstrata, leis da natureza, disposies,
natureza dos mundos possveis, entre outros. O realista defende que precisamos de universais
para um tratamento satisfatrio desses tpicos, ou pelo menos alguns deles; e porque os
universais podem fazer esse trabalho, teramos um bom motivo para postular tais entidades.
-
23
Por outro lado, temos os filsofos chamados nominalistas. Estes acreditam que todo
trabalho pode ser feito sem a postulao de atributos6 universais. Por exemplo, poderamos
dar um tratamento daquele fenmeno em termos de classes naturais de indivduos,
semelhana primitiva entre indivduos (entre outras noes as quais no mencionarei nessa
dissertao por no ser de grande importncia para o nosso propsito). No primeiro caso
diramos que um tratamento satisfatrio da semelhana entre os indivduos Scrates, Plato e
Aristteles, a semelhana em serem humanos, seria dada em termos da classe natural dos
humanos; aqueles indivduos so membros dessa classe. No segundo caso, diramos que um
tratamento satisfatrio tomar a semelhana como um fato primitivo, no analisvel: tais
indivduos so humanos, pois se assemelham em serem humanos, e no h algo a ser
explicado aqui.
Um motivo para a recusa de atributos universais por parte dos nominalistas a suposta
economia ontolgica envolvida nisso. Os realistas comumente postulam duas categorias
ontolgicas distintas, universais e particulares; enquanto os nominalistas postulariam, a
princpio, apenas uma categoria, a categoria dos indivduos. Mas a motivao de tais filsofos
no pode ser apenas esse tipo de economia ontolgica, pois podemos ter uma teoria realista
que postula apenas atributos universais e, portanto, quanto quantidade de entidades bsicas,
esta equiparada ao nominalismo (postula apenas uma categoria de entidades). Outra
motivao nominalista o pensamento de que h um preo alto a se paga ao admitir entidades
universais, elas vo contra nossa intuio de que duas coisas no podem estar em mais de um
lugar ao mesmo tempo. Mas essa motivao no parece to forte; como constata o nominalista
David Lewis (1983: 164), nossa intuio formada a partir de particulares e, portanto, no
ser nossa intuio que decidir sobre a existncia ou no existncia de universais.
6 Lembrando que h o nominalismo dos tropos, que postula atributos particulares. Esta teoria tambm
recusada pelos nominalismos referidos em seguida.
-
24
Tratemos de alguns argumentos realistas a favor da existncia universais. Um deles
o argumento que se encontra na Repblica de Plato (Apud, Armstrong, 1989, p. 78). o
chamado argumento do significado de termos gerais. O argumento procede da seguinte
forma. Os nomes prprios tm objetos como seus portadores. Mas quando consideramos
termos como vermelho, redondo, entre outros, vemos que eles se aplicam a muitas coisas
e so perfeitamente significativos. Logo, deveria haver alguma entidade que tenha uma
relao com os termos gerais anloga que um nome prprio tem com seu portador; no caso
do termo vermelho deveria haver a propriedade da vermelhido (aquilo que permite que eu
chame de vermelho a cada coisa vermelha). Se o argumento est correto, segue-se que h
universais no instanciados. Se para todo termo geral com significado tem de haver um
universal correspondendo ao significado desse termo, segue-se que tem de haver o universal
de ser cavalo alado, apesar de no haver indivduos que sejam cavalos alados. Segue-se
tambm que tem que haver atributos necessariamente no instanciados, expressos por
expresses predicativas como quadrado e redondo. Alm disso, segue-se a existncia de
atributos correspondentes a predicados com verzul7.
Mas esse argumento platnico no um bom argumento. Um problema para ele
posto pelo paradoxo de Russell. Vejamos como. O argumento pressupe que para cada termo
geral com significado h algo no mundo que corresponde ao significado dessas palavras. Mas
considere o termo no instancia a si mesmo. O termo perfeitamente significativo. H
atributos que no instanciam a si mesmos, por exemplo, a propriedade de ser vermelho no
ela mesma vermelha, de modo que a propriedade de ser vermelho no instancia a si mesma.
Por outro lado, temos atributos que instanciam a si mesmos, por exemplo, a propriedade de
ser incorpreo ela mesma incorprea, de tal forma que a propriedade de ser incorpreo
instancia-se a si mesma (supondo aqui que haja tal propriedade). Mas se admitimos que h a
7 Tal predicado definido como: ser verde at certo momento do tempo futuro, e depois desse momento ser
azul.
-
25
propriedade de no instanciar si mesma podemos perguntar: tal propriedade instancia a si
mesma? Se instancia a si mesma, segue-se que ela no instancia a si mesma, uma vez que ela
a propriedade de no instanciar-se a si mesma. Mas se no instancia si mesma, segue-se que
ela instancia a si mesma, pelo fato dela ser a propriedade de no instanciar-se a si mesma.
Logo, em todos os casos, gera-se uma contradio. Diramos que tal propriedade
autocontraditria, na medida em que supor a sua existncia gera o paradoxo em causa. Assim,
no podemos admitir que h uma propriedade tal qual a de no instanciar-se a si mesmo.
Nesse caso, ento, no teramos um universal correspondendo ao termo geral no instanciar-
se a si mesmo. O que mostra que o argumento de Plato falha.
Acredito que outro problema para o argumento do significado de termos gerais posto
pela discusso de Wittgenstein do predicado jogo. Considere os seguintes pargrafos do seu
livro Investigaes filosficas (1953):
66. Considere, por exemplo, o processo que chamamos de jogos. Refiro-me a jogos de tabuleiro, de cartas, de bola, torneios esportivos etc. O que h de comum a todos eles? No diga: Algo deve ser comum a eles, seno no se chamariam jogos, mas veja se algo comum a eles todos. Pois, se voc os contempla, no ver na verdade algo que fosse comum a todos, mas ver semelhanas, parentescos. E at toda uma srie deles. Como disse: no pense, mas veja! Considere, por exemplo, os jogos de tabuleiro, com seus mltiplos parentescos. Agora passe para os jogos de cartas: aqui voc encontra muitas correspondncias com aqueles da primeira classe, mas muitos traos comuns desaparecem e outros surgem. Se passarmos agora aos jogos de bola, muita coisa comum se conserva, mas muitas se perdem. so todos recreativos? Compare o xadrez com o jogo de amarelinha. . Ou h em todos um ganhar e um perder, ou uma concorrncia entre os jogadores? Pense nas pacincias. Nos jogos de bola h um ganhar e um perder; mas se uma criana atira a bola na parede e a apanha outra vez, este trao desapareceu. Veja que papis desempenham a habilidade e a sorte. E como diferente a habilidade no xadrez e no tnis. Pense agora nos brinquedos de roda: o elemento de divertimento est presente, mas quantos dos outros traos caractersticos desaparecem! E assim podemos percorrer muitos, muitos outros grupos de jogos e ver semelhanas surgirem e desaparecerem. E tal o resultado desta considerao: vemos uma rede complicada de semelhanas, que se envolvem e se cruzam mutuamente. Semelhanas de conjunto e de pormenor. 67. No posso caracterizar melhor essas semelhanas do que com a expresso semelhanas de famlia; pois assim envolvem e se cruzam as diferentes semelhanas que existem entre os membros de uma famlia: estatura, traos fisionmicos, cor dos olhos, o andar, o temperamento etc., etc. E digo: os jogos formam uma famlia (1999, p. 52).
-
26
Em uma interpretao realista da discusso de Wittgenstein, diramos que no se segue
que para todo predicado h um universal correspondente, mas alguns predicados podem reunir
uma classe de indivduos por semelhana de famlia. Assim seria com o predicado jogo, se
no h um universal correspondente palavra em causa8. Pode ser que neste caso tenhamos
algum universal correspondente, mas a discusso de Wittgenstein mostra que pelo menos
possvel haver predicados que no correspondam a algum universal e que no um termo
geral autocontraditrio como no exemplificar a si mesmo. Ao defender isso uma pessoa
no deixa de ser realista; podemos preservar a noo de universal, mas recusar a
pressuposio de que para todo termo geral significativo h um universal correspondente.
Um argumento semntico a favor dos universais que parece melhor do que o
argumento precedente o argumento da no eliminabilidade da referncia a universais. Este
argumento foi primeiramente proposto por Arthur Pap (1959) e posteriormente por Frank
Jackson (1977). O argumento vai contra o nominalista que busca postular apenas indivduos
como entidades existentes, reduzindo os universais a classes de indivduos, ou semelhana
entre indivduos, etc. Assim considere a seguinte frase:
(1) O vermelho uma cor.
Um nominalista teria que eliminar a suposta referncia a universais que a frase faz.
Assim, teramos uma traduo que faria referncia apenas a indivduos, como a frase seguinte:
(1*) Todo indivduo vermelho um indivduo colorido.
Frank Jackson (1977) argumenta que (1*) no uma parfrase satisfatria de (1). Ele
pede para considerarmos a seguinte frase:
(1**) Toda coisa vermelha uma coisa extensa.
8 Em uma interpretao realista poderamos dizer que a palavra ambgua e que expressa no apenas um
universal, mas vrios.
-
27
Claramente (1**) tem a mesma forma do que (1*), e do mesmo modo que esta,
necessariamente verdadeira. Contudo, no se pode concluir de 1** que:
(1***) o vermelho uma extenso,
como podemos concluir a partir de (1*) que o vermelho uma cor. Isso parece mostrar que as
parfrases no so sempre viveis. Deveria haver uma simetria entre a parfrase (1***) e a
frase original (1**), mas no h.
Outro problema com as parfrases nominalistas quanto a frases como:
(2) O vermelho mais parecido cor-de-rosa do que ao azul.
Uma traduo nominalista aqui seria a seguinte:
(2*) Para todo x, y, z, se x vermelho, y cor-de-rosa e z azul, ento x mais parecido
com y do que com z.
Mas como constata Arthur Pap (1959) (2*) claramente falsa, apesar de (2) ser
verdadeira. Pois se tomarmos como valor de x, por exemplo, um carro, de y uma flor e de z
um carro, vemos claramente que neste contexto (2*) falsa: x e z se parecem mais do que x e
y. Mas sendo (2*) uma parfrase de (2), as duas frases deveriam ser verdadeiras.
Uma alternativa aqui seria dizer que x mais parecido a y do que a z em relao s
suas cores. Isso tornaria a parfrase verdadeira, mas contrariaria o esprito nominalista
motivador de tais parfrases. Fazer referncia a cores contrariar a motivao do nominalista
que gostaria de falar apenas de indivduos e no de qualidades de indivduos.
Podemos perguntar aqui se aquele filsofo que defende este argumento est
comprometido ou no com atributos no instanciados (seja necessariamente, seja
contingentemente). Acredito que podemos formular um exemplo com atributos no
instanciados. Por exemplo, podemos falar de um determinado matiz de azul que ele uma
cor. Mas esse matiz no precisa ter sido instanciado alguma vez.
-
28
Outra forma de se argumentar a favor de universais a seguinte. H certos fenmenos
a serem explicados (alm da j mencionada semelhana entre os indivduos) e uma boa
explicao deles envolve a postulao de universais. Por exemplo, tomemos a noo de leis
da natureza. Temos uma intuio que tais leis so em alguma medida necessrias (fisicamente
necessrias). Mas se nossa ontologia admite apenas indivduos, ento fica difcil mostrar
como tais leis so necessrias, dado que os indivduos so seres contingentes. Os universais,
nesse caso, mostrariam que alm da regularidade que h no comportamento dos indivduos,
haveria uma relao de necessidade nmica entre universais sustentando as regularidades que
so leis e as diferenciando das que no o so. Por exemplo, o que faz com que seja uma lei
fisicamente necessria a de que o sal de se dissolve em gua no o fato de pores de sal
terem sido sempre dissolvidas quando colocadas em gua, mas sim o fato de o universal sal e
o universal gua esto numa dada relao necessria, que persiste mesmo que acabemos com
as pores de sal e de gua do nosso mundo. Esse tpico ser importante nesta dissertao
mais adiante; h um argumento que procura mostrar que, tendo motivos para pensar que leis
so relaes entre universais, no caso de leis no instanciadas, teramos motivos para admitir
universais no instanciados compondo tais leis.
Passarei agora a falar de um importante argumento contra o realismo dos universais,
apenas para consideramos como podemos atacar o realismo. A presente dissertao pressupe
a verdade da tese realista: existem universais. Mas vale a pena considerarmos rapidamente o
problema.
-
29
1.4 Argumento contra o realismo9
H alguns argumentos que procuram mostrar que o realismo dos universais uma
posio incoerente. A partir de agora procurarei explorar um desses argumentos, o que poder
ser til no decorrer da presente dissertao.
O problema para os realistas quanto noo de instanciao. Esse problema foi
levantado por Plato no dilogo Parmnides (131E132B). A ideia que tal noo est sujeita
regresso viciosa. Na voz de Scrates, Plato coloca sua teoria das ideias, segundo a qual
quando alguns objetos so, por exemplo, brancos, porque instanciam10 um mesmo universal, a
saber, a brancura. O problema em relao instanciao o seguinte. Para explicar o fato de
certos objetos serem brancos, dizemos que eles instanciam a brancura. Aqui estaramos
postulando um novo universal, que a instanciao da brancura. Precisaramos ento explicar
esse segundo caso de universal, a instanciao da brancura, e sua relao com aqueles objetos
postulando um terceiro universal: a instanciao da instanciao da brancura. E se aceitamos
isso, a regresso parece infinita: a cada universal precisaramos postular um novo para
explicar a sua relao com os objetos em causa. Dessa forma a anlise inicial parece nunca ser
completa, pois a cada caso explicado surge um novo a ser explicado.
Os filsofos nominalistas e realistas tiram concluses diferentes em relao a essa
regresso. Os nominalistas acreditam que essa regresso mostra que o realismo incoerente e,
portanto, deve ser recusado. Mas os realistas tiram outra concluso disso: eles acreditam que
se restringimos a nossa teoria dos universais, podemos evitar a tal regresso. Uma forma que
um realista tem de fazer isso dizendo que no se segue que para todo caso de semelhana
entre indivduos h um universal distinto sustentando essa semelhana. Mas um realista pode
9 A seguinte discusso se encontra boa parte em Loux (2006, cap. 1).
10 As tradues de Plato no usam o termo instanciao para a relao entre universais e particulares; o
termo usado participao. Prefiro usar instanciao para manter uma unidade terminolgica na
dissertao.
-
30
tambm recusar que haja algum problema com a regresso em causa. Ele admitir que h uma
hierarquia infinita de universais, mas dir que ao explicarmos o fato de um dado indivduo ser
branco, dizemos que tal indivduo instancia a brancura; a explicao do fato inicial foi feita e
no depende da explicao do segundo fato que o indivduo instanciando a instanciao da
brancura. Se esse o caso, no haveria qualquer necessidade de se restringir a teoria realista.
Mas necessrio medir os custos de aceitar essa ideia. Alguns realistas no esto dispostos a
admitir essa infinidade de universais que a no restrio da teoria gera. Esses acham que de
fato viciosa a regresso. No quero me decidir aqui se devemos ou no restringir a nossa a
teoria realista dado essa regresso, mas procuro apenas mostrar que h esse problema para ser
resolvido por um realista.
Outra regresso que se levanta contra a teoria realista a chamada regresso de
Bradley. Essa regresso parece mais forte do que a regresso anterior. Ela consiste no
seguinte. Dizemos que a instanciao a relao entre universais e particulares. Por exemplo,
dizemos que um indivduo a instancia a propriedade de ser verde. Sendo a instanciao uma
relao e, segundo uma ontologia realista, sendo as relaes universais, ento precisamos de
uma relao de instanciao de ordem superior (que podemos chamar de instanciao2) para
assegurar que o indivduo a e a propriedade de ser verde estejam na relao de instanciao.
Mas a instanciao2 tambm seria um universal e dessa forma precisaramos de uma relao
de instanciao de ordem superior (instanciao3) para assegurar que o indivduo a, a
propriedade de ser verde e a instanciao, estejam na relao de instanciao2. Mas
novamente a instanciao3 uma relao, e a regresso parece infinita. Essa regresso mais
problemtica para o realista na medida em que nunca temos uma explicao completa do
nosso fato original, do nosso indivduo a sendo verde. H cada explicao a sempre um novo
fato a ser explicado.
-
31
Uma sada para o realista quanto a essa regresso dizer que a noo de instanciao
primitiva, no analisvel. Podemos dizer que a noo de instanciao no se aplica a si
mesma, eliminando ento essa ltima regresso. No temos de tomar a instanciao como
uma relao qualquer, como a de ser mestre de, estar direita de, etc.; na verdade a
instanciao no deve ser vista como uma relao: as relaes esto ligadas aos seus relatas
por meio da instanciao, mas quanto instanciao, no h nada ligando ela aos seus
relatas (universais e particulares). Toma-se, portanto, a instanciao como uma relao
formal11. E isso no seria um problema to grande uma vez que as demais teorias que debatem
o problema dos universais, sejam nominalistas ou realistas, tero alguma relao formal. Por
exemplo, o nominalismo da semelhana tem a relao de semelhana como relao formal; o
nominalismo das classes tem a relao de ser membro de uma determinada classe como uma
relao formal.
Se pudermos tomar a instanciao como uma relao formal, ento resolvemos no
apenas esse problema acima mencionado, mas tambm os demais problemas relacionados
instanciao. No mencionarei outros problemas para o realista em torno da noo de
instanciao, pois o objetivo aqui um pouco mais restrito: se existem universais, eles
existem independentemente de existir instncias suas? Ou, dito de outra forma, para todo
universal U, U necessariamente possui instncias? Por outro lado, admitindo que exista
universais no instanciados, existiria tambm atributos necessariamente no instanciados?
Comearemos abordando essa ltima questo ao tratarmos o argumento de Loux (1978) a
favor do platonismo. Acredito que temos motivos para recusar que haja atributos
necessariamente no instanciados. Posteriormente, tratarei da teoria dos universais de
11
Em geral as teorias ontolgicas admitem alguma relao formal. As relaes formais possuem um papel
fundamental dentro de uma teoria ontolgica, na medida em que elas nos permitem dar conta de vrios
problemas, mas a prpria relao no analisvel em termos de si mesma. Por exemplo, quando um
nominalista da semelhana admite tal noo em sua teoria, ele no poder admitir que tal noo seja capaz de
ser analisada em termos dela mesmo, com pena de gerar uma regresso anloga gerada pela instanciao
dos realistas.
-
32
Armstrong focando-me na sua recusa de universais no instanciados. Em seguida, tratarei do
argumento de Tooley (1977, 1987) a favor da possibilidade de universais existirem sem que
tenham instncias. Esses argumentos esto conectados discusso sobre leis da natureza
como relaes entre universais. Trarei ainda nesse tpico das crticas de Armstrong (1983)
aos argumentos de Tooley. Nesse ponto sou favorvel aos argumentos Tooley, como
veremos. Por fim, tratarei do argumento Russell/Donagan (1963) a favor de universais no
instanciados.
-
33
2 LOUX E OS ATRIBUTOS NECESSARIAMENTE NO INSTANCIADOS
Resumo
Procurarei, primeiramente, expor os argumentos de Michael Loux (1978, cap. 5) sobre a discusso entre platnicos e aristotlicos acerca da natureza dos universais. Em sequncia tratarei da discusso desses argumentos feita por Albert Casullo (1980). Por fim procurarei recusar certo tipo de atributo que a teoria de Loux admitiria. A concluso que chego ao fim de que os argumentos de Loux no provam o que querem provar, isto , que h certos universais que esto de acordo com uma teoria aristotlica e outros que esto de acordo com a teoria platnica. Esse segundo ponto o de maior importncia para a presente dissertao, uma vez que nele Loux argumenta a favor da existncia de atributos no instanciados.
2.1 Os argumentos de Loux
Loux pretende responder a seguinte questo: possvel para um universal existir sem
que seja instanciado12? Em termos de mundos possveis: para qualquer universal U, h pelo
menos um mundo possvel M, tal que U existe em M, mas no instanciado em M? Loux
defende que h certos universais que esto de acordo com a teoria aristotlica, ou seja,
existem apenas de forma instanciada; entretanto, h alguns universais que esto de acordo
com a teoria platnica; estes existem mesmo em um contexto no qual no h qualquer
instncia sua. Portanto, ele tem uma resposta positiva pergunta: h pelo menos alguns
universais que existem sem serem instanciados.
Segundo Loux (pp. 93, 94), os chamados universais transcendentais esto de acordo
com a teoria aristotlica dos universais. Um universal transcendental se, e s se, um
universal instanciado por todos os objetos em todos os mundos possveis. Exemplos dados por
Loux so a propriedade de ser colorido se verde, ser idntico a si mesmo. Tais propriedades
so instanciadas por todos os indivduos de todos os mundos possveis, de tal modo que no
12
Loux usa aqui o termo exemplificado; uso ao invs disso instanciado, apenas para manter a unidade
terminolgica da dissertao.
-
34
h qualquer mundo no qual tais propriedades existem, mas no esto instanciadas. Assim,
conclui Loux, tais universais esto de acordo com a teoria aristotlica dos universais.
Para Loux, os universais autoinstanciveis tambm estariam de acordo com a teoria
aristotlica dos universais (p. 94). Considere por exemplo a propriedade de ser um no
humano. Ela tal que se autoinstancia em todos os mundos possveis nos quais ela existe.
Assim, no h mundos possveis nos quais tal propriedade existe, mas no instanciada.
Outros universais que segundo Loux esto de acordo com a abordagem aristotlica so
propriedades de seres necessrios. Por exemplo, a propriedade de ser primo, que instanciada
em todos os mundos possveis. Para ver porque tal propriedade instanciada em todos os
mundos possveis Loux sugere que consideremos as seguintes verdades necessrias:
(1) Trs primo,
(2) Cinco primo,
(3) Sete primo.
Loux argumenta da seguinte forma:
(i) Tais proposies so necessariamente verdadeiras: verdadeiras em todos os
mundos possveis.
(ii) Se so verdadeiras em todos os mundos possveis e so sobre certo tipo de objeto
(nmeros), ento esses objetos existem em todos os mundos possveis (so seres
necessrios).
(iii) E todos os mundos possveis em que existem tais objetos so primos.
(iv) Logo, a propriedade de ser primo instanciada em todos os mundos possveis.
Loux acredita que tal argumento aplicvel a outro tipo de universal, aos universais de
ordem superior (pp. 94-95). Por exemplo:
(4) O vermelho uma cor,
(5) A coragem uma virtude.
-
35
(4) e (5) so verdades necessrias. Segundo o argumento, se uma proposio verdadeira em
todos os mundos possveis e ela sobre certo tipo de objeto, ento tal objeto existe em todos
os mundos possveis. Assim, no caso de (4), o vermelho existe em todos os mundos possveis,
e em todos eles o vermelho uma cor. Portanto, em todos os mundos possveis ser uma cor
uma propriedade instanciada, o que faz tal propriedade estar de acordo com a teoria
aristotlica dos universais.
Contudo, argumenta Loux, h certa classe de universais que esto de acordo com a
teoria platnica; so eles os universais instanciados apenas por seres contingentes. Por
exemplo, a propriedade de ser vermelho. Tal propriedade, segundo o argumento precedente de
Loux, existe em todos os mundos possveis. Mas no est instanciada em todos eles. Loux d
outro exemplo (p. 95):
(6) A espcie humana uma espcie.
Sendo (6) uma verdade necessria, segue-se do argumento de Loux que a espcie humana
existe em todos os mundos possveis, mas no est instanciada em todos eles, uma vez que
no h indivduos humanos em todos os mundos possveis.
Generalizando, o argumento de Loux a favor da ideia de que todo universal que
exemplificado exclusivamente por entidades contingentes est de acordo com a abordagem
platnica dos universais o seguinte:
(i) Para um dado universal U, h uma proposio necessariamente verdadeira segundo
a qual U um atributo.
(ii) Tal proposio verdadeira em todos os mundos possveis.
(iii) Logo, U existe em todos os mundos possveis.
Mas,
(iv) Supondo que U instanciado apenas por seres contingentes.
(v) Ento h mundos possveis onde U existe, mas no instanciado.
-
36
E segundo Loux isso mostra que em casos como este temos de admitir a existncia dos
universais platnicos.
2.2 Crticas de Casullo aos argumentos de Loux
Albert Casullo (1980) promove algumas crticas aos argumentos de Loux. A princpio
no vejo como Loux poderia escapar a tais crticas. Uma delas contra o argumento de que os
universais transcendentais esto de acordo com a teoria aristotlica (p. 196-7). Como vimos,
Loux define universal transcendental como aquele que instanciado por todos os objetos de
todos os mundos possveis. Sendo assim, para qualquer mundo M, se esse universal existe em
M, ento pelo menos um objeto exemplifica tal universal em M. Casullo nota que h uma
ambiguidade no termo objeto como ocorre no argumento de Loux. O termo pode ser
entendido como se referindo a objetos concretos ou pode ser entendido como se referindo a
objetos concretos e abstratos. Se o termo usado no primeiro sentido, ento o argumento ser
invlido, uma vez que os objetos concretos so seres contingentes e, portanto, h mundos em
que no h tais entidades, de modo que os universais transcendentais no so exemplificados
nesses mundos. claro que argumentvel que no h mundos sem entidades concretas, mas
preciso um argumento a favor dessa ideia, pois estaramos cometendo uma petio de
princpio sem esse argumento adicional. Entretanto, se o termo usado no seu segundo
sentido, ento o argumento vlido. Isso porque os universais transcendentais, que so
objetos abstratos instanciam a si mesmo em todos os mundos possveis. Contudo, nota
Casullo, isso no suficiente para provar que tais universais esto de acordo com a teoria
aristotlica dos universais (1980, pp. 196-7). Segundo tal teoria os universais dependem da
existncia de objetos concretos que os instanciam. Mas parece possvel um mundo no qual
-
37
no existe qualquer objeto concreto e ento tais universais teriam de ser instanciados por
objetos abstratos, o que no uma posio desejvel para um aristotlico genuno.
Casullo (p. 197) critica tambm o argumento de que os universais autoinstanciveis
esto de acordo com a teoria aristotlica. Segundo ele as premissas do argumento so
controversas. Por um lado, temos os realistas como Armstrong (1978, vol. 2, caps. 14 e 23)
que negam a existncia de universais negativos, como o do exemplo de Loux (ser no
humano). Por outro lado a propriedade de ser autoinstancivel pode gerar o paradoxo de
Russell e tambm ter problema com o argumento do terceiro homem. Casullo acredita que
mesmo que as premissas do argumento sejam garantidas, temos motivos ainda de recusar que
ele pode sustentar que os universais autoinstanciveis esto de acordo com a teoria aristotlica
dos universais. O argumento no mostra que tais universais so exemplificados por objetos
concretos em todos os mundos possveis. Segundo Casullo, o argumento mostra, no mximo,
que tais universais so exemplificados por universais em todos os mundos nos quais eles
existem.
Outra crtica de Casullo (p. 197-8) a de que as propriedades de segunda ordem e de
seres necessrios esto de acordo com a teoria aristotlica dos universais. Loux argumenta
que a verdade da proposio expressa pela frase o vermelho uma cor uma verdade
necessria cuja verdade em mundo M pressupe a existncia do vermelho em M, de modo que
ser uma cor instanciado em todos os mundos possveis. Casullo acredita, e parece ter razo
para isso, que a verdade de uma proposio necessria como o vermelho uma cor em um
mundo M pressupe a existncia do vermelho em M (veremos o problema com tal ideia mais
adiante quando tratarmos das crticas de Casullo ao argumento de Loux a favor de que certos
universais esto de acordo com a teoria platnica). Segundo Casullo, mesmo que aceitemos
esse pressuposto do argumento, ainda no temos motivos para sustentar que tais universais
esto de acordo com a teoria aristotlica dos universais, pois o argumento estabelece que tais
-
38
universais so instanciados por universais em todos os mundos, e no por objetos concretos
como requer a teoria aristotlica.
Temos por fim o ponto que mais nos interessa aqui, a crtica de Casullo (195-6) ao
argumento de Loux a favor da ideia de que os universais instanciados apenas por seres
contingentes esto de acordo com a teoria platnica.
O problema desse argumento, segundo Casullo, o de que ele pressupe que, do fato
de haver uma proposio necessria sobre o universal U, a proposio segundo a qual U um
atributo, por exemplo, segue-se que U existe em todos os mundos possveis. Casullo nos
sugere um argumento (p.196) com a mesma forma do argumento de Loux, mas que estamos
tentados a rejeitar; o argumento o seguinte. H uma proposio necessariamente verdadeira
sobre um dado objeto concreto C segundo a qual C um objeto concreto13. Apesar de a
proposio ser necessariamente verdadeira, no se segue que C existe em todos os mundos
possveis. Uma vez que C um objeto concreto, existem mundos nos quais C no existe.
Segundo Casullo, dada essa analogia, a nica coisa que podemos concluir de que U um
atributo expressa uma proposio necessria que no h um mundo possvel em que U
existe e U no um atributo.
Pode-se argumentar aqui a favor do argumento de Loux que a analogia de Casullo no
procede, uma vez que os universais so entidades diferentes das entidades concretas. Sendo
assim, a verdade da proposio expressa por C um objeto concreto tem que ser verdadeira
em mundos nos quais C no existe, mas no caso de O vermelho uma cor, por se tratar de
universais, as coisas so diferentes: o vermelho tem de existir em todos os mundos possveis
e, consequentemente, existir tambm a propriedade de ser uma cor.
Entretanto, isso pressupor o que se quer provar. Uma vez que Loux quer mostrar
justamente que os universais se diferem dos objetos concretos, na medida em que aqueles
13
Outro exemplo: Scrates um objeto concreto.
-
39
existem em todos os mundos possveis (so seres necessrios), enquanto os objetos concretos
existem apenas em alguns deles (so seres contingentes).
Podemos dar outro exemplo que corrobora a tese de que pode haver necessidade sem
que tenhamos que pressupor a existncia em todos os mundos possveis da entidade sobre a
qual a proposio. Suponhamos que C azul em um mundo M. Logo, h uma proposio
necessariamente verdadeira segundo a qual C azul em M. Tal proposio verdadeira em
todos os mundos possveis, mas no necessrio, a princpio, nem que C nem que o azul
existam em todos os mundos possveis. Na verdade, h mundos em que pelo menos C no
existe, nos quais verdade que C azul em M.
Acredito que temos uma maneira de evitar o compromisso com a existncia em todos
os mundos possveis de indivduos sobre os quais so certas proposies necessrias.
Podemos dizer que a frase C um objeto concreto expressa uma verdade necessria, uma
vez que ao analis-la em termos de mundos possveis temos a seguinte proposio: para todo
mundo possvel M, se C existe em M, ento C um objeto concreto em M. Esta proposio
verdadeira em qualquer mundo possvel, mesmo que C no exista em um dado mundo
possvel. O mesmo, a princpio, poderia valer para as proposies necessrias sobre o
universal U. No precisamos supor a existncia em todos os mundos possveis dos atributos
sobre os quais so certas proposies necessariamente verdadeiras. A necessidade da
proposio expressa pela frase o vermelho uma cor pode ser demonstrada da seguinte
forma: em termos de mundos possveis, a frase em causa expressa a proposio de que para
qualquer mundo possvel M em que existe o vermelho, o vermelho uma cor em M, e tal
proposio verdadeira em todos os mundos possveis. E dessa forma parece que evitamos ter
de pressupor a existncia de U em todos os mundos possveis para que a proposio em causa
seja necessariamente verdadeira.
-
40
Parece, portanto, que o argumento de Loux a favor do platonismo erra na medida em
que pressupe uma premissa falsa: a de que as entidades sobre as quais so certas proposies
necessrias tem de existir em todos os mundos possveis. Mas como foi sugerido aqui, no
devemos nos comprometer com esse tipo de afirmao.
2.3 Atributos necessariamente no instanciados
Um problema que acredito haver nesse argumento de Loux a favor do platonismo
que, garantindo que as premissas do argumento estejam corretas, ele nos compromete com
uma teoria dos universais que admite atributos bastante duvidosos14; so eles os atributos
necessariamente no instanciados. Suponha, por exemplo, o atributo de ser quadrado e
redondo. Para o argumento de Loux, h uma proposio necessariamente verdadeira segundo
a qual ser quadrado e redondo um atributo, da seguir-se-ia que o atributo em causa existe
em todos os mundos possveis. Um atributo necessariamente no instanciado um atributo
no instanciado em nenhum mundo possvel. Mas qual a funo desempenhada por uma
entidade como essa em nossa ontologia? Quais os motivos que teramos para postul-las?
Acredito que no h tais motivos, ou antes, temos motivos para recusar essas entidades em
nossa ontologia. A tese central aqui : se aceitamos o realismo, uma entidade ter de ser ou
um universal, ou um particular ou uma relao formal, exclusivamente; se uma entidade no
pertence a nenhuma dessas categorias, ento ela no existe. Se as coisas so assim, os
atributos necessariamente no instanciados, que no se enquadram em qualquer dessas
categorias, no existem.
Acredito haver dois grandes grupos de atributos necessariamente no instanciados: (1)
conjunes de universais no coinstanciveis, por exemplo, a propriedade de ser quadrado e
14
Para Frege e para o Ruffino tais atributos no seriam duvidosos. Ao fim dessa seo procurarei responder a
uma possvel objeo vinda deles.
-
41
redondo, ser humano e cavalo, ser sal e gua, ser av e av, entre muitos outros15; (2)
atributos relacionais necessariamente no instanciados, so atributos como ser diferente de si
mesmo, ser pai de si mesmo, estar longe de si mesmo, entre outros. Pode ser que haja mais
tipos de atributos necessariamente no instanciados dos quais no estou ciente, mas o
tratamento que busco dar a esses atributos independe do tipo de atributo necessariamente no
instanciado que ele ; viso mostrar que tudo o que chamamos de atributo necessariamente
no instanciado est em desacordo com a ontologia realista que postula universais,
particulares e relaes formais e, portanto, tal noo tem de ser recusada se queremos admitir
uma teoria realista plausvel. Gostaria apenas antes falar um pouco sobre os atributos do tipo
(1), apenas para mostra a estranheza em torno dessas supostas entidades.
Exemplos desses atributos so aqueles dados acima: a propriedade de ser quadrado e
redondo, ser humano e cavalo, ser sal e gua, ser av e av... O que h de comum a esses
atributos? Acredito que o que h de comum, alm do fato trivial de serem atributos
conjuntivos, que se tais atributos fossem instanciados contrariariam algum domnio das leis
da natureza16. Leis aqui entendidas de um modo amplo, abarcando, no apenas as leis da
fsica, qumica e biologia, mas tambm as leis da lgica, da matemtica, etc. Por exemplo, se
houvesse um indivduo que instanciasse os atributos de ser humano e no humano, ento tal
instanciao estaria desrespeitando certo domnio de leis, a saber, o domnio da lei lgica
segundo a qual um indivduo no pode ser P e P. Mas atributos como o de ser humano e
cavalo no um atributo que desrespeita s leis da lgica quando instanciado (em mundo
meramente logicamente possveis h indivduos que so humanos e cavalos); tal conjuno de
atributos desrespeita o domnio das leis biolgicas, mais especificamente uma lei biolgica
15
Aqui poderamos ter tambm propriedades como a de ser quadrado redondo e triangulo (...), mas podemos
nos limitar aqui a conjunes com apenas dois membros. 16
O problema aqui que se basta uma propriedade contrariar uma lei da natureza, a restrio fica forte
demais. Quadrado-redondo, preto-branco so contradies mais fortes que contradies referentes a leis da
natureza. Esses atributos contrariam a lgica dos sistemas de taxonomia, classificao.
-
42
muito geral segundo a qual um indivduo pertence a uma, e somente uma espcie biolgica (a
chamada barreira das espcies). Os atributos de ser quadrado e de ser redondo, quando
coinstanciados, desrespeitam alguma lei da geometria; mas parece que estritamente falando a
existncia de indivduos que so quadrados e redondos no desrespeita a alguma lei da lgica.
Ser sal e gua uma conjuno de atributos que quando coinstanciados desrespeitam alguma
lei qumica. E assim por diante.
Acredito que, uma vez que tais atributos se comportam estranhamente, no sentido em
que suas instanciaes iriam contra uma lei fundamental da realidade (o que os tornar
necessariamente no instanciados), ento temos motivos para recusar tais atributos em nossa
ontologia. O fato da instanciao de um atributo no estar de acordo com leis fundamentais,
deve haver algo de errado com o prprio atributo. Acredito que de fato h algo de errado em
admitir a existncia de tais atributos em uma ontologia realista; a partir de agora passo a
mostrar o que h de errado com eles (acredito que o problema fundamental da categoria dos
atributos necessariamente no instanciados, no apenas desse tipo que estou tratando, como j
dito).
Para mostrarmos o que h de errado com os atributos necessariamente no
instanciados, primeiramente colocarei o argumento de uma forma geral, para em seguida
entrar em seus pontos problemticos. Consideremos inicialmente uma condio necessria
(provavelmente, no suficiente) para algo ser um universal: ser uma entidade instancivel.
Logo, ser quadrado satisfaz essa condio necessria para algo ser universal, uma vez que
vrias coisas podem ser quadradas ao mesmo tempo. Mas suponha que exista a propriedade
de ser quadrado e redondo; ela no instancivel, consequentemente no ser universal, uma
vez que os universais so instanciveis. Resta-nos, pois, duas alternativas para um atributo
-
43
conjuntivo como este (se temos uma ontologia realista): ou ele uma entidade particular17, ele
uma relao formal ou ele de uma categoria totalmente diferente das admitidas pelo
realismo. implausvel pensar que tal propriedade da categoria dos particulares e das
relaes formais18. A terceira opo parece pouco econmica ontologicamente, uma vez que
estaramos admitindo uma nova categoria de entidades, e essa categoria no parece ter
qualquer poder explicativo em nossas teorias. Mas se tal propriedade no nem universal,
nem particular, nem uma relao formal e nem temos motivos para pensar que h uma
categoria totalmente diferente para acomodar esses atributos, temos motivos para pensar que
tais atributos no existem, pois tudo que existe tem de pertencer a uma, e somente uma, dessas
categorias (universal, particular ou relao formal), e ainda, exercer alguma funo em nosso
sistema de categorias. O argumento vale para qualquer atributo no instancivel. O que h de
errado com esse tipo de atributo , pois, no pertencer a uma dessas categorias que
supostamente toda entidade deveria pertencer. (Assim como os atributos do tipo (2) e para
qualquer outro atributo necessariamente no instanciado: eles no pertencem a qualquer
daquelas categorias e, portanto, parece que podemos recus-los).
Para sustentar o argumento acima temos que responder a uma pergunta: ser
instancivel uma condio necessria para algo ser universal?
Acredito que a resposta a esta pergunta sim. Para vermos porque, notemos
primeiramente que na discusso em torno da categoria dos atributos podemos separar duas
questes (muitas vezes no separadas): (i) h atributos? Os realistas aristotlicos, platnicos e
tericos dos tropos respondem que h, enquanto os demais nominalistas procuram no se
17
Se consideramos os tipos de entidades que temos chamado de particular ao longo da histria, no
encontramos entre elas nada parecido aos atributos necessariamente no instanciados. Eles no so tropos,
nem substratos nus, nem substncia aristotlica, e nem recortes mereolgicos. Portanto, no se enquadra em
nenhuma das candidatas a categoria dos particulares. 18
Dependendo de uma teoria sobre universais, seja ela realista ou nominalista, haver determinadas relaes
ditas formais. Aqui menciono relaes formais que so aceitas por realistas. Mas podemos mencionar aqui
outras relaes desse tipo admitidas por teorias nominalistas: assemelhar-se a e ser membro de; relaes
admitidas pelos nominalistas da semelhana e pelos nominalistas das classes, respectivamente.
-
44
comprometer com a categoria dos atributos (sejam particulares ou universais). (ii) Os
atributos so universais? Os realistas (aristotlicos e platnicos) respondem que sim, enquanto
o terico dos tropos responde que no. Parece que todos os envolvidos na discusso admitem
que os universais, se existem, so entidades instanciveis (relaes, propriedades e tipos);
porm, os nominalistas recusam a existncia desse tipo de entidade, enquanto os realistas
admitem-nas em sua ontologia. Em relao aos particulares, quando consideramos o
nominalismo e o realismo encontramos uma maior variedade deles: teorias como o
nominalismo da semelhana admitem apenas indivduos (eu, esse folha de papel, o IFCS etc.)
como particulares; o nominalismo dos tropos e a teoria aristotlica das quatro categorias
admitem atributos particulares, por vezes chamados tropos. H tambm teorias sobre os
particulares que postulam a existncia de um substrato nu, que seria o fundamento da
diferena entre os indivduos. A categoria dos particulares , portanto, mais difusa do que a
dos universais: h uma maior unidade entre as entidades que compem a categoria dos
universais do que entre as que compem a categoria dos particulares. Contudo, para uma
teoria especfica dos particulares teremos uma categoria bem definida: para o nominalismo da
semelhana, por exemplo, os particulares so qualquer recorte mereolgico que podemos
fazer da realidade. Mas em relao aos universais, independente da teoria que aceitemos, seja
nominalista ou realista, admitimos, para comeo de discusso, que os universais so entidades
multiplamente instanciveis (em um sentido mnimo). Mas em relao aos particulares no h
como dar uma caracterizao mnima para comear o debate em relao a eles, sem j
estarmos de acordo com uma teoria especfica dos particulares. Portanto, uma caracterizao
de universais como entidades instanciveis teoricamente neutra, de modo que isso justifica,
ou pelo menos nos d um bom motivo para pensar que ser instancivel uma condio
necessria para algo ser um universal. As entidades que no so universais sero particulares
-
45
ou sero relaes formais, essas duas ltimas sendo mais difceis de ter uma caracterizao
teoricamente neutra.
Temos que salientar aqui que no podemos caracterizar os particulares como entidades
no universais, isso porque muitos filsofos esto dispostos a admitir as chamadas relaes
formais; essas no seriam suscetveis de serem categorizadas como universais ou como
particulares; mas ainda sim teramos que admitir (de alguma forma) tais entidades em nossa
ontologia pelo fato delas terem um papel fundamental em nossas teorias. Exemplos dessas
relaes formais so a instanciao, identidade, dependncia, entre outras. Consideremos a
relao de instanciao. Tal relao tem um papel fundamental em uma ontologia realista: a
relao que h entre universais e particulares; ela , portanto a relao entre duas categorias
ontolgicas distintas. Mas se admitimos que tal relao universal, estaremos sujeitos, por
exemplo, regresso de Bradley (discutida no captulo 1). Dizer que ela particular errado
uma vez que ela ocorre entre vrios pares de entidades. Portanto, teramos que admitir tais
relaes como um fato bruto do mundo. Assim, se tais filsofos esto certos, no plausvel
dizer que tudo aquilo que universal um particular, mas teramos de admitir tambm as
relaes formais como uma entidade no universal. Mas isso no problema para o meu
argumento, pois penso que os atributos necessariamente no instanciados no so relaes
formais tambm. O motivo para pensar isso o simples fato de que se tais atributos existem,
no tm qualquer papel fundamental em nossa ontologia como supostamente tm as relaes
formais para a ontologia realista. Eles no so capazes de exercer alguma funo em um
sistema de categorias como o fazem as relaes formais. No caso da instanciao, para a
ontologia realista, ela tem um papel fundamental na medida em que ela relaciona entidades de
duas categorias ontolgicas diferentes, da categoria dos universais e da categoria dos
particulares.
-
46
Acredito, portanto, que de fato uma condio necessria para algo ser universal ser
instancivel, pelo motivo simples de ser uma caracterizao neutra a qualquer teoria no debate
sobre os universais, seja uma teoria realista, seja uma teoria nominalista.
Passemos agora a uma possvel objeo de Loux. A objeo seria a seguinte: no
existindo em qualquer mundo possvel, porque ento temos a intuio de que a frase o
quadrado redondo um atributo expressa uma proposio necessariamente verdadeira? que
aquela frase necessariamente verdadeira uma das premissas do seu argumento! Esse
atributo, poderia argumentar Loux, apesar de no ser instancivel, tem de existir de alguma
forma para que a proposio expressa por aquela frase seja verdadeira; e mais, em todos os
mundos possveis. E uma vez que tal atributo existe de alguma forma em algum mundo,
parece absurdo dizer que ela no existe dessa mesma forma nos demais mundos possveis. De
modo que teramos que admitir a existncia necessria de atributos necessariamente no
instanciados, como por exemplo, a do atributo de ser quadrado e redondo.
A minha resposta que ou tal proposio ou falsa, ou no tem valor de verdade, mas
no , de modo algum, verdadeira. Se tenho motivos para pensar que a propriedade de ser
quadrado e redondo no existe, ento posso acreditar que a expresso predicativa ser
quadrado e redondo falha em expressar algum atributo. Se tal expresso no consegue
expressar alguma propriedade existente, ento a frase ser quadrado e redondo um atributo
ou expressar uma proposio falsa, ou expressa uma proposio que no tem valor de
verdade. Isso depender da nossa teoria acerca das frases sobre entidades no existentes: elas
so falsas ou simplesmente no tm valor de verdade.
importante notar aqui que h uma diferena fundamental entre predicados e
atributos. No se segue que para todo predicado com sentido h um atributo correspondente.
Isso mostra o paradoxo de Russell em relao propriedade de no instanciar a si mesmo. H
-
47
tambm a interpretao da discusso de Wittgenstein do predicado jogo, segundo a qual no
necessrio que tenhamos um atributo universal para cada predicado da linguagem19.
Constatamos que a frase quadrado redondo um atributo tem uma estrutura sinttica
perfeita, porm, podemos acreditar, ocorre nela um predicado que no expressar qualquer
atributo de fato existente. No parece, portanto, que uma frase como aquela deva ser tomada
como verdadeira, precisamos de um bom motivo para pensar isso, e acredito que tal motivo
no h.
Outra pergunta que Loux poderia fazer : mas ento no seria verdadeira a frase
quadrado redondo no universal? A