VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013
Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar
1
A Agenda 21 escolar no estado de São Paulo: semelhanças e diferenças
nas políticas públicas de educação ambiental
Lilian Giacomini Cruz
Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Educação para a
Ciência, FC / UNESP, Bauru/ SP.
Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis
Docente, Departamento de Educação do IB-UNESP, Botucatu/SP;
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, FC / UNESP, Bauru/SP.
Resumo:
Sendo um dos signatários da “Agenda 21”, o principal resultado da Conferência que
ficou conhecida como Rio-92, o Brasil comprometeu-se em implantá-la em diferentes
níveis políticos e sociais. A proposta de sua implantação nas escolas veio somente em
2003, quando se formou o Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental.
O Programa “Vamos Cuidar do Brasil com as escolas” ofereceu para orientar o
trabalho, a publicação “Formando Com-Vida: construindo Agenda 21na Escola”. No
Estado de São Paulo, a proposta foi apresentada como “Água Hoje e Sempre: consumo
sustentável”. Este estudo tem como objetivo analisar a implantação da Agenda 21 nas
escolas do estado de São Paulo protagonizada pelas duas diferentes instâncias: a federal
e a estadual paulista. Embora com conteúdos diferentes, essas instâncias têm em comum
a definição de políticas públicas que se ajustam aos processos de globalização
econômica e cultural, que trazem aos países desafios semelhantes.
Palavras-chave: Educação Ambiental Escolar, Agenda 21, Políticas Públicas de
Educação Ambiental
Abstract:
As a signatory of the "Agenda 21", the main outcome of the conference which became
known as Rio-92, Brazil pledged to deploy it in different political and social levels. The
proposal for its implementation in schools came only in 2003, when it formed the
Managing Agency of National Policy for Environmental Education. The program
"Vamos Cuidar do Brasil com as escolas" offered to guide the work, the publication
"Formando Com-Vida: construindo Agenda 21na Escola". In São Paulo, the proposal
was presented as "Água Hoje e Sempre: consumo sustentável." This study aims to
analyze the implementation of Agenda 21 in schools in the state of São Paulo led by the
two different levels: the federal and state public. Although different contents, these
instances have in common the definition of public policies that fit the processes of
economic and cultural globalization that bring to countries similar challenges.
Keywords: Environmental Education School. Agenda 21. Public Policies for
Environmental Education.
2
Introdução
A Agenda 21 é resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como Rio-92, e pactuou
compromissos socioambientais possíveis para o desenvolvimento sustentável definindo
ações e metas para enfrentar – segundo os princípios econômicos dos países signatários
- os problemas ambientais no mundo. Estes países comprometeram-se em implantá-la
em diferentes níveis políticos e sociais, no caso do Brasil, nos níveis nacional, estadual
e municipal.
Com relação à educação ambiental (EA), esses compromissos possíveis
encontram-se expressos no capítulo 36 da Agenda 21 intitulado “Promoção do Ensino,
da Conscientização e do Treinamento”. Nele podemos encontrar a proposta para o
fortalecimento de atitudes, valores e ações consideradas ambientalmente saudáveis na
perspectiva do desenvolvimento sustentável. Segundo o documento, esse fortalecimento
passa pela promoção do ensino, da conscientização e do treinamento.
No Brasil, a implantação do capítulo 36 da Agenda 21, contribuiu para estimular
um rico e caloroso debate acerca dos conceitos de educação, desenvolvimento
sustentável e sustentabilidade. Franco (2006) identifica essas discussões especialmente
em torno da temática “educação para a sustentabilidade”. Esse debate coloca em
confronto a EA na Agenda 21 – a educação para o desenvolvimento sustentável – e a
EA no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global e na Carta da Terra, elaborados no Fórum Global 92
promovido por entidades da sociedade civil. O confronto coloca de um lado as posições
dos governos, representantes dos países signatários da Agenda 21, e de outro as
posições dos movimentos ambientalistas (no plural) e seus simpatizantes.
De acordo com Oliveira (2007), o Brasil, em junho de 1992, foi um local
estratégico1 para a realização da Rio - 92, onde o objetivo foi criar a aparência de um
debate amplo e democrático, entre todos os participantes de praticamente todas as
nações do mundo, sobre as possíveis soluções para os grandes problemas ambientais.
Mas, ao contrário desta aparência dialógica, o evento foi verdadeiramente o palco
escolhido para a aclamação do desenvolvimento sustentável enquanto mecanismo de
transformação dos problemas ambientais em lucros crescentes.
Por outro lado, no Fórum Internacional das Organizações Não Governamentais
(ONGs), evento paralelo à Rio-92, o movimento ambientalista pactuou o Tratado de
Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Para
que possamos compreender as bases sociais e políticas desse documento, lembremos
que o movimento ambientalista não é homogêneo, ele tem diferentes correntes, com
1 A escolha do Brasil como sede da ECO – 92 ocorreu imediatamente após a realização, em novembro de
1989, em Washington, do encontro convocado pelo Instituto de Economia Internacional, do qual
participaram funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros ali sediados – FMI,
Banco Mundial e BID –, além de economistas latinos. A temática do evento era a avaliação das reformas
econômicas dos países da América Latina e, apesar do revestimento acadêmico não-deliberativo, ganhou
grande significação simbólica e acabou recebendo a denominação subseqüente de “Consenso de
Washington”. Esta reunião teve como objetivo a ratificação da proposta neoliberal que o governo
americano vinha insistentemente recomendando, através das entidades internacionais anteriormente
relacionadas, para estabelecimento de políticas de cooperação financeira. Estas idéias obtiveram plena
aceitação dos economistas latinos presentes e foram adotadas em governos de países como México e
Argentina e, no Brasil, durante o mandato presidencial de Fernando Collor de Mello (OLIVEIRA, 2007,
p4).
3
diferentes ideias, estratégias e práticas. No entanto, podemos afirmar que uma unidade
de princípios, construída na diversidade, se manifesta: o posicionamento contrário às
políticas de desenvolvimento sustentável. Mais do que isso, esses ambientalistas têm
denunciado o desgaste que a própria ideia de sustentabilidade vem sofrendo por ter sido
apropriada pelos representantes do modelo de desenvolvimento hegemônico no cenário
internacional. Assim, substituir a expressão desenvolvimento sustentável pela ideia de
“construção de sociedades sustentáveis” tem implicações teóricas, políticas e sociais
profundas, que revelam diferentes paradigmas para sua compreensão.
Segundo Oliveira (2007), os eventos paralelos que reuniram ONGs, movimentos
sociais e ativistas políticos foram tratados pela mídia, de maneira geral, como um
prolongamento festivo do evento. A agenda internacional já estava planejada e faltava a
cooptação universal dos países periféricos e dos próprios movimentos que se
posicionavam criticamente. Além disso, Olivato (2004) afirma que a Agenda 21 sugere,
por exemplo, a „promoção do desenvolvimento sustentável por meio da liberalização do
comércio‟, e neste ponto é possível localizar um dos principais problemas do
desenvolvimento sustentável, pois, segundo Rebêlo Júnior (2002, p. 109):
[...] a liberalização do comércio internacional, principalmente em países em
desenvolvimento, significa a morte de qualquer política nacional. De um
modo geral, esses países não possuem indústrias competitivas em nível
internacional, o que permite a perda significativa de mercado.
Em 2012, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a Rio+20, também
no Rio de Janeiro, cujo principal objetivo – frustrado – foi definido como avaliação e
repactuação de metas de proteção ambiental, urgentes e importantes. Avaliação e
repactuação, obviamente, na perspectiva do desenvolvimento sustentável – agora
reforçado e explicitado pela ideia de “economia verde”. Paralelamente à Rio+20,
tivemos também a reunião dos movimentos sociais, a Cúpula dos Povos, realizada pela
sociedade civil organizada nas ONGs. Na Cúpula rediscutimos as questões ambientais
na perspectiva crítica e revisitamos o Tratado. Podemos identificar a importância de
mais uma revisita ao documento de 1992 na fala de Moema Viezzer, coordenadora da
Segunda Jornada Internacional do Tratado realizada durante esses eventos:
Nossa meta na Conferência é que seja fortalecida uma rede planetária de
educação para sociedades sustentáveis e que haja incentivo a mudanças
graduais nas políticas públicas. Questionamos a atitude de se pensar o mundo
a partir da economia, sem ter princípios em valores socioambientais e
culturais (RESK, 2012, n.p.).
A proposta da Agenda 21 Escolar
É no interior desse debate, refletindo essas contradições, que a proposta da
Agenda 21 Escolar aparece e começa a ser implantada nas escolas brasileiras. O
Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que
passaram a trabalhar juntos na EA no nível federal, vêm desenvolvendo ações conjuntas
desde 2003, ano de regulamentação da Lei n° 9.795/99, que instituiu a Política Nacional
de Educação Ambiental (PNEA). O Órgão Gestor da Política Nacional de Educação
Ambiental (OG-PNEA), para responder às demandas da implementação da PNEA,
organizou-se em linhas de ação que conferem maior potencial de organicidade e
4
viabilização de ações estruturantes. Entre as linhas de ação destacamos aquelas que se
referem especificamente à educação escolar, tema deste estudo.
A Coordenação Geral de Educação Ambiental (CGEA) do MEC – que o
representa no Órgão Gestor - criou em 2004 o Programa “Vamos Cuidar do Brasil com
as escolas: sistema de Educação Ambiental no ensino formal”, por meio do qual
elabora e implanta políticas públicas para o fortalecimento da EA nas escolas dos
estados e municípios.
Os materiais oferecidos pela CGEA para orientar as discussões foram:
“Consumo Sustentável: manual de educação”, e o “Com-Vida / Agenda 21”, que
enfatiza a reflexão da EA na perspectiva política, pedagógica e sustentável.
No Estado de São Paulo, a proposta da Agenda 21 Escolar foi apresentada pelo
material “Água Hoje e Sempre: consumo sustentável”, publicado pela Secretaria de
Estado da Educação de São Paulo (SEE/SP) e Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas (CENP) em 2004. Esse material veio da necessidade diagnosticada pela
CGEA/MEC, no estudo intitulado “Panorama da Educação Ambiental no Ensino
Fundamental” (2001), que a despeito da oferta do grande número de projetos
ambientais às escolas, apoiados por materiais pedagógicos e formação de professores,
ainda havia a necessidade de promover políticas públicas para ampliar e consolidar a
EA nas escolas. Diante disso, a SEE/SP decidiu desenvolver um programa para
formação de professores em EA (GARDEL, 2009). Apesar de terem sido publicadas por diferentes instâncias de governo (federal e
estadual) e de apresentarem semelhanças e diferenças, essas publicações preconizam a
implantação da Agenda 21 nas escolas.
Lambertucci (2008), ao analisar diversos materiais desenvolvidos no nível
federal e no estado de São Paulo, analisou os dois documentos vinculados à proposta da
Agenda 21 Escolar: “Formando COM-VIDA: Construindo Agenda 21 na Escola”
(MEC/MMA) e “Água Hoje e Sempre: Consumo Sustentável” (SEE/SP). Essa análise
concluiu que, embora produzidas por instâncias diferentes, essas propostas devem ser
entendidas no interior das políticas públicas elaboradas pelo Estado, visando à
implantação da Educação Ambiental nas escolas. De forma mais específica, essa autora
assinala em sua investigação que, no caso destes documentos especificamente, as
políticas sob as quais eles foram elaborados resultam de Acordos Internacionais:
A pesquisa revelou que estas políticas, presentes no Estado brasileiro desde a
década de 1970, apresentam-se, de maneira geral, vinculadas aos Acordos
Internacionais dos quais o Brasil é signatário. Foi possível destacar algumas
Conferências, Programas e publicações realizadas no âmbito internacional
que constatei contribuíram e inspiraram a elaboração de políticas voltadas
para o enraizamento da Educação Ambiental no Brasil. A pesquisa revelou
também que a partir destes grandes eventos o Estado brasileiro foi criando
leis e programas com o objetivo de cumprir as metas propostas pelos Acordos
Internacionais elaborados nestes grandes eventos (LAMBERTUCCI, 2008,
p.173).
Diante disso, definimos como objetivo do estudo apresentado neste texto, a
análise da Agenda 21 Escolar, como uma proposta de Estado, protagonizada pelas duas
diferentes instâncias em questão: a instância federal e a estadual paulista. Para isto,
apresentaremos a seguir a análise de alguns autores sobre esta questão, para, a seguir,
elaborarmos nossas próprias considerações tendo como referência a educação ambiental
5
crítica que emerge da Pedagogia Histórico-Crítica formulada por Saviani (2008) e
muitos outros colaboradores.
A Agenda 21 para as escolas do estado de São Paulo: as análises dos autores sobre
as propostas federal e estadual
De acordo com Weissmann e Llabrés (2001), da mesma maneira que as cidades
têm que assumir compromissos para tornar possíveis as soluções planetárias, as
entidades e associações civis, as empresas e demais profissionais, assim como todas e
cada uma das personagens que convivemos, temos que assumir nossa parcela de
responsabilidade no desenvolvimento dos projetos de sustentabilidade em escala local.
Neste contexto, as escolas têm, segundo as autoras, especial relevância. Se por um lado,
por sua função educativa específica, têm um papel fundamental para ajudar na análise e
compreensão da realidade complexa, por outro, a comunidade educativa constitui um
pequeno modelo de cidade em que é possível experimentar ou “ensaiar” processos e
soluções em escala reduzida.
A Agenda 21 Escolar, ao espelhar-se nas metodologias propostas pela Agenda
21 Global, “pressupõe um processo de construção coletiva, desenvolvendo
metodologias de trabalho ativas, baseadas na participação da comunidade envolvida, no
diálogo, na troca de experiências” (FRANCO, 2006, p.10).
Com relação ao documento estadual, Lambertucci (2008) afirma:
Com 256 páginas, está dividido em um texto de apresentação, uma “Carta
para os Professores”, um texto introdutório e um texto de apoio para os
professores sobre a proposta de dois projetos. Além destes textos o material
apresenta seis capítulos sendo que os três primeiros apresentam sugestões de
atividades elaboradas para os alunos do Ensino Fundamental Ciclo I e os três
últimos capítulos apresentam sugestões com atividades elaboradas para os
alunos do Ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio. O material
apresenta, ao final, atividades complementares, sendo que um texto é
direcionado para o professor de Arte e outro para os professores de Ciências
e Biologia, apresentam, ainda sugestões de atividades para os alunos. Ao
final apresenta um texto para a construção da Agenda Ambiental na Escola, a
bibliografia consultada e endereços eletrônicos de órgãos governamentais,
ONGs, universidades e jornais2 (LAMBERTUCCI, 2008, p.42).
Quanto ao outro documento, de âmbito federal, ela considera que:
Com 42 p., está dividido em um texto de apresentação e mais três partes. Na
primeira parte, os textos têm a função de explicar o que é a “Comissão de
Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola” (COM-VIDA) e a “Agenda
21” na Escola e como elas podem ser organizadas. Na segunda parte há
sugestões de oficinas para a preparação da “Agenda 21 Escolar” e referências
bibliográficas. Na terceira parte constam os anexos: um modelo do “Acordo
de Convivência da COM-VIDA”; as principais organizações na escola:
grêmio estudantil, associação de pais e mestres, conselho de escola, sendo
que há explicações sobre cada uma delas; as leis e diretrizes que reforçam a
existência da COM-VIDA; a “Carta Jovens Cuidando do Brasil –
Deliberações da Conferência Infanto-Juvenil”; a “Plataforma das ações
2 Grifos nossos.
6
prioritárias da Agenda 21 Brasileira” com seus 21 objetivos e endereços
eletrônicos de órgãos governamentais (LAMBERTUCCI, 2008, p.43).
Outra autora, Orsi (2008), também analisou os dois documentos que divulgaram
a proposta da Agenda 21 Escolar nas escolas da SEE/SP, identificando que, embora
ambos orientem a construção da Agenda 21 Escolar, são muito diferentes, pois
apresentam objetivos, procedimentos, atividades, configuração, enfoque e extensão
diversos.
Apesar de tão distintos, ao analisarmos especificamente a proposição da
construção da Agenda 21 Escolar (que no caso do documento federal inclui o
documento inteiro e, no caso do documento estadual, inclui apenas uma
seção deste – a penúltima), tanto o documento federal quanto o estadual
apresentam essencialmente os mesmos “passos”. Embora apresentem estes
mesmos passos, as dinâmicas e a sequência propostas para a concretização
dos mesmos são diferentes (ORSI, 2008, p.91).
Para melhor visualização das diferenças e semelhanças entre os dois
documentos, essa autora nos apresenta os quadros a seguir:
Quadro 1 – Organização das seções do documento “Formando COM-VIDA: Construindo Agenda
21 na Escola” (ORSI, 2008, p. 59).
7
Quadro 2 – Organização das seções do documento “Água Hoje e Sempre: Consumo Sustentável”
(ORSI, 2008, p. 72).
A Agenda 21 para as escolas do estado de São Paulo: nossas análises sobre as
propostas federal e estadual
Analisando e comparando as publicações federal e estadual de São Paulo para a
implantação da Agenda 21 Escolar, é possível perceber logo na “Apresentação”,
algumas das diferenças entre as duas. Vejamos alguns trechos:
[...] esta publicação, que aborda especificamente os recursos hídricos, traz
aos educadores da rede estadual de ensino uma gama de informações com o
objetivo de ampliar o entendimento desse assunto, destacando maneiras de
abordá-lo na escola. O material apresenta projetos e atividades
interdisciplinares que certamente contribuirão com o trabalho do professor3
na formação de cidadãos conscientes em relação à necessidade de redução do
consumo da água e da conservação da qualidade desse bem essencial à
humanidade (SÃO PAULO, 2004).
Esta publicação convida para a mobilização da comunidade escolar. Suas
páginas apresentam uma proposta dos passos para se criar a Comissão de
Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola – COM-VIDA, e para realizar
a Agenda 214 na Escola (BRASIL, 2004).
3 Grifo nosso.
4 Grifo do autor. A definição de “Agenda 21” é apresentada num boxe explicativo.
8
Diante destas informações, fica clara a diferença no tratamento e/ou a
importância que os documentos conferem à proposta de implantação da Agenda 21
Escolar. O documento federal, já em sua “Apresentação” propõe a formação de uma
comissão para tratar de assuntos de cunho ambiental na escola, e principalmente, da
elaboração coletiva da Agenda 21 Escolar. Ou seja, esse documento trata dos temas
ambientais de forma ampla e seu estudo de forma participativa. Por outro lado, o
material estadual “Água Hoje e Sempre: consumo sustentável”, como o próprio título já
indica, não faz nenhuma menção direta à proposta da Agenda 21 ao longo de toda sua
“Apresentação”, indicando propostas de trabalho diretamente ligadas ao uso e
conservação de recursos naturais, mais especificamente a água. Portanto, logo no início
dos documentos vemos diferentes abordagens para a educação ambiental na escola: uma
proposta mais complexa, coletiva e participativa de estudo dos temas ambientais
considerados de forma ampla, e uma proposta pontual, que trata a educação ambiental
pelo estudo isolado de temas ambientais vinculados, em geral, a algumas disciplinas do
currículo escolar, em particular às disciplinas de ciências e geografia.
Outros conteúdos nos chamam a atenção ainda na “Apresentação”,
principalmente aqueles que dizem respeito à “justificativa” das propostas:
Por tudo isso, os aprendizes de nossas escolas têm de ser despertados para a
dramática situação em que vivemos. Uma situação que se concretiza
principalmente nas grandes metrópoles, lugares onde já são registradas, por
exemplo, políticas radicais de racionamento de água em época de chuvas
escassas. O fato é que vivemos em um mundo complexo, onde coexistem a
riqueza e a pobreza, o excesso e a escassez, a aceleração e o retrocesso.
Crianças e jovens devem aprender a lidar com essa realidade da melhor
forma possível5, colaborando para que o equilíbrio predomine e para que os
desperdícios sejam evitados. Que este material seja mais um passo
importante na concretização deste ideal (SÃO PAULO, 2004).
Daí veio a ideia de continuar o Programa Vamos Cuidar do Brasil, com as
escolas, criando a COM-VIDA e construindo a Agenda 21 para contribuir
com uma Educação Ambiental que nos faça perceber o meio ambiente
como nossa vida, nosso corpo, as florestas, os animais, as águas, o ar, a
terra; nossa escola, nossa rua e também as relações que estabelecemos
com as outras pessoas e as outras culturas6. Assim é possível ter uma
sociedade com gente mais responsável e empenhada em proteger o meio
ambiente, contribuindo com a melhoria da qualidade de vida. [...] vamos
juntos fortalecer a participação para que avancemos na construção de
comunidades sustentáveis7 (BRASIL, 2004).
Comparando os trechos, podemos observar que a justificativa dada pelo então
Secretário da Educação, Gabriel Chalita, que assina a “Apresentação” do material
estadual, nos dá a entender que sua produção teve como objetivo auxiliar os professores
no processo de “conscientização” e/ou “sensibilização” dos alunos da rede estadual de
ensino, quanto aos problemas ambientais atuais. Segundo as palavras do Secretário, tais
problemas existem e “os jovens devem aprender a lidar com essa realidade”. Não há
uma proposta de discussão das causas destes problemas ambientais junto a esses jovens,
e muito menos, a proposta de uma elaboração coletiva de possíveis soluções. A
5 Grifos nossos.
6 Grifo do autor.
7 Grifo do autor. A definição de “comunidade sustentável” é apresentada num boxe explicativo.
9
transformação desta realidade também não está em pauta neste documento. Já o
documento federal, apesar de também não avançar muito nesse ponto, faz referência
expressa à Educação Ambiental, e discute sua importância na transformação da
realidade, trazendo, segundo nossas análises, uma justificativa um pouco mais sólida
para o documento: é clara a ideia de articulação entre a Com-Vida e a construção da
Agenda 21 Escolar.
Seguindo em nossas análises, vejamos a “Introdução” dos documentos.
No documento estadual, é possível identificar sua vinculação aos pressupostos
do desenvolvimento sustentável, conforme proposto pelo Relatório Brundtland,
elaborado pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU,
embora não seja citado nenhum documento de referência:
Hoje convivemos com a difícil tarefa de mudar nossa forma de nos relacionar
com o meio ambiente, pois vivenciamos as consequências de um uso
indiscriminado dos recursos naturais a nossa disposição. Teremos de
aprender a regular nossas ações não apenas em termos de nossas próprias
necessidades, considerando as condições comunitárias e locais, como
também refletir sobre as necessidades de todo o planeta. Temos de tornar
nosso ambiente sustentável para o presente e para as futuras gerações, para os
seres humanos e para os seres vivos (SÃO PAULO, 2004, pg. 10).
Já o documento federal, em sua segunda edição de 2007 (ampliada e revisada),
expressa claramente seu posicionamento contrário ao conceito de desenvolvimento
sustentável: Em 1987, a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento
definiu desenvolvimento sustentável como “a capacidade de satisfazer as
necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras
de suprirem suas próprias necessidades”. Essa famosa definição é bastante
contraditória, pois desenvolvimento, entendido como crescimento econômico
com produção e consumo desenfreados, esgota a capacidade da Terra e torna
a vida insustentável. Vários documentos, como o Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global8 e a
Carta da Terra dizem que precisamos da Terra, da sociedade e da vida
humana sustentáveis (BRASIL, 2007, pg. 9).
Ainda na “Introdução”, a definição do que é a “Agenda 21 Escolar” e o seu
papel/função na escola, apresenta diferentes concepções entre as publicações. Vejamos
a definição apontada pela publicação estadual:
Proposta da Agenda Ambiental na Escola, elaborada pelo Programa Nacional
de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, em que se
especificam as ações de curto, médio e longo prazo necessárias à formação de
atitudes para a redução de consumo e a discussão sobre o uso sustentável da
água – as duas finalidades convergentes destas orientações. Uma proposta
unificadora para a escola, a Agenda sintetiza os compromissos dos
educadores e sinaliza para a participação de diferentes atores e interesses. A
Agenda é um programa de atividades para que a questão da água se mantenha
viva no âmbito escolar, devendo ser continuamente trabalhada pela equipe
pedagógica e administrativa (SÃO PAULO, 2004, pg. 13).
Já a publicação federal, em sua segunda edição, traz a seguinte definição:
8 A publicação federal apresenta este documento em anexo.
10
No nosso caso, a Agenda 21 é um instrumento para a Com-vida planejar suas
atividades, fazer projetos coletivos que possam realmente transformar a
realidade, aumentar seu diálogo com a comunidade de seu município, e se
ligar em uma proposta de Agenda global (BRASIL, 2007, pg. 22).
Podemos perceber, portanto, que ambas as publicações trazem definições
bastante genéricas e até mesmo simplistas sobre a proposta da Agenda 21 Escolar e sua
importância na escola. No caso da publicação estadual, a Agenda 21 Escolar aparece
como uma proposta que “sintetiza os compromissos dos educadores e sinaliza para a
participação de diferentes atores e interesses”. Esta definição, segundo nossas análises,
permite identificar o processo de construção da Agenda 21 Escolar como “pensado”
pelos educadores e transmitido aos demais membros da comunidade escolar.
Lembremos que a proposta é reduzida a um programa de atividades relacionadas ao uso
racional da água, vinculado aos conteúdos curriculares de determinadas disciplinas e
transmitido à comunidade escolar – alunos e demais membros – sob formas tradicionais
de ensino.
Orsi (2008) também analisa a proposta estadual como reducionista, pois é
possível identificar nela a ênfase nos aspectos econômicos do uso da água, notadamente
os que dizem respeito à economia individual do consumo. Não há praticamente nenhum
direcionamento para os aspectos políticos, tecnológicos, sociais, culturais, ou mesmo
econômicos, de forma mais ampla, nem há reflexões sobre a influência que essas esferas
têm sobre a questão ambiental mais geral. O elemento água é amplamente valorizado e
abordado numa perspectiva antropocêntrica e utilitarista da transformação da natureza
em mercadoria.
Quanto à definição dada à Agenda 21 Escolar pela publicação federal, podemos
perceber nos trechos anteriormente transcritos, que ela é compreendida como uma
Agenda 21 Local, isto é, como resultado dos compromissos de cada grupo social,
incluindo a escola. Neste caso, identificamos a necessidade de um esclarecimento maior
sobre como seria seu desenvolvimento no ambiente escolar, ou seja, não há uma
orientação para seu desenvolvimento no universo escolar especificamente. A
especificidade da educação escolar desaparece, neste documento, sob a forma de mais
um “grupo social” que discute coletivamente as questões ambientais que os afeta.
Sobre a “Metodologia” adotada e/ou indicada para a construção da Agenda 21
nas escolas, novamente as publicações expressam perspectivas diferentes. No entanto,
ambas admitem existir “inúmeras maneiras e metodologias de se construir projetos
conjuntos” (BRASIL, 2007, pg.22), ou ainda, que “não há uma fórmula pronta e
acabada para construirmos a Agenda Ambiental”, pois, cada lugar, cada ambiente, cada
escola tem suas características próprias e a agenda deve levar isto em consideração
(SÃO PAULO, 2004). Em comum, as duas publicações orientam a formação de uma
“comissão” responsável pela organização e acompanhamento do processo de construção
da Agenda.
A publicação estadual orienta que a comissão, após sua formação, ficará
responsável por realizar um diagnóstico identificando o que deve ser corrigido,
melhorado ou modificado na escola:
11
A Comissão deverá aplicar um questionário para saber como as pessoas veem
a escola, o que elas apontam como negativo (o que exige correção) e quais as
suas sugestões para melhorar o ambiente. Por meio desta consulta, a
comunidade escolar deverá avaliar fisicamente a escola (prédios, salas,
móveis, equipamentos, instalações elétricas, de água, esgoto, área verde,
cantina, etc.) e também as rotinas e procedimentos adotados de forma
individual ou coletiva (SÃO PAULO, 2004, pg. 246).
A comissão deverá, portanto:
1. Classificar: organização dos problemas em grupos (administrativos,
comportamentais e infraestrutura);
2. Quantificar: identificação de indicadores para avaliação e fixação de metas;
3. Qualificar: através de conceitos como: “ótimo”, “bom”, “regular” e
“péssimo”, identificar o pensamento do grupo a respeito de cada aspecto analisado.
Cumpridas essas etapas, a proposta metodológica orienta a definir-se “o quê” e
“como” agir para se chegar às soluções. Afirma ainda que é necessário identificar,
claramente quais as causas e/ou origens dos problemas para, e em seguida, elencar as
soluções a serem adotadas para eliminar cada causa (SÃO PAULO, 2004). Essa
publicação destaca também a necessidade da adoção de um sistema de
acompanhamento e avaliação das ações realizadas por meio de observações e relatórios.
É interessante como é colocada a observação: “as observações são aquelas identificadas
no dia-a-dia, visualmente claras” (SÃO PAULO, 2004, pg. 250).
A publicação federal apresenta a “Oficina de Futuro9”, como “uma técnica que
ajuda a conduzir os passos de preparação da Agenda 21 na Escola e de qualquer outro
projeto coletivo” (BRASIL, 2004, pg. 15). Essa Oficina de Futuro consiste em uma
série de passos ou etapas com duração que podem variar de acordo com o ritmo e o
aprofundamento que o grupo deseje. Estas etapas são:
1) Árvore dos Sonhos: corresponde ao momento de estabelecer os objetivos que
se quer obter ao final de um período determinado;
2) As pedras no Caminho: momento de discussão dos desafios, das
dificuldades, dos problemas, das angústias do grupo frente a uma temática.
3) Jornal Mural: viagem ao passado e ao presente: é o momento de entender
que os problemas existentes hoje tiveram uma origem que, se identificada,
nos ajuda resolvê-los definitivamente.
4) Com-Vida para a ação: momento de definição de metas e prazos que ajudam
a realização das propostas e documentem os compromissos assumidos.
De acordo com Orsi (2008), pelas ações propostas, o documento dá grande
ênfase à democracia e à participação democrática. A própria dinâmica sugerida para a
construção da COM-VIDA, assim como para a formulação e implementação da Agenda
21 Escolar (Oficina do Futuro), é democrática. Sugere-se sempre que todos possam
participar das decisões, através de discussões e negociações.
A publicação federal também propõe um programa de monitoramento e
avaliação, e apresenta algumas dicas de instrumentos. Para o monitoramento, propõe
que depois de cada atividade, se faça uma rodada com os participantes respondendo a
três questões: “Que bom que... Que pena que... Que tal se...” (BRASIL, 2007).
Quanto à avaliação, a publicação propõe que sejam realizadas entrevistas com as
pessoas e com os parceiros que se envolveram no projeto, além de aplicar questionários
antes e depois do projeto para comparar os resultados ao longo do tempo. Sugere
9 Trata-se de uma metodologia criada pela ONG Instituto ECOAR para a cidadania.
12
também que sejam aproveitados os dados que já existentes, como os formulários do
Censo Escolar (BRASIL, 2007, pg. 27).
Além disso, também é proposta por esta publicação, a formação de “amizades e
parcerias”, pois “com parcerias – dentro e fora da escola – aumentam as chances da
Agenda 21 na Escola dar certo, afinal, vários dos problemas para os quais a Com-vida
pretende buscar solução não são apenas assunto da escola” (BRASIL, 2007, pg. 28).
Considerações Finais
Um balanço entre as duas propostas de implantação da Agenda 21 Escolar
apresentadas às escolas paulistas, aponta que a proposta do estado de São Paulo traz
uma concepção até certo ponto superficial de educação ambiental, além de ser muito
prescritiva e normativa no que diz respeito à forma de educar, ou melhor, à concepção
de educação. Desde a apresentação do material, como um roteiro de atividades e/ou um
receituário que, se trabalhado pelos professores em sala de aula, pode trazer resultados
positivos, até a fundamentação teórica sobre aprendizagem como “mudança de
comportamentos”.
Sabemos do caráter tecnicista da enorme influência do behaviorismo como
abordagem do processo de ensino aprendizagem no Brasil, abordagem essa já superada
nas discussões sobre a educação numa perspectiva emancipatória (SAVIANI, 2008).
Além disso, Loureiro (2012, pg. 79) destaca que “defender a ideia de que mudar
comportamento é sinônimo de mudar a realidade é apostar que as relações se dão
sempre do indivíduo para o outro, por somatório e bom exemplo”, ou seja, “não há
dialética entre eu-outro, mútua determinação”.
Esse individualismo epistemológico e metodológico, além das graves
consequências no campo da educação, configura-se no campo ambiental, como
considera Loureiro (2012, pg.79), com um novo moralismo, agora ambiental:
Como os sujeitos são isolados do contexto, uma análise moralista fica
facilitada. O problema deixa de se situar no lugar do sujeito nas relações de
produção e na vida cotidiana, e passa para a esfera do julgamento moral: este
é “bom” ou “mal” (valores cujos conteúdos são definidos pelos grupos
hegemônicos em determinada cultura). Assim, o problema deixa de ser
primordialmente as relações sociais e passa a ser o indivíduo. Logo, não há
problema em ser proprietário capitalista, desde que este seja bom.
A proposta federal nos parece mais ampla por dar grande importância na
participação dos envolvidos, garantindo condições para a mediação mais autônoma do
professor. Por outro lado, esse material enfatiza a dimensão da participação em
detrimento das dimensões do conhecimento e dos valores, e, neste caso, segundo Orsi
(2008), assume o considerável risco de propor ações que resultem num ativismo sem
grande força para provocar mudanças significativas. O individualismo aqui também não
foi superado.
No entanto, as duas propostas têm “filiação” com as políticas de educação
ambiental propostas pelo poder público de um Estado que cada vez mais se
desresponsabiliza pela educação e pelas questões ambientais, o que nos leva a concluir
que a implantação da Agenda 21 Escolar, como da própria Agenda 21, é permeada por
disputas entre aqueles que a propõe – os governos – e aqueles que as deveriam executar
– os sujeitos concretos que atuam nas escolas: gestores, professores, funcionários,
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alunos e pais de alunos. Essas disputas dizem respeito às formas históricas, políticas e
sociais das relações entre a sociedade e o ambiente em que vivem.
Para Höfling (2001), para melhor compreensão e avaliação das políticas
públicas sociais implementadas por um governo, é fundamental a compreensão da
concepção de Estado e de política social que sustentam tais ações e programas de
intervenção. Visões diferentes de sociedade, Estado e política educacional geram
diferentes projetos de intervenção nesta área.
É importante ressaltar, que entendemos políticas públicas como o “Estado em
ação” (GOBERT E MULLER, 1987 apud HÖFLING, 2001, pg. 31), ou seja, é o Estado
concretizado por um projeto de governo, através de programas e de ações voltadas para
concretizar este projeto em setores específicos da sociedade. Segundo Höfling (2001),
as políticas sociais (usualmente entendidas como as de educação, saúde, previdência,
habitação, saneamento etc.) se referem a ações que determinam o padrão de proteção
social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos
benefícios sociais com vistas à diminuição das desigualdades estruturais produzidas
pelo desenvolvimento socioeconômico.
Nestes termos, entendemos a educação como uma política pública social, de
responsabilidade do Estado, mas não pensada somente por seus organismos. As
políticas sociais assumem características diferentes em diferentes sociedades e
diferentes concepções de Estado, ou seja, é impossível pensar Estado fora de um projeto
político e de uma teoria social para a sociedade como um todo. Assim, em uma
sociedade como a nossa, sob o modo de produção capitalista em sua versão neoliberal,
as políticas públicas sociais são vistas pelos setores hegemônicos da sociedade como
verdadeiros obstáculos para o desenvolvimento, compreendido como crescimento
econômico, e responsáveis, em grande parte, pelas crises econômicas que atravessam as
sociedades. A intervenção do Estado, nesta perspectiva neoliberal, constituiria uma
ameaça aos interesses e liberdades individuais, inibindo a livre iniciativa, a concorrência
privada, e podendo bloquear os mecanismos que o próprio mercado é capaz de gerar
com vistas a restabelecer o seu equilíbrio (HÖFLING, 2001).
Mas, segundo Sorrentino et al (2005), a educação ambiental, enquadra-se
naquilo que Bourdieu (1998) denominou “a mão esquerda do Estado”, que reúne
trabalhadores sociais, educadores, professores e cujas ações são ignoradas pela chamada
“mão direita do Estado” (áreas de finanças, de planejamento, bancos). Ainda segundo
os autores, ao operar na reparação dos danos sociais e ambientais sob a lógica de
mercado, os sujeitos da “mão esquerda” podem se sentir iludidos e desautorizados em
função dos paradoxos vividos de forma crônica como falta de recursos para a luta pela
biodiversidade, por exemplo, convivendo com avanço das fronteiras agrícolas por
monoculturas ou transgênicos, grandes obras com alto impacto.
Sendo assim, neste atual modelo de sociedade, não se defende a
responsabilidade do Estado em relação ao oferecimento de educação pública de
qualidade a todo cidadão, e nem em relação às questões ambientais. Cabe aqui,
portanto, retomar a discussão sobre a transferência de responsabilidade deste Estado
com relação à Educação e ao Meio Ambiente. Segundo Höfling (2001), esta
transferência da responsabilidade de execução das políticas sociais às esferas menos
amplas, é entendida como uma forma de aumentar a eficiência administrativa e de
reduzir os custos. Nestes termos, coerentes com a defesa e referência essencial aos
princípios da liberdade de escolha individual e do livre mercado, as políticas
educacionais neoliberais postulam ações do Estado descentralizadas, articuladas com a
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iniciativa privada, a fim de preservar a possibilidade de cada um se colocar, de acordo
com seus próprios méritos e possibilidades, em seu lugar adequado na estrutura social:
Em um Estado de inspiração neoliberal as ações e estratégias sociais
governamentais incidem essencialmente em políticas compensatórias, em
programas focalizados, voltados àqueles que, em função de sua “capacidade e
escolhas individuais”, não usufruem do progresso social. Tais ações não têm
o poder – e frequentemente, não se propõem a – de alterar as relações
estabelecidas na sociedade (HÖFLING, 2001, pg. 39).
Ball (2001) também discute esta questão, indicando o desaparecimento gradual
da concepção de políticas específicas do Estado Nação nos campos econômico, social e
educativo e, concomitantemente, o abarcamento de todos estes campos numa concepção
única de políticas para a competitividade econômica, abandonando ou marginalização
os propósitos sociais da educação. Além disso, o autor afirma que estaríamos
caminhando para aquilo que poderia ser chamado “o fim da política”, pois, é cada vez
mais difícil distinguir as políticas educativas de partidos políticos tradicionalmente
rivais que são definidas por manifestações da globalização dos “discursos ideológicos
que balizam as políticas educativas ao nível nacional” (TAYLOR, RIZVI, LINGARD &
HENRY, 1997 apud BALL, 2001, p.100). As diferenças entre elas, ainda segundo o
autor, são dadas pela ênfase em um ou outro ponto, muito mais do que pela distinção
entre as propostas. Tal como Giddens (1994, apud BALL, 2001, pg. 100) argumenta,
“já superamos a caracterização de esquerda e direita”, configurando um momento “pós-
político”, apresentado como essencialmente pragmático e livre de ideologia. Nada mais
ideológico do que esse discurso.
Quando tomamos as propostas explicitadas pelas publicações para a implantação
da Agenda 21 Escolar, no interior dessas reflexões, identificamos que elas foram
elaboradas nas diferentes esferas de governo, com seus representantes filiados a partidos
políticos formalmente rivais, o Partido dos Trabalhadores (PT – no governo federal) e o
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB – no governo estadual). No entanto,
apesar de apresentarem diferenças nas concepções de educação ambiental e nas
propostas didáticas e metodológicas, no fundo elas se identificam, ou seja, são políticas
públicas que tomam a educação para a manutenção das relações sociais como se
apresentam, sem perspectivas para a concretização da educação transformadora.
Sobre esta homogeneização das políticas públicas, a despeito das diferentes
nuances políticas, Beech (2009) afirma que as políticas educativas na América Latina
sempre tiveram forte influência internacional em sua formulação, pois é crescente a
importância das agências multilaterais enquanto promotoras das reformas educativas em
nossos países. Além disso, segundo Ball (1998, apud BEECH, 2009, pg. 38), o fluxo de
pessoas e ideias por meio das redes sociais, acadêmicas e políticas, produto da
revolução tecnológica e da diminuição do espaço e do tempo, possibilita maior contato
entre os acadêmicos, líderes políticos e tecnocratas que definem e implementam as
políticas educativas em distintos países. Isto facilita e acelera as possibilidades de
transferir “soluções” políticas de um contexto a outro, sobretudo, quando há uma
sensação generalizada de que os processos de globalização econômica e cultural
confrontam os países com desafios semelhantes. Assim, em tempos de incertezas, tais
soluções mágicas globais se tornam muito atrativas por sua simplicidade.
Podemos concluir, então, que embora com diferenças, as propostas de
implantação da Agenda 21 Escolar nos níveis aqui estudados, têm muito mais
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semelhanças, em especial no que diz respeito ao papel do Estado como formulador de
políticas públicas para orientar a educação ambiental para a construção de sociedades
sustentáveis.
Referências
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