a agenda 21 escolar no estado de são paulo: semelhanças e...

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VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013 Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar 1 A Agenda 21 escolar no estado de São Paulo: semelhanças e diferenças nas políticas públicas de educação ambiental Lilian Giacomini Cruz Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, FC / UNESP, Bauru/ SP. [email protected]> Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis Docente, Departamento de Educação do IB-UNESP, Botucatu/SP; Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, FC / UNESP, Bauru/SP. [email protected] Resumo: Sendo um dos signatários da “Agenda 21”, o principal resultado da Conferência que ficou conhecida como Rio-92, o Brasil comprometeu-se em implantá-la em diferentes níveis políticos e sociais. A proposta de sua implantação nas escolas veio somente em 2003, quando se formou o Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental. O Programa “Vamos Cuidar do Brasil com as escolas” ofereceu para orientar o trabalho, a publicação “Formando Com-Vida: construindo Agenda 21na Escola”. No Estado de São Paulo, a proposta foi apresentada como “Água Hoje e Sempre: consumo sustentável”. Este estudo tem como objetivo analisar a implantação da Agenda 21 nas escolas do estado de São Paulo protagonizada pelas duas diferentes instâncias: a federal e a estadual paulista. Embora com conteúdos diferentes, essas instâncias têm em comum a definição de políticas públicas que se ajustam aos processos de globalização econômica e cultural, que trazem aos países desafios semelhantes. Palavras-chave: Educação Ambiental Escolar, Agenda 21, Políticas Públicas de Educação Ambiental Abstract: As a signatory of the "Agenda 21", the main outcome of the conference which became known as Rio-92, Brazil pledged to deploy it in different political and social levels. The proposal for its implementation in schools came only in 2003, when it formed the Managing Agency of National Policy for Environmental Education. The program "Vamos Cuidar do Brasil com as escolas" offered to guide the work, the publication "Formando Com-Vida: construindo Agenda 21na Escola". In São Paulo, the proposal was presented as "Água Hoje e Sempre: consumo sustentável." This study aims to analyze the implementation of Agenda 21 in schools in the state of São Paulo led by the two different levels: the federal and state public. Although different contents, these instances have in common the definition of public policies that fit the processes of economic and cultural globalization that bring to countries similar challenges. Keywords: Environmental Education School. Agenda 21. Public Policies for Environmental Education.

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VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013

Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar

1

A Agenda 21 escolar no estado de São Paulo: semelhanças e diferenças

nas políticas públicas de educação ambiental

Lilian Giacomini Cruz

Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Educação para a

Ciência, FC / UNESP, Bauru/ SP.

[email protected]>

Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis

Docente, Departamento de Educação do IB-UNESP, Botucatu/SP;

Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, FC / UNESP, Bauru/SP.

[email protected]

Resumo:

Sendo um dos signatários da “Agenda 21”, o principal resultado da Conferência que

ficou conhecida como Rio-92, o Brasil comprometeu-se em implantá-la em diferentes

níveis políticos e sociais. A proposta de sua implantação nas escolas veio somente em

2003, quando se formou o Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental.

O Programa “Vamos Cuidar do Brasil com as escolas” ofereceu para orientar o

trabalho, a publicação “Formando Com-Vida: construindo Agenda 21na Escola”. No

Estado de São Paulo, a proposta foi apresentada como “Água Hoje e Sempre: consumo

sustentável”. Este estudo tem como objetivo analisar a implantação da Agenda 21 nas

escolas do estado de São Paulo protagonizada pelas duas diferentes instâncias: a federal

e a estadual paulista. Embora com conteúdos diferentes, essas instâncias têm em comum

a definição de políticas públicas que se ajustam aos processos de globalização

econômica e cultural, que trazem aos países desafios semelhantes.

Palavras-chave: Educação Ambiental Escolar, Agenda 21, Políticas Públicas de

Educação Ambiental

Abstract:

As a signatory of the "Agenda 21", the main outcome of the conference which became

known as Rio-92, Brazil pledged to deploy it in different political and social levels. The

proposal for its implementation in schools came only in 2003, when it formed the

Managing Agency of National Policy for Environmental Education. The program

"Vamos Cuidar do Brasil com as escolas" offered to guide the work, the publication

"Formando Com-Vida: construindo Agenda 21na Escola". In São Paulo, the proposal

was presented as "Água Hoje e Sempre: consumo sustentável." This study aims to

analyze the implementation of Agenda 21 in schools in the state of São Paulo led by the

two different levels: the federal and state public. Although different contents, these

instances have in common the definition of public policies that fit the processes of

economic and cultural globalization that bring to countries similar challenges.

Keywords: Environmental Education School. Agenda 21. Public Policies for

Environmental Education.

2

Introdução

A Agenda 21 é resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como Rio-92, e pactuou

compromissos socioambientais possíveis para o desenvolvimento sustentável definindo

ações e metas para enfrentar – segundo os princípios econômicos dos países signatários

- os problemas ambientais no mundo. Estes países comprometeram-se em implantá-la

em diferentes níveis políticos e sociais, no caso do Brasil, nos níveis nacional, estadual

e municipal.

Com relação à educação ambiental (EA), esses compromissos possíveis

encontram-se expressos no capítulo 36 da Agenda 21 intitulado “Promoção do Ensino,

da Conscientização e do Treinamento”. Nele podemos encontrar a proposta para o

fortalecimento de atitudes, valores e ações consideradas ambientalmente saudáveis na

perspectiva do desenvolvimento sustentável. Segundo o documento, esse fortalecimento

passa pela promoção do ensino, da conscientização e do treinamento.

No Brasil, a implantação do capítulo 36 da Agenda 21, contribuiu para estimular

um rico e caloroso debate acerca dos conceitos de educação, desenvolvimento

sustentável e sustentabilidade. Franco (2006) identifica essas discussões especialmente

em torno da temática “educação para a sustentabilidade”. Esse debate coloca em

confronto a EA na Agenda 21 – a educação para o desenvolvimento sustentável – e a

EA no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e

Responsabilidade Global e na Carta da Terra, elaborados no Fórum Global 92

promovido por entidades da sociedade civil. O confronto coloca de um lado as posições

dos governos, representantes dos países signatários da Agenda 21, e de outro as

posições dos movimentos ambientalistas (no plural) e seus simpatizantes.

De acordo com Oliveira (2007), o Brasil, em junho de 1992, foi um local

estratégico1 para a realização da Rio - 92, onde o objetivo foi criar a aparência de um

debate amplo e democrático, entre todos os participantes de praticamente todas as

nações do mundo, sobre as possíveis soluções para os grandes problemas ambientais.

Mas, ao contrário desta aparência dialógica, o evento foi verdadeiramente o palco

escolhido para a aclamação do desenvolvimento sustentável enquanto mecanismo de

transformação dos problemas ambientais em lucros crescentes.

Por outro lado, no Fórum Internacional das Organizações Não Governamentais

(ONGs), evento paralelo à Rio-92, o movimento ambientalista pactuou o Tratado de

Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Para

que possamos compreender as bases sociais e políticas desse documento, lembremos

que o movimento ambientalista não é homogêneo, ele tem diferentes correntes, com

1 A escolha do Brasil como sede da ECO – 92 ocorreu imediatamente após a realização, em novembro de

1989, em Washington, do encontro convocado pelo Instituto de Economia Internacional, do qual

participaram funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros ali sediados – FMI,

Banco Mundial e BID –, além de economistas latinos. A temática do evento era a avaliação das reformas

econômicas dos países da América Latina e, apesar do revestimento acadêmico não-deliberativo, ganhou

grande significação simbólica e acabou recebendo a denominação subseqüente de “Consenso de

Washington”. Esta reunião teve como objetivo a ratificação da proposta neoliberal que o governo

americano vinha insistentemente recomendando, através das entidades internacionais anteriormente

relacionadas, para estabelecimento de políticas de cooperação financeira. Estas idéias obtiveram plena

aceitação dos economistas latinos presentes e foram adotadas em governos de países como México e

Argentina e, no Brasil, durante o mandato presidencial de Fernando Collor de Mello (OLIVEIRA, 2007,

p4).

3

diferentes ideias, estratégias e práticas. No entanto, podemos afirmar que uma unidade

de princípios, construída na diversidade, se manifesta: o posicionamento contrário às

políticas de desenvolvimento sustentável. Mais do que isso, esses ambientalistas têm

denunciado o desgaste que a própria ideia de sustentabilidade vem sofrendo por ter sido

apropriada pelos representantes do modelo de desenvolvimento hegemônico no cenário

internacional. Assim, substituir a expressão desenvolvimento sustentável pela ideia de

“construção de sociedades sustentáveis” tem implicações teóricas, políticas e sociais

profundas, que revelam diferentes paradigmas para sua compreensão.

Segundo Oliveira (2007), os eventos paralelos que reuniram ONGs, movimentos

sociais e ativistas políticos foram tratados pela mídia, de maneira geral, como um

prolongamento festivo do evento. A agenda internacional já estava planejada e faltava a

cooptação universal dos países periféricos e dos próprios movimentos que se

posicionavam criticamente. Além disso, Olivato (2004) afirma que a Agenda 21 sugere,

por exemplo, a „promoção do desenvolvimento sustentável por meio da liberalização do

comércio‟, e neste ponto é possível localizar um dos principais problemas do

desenvolvimento sustentável, pois, segundo Rebêlo Júnior (2002, p. 109):

[...] a liberalização do comércio internacional, principalmente em países em

desenvolvimento, significa a morte de qualquer política nacional. De um

modo geral, esses países não possuem indústrias competitivas em nível

internacional, o que permite a perda significativa de mercado.

Em 2012, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a Rio+20, também

no Rio de Janeiro, cujo principal objetivo – frustrado – foi definido como avaliação e

repactuação de metas de proteção ambiental, urgentes e importantes. Avaliação e

repactuação, obviamente, na perspectiva do desenvolvimento sustentável – agora

reforçado e explicitado pela ideia de “economia verde”. Paralelamente à Rio+20,

tivemos também a reunião dos movimentos sociais, a Cúpula dos Povos, realizada pela

sociedade civil organizada nas ONGs. Na Cúpula rediscutimos as questões ambientais

na perspectiva crítica e revisitamos o Tratado. Podemos identificar a importância de

mais uma revisita ao documento de 1992 na fala de Moema Viezzer, coordenadora da

Segunda Jornada Internacional do Tratado realizada durante esses eventos:

Nossa meta na Conferência é que seja fortalecida uma rede planetária de

educação para sociedades sustentáveis e que haja incentivo a mudanças

graduais nas políticas públicas. Questionamos a atitude de se pensar o mundo

a partir da economia, sem ter princípios em valores socioambientais e

culturais (RESK, 2012, n.p.).

A proposta da Agenda 21 Escolar

É no interior desse debate, refletindo essas contradições, que a proposta da

Agenda 21 Escolar aparece e começa a ser implantada nas escolas brasileiras. O

Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que

passaram a trabalhar juntos na EA no nível federal, vêm desenvolvendo ações conjuntas

desde 2003, ano de regulamentação da Lei n° 9.795/99, que instituiu a Política Nacional

de Educação Ambiental (PNEA). O Órgão Gestor da Política Nacional de Educação

Ambiental (OG-PNEA), para responder às demandas da implementação da PNEA,

organizou-se em linhas de ação que conferem maior potencial de organicidade e

4

viabilização de ações estruturantes. Entre as linhas de ação destacamos aquelas que se

referem especificamente à educação escolar, tema deste estudo.

A Coordenação Geral de Educação Ambiental (CGEA) do MEC – que o

representa no Órgão Gestor - criou em 2004 o Programa “Vamos Cuidar do Brasil com

as escolas: sistema de Educação Ambiental no ensino formal”, por meio do qual

elabora e implanta políticas públicas para o fortalecimento da EA nas escolas dos

estados e municípios.

Os materiais oferecidos pela CGEA para orientar as discussões foram:

“Consumo Sustentável: manual de educação”, e o “Com-Vida / Agenda 21”, que

enfatiza a reflexão da EA na perspectiva política, pedagógica e sustentável.

No Estado de São Paulo, a proposta da Agenda 21 Escolar foi apresentada pelo

material “Água Hoje e Sempre: consumo sustentável”, publicado pela Secretaria de

Estado da Educação de São Paulo (SEE/SP) e Coordenadoria de Estudos e Normas

Pedagógicas (CENP) em 2004. Esse material veio da necessidade diagnosticada pela

CGEA/MEC, no estudo intitulado “Panorama da Educação Ambiental no Ensino

Fundamental” (2001), que a despeito da oferta do grande número de projetos

ambientais às escolas, apoiados por materiais pedagógicos e formação de professores,

ainda havia a necessidade de promover políticas públicas para ampliar e consolidar a

EA nas escolas. Diante disso, a SEE/SP decidiu desenvolver um programa para

formação de professores em EA (GARDEL, 2009). Apesar de terem sido publicadas por diferentes instâncias de governo (federal e

estadual) e de apresentarem semelhanças e diferenças, essas publicações preconizam a

implantação da Agenda 21 nas escolas.

Lambertucci (2008), ao analisar diversos materiais desenvolvidos no nível

federal e no estado de São Paulo, analisou os dois documentos vinculados à proposta da

Agenda 21 Escolar: “Formando COM-VIDA: Construindo Agenda 21 na Escola”

(MEC/MMA) e “Água Hoje e Sempre: Consumo Sustentável” (SEE/SP). Essa análise

concluiu que, embora produzidas por instâncias diferentes, essas propostas devem ser

entendidas no interior das políticas públicas elaboradas pelo Estado, visando à

implantação da Educação Ambiental nas escolas. De forma mais específica, essa autora

assinala em sua investigação que, no caso destes documentos especificamente, as

políticas sob as quais eles foram elaborados resultam de Acordos Internacionais:

A pesquisa revelou que estas políticas, presentes no Estado brasileiro desde a

década de 1970, apresentam-se, de maneira geral, vinculadas aos Acordos

Internacionais dos quais o Brasil é signatário. Foi possível destacar algumas

Conferências, Programas e publicações realizadas no âmbito internacional

que constatei contribuíram e inspiraram a elaboração de políticas voltadas

para o enraizamento da Educação Ambiental no Brasil. A pesquisa revelou

também que a partir destes grandes eventos o Estado brasileiro foi criando

leis e programas com o objetivo de cumprir as metas propostas pelos Acordos

Internacionais elaborados nestes grandes eventos (LAMBERTUCCI, 2008,

p.173).

Diante disso, definimos como objetivo do estudo apresentado neste texto, a

análise da Agenda 21 Escolar, como uma proposta de Estado, protagonizada pelas duas

diferentes instâncias em questão: a instância federal e a estadual paulista. Para isto,

apresentaremos a seguir a análise de alguns autores sobre esta questão, para, a seguir,

elaborarmos nossas próprias considerações tendo como referência a educação ambiental

5

crítica que emerge da Pedagogia Histórico-Crítica formulada por Saviani (2008) e

muitos outros colaboradores.

A Agenda 21 para as escolas do estado de São Paulo: as análises dos autores sobre

as propostas federal e estadual

De acordo com Weissmann e Llabrés (2001), da mesma maneira que as cidades

têm que assumir compromissos para tornar possíveis as soluções planetárias, as

entidades e associações civis, as empresas e demais profissionais, assim como todas e

cada uma das personagens que convivemos, temos que assumir nossa parcela de

responsabilidade no desenvolvimento dos projetos de sustentabilidade em escala local.

Neste contexto, as escolas têm, segundo as autoras, especial relevância. Se por um lado,

por sua função educativa específica, têm um papel fundamental para ajudar na análise e

compreensão da realidade complexa, por outro, a comunidade educativa constitui um

pequeno modelo de cidade em que é possível experimentar ou “ensaiar” processos e

soluções em escala reduzida.

A Agenda 21 Escolar, ao espelhar-se nas metodologias propostas pela Agenda

21 Global, “pressupõe um processo de construção coletiva, desenvolvendo

metodologias de trabalho ativas, baseadas na participação da comunidade envolvida, no

diálogo, na troca de experiências” (FRANCO, 2006, p.10).

Com relação ao documento estadual, Lambertucci (2008) afirma:

Com 256 páginas, está dividido em um texto de apresentação, uma “Carta

para os Professores”, um texto introdutório e um texto de apoio para os

professores sobre a proposta de dois projetos. Além destes textos o material

apresenta seis capítulos sendo que os três primeiros apresentam sugestões de

atividades elaboradas para os alunos do Ensino Fundamental Ciclo I e os três

últimos capítulos apresentam sugestões com atividades elaboradas para os

alunos do Ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio. O material

apresenta, ao final, atividades complementares, sendo que um texto é

direcionado para o professor de Arte e outro para os professores de Ciências

e Biologia, apresentam, ainda sugestões de atividades para os alunos. Ao

final apresenta um texto para a construção da Agenda Ambiental na Escola, a

bibliografia consultada e endereços eletrônicos de órgãos governamentais,

ONGs, universidades e jornais2 (LAMBERTUCCI, 2008, p.42).

Quanto ao outro documento, de âmbito federal, ela considera que:

Com 42 p., está dividido em um texto de apresentação e mais três partes. Na

primeira parte, os textos têm a função de explicar o que é a “Comissão de

Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola” (COM-VIDA) e a “Agenda

21” na Escola e como elas podem ser organizadas. Na segunda parte há

sugestões de oficinas para a preparação da “Agenda 21 Escolar” e referências

bibliográficas. Na terceira parte constam os anexos: um modelo do “Acordo

de Convivência da COM-VIDA”; as principais organizações na escola:

grêmio estudantil, associação de pais e mestres, conselho de escola, sendo

que há explicações sobre cada uma delas; as leis e diretrizes que reforçam a

existência da COM-VIDA; a “Carta Jovens Cuidando do Brasil –

Deliberações da Conferência Infanto-Juvenil”; a “Plataforma das ações

2 Grifos nossos.

6

prioritárias da Agenda 21 Brasileira” com seus 21 objetivos e endereços

eletrônicos de órgãos governamentais (LAMBERTUCCI, 2008, p.43).

Outra autora, Orsi (2008), também analisou os dois documentos que divulgaram

a proposta da Agenda 21 Escolar nas escolas da SEE/SP, identificando que, embora

ambos orientem a construção da Agenda 21 Escolar, são muito diferentes, pois

apresentam objetivos, procedimentos, atividades, configuração, enfoque e extensão

diversos.

Apesar de tão distintos, ao analisarmos especificamente a proposição da

construção da Agenda 21 Escolar (que no caso do documento federal inclui o

documento inteiro e, no caso do documento estadual, inclui apenas uma

seção deste – a penúltima), tanto o documento federal quanto o estadual

apresentam essencialmente os mesmos “passos”. Embora apresentem estes

mesmos passos, as dinâmicas e a sequência propostas para a concretização

dos mesmos são diferentes (ORSI, 2008, p.91).

Para melhor visualização das diferenças e semelhanças entre os dois

documentos, essa autora nos apresenta os quadros a seguir:

Quadro 1 – Organização das seções do documento “Formando COM-VIDA: Construindo Agenda

21 na Escola” (ORSI, 2008, p. 59).

7

Quadro 2 – Organização das seções do documento “Água Hoje e Sempre: Consumo Sustentável”

(ORSI, 2008, p. 72).

A Agenda 21 para as escolas do estado de São Paulo: nossas análises sobre as

propostas federal e estadual

Analisando e comparando as publicações federal e estadual de São Paulo para a

implantação da Agenda 21 Escolar, é possível perceber logo na “Apresentação”,

algumas das diferenças entre as duas. Vejamos alguns trechos:

[...] esta publicação, que aborda especificamente os recursos hídricos, traz

aos educadores da rede estadual de ensino uma gama de informações com o

objetivo de ampliar o entendimento desse assunto, destacando maneiras de

abordá-lo na escola. O material apresenta projetos e atividades

interdisciplinares que certamente contribuirão com o trabalho do professor3

na formação de cidadãos conscientes em relação à necessidade de redução do

consumo da água e da conservação da qualidade desse bem essencial à

humanidade (SÃO PAULO, 2004).

Esta publicação convida para a mobilização da comunidade escolar. Suas

páginas apresentam uma proposta dos passos para se criar a Comissão de

Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola – COM-VIDA, e para realizar

a Agenda 214 na Escola (BRASIL, 2004).

3 Grifo nosso.

4 Grifo do autor. A definição de “Agenda 21” é apresentada num boxe explicativo.

8

Diante destas informações, fica clara a diferença no tratamento e/ou a

importância que os documentos conferem à proposta de implantação da Agenda 21

Escolar. O documento federal, já em sua “Apresentação” propõe a formação de uma

comissão para tratar de assuntos de cunho ambiental na escola, e principalmente, da

elaboração coletiva da Agenda 21 Escolar. Ou seja, esse documento trata dos temas

ambientais de forma ampla e seu estudo de forma participativa. Por outro lado, o

material estadual “Água Hoje e Sempre: consumo sustentável”, como o próprio título já

indica, não faz nenhuma menção direta à proposta da Agenda 21 ao longo de toda sua

“Apresentação”, indicando propostas de trabalho diretamente ligadas ao uso e

conservação de recursos naturais, mais especificamente a água. Portanto, logo no início

dos documentos vemos diferentes abordagens para a educação ambiental na escola: uma

proposta mais complexa, coletiva e participativa de estudo dos temas ambientais

considerados de forma ampla, e uma proposta pontual, que trata a educação ambiental

pelo estudo isolado de temas ambientais vinculados, em geral, a algumas disciplinas do

currículo escolar, em particular às disciplinas de ciências e geografia.

Outros conteúdos nos chamam a atenção ainda na “Apresentação”,

principalmente aqueles que dizem respeito à “justificativa” das propostas:

Por tudo isso, os aprendizes de nossas escolas têm de ser despertados para a

dramática situação em que vivemos. Uma situação que se concretiza

principalmente nas grandes metrópoles, lugares onde já são registradas, por

exemplo, políticas radicais de racionamento de água em época de chuvas

escassas. O fato é que vivemos em um mundo complexo, onde coexistem a

riqueza e a pobreza, o excesso e a escassez, a aceleração e o retrocesso.

Crianças e jovens devem aprender a lidar com essa realidade da melhor

forma possível5, colaborando para que o equilíbrio predomine e para que os

desperdícios sejam evitados. Que este material seja mais um passo

importante na concretização deste ideal (SÃO PAULO, 2004).

Daí veio a ideia de continuar o Programa Vamos Cuidar do Brasil, com as

escolas, criando a COM-VIDA e construindo a Agenda 21 para contribuir

com uma Educação Ambiental que nos faça perceber o meio ambiente

como nossa vida, nosso corpo, as florestas, os animais, as águas, o ar, a

terra; nossa escola, nossa rua e também as relações que estabelecemos

com as outras pessoas e as outras culturas6. Assim é possível ter uma

sociedade com gente mais responsável e empenhada em proteger o meio

ambiente, contribuindo com a melhoria da qualidade de vida. [...] vamos

juntos fortalecer a participação para que avancemos na construção de

comunidades sustentáveis7 (BRASIL, 2004).

Comparando os trechos, podemos observar que a justificativa dada pelo então

Secretário da Educação, Gabriel Chalita, que assina a “Apresentação” do material

estadual, nos dá a entender que sua produção teve como objetivo auxiliar os professores

no processo de “conscientização” e/ou “sensibilização” dos alunos da rede estadual de

ensino, quanto aos problemas ambientais atuais. Segundo as palavras do Secretário, tais

problemas existem e “os jovens devem aprender a lidar com essa realidade”. Não há

uma proposta de discussão das causas destes problemas ambientais junto a esses jovens,

e muito menos, a proposta de uma elaboração coletiva de possíveis soluções. A

5 Grifos nossos.

6 Grifo do autor.

7 Grifo do autor. A definição de “comunidade sustentável” é apresentada num boxe explicativo.

9

transformação desta realidade também não está em pauta neste documento. Já o

documento federal, apesar de também não avançar muito nesse ponto, faz referência

expressa à Educação Ambiental, e discute sua importância na transformação da

realidade, trazendo, segundo nossas análises, uma justificativa um pouco mais sólida

para o documento: é clara a ideia de articulação entre a Com-Vida e a construção da

Agenda 21 Escolar.

Seguindo em nossas análises, vejamos a “Introdução” dos documentos.

No documento estadual, é possível identificar sua vinculação aos pressupostos

do desenvolvimento sustentável, conforme proposto pelo Relatório Brundtland,

elaborado pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU,

embora não seja citado nenhum documento de referência:

Hoje convivemos com a difícil tarefa de mudar nossa forma de nos relacionar

com o meio ambiente, pois vivenciamos as consequências de um uso

indiscriminado dos recursos naturais a nossa disposição. Teremos de

aprender a regular nossas ações não apenas em termos de nossas próprias

necessidades, considerando as condições comunitárias e locais, como

também refletir sobre as necessidades de todo o planeta. Temos de tornar

nosso ambiente sustentável para o presente e para as futuras gerações, para os

seres humanos e para os seres vivos (SÃO PAULO, 2004, pg. 10).

Já o documento federal, em sua segunda edição de 2007 (ampliada e revisada),

expressa claramente seu posicionamento contrário ao conceito de desenvolvimento

sustentável: Em 1987, a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento

definiu desenvolvimento sustentável como “a capacidade de satisfazer as

necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras

de suprirem suas próprias necessidades”. Essa famosa definição é bastante

contraditória, pois desenvolvimento, entendido como crescimento econômico

com produção e consumo desenfreados, esgota a capacidade da Terra e torna

a vida insustentável. Vários documentos, como o Tratado de Educação

Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global8 e a

Carta da Terra dizem que precisamos da Terra, da sociedade e da vida

humana sustentáveis (BRASIL, 2007, pg. 9).

Ainda na “Introdução”, a definição do que é a “Agenda 21 Escolar” e o seu

papel/função na escola, apresenta diferentes concepções entre as publicações. Vejamos

a definição apontada pela publicação estadual:

Proposta da Agenda Ambiental na Escola, elaborada pelo Programa Nacional

de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, em que se

especificam as ações de curto, médio e longo prazo necessárias à formação de

atitudes para a redução de consumo e a discussão sobre o uso sustentável da

água – as duas finalidades convergentes destas orientações. Uma proposta

unificadora para a escola, a Agenda sintetiza os compromissos dos

educadores e sinaliza para a participação de diferentes atores e interesses. A

Agenda é um programa de atividades para que a questão da água se mantenha

viva no âmbito escolar, devendo ser continuamente trabalhada pela equipe

pedagógica e administrativa (SÃO PAULO, 2004, pg. 13).

Já a publicação federal, em sua segunda edição, traz a seguinte definição:

8 A publicação federal apresenta este documento em anexo.

10

No nosso caso, a Agenda 21 é um instrumento para a Com-vida planejar suas

atividades, fazer projetos coletivos que possam realmente transformar a

realidade, aumentar seu diálogo com a comunidade de seu município, e se

ligar em uma proposta de Agenda global (BRASIL, 2007, pg. 22).

Podemos perceber, portanto, que ambas as publicações trazem definições

bastante genéricas e até mesmo simplistas sobre a proposta da Agenda 21 Escolar e sua

importância na escola. No caso da publicação estadual, a Agenda 21 Escolar aparece

como uma proposta que “sintetiza os compromissos dos educadores e sinaliza para a

participação de diferentes atores e interesses”. Esta definição, segundo nossas análises,

permite identificar o processo de construção da Agenda 21 Escolar como “pensado”

pelos educadores e transmitido aos demais membros da comunidade escolar.

Lembremos que a proposta é reduzida a um programa de atividades relacionadas ao uso

racional da água, vinculado aos conteúdos curriculares de determinadas disciplinas e

transmitido à comunidade escolar – alunos e demais membros – sob formas tradicionais

de ensino.

Orsi (2008) também analisa a proposta estadual como reducionista, pois é

possível identificar nela a ênfase nos aspectos econômicos do uso da água, notadamente

os que dizem respeito à economia individual do consumo. Não há praticamente nenhum

direcionamento para os aspectos políticos, tecnológicos, sociais, culturais, ou mesmo

econômicos, de forma mais ampla, nem há reflexões sobre a influência que essas esferas

têm sobre a questão ambiental mais geral. O elemento água é amplamente valorizado e

abordado numa perspectiva antropocêntrica e utilitarista da transformação da natureza

em mercadoria.

Quanto à definição dada à Agenda 21 Escolar pela publicação federal, podemos

perceber nos trechos anteriormente transcritos, que ela é compreendida como uma

Agenda 21 Local, isto é, como resultado dos compromissos de cada grupo social,

incluindo a escola. Neste caso, identificamos a necessidade de um esclarecimento maior

sobre como seria seu desenvolvimento no ambiente escolar, ou seja, não há uma

orientação para seu desenvolvimento no universo escolar especificamente. A

especificidade da educação escolar desaparece, neste documento, sob a forma de mais

um “grupo social” que discute coletivamente as questões ambientais que os afeta.

Sobre a “Metodologia” adotada e/ou indicada para a construção da Agenda 21

nas escolas, novamente as publicações expressam perspectivas diferentes. No entanto,

ambas admitem existir “inúmeras maneiras e metodologias de se construir projetos

conjuntos” (BRASIL, 2007, pg.22), ou ainda, que “não há uma fórmula pronta e

acabada para construirmos a Agenda Ambiental”, pois, cada lugar, cada ambiente, cada

escola tem suas características próprias e a agenda deve levar isto em consideração

(SÃO PAULO, 2004). Em comum, as duas publicações orientam a formação de uma

“comissão” responsável pela organização e acompanhamento do processo de construção

da Agenda.

A publicação estadual orienta que a comissão, após sua formação, ficará

responsável por realizar um diagnóstico identificando o que deve ser corrigido,

melhorado ou modificado na escola:

11

A Comissão deverá aplicar um questionário para saber como as pessoas veem

a escola, o que elas apontam como negativo (o que exige correção) e quais as

suas sugestões para melhorar o ambiente. Por meio desta consulta, a

comunidade escolar deverá avaliar fisicamente a escola (prédios, salas,

móveis, equipamentos, instalações elétricas, de água, esgoto, área verde,

cantina, etc.) e também as rotinas e procedimentos adotados de forma

individual ou coletiva (SÃO PAULO, 2004, pg. 246).

A comissão deverá, portanto:

1. Classificar: organização dos problemas em grupos (administrativos,

comportamentais e infraestrutura);

2. Quantificar: identificação de indicadores para avaliação e fixação de metas;

3. Qualificar: através de conceitos como: “ótimo”, “bom”, “regular” e

“péssimo”, identificar o pensamento do grupo a respeito de cada aspecto analisado.

Cumpridas essas etapas, a proposta metodológica orienta a definir-se “o quê” e

“como” agir para se chegar às soluções. Afirma ainda que é necessário identificar,

claramente quais as causas e/ou origens dos problemas para, e em seguida, elencar as

soluções a serem adotadas para eliminar cada causa (SÃO PAULO, 2004). Essa

publicação destaca também a necessidade da adoção de um sistema de

acompanhamento e avaliação das ações realizadas por meio de observações e relatórios.

É interessante como é colocada a observação: “as observações são aquelas identificadas

no dia-a-dia, visualmente claras” (SÃO PAULO, 2004, pg. 250).

A publicação federal apresenta a “Oficina de Futuro9”, como “uma técnica que

ajuda a conduzir os passos de preparação da Agenda 21 na Escola e de qualquer outro

projeto coletivo” (BRASIL, 2004, pg. 15). Essa Oficina de Futuro consiste em uma

série de passos ou etapas com duração que podem variar de acordo com o ritmo e o

aprofundamento que o grupo deseje. Estas etapas são:

1) Árvore dos Sonhos: corresponde ao momento de estabelecer os objetivos que

se quer obter ao final de um período determinado;

2) As pedras no Caminho: momento de discussão dos desafios, das

dificuldades, dos problemas, das angústias do grupo frente a uma temática.

3) Jornal Mural: viagem ao passado e ao presente: é o momento de entender

que os problemas existentes hoje tiveram uma origem que, se identificada,

nos ajuda resolvê-los definitivamente.

4) Com-Vida para a ação: momento de definição de metas e prazos que ajudam

a realização das propostas e documentem os compromissos assumidos.

De acordo com Orsi (2008), pelas ações propostas, o documento dá grande

ênfase à democracia e à participação democrática. A própria dinâmica sugerida para a

construção da COM-VIDA, assim como para a formulação e implementação da Agenda

21 Escolar (Oficina do Futuro), é democrática. Sugere-se sempre que todos possam

participar das decisões, através de discussões e negociações.

A publicação federal também propõe um programa de monitoramento e

avaliação, e apresenta algumas dicas de instrumentos. Para o monitoramento, propõe

que depois de cada atividade, se faça uma rodada com os participantes respondendo a

três questões: “Que bom que... Que pena que... Que tal se...” (BRASIL, 2007).

Quanto à avaliação, a publicação propõe que sejam realizadas entrevistas com as

pessoas e com os parceiros que se envolveram no projeto, além de aplicar questionários

antes e depois do projeto para comparar os resultados ao longo do tempo. Sugere

9 Trata-se de uma metodologia criada pela ONG Instituto ECOAR para a cidadania.

12

também que sejam aproveitados os dados que já existentes, como os formulários do

Censo Escolar (BRASIL, 2007, pg. 27).

Além disso, também é proposta por esta publicação, a formação de “amizades e

parcerias”, pois “com parcerias – dentro e fora da escola – aumentam as chances da

Agenda 21 na Escola dar certo, afinal, vários dos problemas para os quais a Com-vida

pretende buscar solução não são apenas assunto da escola” (BRASIL, 2007, pg. 28).

Considerações Finais

Um balanço entre as duas propostas de implantação da Agenda 21 Escolar

apresentadas às escolas paulistas, aponta que a proposta do estado de São Paulo traz

uma concepção até certo ponto superficial de educação ambiental, além de ser muito

prescritiva e normativa no que diz respeito à forma de educar, ou melhor, à concepção

de educação. Desde a apresentação do material, como um roteiro de atividades e/ou um

receituário que, se trabalhado pelos professores em sala de aula, pode trazer resultados

positivos, até a fundamentação teórica sobre aprendizagem como “mudança de

comportamentos”.

Sabemos do caráter tecnicista da enorme influência do behaviorismo como

abordagem do processo de ensino aprendizagem no Brasil, abordagem essa já superada

nas discussões sobre a educação numa perspectiva emancipatória (SAVIANI, 2008).

Além disso, Loureiro (2012, pg. 79) destaca que “defender a ideia de que mudar

comportamento é sinônimo de mudar a realidade é apostar que as relações se dão

sempre do indivíduo para o outro, por somatório e bom exemplo”, ou seja, “não há

dialética entre eu-outro, mútua determinação”.

Esse individualismo epistemológico e metodológico, além das graves

consequências no campo da educação, configura-se no campo ambiental, como

considera Loureiro (2012, pg.79), com um novo moralismo, agora ambiental:

Como os sujeitos são isolados do contexto, uma análise moralista fica

facilitada. O problema deixa de se situar no lugar do sujeito nas relações de

produção e na vida cotidiana, e passa para a esfera do julgamento moral: este

é “bom” ou “mal” (valores cujos conteúdos são definidos pelos grupos

hegemônicos em determinada cultura). Assim, o problema deixa de ser

primordialmente as relações sociais e passa a ser o indivíduo. Logo, não há

problema em ser proprietário capitalista, desde que este seja bom.

A proposta federal nos parece mais ampla por dar grande importância na

participação dos envolvidos, garantindo condições para a mediação mais autônoma do

professor. Por outro lado, esse material enfatiza a dimensão da participação em

detrimento das dimensões do conhecimento e dos valores, e, neste caso, segundo Orsi

(2008), assume o considerável risco de propor ações que resultem num ativismo sem

grande força para provocar mudanças significativas. O individualismo aqui também não

foi superado.

No entanto, as duas propostas têm “filiação” com as políticas de educação

ambiental propostas pelo poder público de um Estado que cada vez mais se

desresponsabiliza pela educação e pelas questões ambientais, o que nos leva a concluir

que a implantação da Agenda 21 Escolar, como da própria Agenda 21, é permeada por

disputas entre aqueles que a propõe – os governos – e aqueles que as deveriam executar

– os sujeitos concretos que atuam nas escolas: gestores, professores, funcionários,

13

alunos e pais de alunos. Essas disputas dizem respeito às formas históricas, políticas e

sociais das relações entre a sociedade e o ambiente em que vivem.

Para Höfling (2001), para melhor compreensão e avaliação das políticas

públicas sociais implementadas por um governo, é fundamental a compreensão da

concepção de Estado e de política social que sustentam tais ações e programas de

intervenção. Visões diferentes de sociedade, Estado e política educacional geram

diferentes projetos de intervenção nesta área.

É importante ressaltar, que entendemos políticas públicas como o “Estado em

ação” (GOBERT E MULLER, 1987 apud HÖFLING, 2001, pg. 31), ou seja, é o Estado

concretizado por um projeto de governo, através de programas e de ações voltadas para

concretizar este projeto em setores específicos da sociedade. Segundo Höfling (2001),

as políticas sociais (usualmente entendidas como as de educação, saúde, previdência,

habitação, saneamento etc.) se referem a ações que determinam o padrão de proteção

social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos

benefícios sociais com vistas à diminuição das desigualdades estruturais produzidas

pelo desenvolvimento socioeconômico.

Nestes termos, entendemos a educação como uma política pública social, de

responsabilidade do Estado, mas não pensada somente por seus organismos. As

políticas sociais assumem características diferentes em diferentes sociedades e

diferentes concepções de Estado, ou seja, é impossível pensar Estado fora de um projeto

político e de uma teoria social para a sociedade como um todo. Assim, em uma

sociedade como a nossa, sob o modo de produção capitalista em sua versão neoliberal,

as políticas públicas sociais são vistas pelos setores hegemônicos da sociedade como

verdadeiros obstáculos para o desenvolvimento, compreendido como crescimento

econômico, e responsáveis, em grande parte, pelas crises econômicas que atravessam as

sociedades. A intervenção do Estado, nesta perspectiva neoliberal, constituiria uma

ameaça aos interesses e liberdades individuais, inibindo a livre iniciativa, a concorrência

privada, e podendo bloquear os mecanismos que o próprio mercado é capaz de gerar

com vistas a restabelecer o seu equilíbrio (HÖFLING, 2001).

Mas, segundo Sorrentino et al (2005), a educação ambiental, enquadra-se

naquilo que Bourdieu (1998) denominou “a mão esquerda do Estado”, que reúne

trabalhadores sociais, educadores, professores e cujas ações são ignoradas pela chamada

“mão direita do Estado” (áreas de finanças, de planejamento, bancos). Ainda segundo

os autores, ao operar na reparação dos danos sociais e ambientais sob a lógica de

mercado, os sujeitos da “mão esquerda” podem se sentir iludidos e desautorizados em

função dos paradoxos vividos de forma crônica como falta de recursos para a luta pela

biodiversidade, por exemplo, convivendo com avanço das fronteiras agrícolas por

monoculturas ou transgênicos, grandes obras com alto impacto.

Sendo assim, neste atual modelo de sociedade, não se defende a

responsabilidade do Estado em relação ao oferecimento de educação pública de

qualidade a todo cidadão, e nem em relação às questões ambientais. Cabe aqui,

portanto, retomar a discussão sobre a transferência de responsabilidade deste Estado

com relação à Educação e ao Meio Ambiente. Segundo Höfling (2001), esta

transferência da responsabilidade de execução das políticas sociais às esferas menos

amplas, é entendida como uma forma de aumentar a eficiência administrativa e de

reduzir os custos. Nestes termos, coerentes com a defesa e referência essencial aos

princípios da liberdade de escolha individual e do livre mercado, as políticas

educacionais neoliberais postulam ações do Estado descentralizadas, articuladas com a

14

iniciativa privada, a fim de preservar a possibilidade de cada um se colocar, de acordo

com seus próprios méritos e possibilidades, em seu lugar adequado na estrutura social:

Em um Estado de inspiração neoliberal as ações e estratégias sociais

governamentais incidem essencialmente em políticas compensatórias, em

programas focalizados, voltados àqueles que, em função de sua “capacidade e

escolhas individuais”, não usufruem do progresso social. Tais ações não têm

o poder – e frequentemente, não se propõem a – de alterar as relações

estabelecidas na sociedade (HÖFLING, 2001, pg. 39).

Ball (2001) também discute esta questão, indicando o desaparecimento gradual

da concepção de políticas específicas do Estado Nação nos campos econômico, social e

educativo e, concomitantemente, o abarcamento de todos estes campos numa concepção

única de políticas para a competitividade econômica, abandonando ou marginalização

os propósitos sociais da educação. Além disso, o autor afirma que estaríamos

caminhando para aquilo que poderia ser chamado “o fim da política”, pois, é cada vez

mais difícil distinguir as políticas educativas de partidos políticos tradicionalmente

rivais que são definidas por manifestações da globalização dos “discursos ideológicos

que balizam as políticas educativas ao nível nacional” (TAYLOR, RIZVI, LINGARD &

HENRY, 1997 apud BALL, 2001, p.100). As diferenças entre elas, ainda segundo o

autor, são dadas pela ênfase em um ou outro ponto, muito mais do que pela distinção

entre as propostas. Tal como Giddens (1994, apud BALL, 2001, pg. 100) argumenta,

“já superamos a caracterização de esquerda e direita”, configurando um momento “pós-

político”, apresentado como essencialmente pragmático e livre de ideologia. Nada mais

ideológico do que esse discurso.

Quando tomamos as propostas explicitadas pelas publicações para a implantação

da Agenda 21 Escolar, no interior dessas reflexões, identificamos que elas foram

elaboradas nas diferentes esferas de governo, com seus representantes filiados a partidos

políticos formalmente rivais, o Partido dos Trabalhadores (PT – no governo federal) e o

Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB – no governo estadual). No entanto,

apesar de apresentarem diferenças nas concepções de educação ambiental e nas

propostas didáticas e metodológicas, no fundo elas se identificam, ou seja, são políticas

públicas que tomam a educação para a manutenção das relações sociais como se

apresentam, sem perspectivas para a concretização da educação transformadora.

Sobre esta homogeneização das políticas públicas, a despeito das diferentes

nuances políticas, Beech (2009) afirma que as políticas educativas na América Latina

sempre tiveram forte influência internacional em sua formulação, pois é crescente a

importância das agências multilaterais enquanto promotoras das reformas educativas em

nossos países. Além disso, segundo Ball (1998, apud BEECH, 2009, pg. 38), o fluxo de

pessoas e ideias por meio das redes sociais, acadêmicas e políticas, produto da

revolução tecnológica e da diminuição do espaço e do tempo, possibilita maior contato

entre os acadêmicos, líderes políticos e tecnocratas que definem e implementam as

políticas educativas em distintos países. Isto facilita e acelera as possibilidades de

transferir “soluções” políticas de um contexto a outro, sobretudo, quando há uma

sensação generalizada de que os processos de globalização econômica e cultural

confrontam os países com desafios semelhantes. Assim, em tempos de incertezas, tais

soluções mágicas globais se tornam muito atrativas por sua simplicidade.

Podemos concluir, então, que embora com diferenças, as propostas de

implantação da Agenda 21 Escolar nos níveis aqui estudados, têm muito mais

15

semelhanças, em especial no que diz respeito ao papel do Estado como formulador de

políticas públicas para orientar a educação ambiental para a construção de sociedades

sustentáveis.

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