doutrina 4ª auteraÇÃo final 13-11

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ISSN 012-7751 REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 37 jan./dez. 2011

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Page 1: doutrina 4ª AUTERAÇÃO final 13-11

ISSN 012-7751

REVISTA DO TRIBUNAL

DE CONTAS DO

DISTRITO FEDERAL

R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 37 jan./dez. 2011

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Toda correspondência deve ser dirigida a esta Seção:

TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL Seção de Documentação Praça do Buriti – Ed Costa e Silva – Brasília-DF -– 70070-500 [email protected]

CONSELHO EDITORIAL

Manoel Paulo de Andrade Neto - Vice-Presidente Demóstenes Tres Albuquerque - Procuradora-Geral Luis Genédio Mendes Jorge - Coordenador da CICE Francisco Solano Ulhoa Botelho - Chefe de Gabinete da Presidência Sebastião Baptista Affonso – Consultor Jurídico Paulo Cavalcanti de Oliveira - Diretor-Geral de Administração Ariel Dias Lima – Diretor da Divisão de Recursos Humanos

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal, n° 1 – 1975 –

Brasília, Seção de Documentação, 2011. ISSN 012-7751

1. Setor Publico - Servidor Publico - Gestão Pública - Tribunal de Contas do Distrito Federal

CDU 336.126.55(81)(05)

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TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL

COMPOSIÇÃO DE 2011

Conselheiros

Marli Vinhadeli - Presidente

Manoel Paulo de Andrade Neto -Vice-Presidente

Ronaldo Costa Couto

Antônio Renato Alves Rainha

Anilcéia Luzia Machado

Domingos Lamoglia de Sales Dias

Inácio Magalhães Filho

Auditor

José Roberto de Paiva Martins

Ministério Público

Demóstenes Tres Albuquerque - Procuradora-Geral

Márcia Ferreira Cunha Farias

Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira

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SUMÁRIO

DOUTRINA

INÁCIO MAGALHAES FILHO Férias do servidor público – remuneração, adicional, indeniza.......................9 SEBASTIÃO BAPTISTA AFFONSO Servidor público (Abrangência, categorias e evolução conceitual).................17

ADINOR BEDRITICHUK JUNIOR e EVERTON PEIXOTO CORREIA DE ASSUMPÇÃO Construção de um modelo de auditoria em projetos de tic com ênfase no setor público............................................................................................................27 JAMES QUINTÃO DE OLIVEIRA O uso do enfoque sistêmico no gerenciamento de projetos.............................52 OSVALDO CIPRIANO DA SILVA FILHO Responsabilidade do agente político na gestão da coisa pública....................86

ROSIMARY MARTINS MEDEIROS Pensão especial concedida à filha maior e solteira: exigência de declaração periódica da condição de solteira e que não vive em estado de união estável.....................................................................................................................103 IVAN BARBOSA RIGOLIN Amostras no registro de preços e no pregão, e o “carona”.............................115

VOTOS

ANTONIO RENATO ALVES RAINHA Competência do Ministro Público de Contas do DF exercer diretamente as funções de controle externo junto a órgãos da Administração do Distrito Federal.....................................................................................................................131

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ANTONIO RENATO ALVES RAINHA Transposição de servidores da carreira Administração Pública (regidos pela Lei n º 51/89) para a carreira Atividades Culturais......................................155 INÁCIO MAGALHAES FILHO Concessão de aposentadorias especiais a servidores públicos, em conformidade com o § 4° do artigo 40 da Constituição Federal.................200

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DOUTRINA

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FÉRIAS DO SERVIDOR PÚBLICO – REMUNERAÇÃO, ADICIONAL, INDENIZAÇÃO

Inácio Magalhães Filho Conselheiro do TCDF

1. Introdução – 2. A remuneração do período de gozo das férias e o adicional de férias – 3. A questão da indenização de férias – 4. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

Ainda hoje pairam dúvidas, no contexto da Administração Pública, sobre a remuneração do período de gozo das férias, o adicional de férias e a indenização de férias. O presente artigo, originado de tal constatação, reflete a preocupação de contribuir para a exata compreensão do tema.

Ao tratamento da matéria interessam os seguintes dispositivos legais:

Lei n° 8.112/90: Art. 76. Independentemente de solicitação, será pago ao servidor, por ocasião das férias, um adicional correspondente a 1/3 (um terço) da remuneração do período das férias. Parágrafo único. No caso de o servidor exercer função de direção, chefia ou assessoramento, ou ocupar cargo em comissão, a respectiva vantagem será considerada no cálculo do adicional de que trata este artigo. Art. 78. (...) § 3° O servidor exonerado do cargo efetivo, ou em comissão, perceberá indenização relativa ao período das férias a que tiver direito e ao incompleto, na proporção de um doze avos por mês de efetivo

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exercício, ou fração superior a quatorze dias. § 4° A indenização será calculada com base na remuneração do mês em que for publicado o ato exoneratório.

2. A REMUNERAÇÃO DO PERÍODO DE GOZO DAS FÉRIAS E O ADICIONAL DE FÉRIAS

A remuneração do período de gozo das férias e o adicional de férias devem tomar por base a situação funcional verificada nesse período, a teor do art. 76. da Lei n° 8.112/90. Isso obsta à inclusão da(s) parcela(s) relativa(s) ao cargo em comissão ou à função de confiança na base de cálculo da remuneração do período de gozo das férias e do adicional de férias caso se trate de simples substituição. Diversamente, no caso de titular de cargo em comissão ou função de confiança, a(s) respectiva(s) parcela(s) deve(m) ser levada(s) em conta no cálculo da remuneração do período de gozo das férias e do adicional de férias.

Resta tecer considerações acerca do interino. A interinidade, assim como a titularidade (de cargo em comissão), ocorre na presença de cargo vago. Nesta como naquela, o cargo é provido mediante nomeação e o servidor é investido no cargo com a posse, além de a vacância do cargo decorrer de exoneração. Ambas pressupõem a permanência do servidor no cargo.

A propósito, cabe trazer à colação a norma que disciplina a matéria na União:

Lei n° 8.112/90: Art. 9° A nomeação far-se-á: (...) II- em comissão, inclusive na condição de interino, para cargos de confiança vagos. (grifei)

A interinidade e a titularidade (de cargo em comissão), pelas próprias características, aproximam-se uma da outra, distanciando-se, por outro lado, da substituição. Correto, então, dispensar ao interino e ao titular (de cargo em comissão) idêntico tratamento, no

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que se refere à remuneração do período de gozo das férias e ao adicional de férias.

Nesse sentido, a Resolução n° 14/08, do Conselho da Justiça Federal, e a Portaria Normativa SRH n° 2/98, do antigo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado:

Resolução n° 14/08, do Conselho da Justiça Federal: Art. 12. Por ocasião das férias, o servidor tem direito ao adicional de férias e, opcionalmente, à antecipação da remuneração mensal correspondente. § 1° Na hipótese de o servidor exercer função comissionada ou cargo em comissão, inclusive na condição de interino, a respectiva retribuição será considerada no cálculo do adicional de férias. (grifei) Portaria Normativa SRH n° 2/98, do antigo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado: Art. 14. A remuneração das férias de Ministro de Estado e de servidor ocupante de cargo efetivo ou em comissão será: I – correspondente à remuneração do período de gozo das férias, tomando-se por base a sua situação funcional no respectivo período, inclusive na condição de interino; II – acrescida do valor integral do adicional de férias, correspondente a um terço da remuneração. (grifei)

3. A QUESTÃO DA INDENIZAÇÃO DE FÉRIAS

Superada essa etapa, cumpre enfrentar a questão da indenização de férias.

Poder-se-ia afirmar que, quando o ocupante de cargo efetivo é exonerado de cargo em comissão, não há o rompimento do vínculo porque o servidor continua no exercício do cargo efetivo. A prevalecer tal entendimento, não há obrigação legal da Administração de compensar financeiramente (indenizar) em face da situação aventada.

Ocorre que o ocupante de cargo efetivo, quando nomeado para cargo em comissão, deixa de desempenhar as atribuições do cargo efetivo e passa a desempenhar, com integral dedicação, as

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atribuições do cargo em comissão. Eis o regramento vigente na União:

Lei n° 8.112/90: Art. 19 (...) §1o O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração. Art. 120. O servidor vinculado ao regime desta Lei, que acumular licitamente dois cargos efetivos, quando investido em cargo de provimento em comissão, ficará afastado de ambos os cargos efetivos, salvo na hipótese em que houver compatibilidade de horário e local com o exercício de um deles, declarada pelas autoridades máximas dos órgãos ou entidades envolvidos.1

Diante desse quadro, o ocupante de cargo efetivo, quando nomeado para cargo em comissão, contrai novo vínculo, de natureza distinta, com a Administração, a despeito do vínculo anteriormente existente, que se mantém.

Exige-se, na espécie, ato de provimento (nomeação) próprio. O servidor é investido no cargo com a posse. Por fim, o desfazimento da situação reclama ato próprio, o de vacância (exoneração).

Há, portanto, em princípio, quebra de vínculo jurídico quando o ocupante de cargo efetivo é exonerado de cargo em comissão. Nessas condições, a indenização de férias é devida – exceto se o servidor for nomeado, sem solução de continuidade, para outro cargo em comissão – quando da exoneração. Acrescente-se que, de acordo com o raciocínio ora desenvolvido, o direito não se estende aos substitutos, restringindo-se aos titulares (de cargo em comissão) e aos interinos.

Ademais, o § 3° do art. 78 da Lei n° 8.112/90 não faz nenhuma distinção, para fins de indenização de férias, entre a exoneração do cargo em comissão dos que ocupam exclusivamente cargo em

1 Se quem acumula dois cargos efetivos fica afastado de ambos, a fortiori quem ocupa um único cargo efetivo ficará afastado dele.

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comissão e a dos que também ocupam cargo efetivo. E ao intérprete descabe restringir onde a lei não o faz.

A lógica da indenização de férias, como se vê, não se confunde com a do usufruto das férias.

Mais complexa é a questão da função de confiança. Isso porque o § 3° do art. 78 da Lei n° 8.112/90 não contempla expressamente o dispensado de função de confiança, mas tão-somente o exonerado de cargo efetivo ou em comissão.

Nada obstante, penso que o dispositivo em tela alcança também o dispensado de função de confiança. Faço-o com base em considerações de equidade.

Hoje já se admite que, em alguns casos, o princípio da legalidade, outrora incontrastável, seja mitigado, uma vez que a lei não é capaz de prever todas as hipóteses. Nesses casos, o intérprete é chamado a extrair da lei o sentido que se revele mais consentâneo com o direito. Confira-se, a propósito, o inciso I do parágrafo único do art. 2° da Lei n° 9.784/99:

Art. 2° (...) Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: I - atuação conforme a lei e o Direito;

Em segundo lugar, o inciso V do art. 37 da Constituição Federal destina às atribuições de direção, chefia e assessoramento não só os cargos em comissão, como também as funções de confiança. Além disso, o § 1° do art. 19 da Lei n° 8.112/90 submete a regime de integral dedicação ao serviço tanto o ocupante de cargo em comissão quanto o de função de confiança. Não vejo, assim, como tratar de modo diferente situações – a exoneração de cargo em comissão e a dispensa de função de confiança – que, no que interessa à solução do problema, se igualam. A legalidade estrita deve ceder, in casu, ao princípio da igualdade.

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Retomando o raciocínio anteriormente desenvolvido, importa salientar que as conclusões a que cheguei, no que concerne à indenização de férias, não constituem, verdadeira e propriamente, novidade.

Começo pelo Tribunal de Contas da União. No voto condutor da Decisão 3/1992-Plenário, o Relator faz este breve histórico:

6. É de se ressaltar, em princípio, que a Orientação Normativa n° 46, de 1991, expedida pelo Departamento de Recursos Humanos da Secretaria de Administração Federal, com publicação no Diário Oficial de 07.01.91, deixa assente que: "Orientação Normativa n° 46 O servidor aposentado, "exonerado" ou demitido sob a égide da Lei n° 8.112/90 inclusive o anteriormente regido pela legislação trabalhista, 'não terá direito à indenização de férias' (grifamos)." 7. Observamos, no entanto, mais recentemente, no que tange à tão citada indenização de férias por ocasião da desinvestidura do servidor do cargo efetivo, ou em comissão, que a Lei n° 8.216, de 13.08.91 (in D.O. de 15.08.91) ao disciplinar de forma contrária o tema enfocado, tornou insubsistente a supramencionada Orientação Normativa, observando-se conter dispositivo expresso em aditamento ao que trata da remuneração das férias, em geral, na Lei n° 8.112/90, preconizando em seu artigo 18, o seguinte, verbis: "Art. 18. O art. 78 da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990 passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos: "Art. 78. (...) § 3° - O servidor exonerado do cargo efetivo, ou em comissão, perceberá indenização relativa ao período das férias a que tiver direito e ao incompleto, na proporção de um doze avos por mês de efetivo exercício, ou fração superior a quatorze dias. § 4° - A indenização será calculada com base na remuneração do mês em que for publicado o ato exoneratório." 8. De sua vez, o Parecer n° 280/91 emitido pelo mesmo Órgão da Secretaria de Administração Federal, publicado no D.O. de 12.09.91, já esposou opinião diversa daquela Orientação Normativa n° 46/91, ante a superveniência da novel legislação que normatiza, de maneira cristalina a quaestio juris, valendo-nos destacar a ementa, ipsis litteris, do referido parecer, por se coadunar com a situação ora estudada, atinando-se para a segunda parte, assim disposta:

Ementa: A exoneração, ex officio ou a pedido, de cargo efetivo ou em comissão implicará indenização das férias vencidas e proporcionais, mesmo que verificada no período compreendido entre 1° de julho e 14 de agosto de 1991. A

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indenização será feita em relação apenas ao cargo em comissão, quando o servidor for exonerado somente do mesmo, mantida a titularidade do cargo efetivo.

De lá para cá, foi editado na União um sem-número de atos normativos que consagram o entendimento ora defendido:

Resolução n° 14/08, do Conselho da Justiça Federal: Art. 19. O servidor que for exonerado do cargo efetivo ou do cargo em comissão, bem como dispensado da função comissionada, perceberá indenização relativa ao período de férias na proporção de 1/12 (um doze) avos por mês de efetivo exercício ou fração superior a 14 (quatorze) dias, observada a data de início do exercício do cargo ou da função. Instrução Normativa n° 7/08, do Conselho Nacional de Justiça: Art. 22. O servidor exonerado do cargo ou dispensado da função comissionada fará jus à indenização dos períodos de férias adquiridos e não usufruídos e do período incompleto, na proporção de um doze avos por mês de efetivo exercício ou fração superior a quatorze dias, observada a data de exercício no respectivo cargo ou função. Nota Técnica n° 527/10-COGES/DENOP/SRH/MP, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão: Ressalte-se que, à luz da legislação em vigor, não há que falar em diferenciação de critérios para o pagamento de indenização de férias no caso de servidor com vínculo efetivo e daquele nomeado tão-somente para ocupar cargo em comissão.

O entendimento ora sustentado está em perfeita sintonia com o posicionamento de órgãos como o Tribunal de Contas da União, o Conselho da Justiça Federal, o Conselho Nacional de Justiça e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o que se mostra relevante para o correto equacionamento das questões postas neste trabalho.

4. CONCLUSÃO

O ponto de partida deste trabalho foi a persistência, no contexto da Administração Pública, de dúvidas acerca da remuneração do período de gozo das férias, do adicional de férias e da indenização de férias. A interpretação das normas de regência à luz dos princípios aplicáveis à espécie, bem como o exame do

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posicionamento de órgãos com poder normativo, possibilitaram traçar as linhas gerais pertinentes ao assunto. Do quadro delineado se extraem as seguintes conclusões:

1ª) o substituto de titular de cargo em comissão ou função de confiança não pode ter a(s) parcela(s) relativa(s) a esse cargo em comissão/função de confiança incluída(s) na base de cálculo da remuneração do período de gozo das férias ou do adicional de férias nem faz jus a indenização de férias em razão do término do período de substituição; e

2ª) o ocupante de cargo efetivo, quando exonerado ou dispensado de cargo em comissão ou função de confiança de que seja titular ou interino, faz jus a indenização de férias relativamente a esse cargo em comissão ou função de confiança, exceto se nomeado ou designado, sem solução de continuidade, para outro cargo em comissão ou função de confiança.

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SERVIDOR PÚBLICO (ABRANGÊNCIA, CATEGORIAS E EVOLUÇÃO

CONCEITUAL)

Sebastião Baptista Affonso Consultor Jurídico da Presidência do TCDF

A partir da vigente Constituição, de 5/10/1998, a denominação de Servidor Público, generalizadamente, passou a ser aplicada, para qualificar toda e qualquer pessoa, que preste serviço público, em órgão ou entidade da Administração Direta e Indireta, das diversas esferas do governo, fossem civis ou militares (Título – III da Constituição, capítulos VII e VIII, na redação original), sendo que depois, com o advento da Emenda Constitucional n° 18/98, aquela titulação ficou reservada aos civis, distinguindo-se dos militares.

Esses servidores públicos civis, dos órgãos da Administração Direta, autarquias e fundações públicas, nas áreas federal, estadual, distrital e municipal, seriam ocupantes de cargos públicos, efetivos ou comissionados, e regidos por um regime jurídico único, adotado em cada uma dessas diferentes esferas (Art. 39, na redação originária, agora restabelecida, com a decisão do STF, na ADIN n° 2.135, a partir de 14/8/2007), enquanto que os das empresas públicas e das sociedades de economia mista, entidades de direito privado integrantes da Administração Pública Indireta (Decreto-Lei n° 200/67, art. 4°, item II), ocupariam empregos regidos pelo regime da CLT (Art. 1713,da Constituição na redação originária).

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O regime jurídico único, para os servidores públicos civis federais, foi implantado com a Lei n° 8.112, de 11/12/1990, que no seu artigo 253 revogou, a Lei n° 1.711, de 28/10/1952, a qual estabelecia o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, na linha do anterior, adotado pelo Decreto- Lei n° 1.713, de 28/10/1939, o primeiro do gênero.

Desde os tempos do Império, inaugurado com a Independência do Brasil, a 7/9/1922, as atividades relativas à prestação de serviços e desempenho das funções inerentes à Administração Pública, eram exercidas em quatro graus hierárquicos, que compreendiam os seguintes: I – o Imperador, autoridade suprema do país, como depositário do Poder Moderador e Chefe do Poder Executivo, II – os Ministros e Secretários de Estado, III- os Presidentes de Províncias, que eram delegados da Administração Geral e Chefes da Administração na Província; e IV- os agentes diretos ou necessários, chamados de funcionários, nomeados e demitidos pelo chefe de Estado (cfr. Direito Administrativo Brasileiro, do Dr. Antônio Joaquim Ribas, Reedição de 1968 do Ministério Justiça, pág.131).

Na categoria geral dos então denominados de agentes administrativos, como tais compreendidas as pessoas, por intermédio das quais os Estados prestava seus serviços e desempenhava as suas funções administrativas, já se incluíam os que a tecnologia do Direito Administrativo chamava de funcionários, e exercentes de alguma fração de poder social, inerente a própria substância da Administração, e os meros empregados públicos, cujos serviços prestados eram de caráter comum, ao da vida privada, sendo estes de natureza auxiliar, em relação aos daqueles (obra citada, páginas 78/79).

A Administração Pública, tem sua vida e o preenchimento da sua missão, dependente do exercício das suas funções diretas ou essenciais, o que conta com o desempenho dos agentes, chamados de funcionários, tendo os empregados públicos o encargo de realizar

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aquelas funções indiretas ou auxiliares, as quais serviam para facilitar e coadjuvar aqueles outros, grupos no qual não se incluíram, porém, aqueles agentes temporários, contratados para serviços meramente mecânicos ou braçal, que eram os serventes, operários ou jornaleiros (por funcionários públicos, portanto, eram chamados aqueles servidores pertencentes às hoje denominadas carreiras típicas de estado).

A Constituição Política do Império, de 25/3/1824, atribuía competência à Assembleia Geral, para criar ou suprimir empregos públicos e estabelecer-lhes ordenados (Art. 15, §XVI), assim como responsabilizava os empregados públicos pelos abusos e omissões praticadas no uso de suas funções e por não responsabilizarem seus subalternos (Art. 179,§XXIX), usando essa espécie de agente como gênero, que compreendia inclusive os funcionários diretos e indiretos.

Com a Proclamação da República, a 15/11/1889, sobreveio a Constituição, de 24/2/1891, que se referiu à acessibilidade aos cargos públicos (art. 73), à aposentadoria do funcionário público em serviço (art. 75), bem como à sua responsabilidade por abusos e omissões, obrigando-os a formalizar compromisso de bom desempenho dos seus deveres legais, no ato de sua posse (art. 82 e seu parágrafo único).

Na segunda Carta Republicana, de 16-7-1934, foi prevista a competência legislativa para “criar e extinguir empregos públicos federais, fixar-lhes e alterar-lhes os vencimentos” (art. 39, item 6), e a do Presidente da República, para prover os cargos federais (art. 56, item 14), mas dedicado todo o seu Título VII ao trato DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS (arts. 168 a 173), como sendo estes detentores de cargos públicos e passíveis de adquirirem estabilidade, sendo prevista a votação do Estatuto, que estabelecesse seu regime jurídico, direitos e vantagens (art. 170).

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Entrementes, foi editada a Lei n° 284, de 28-10-1936, cujo artigo 19 era do seguinte teor, verbis:

Art. 19. Os serviços públicos civis serão executados pelos funcionários, cujos cargos constam das tabelas anexas a esta lei e por pessoal extranumerários. Parágrafo único. O pessoal extranumerário classificado em contratado, mensalista, diarista e tarefeiro será admitido na forma da legislação que vigorar, de acordo com a natureza e a necessidade dos serviços a serem executados e pelo prazo que for indispensável.

Com a decretação do Estado Novo, foi outorgada a Constituição, da 10/11/1937, que previa a competência do Presidente da República, para prover os cargos federais (art. 74, alínea “l”), dedicando um capítulo aos Funcionários Públicos (art. 156 a 159), que repetiu a previsão do Estatuto dos Funcionários Públicos (art. 156), o qual veio logo editado, com o Decreto – Lei n° 1713/39.

Nesse ínterim, veio a lume o Decreto-Lei n° 240, de 4/2/1938, dispondo sobre o pessoal extranumerário e o pessoal para obras, como se fosse o estatuto desses servidores, cujo artigo 1° assim preceituava, verbis:

Art. 1°. Além dos funcionários públicos civis regularmente investidos em cargos públicos criados por lei, poderá haver nos serviços públicos federais, pessoal extranumerário.

Seguiram-se-lhe os Decretos – Lei n°s 1.909/39, 2.936/40, 3.768/41, 4.114/42, 4.421/42, 4.450/42, 5.175/43, 6.631/44, 8.201/45 e 8.661/46 as Leis n°s 488/48, 525-A/48, 1.110-A/50, todos estes sobre direitos, vantagens e questões relativas aos extranumerários.

Essa categoria de extranumerários foi criada, para contornar a exigência constitucional, de nomeações por concurso e para cargos criados por lei.

Com a Constituição, de 18/9/1946, foi restabelecida a competência do Congresso Nacional, para criar e extinguir cargos públicos, bem como fixar-lhes os vencimentos (art. 65, item IV), e a do Presidente da República, para prover os cargos públicos (art. 87,

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item V), tendo dedicado um Título – III ao trato dos FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS, (arts. 184 a 194), sendo editado o seu segundo Estatuto, pela Lei n° 1.711/52.

O ADCT de 1946, no seu art. 23, concedeu estabilidade aos extranumerários, com mais de 5 anos de exercício ou nomeados por concurso, os quais foram equiparados aos funcionários, passando a ser regidos pelo ESTATUTO da Lei n° 1711/52 (art. 252), sendo a eles equiparados os servidores admitidos em regime de acordos (Art. 264 desse Estatuto).

Várias leis se sucederam, sobre essa categoria de servidores, a saber:

1) Lei n. 1.765/52, transformando os diaristas em mensalistas;

2) Lei n° 2.284/58, vedando novas nomeações, que não fossem para função transitória;

3) Lei n° 3.484/58, passando para mensalistas os contratados e tarefeiros, equiparados aos funcionários;

4) Lei n° 3.780/60, extinguindo a categoria dos extranumerários e dos a eles equiparados, os quais eram incluídos como funcionários no Plano de Classificação de Cargos; e

5) Lei n° 3.826/60, equiparando aos extranumerários, para inclusão no PCC, os ferroviários incorporados na REFFSA.

Aqueles preceitos, da Carta de 46, foram mantidos de 1967 (Arts. 46/IV, 83/VI e 95/106), e na da EC n° 1/68 (arts. 43/ V, 81/VIII e 97 a 111).

Verifica-se, porém, que o regime celetista, abolido no serviço público, voltou a ser estimulado, pelo art. 96 do Decreto-Lei n° 200/67, e pelo art. 104, da Constituição de 1967, com nova redação no art. 106, da EC n° 1/68 (pessoal admitido em serviço de caráter temporário ou para funções de natureza técnica), cujos empregos

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acabaram sendo, novamente, transformados em cargos públicos(cfr.Lei n° 8.112/90, art. 243) .

Dos administrativistas contemporâneos destas últimas reformas constitucionais, os autores de edições mais novas, no trato do tema, incorporam a terminologia adotada na Lei do Regime Jurídico Único, qual a de Servidores Públicos, mas aqueles outros, um pouco mais antigos, ainda registram o termo tradicional de Funcionários Públicos, como é o caso do Professor Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, da Livraria Sulima Editora, 4ª Edição de 1964, pág. 162), para quem são eles os profissionais, que constituem o mais importante grupo, de prestadores de trabalho público, os quais são marcados, por quatro características, independentes, entre si, quais sejam:

a) A natureza técnica ou prática do serviço prestado;

b) A retribuição, de cunho profissional;

c) A vinculação jurídica à União, ao Estado, ao Distrito Federal ou ao Município;

d) O caráter permanente dessa vinculação, segundo uma disciplina legal específica.

Alcança-se a condição de Funcionário Público, pela investidura regular em um cargo público, que supõe um ato unilateral e constitutivo do Estado, pelo qual é conferido ao indivíduo, o direito de ingressar nos quadros permanentes do serviço público, cuja concreção se completa, com o ato formal da posse e consequente entrada em exercício, a partir de quando, passa ele a ter os direitos e deveres respectivos (cfr. Obra citada, fls. 167/69).

O funcionário público, em sentido estrito, como aqui anteriormente definido, é caracterizado como agente administrativo, uma das espécies de agentes públicos, que também se completa com os denominados agentes políticos, quais sejam os membros de poder.

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O Código Penal Brasileiro, de 1940, considera Funcionário Público, quem embora transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública, equiparando-se a ele, quem exerça cargo, emprego ou função em entidade paraestatal (Art. 327 e seu § 1°, renumerado pela Lei n° 6.799/80).

O eminente Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, reconhecida autoridade nessa matéria, classifica o Agente Público em Agente Político (membros de poder) e em Servidores Estatais e particulares em atuação colaboradora, sendo que aqueles Servidores seriam subdivididos em Servidores Públicos, das pessoas jurídicas de direito público interno, sejam os ocupantes de cargos públicos (anteriormente denominados de Funcionários Públicos) ou empregados celetistas, e os Servidores de pessoas governamentais de direito privado, quais sejam as empresas públicas e as sociedades de economia mista (In Curso de Direito Administrativo, 25ª ed. Malheiros, 2008, págs. 245/47).

A doutrina não é uniforme, no trato desse tema, mas estaria a induzir que, com uma certa lógica, quem ocupar cargo estatutário seria funcionário e quem ocupar emprego celetista seria empregado, sendo ambos espécies diversas de servidores públicos, com regimes jurídicos diversos.

Em síntese, poder-se-ia considerar a expressão agente público, como sendo a mais ampla categoria de servidores compreendendo as espécies de agente político (o membro de poder) e de agente administrativo, que seria este o servidor público em sentido amplo (Todo aquele que é vinculado a um órgão ou uma entidade da Administração Pública Direta ou Indireta), o qual pode ser funcionário público, se ocupante de cargo público e vinculado à Administração Direta, Autarquia ou Fundação Pública, regido pelo regime jurídico estatutário), ou pode ser empregado público, se contratado pelo regime celetista, por órgão público ou entidade da Administração Indireta.

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O saudoso Ministro Ruben Rosado TCU, em memorável e judicioso trabalho doutrinário, sobre Aposentadorias e Pensões,conceituou Fncionário Público Civil, “quem exerce cargo público, criado em lei e pago pelo cofre público federal, qualquer que seja a forma de pagamento”, reportando-se a Paul Stainof, para quem “la definition du fonetionnaire est liée à um système du droit positif”, assim como o venerando Acórdão do Egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança n° 331, pelo qual “só se deve considerar, precisamente, funcionário público, aquele que, pertencendo ao quadro geral da Administração Pública, se submete, em razão do seu ofício, aos preceitos legais dos regulamentos administrativos, sujeito a processo especial nos crimes funcionais, e, assim, conforme a hipótese, adstrito às vantagens expressas na Constituição e obrigado aos ônus desta decorrentes”, cuja natureza jurídica do vínculo que o liga ao Estado é de caráter estatutário ou legal, o qual pode ad futurum ser modificado por novas leis, de aplicação imediata, sem direito adquirido contra a faculdade discricionária do poder público, de reorganizar os serviços públicos.

Toda esta evolução, constitucional e legislativa, demonstra que o núcleo central, dos agentes ou servidores, pelos quais o Estado exerce, diretamente, as suas funções administrativas, é constituído pela categoria genérica de Funcionários Públicos, denominação esta que vinha sendo adotada, desde os tempos idos do Império, até o advento da atual Constituição, de 5/10/1988, que passou a usar a terminologia de Servidores Públicos (Segue em anexo “organograma” esquemático das diversas espécies de servidores).

O Regime Jurídico Único, estabelecido pelo legislador constituinte originário (art. 39), objetivou submeter os servidores públicos (funcionários), das pessoas jurídicas de direito público interno, no âmbito da União ou de cada ente federado (Estados, DF e Municípios), a um mesmo regramento legal, em termos de direitos, garantias, disciplina e seguridade social (excetuada a aposentadoria

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dos comissionados, sem vínculo efetivo, conforme art. 40, § 13 da CF, na redação da EC n° 20/98).

Decisão recente, do colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 507.536, corroborada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao rejeitar a Reclamação n° 11.022, (Ação patrocinada pelo subscritor deste trabalho), reconhece a constitucionalidade e determina a aplicação do regime jurídico único, implantado pela Lei n° 8.112/90, aos servidores dos Conselhos de Fiscalização do Exercício das Profissões Liberais Regulamentadas, considerando-os de natureza autárquica, com exceção da Ordem dos Advogados do Brasil.

O que distinguiria, essencialmente, o servidor funcionário público do empregado, portanto, seria o fato objetivo de ser ele ocupante de cargo, regido pelo regime jurídico único (Arts. 40 e 41 da Constituição), ou então ser ocupante de emprego, regido pelo regime de CLT (Arts. 37/IX e 173, § 1°, item II, da Constituição), sendo ambos espécies do gênero Servidor Público, a que se referem os arts. 37, itens I, II, VI, VIII e X, da Constituição).

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ANEXO

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CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE AUDITORIA EM PROJETOS DE TIC COM

ÊNFASE NO SETOR PÚBLICO

Adinor Bedritichuk Junior e Everton Peixoto Correia de Assumpção

Auditores de Controle Externo do TCDF

1. Introdução. 1.1. Definição do Problema. 1.2. Objetivos. 1.2.1. Objetivo Geral. 1.2.2. Objetivos Específicos. 1.3. Escopo. 2. Levantamento do Referencial Teórico. 2.1. Normas aplicadas às contratações de TIC pelo setor público. 2.1.1. Princípios Constitucionais. 2.1.2. Lei n° 8.666/93. 2.1.3. Lei n° 10520/02. 2.1.4. Instrução Normativa n° 04/2008-SLTI. 2.2. Decisões do TCDF relacionadas a TIC. 2.3. Boas práticas aplicadas aos processos de TIC. 2.3.1. COBIT 4.1. 2.3.2. ISO/IEC 12207. 2.3.3. ISO/IEC 27001 e 27002. 2.4. Construção dos Componentes do Framework. 3. Resultado. 3.1. Visão do Framework. 4. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

1.1.Definição do Problema

Nos últimos anos, com a evolução dos recursos de tecnologia e com a diminuição dos preços dos equipamentos de informática, o setor público vem investindo cada vez mais na tecnologia da informação como suporte à tomada de decisão. Com isso, modificou-se radicalmente a forma de comunicação entre os organismos públicos e a sociedade, tornando a prestação de serviços à população melhor e mais eficaz.

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Paralelo a essa evolução, os desvios de dinheiro público, diretamente relacionado aos contratos de Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC, aumentaram, motivado tanto pela alta evolução das contratações de bens e serviços de informática quanto pela carência da fiscalização imposta pelos organismos governamentais, sob alegação de ausência de técnicos capacitados e metodologias que sustentem o exame detalhado dos contratos.

Devido ao alcance da informática, com os consequentes desvios, o controle da informação tornou-se ferramenta fundamental para que o Setor Público Federal exerça fiscalização nos contratos de serviços e aquisição relacionados as Tecnologias envolvidas, assim como é realizado em outras atividades.

Presente em diversos órgãos das esferas federal, estadual e municipal do Brasil, a Auditoria de TIC, salvo poucas exceções, ainda não se consolidou como ferramenta fundamental de controle, apresentando nível de maturidade abaixo do esperado.

A literatura, apesar de farta, é quase toda direcionada às empresas privadas, que possuem características diferentes dos órgãos públicos, principalmente no que se refere à independência nos orçamentos e nas contratações de novas tecnologias.

A ausência de padrões e metodologias de Auditoria de TIC vem ocasionando ações de controle desordenadas, com critérios de avaliação diferentes, gerando, por diversas vezes, recomendações conflitantes para um mesmo tipo de verificação.

Nesse contexto, é fundamental que os órgãos de controle busquem mecanismos para auditar os projetos de TIC realizados pelos seus jurisdicionados.

Diante desse problema, o presente trabalho visa implementar modelo de auditoria para avaliar projetos de Tecnologia da Informação e Comunicação, considerando sua eficácia (alinhamento

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estratégico), conformidade legal e qualidade dos serviços prestados durante o seu ciclo de vida.

Para tanto, o trabalho desenvolveu-se a partir do levantamento do ordenamento jurídico que rege as contratações de bens e serviços de TIC pela administração pública e das pesquisas realizadas na base de dados do Tribunal de Contas do DF, de modo a identificar a jurisprudência gerada por esta Corte e das boas práticas aplicadas a esses processos, segundo normas e modelos consolidados pelo mercado.

1.2 Objetivos

1.2.1.Objetivo Geral

Elaborar/Construir modelo ou framework de auditoria em projetos de TIC com ênfase no setor público para uso dos órgãos de controle, de modo a avaliar projetos de TIC ao longo do seu ciclo de vida.

1.2.2.Objetivos Específicos

•Levantar o referencial teórico aplicado as contratações de bens e serviços de TIC pelo setor público, bem como as boas práticas aplicadas a esses processos;

•Pesquisar os trabalhos realizados pelo TCDF na área de TIC;

•Consolidar/correlacionar as informações levantadas para a construção dos componentes do modelo de auditoria de projetos em Tecnologia da Informação e Comunicação;

1.3. Escopo

O escopo deste trabalho se limitou ao referencial normativo aplicado às contratações de bens e serviços de TIC pela administração pública, às decisões do Tribunal de Contas do DF nessa área e às boas práticas a serem observadas nos processos de Tecnologia da Informação e Comunicação.

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2. LEVANTAMENTO DO REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo, apresentamos o referencial teórico que norteou a elaboração do modelo de auditoria proposto, no tocante à conformidade legal que todo ente público deve observar em suas contratações de bens e serviços de TIC, desde o planejamento até o término da execução dos serviços, bem como a jurisprudência do TCDF e as boas práticas a serem seguidas nos processos de tecnologia da informação geridos por uma organização.

Além disso, investigamos as questões de auditoria abordadas nos trabalhos desenvolvidos pelo Corpo Técnico do TCDF, de modo a subsidiar a identificação dos componentes do modelo de auditoria.

2.1.Normas aplicadas às contratações de TIC pelo setor público

2.1.1.Princípios Constitucionais

As entidades fiscalizadoras da Administração Pública são constitucionalmente incumbidas de verificar a legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência dos atos dos administradores públicos (art. 37, caput, da Constituição Federal do Brasil).

2.1.2.Lei n° 8.666/1993

A Lei n° 8.666/1993 visa estabelecer as normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito de órgãos da Administração Pública.

Esta lei subordina os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

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Segundo Hely Lopes Meirelles1, a licitação é um procedimento administrativo mediante o qual a Administração seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Desenvolve-se por meio de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, propiciando igual oportunidade a todos os interessados e atuando como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos, conforme enfatiza o autor.

Ela define quais as modalidades de licitação existentes, bem como os tipos e os limites para o valor de aquisição para cada caso. Tal lei define termos comumente usados na licitação, o que deve ser exigido, as modalidades de licitação, forma de habilitação à licitação, julgamento da licitação e formalização dos contratos.

A Lei n° 8.666/93 normatiza que, a partir da assinatura do contrato, todo o projeto deve estar em conformidade com esse documento. Assim, é de suma importância que o processo de criação do Edital esteja em conformidade com a Lei, pois ele é o responsável por definir todo o conteúdo do projeto, que após sua publicação não pode mais ser alterado, a não ser que haja cancelamento do procedimento.

É importante notar que a Lei n° 8.666/93 prevê em seu artigo 45 que:

§ 4° Para contratação de bens e serviços de informática, a Administração Pública observará o disposto no art. 3° da Lei n° 8.248, de 23 de outubro de 1991, levando em conta, com a adoção da licitação de técnica e preço, os fatores especificados em seu § 2° e adotando obrigatoriamente o tipo de licitação técnica e preço, permitido o emprego de outro tipo de licitação nos casos indicados em decreto do Poder Executivo.

No entanto, a citada obrigatoriedade do uso do tipo técnica e preço para contratação de serviços de informática não encontra mais

1MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 266.

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amparo no campo legislativo, pois com a edição da Lei n° 11.077/20042, que alterou a redação do art. 3°3 da Lei n° 8.248/914, a modalidade pregão pode ser utilizada para aquisição de bens e serviços comuns de informática, nos termos da Lei n° 10520/02.

Ainda, se os serviços contratados farão uso de uma metodologia, o que significa o uso de métodos, padrões e/ou especificações pré-estabelecidas, é lógico que se trata de serviços padronizáveis que são utilizados pelo mercado de TIC, enquadrando-se, portanto, no conceito disposto no parágrafo único do art. 1° da Lei n° 10.520/02.

2.1.3. Lei n° 10.520/02

Apesar de a Lei Licitatória n° 8.666/93 vedar a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação delas, a medida provisória n° 2.182-18/2001, instituiu, no âmbito da União, uma nova modalidade denominada Pregão. Só que a referida lei vedava a criação de outras modalidades de licitação, salvo se introduzidas por outra norma geral. Foi aí que a Lei n° 10.520, de 17/07/2002, converteu a medida provisória em norma geral, determinando também a sua aplicação aos Estados, Distrito Federal e Municípios, o que acabou por dispensar estas entidades de editarem leis próprias sobre a matéria.

2Altera a Lei n° 8.248, de 23 de outubro de 1991, a Lei n° 8.387, de 30 de dezembro de 1991, e a Lei n° 10.176, de 11 de janeiro de 2001, dispondo sobre a capacitação e competitividade do setor de informática e automação e dá outras providências. 3A aquisição de bens e serviços de informática e automação, considerados como bens e serviços comuns nos termos do parágrafo único do art. 1° da Lei n° 10.520, de 17 de julho de 2002, poderá ser realizada na modalidade pregão, restrita às empresas que cumpram o Processo Produtivo Básico nos termos desta Lei e da Lei n° 8.387, de 30 de dezembro de 1991. (NR) 4Dispõe sobre a capacitação e competitividade do setor de informática e automação, e dá outras providências.

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O Pregão é a modalidade de licitação para a aquisição de bens ou serviços considerados comuns, que é realizada em sessão pública. Ela pode ser feita de forma presencial ou eletrônica. As propostas de preços são apresentadas por escrito e por lances, e estes podem ser verbais ou eletrônicos (internet). Admite como critério de julgamento da proposta somente o menor preço.

Consideram-se bens e serviços comuns aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital por meio de especificações usuais no mercado, tais como peças de reposição de equipamentos, mobiliário padronizado, bens de consumo, combustíveis e material de escritório, bem assim serviços de limpeza, vigilância, conservação, locação e manutenção de equipamentos, agenciamento de viagem, vale-refeição, digitação, transporte, seguro-saúde, entre outros.

Verifica-se que inúmeros são os objetos passíveis de serem licitados pelo pregão, o que torna inviável qualquer tentativa de se estipular, num rol taxativo e fechado, uma enumeração de quais bens e serviços podem ser contratados por essa nova modalidade.

O Anexo II, do Decreto n° 3.555, de 08/08/2000, alterado pelo Decreto n° 3.693, de 20/12/2000, regulamenta a matéria, relacionando os bens e serviços comuns. Importante frisar que essa lista é apenas exemplificativa, servindo para orientar o administrador na caracterização do bem ou do serviço comum.

O pregão possui uma fase preparatória que se passa no âmbito interno do órgão ou entidade responsável pela aquisição dos bens ou serviços desejados. Esta fase tem início com o ato de autoridade competente pelo qual justifica a necessidade de contratação, define seu objeto, as exigências de habilitação, os critérios de aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento e as cláusulas do contrato, com a fixação dos prazos para o fornecimento.

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Trata-se, segundo Hely Lopes Meirelles5, da motivação do ato administrativo inicial do procedimento licitatório, a qual, diante dos requisitos impostos pela lei, transforma-se em elemento vinculante do mesmo, cuja ausência dá lugar à nulidade de todo o procedimento.

A definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, afastando-se as especificações irrelevantes e desnecessárias. Os elementos indispensáveis para a definição do objeto deverão constar de um termo de referência e do respectivo orçamento, considerando os preços praticados no mercado, a descrição dos métodos, a estratégia de suprimento e o prazo de execução do contrato, conforme determina o Decreto n° 3.555/2000.

2.1.4. Instrução Normativa n° 4/2008-SLTI

A Secretaria de Logística de Tecnologia da Informação – SLTI, vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, publicou a Instrução Normativa n° 04/2008, de 19/05/2008, que dispõe sobre o processo de contratação de serviços de Tecnologia da Informação pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, contratação esta que deverá ser precedida de planejamento elaborado em consonância com o Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI), o qual deverá estar alinhado ao plano estratégico da organização.

Posteriormente, o referido normativo foi atualizado/revogado pela IN n° 04/2010 de 12 de novembro de 2010.

No âmbito do Distrito Federal, a IN n° 04/2008-SLTI/MPOG foi recepcionada pelo Decreto n° 32.218 de 16/09/2010.

5MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 316.

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A IN n° 04/2008-SLTI define as fases que um processo de contratação na área de TIC deve possuir: Planejamento da Contratação, Seleção do Fornecedor e Gerenciamento do Contrato.

2.2.Decisões do TCDF relacionadas a TIC

Em consulta a base de dados do Tribunal de Contas do DF – TCDF, verificamos que os trabalhos de auditoria realizados no exame das contratações de TIC pelos entes distritais, relativamente aos últimos três anos, foram norteados pelos seguintes critérios:

CRITÉRIOS DE AUDITORIA OCORRÊNCIA

Lei 8.666/93 (Brasil, 1993) 20

Lei 10.520/02 (Brasil, 2002) 18

Instrução Normativa n° 04/2008-SLTI/MPOG 1

Decisões do TCDF (Diretrizes) 5

COBIT 4.1. (IT GOVERNANCE INSTITUTE, 2007) 2

Fonte: Base de dados do TCDF

Depreende-se do quadro acima que as Auditorias de TIC realizadas pelo Corpo Técnico do TCDF envolveram basicamente a verificação do cumprimento do ordenamento jurídico vigente (conformidade legal), vez que os trabalhos na área de governança de TIC ainda são incipientes.

Seguem abaixo as decisões do TCDF que são utilizadas como diretrizes para os trabalhos de auditoria de TIC, realizados pelo Corpo Técnico dessa Corte de Contas, considerando o universo de 46 (quarenta e seis) processos identificados e o período pesquisado, referente aos últimos três anos.

•Diretriz disposta na Decisão n° 2517/2002 (Anexo I):

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o apresentação de estudo de viabilidade econômica que justifique a contratação de bens e serviços por meio de locação ao invés da aquisição.

•Diretriz disposta na Decisão n° 615/2008 (Anexo I): o utilização da unidade “Ponto de Função” como

critério de mensuração para os serviços de desenvolvimento e manutenção de sistemas;

o necessidade de estabelecimento de critérios mensuráveis também para as atividades de suporte ao usuário, de administração de bases de dados e de operação de redes, relacionadas aos serviços de infraestrutura definidos neste certame, com a finalidade de assegurar a redução dos custos, a garantia do serviço prestado e a remuneração do serviço vinculado ao resultado obtido;

o possibilidade de separação dos serviços a serem contratados, na forma como aventada pelo órgão instrutivo desta Corte de Contas, em face do disposto no art. 23, § 1°, da Lei n° 8.666/93, com os consequentes ajustes no tipo de licitação a ser adotada para cada item, de acordo com as características dos serviços; e

o adoção do instrumento chamado “Acordo de Nível de Serviço”, prática estabelecida pelo mercado, para se buscar a qualidade e eficiência dos serviços prestados na área de informática.

•Diretriz disposta na Decisão n° 1.230/2008 (Anexo I): o fixação dos procedimentos e dos critérios de

mensuração dos serviços prestados, abrangendo métricas, indicadores e valores aceitáveis;

o quantificação ou a estimativa prévia do volume de serviços demandados, para fins de comparação e controle;

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o definição de metodologia de avaliação da adequação às especificações e da qualidade dos serviços com vistas à aceitação e pagamento;

o definição dos procedimentos de acompanhamento e fiscalização a serem realizados concomitantemente à execução para evitar distorções na aplicação dos critérios; e

o utilização, como instrumento de controle das etapas de solicitação, acompanhamento, avaliação, atestação e pagamento de serviços, da “ordem de serviço” ou “solicitação de serviço”.

•Diretriz disposta na Decisão n° 1.294/2009 (Anexo I): o fracionamento do objeto do contrato em pelo menos

dois lotes distintos: desenvolvimento/manutenção de sistemas e serviços de infraestrutura, ocasionando, assim, o melhor aproveitamento dos recursos do mercado, a redução dos custos e a ampliação da competitividade, ou justificar o não parcelamento;

o remuneração dos serviços de manutenção corretiva, adaptativa e evolutiva dos sistemas sustentados por pontos de função, em vez de ser pelo quantitativo de horas técnicas estipulado no Edital, considerando as atividades a serem executadas pela fábrica de software;

o designação de servidor com a capacidade de realizar a medição dos serviços de manutenção corretiva, adaptativa, utilizando-se a técnica de Análise de Ponto de Função, de acordo com as especificações contidas no Function Point Counting Practices Manual, versão 4.1 ou superior, publicado pelo IFPUG – International Function Point Users;

•Diretriz disposta na Decisão n° 6.188/2009 (Anexo I):

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o os serviços de desenvolvimento/manutenção de sistemas de informática que são executados por meio de metodologias que possuem técnicas e padrões existentes no mercado (serviços padronizáveis), na forma do parágrafo único do art. 1° da Lei n° 10520/02, podem ser contratados na modalidade pregão por trazerem vantagens de competitividade, economicidade e celeridade.

•Diretriz disposta na Decisão n° 4.287/2010 (Anexo I): o detalhamento do nível de serviço necessário à

execução do objeto que possibilite a não ocorrência de conflito de interesse na medição e remuneração dos serviços;

o utilização da modalidade pregão na contratação em comento, nos termos da Decisão n° 6.188/09 e da IN n° 02/2009-SLTI/MPOG;

o licitação do serviço de help-desk de primeiro e segundo nível em um lote específico, de forma a aproveitar a especialização das empresas de TIC nesse segmento de mercado, aumentando, assim, a competitividade do certame (adjudicação do objeto para até 3 empresas distintas);

o confecção de demonstrativo chamado pelo mercado de ‘Tabela de Itens de Demandas não Mensuráveis por Pontos de Função’, para serviços que não puderem ser medidos por ponto de função, nos termos da alínea ‘a’ do item II da Decisão Liminar 204/2008, referendada pelo Plenário (Decisão 8176/2008);

o definição do fator redutor nos serviços de manutenção de sistemas que deverá ser aplicado de acordo com o tipo de manutenção: inclusão de funcionalidades (FR = 1), alteração de funcionalidades (FR = 0,5) e exclusão de funcionalidades (FR = 0,25), tomando como base o

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Pregão Eletrônico n° 124/2009 do Tribunal Superior do Trabalho;

o exclusão das atividades de análise de negócio/requisitos e de análise de sistemas/Business Intelligence definidas no Termo de Referência, vez que essas atividades estão previstas nas disciplinas do processo de produção de sistemas da SEDF, sendo, assim, diluídas no preço do ponto de função que a Unidade pagará à contratada pelos serviços de desenvolvimento/manutenção de sistemas;

o atribuição do valor de 1,00 ao fator de ajuste no cálculo da remuneração dos serviços de desenvolvimento e de manutenção de sistemas medidos em pontos de função, de modo a não sobrevalorizá-los.

2.3.Boas práticas aplicadas aos processos de TIC

2.3.1. COBIT 4.1

Utilizado como referência para a gestão e controle de TIC o COBIT é considerado um padrão para o gerenciamento dos processos de negócios alinhados a um modelo de governança de TIC. Ou seja, é um guia para a gestão de TIC recomendado pelo ISACA (Information Systems Audit and Control Association, www.isaca.org)

Pelo modelo COBIT 4.1, a conformidade legal é essencial para caracterizar a existência de governança de TIC em organizações públicas e privadas.

O COBIT está dividido em quatro domínios:

A.Planejamento e Organização,

B.Aquisição e Implementação,

C.Entrega e Suporte, e

D.Monitoração.

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Cada domínio cobre um conjunto de processos para garantir a completa gestão de TIC, somando 34 processos:

2.3.2. ISO/IEC 12207

Criada a partir de um esforço conjunto das organizações ISO – International Organization for Standardization e IEC - International Electrotechnical Commission, a norma NBR ISO/IEC 122076 estabelece uma arquitetura comum para o ciclo de vida de processos de software com uma terminologia bem definida. Contêm processos, atividades e tarefas a serem aplicadas durante o fornecimento, aquisição, desenvolvimento, operação e manutenção de produtos de software e serviços correlatos.

No tocante aos processos de implementação de software, seu propósito é produzir um elemento de sistema especificado, implementado como um produto ou serviço de software. Este processo geral é decomposto em outros processos de nível mais baixo, a saber:

Combinar as unidades e componentes de software, produzindo itens de software integrados, consistentes com o projeto (design) de software e que demonstrem que requisitos funcionais e não funcionais foram satisfeitos em uma plataforma operacional completa ou equivalente.

6A NBR ISO/IEC 12207 é a tradução publicada da ISO/IEC 12207 pela ABNT.

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Processo Propósito

Processo de Análise de Requisitos de Software

Estabelecer os requisitos dos elementos de software do sistema.

Processo de Projeto Arquitetural de Software

Prover um projeto (design) para o software que implemente os requisitos e que possa ser verificado junto a eles.

Processo de Projeto Detalhado de Software

Prover um projeto (design) para o software que implemente os requisitos e a arquitetura, e que possa ser verificado junto a eles, em um nível de detalhes suficiente para que possa ser codificado e testado.

Processo de Construção de Software

Produzir unidades de software executável que adequadamente reflitam o projeto (design) de software.

Processo de Integração de Software

Combinar as unidades e componentes de software, produzindo itens de software integrados, consistentes com o projeto (design) de software e que demonstrem que requisitos funcionais e não funcionais foram satisfeitos em uma plataforma operacional completa ou equivalente.

Processo de Teste de Qualificação de Software

Confirmar que o produto de software integrado satisfaz os requisitos definidos.

Fonte: ISSO/IEC 12207

2.3.3. ISO/IEC 27001 e 27002

A norma ISO/IEC 27001 (Information Technology - Information Security Management Systems - Requirements) trata da implantação de um processo de gestão de segurança da informação (ISMS - Information Security Management Systems) que pode ser utilizado pelas organizações para aplicação interna, para certificação ou para fins contratuais. Ela está focada na eficácia do sistema de gestão de segurança da informação em manter o nível de segurança requerido para atender as partes interessadas e gerenciar a segurança da informação de acordo com os riscos do negócio.

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Esta norma em conjunto com a ISO/IEC 27002 (Guia de Boas Práticas em Segurança da Informação) são as principais referências, atualmente, para a quem procura tratar a questão da segurança da informação.

2.4.Construção dos Componentes do Framework

De início, para identificação dos componentes a serem utilizados na construção de um novo modelo de auditoria de TIC com ênfase no Setor Público, realizamos levantamento dos processos julgados nesta Corte de Contas cujo tema fosse Tecnologia da Informação. Foram selecionados 46 processos, entre 2008 e 2010. Os temas mais frequentes foram Políticas definidas em TIC, Segurança da Informação, Compatibilidade dos preços, Licenciamento de software e Conformidade Regulatória, classificados conforme gráfico a seguir:

Fonte: Base de dados do TCDF

Avaliamos a frequência das ocorrências, a gravidade observada e o nível de abrangência nas organizações auditadas e percebemos que os tópicos eram desencadeados em toda a

Políticas definidas em TIC

9%

Segurança da Informação

9%

Compatibilidade dos preços

30%

Licenciamento de software

13%

Conformidade Regulatória

39%

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organização, desde a cúpula administrativa, até os níveis inferiores, embora de forma diferenciada.

Dessa forma, passamos a estabelecer uma hierarquia entre esses temas, considerando os níveis de planejamento de uma organização. Para que isso ocorresse de forma mais eficiente, as atividades foram divididas conforme o modelo de Bateman e Snell (1998), considerando os três níveis hierárquicos de uma organização, estratégico (longo prazo), tático (médio prazo) e operacional (curto prazo), assim definidos:

•Planejamento Estratégico - Elaborado pela alta gerência,

abrange toda a estrutura organizacional de uma organização. De certo modo, capta na sociedade e no mercado, demandas e oportunidades e as traduzem em decisões que favoreçam ações mais efetivas na organização.

•Planejamento Tático - Desenvolvido por profissionais da média gerência, tem como principal finalidade a gestão de objetivos previamente fixados segundo estratégia predeterminada, bem como execução das políticas orientadas à tomada de decisão da empresa.

•Planejamento Operacional - corresponde a um conjunto de partes homogêneas do planejamento tático, ou seja, identifica os processos específicos requeridos nos níveis inferiores da organização, apresentando planos operacionais. É elaborado com foco nas atividades rotineiras da empresa, portanto, os planos são desenvolvidos para períodos de tempo bastante curtos.

A figura abaixo representa os níveis de planejamento de uma empresa, nos quais foram alocados os componentes identificados:

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Assim, considerando os tópicos encontrados nos processos e o modelo hierárquico organizacional acima representado, passamos a avaliar e classificar os componentes, considerando o conceito de cada um, os critérios, o nível de planejamento e o questionário a ser aplicado:

A. Governança Nível de Planejamento: Estratégico. Conceito: Governança de TIC é um conjunto de práticas e padrões instituídas pela Administração Pública, assumidos por gestores, técnicos e usuários de TIC de uma organização, com a finalidade de garantir controles efetivos, ampliar os processos de segurança, minimizar os riscos, ampliar o desempenho, otimizar a aplicação de recursos, reduzir os custos, suportar as melhores decisões e consequentemente regular a maneira como a área de TIC será dirigida.

Critérios a serem aplicados: Cobit 4.1, itens AI6 – Gerenciar Mudanças, ME4 - Prover Governança de TIC, PO1 – Definir um Plano Estratégico de TIC, PO3 – Determinar a Direção Tecnológica, PO4 – Definir os Processos, Organização e Relacionamentos de TIC, PO5 – Gerenciar Investimento em TIC e PO10 - Gerenciar Projetos; ISO 27001; ISO 27002; IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada pelo Decreto Distrital n° 32.218/10.

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

PLANEJAMENTO TÁTICO

PLANEJAMENTO OPERACIONAL

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B. Gestão da Capacidade Operacional Conceito: Capacidade da Administração em gerir os seus recursos. Trata do mapeamento e organização da infra-estrutura existente para potencializar o uso compartilhado e propor alternativas para se buscar as condições necessárias na organização.

Critérios a serem aplicados: COBIT 4.1, itens AI1 – Identificar Soluções Automatizadas, AI2 – Adquirir e Manter Software Aplicativo, AI 3 - Adquirir e Manter Infraestrutura Tecnológica e DS 3 - Gerenciar Desempenho e Capacidade; Lei n° 8.666/93 (Lei das Licitações e Contratos).

Nível de Planejamento: Estratégico.

C. Planejamento Conceito: Processo de identificação das necessidades de aquisição de bens e serviços de TIC para apoiar a Administração na execução do seu plano de negócio e na realização dos seus objetivos organizacionais

Critérios a serem aplicados: COBIT 4.1 item PO9 – Avaliar e Gerenciar Risco em TIC; Lei 8.666/93 (Lei das Licitações e Contratos); IN n° 04/2008-SLTI/MPOG recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10; Lei 4.320/64.

Nível de Planejamento: Tático.

C.1 Conformidade Regulatória Conceito: Adequação do projeto, serviço ou aquisição às normas, regulamentos e legislação vigentes na organização.

Critérios a serem aplicados: Cobit 4.1 item ME3 – Assegurar Aderência aos Regulamentos; Lei 8.666/93 (Lei das Licitações e Contratos), IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10; Lei 10.520/02 (Lei do Pregão), Decisões TCDF n°s 2517/02, 615/08, 1230/08, 1294/09, 6188/09 e 4287/10

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Nível de Planejamento: Operacional.

C.2 Análise de Viabilidade Conceito: Avaliação das possibilidades de sucesso de um projeto, mediante exame criterioso das características e variáveis que possam afetar sua implantação.

Critérios a serem aplicados: IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10.

Nível de Planejamento: Operacional.

C.3 Plano de Sustentação Conceito: Informações necessárias para garantir a continuidade do negócio durante e após a implantação da Solução de TIC, bem como após o encerramento do contrato.

Critérios a serem aplicados: IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10.

Nível de Planejamento: Operacional.

C.4 Estratégia de Contratação Conceito: Definição de critérios técnicos, obrigações contratuais, responsabilidades e definições de como os recursos humanos e financeiros serão alocados para atingir o objetivo da contratação.

Critérios a serem aplicados: IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10

Nível de Planejamento: Operacional.

C. 5 Análise de Riscos Conceito: Descrição, análise e tratamento dos riscos e ameaças que possam vir a comprometer o sucesso em todas as fases da contratação.

Critérios a serem aplicados: IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10.

Nível de Planejamento: Operacional.

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D. Desenvolvimento da Solução Técnica de TIC Conceito: Ato de transformar a necessidade de um usuário ou uma organização a um produto computacional específico. Conhecida também como a aplicação dos processos com a pesquisa das necessidades do produto para desenvolver software.

Critérios a serem aplicados: Decisões n°s 615/08, 1230/08, 1294/09 e 4287/10, ISSO/IEC 12207.

Nível de Planejamento: Tático.

D.1 Requisitos Conceito: Funcionalidades que se espera que o sistema disponibilize, de uma forma completa e consistente.

Critérios a serem aplicados: ISO/IEC 12207; IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10.

Nível de Planejamento: Operacional.

D.2 Desenho

Conceito: Documento usado pela equipe de desenvolvimento no qual estão definidos pormenores, em um nível mais técnico, acerca da implementação do sistema e sua arquitetura.

Critérios a serem aplicados: ISO/IEC 12207; IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10.

Nível de Planejamento: Operacional.

D.3 Construção Conceito: Fase de desenvolvimento físico do software com a produção de códigos.

Critérios a serem aplicados: IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10.

Nível de Planejamento: Operacional.

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D.4 Testes Conceito: Fase de verificação da interação entre objetos, se todos os requisitos foram corretamente implementados e integração adequada dos componentes do software.

Critérios a serem aplicados: IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10.

Nível de Planejamento: Operacional.

D.5 Implantação Conceito: Instalação do software no ambiente computacional.

Critérios a serem aplicados: IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10.

Nível de Planejamento: Operacional.

E. Execução

Conceito: Processo responsável por assegurar a entrega dos produtos/serviços acordados, o seu desempenho e o monitoramento da execução dos serviços prestados.

Critérios a serem aplicados: Lei n° 8.666/93 (Lei das Licitações e Contratos), IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10.

Nível de Planejamento: Tático.

E.1 Entrega do Produto/Serviço Conceito: Etapa que compreende o lançamento dos produtos e entrega de software para seus usuários finais.

Critérios a serem aplicados: IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10

Nível de Planejamento: Operacional.

E.2 Produção

Conceito: Avaliação das funcionalidades e medição do desempenho do sistema.

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Critérios a serem aplicados: Cobit 4.1 Item DS8 – Gerenciar Atendimentos e Incidentes; IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10

Nível de Planejamento: Operacional.

E.3 Monitoramento Conceito: Verificação da conformidade da prestação dos serviços e da alocação dos recursos necessários, de forma a assegurar o perfeito cumprimento do contrato.

Critérios a serem aplicados: Cobit 4.1 itens ME1 – Monitorar e Avaliar o Desempenho de TIC e ME2 – Monitorar e Avaliar Controle Interno; IN 04/2008-SLTI/MPOG, recepcionada no Distrito Federal pelo Decreto n° 32.218/10.

Nível de Planejamento: Operacional.

3. RESULTADO

3.1.Visão do modelo

A partir da construção dos componentes do modelo, obtemos uma visão geral do framework, na qual podemos observar que a Governança de TIC e a Gestão da Capacidade Organizacional encontram-se no nível estratégico, razão pela qual devem estar alinhadas com o negócio da organização.

Nota-se que os componentes chamados de “Planejamento”, “Desenvolvimento da Solução Técnica de TI” e “Execução” encontram-se no nível tático, com a finalidade de verificar a execução das políticas orientadas à tomada de decisão da empresa.

Os demais componentes foram modelados para o nível operacional e em conformidade com o ciclo de vida dos projetos de TIC.

Desse modo, o modelo (framework) foi estruturado da seguinte forma:

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Em linhas gerais, o modelo apresentado define a sequência de verificações a serem realizadas em cada etapa do gerenciamento dos recursos de tecnologia empregados no projeto auditado.

4. CONCLUSÃO

A pesquisa desenvolvida neste estudo nos permite concluir que o modelo de Auditoria em projetos de TIC aqui apresentado encontra-se calçado em critérios de auditoria7 a serem observados pela Administração Pública, com destaque para os balizamentos dispostos na IN n° 04/2008-SLTI-MPOG, recepcionada pelo Decreto Distrital n° 32.218 de 16/09/2010, que na prática é um roteiro para as contratações de bens e serviços de TIC.

Além disso, o modelo abrange a gestão de TIC, na qual o objeto da ação de controle envolve análise das atividades de

7Padrões de desempenho utilizados para medir a economicidade, eficiência, eficácia e efetividade do objeto de auditoria. Representam o estado ideal ou desejável daquilo que se examina.

Governança

Gestão da Capacidade Organizacional

PlanejamentoDesenvolvimento da

Solução Técnica de TI

ConformidadeRegulatória Entregado

Produto/Serviço

AnálisedeViabilidade

PlanodeSustentação

EstratégiadeContratação

AnálisedeRiscos

Requisitos

Desenho

Construção

Testes

Implantação

Execução

Produção

Monitoramento

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planejamento, execução e controle dos processos da Unidade examinada, a exemplo dos gerenciamentos de recursos de tecnologia.

A aplicação de cada componente do modelo possibilita avaliar projetos de TIC ao longo do seu ciclo de vida sob o aspecto da conformidade legal e da gestão da organização, resultando na obtenção de evidências apropriadas e suficientes para respaldar os achados e as conclusões de auditoria.

Em razão da sua abordagem prática, temas específicos8 de tecnologia poderão se valer de determinado componente do modelo, sem a necessidade de utilizá-lo por completo.

Portanto, este trabalho alcançou seus objetivos iniciais ao elaborar uma proposta de metodologia de auditoria em projeto de TIC no Setor Público, reunindo critérios e padrões que permitam análises uniformes para o objeto a ser auditado.

8Políticas definidas em TIC, Segurança da Informação, Compatibilidade dos Preços, Licenciamento de Software e/ou Conformidade Regulatória.

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O USO DO ENFOQUE SISTÊMICO NO GERENCIAMENTO DE PROJETOS

James Quintão de Oliveira Auditor de Controle Externo do TCDF

Este artigo foi elaborado no âmbito do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão de Projetos, da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Gestão de Projetos. Utiliza, como base conceitual, ensinamentos derivados da teoria da administração, da teoria de sistemas e do gerenciamento de projetos. Inicialmente o artigo justifica a escolha do tema e apresenta a metodologia utilizada para o desenvolvimento do trabalho. Em seguida, utiliza referencial teórico e conceitos básicos para examinar a aplicação de conceitos da teoria de sistemas no gerenciamento de projetos. Finalmente, conclui com reflexões sobre os benefícios do uso do enfoque sistêmico.

1. INTRODUÇÃO

Noções sobre aspectos do mundo e do universo que o circunda são introduzidas desde cedo na vida das pessoas, inicialmente de forma empírica, amparada na experiência ou observação, e posteriormente de modo teórico, alicerçado em ensinamentos, princípios e métodos estabelecidos pela ciência.

O funcionamento do corpo humano, a sucessão das estações climáticas e o movimento do sol e dos planetas são exemplos de tais aspectos, que despertam naturalmente a atenção das pessoas e a

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respeito dos quais elas desenvolvem entendimento próprio ao longo da vida, sustentado, ou não, em base científica.

De forma similar, os termos “sistema” e “gerenciamento” são conhecidos pelas pessoas em virtude do uso frequente que deles se faz em expressões tais como sistema digestivo, sistema de transportes, sistema educacional, sistema organizacional, ecossistema, sistema solar etc.; e gerenciamento do tempo, gerenciamento de pessoas, gerenciamento de recursos, gerenciamento de projetos etc.

Será visto nas Seções subsequentes que este artigo aborda os dois termos, à luz da teoria de sistemas e da prática do gerenciamento de projetos prescrita pelo Guide to the PMBOK publicado pelo PMI, buscando reconhecer o uso de conceitos da primeira (a teoria) na prática do segundo (o gerenciamento).1,2

1.1 Escolha e delimitação do tema

O tema objeto deste artigo emergiu naturalmente das oportunidades que o autor teve, em termos profissionais e acadêmicos, de acessar conhecimentos científicos derivados da teoria de sistemas e do gerenciamento de projetos.

Considerando, ademais, a disponibilidade de suporte bibliográfico, surgiu o interesse do autor na elaboração deste artigo, com o intuito de identificar a utilização, no gerenciamento de projetos, de elementos conceituais presentes no estudo dos sistemas.

Para que o trabalho não excedesse os limites da extensão mais indicada para artigos desta natureza, nem assumisse feição outra que

1Guide to the PMBOK ou Guia PMBOK, sigla para Project Management Body of Knowledge, o PMBOK é um conjunto de práticas em gerência de projetos compiladas na forma de um guia, publicado pelo Project Management Institute (PMI®). 2 O Project Management Institute (PMI®) é uma entidade mundial sem fins lucrativos voltada ao gerenciamento de projetos. Estabelecido em 1969 e sediado na Filadélfia, Pensilvânia (EUA), o PMI é a principal associação mundial na área, atualmente com mais de 500.000 associados em 185 países.

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não a de um ensaio, delimitou-se o tema, restringindo-o como indicado a seguir:

a) os conceitos básicos de sistemas são extraídos principalmente do arcabouço teórico que integra a assim denominada Teoria Geral dos Sistemas;

b) o tratamento do tema gerenciamento de projetos limita-se aos aspectos de sua prática nos quais se identifica mais diretamente a aplicação de elementos da teoria de sistemas.

Portanto, o trabalho busca identificar como o enfoque sistêmico, derivado de conceitos básicos da teoria geral dos sistemas, se faz presente na prática do gerenciamento de projetos.3

1.2 Enunciado do problema e da hipótese

O tema escolhido para ser desenvolvido no presente trabalho reflete o seguinte problema: “é possível concluir que a teoria de sistemas aplica-se ao gerenciamento de projetos segundo o Guia PMBOK”?

A hipótese ou ideia geral a ser comprovada no decorrer deste trabalho é a de que, de fato, explícita ou implicitamente, “há uma correlação inequívoca entre a teoria de sistemas e o gerenciamento de projetos no que diz respeito à aplicação dos conceitos da primeira (a teoria) à prática do segundo (o gerenciamento)”.

1.3 Objetivos do trabalho

Os objetivos definidos a seguir indicam o que se pretende com o desenvolvimento deste trabalho.

1.3.1 Objetivo geral

3 Doravante, serão utilizadas no texto, indiferentemente, com o mesmo significado, as expressões “gerenciamento de projetos” e “prática do gerenciamento de projetos segundo estabelecido no Guide to the PMBOK publicado pelo PMI”.

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Identificar a utilização de conceitos básicos da teoria de sistemas no gerenciamento de projetos.

1.3.2 Objetivos específicos

Como objetivos específicos desta pesquisa, buscam-se:

a) expor conceitos básicos relacionados à teoria de sistemas;

b) apresentar aspectos do gerenciamento de projetos nos quais se pode reconhecer o uso de conceitos da teoria de sistemas.

1.4 Justificativa

O enfoque sistêmico fundamenta-se na teoria de sistemas, que destaca a:

a) visão do sistema como um todo composto por elementos ou partes interligadas;

b) atenção para os resultados visados pelo sistema;

c) interação e interdependência entre os elementos que compõem o sistema;

d) descrição do funcionamento do sistema por meio de entradas, processamentos, saídas e retroalimentação.

Por outro lado, alguns dos princípios básicos aplicados ao gerenciamento de projetos são:

a) enxerga-se um todo (cinco grupos de processos de gerenciamento perpassando nove áreas de conhecimento);

b) o sucesso do projeto depende do alcance dos resultados ou objetivos programados;

c) há interação contínua entre os processos que compõem o gerenciamento, tal como em um sistema;

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d) o gerenciamento dos processos se dá por meio de entradas, técnicas/ferramentas, saídas e controle.

Tendo em vista essas similitudes, e considerando a repercussão da teoria de sistemas nas mais diversas áreas da ciência e o impacto do gerenciamento de projetos nas organizações, parece razoável supor que o tema desperte a curiosidade e a vontade de examinar, com maior profundidade, possíveis correlações entre esses dois campos do conhecimento, ou, entre outras palavras, de identificar, com maior clareza, a aplicação da teoria (de sistemas) na prática (do gerenciamento de projetos).

É isto, a propósito, o que busca o presente artigo: identificar/reconhecer a presença, no gerenciamento de projetos, de elementos conceituais originários da teoria de sistemas.

Tal identificação/reconhecimento propiciará melhor entendimento das razões pelas quais o gerenciamento de projetos se beneficia com a aplicação de conhecimentos, metodologias, técnicas e ferramentas integrados como um todo sistêmico.

1.4.1 Relevância científica

A relevância científica deste trabalho deriva do fato de que possibilitará a ampliação da base conceitual e teórica da disciplina Gestão de Projetos, enriquecendo-a, na medida em que se puder introduzir, no seu estudo, elementos de informação de uma disciplina/teoria igualmente poderosa, qual seja, a teoria de sistemas.

O artigo poderá, ainda, instigar interessados a aprofundarem o tema ou a desenvolverem novas abordagens teóricas que possibilitem, por exemplo, a prática do gerenciamento de projetos baseada explicitamente nos princípios da teoria de sistemas.

1.4.2 Relevância social

Possíveis impactos e benefícios deste trabalho no ambiente cultural e social são descritos a seguir.

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Com o aprendizado de conceitos básicos da teoria de sistemas, as pessoas, em especial os estudantes, poderão conhecer o gerenciamento de projetos sob um novo prisma, com reflexos inclusive na ampliação de sua consciência e na compreensão de aspectos mais holísticos de sua vida, já que o enfoque sistêmico é aplicável aos mais diversos ramos da ciência (por exemplo, matemática, física, biologia e estudos sociais) e da formação profissional (engenharia, administração, psicologia, sociologia etc.).

Além disso, em termos profissionais, os estudantes que bem assimilarem os conceitos tenderão a gerenciar projetos de maneira mais eficiente, por entenderem melhor, por exemplo, como o ambiente externo pode afetar o desenvolvimento de um projeto e por que a visão sistêmica é uma poderosa ferramenta no sentido de reconhecer e administrar a influência desse ambiente. Ganha com isso a empresa, e também a comunidade, pela consequente diminuição de prazos, redução de desperdícios e aumento da qualidade de produtos/resultados.

1.4.3 Interesse

Ao longo de sua vida profissional e acadêmica, ministrando aulas sobre o assunto ou coordenando/participando da implantação de programas e projetos institucionais, o autor teve a oportunidade de aprender e aplicar a teoria de sistemas.

Em ocasião mais recente, no decorrer do curso de especialização lato sensu em Gestão de Projetos da Universidade Católica de Brasília, o autor percebeu, com grata surpresa, que o gerenciamento de projetos também faz uso da teoria de sistemas e, consequentemente, do enfoque sistêmico, pois: i) considera que o projeto está inserido em um ambiente externo que pode influenciar seus resultados; ii) enxerga o projeto como um todo formado por grupos de processos com entradas, processamento, saídas e mecanismos de realimentação (monitoramento e controle).

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O interesse do autor no desenvolvimento do tema deste trabalho surgiu, portanto, de forma natural e espontânea, pois serão abordados dois temas com os quais teve a satisfação de lidar em sua vida pessoal, profissional e acadêmica: teoria de sistemas e gerenciamento de projetos.

Este trabalho poderá, ainda, interessar aos alunos do curso de especialização lato sensu em Gestão de Projetos, pela oportunidade do contato com assunto tão vasto como a teoria de sistemas.

1.4.4 Viabilidade

Os seguintes pressupostos foram assumidos como verdadeiros no sentido de confirmar a viabilidade do desenvolvimento deste trabalho de pesquisa:

a) conhecimento teórico do autor a respeito dos dois temas abordados (gerenciamento de projetos e teoria de sistemas);

b) disponibilidade de documentos e publicações sobre os dois temas;

c) possibilidade de orientação com qualidade e tempestividade do coordenador do curso;

d) disponibilidade de microcomputador por no mínimo 3 horas diárias com acesso à internet banda larga;

e) prazo acadêmico adequado, de cerca de quatro meses, para desenvolver o trabalho;

f) inexistência de risco que mereça registro de o trabalho não ser concluído.

1.5 Organização do trabalho

Os elementos textuais, ou seja, os conteúdos propriamente ditos deste artigo encontram-se organizados e estruturados com base

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no modelo IDC4 (Introdução, Desenvolvimento, Conclusão), mais uma Seção intermediária a respeito do referencial teórico e da metodologia, como indicado a seguir:

a) introdução: apresenta prólogo com exposição sobre o tema escolhido, o enunciado do problema e da respectiva hipótese, os objetivos do autor, a justificativa para o desenvolvimento do trabalho e a organização dos tópicos do texto;

b) referencial e metodologia: expõe o embasamento científico do artigo e a metodologia utilizada na sua elaboração;

c) desenvolvimento: contém argumentos e citações direcionadas ao alcance dos objetivos propostos, incluindo conceitos básicos da teoria de sistemas e considerações a respeito da teoria de sistemas aplicada ao gerenciamento de projetos;

d) conclusão: sintetiza os resultados do estudo e destaca as reflexões conclusivas do autor.

2. REFERENCIAL E METODOLOGIA

Nas duas próximas Seções é apresentada a fundamentação científica para a elaboração deste artigo, bem como a metodologia utilizada no desenvolvimento do trabalho.

2.1 Referencial teórico

A ideia de uma “teoria geral dos sistemas” foi pela primeira vez apresentada por Ludwig Von Bertalanffy, biólogo e filósofo húngaro educado em Viena, anteriormente à cibernética, à

4Ver, a esse respeito, a norma NBR 6022/3003 e o documento “UEA 07 – Orientações para Elaboração do TCC – Aula 02 – Artigo Científico”, disponível no site do curso de especialização lato sensu em Gestão de Projetos da Universidade Católica de Brasília.

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engenharia dos sistemas e ao surgimento de campos afins. Nas suas próprias palavras:

O postulado e o termo de teoria geral dos sistemas foram introduzidos por mim uns trinta anos atrás. Desde então, a teoria geral dos sistemas – sob esta ou denominações similares – foi reconhecida como uma disciplina, com cursos universitários, textos, livros de artigos, revistas, reuniões, grupos de trabalho, centros e outros aparatos de um universo acadêmico de ensino e pesquisa. (BERTALANFFY, 2009, p. 11).5

Assim, quando se estuda teoria de sistemas ou teoria geral dos sistemas, Bertalanffy é fonte de consulta obrigatória, e será, portanto, utilizado como referencial teórico no desenvolvimento deste artigo. Serão também bastante utilizados os ensinamentos do professor e pesquisador Antonio Cesar Amaru Maximiano, do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

São esses os principais referenciais teóricos utilizados na construção das Seções deste artigo que tratam da teoria de sistemas, além de outras fontes de consulta sobre o mesmo tema. Elas encontram-se indicadas ao longo do trabalho e, ao seu final, nas referências bibliográficas.

Quanto ao tema gerenciamento de projetos, os referenciais utilizados no desenvolvimento deste trabalho são, em essência: as apostilas e os materiais complementares disponíveis no site da Universidade Católica de Brasília relativos ao curso de pós-graduação lato sensu em Gestão de Projetos; e o livro de autoria de Kim Heldman, Project Management Professional (PMP), intitulado Gerência de Projetos – Guia para o exame oficial do PMI.

5 A mais recente edição do livro em português parece ser a de 2009, mas deve ficar claro que o cientista escreveu essas palavras em 1967.

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2.2 Metodologia

No desenvolvimento deste estudo, apresenta-se uma abordagem qualitativa do tema, com enfoque interpretativo. Trata-se de pesquisa exploratória, com base, principalmente, em levantamento bibliográfico.

Metodologicamente, desenvolve-se uma primeira fase, amparada na realização de ampla pesquisa bibliográfica sobre o tema; nos documentos adicionais disponíveis na internet; no acesso ao material do curso de especialização lato sensu em Gestão de Projetos no site da Universidade Católica de Brasília; e nas orientações do coordenador do curso.

Em uma segunda fase, efetua-se a análise da documentação e das publicações resultantes da pesquisa e, em seguida, procede-se à delimitação e seleção de material (vide referencial teórico citado na Seção anterior) para leitura sistematizada, análise e interpretação, visando à fundamentação teórica e consequente redação final do artigo.

Em uma terceira e última fase, procede-se à elaboração da fundamentação teórica do artigo propriamente dito e a sua redação final.

3. DESENVOLVIMENTO

Serão apresentados, na primeira parte desta Seção, conceitos básicos da teoria de sistemas, extraídos dos autores mencionados; e na segunda parte, uma visão geral sobre o gerenciamento de projetos, com base nos ensinamentos do Project Management Institute (PMI), com destaque para aspectos da prática do gerenciamento de projetos que utilizam elementos conceituais originários da teoria de sistemas.

3.1 Conceitos Básicos de Sistema

Diversos autores e cientistas contribuíram com seus trabalhos e pesquisas para a ampliação e a consolidação de conceitos bastante

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utilizados na abordagem de sistemas, podendo-se citar, entre outros: J.V. Neuman & O. Morgenstern, com a teoria dos jogos; Norbert Wiener, com a cibernética; C.E. Shanon & Weaver, com a teoria matemática da informação; L. von Bertalanffy, com a teoria geral dos sistemas; C.W. Churchman & E.C. Arnoff, com a pesquisa operacional; R.A. Johnson, F.E. Kast & J.E. Rosenzweig, com a teoria e o gerenciamento de sistemas; A.K. Rice, com a empresa e seu meio ambiente; Keneth Boulding, com a teoria geral de sistemas como o esqueleto da ciência; e D. Katz & R.L. Kahan, com a psicologia social das organizações.

Considerando que o objeto deste artigo está restrito ao estudo do gerenciamento de projetos sob o enfoque sistêmico, a atenção maior, no campo dos sistemas, será conferida ao pensamento do teórico Ludwig von Bertalanffy. Serão também utilizados ensinamentos do teórico Norbert Wiener e citações de livros didáticos utilizados no estudo dos sistemas na disciplina universitária Teoria Geral da Administração.

Cabe, ainda, esclarecer, que serão abordados neste trabalho apenas os conceitos de sistemas e de gerenciamento de projetos de interesse mais próximo e imediato ao alcance dos objetivos pretendidos.

3.1.1 Teoria geral dos sistemas

O cientista húngaro Ludwig Von Bertalanffy elaborou, por volta da década de 50, uma teoria que buscava enxergar a realidade não de forma compartimentada, como até então a ciência se acostumara a fazer, mas sim com uma abordagem mais ampla. Como dizia o cientista e biólogo,

A tecnologia e a sociedade modernas tornaram-se tão complexas que meios e caminhos tradicionais já não bastam, mas há necessidade de abordagens de natureza holística ou sistêmica, generalista ou interdisciplinar (BERTALANFFY, 2009, p. 14)

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A teoria por ele desenvolvida, de natureza interdisciplinar, veio, portanto, para transcender as questões exclusivas de cada ciência e oferecer princípios gerais e modelos gerais, de modo que as descobertas efetuadas em cada uma das ciências pudessem ser utilizadas pelas demais.

Surgiu assim a Teoria Geral dos Sistemas (TGS), que busca a compreensão dos vários ramos do conhecimento não apenas analisando separadamente cada uma de suas partes, mas sim, e principalmente, visualizando-os como sistemas, vale dizer, como totalidades compostas por partes interligadas: “De uma maneira ou de outra, somos forçados a tratar com complexos, com ‘totalidades’ ou ‘sistemas’ em todos os campos do conhecimento.” (BERTALANFFY, 2009, p. 23).

A TGS pode ser descrita como uma doutrina dos princípios aplicáveis a todos os sistemas (sejam eles físicos, biológicos, psíquicos, sociológicos, químicos etc.), tendo por objetivo precípuo a integração das várias ciências, naturais e sociais.6

a) São ideias ou contribuições basilares da TGS para o estudo dos sistemas:

b) interdependência das partes – para compreender um sistema, é preciso reconhecer não somente a existência de suas partes componentes, mas também as relações e interações entre elas;

c) tratamento complexo de uma realidade complexa – há necessidade de aplicar vários enfoques, de natureza holística ou sistêmica, generalistas ou interdisciplinares, para entender e lidar com uma realidade que se torna cada vez mais complexa;

6 Por influência da TGS, vários ramos do conhecimento passaram a tratar seus objetivos de estudos como sistemas, inclusive a Administração.

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d) sistemas abertos e sistemas fechados – é importante conhecer o conceito de sistemas abertos e fechados para poder entender porque, no gerenciamento de projetos, está-se lidando com sistemas abertos.

3.1.2 Sistemas

Nas Seções seguintes, são apresentados, após a definição inicial de sistema, conceitos importantes relativos a esse tema, tais como sistemas abertos e fechados, representação do sistema e realimentação ou feedback.

3.1.2.1 Definição

A diversidade de estudiosos no campo teórico de sistemas e na sua aplicação prática deu origem às mais variadas definições de sistemas, umas mais extensas, outras mais sintéticas. Não há uma “mais certa” do que a outra; o que ocorre é a escolha de uma preferencialmente à de outra, dependendo do objeto do estudo. Para os fins deste artigo, utiliza-se a seguinte definição, pela sua abrangência e completude:

[...] podemos definir um sistema como um conjunto de elementos dinamicamente relacionados entre si, formando uma atividade para atingir um objetivo, operando sobre entradas (dados, energia ou matéria) e fornecendo saídas (informação, energia ou matéria) processadas. Os elementos, as relações entre eles e os objetivos (ou propósitos) constituem os aspectos fundamentais da definição de um sistema. (CHIAVENATO, 2000, p. 501, grifo do autor).

O importante a considerar, independentemente da definição que se tenha em mente, é que qualquer entendimento da ideia de sistema compreende, no mínimo: “[...] um conjunto de entidades chamadas partes, elementos ou componentes; alguma espécie de relação ou interação das partes [...]”. (MAXIMIANO, 2006, p. 217).

Da definição segundo a qual o sistema é um conjunto de unidades reciprocamente relacionadas, decorrem dois conceitos: o de

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propósito (ou objetivo) e o de globalismo (ou totalidade), que retratam duas características básicas dos sistemas:

Propósito ou objetivo: Todo sistema tem um ou alguns propósitos ou objetivos. As unidades ou elementos (ou objetos), bem como os relacionamentos, definem um arranjo que visa sempre um objetivo ou finalidade a alcançar. Globalismo ou totalidade: Todo sistema tem uma natureza orgânica, pela qual uma ação que produza mudança em uma das unidades do sistema, deverá produzir mudanças em todas as suas outras unidades. [...] O efeito total dessas mudanças ou alterações proporcionará um ajustamento de todo o sistema. O sistema sempre reagirá globalmente a qualquer estímulo produzido em qualquer parte ou unidade. (CHIAVENATO, 2000, p. 546).

Outra informação importante, relativa aos elementos que compõem um sistema é que eles podem ser:

a) físicos ou concretos (os planetas do sistema solar, o conjunto de órgãos do corpo humano, os veículos que integram o sistema de transportes numa cidade, as pessoas que trabalham em uma organização); esse é o hardware dos sistemas;

b) conceituais ou abstratos (uma equação matemática, os conceitos articulados de um sistema filosófico, as manifestações do comportamento emocional); esse é o software dos sistemas.

Ademais, os elementos de um sistema podem ser vistos como subsistemas, assim como o sistema pode ser considerado parte de outro sistema maior. Ilustrando: “O corpo humano é um sistema composto por seus órgãos; cada um deles constitui um subsistema formado por seus tecidos e células, assim como o próprio indivíduo é uma parte de um sistema muito mais amplo: a biosfera.” (EPSTEIN, 1986, p. 22).

Dessa forma, qualquer sistema tem duas faces que olham para direções opostas: uma voltada para os níveis subordinados, os

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elementos ou subsistemas que fazem parte do próprio sistema, e a outra voltada para o super sistema do qual o sistema é elemento ou parte integrante.

3.1.2.2 Sistemas abertos e fechados

Foi salientado, na Seção 3.1.1, que o conceito de sistemas abertos e fechados é uma importante contestudo dos sistemas. Esse conceito está intimamente relacionado ao de ambiente.

Todo sistema existe dentro de um ambiente. O ambiente diz respeito ao meio que envolve externamente o sistema. Seja esse meio biológico, social ou de qualquer outra natureza, ele influenciará ou será influenciado pelo sistema. Evidentemente a influência será maior, menor ou até mesmo nula de acordo com a intensidade da troca ou intercâmbio de matéria, energia ou informações entre o sistema e seu ambiente. Isso está representado na Figura 1.

Figura 1– Ambiente de um sistema (organização).Fonte: UEA 02, AULA 01, 2011 apud

No caso dos sistemas fechados, esse intercâmbio praticamente não existe, pois os sistemas fechados não recebem influência do

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fazem parte do próprio sistema, e a sistema do qual o sistema é elemento ou

Foi salientado, na Seção 3.1.1, que o conceito de sistemas abertos e fechados é uma importante contribuição da TGS para o estudo dos sistemas. Esse conceito está intimamente relacionado ao

Todo sistema existe dentro de um ambiente. O ambiente diz respeito ao meio que envolve externamente o sistema. Seja esse meio

lquer outra natureza, ele influenciará ou será influenciado pelo sistema. Evidentemente a influência será maior, menor ou até mesmo nula de acordo com a intensidade da troca ou intercâmbio de matéria, energia ou informações entre o

Isso está representado na Figura 1.

Ambiente de um sistema (organização).

UEA 02, AULA 01, 2011 apud O'BRIEN, 2001, p. 15

No caso dos sistemas fechados, esse intercâmbio praticamente não existe, pois os sistemas fechados não recebem influência do

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ambiente e também não o influenciam. Exemplo típico desse relacionamento nulo entre o sistema fechado e seu ambiente é o dos sistemas mecânicos, como o das máquinas e equipamentos.

Os sistemas abertos, por outro lado, apresentam intensas relações de intercâmbio com o ambiente. São adaptativos, isto é, para sobreviver ajustam-se, adaptam-se continuamente às condições do meio. É o caso das organizações, cuja sobrevivência depende, muitas vezes, de respostas tempestivas e efetivas às demandas, anseios ou necessidades de seus clientes.

Interessa-nos mais de perto, neste trabalho, o conceito de sistemas abertos, mesmo porque todo e qualquer projeto (tema principal neste artigo) está e estará sempre operando em estreito contato com o ambiente que o circunda. Por isso, é importante registrar que, na análise ou planejamento de qualquer projeto ou sistema, é necessário entender seu ambiente e seu papel dentro dele, ou seja, “[...] as relações de interdependência, as fontes de recursos, os destinatários dos produtos e serviços, as regras que devem ser obedecidas.” (MAXIMIANO, 2006, p. 223).

3.1.2.3 Representação do sistema

Qualquer sistema, físico, biológico, social etc. pode ser representado como um conjunto de elementos ou componentes interdependentes, organizados em três partes: entradas, processo e saídas, mostradas na Figura 2.

Processo

Entrada Saída

DADOS ENERGIA MATÉRIA

INFORMAÇÃO ENERGIA MATERIA

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Figura 2 – Representação de um sistema. Fonte: CHIAVENATO, 2000, p. 500.

As entradas (inputs) do sistema são os insumos ou recursos, físicos ou abstratos, recebidos do meio ambiente pelo sistema, que fornecem o material, energia ou informação para o sistema operar.

O processo é o conjunto de atividades que transformam as entradas, entregando-as como saídas desejadas do sistema. Nos sistemas organizacionais, por exemplo,

os processos fornecem a dinâmica das organizações, mobilizando as áreas funcionais. O pedido de um cliente transforma-se em especificações de um processo. As especificações transformam-se em encomendas para os fornecedores. As encomendas transformam-se em matérias-primas, que se transformam no produto que o cliente encomendou. O produto transforma-se em uma entrega, que se transforma em uma conta a receber. As áreas de vendas, engenharia, produção, logística e finanças estão envolvidas nesse processo, assim como em outros. (MAXIMIANO, 2006, p. 325).

As saídas (outputs) são os produtos, serviços ou resultados entregues pelo sistema ao meio ambiente, que devem ser coerentes com os objetivos do sistema.

3.1.2.4 Realimentação ou feedback

A cibernética, do grego kybernytiky (arte de governar navios), é a ciência da comunicação e controle. Foi criada por Norbert Wiener entre os anos de 1943 e 1947, com o propósito de “[...] desenvolver uma linguagem e técnicas que nos capacitem, de fato, a haver-nos com o problema do controle da comunicação em geral [...].” (WIENER, 1973, p. 37).

Os principais conceitos cibernéticos são hoje amplamente utilizados na teoria administrativa. O mais básico é o da realimentação, retroação ou feedback, que se refere ao controle da operação de uma máquina ou de um sistema com base no seu desempenho efetivo em vez de no seu desempenho esperado. Em outras palavras, o feedback diz respeito à capacidade de um sistema

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de poder ajustar sua conduta futura em função de seu desempenho pretérito.

O feedback é comum a numerosos sistemas mecânicos e eletrônicos, e também é atributo de organismos vivos e organizações sociais. Num sentido genérico, denota retorno, ou seja, “[...] uma parte da saída do sistema (output) que, na forma de energia ou informação, volta à entrada (input).” (EPSTEIN, 1986, p. 35).

A retroação ou feedback pode ser intencional, projetada dentro da própria estrutura de um sistema para fins de monitoramento e controle. Serve para comparar os resultados do funcionamento do sistema com os padrões previamente estabelecidos para ele funcionar, ou seja, para cotejar o realizado com o planejado. Quando ocorre algum desvio, o feedback tem a função de regular a entrada para que a saída se aproxime do padrão estabelecido. A Figura 3 ilustra essa função.

Figura 3- Retroação em um sistema. Fonte: CHIAVENATO, 2000, p. 505.

3.1.3 O enfoque sistêmico

Quando se fala em “enfoque sistêmico”, é evidente que o ponto de partida deve ser a ideia de “sistema”, já apresentada nas

Saídas

Entrada Sistema

Regulador

Padrão ou Objetivo

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Seções anteriores. Entendida a ideia, pode-se dizer, em uma primeira aproximação, que “enfoque sistêmico”, “ponto de vista sistêmico” ou “abordagem sistêmica” é uma forma ou filosofia de produzir, interpretar e utilizar conhecimentos.7

É importante frisar que, com o início da era sistêmica, a ênfase mudou para o todo e não apenas para as partes. Considerada a mais completa das abordagens, a abordagem sistêmica “permite visão integrada da organização, não se concebendo mais deixar de examinar a organização por outros olhos que não o sistêmico.” (KWASNICKA, 1989, p. 127).

A importância dessa abordagem já era visível na década de 60, quando Bertalanffy, criador da Teoria Geral dos Sistemas e observador arguto do seu tempo, pontificava que:

o pensamento em termos de sistemas desempenha um papel dominante em uma ampla série de campos, que vão das empresas industriais e dos armamentos até tópicos esotéricos da ciência pura, sendo-lhe dedicadas inumeráveis publicações, conferências, simpósios e cursos. Apareceram nos últimos anos profissões e empregos desconhecidos até pouco tempo atrás, tendo os nomes de projeto de sistemas, análise de sistemas, engenharia de sistemas e outros. (BERTALANFFY, 2009, p. 21).

Ao privilegiar a ideia do todo, o pensamento sistêmico conduz à noção da complexidade, palavra que destaca o grande número de problemas e variáveis presentes em uma situação. A maioria dos problemas e situações é resultado de muitas causas; e quanto mais numerosas as causas, maior a complexidade.

Para melhor entendimento da noção de complexidade, recorre-se à sociedade moderna, que traz inúmeros problemas de

7Ao se utilizar o enfoque sistêmico para analisar, por exemplo, uma empresa, estar-se-á enxergando-a em um contexto mais amplo, mais global, “considerando o ambiente como grande agente participativo da vida da empresa e como tal exercendo influência sobre ela.” (KWASNICKA, 1989, p. 18).

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natureza intrinsecamente complexa, causados pela interação de diferentes fatores antes inexistentes, como, por exemplo:

as grandes concentrações urbanas, esgotamento de recursos naturais, transportes, educação, ecologia, evolução tecnológica acelerada, integração na sociedade global, desemprego, inflação, criminalidade, catástrofes naturais ou causadas pelo homem, epidemias e migração, entre inúmeros outros problemas, caracterizam a complexidade da situação contemporânea para os administradores das organizações públicas e privadas. Esses problemas, em maior ou menor grau, afetam todas as organizações e aumentam o número de variáveis que os administradores devem considerar em suas decisões. (MAXIMIANO, 2006, p. 216).

Concluindo esta Seção, dir-se-á que são ideias centrais do enfoque sistêmico a da interação e interdependência entre os elementos de um sistema e a da complexidade, esta última ilustrada na Figura 4.

Figura 4 - Pensamento sistêmico: qualquer situação tem inúmeras causas e produz inúmeros efeitos. Fonte: Maximiano, 2006, p. 216.

3.2 A teoria de sistemas aplicada ao gerenciamento de projetos

Conforme ressaltado na Seção 1.1, o tratamento do tema gerenciamento de projetos neste artigo restringir-se-á aos aspectos de sua prática nos quais se identifica mais de imediato a aplicação de elementos conceituais da teoria de sistemas.

Causas

Problemas, situações Efeitos

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Para propiciar melhor apreensão das conexões entre gerenciamento de projetos e sistemas, optou-se pelo encaminhamento pari passu da argumentação: à medida que cada aspecto do gerenciamento de projetos for sendo abordado, identificar-se-á nele a presença do respectivo elemento conceitual da teoria de sistemas.

Com o mesmo intuito, auxiliar o entendimento, e considerando que, similarmente ao que ocorre quando se analisa sistemicamente a organização pública ou privada, o gerenciamento de projetos pode ser visualizado como um sistema sociotécnico (social, pois é formado por pessoas, relações sociais e técnico, porque é composto por tarefas, instalações físicas, equipamentos, padrões), buscar-se-á, doravante, sempre que necessário for, a utilização do sistema organizacional como sistema de referência para a formulação de comparativos.

3.2.1 Projeto: definição

Na seção 3.1.2.1, foi apresentada a seguinte definição de sistema (MAXIMIANO, 2006): “[...] conjunto de elementos dinamicamente relacionados entre si, formando uma atividade para atingir um objetivo [...].”

Compare-se essa definição com a de projeto, de acordo com o Guide to the PMBOK (PMBOK, 2004, p. 20): “Um projeto é um empreendimento temporário que tem por finalidade criar um produto, serviço ou resultado único”.8

8 Revela-se, nesta definição, uma importante diferença entre o “projeto” e o “sistema”: o primeiro tem um ciclo de vida definido, o segundo não. Contudo, na prática do gerenciamento de projetos essa diferença não obsta o uso das ideias e conceitos centrais da teoria de sistemas.

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Observam-se, nas duas definições, os seguintes elementos em comum:

a) conjunto de elementos dinamicamente relacionados x empreendimento: todo empreendimento compreende, necessariamente, um conjunto de elementos (físicos ou abstratos) relacionados;

b) atingir um objetivo x criar um produto, serviço ou resultado único: em um dado sistema, reconhece-se a formulação de objetivos, propósitos ou finalidades exclusivas, bem definidas e diferentes das de qualquer outro sistema.

3.2.2 Gerenciamento de projetos: sistema aberto

O gerenciamento de projetos abrange “uma série de ferramentas e técnicas, utilizadas por pessoas para descrever, organizar e monitorar o andamento das atividades do projeto.” (HELDMAN, 2006, p. 6).

Em outras palavras, gerenciar um projeto é aplicar conhecimentos, competências, ferramentas e técnicas às atividades do projeto, com a finalidade de alcançar os resultados desejados.

No processo de iniciação de um projeto, uma das entradas ou informações essenciais é o plano estratégico, pelas seguintes razões:

a) sua elaboração exige o estudo do cenário que envolve a organização;

b) nesse cenário surgem novos paradigmas e constantes mudanças;

c) as mudanças ambientais repercutem nas organizações, na forma de um verdadeiro “mar de turbulências”;

d) esse “mar” de turbulências abarca, sistemicamente, os campos social, político, organizacional, econômico,

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tecnológico, do conhecimento, gerencial, ecológico e humano, entre outros, como ilustrado na Figura 5.

Figura 5 – O mundo em que vivemos. Fonte: UEA 02, AULA 01, 2011 apud CAMPOS; COBUCCI, 2005.

Confronte-se essa explanação com a da Seção 3.1.2.2 em relação ao conceito de sistemas abertos e fechados, importante contribuição da TGS para o estudo dos sistemas.

O referido conceito está intimamente relacionado ao de ambiente: todo sistema existe dentro de um ambiente; e todo projeto também. O ambiente diz respeito ao meio que envolve externamente o sistema ou o projeto. Seja esse meio biológico, social ou de qualquer

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outra natureza, ele influenciará ou será influenciado pelo sistema ou pelo projeto.

Os sistemas abertos apresentam relações de intercâmbio com o ambiente. São adaptativos, isto é, para sobreviver ajustam-se, adaptam-se continuamente às condições do meio. É o caso das organizações (e, em um âmbito mais restrito, dos projetos), cuja sobrevivência depende, muitas vezes, de respostas tempestivas e efetivas às demandas, anseios ou necessidades de seus clientes.

Eis aí evidenciada, no gerenciamento de projetos, a presença de elemento conceitual significativo da teoria de sistemas: a ideia de sistema aberto. O gerenciamento de projetos, não há dúvida, funciona como um sistema aberto em contínua interação com seu ambiente externo.

3.2.3 Gerenciamento de projetos: representação por processos integrados

O gerenciamento de projetos é realizado por meio de processos, usando conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas apropriadas que recebem entradas e geram saídas. Segundo o Guide to the PMBOK (PMBOK, 2004), “os processos do gerenciamento de projetos organizam e descrevem o trabalho do projeto. São executadas por pessoas [...], estão inter-relacionados e dependem uns dos outros.”

Identifica-se, nesses conceitos, a realização do gerenciamento de projetos por meio de processos que representam as atividades do projeto desde o seu início até o seu encerramento. Recorde-se, da Seção 3.1.2.3, a representação dos sistemas através de processos, com entradas e saídas; esse é, portanto, mais um elemento conceitual presente no gerenciamento de projetos.

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Na Figura 6, são mostrados os cinco grupos de processos do gerenciamento de projetos:

a) grupo de processos de iniciação;

b) grupo de processos de planejamento;

c) grupo de processos de execução;

d) grupo de processos de monitoramento e controle;

e) grupo de processos de encerramento.

Figura 6 – Processos e suas principais finalidades. Fonte: UEA 01, AULA 03, 2011 apud PMBOK, 2008 (adaptação).

Um projeto se realiza por intermédio da aplicação integrada desses cinco grupos de processos com nove áreas de conhecimento, assim denominadas: gerenciamento de integração, gerenciamento de escopo, gerenciamento de custo, gerenciamento de qualidade, gerenciamento de recursos humanos, gerenciamento de comunicação, gerenciamento de riscos e gerenciamento de aquisições, como mostrado na Figura 7.

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Figura 7 – Áreas de Conhecimento do PMBOK. Fonte: UEA 02, AULA 06, 2011 apud PMBOK, 2008 (adaptação).

O gerenciamento de projetos é, portanto, um empreendimento integrador, pois exige que cada processo do projeto seja adequadamente associado e conectado a outros. A natureza integradora do gerenciamento de projetos exige, por exemplo, a interação do grupo de processos de monitoramento e controle com todos os aspectos dos outros grupos de processos.

Essa ideia da interação, da integração dos processos que compõem um todo, o gerenciamento de projetos, é derivada da teoria de sistemas.

A Figura 8 apresenta o mapeamento de 42 processos, agrupados em cinco grupos de processos de gerenciamento e em grupos de processos das nove áreas do conhecimento.

Figura 8 – Fluxos do PMBOK Guide, 4ª edição, no site da PMTECH.

3.2.4 Gerenciamento de projetos: monitoramento e controle

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Na Seção anterior, declarou-se que um projeto se realiza por intermédio da aplicação integrada de cinco grupos de processos de gerenciamento e de processos de nove áreas de conhecimento.

Interessa mais de perto, neste ponto, um dos cinco grupos de processos de gerenciamento apontados, o de monitoramento e controle. Esse grupo tem a função de “[...] monitorar e controlar o trabalho do projeto associado aos grupos de processos: iniciação, planejamento, execução e encerramento. São tomadas ações preventivas ou corretivas para controlar o desempenho do projeto.” (UEA 02, AULA 08).

Vê-se, no retângulo inferior da Figura 8, que o grupo de processos de monitoramento e controle perpassa também todos os outros grupos de processos das áreas de conhecimento (gerenciamento de integração, gerenciamento de escopo, gerenciamento de custo, gerenciamento de qualidade, gerenciamento de recursos humanos, gerenciamento de comunicação, gerenciamento de riscos e gerenciamento de aquisições).

O monitoramento é realizado durante todo o projeto e inclui a coleta, medição e disseminação de informações sobre o desempenho do projeto e sobre as medidas necessárias para efetuar melhorias no processo. Para os fins deste artigo, basta registrar que o processo de monitoramento e controle está relacionado:

à comparação do desempenho real do projeto com o plano de gerenciamento do projeto; [...] à avaliação do desempenho para determinar se são indicadas ações preventivas ou corretivas e recomendar essas ações conforme necessário. (UEA 02, AULA 08).

O controle do projeto é alcançado quando é possível obter informações precisas sobre o seu andamento e quando é possível tomar ações que conduzem o projeto de volta a seus objetivos de prazo, recursos e qualidade (desempenho) previamente estabelecidos (UEA 02, AULA 08). O controle do projeto significa, portanto, identificar o que acontece e agir sobre os fatos.

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Na descrição do grupo de processos de monitoramento e controle, é utilizado o conceito de realimentação ou feedback, apresentado na Seção 3.1.2.4, onde se diz que o feedback serve para comparar os resultados do funcionamento do sistema com os padrões previamente estabelecidos para ele funcionar, ou seja, para cotejar o realizado com o planejado e atuar no sentido de corrigir os desvios observados.

Reconhece-se, portanto, no gerenciamento de projetos, a presença de mais este elemento conceitual da teoria de sistemas: o feedback.9

3.2.5 Gerenciamento de projetos: enfoque sistêmico

Na Seção 3.1, viu-se que o enfoque sistêmico é uma forma de interpretar situações e conhecimentos, seja no campo biológico, seja no físico, psicológico organizacional, entre outros, e constatou-se que essa forma ou filosofia de análise também está presente no gerenciamento de projetos, em especial quando são levados em conta os seguintes pressupostos básicos:

a) visão de um ‘todo’ (projeto) composto por partes integradas (os cinco grupos de processos de gerenciamento e os grupos de processos das nove áreas do conhecimento) e situado num contexto mais amplo (o ambiente externo), que envolve não apenas esse ‘todo’ (o projeto), mas também outros ‘todos’ (a própria organização onde se desenvolve o projeto, além de outras organizações), confirmando, assim, a ideia de sistemas dentro de sistemas, dentro de sistemas, dentro de sistemas...;

9Resta dizer que, no caso das organizações, e também dos projetos, muitas vezes o feedback não é automático, sendo necessária a interferência humana: tanto o cotejo entre o real e o planejado como as correções dos eventuais desvios são ações e decisões de pessoas, não de máquinas.

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b) noção de complexidade, que destaca o fato de que muitos problemas ou situações (ou projetos) com que as pessoas se deparam no dia a dia são de natureza intrinsecamente complexa, sendo resultantes não só de uma, mas de muitas causas (em um projeto, os recursos, os clientes, a legislação, a concorrência, os riscos, os prazos e diversos outros);

c) interação e interdependência entre as partes ou elementos de um sistema (os cinco grupos de processos interagindo com os grupos de processos das nove áreas de conhecimento), o que conduz à alteração do sistema como um todo quando uma de suas partes é afetada (nos projetos, uma mudança na área de conhecimento ‘gerenciamento de recursos humanos’ pode afetar as outras áreas de gerenciamento, com reflexos mais ou menos graves no projeto como um todo).

4. CONCLUSÃO

Mais de sete décadas se passaram desde que o cientista húngaro Ludwig Von Bertalanffy formulou os postulados da Teoria Geral dos Sistemas (TGS), buscando uma abordagem mais ampla, mais holística dos vários ramos do conhecimento, de modo que as descobertas efetuadas em cada uma das ciências pudessem ser utilizadas pelas demais.

A aceitação da TGS pela comunidade científica foi ampla, como afirma o próprio criador:

[...] a teoria geral dos sistemas – sob esta ou denominações similares – foi reconhecida como uma disciplina, com cursos universitários, textos, livros de artigos, revistas, reuniões, grupos de trabalho, centros e outros aparatos de um universo acadêmico de ensino e pesquisa. (BERTALANFFY, 2009, p. 11).

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Em vista disso, não é de surpreender que conceitos derivados da teoria de sistemas — tema vasto, que abrange vários ramos do conhecimento — se encontrem incorporados explícita ou implicitamente na teoria e na prática do gerenciamento de projetos.

Foi com essa percepção em mente, acentuada pelo fato de haver tido oportunidade profissional e acadêmica de lidar com a teoria de sistemas e o gerenciamento de projetos, que o autor resolveu desenvolver o tema objeto deste artigo, com as finalidades de:

a) identificar como o enfoque sistêmico, derivado de conceitos básicos da teoria geral dos sistemas, se faz presente na prática do gerenciamento de projetos; ou, em outras palavras,

b) reconhecer a presença, no gerenciamento de projetos, de elementos conceituais originários da teoria de sistemas.

Tal ordem de coisas deu origem e sustentação à forma como se estruturou o desenvolvimento da parte conceitual deste artigo, vale dizer, em duas Seções, a primeira delas (3.1) tratando especificamente de conceitos básicos de sistemas e a segunda (3.2), da aplicação desses conceitos ao gerenciamento de projetos.

A identificação ou o reconhecimento da presença de elementos conceituais da teoria de sistemas na prática no gerenciamento de projetos foi facilitada, neste trabalho, pelo método utilizado de cotejar, pari passu, a teoria (de sistemas) e a prática (do gerenciamento de projetos), mediante a abordagem de determinados aspectos do gerenciamento de projetos e a constatação da aplicação, a cada um deles, de um ou mais conceitos específicos da teoria de sistemas.

Infere-se, do exposto até aqui, que o problema e a hipótese enunciados na Seção 1.2 tiveram solução (problema: é possível concluir

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que a teoria de sistemas aplica-se ao gerenciamento de projetos segundo o Guia PMBOK?) e comprovação (hipótese: há uma correlação inequívoca entre a teoria de sistemas e o gerenciamento de projetos no que diz respeito à aplicação dos conceitos da primeira, a teoria, à prática do segundo, o gerenciamento) satisfatórias.

Evidentemente não foi possível, e nem era esse o escopo deste artigo, desenvolver análise completa e detalhada de todas as nuanças conceituais e práticas da teoria de sistemas e do gerenciamento de projetos, mas pode-se afirmar que, mesmo considerando apenas o universo abordado, o objetivo do trabalho foi alcançado, conforme se demonstra, de forma resumida, no Quadro 1.

Quadro 1 – Elementos conceituais da teoria de sistemas presentes no gerenciamento de projetos

Teoria de sistemas Gerenciamento de projetos

Tem a visão do sistema como um todo existindo dentro de um ambiente, que é o meio que envolve externamente o sistema.

Enxerga o projeto como um todo inserido em um ambiente externo (a organização e, por extensão, o ambiente externo que a envolve).

O todo (sistema) é composto por elementos ou partes interligados e integrados, em constante interação.

O todo (projeto) é desenvolvido por meio de cinco processos de gerenciamento perpassando, de forma integrada e interativa, grupos de processos de nove áreas do conhecimento.

No sistema a atenção é continuamente voltada para os resultados visados, pois todo sistema tem um ou alguns propósitos ou objetivos a alcançar.

O sucesso de um projeto depende do alcance dos resultados ou objetivos programados.

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O funcionamento de um sistema pode ser descrito por meio de entradas, processamentos, saídas e retroalimentação.

O gerenciamento de projetos é realizado por meio de processos, que são representados através de entradas, técnicas/ferramentas de processamento, saídas e monitoramento e controle.

Destarte, conclui-se este trabalho, não sem antes ressaltar que foram também satisfeitos seus objetivos específicos, explicitados na Seção 1.2.2, a saber: expor conceitos básicos relacionados à teoria de sistemas; e apresentar aspectos do gerenciamento de projetos nos quais se pode reconhecer o uso de conceitos da teoria de sistemas.

4.1 Trabalhos futuros

Neste artigo, foram dados passos iniciais — delimitados, evidentemente, pela premência do tempo, como é natural em trabalhos acadêmicos desta natureza — no sentido de demonstrar que elementos conceituais da teoria de sistemas estão indubitavelmente presentes no gerenciamento de projetos.

Evidentemente há, além dos elementos conceituais abordados, outros igualmente relevantes, seja na ciência dos sistemas, na tecnologia de sistemas ou na filosofia dos sistemas, como aliás pontifica o próprio Bertallanfy (2009, p. 13-15, grifo do autor):

Falando em geral, podemos indicar três aspectos principais, que não são separáveis em conteúdo, mas distinguíveis na intenção. O primeiro pode ser descrito como “ciência dos sistemas”, isto é, pesquisa científica e teoria dos “sistemas” nas várias ciências (p. ex. física, biologia, psicologia, ciências sociais), e teoria geral dos sistemas como doutrina dos princípios aplicáveis a todos os sistemas (ou àqueles definidos como subclasse dos sistemas). [...] O segundo campo é a “tecnologia de sistemas”, isto é, os problemas emergentes na tecnologia e sociedade modernas, compreendendo tanto [sic] a aparelhagem (hardware) dos computadores, automação, maquinaria autorreguladora, etc. e os programas de novos desenvolvimentos e disciplinas teóricas. [...] Em terceiro lugar temos a filosofia dos sistemas, isto é, uma reorientação do pensamento e da concepção de mundo

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decorrente da introdução do “sistema” como novo paradigma científico.

Existe, por conseguinte, um vasto campo de possibilidades de estudo da teoria de sistemas aplicada ao gerenciamento de projetos. Tomando como ponto de partida a ideia defendida neste trabalho, pode-se propor o desenvolvimento de trabalhos futuros abordando linhas de pesquisa focadas nos seguintes temas da teoria de sistemas, entre outros passíveis de desenvolvimento:

a) comportamento probabilístico e não-determinístico – os projetos são sistemas abertos, afetados por mudanças em seus ambientes, que incluem variáveis desconhecidas e incontroladas, portanto probabilísticas;

b) homeostase ou “estado firme” – o projeto alcança um estado firme, ou seja, um estado de equilíbrio quando, apesar das mudanças do ambiente, os mesmos resultados são atingidos;

c) entropia – a entropia é um processo pelo qual todas as formas organizadas tendem à desorganização e à desintegração. Para sobreviver, os projetos, como sistemas abertos, precisam mover-se para deterem o processo entrópico e se reabastecerem de energia.

d) fronteiras ou limites – os projetos têm fronteiras que os diferenciam dos ambientes externos que os circundam, as quais determinam maior ou menor intercâmbio com o ambiente;

e) morfogênese – o projeto tem a capacidade de modificar a si próprio, diferentemente de uma máquina, que não pode mudar suas engrenagens, e de um animal, que não pode criar uma cabeça a mais.

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As linhas de pesquisa propostas não esgotam, evidentemente, o universo de temas para reflexão acadêmica a respeito da aplicação da teoria de sistemas ao gerenciamento de projetos. Mas o desenvolvimento dos temas acima sugeridos poderá contribuir para a extensão da análise sobre o uso da teoria de sistemas na prática do gerenciamento de projetos.

5. REFERÊNCIAS

BERTALANFFY, Ludwig. Teoria geral dos sistemas. 4. ed. Petrópolis : Vozes, 2009. 360 p.

CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração. 6. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. 700 p.

EPSTEIN, Isaac. Cibernética São Paulo: Ática, 1986. 88 p.

HELDMAN, Kim. Gerência de projetos: guia para o exame oficial do PMI. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 529 p.

KWASNICKA, Eunice Lacava. Teoria geral da administração: uma síntese. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1989. 183 p.

MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru. Teoria geral da administração. São Paulo: Atlas, 2006. 353 p.

WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. São Paulo: Cultrix, 1973. 190 p.

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA. Material do curso de Especialização em Gestão de Projetos, da Universidade Católica de Brasília: UEA 01, AULA 03; UEA 02, AULAS 01, 06, 08. Disponível para os alunos do curso em: http://moodle2.catolicavirtual.br/course/view.php?id=14165. Acessado em fevereiro, março, abril e maio de 2011.

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RESPONSABILIDADE DO AGENTE POLÍTICO NA GESTÃO DA COISA PÚBLICA

Osvaldo Cipriano da Silva Filho Auditor de Controle Externo do TCDF

INTRODUÇÃO

Em todas as épocas sempre existiram o cuidado com a boa administração dos recursos públicos. A história revela preocupação dos povos com a conduta civil daqueles que, em função do exercício do cargo, administravam dinheiro e bens. No princípio as normas civis foram consuetudinárias e aqueles que exerciam a função pública tinham o dever de responder pelos seus atos de malversação. A violação da confiança depositada no representante do povo impunha a obrigação do Poder Público de chamar à responsabilidade e de torná-la efetiva. O agente era obrigado a dar conta daquilo que se obrigou ou que prometeu, sofrendo as sanções cabíveis, inclusive respondendo com a própria vida.

Na atualidade não é tão diferente sob o enfoque da preocupação com a coisa pública. A sociedade evoluiu, deixou de ser tribal, formou-se nações e estados, e as leis foram escritas, regulando a vida dos cidadãos e dos seus representantes. O Estado, à luz do tributo, tornou-se “tesouro público”, erário, fonte de desejos de riqueza do povo, que, sob a égide de Governo, visando o interesse público, impõe a bandeira de bem administrar em nome do povo, surgindo então à figura do agente político, que ora tutela o Estado, ora gere os recursos do Estado.

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Este artigo trata de ensaio sobre a responsabilidade do Agente Político na gestão da coisa pública ante a competência do Tribunal de Contas de aplicar sanção, quando for chamado a responder por atos praticados de natureza ilícita.

Posto isso, serão abordados os tópicos: (1) Administração pública, com o intento contextualizar o tema e situar o universo de atuação do agente político; (2) Agentes políticos, apresentando os aspectos de sua natureza e a relação com a administração pública; (3) Ato político e administrativo, abordando a natureza de suas origens, conteúdo e fundamentos; (4) O múnus público do exercício de função pública objetivando o estabelecimento do nexo entre o encargo de investidura do agente político na gestão de ente público e a consequente responsabilização pelos atos praticados; e por último, (5) o Tribunal de Contas e a responsabilização do agente político. Esse tópico visa apresentar, com outro olhar, uma perspectiva de intrínseca relação de naturalidade entre o agente político, enquanto investido de autoridade de responder e gerir ente público, e o Tribunal de Contas.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

No contexto deste ensaio importa inicialmente apreender a concepção de Administração Pública, no sentido lato. Não por si mesmo, mas pelo fato do agente político atuar no universo público, tanto no exercício do mandato, quanto na gestão de ente público, cujos atos, tanto no exercício do mandato, quanto no desempenho de funções nesse âmbito, implicam imputação de responsabilidade. E, em via de consequência, o sentido de responsabilização.

Do ponto de vista da sociologia, a responsabilidade é a obrigação reconhecida socialmente, cujos grupos formadores da sociedade, consensualmente, visando o bem comum, assumem e aceitam as consequências de atos praticados por qualquer um de seus membros. Em sentido lato, é um atributo de quem é responsável, ou seja, o dever de dar conta de alguma coisa que se fez ou mandou fazer, de ordem legal, moral, público ou particular. Daí a expressão “chamar à responsabilidade”, no sentido de lembrar alguém de suas

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obrigações e deveres, não somente pelos próprios atos, como também de outros, obrigando-se á prestação de contas. Por essa via, razão pela qual a responsabilização não pode ser considerada anormal nem restritiva para alguns, porquanto é da natureza humana responder por suas ações.

Leciona Di Pietro1 que, de acordo com doutrina aceita por consagrados juristas, o termo administração pública comporta dois sentidos. O primeiro, no sentido subjetivo, formal ou orgânico, compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos. O segundo, no sentido objetivo, material ou funcional, compreende a natureza predominantemente administrativa, de competência do Poder Executivo.

Outro citado pela autora apresenta também duas distinções, uma de caráter amplo, que compreende, objetivamente, a função política, que traça a diretriz governamental; e a função administrativa, que executa os planos de governo. A segunda, de caráter estrito, de aspecto subjetivo, abrange somente os órgãos da administração e; de aspecto objetivo, engloba apenas a função administrativa, ou seja, o poder executivo.

A Administração Pública, não importando o aspecto abraçado, está vinculada à noção de Estado. O Estado prescinde da Administração Pública, assim como ela do Estado. O Estado é um conjunto de poderes políticos, ou seja, uma Nação politicamente organizada por leis próprias, representativa de um conjunto de pessoas que vivem no mesmo território, falando a mesma língua, tendo os mesmos costumes e obedecendo a mesma lei, e geralmente de mesma raça. Nesse raciocínio, a Administração Pública é o Estado, cujo poder se desdobra em três funções, a legislativa, a jurisdicional e a executiva, apesar de ser uno, indivisível, e indelegável; que, em última instância, é o Governo.

1DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 68.

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Nessa acepção, a Administração Pública pode ser tomada como atividade de serviços próprios do Estado, dirigida a satisfazer às necessidades de interesse público, que pratica tão somente atos de execução, segundo lição de Hely Lopes Meirelles2; e Governo, na expressão política, que traça as diretrizes/objetivos do Estado, com autonomia na condução dos negócios públicos. Em resumo, à luz de Di Pietro3, a função política do Estado corresponde às atividades co-legislativas e de direção; e, a função administrativa, ao serviço público, à intervenção, ao fomento e à polícia.

Em suma, Lato sensu, a Administração Pública compreende a administração direta e a indireta, tanto a nível Federal, quanto Estadual, Distrital ou Municipal. Na esfera federal é estruturada conforme o Decreto-Lei n° 200/67, com as alterações introduzidas pela Lei n° 7.596/87. Nas demais esferas de governo, consoante suas Leis Orgânicas. Em linhas gerais, a atuação política está relacionada aos poderes do Estado, de acordo com as respectivas atribuições constitucionais.

Além disso, a Administração Pública é constituída de entidades e órgãos, isto é, entes públicos, legalmente estruturados e organizados, cujas atribuições são desempenhadas por agentes públicos e respectivos ordenamentos, na forma da lei. Os agentes, consonante a espécie, a seguir informada, apresentam atribuições e encargos distintos, por conta da parcela de poder público transferido para o respectivo exercício.

AGENTES POLÍTICOS

O gênero agentes públicos, nos termos da Constituição de 1988 e das alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n° 18/98, passou a ter quatro espécies distintas, que são, conforme Di Pietro4: agentes políticos, servidores públicos, militares, e

2MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24 .ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 58-59. 3 DI PIETRO, p. 70. 4 DI PIETRO, p. 499

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particulares, em colaboração com o Poder Público. Cabe aqui referência aos agentes políticos como foco de estudo desta matéria.

Os agentes políticos apesar de pertencer à mesma classe dos servidores públicos têm formações e papéis diferentes. Os primeiros prestam serviços à Administração Pública com vínculo empregatício e com remuneração paga pelo erário, sujeitos aos regimes estatutários e/ou celetistas, conforme ocupem cargos na administração direta ou indireta, respondendo pelas respectivas ações nos exercícios dos cargos e funções, que se processam nos termos procedimentais estabelecidos na Lei n° 8.112/90 e no estatuto do servidor público, nos estados e municípios, nas esferas civil, penal e administrativa, de acordo com a natureza dos atos praticados.

Por sua vez, os agentes políticos, na lição de Di Pietro5, são pessoas físicas no exercício de atividade típica de governo, mediante eleição ou nomeação, concentradas no Poder Legislativo e no Poder Executivo. São classificados como tais os chefes dos poderes executivo federal, estadual e municipal, os ministros e secretários de estado, senadores, deputados e vereadores, sendo que os ministros e secretários são providos em cargos públicos, mediante nomeação. Essa definição, como frisado pela autora, restringe sua abrangência, deixando de fora os membros da magistratura e do ministério público, como também os membros dos tribunais de contas, apesar de existirem correntes que admitem suas inclusões naquela categoria, desde que de investidura política, para o exercício de atribuições constitucionais.

Para Hely Lopes Meirelles6 a categoria de agentes políticos abrange todos os membros desses órgãos, desde que, com particular restrição, atuem “com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leis especiais”. Além de que, segundo o saudoso jurista, há todo um arcabouço próprio para sua

5DI PIETRO, p. 500-501. 6 MEIRELLES, p. 71.

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escolha, investidura, conduta e processo por crimes funcionais e de responsabilidade.

De tudo isso, conclui-se que os agentes políticos possuem um campo próprio de atuação e vinculado aos respectivos mandatos e nomeações, chamada de função política, correspondendo, em síntese apertada, na lição de Di Pietro7, ao reportar-se a Renato Alessi, a uma atividade superior de direção suprema e geral do Estado, na fixação de metas, de diretrizes, e de planos governamentais, visando precipuamente à soberania estatal. Na visão de Hely Lopes Meirelles8, “os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência”. No exercício da função política, o agente político, tem autonomia funcional, isentando-se de responsabilização civil por erros de atuação, exceto má-fé ou abuso de poder.

Em suma, o agente político é representante do povo, por eleição direta ou por nomeação, para o exercício de uma função política. Esse, para o exercício de função política, tem investidura política. E na gestão de ente público, segundo o exposto, pode-se concluir que tem investidura administrativa. E, por sua vez, as ações e decisões tomadas, segundo as circunstâncias da atuação pública, resultam em atos políticos ou administrativos.

ATO POLÍTICO E ATO ADMINISTRATIVO

Na lição de Hely Lopes Meirelles9, os atos políticos “são os que, praticados por agentes do Governo, no uso de competência constitucional, se fundam na ampla liberdade de apreciação da conveniência ou oportunidade de sua realização, sem se aterem a critérios jurídicos preestabelecidos”. Na mesma lição, o jurista esclarece ser a sua natureza de condução dos negócios públicos e não

7 DI PIETRO, p. 500. 8 MEIRELLES, p. 72. 9 MEIRELLES, p. 636.

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de execução de serviços públicos, de caráter genuinamente governamental. Segundo o autor, o Poder Executivo pratica atos políticos “quando veta projeto de lei, quando nomeia Ministro de Estado, quando concede indulto”10; o Legislativo, quando rejeita veto ou aprova contas ou cassa mandato; e o Judiciário, quando escolhe membros do Ministério Público e propõe a criação de tribunais inferiores. Logo, na visão desse autor, o ato político é aquele praticado com fundamento político, nos termos constitucionalmente autorizados.

O ato administrativo refere-se ao exercício da função administrativa ou executiva do Estado. Di Pietro11 define como:

[...] a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário.

Meirelles, partindo do conceito de ato jurídico na lei civil, define o ato administrativo como12:

[…] toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigação aos administrados ou a si própria.

Além disso, visando uma distinção da atividade pública desprovida de conteúdo de direito, o autor traz a figura do fato administrativo como “toda realização material da Administração em cumprimento de alguma decisão administrativa, [...]”13, acrescentando que, como materialização da vontade administrativa, “[...] é dos domínios da técnica, [...]”, e sempre resulta da determinação do ato administrativo. Ademais, segundo o autor, o ato administrativo deve obedecer a certos requisitos à sua formação, a saber: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Tais pontos não serão abordados neste artigo.

10 DI PIETRO, p. 206. 11 DI PIETRO, p. 206. 12 MEIRELLES, p. 132. 13 MEIRELLES, p. 133.

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De maneira peculiar, os atos políticos são distintos dos atos administrativos. O primeiro precisa de fundamento político e o segundo não. Os atos administrativos, em regra, são praticados por agentes públicos investidos de função administrativa, no caso servidor ou funcionários públicos e também agentes políticos, em exercício de mandato e os nomeados. Estão, em consequência, sujeitos ao múnus e às regras vinculadas às atribuições do cargo, função e da pasta.

O MÚNUS DO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA

Lato sensu, o múnus público refere-se ao encargo que procede do poder público ou da lei, visando atender o interesse coletivo, impingindo ao agente a responsabilidade do cargo ou da função ou da pasta. Os atos praticados subjazem o pleno exercício das atribuições com lisura e probidade, observando-se os princípios da administração pública, e, na desventura, o dever de reparar o mal causado a terceiros, realizado em nome do Estado.

Por isso, o encargo da responsabilidade oriundas do exercício de atribuições da investidura não deve apenas ser olhado do ponto de vista jurídico, emanado de norma tutorial, mas como originariamente natural, que decorre do senso comum relacionado à conduta da pessoa nas suas múltiplas relações interpessoal e institucional. O indivíduo no desempenho das faculdades legais, observados ou não os limites de ação, ao usurpar o direito do outro, deve ser responsabilidade pela conduta omissiva ou comissiva. Esse aspecto é visto na teoria da responsabilizado civil, na qual se estabelece o nexo de causalidade (causa/efeito), como pressuposto para a imputabilidade do dano, em que se apura se o ato lesivo (culpa ou dolo) do agente produziu o resultado.

No cumprimento de função executiva, o desempenho regular do cargo ou da função pública não deve resultar em ofensa aos princípios basilares da Administração nem ao direito de terceiro, vez que busca salvaguardá-los e visa o bem comum. Do contrário, o

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abuso do cargo ou da função pelo agente público é que resulta em ofensa aos direitos pessoais e sempre é contrário ao interesse público.

O múnus do cargo ou função publica está relacionado e circunscrito às atribuições emanadas de lei ou de norma instituidoras e à esfera de ação do agente público. Ou seja, a responsabilidade atribuída ao agente público deve ser definida segundo a espécie de vínculo estabelecido com o Estado. Por isso, há de se falar em responsabilidade distinta para agente político e para servidor público, como espécies do gênero agente público. Mas, em que pese tal distinção, a responsabilidade precisa ser de caráter de justaposição, ou seja, o encargo da responsabilização está direta e intrinsecamente relacionado à investidura, em qualquer nível do Poder Público.

O agente político investido de cargo ou função executiva deve responder pela sua gestão em todos os seus aspectos, significando que, independente do múnus político, no exercício de mandato eletivo ou não, sujeitar-se-á às sanções decorrentes das irregularidades circunscritas às atribuições da pasta, cargo ou função. No desempenho de gestão de natureza executiva, não se pode alegar que os atos praticados são de caráter político, isentos de responsabilidade, não sujeitos às regras que recaem sobre os demais agentes. Contrário senso, cabe ao agente o ônus da prova de que os atos sobre referida tutela de governo foram praticados circunstancialmente no exercício do mandato, para o qual foi eleito, provando o fundamento político.

Em síntese, vê-se então a importância da determinação do vínculo do agente político: a natureza do encargo público define se o ato é típico de governo, realizado no exercício do mandato político, segundo definido na Carta Magna, ou se é volitivo, característico da gestão administrativa, no exercício de função executiva, com reflexos na responsabilização do agente.

O TRIBUNAL DE CONTAS E A RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE POLÍTICO

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A legislação brasileira contém um arcabouço de leis que define a natureza e o procedimento de responsabilização do agente político, tais como: as Leis n°s 1.079/50, 7.106/83, 8.429/92, 10.028/2000, o Decreto Lei n° 201/87, a Lei Complementar n° 101/2000 e a Constituição Federal/1988 (arts. 51, 52, I, 85 e 102, I, “c”). Referidas normas pátrias dispensam um tratamento especial aos agentes políticos, e, à rara exceção, não podem responsabilizados por quaisquer atos, cujas pessoas assim investidas são postas numa redoma protetora, sob a tese de que precisam ter plena liberdade de atuação no desempenho das atribuições de conteúdo nitidamente político. Por regra, sem a dita proteção legal, elas teriam suas ações restringidas, sujeitas a serem responsabilizadas por quem sofre prejuízos com suas intervenções na vida do povo. Por exemplo, os membros do parlamento têm garantido a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos e a imunidade parlamentar, com base nos artigos 27, § 1°, 29, III, e 53, §§ 2° e 3°, da Constituição. Esse último com redação dada pela Emenda Constitucional n° 35/2001. Sendo que a inviolabilidade impede a responsabilização civil, criminal, administrativa ou política; enquanto a imunidade parlamentar, a responsabilidade criminal.

Em linhas gerais, os atos políticos estão sujeitos a regime jurídico-constitucional. Os tidos por lei como ilícitos são definidos como crimes de responsabilidade, cuja matéria primeiramente foi disciplinada pela Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950, regulando o processo de julgamento, relacionados ao Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-Geral da República, e Governadores e Secretários de Estado. E nos casos de Prefeitos Municipais, os crimes de responsabilidade estão disciplinados pelo Decreto-Lei n° 201, de 27 de fevereiro de 1967. Os governadores do Distrito Federal e dos Territórios e seus Secretários respondem por crimes de responsabilidade nos termos da Lei n° 7.106, de 28 de junho de 1983. Na Constituição de 1988, a matéria foi abordada especialmente nos artigos 15 e 37. Esse estabeleceu os princípios norteadores da

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Administração Pública, cujo parágrafo 4° foi regulamentado pela Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992. No conjunto do arcabouço legal, as autoridades citadas, a depender da natureza das ações ou atos praticados, somente poderão ser processadas e julgadas a uma, por crimes de responsabilidade, pelo Senado Federal, a título de competência privativa, nos termos dispostos no art. 52, incisos I e II, da Constituição, a duas, nos crimes comuns, pelo Superior Tribunal Federal, segundo inserto no art. 102, inciso I, da mesma norma régia, mediante licença da respectiva casa legislativa.

Posto tudo isso sucintamente, eis as considerações a respeito. As situações suso colocadas remetem basicamente ao exercício de função de natureza política. No geral, o legislador preocupou-se com as responsabilidades vinculadas ao exercício das funções do múnus público. Não se vislumbrou a realidade de agentes políticos, em gozo de mandato, exercendo funções públicas no âmbito da Administração Pública Executiva, investidos de poder para a condução da gestão de ente público, na condição de Ministros ou Secretários de Estado ou mesmo de presidente e diretor. Nessa situação, os agentes políticos desempenham funções institucionais do ente público, ao tempo, ora de caráter político ora simplesmente volitivo, de gestão. Por sua vez, os atos políticos ficam circunscritos aos praticados de natureza nitidamente política e os demais, relacionados à gestão, têm caráter de atos administrativos.

De direito, as decisões emanadas desses agentes em nome da entidade ou do órgão, no conjunto de suas atribuições institucionais, definidas em lei, devem ser consideradas manifestadamente administrativas e sujeitas ao regime legal prescrito no sistema jurídico brasileiro, observadas a natureza do ato. Lato sensu, os atos volitivos são de responsabilidade da autoridade, porquanto foi investido pelo Poder Público e responde pela sua gestão em todos os níveis. Strito sensu, cada agente público, político ou servidor público, responde individualmente ou solidariamente pelos atos praticados no exercício das atribuições conferidas pela pasta, cargo ou função.

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En passant, o professor Adilson Abreu Dallari, em seu artigo intitulado “A Responsabilidade do Agente Político14”, leciona que ditos agentes, por exercerem funções públicas, os atos decorrentes podem consistir tanto de atos políticos, quanto de simples atos administrativos, sendo que, em qualquer caso, não são isentos de responsabilidades. E mais, complementa, nestes termos:

No regime republicano, que é baseado na igualdade entre as pessoas, todo governante governa por força de uma outorga dos governados, dos iguais. O governante não é alguém imanentemente mais importante ou diferente dos cidadãos. Todo e qualquer governante é um cidadão que foi investido numa função de comando. Esse governante continua sendo um cidadão, um igual, que recebeu um mandato para desempenhar uma determinada função. E se não for fiel ao mandato recebido pode ser responsabilizado, pode ser apeado do poder, além de sujeitar-se a outras sanções.

Na referência em pauta, o agente político está sujeito a várias espécies de responsabilidade, conforme o ato praticado, ou seja, na lição de Dallari: política, patrimonial, penal, por improbidade administrativa, popular e fiscal. Importa neste artigo a responsabilização do agente político, enquanto responsável de ente público, na condição de gestor (administrador ou dirigente) de dinheiro, bens e valores públicos, porquanto não se questiona a sua responsabilização pela prática de atos políticos, cuja imputação de sanções remete-se às ações tipificadas como crime de responsabilidade e á esfera diferente, segundo definida em lei própria.

A responsabilidade patrimonial ou civil segundo o autor citado está prevista no art. 37, § 6°, da CF. Esse dispositivo diz respeito ao direito de regresso das pessoas jurídicas de direito

14 DALLARI, Adilson Abreu. A Responsabilidade do Agente Político, Boletim de Direito Administrativo – BDA v. 17, n. 2, fev. 2001, p. 100.

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público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos de seus agentes pelos danos causados a terceiros, nos casos de dolo ou culpa15. A penal está regulada no Código Penal no Título que cuida dos Crimes contra a Administração Pública. O art. 327 do código traz a figura de funcionário público, cujo conceito alhures já era amplamente aplicado como abrangente de todo aquele que exerce função pública.

A Lei n° 8.429 dispôs sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração pública, que passou a ser conhecida como “lei da improbidade administrativa”, inclusive com previsão de instauração de processos nas três instâncias, administrativas, civil e criminal. Segundo Di Pietro16, a primeira apura o ilícito administrativo de acordo com as normas previstas no Estatuto Funcional; a segunda vai apurar a improbidade administrativa e aplicar as sanções previstas na Lei n° 8.429/92; e a terceira, o ilícito penal segundo as normas do Código de Processo Penal.

À luz da Lei n° 8.429/92, pode-se afirmar que os agentes políticos, como espécie do gênero agentes públicos, estão submissos ao seu campo de ação, na condição de sujeito ativo da improbidade administrativa, ressalvando as sanções tipificadas como crimes de responsabilidade, por gozarem de prerrogativas especiais, reputam-se a instâncias fora do âmbito da Administração Pública. E, já posto, eles são apurados e julgado por órgãos do legislativo, ressalvadas as hipóteses descritas pelos arts. 102, I, “c”; 105, I, “a”; e 108, I, “a”, da CF. Assim, ao abrigo do art. 11 da lei, os atos praticados por agentes públicos de improbidade, que atentam contra os princípios da Administração Pública, em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividades em entes públicos, são típicos atos de

15 Tendo em vista o entendimento de que o termo “agentes” refere-se ao gênero agente público, cujo regresso deverá ser processado via tomada de conta especial. 16 DI PIETRO, p. 775-776.

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gestão, por isso, administrativos, e, a vista do seu art. 21, sujeitos à jurisdição do Tribunal de Contas.

Por outro viés, o exame das disposições previstas no art. 71 da Carta Magna aponta à sujeição dos agentes políticos ao Tribunal de Contas, quando atribui a esse órgão de controle externo competência para julgar as contas das autoridades públicas. Deduz-se, por conseguinte, que os agentes políticos, na condição de gestor, estão obrigados a prestar contas de seus atos, bem assim às sanções pela prática de atos considerados irregulares, na forma da lei. Nos Estados, Territórios, Distrito Federal e nos Municípios a previsão consta de suas leis orgânicas.

Logo, o Tribunal de Contas naturalmente é o órgão competente para avaliar a legitimidade das atribuições desempenhadas pelos agentes políticos na prestação de serviços públicos, vez que é o ente do Poder Público com atribuições constitucionais para apreciar e julgar as contas dos administradores, dirigentes e responsáveis pela coisa pública, mediante a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, em cada esfera de governo, quanto à legalidade, legitimidade e economicidade. Em resumo, infere-se ser atribuição do Tribunal de Contas examinar e julgar os atos de tais agentes, inclusive de aplicar sanções pelos atos ilícitos.

Em parte, contrário a esse olhar, o STF17 entende que o agente político não responde pelos seus atos na esfera administrativa, mas na esfera político-administrativa, por não se encontrar submetido ao princípio da hierarquia e às sanções de natureza disciplinar. Olvida o STF que a função exercida pelo agente na condução da coisa pública resulta atos administrativos, por isso, naturalmente, não pode afastá-lo de responsabilização na esfera ao qual está vinculado, devendo, no entanto, serem excluídos os atos que se remetem a crimes tipicamente reputados como de responsabilidade, cujo nascedouro seja o

17 STF. Julgamento das ADIsn.°s 2.797/DF e 2.860/DF.

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exercício do mandato eletivo. Ainda, não se pode perder de vista esta realidade: no momento em que o agente político deixa de cumprir as funções precípuas do mandato, para o qual foi eleito, para sujeitar-se à investidura de outro encargo de prestação de serviço público, ele está automaticamente subordinado às suas normas, bem assim aos princípios norteadores da Administração Pública.

CONCLUSÃO

O múnus público do agente político não pode isentá-lo de responder por seus atos na condução da coisa pública. A natureza hibrida de sua atuação deve ser vista com cuidado. As restrições de prestar contas de seus atos na instância de origem tem resultado em descrédito do Poder Público, porquanto o desgoverno do patrimônio público apresenta sérios reflexos no uso legítimo dos recursos públicos e em desvio de finalidade de entes governamentais. A função pública exercida por tais agentes requer outros olhares.

O agente político deve responder pelos atos ilícitos, segundo a investidura. Ele, no exercício da função pública administrativa, precisa ser chamado à responsabilidade, por atos de gestão em desacordo com a lei, contrários ao interesse público, na esfera administrativa, ou seja, executiva. Não é natural o agente político, nessa situação, sob o manto da investidura política, argúi isenção de responsabilidade, quando chamado a responder por atos irregulares. A responsabilização pela Administração Pública tem a natureza de poder-dever e, por isso, irrenunciável.

Nesse sentir, com outro olhar, o Tribunal de Contas, consoante as atribuições institucional, tem plena competência para julgar os atos administrativos praticados por agentes políticos, enquanto gestor público, e aplicar sanções, por ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, operacional ou patrimonial, bem assim por ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, de que resulte dano ao erário, ressalvando-se os casos apurados de irregularidades e tipificados

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como crimes de responsabilidade, amparados por regime próprio, em que a Corte de Contas deverá remeter a documentação à jurisdição competente, na forma da lei, processar e julgar. Portanto, nesse diapasão, não se vislumbra agressão ao sistema constitucional: a responsabilidade política restaria resguardada e a responsabilização se processaria observando o vínculo do agente político com a Administração Pública e segundo a natureza do ato por ele praticado, que induza ou concorra para o ilícito.

BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS

1. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 68.

2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24.ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 58-59.

3. DALLARI, Adilson Abreu. A Responsabilidade do Agente Político, Boletim de Direito Administrativo – BDA v. 17, n. 2, fev. 2001, p 100.

4. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n. 1/1992 a 67/2010, pelo Decreto Legislativo n. 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão ns. 1 a 6/1994. --34. ed. --Brasília :Câmara dos Deputados, Edições Câmara,2011.568 p. --

5. FRAGA, Guilherme Feler de Paula. Do Alcance da lei de Improbidade administrativa aos agentes políticos. Fórum Administrativo – Direito Público – FA. ano.1, n. 1, mar. 2001. p. 40/47.

6. BITENCOURT, Cezar Roberto. Crimes contra as finanças públicas e crimes de responsabilidade de prefeitos: anotações à Lei n° 10.028, de 19/10/2000. 2.ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

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7. MACHADO, Hugo de Brito. Responsabilidade do Agente Público: Distinção entre agente político e agente administrativo. Interesse Público, ano 9, n. 41, jan./fev. p. 55/63.

8. MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor Público na atualidade. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

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PENSÃO ESPECIAL CONCEDIDA À FILHA MAIOR E SOLTEIRA: EXIGÊNCIA DE

DECLARAÇÃO PERIÓDICA DA CONDIÇÃO DE SOLTEIRA E QUE NÃO VIVE EM ESTADO DE

UNIÃO ESTÁVEL

Rosimary Martins Medeiros Auditora de Controle Externo do TCDF

Pensão Especial. Beneficiária de pensão habilitada como filha maior e solteira, nos termos do artigo 5°, inciso II, Parágrafo único, da Lei n° 3373/58. Exigência de que declare, periodicamente, ser ainda solteira e que não vive em estado de união estável, face a equiparação da companheira à condição de cônjuge para fins de concessão de pensão civil. Exclusão do benefício de pensão concedido à filha maior que vive em estado de união estável.

A matéria foi objeto de Representação n° 09/2006 – IMF, Processo n° 30067/06, no Tribunal de Contas do Distrito Federal, com vistas a determinar aos órgãos jurisdicionados a adoção de procedimentos quanto à exigência, periódica, de declaração de beneficiárias de pensão, habilitadas como filhas maiores e solteiras, de que permanecem nessa condição e que não vivem em estado de união estável.

2. O que motivou o oferecimento da representação em comento foi a decisão desta egrégia Corte de n° 2782/2006, exarada

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no Processo n° 3951/931, que considerou ilegal a integralização de pensão, em face de se tratar de pensionista habilitada na condição de filha maior e solteira que percebia, concomitantemente, outra pensão na condição de companheira.

3. O Tribunal de Contas do Distrito Federal, ao proferir a decisão acima referida, levou em consideração o entendimento da 4ª Inspetoria que se manifestou nos seguintes termos:

(...) a proteção do Estado prevista no art. 226, § 3° da CRFB tem por finalidade igualar os direitos entre o casamento e a união estável entre o homem e a mulher, não indo tal proteção ao ponto de garantir a essa direitos não previsto para aquele. Estando, pois garantida a condição de pensionista na situação de companheira, tal qual seria garantida à esposa, também estará perdida a condição de pensionista, tal qual aconteceria com a filha maior que contraísse matrimônio. Nesse sentido, a alínea c do inciso I do art. 217 da Lei n° 8.112/90, ao expressamente assegurar a percepção de pensão à companheira que comprove união estável como entidade familiar, concomitante e implicitamente inibe a percepção de pensão como filha maior e solteira (Lei 3.373/58).

4. Por seu turno, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, no referido processo, manifestou-se em consonância com o Órgão Técnico, observando que:

(...) não é conceptível admitir que a interessada valha-se da legislação somente para seu usufruto, sob pena de macular o princípio da razoabilidade. Em outras palavras, não é razoável que a beneficiária ora se equipare à condição de casada (no caso das concessões como companheira), ora se esquive de tal situação, com o fito de perceber outra pensão como filha maior solteira.

5. Feito esse breve histórico, passa-se a enfrentar a questão posta na representação.

1 BRASIL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Representação. Processo n° 3951/93. Decisão n° 2782/2006. Relator: Conselheiro Ronaldo Costa Couto, Brasília, DF, 04.07.2006. Disponível em: <http://www.tc.df.gov.br/web/site/por-nr-tcdf#ConsultaDecisao.php?id=4&op=1&txtNrAno=2782/2006&tpsessao=ORD&Pesquisar=Pesquisar>. Acesso em:29 jul.2011.

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6. Primeiramente, convém destacar que não prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a relação de companheirismo encontra-se totalmente equiparada à situação de casada, havendo diferenças substanciais na legislação infraconstitucional, embora a Constituição Federal tenha reconhecido a união estável como entidade familiar, nos termos do artigo 226, § 3°, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3°. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

7. Sílvio de Salvo Venosa aborda com precisão essa distinção entre a união estável e o casamento, in verbis:

Introduzida a dicção constitucional a respeito da união estável reconhecida como entidade familiar (art. 226, § 3°), duas sortes distintas de interpretação têm sido percebidas na doutrina e nos julgados (TEPEDINO, 1999:336). A primeira orientação é no sentido de entendermos o companheirismo como equiparado ao casamento; ou seja, que os direitos da união estável não diferem do casamento. Contudo, majoritariamente, concluímos que o constituinte, no art. 226, não cria direitos subjetivos exigíveis de plano, auto-executáveis, mas vinculando apenas o legislador ordinário. A Constituição determinou que os companheiros devessem ser protegidos por norma futura. Outro argumento acrescentado refere-se à exortação do constituinte ao legislador ordinário no sentido de facilitar a conversão da união estável em casamento. Não há razão em converter uma coisa em outra, salvo se forem desiguais. Destarte, acentuemos que a natureza jurídica de ambos os fenômenos é diversa: enquanto o casamento é negócio jurídico, a união estável é fato jurídico. Esse tratamento fica bem claro no tratamento legislativo.

8. Com efeito, analisando a legislação infraconstitucional verifica-se que não foi dado ao(à) companheiro(a) o mesmo tratamento concedido ao cônjuge, havendo nítidas distinções em algumas situações. Sem querer esgotar o tema, destaca-se, como exemplo, o direito das sucessões que estabeleceu regras

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diferenciadas. Enquanto que para o cônjuge adota-se a ordem de vocação hereditária disciplinada no artigo 1829do Código Civil, para o(a) companheiro(a) aplica-se o disposto no artigo 1790 , do mesmo diploma legal.

9. Com relação aos alimentos, o entendimento é no sentido de igualdade de tratamento entre o(a) companheiro(a) e o cônjuge, conforme se depreende da própria leitura do artigo 1694 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1° Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2° Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

10. Ao tratar do tema “Alimentos na união estável”, Sílvio de Salvo Venosa observa que:

É importante ter em mente que benefício algum, superior, maior ou melhor que os concedidos ao casamento, dever ser outorgado à união sem casamento. Como em toda situação de alimentos, também entre os companheiros há que exigir necessidade de ser beneficiário de alimentos;.

11. De fato, quanto ao direito e dever de prestar alimentos não faria sentido estabelecer tratamento diferenciado entre o cônjuge e o(a) companheiro(a). O artigo 1724 do Código Civil dispõe que: ”As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”.

12. Da mesma forma, com relação à pensão civil, decorrente de morte dos servidores públicos estatutários, a Lei n° 8112/90, então aplicada no Distrito Federal por força da Lei n° 197/91, prevê a

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concessão desse benefício tanto ao(à) companheiro(a) quanto ao cônjuge, em igualdade de condições.

13. O Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis assim dispõe sobre a concessão desses benefícios pensionais:

Art. 217. São beneficiários das pensões: I - vitalícia: a) o cônjuge; (...) c) o companheiro ou companheira designado que comprove união estável como entidade familiar; (...) § 1° A concessão de pensão vitalícia aos beneficiários de que tratam as alíneas "a" e "c" do inciso I deste artigo exclui desse direito os demais beneficiários referidos nas alíneas "d" e "e"”.

14. Como se extrai da leitura do dispositivo ora citado, o(a) companheiro(a) foi incluído(a) no rol dos beneficiários da pensão vitalícia da mesma forma que o cônjuge, sendo esta modalidade pensão extinta com a morte do(a) pensionista, nos termos do artigo 216 da Lei n° 8112/90, in verbis:

Art. 216. As pensões distinguem-se, quanto à natureza, em vitalícias e temporárias. § 1° A pensão vitalícia é composta de cota ou cotas permanentes, que somente se extinguem ou revertem com a morte de seus beneficiários.

15. Também, observa-se a igualdade de condições entre o cônjuge e o(a) companheiro(a) com relação a exclusão de outros beneficiários de pensão vitalícia, pois, da mesma forma que é para o cônjuge, a concessão de pensão ao(a) companheiro(a) exclui desse direito o pai e a mãe que comprovem dependência econômica do(a) ex-servidor(a).

16. Ademais, da leitura do §1° do artigo 217 da Lei n° 8112/90, verifica-se a possibilidade de concessão simultânea de pensão ao cônjuge e ao(a) companheiro(a). Tal hipótese decorre da possibilidade de a pessoa casada, porém separada de fato, constituir

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união estável como entidade familiar, conforme previsto no artigo 1723, § 1° do Código Civil, in verbis:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1° A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

17. Nesse ponto, importa diferenciar a união estável do concubinato, embora, equivocadamente, em algumas doutrinas e jurisprudências essas expressões sejam empregadas como se fossem sinônimas. O concubinato encontra-se definido no art. 1727 do Código Civil, como:

As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar (...). Portanto, na união estável não há impedimento para o casamento, ressalvada a hipótese do(a) separado(a) de fato ou judicialmente.

18. Quanto à possibilidade de concessão simultânea de pensão ao cônjuge e ao(à) companheiro(a) separado(a) de fato, destaca-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. PENSÃO. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRA CASADA, MAS SEPARADA DE FATO. POSSIBILIDADE. 1. A Constituição Federal e a lei ordinária que regulamentou a união livre não fazem qualquer distinção entre o estado civil dos companheiros, apenas exigindo, para a sua caracterização, a união duradoura e estável entre homem e mulher, com objetivo de constituir uma família. 2. Inexiste óbice ao reconhecimento da união estável quando um dos conviventes, embora casado, encontra-se separado de fato. 3. Recurso provido. (Resp 406.886/RJ, 6ª Turma, Rel. Ministro VICENTE LEAL, DJ de 29/03/2004)”.

19. Assim, estando o(a) companheiro(a), para fins de concessão de pensão, em igualdade de condições com o cônjuge não se pode conceder àquele(a) mais direitos do que a este. Não obstante,

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o critério da igualdade entre esses beneficiários não vem sendo respeitado, conforme foi constatado no Processo n° 3951/93, no caso de concessão de pensão a filha maior e solteira que, embora não seja casada, mantém união estável. Sendo provável a existência de outras pensões nessas condições.

20. Oportuno trazer à colação, a respeito do tema, o Agravo de Instrumento n° 466405 do Estado do Rio Grande do Sul, in verbis:

Agravo de instrumento de decisão que inadmitiu recurso extraordinário, a, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim ementado: "IPERGS. UNIÃO ESTÁVEL DE DEPENDENTE. PERDA DO DIREITO À PENSÃO. Se, à data da morte do segurado, a filha deste vivia em regime de união estável, perde ela o direito ao benefício da pensão, que pressupõe dependência daquele." Alega-se violação do artigo 5°, XXXVI, da Constituição Federal. É inviável o RE. Com efeito, o acórdão recorrido decidiu a questão do direito à pensão de filhas solteiras, maiores de 21 anos, a partir da exegese da Lei n° 7.672/82 e da análise das questões fáticas que comprovavam que a recorrente vivia em união estável, fundamentos cujo reexame penderia da interpretação da lei ordinária local, à qual não se presta o recurso extraordinário (Súmulas 280). Nesse sentido, v.g., AI 445.167 - AgR, Carlos Velloso, 2ª T, DJ 12.8.2003; e o AI 417.355 - AgR, Nelson Jobim, 2ª T, DJ 13.6.2003, assim ementado: "EMENTA: Processual. Legislação local (Súmula 280). Controvérsia infraconstitucional. Regimental não provido." Assim, na linha dos precedentes, nego provimento ao agravo (artigo 557, § 1°, C. Pr. Civil). (AI 466405 / RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento 31/10/2003, publicação DJ 24/11/2003)”.

21. A pensão estatutária à filha maior e solteira no Distrito Federal teve como fundamento as Leis n°s 1711/52, 6782/80 e 3373/58, sendo que estabeleceu o rol dos beneficiários da pensão e os requisitos para a sua concessão, in verbis:

Art. 5°. Para os efeitos do artigo anterior, considera-se família do segurado: (...) II – Para percepção de pensões temporárias: a) o filho de qualquer condição, ou enteado, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido, enquanto durar a invalidez;

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(...) Parágrafo único. A filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente.

22. Portanto, são os seguintes requisitos para concessão dessa modalidade de pensão: ser filha maior e solteira e não ocupante de cargo ou emprego público permanente. Condições essas que devem ser mantidas para continuidade do pagamento desse benefício.

23. O procedimento então utilizado pelos jurisdicionados tem sido a juntada aos autos da certidão de nascimento e declaração do próprio punho, preenchida pela filha do(a) instituidor(a) da pensão, declarando que não ocupa outro cargo ou emprego público permanente, sob as penas da lei. Não se questionava nessas declarações se a pensionista vivia em estado de união estável.

24. Com o advento da Lei n° 8112/90, não há mais previsão para concessão de pensão temporária a filha maior e solteira, cessando o benefício aos 21 (vinte e um) anos. Entretanto, em face do direito adquirido e do princípio tempus regitactum foram mantidos os pagamentos desses benefícios, sendo, à época, integralizados com base no artigo 248do referido diploma legal, desde que continuassem preenchendo os requisitos com base na legislação em vigor à época do óbito.

25. Dessa forma, faz-se necessário que os órgãos jurisdicionados passem a exigir das beneficiárias de pensão habilitadas como filhas maiores e solteiras que declarem, periodicamente, sob as penas da lei, que mantêm a condição de solteira, apresentando certidão de nascimento atualizada e, ainda, que não vivem em estado de união estável; bem como que não ocupam cargo ou emprego público permanente.

26. Ademais, os jurisdicionados devem promover, no sistema de folha de pagamento de pessoal, levantamento no sentido de apurar se há pensionistas que recebem, ao mesmo tempo, pensão temporária na condição de filha maior e solteira, e pensão vitalícia na

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condição de cônjuge ou companheira; bem como se recebem vencimentos ou proventos, ou seja, se ocupam cargo ou emprego público permanente.

27. Em se verificando as hipóteses acima descritas, o órgão deverá proceder ao cancelamento do pagamento do benefício da pensão temporária na condição de filha maior e solteira, por não mais preencher os requisitos exigidos para a sua manutenção; bem como providenciar o respectivo apostilamento.

28. Apesar de o artigo 225da Lei n° 8112/90 possibilitar o pagamento de até duas pensões pelo regime próprio dos servidores públicos, tal dispositivo não se aplica à situação em análise, por ser incompatível a acumulação de duas pensões: uma na condição de filha maior e solteira e a outra como cônjuge ou companheira. Ressalte-se, ainda, que nesse caso não cabe nem o direito de opção, pois a filha maior e solteira não mais preenche os requisitos para continuar recebendo a pensão temporária.

29. Pelo exposto, conclui-se, em síntese:

I) que acarreta a perda da qualidade de beneficiária de pensão temporária, concedida nos termos do artigo 5°, inciso II, Parágrafo único, da Lei n° 3373/58, se a pensionista, filha maior e solteira, esteja vivendo em estado de união estável, haja vista que, para fins de concessão de pensão, o(a) companheiro(a) equipara-se à condição de cônjuge não se podendo conceder à situação de companheirato mais direitos do que à de casamento;

II) como recomendação de procedimentos a serem adotados, os seguintes:

a) convocar as beneficiárias de pensão habilitadas como filhas maiores e solteiras, nos termos do artigo 5°, inciso II, Parágrafo único, da Lei n° 3373/58 para que declarem, periodicamente, sob as penas da lei, ser

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ainda solteiras, apresentando certidão de nascimento atualizada, e que não vivem em estado de união estável, bem como que não ocupam cargo ou emprego público permanente;

b) promover, no sistema de folha de pagamento de pessoal, levantamento no sentido de apurar se há pensionistas que recebem, ao mesmo tempo, pensão temporária na condição de filha maior e solteira, e pensão vitalícia na condição de cônjuge ou companheira; bem como se recebem vencimentos ou proventos, ou seja, se ocupam cargo ou emprego público permanente;

c) verificada a ocorrência das hipóteses acima descritas, o órgão deverá proceder ao cancelamento do pagamento do benefício da pensão temporária na condição de filha maior e solteira, por não mais preencher os requisitos exigidos para a sua manutenção; bem como providenciar o respectivo apostilamento.

30. Por fim, registre-se que o Tribunal de Contas do Distrito Federal na S.O n° 4072, de 27/03/2007, fixou o seguinte entendimento na Decisão n° 1327/2007, in verbis:

O Tribunal, por unanimidade, de acordo com o voto do Relator, tendo em conta, em parte, a instrução e o parecer do Ministério Público, decidiu: I - que a filha maior e solteira, que passe a conviver com companheiro em estado de união estável, perde a condição de beneficiária da pensão estatutária concedida nos termos do artigo 5°, inciso II, parágrafo único, da Lei n° 3373/58; II - recomendar à Secretaria de Estado de Gestão Administrativa orientar os órgãos do complexo administrativo do Governo do Distrito Federal a colher, periodicamente, das beneficiárias de pensão civil, habilitadas na condição de filha maior solteira, declaração, sob as penas da lei, de que permanecem na situação de solteiras, não mantêm relacionamento em estado de união estável e não exercem cargo ou emprego público em caráter permanente; III - autorizar: a) a 4ª ICE a verificar, em futuras

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auditorias programadas, o cumprimento desta decisão; b) o arquivamento dos autos. Decidiu, mais, mandar publicar, em anexo à ata, o Relatório/Voto do Relator (Anexo I).

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 29 jul.2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 29 jul.2011.

BRASIL. Lei Complementar n° 769/2008. Disponível em: <http://www.cl.df.gov.br/Legislacao/consultaTextoLeiParaNormaJuridicaNJUR-6742!buscarTextoLeiParaNormaJuridicaNJUR.action>. Acesso em: 29 jul.2011.

BRASIL. Lei Complementar n° 818/2009. Disponível em: < http://www.cl.df.gov.br/Legislacao/consultaTextoLeiParaNormaJuridicaNJUR-7342!buscarTextoLeiParaNormaJuridicaNJUR.action>. Acesso em: 29 jul.2011.

BRASIL. Lei n° 8112/90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8112cons.htm> Acesso em: 29 jul.2011.

BRASIL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Representação. Processo n° 3951/93. Decisão n° 2782/2006. Relator: Conselheiro Ronaldo Costa Couto, Brasília, DF, 04.07.2006. Disponível em: <http://www.tc.df.gov.br/web/site/por-nr-tcdf#ConsultaDecisao.php?id=4&op=1&txtNrAno=2782/2006&tpsessao=ORD&Pesquisar=Pesquisar>. Acesso em:29 jul.2011.

BRASIL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Representação. Processo n° 30067/2006. Decisão n° 1327/2007. Relator: Conselheiro Jorge Caetano, Brasília, DF, 12.04.2007. Disponível

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Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp 406.886/RJ, Relator: Ministro Vicente Leal, Brasília, DF, 29.03.2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1115767&sReg=200200082849&sData=20040329&sTipo=5&formato=PDF>.Acesso em:29 jul.2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI466405/RS, Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, Brasília, DF, 24.11.2003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2152862>.Acesso em:29 jul.2011.

VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil: Direito de Família. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, v.6.

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AMOSTRAS NO REGISTRO DE PREÇOS E NO PREGÃO, E O “CARONA”

Ivan Barbosa Rigolin

INTRODUÇÃO AO TEMA

I – São diversos os entre chocantes e reciprocamente imbricados institutos jurídicos relativos às licitações dentro da selva escura e tenebrosa que é a Lei n° 8.666/93, conhecida espécie de navio-fantasma do direito público ou, para um ilustre publicista, um autêntico castelo mal-assombrado, que como ele entendemos repleto de fantasmagorias, abantesmas e espectros astrais da mais variada índole, alguns dos quais transpõem as lindes do mero direito para adentrar, ou ao menos circundar ameaçadoramente, os meandros da psicopatologia ( ).

Se a lei, infeliz e efetivamente, assim é – a pior lei brasileira de todos os tempos segundo falas regulares do ex-Ministro Bresser Pereira e com as quais concordamos em gênero, número e grau -, contém entretanto regras e instituições que consideradas isoladamente se revelam sem dúvida elogiáveis, algumas de sua própria criação e outras herdadas do direito anterior, enfeixado no Decreto-lei n° 2.300, de 1986, e em sua antecessora e inspiradora Lei paulista n° 89, de 1972, obra de Hely Lopes Meirelles que, é comum dizer, fazia no Brasil a lei, a doutrina e a jurisprudência do direito administrativo.

O que desta vez chama a atenção é a questão das amostras exigíveis em licitações, tema polêmico só em si porque referente a

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algo muito utilizado porém que não tem nenhuma revisão nem na lei de licitações nem na do pregão presencial, como nem no decreto do pregão eletrônico. A prática se sobrepôs a qualquer previsão legislativa portanto, e o assunto merece abordagem.

Mas a merece tanto mais atenção o problema das amostras quando se cruzam institutos licitatórios como o registro de preços e os pregões, tanto o presencial quanto o eletrônico. Como se equacionam e se cruzam todos esses institutos na prática e no dia-a-dia dos licitadores? Vejamos ponto a ponto.

AMOSTRAS, O QUE SÃO ?

II – A questão das amostras já mereceu alguns artigos doutrinários de grande qualidade, como os de Marcello Palmieri, de Diógenes Gasparini e de Sérgio Honorato dos Santos, todos publicados em anos diversos no BLC - Boletim de Licitações e Contratos da ed. NDJ, de São Paulo, mas ainda tem ensejado solenes inquietações aos aplicadores da lei de licitações e da legislação sobre o pregão, e aos incontáveis operadores dessa matéria. Quando se combina o tema com assuntos como o registro de preços ou os pregões, então crescem os questionamentos.

Amostra, para o que aqui interessa, é uma ou algumas unidades de algum produto, equipamento ou gênero, objeto de disputa entre fornecedores para compra pela Administração, e se destina a ser testado, experimentado, provado, quantificado, mensurado ou de outro modo avaliado pelo ente público no curso de um procedimento licitatório – ou mesmo, ocasionalmente, até mesmo fora de licitação, em disputas por contratações diretas - como pré-requisito à aprovação para possível aquisição.

Nada impede, entretanto, que também se peçam amostras de serviços, desde que dotados de uma simplicidade e facilidade de execução tal que lhes permita serem testados em público com rapidez e transparência, de modo a se avaliar a suficiência desse serviço.

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Em qualquer caso de ser exigida amostra será o edital que o deverá dizer com todas as letras, especificando quando deverão ser entregues, e que seu teste será de suficiência e eliminatório, podendo o licitante ser classificado pela parte escrita da proposta porém na sequência ser desclassificado em função da amostra, que venha a ser avaliada como insuficiente e inapta minimamente para os fins apontados necessários na licitação.

Custa crer mesmo que certos produtos sejam comprados pela Administração sem um teste prévio de suficiência, que de regra é simples e descomplicado de realizar, e que evita monumentais impasses e prejuízos durante a execução do contrato. Se a dona de casa pergunta na feira de sábado se a laranja está doce, então pela simples aplicação da regra da indisponibilidade dos interesses públicos como alguém admite que o poder público deixe de fazer o mesmo quando as adquire?

Amostras em concorrências, tomadas de preços e convites

III - Nas modalidades clássicas regidas pela lei de licitações - concorrência, tomada de preços e convite -, em que exista habilitação, se o produto for imperecível e inalterável o edital em boa técnica exigirá que venham as amostras junto com os envelopes, sob pena de exclusão do licitante. E indicará se serão ou não devolvidas as amostras de licitantes inabilitados, ou as rejeitadas, ou ainda aquelas aceitas porém de licitantes que a final não sejam o vencedor.

E, nessa hipótese, indicará ainda quando serão devolvidas, e como. Por vezes o edital fixa um prazo para serem procuradas pelos interessados, pena de descarte pela Administração.

Ainda nas modalidades tradicionais, quanto a produtos perecíveis o edital deverá indicar quando deverão se entregues as amostras, e é recomendável que o sejam quando da sessão pública de abertura das propostas, data que ninguém conhece de antemão, para se evitar a possível deterioração das amostras. Se for assim, só a não-

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apresentação da amostra já desclassificará e eliminará licitante habilitado anteriormente.

E, ainda nessa hipótese, o melhor é que o edital preveja que serão abertas e testadas todas as amostras de propostas que não sejam desclassificadas – ainda que no primeiro momento não se saiba qual a ordem final da classificação; basta que não seja desclassificada a proposta, e a amostra respectiva deverá ser aberta e testada, de preferência imediatamente, de todos os licitantes classificados. De amostras perecíveis não de se postergam testes.

E não se alegue como escusa para não exigir amostra a idéia de que seria espalhafatoso, inusual, ou caricato o teste, como o de preparar uma refeição ali mesmo ou na cozinha próxima, ou fazer café, ou testar quimicamente algum produto. Nada é sem propósito ou inapropriado quando está em jogo o interesse imediato da Administração – por vezes social ou economicamente relevantíssimo -, e nenhum comodismo será legítimo para escamotear essa efetiva necessidade, quando de fato exista.

Amostras em pregões presenciais e eletrônicos

IV - Nos pregões presenciais, em que se examinam primeiro as propostas, as amostras deverão ser entregues juntamente com os envelopes sob pena de exclusão do fornecedor que não as apresente naquele momento, não se admitindo a apresentação em momento posterior, porque não faria sentido.

Nos pregões eletrônicos, ainda que não pareça muito lógico exigir amostras quando se virtualizou todo o restante exatamente para agilizar o procedimento – imagine-se o pregoeiro abandonar sua tela e seus sofisticados sistemas informáticos para confeccionar uma suculenta sopa de tomate a fim de testar o produto que lhe chegou de um licitante -, essa prática é também adotada, e nesse caso o edital deverá indicar data e hora máximas em que a amostra deverá ser entregue, e onde, e como será o teste.

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Desagrada-nos imensamente a ideia de amostras em pregão eletrônico, algo que lembra uma pajelança indígena realizada por moderníssimos robôs, ou então um trem-bala movido a carvão. Trata-se de uma contradição em si mesma, pois que se o pregão eletrônico existe é para evitar a relação material do pregoeiro com pessoas e com objetos concretos, reduzindo aquela relação ao contato com informações na tela de um computador, e com isso abreviando o procedimento tanto quanto a virtualidade permita.

Eletrônico é o processo da impessoalidade, e com isso testes de amostras se revelam anacrônicos e pouco compreensíveis sabendo-se que existe o pregão presencial, no qual todo teste de amostras faz inteiro sentido uma vez que se dá por uma reunião de pessoas, que desejavelmente e na melhor técnica do edital presenciam todos os testes. Mais ainda: os resultados, longe dos olhos dos interessados, são profundamente suspeitáveis, e, só em si, merecedores de muito pouca confiança.

Mas afirmar se ilegal a amostra no pregão eletrônico parece ser exagero pois nada existe na legislação que o impeça; é apenas a lógica e coerência humana que lhe constitui dificultador.

Testes eliminatórios e não classificatórios. Transparência imprescindível

V - Todo teste de amostra, repita-se, é eliminatório, ou seja, aprova ou reprova, sem gradações ou classificações por ordem. Verifica-se apenas a suficiência do produto (ou serviço) testado para os fins da Administração, ainda que algum possa revelar-se mais ou menos adequado segundo o critério utilizado para o julgamento. O produto, ao fim do teste, simplesmente serve ou simplesmente não serve. Ainda que o julgamento possa ser subjetivo como se examinará à frente, vale isso afirmado.

Pode eventualmente o edital prever alguma espécie de recurso do julgamento desfavorável, sobretudo quando se trata de

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produtos a serem testados em laboratório ou que dependam de laudos técnicos, porque o valor em questão é relevante para o fornecedor e não pode ser desconsiderado pela Administração. Se existir esse recurso, que seja único, simplificado ao máximo em seu formalismo e sumariamente resolúvel pela autoridade superior à comissão, assessorada tecnicamente tanto quanto for necessário.

Quem testará as amostras, do modo como o edital indicar, é quem o edital informar que o fará. Poderá ser uma comissão nomeada na hora do teste entre os servidores do ente licitador, como poderá ser uma comissão previamente designada no próprio edital, tanto quanto poderá ser um ou diversos experts contratados para isso, e por fim poderá ser como o edital, de outro modo, bem determinar quanto ao colegiado julgador – e não se imagina para tanto um julgador singular.

O julgamento dos testes poderá ser subjetivo, como em geral é, na maioria das vezes pela simples impossibilidade de que seja diferente. Com efeito, se uma comissão de pessoas julga se o café testado é suficientemente aceitável ou se não é, ou se a salsicha enlatada é deglutível por gargantas comuns, tudo isso é necessariamente pessoal e subjetivo, não tendo como ser resolvido mecânica, eletrônica ou automaticamente. Apela-se ao senso médio dos julgadores, à impressão natural que o produto lhes causou, aos efeitos e aos resultados imediatos e desafetados do teste, seja qual for e do que for.

O que sempre se exige quanto aos referidos testes e provas é transparência no procedimento, e desse modo deve o edital evitar ao máximo exigir amostras para serem testadas em laboratórios inacessíveis ou em outros locais virtualmente inexpugnáveis, e ao tempo que a Administração quiser, porque nessas hipóteses os resultados desfavoráveis serão invariavelmente, e no mínimo, desconfiabilíssimos para o detentor da amostra, ocasionalmente já testada e aprovada adrede.

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O registro de preços e as amostras

VI – Registro de preços é, como se sabe, uma licitação não para contratação imediata mas para definição de cotações vencedoras de itens de compras ou de serviços básicos, realizada por concorrência ou por pregão eletrônico ou presencial, e cujo resultado é a celebração com o vencedor de cada item de um contrato de expectativa de fornecimento, em geral sob a forma de ata de registro de preço mas que pode revestir outra forma.

Rege-se, se concorrência, pela Lei n° 8.666/93, art. 15, inc. II e §§ 1° a 5°, sendo que existe um importante regulamento federal – aplicável à família do Executivo federal e mais a quem voluntariamente o quiser -, o Decreto n° 3.931, de 19 de setembro de 2001. Podem os Estados, o Distrito Federal e os Municípios editar seus regulamentos sobre registro de preços, independentemente da existência do decreto federal, aos quais, repita-se, podem aderir em querendo.

Se realizado por pregão presencial, o registro de preços observará a lei do pregão, a Lei n° 10.520, de 17 de julho de 2002, no atinente aos procedimentos do pregão, servindo a lei de licitações como roteiro de fundo sobre o registro de preços, e ocasionalmente também o decreto federal ou aquele local se existente, como “sintonia fina”.

No pregão eletrônico ao invés da lei do pregão se utiliza o Decreto n° 5.450, de 5 de agosto de 2.005 - que por força do § 1° do art. 2° da lei do pregão presencial é nacional e não apenas federal -, como roteiro procedimental obrigatório quanto ao pregão, e a lei nacional de licitações como regra de fundo para o registro de preços.

O registro de preços é uma das melhores ideias que alguém já teve em matéria de licitação em nosso direito, e esse instituto já data em alguns Estados de antes mesmo do Decreto-lei n° 2.300, de 1986, diploma antecessor da atual lei nacional de licitações e contratos.

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Permite ao poder público, ao invés de o obrigar a enfadonha e cansativamente licitar cada item, obter cotações de inúmeros itens de compras, e mesmo de alguns serviços, válidas por até um ano da homologação do certame ou, ainda melhor, da própria assinatura e retirada da ata pelo vencedor do item. Esse prazo de validade pode ser menor, mas não se imagina a menor utilidade em se estabelecer validade menor que a máxima legal.

Dentro daquele prazo ânuo a entidade da Administração, realizadora do certame, se autoriza a adquirir aquele item, nas quantidades máximas periódicas estabelecidas no edital, ao preço fixado na ata que, além disso, pode ser corrigido pelo índice ou fator constante do edital ou da própria ata, ou revisado se necessário. O preço pode ainda ser reduzido, se o mercado apontar que baixou quando a Administração resolver adquirir o item, e o detentor terá preferência para dar o desconto pertinente, se quiser, e desse modo fornecer à Administração.

Enfim para este tópico, o registro de preços admite a exigência de amostras dos licitantes que dele participem, tal qual não se tratasse de registro de preços, mas de qualquer licitação para contratação imediata.

Nada ostenta a exigência de amostras nos registros de preços, em concorrências e em pregões, de diferente dessa mesma exigência quando das licitações para compra imediata. Pode haver a classificação da proposta antes do exame da amostra, e a consequente desclassificação por força daquele exame, o que elimina o participante.

Por trabalhoso que seja efetuar o exame das amostras de todos os itens nos registros de preços que exijam amostras, é esse o tipo do trabalho que compensa, face à agilização que na maioria das vezes imprime às futuras contratações. É trabalho de administrações inteligentes e racionais, que preferem dar-se muito trabalho antes para evitar muitíssimo trabalho depois.

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O infelicíssimo “carona”

VII – Se a sabedoria popular informa que não se deve oferecer carona a desconhecidos – sem embargo de que muitas vezes é preferível ter ao lado desconhecidos a repartir o espaço com alguns conhecidos de longa data... -, a mesma sabedoria deveria rechaçar a detestável figura do “carona”, própria do registro de preços como estabelecido em regulamento federal. Por “carona” é conhecido o juridicamente quase indefensável instituto em má hora figurante do art. 8° do Decreto n° 3.931/01.

Foi concebido esse instituto pelo Executivo federal, que naquele então somente pensava no seu caso e na comodidade dos entes do seu Executivo ou a esse Poder federal institucionalmente vinculados, como o são as autarquias, as fundações e as empresas paraestatais, todas de nível federal. Tratava-se de uma instituição “em família”.

Decerto o Executivo federal não imaginou, ao conceber o “carona”, que os demais entes da federação se tentariam aproveitar da ideia em benefício próprio, com boa intenção ou com péssima intenção mas sempre ao arrepio de qualquer autorização legislativa e em geral sem qualquer cerimônia, como entrões não convidados, como se tal petulância lhes fosse dada pelo direito.

Pelo “carona” original os órgãos do Executivo federal, e os entes a ele institucionalmente vinculados, aproveitam-se uns dos registros de preços dos outros, e na (rebuscada e aparelhada) forma do art. 8° do Decreto n° 3.931/01 contratam as compras e os serviços que alguém registrou e publicou, sempre no plano do Executivo federal.

O Executivo federal, conhecendo suas próprias dimensões, no regulamento do registro de preços imaginou um instituto pelo qual um órgão realize um registro de preços de que participem outros órgãos, poupando a esses o infando trabalho. A ideia, simplificada

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até esse ponto, não é tresloucada, ainda que, repita-se, jamais esteve nem está autorizada em momento algum de lei aplicável alguma.

VIII - É o que reza o art. 8° do decreto, que, mesmo que não concebido para isso, acabou por servir de mote a que Estados e Municípios, com suas entidades descentralizadas e paraestatais, bem logo se aproveitassem da ideia, e iniciassem um crescente movimento, a esta altura fora de controle, de aproveitar registros de preços alheios, de níveis governamentais diferentes, para comprar ou contratar serviços constantes de registros alheios, nas mesmas condições de preço e independentemente de quantidades, bastando que o detentor da ata respectiva aceite assim os vender a quem se dispuser a comprá-los.

Fizeram-nos os espertalhões de plantão, que sempre vislumbram vantagens aqui e acolá onde ninguém honesto as enxerga, vendendo a fórmula a Municípios como se se tratasse do seu mais comezinho direito, insista-se, sem que a lei jamais autorizasse que um ente licitasse por outros entes, e tal qual pudesse existir uma central de licitações, com um registro de preços que a todos os órgãos públicos pudesse servir como se fora uma mercearia ou um entreposto comercial.

Ora, é certo que em se somando os registros de preços existentes no país dificilmente alguma compra ou algum serviço “registrável” ficará de fora ou será excluído, considerando-se a enormidade infindável dos itens registrados. Com todo efeito, deve existir registro de preço até de pó da face oculta da Lua ou de pedra filosofal produtora de ouro alquímico -, de forma que a única conclusão é a de que quem se valer de registros alheios possivelmente jamais precisará licitar item de compra ou de serviço algum, dentre aqueles constantes de registros alheios, virtualmente intermináveis. Basta se investigar na internet e se descobrirão os mais diversificados ou inimagináveis registros de preços, de carne de calango liofilizada a rolhas de poço articuladas.

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O “carona” indiscriminado tem condão de eliminar as licitações para compras e para serviços registráveis, é a conclusão – daí a lei jamais o admitir, sendo ele invenção do Executivo federal, nos idos do ano da graça de 2001, fora de qualquer lei.

Se é bem certo que a lei de licitações informa no art. 15, § 3°, que “O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto”, pergunta-se entretanto, pelas barbas do profeta, se a lei de licitações acaso terá imaginado ou admitido um semelhante elastério para o regulamento, que virtualmente arrombe o próprio princípio da licitabilidade das aquisições públicas, insculpido na Constituição Federal, art. 37, inc. XXI ? Duvida-se com veemência, porque um decreto não pode ter condão de destruir ou de excluir os parâmetros da lei.

É notório que o governo federal odeia o instituto da licitação como a pior peste que assolou o planeta, e que somente não extirpa de vez essa figura do ordenamento jurídico porque decerto ainda não encontrou para tanto uma fórmula politicamente justificável. Isso é mais evidente do que ao dia suceder a noite, e uma só demonstração á a multiplicação sem fim à vista da família de incisos do art. 24 da lei de licitações, dos 14 originários de 1993 para os 31 atuais - se até ser publicado este artigo já não forem mais as hipóteses legais de licitação dispensável.

Mesmo assim entretanto, custa muito crer que tenha sido concebida na figura do “carona” federal – o Executivo centralizando o registro de preços em um ente, para que outros dele se possam aproveitar, o que dito assim, ainda que sem pé algum na lei, não parece tão aberrante – um mecanismo a serviço de todo ente federado que lhes permita aproveitar-se de registros de preços das mais variadas entidades, para com base nesses registros adquirir tudo o que bem desejar, sem licitação própria alguma.

A uma viola-se com aquilo o princípio constitucional – art. 37, inc. XXI - da licitabilidade das contratações públicas, e a dois o da

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legalidade da despesa pública, eis que em momento algum lei formal alguma autorizou nada semelhante, como jamais autorizaria que um Estado licitasse por seus Municípios, ou que a União pudesse licitar pelos Estados que a integram.

Se a ideia do “carona” é materialmente útil e proveitosa como na rés do chão talvez seja para os seus conceptores, formalmente entretanto não se revela menos que péssima, porque por completo aberrante do positivismo jurídico que feliz ou infelizmente cerca e define o direito brasileiro.

E os Tribunais de Contas enxergam o “carona”, em geral e crescentemente, com péssimos olhos, por todos esses motivos e seguramente por outros ainda que bem sabem. Não sem razão.

IX - Uma última consideração: é bem certo que a lei de licitações deixa tudo a desejar. Trata-se da pior lei brasileira sobre qualquer assunto, e nessa triste esteira fácil é ver que os seus institutos desatendem os mais comezinhos interesses da Administração. Licitar por esta lei é um sacrifício ingente, e o registro de preços, posto que grande idéia, também se revela árduo e trabalhoso.

Não seria o caso então, num quadro semelhante, de toda a lei se alterar, como se cogita desde fevereiro de 1997 com a publicação de um anteprojeto que substituiria a lei de licitações mas que jamais eclodiu, para se instituir enfim a possibilidade de existir um e registro de preços geral, amplo, que servisse não apenas o ente central que realizasse mas também a entes menores que o circundam e que em muito aspecto dele dependem?

Se a lei de licitações vive sofrendo retalhos e remendos absolutamente desprezíveis – sendo o último a muito miserável Medida Provisória n° 495/10 –, não poderia acaso o Executivo, movendo seus fiéis contingentes no Congresso, fazer aprovar uma radical alteração da lei ao invés de prosseguir adornando a atual colcha de retalhos como remendos que vão de mal a pior em

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invariável sucessão, e em passo assim resolver de modo definitivo questões como a do registro de preços e sua possível centralização?

Se a ideia é boa em si, depende entretanto de um ordenamento jurídico que a contemple e admita, como não existe hoje. O que espera a administração federal, a quem a ideia beneficia antes que a qualquer outro nível de governo?

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VOTOS

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COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO

DFEXERCER DIRETAMENTE AS FUNÇÕES DE CONTROLE EXTERNO JUNTO A ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL

Antonio Renato Alves Rainha Conselheiro do TCDF

Questão incidental suscitada pelo Conselheiro Manoel de Andrade no Processo n° 20.295/2007, alusiva à competência do Ministério Público de Contas do DF. Exercício direto de funções junto a órgãos da Administração do Distrito Federal.

Voto da Conselheira Anilcéia Machado no Processo n° 20295/2007, no sentido de que se esclareça aos membros do Ministério Público de Contas que, por força de disposições legais, não lhes compete qualquer poder de investigação ou de diligenciar, direta e/ou externamente, perante quaisquer pessoas, autoridades, órgãos ou entidades jurisdicionadas (fls. 91/115). Decisão n° 44/2009: determinou o exame da matéria em autos apartados (fls. 116).

Conselheira Anilcéia Machado ratificou o voto de fls. 91/115 (fls. 119)

Votos convergentes proferidos pelos Conselheiros Marli Vinhadeli e Manoel de Andrade (fls. 146/183, 187/224 e 185).

Voto da Conselheira Anilcéia Machado ratificando os termos do voto proferido anteriormente (fls. 232/237).

Aos membros do Ministério Público de Contas é assegurada autonomia funcional, o que lhes garante plena independência

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de atuação perante os poderes do Estado, a começar pela Corte junto à qual oficiam (Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 160 - Supremo Tribunal Federal).

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Federal n° 8.625/1993), aplicável aos membros do Ministério Público de Contas por força do art. 130 da Constituição Federal, assegura aos mesmos as garantias, prerrogativas, deveres, funções, vedações e direitos nela discriminados.

Voto divergente para afirmar que aos membros do Ministério Público de Contas, observadas as competências das Cortes de Contas definidas em lei, são asseguradas, entre outras, as funções de requisitar informações e documentos ou diligenciar, diretamente, perante quaisquer autoridades, órgãos ou entidades jurisdicionadas, sendo responsáveis pelo uso indevido das informações e documentos que requisitarem, inclusive nas hipóteses legais de sigilo.

VOTO DE VISTA

O debate que ocorre nestes autos refere-se à questão correcional suscitada pelo Vice-Presidente desta Corte de Contas, Conselheiro Manoel de Andrade, em voto proferido no Processo n° 20295/07, tendo por objeto ato do Ministério Público de Contas que, em 06.07.07, por meio do Ofício n° 42/2007 - DA, encaminhou à Secretaria de Estado de Saúde pedido de informações a respeito da matéria agitada naqueles autos. Recebeu, em resposta, o Ofício n° 1856/2007-GAB/SES, subscrito pelo titular daquele Órgão.

Houve referência a fato semelhante ocorrido no Processo n° 8.042/06, no qual o Órgão Ministerial oficiou à então Secretária de Gestão Administrativa, Senhora Maria Cecília Soares da Silva Landim, requerendo informações atinentes ao feito.

Entendeu o ilustre Corregedor que o Ministério Público de Contas não dispõe de autonomia para o exercício do controle externo, pois as informações solicitadas pelo Parquet pertencem ao âmbito de atuação deste Tribunal. Afirmou, ainda, que a Presidência ou este Plenário não tomaram conhecimento prévio de tais missivas.

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Este Tribunal, mediante a Decisão n° 4.742/07 (Processo n° 20295/07), determinou o encaminhamento do feito à Presidência, a fim de que fossem retiradas cópias e adotadas as providências decorrentes das questões realçadas no Relatório/Voto do Corregedor.

Distribuído o presente processo à Conselheira Anilcéia Machado, esta proferiu voto no sentido de que “se esclareça aos membros do MPjTCDF que, por força de disposições legais, não lhes compete qualquer poder de investigação ou de diligenciar, direta e/ou externamente, perante quaisquer pessoas, autoridades, órgãos ou entidades jurisdicionadas”.

Redistribuído o processo à Conselheira Marli Vinhadeli, esta, em 05/10/10, proferiu voto convergente ao da Relatora original, havendo o Conselheiro Manoel de Andrade pedido vista e apresentado voto acompanhando o mesmo entendimento.

Este processo retornou ao relato da Conselheira Anilcéia Machado que, na Sessão Extraordinária Administrativa de 22.03.2011, proferiu Relatório/Voto a seguir parcialmente reproduzidos:

Transcrevo, ainda, o teor do expediente da lavra da Procuradora-Geral do MPjTCDF, de 05 de novembro de 2010 e endereçado ao Conselheiro Renato Rainha. Senhor Conselheiro,

Tendo em consideração o pedido de vista de Vossa Excelência do Processo TCDF n° 19.377/2009 (Decisão n° 54/2010), encaminho, para subsídio da questão discutida no feito, as seguintes informações: o MPC/DF adota o modelo nacional, no que diz respeito a requisições de documentos/informações que possam subsidiar sua atuação, sempre em respeito à independência funcional de seus membros;

recentemente, foi aprovado pelo Plenário do TCE/RR a redação final do anteprojeto de sua nova Lei Orgânica, cujo artigo 38 está assim vazado:

Art. 38. Poderá o Ministério Público de Contas, para fins de representação junto ao Conselheiro-Relator responsável: I - requisitar informações e documentos de autoridades da Administração Pública Estadual e Municipal, direta e indireta;

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II - solicitar informações e documentos a entidades privadas; III - ter acesso a qualquer banco de dados de caráter público ou pertinente a serviço de relevância pública. § 1°. O membro do Ministério Público de Contas será civil e criminalmente responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar ou solicitar. § 2°. A falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público de Contas implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa. §3°. As requisições do Ministério Público de Contas serão feitas fixando-se prazo de até dez dias úteis para atendimento, prorrogável mediante solicitação justificada. § 4°. Descumprida a exigência a que se refere o parágrafo anterior, sem justificativa, o Procurador de Contas representará ao Tribunal para aplicação da multa prevista no inciso VII do art. 146 desta Lei, sem prejuízo de outras medidas legais cabíveis. Igualmente, o Regimento Interno do TCM/GO foi recentemente emendado para contemplar o inciso V em seu artigo 115: Art. 115. Compete aos Procuradores de Contas, em sua missão de guarda da lei e fiscal de sua execução, além de outras estabelecidas neste regimento: I – promover a defesa da ordem jurídica, requerendo perante o Tribunal de Contas dos Municípios, as medidas de interesse da Justiça, da Administração e do Erário; II – comparecer às sessões do Tribunal e dizer de direito, verbalmente ou por escrito, em todos os assuntos sujeitos à decisão do Tribunal, sendo obrigatória sua audiência nos processos de tomada ou prestação de contas, nos concernentes aos atos de admissão de pessoal, contratos convênios e concessões de aposentadorias e pensões; III – interpor os recursos permitidos em lei; IV – promover junto à Procuradoria-Geral da Justiça e Procuradoria Geral do Estado, as medidas previstas em lei, remetendo-lhes a documentação e instruções necessárias; V – requisitar informações, documentos e processos juntos às autoridades municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, instituídas ou mantidas pelo Poder Público Municipal. (Inciso V acrescido pela RA n° 057/2010, art. 1°, XIX ) Parágrafo único. Na oportunidade em que emitir seu parecer, o Ministério Público, mesmo que suscite questão preliminar,

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manifestar-se-á também quanto ao mérito, ante a eventualidade daquela não ser acolhida. Solicito a Vossa Excelência remeter os autos à digna Relatora do Processo referido, requerendo a juntada deste àqueles autos, antes de apresentar voto de vista. (Grifo não é nosso)

Sobre referido expediente, entendo não haver informações capazes de modificar meu posicionamento, haja vista todo o exposto no voto que já apresentei, bem como o fato de as normas trazidas no Ofício, como as inclusões e/ou alterações na Lei Orgânica ou Regimento Interno de outros Tribunais de Contas, tratarem de matéria afeta àquelas Cortes de Contas. Por todo o exposto, conclui-se que, para reportar-se oficialmente a outras pessoas físicas e jurídicas, autoridades públicas, órgãos e entidades estatais, submetidas ou não à jurisdição do Tribunal, deve o douto Ministério Público requerer a intermediação da Presidência. Lembro, por fim, que o Conselheiro Renato Rainha ainda não proferiu o voto de vista, porque se obrigou a devolver os autos ao relator, em atendimento ao disposto no § 4° do art. 64 do RI/TCDF. Assim, mantendo meu entendimento já exarado nestes autos às fls. 91/115 e acolhendo os termos do voto proferido pela então relatora Conselheira Marli Vinhadeli (fls. 187/224), endossados pelo Conselheiro Manoel de Andrade, VOTO no sentido de que o eg. Plenário: I – esclareça aos membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal que, por força de disposições legais, ex-vi do disposto nos arts. 92 e 99 do Regimento Interno do TCDF, 76, caput, e respectivo parágrafo único, da Lei Complementar n° 1/94 e 85 da Lei Orgânica do Distrito Federal, não lhes compete poder de investigação ou diligenciamento, direta e/ou externamente, perante quaisquer pessoas, autoridades, órgãos ou entidades jurisdicionados. II – autorize o arquivamento dos autos.

É relatório do necessário.

Para bem delimitar o tema, impõe-se analisar o regramento constitucional, legal e infralegal sobre as atribuições do Parquet especial que atua perante as Cortes de Contas.

Dispõe o art. 130 da Constituição Federal que é aplicável, aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas, as

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disposições da Seção que trata do Ministério Público comum pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.

Aqui já cabe um comentário. Não por acaso o constituinte, quando tratou do Ministério Público de Contas, o fez no capítulo que tratou das funções essenciais à Justiça, especificamente na Seção que regulamenta o Ministério Público.

Não dispôs sobre este relevante Órgão, e poderia tê-lo feito, na parte específica que tratou dos Tribunais de Contas, à exceção da parte que estabelece como dar-se-á a composição do Tribunal de Contas da União, ao assegurar assento no colegiado a um membro oriundo da carreira do Ministério Público Especial.

Ora, ao adotar esta opção, o constituinte originário deixou expressa a intenção de que, perante as Cortes de Contas, atuasse um órgão especializado, com arcabouço jurídico específico, para exercer as funções de Ministério Público. Quis a Constituição assegurar que as relevantes atribuições das cortes de contas, essenciais no regime republicano, fossem acompanhadas pari passu por Órgão Ministerial especializado.

Não fosse esta a intenção do constituinte, bastaria prever a existência de outro órgão, com outro nome e situá-lo em outra parte do Texto Constitucional que não a Seção específica destinada a regular o Ministério Público.

Aliás, cabe frisar que, por expresso comando constitucional, tem o Ministério Público o dever de instaurar o competente inquérito civil público e propor, se o caso, a ação civil pública necessária à proteção do patrimônio público (art. 129, inciso III, da CF).

Evidencia-se, assim, que ao Ministério Público como gênero foi imposto o dever de velar pela defesa do patrimônio público, com a adoção de todos os instrumentos legalmente estabelecidos para o exercício deste mister. Vale, aqui, a lição do Ministro Sepúlveda Pertence, citado por Alexandre de Moraes, ao concluir que “a

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Constituição introduziu ao Ministério Público ‘vigilância ativa com legitimação processual, sob a legalidade da administração.” (in Direito Constitucional. 19ª ed. Atlas, São Paulo, 2006, p. 555).

Assim, analisada a questão dentro deste contexto normativo-estruturante maior, cabe destacar que, dentre os direitos assegurados ao Parquet pelo Texto Político e extensível ao Ministério Público de Contas por expresso comando constitucional, destaca-se a regra da autonomia funcional que, conforme ensina Hugo Nigro Mazzilli, atinge não apenas a Instituição, mas também os seus membros, enquanto agentes políticos.

Independência esta que se caracteriza pela total liberdade de ação de seus membros, enquanto estiver no cumprimento de seu dever constitucional de guarda da ordem jurídica, do regime democrático, e da correta aplicação e utilização de bens, dinheiros e valores públicos.

Nesse sentido, ensina Eurico de Andrade Azevedo, citado por Hugo Mazzilli (Regime Jurídico do Ministério Público, 3ª ed., Saraiva, São Paulo, 1996, p. 94), que:

a natureza dos serviços prestados pelo Ministério Público, pelo seu conteúdo e alcance requer que seus integrantes, no exercício de suas funções, sejam inteiramente resguardados, de fato, de toda a pressão e interferência externas, a fim de poderem atuar com total independência e liberdade, tendendo apenas às exigências do que, por lei, lhes cabe efetivamente fazer.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn 160, assentou o seguinte juízo:

ADI 160 / TO - Tocantins Ação Direta de Inconstitucionalidade Relator(a):Min. Octavio Gallotti Julgamento: 23/04/1998 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação - DJ 20-11-1998 PP-00002 EMENT VOL-01932-01 PP-00001 Parte(s) REQTE: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil REQDO: Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins

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Ementa 1 - MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL JUNTO AOS TRIBUNAIS DE CONTAS. Não lhe confere, a Constituição Federal, autonomia administrativa. Precedente: ADI 789. Também em sua organização, ou estruturalmente, não é ele dotado de autonomia funcional (como sucede ao Ministério Público comum), pertencendo, individualmente, a seus membros, essa prerrogativa, nela compreendida a plena independência de atuação perante os poderes do Estado, a começar pela Corte junto à qual oficiam (Constituição, artigos 130 e 75). 2 - TRIBUNAIS DE JUSTIÇA. A eles próprios compete (e não ao Governador) a nomeação dos Desembargadores cooptados entre os Juízes de carreira (Constituição, art. 96, I, c). Precedentes: ADI 189 e ADI 190. Inconstitucionalidade da previsão, pela Carta estadual, de percentual fixo (4/5), para o preenchimento das vagas destinadas aos oriundos da magistratura, pela possibilidade de choque com a garantia do provimento, do quinto restante, quando não for múltiplo de cinco o número de membros do Tribunal. Inconstitucionalidade, por igual, da dispensa de exigência, quanto aos lugares destinados aos advogados e integrantes do Ministério Público, do desempenho de dez anos em tais atividades. Decisões tomadas por maioria, exceto quanto à prejudicialidade, por perda de objeto, dos dispositivos transitórios referentes à instalação da Capital e à criação de municípios do Estado do Tocantins.”

Ao comentar a decisão em tela, no artigo “O Ministério Publico junto aos Tribunais de Contas”, José Afonso da Silva leciona:

19. A ementa da ADIn 160, de que foi Relator o Min. Octavio Gallotti, sobre a posição do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas declara que:

em sua organização, ou estruturalmente, não é ele dotado de autonomia funcional (como sucede ao Ministério Público comum), pertencendo, individualmente, a seus membros, essa prerrogativa, nela compreendida a plena independência de atuação perante os poderes do Estado, a começar pela Corte junto à qual oficiam.

Confesso que tenho muita dificuldade de entender que os membros de um órgão tenham autonomia funcional, individualmente, prerrogativa que compreende a plena independência de atuação perante os poderes, inclusive perante a Corte junto à qual oficiam, sem que o próprio órgão seja igualmente dotado de tal prerrogativa. 20. Essa ADIn 160 decorreu de impugnação ao § 5° do art. 35 da

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Constituição do Estado de Tocantins, que tinha a seguinte redação: Junto ao Tribunal de Contas funciona a Procuradoria Geral de Contas, a que se aplicam as mesmas disposições que regem o Ministério público relativas à autonomia funcional e administrativa. No meu entender, esse dispositivo não feria a Constituição. No entanto, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a cláusula “a que se aplicam as mesmas disposições que regem o Ministério Público relativas à autonomia funcional e administrativa”. A questão da autonomia administrativa discutirei mais adiante. Atendo-me aqui apenas à questão da autonomia funcional, com a devida vênia, fico com o voto divergente do Min. Sepúlveda Pertence, entendendo também, como ele, que autonomia funcional, no dispositivo impugnado, tem “o sentido preciso da independência funcional de que gozam os membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, nos termos do art. 130 da Constituição Federal. Pois acrescenta:

Não se pode compreender o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, enquanto o Ministério Público, não dotado de uma independência funcional, o que significa a sua não sujeição a qualquer forma de hierarquia, quer ao próprio Tribunal de Contas, quer a outro órgão da Administração. Do contrário, não teriam os seus membros as condições de exercer, com prerrogativas de Ministério Público que é, a missão precípua de fiscal da lei. A autonomia funcional tem, aqui, uma correspondência à ideia de independência funcional.

E conclui: Se o art. 130 da Constituição confere, desde logo, aos membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas independência funcional, por serem membros do Ministério Público, não se pode entender que a instituição a que pertencem, enquanto tal, embora sem autonomia administrativa, não esteja também dotada de independência funcional, que importa autonomia funcional.

O Ministro Celso de Mello, em sede de medida cautelar na ADIn 789, ao referir-se ao disposto no art. 130 da Constituição Federal, afirmou que esta norma constitucional nada mais é do que a instituição, pelo legislador constituinte, de

um sistema de garantias destinado tanto a proteger a Instituição quanto tutelar o membro que integra. A atuação independente do membro do Parquet impõe-se como exigência de respeito aos direitos

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individuais e coletivos e delineia-se como fator de certeza quanto à efetiva submissão dos Poderes à lei e à ordem jurídica.

E foi além, quando da apreciação do mérito, ao afirmar que a:

extensão constitucional determinada pelo art. 130 da Carta Magna, que tem por únicos destinatários dos membros integrantes da Procuradoria que atua perante o Tribunal de Contas da União não implicou, contudo, e no que se refere a esses servidores públicos, a necessidade formal de edição da lei complementar para a proclamação dos direitos, vedações e demais prerrogativas que são peculiares aos agentes do Ministério Publico comum..... tais direitos, vedações e prerrogativas emanam, diretamente, de cláusula expressa inscrita na própria Constituição da República.

Celestino Goulart e Fernando Augusto Mello Guimarães, membros dos Ministérios Públicos Especiais do Rio Grande do Sul e Paraná, respectivamente, no artigo “Ministério Público Especial e seus princípios fundamentais”, lançaram o seguinte raciocínio:

(...)Procuraremos, a seguir, exemplificar, sem caráter exaustivo, quais os princípios e normas que, no caso, possuem fundamento de validade para a sua aplicação, segundo o seu grau de eficácia e aplicabilidade. É uma tentativa de, exemplificadamente, delinear um estatuto mínimo de direitos e obrigações dos membros do Ministério Público Especial e, por via reflexa, desta Instituição. Nesta tentativa de consolidação não exaustiva destes princípios, direitos, prerrogativas, garantias, deveres e vedações, adotamos como fundamento legal a Carta Constitucional Brasileira, as normas gerais aplicáveis ao Ministério Público comum (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público -, Lei n ° 8.625, de 12.02.93) e o modelo federativo constante da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei n° 8.443, de 16.07.92). Segundo a linha exposta até o momento, delimitamos tais postulados em função da simetria entre as funções e perfis constitucional das instituições (ordinária e especial), bem como, a limitação imposta pelos conteúdos dos comandos legais (positivos ou negativos), o seu grau de eficácia mínima e pelas funções típicas e jurisdição específica do Ministério Público Especial. APLICABILIDADE IMEDIATA o Ministério Público Especial é instituição permanente, essencial à função de controle externo do Estado, incumbindo-lhe a defesa da

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ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses e direitos subjetivos individuais e coletivos, bem como, pelo correto cumprimento dos princípios de Administração Pública ( art. 127, caput, CF); são princípios do Parquet Especial a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional (§ 1° , art. 127, CF); a chefia do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas deve ser exercida por membro integrante de sua carreira, segundo os procedimentos de eleição e destituição aplicáveis ao Ministério Público comum (art. 128, §§1° a 4° , ); a regulamentação da instituição não necessita de lei complementar, mas, simples lei ordinária, cabendo a iniciativa exclusiva do Procurador-Geral somente no caso de optado, pelo legislador local, pelo regime de plena autonomia administrativa e financeira (art. 128, § 5° ); aos seus membros restam asseguradas as garantias constantes do inciso I, letras “a” a “c”, do § 5°, do art. 128 (inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos e vitaliciedade), bem como as vedações constantes das alíneas do inciso II do mesmo preceito constitucional (proibição de recebimento de honorários, percentagens ou custas processuais, impossibilidade de exercício da advocacia, a participação de sociedade comercial, o exercício de atividade político-partidária e de qualquer outra função pública); as exceções e condições exigidas pelos postulados do inciso II, do § 5° , do art.128, existentes na legislação aplicável aos membros do Ministério Público ordinário, incidem de forma automática quando da aplicação das vedações aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas; os direitos funcionais atribuídos pela Lei n° 8.625/93 aos membros do Ministério Público comum e mais do que constar das respectivas legislações estaduais, aplicam-se, independentemente de norma integrativa, aos membros do Parquet junto aos Tribunais de Contas; APLICABILIDADE DEPENDENTE DE NORMA LEGAL a autonomia administrativa e financeira prevista no § 2°, do art. 127 da CF é faculdade atribuída ao Poder Legislativo competente, que poderá- e até é aconselhável - dotar o Ministério Público23 Especial; a legitimação extraordinária e concorrente atribuída ao Ministério Público Ordinário pode ser atribuída ao Ministério Público Especial, exclusivamente para promover as exceções das decisões proferidas pelas Cortes de Contas, mediante instituição na respectiva legislação específica, resguardadas as competências e funções típicas do parquet comum;..

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Os ilustres Procuradores fazem referência à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Federal n° 8.625/93), aplicável aos membros do Parquet de Contas, cujos artigos 26 e 27 contém as seguintes previsões:

CAPÍTULO IV Das Funções dos Órgãos de Execução SEÇÃO I Das Funções Gerais (...) Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei; b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior; II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie; III - requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível; IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los; V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório; VI - dar publicidade dos procedimentos administrativos não disciplinares que instaurar e das medidas adotadas; VII - sugerir ao Poder competente a edição de normas e a alteração da legislação em vigor, bem como a adoção de medidas propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade; VIII - manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo solicitação do juiz, da parte ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse em causa que justifique a intervenção. § 1° As notificações e requisições previstas neste artigo, quando

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tiverem como destinatários o Governador do Estado, os membros do Poder Legislativo e os desembargadores, serão encaminhadas pelo Procurador-Geral de Justiça. § 2° O membro do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo. § 3° Serão cumpridas gratuitamente as requisições feitas pelo Ministério Público às autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 4° A falta ao trabalho, em virtude de atendimento à notificação ou requisição, na forma do inciso I deste artigo, não autoriza desconto de vencimentos ou salário, considerando-se de efetivo exercício, para todos os efeitos, mediante comprovação escrita do membro do Ministério Público. § 5° Toda representação ou petição formulada ao Ministério Público será distribuída entre os membros da instituição que tenham atribuições para apreciá-la, observados os critérios fixados pelo Colégio de Procuradores. Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito: I - pelos poderes estaduais ou municipais; II - pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta ou indireta; III - pelos concessionários e permissionários de serviço público estadual ou municipal; IV - por entidades que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município ou executem serviço de relevância pública. Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências: I - receber notícias de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer natureza, promover as apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as soluções adequadas; II - zelar pela celeridade e racionalização dos procedimentos administrativos; III - dar andamento, no prazo de trinta dias, às notícias de irregularidades, petições ou reclamações referidas no inciso I; IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua

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divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito.

Penso que as funções que vem de ser mencionadas devem, contudo, ser adaptadas à realidade das Cortes de Contas e, portanto, às competências a elas deferidas pela Carta Política e legislação infraconstitucional.

O que venho de afirmar e destacar, implica em reconhecer que os princípios constitucionais devem ter um mínimo de eficácia social independente de norma de hierarquia inferior a densificá-lo. Nesse contexto, ainda que não houvesse lei a explicitar o alcance preciso da autonomia funcional dos membros do Ministério Público, impor-se-ia reconhecer a existência de um mínimo de garantias concretas a assegurarem a completa independência de sua atuação.

Nesse contexto, não se olvida que a possibilidade de o membro do Ministério Público realizar, por si só, os atos que entender necessários a fundamentar seu pronunciamento, no momento processual que lhe cabe, por direito, falar nos autos, é uma das formas de concretização, de densificação, do mencionado princípio constitucional.

De pouco valeria assegurar-se a independência intelectual ao Parquet, se não se lhe é assegurado valer-se dos instrumentos necessários para exercer sua importante missão institucional. Dessa forma, ainda que não houvesse previsão legal expressa acerca do tema, a Carta Política, ao garantir a autonomia funcional do Ministério Público, garantiu, também, a utilização dos instrumentos necessários para sua concretização.

Aliás, exatamente por disporem da inexorável independência funcional, é que, no exercício de suas atribuições constitucionais, não só podem, mas devem os membros do Ministério Público de Contas buscar, junto aos órgãos e entidades afetos à Jurisdição do Tribunal de Contas, as informações necessárias para que possam bem e fielmente exercer o relevante papel de fiscal da lei e guarda de sua execução.

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Ademais, ao se exercerem esta atribuição que, repito, não é uma faculdade mas dever funcional dos agentes públicos em questão, trazem relevante contribuição para a efetivação das funções da Corte de Contas.

Ao realizarem suas diligências na busca de informações para melhor fundamentar suas representações perante o Tribunal de Contas, asseguram ao Plenário maiores condições de bem analisar as questões trazidas ao seu descortino.

A garantia da plena atividade de investigação, e aqui não estamos tratando da investigação criminal de competência das Corporações Policiais, propicia que se atinja o objetivo mediato, pois o imediato é a busca do atingimento do interesse público, na forma como concretizado nas normas, bem como o fortalecimento da competência do próprio Tribunal de Contas, repositório final e principal da atuação do Órgão Ministerial que funciona perante esta Corte.

Isso porque pretende o Ministério Público obter informações que irão lastrear suas representações remetidas à Corte para adoção das providências cabíveis. Não decide o Ministério Público Especial, ao contrário requer ao Tribunal que, no exercício de sua função constitucional, decida a respeito dos dados e informações obtidos junto aos jurisdicionados, sempre que entender que tais informações denotem o descumprimento das leis e demais atos normativos.

Não procede, ademais, a alegada ausência de autonomia administrativa e financeira do Parquet especializado. Ao expedir ofícios e realizar diligências os membros do Ministério Público estão, em verdade, exercendo sua autonomia funcional, como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 160, para bem e fiel desempenharem seu mister constitucional. Não realizam direitos, mas cumprem um dever, que tem espeque na Constituição Federal e na Lei Orgânica do Distrito Federal.

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Portanto, independe a busca por dados e informações da existência de autonomia administrativa ou financeira. Decorre esta atividade da natureza do exercício das funções ministeriais e foi o constituinte que optou por assegurar a presença do Ministério Público para atuar junto aos Tribunais de Contas.

Assim, qualquer tentativa de limitar esta atuação configura verdadeira afronta à Constituição e à Lei Orgânica do Distrito Federal, pois representa cerceamento à atuação do Ministério Público de Contas no desempenho de seus misteres institucionais ou orgânicos, como queiram. Nenhum órgão pode impedir que o fiscal da lei investigue a correção da sua execução. Inconstitucional, para dizer o mínimo, se mostra qualquer tentativa de restringir esta atuação.

É de se questionar: qual a utilidade e adequação de medida tendente a usurpar do Ministério Público Especial instrumento essencial à atuação de seus membros na defesa da ordem e do patrimônio público? Trazendo a hipótese a casos concretos: entendendo o Órgão Ministerial que deve ser obtida determinada informação, poderia o Presidente do Tribunal, ou qualquer de seus membros, impedir que esta informação seja encaminhada ao Parquet? À luz do que decidiu a Corte Suprema nos autos da ADIn 160 a resposta é negativa. Portanto, entender ou aceitar tal obstrução como possível é afrontar a autonomia funcional dos procuradores e o próprio texto constitucional.

Ademais, o membro do Ministério Público, diante de informações que, eventualmente, constituam ofensa ao ordenamento jurídico, em matéria de competência do Tribunal de Contas, por imposição legal e constitucional, não pode se omitir, sob pena de cometimento de ilícito penal e de ato de improbidade.

Tem o dever de agir. Ao fazê-lo, pode, de imediato, provocar a atuação do Tribunal de Contas, órgão perante o qual oficia e exerce

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suas funções de fiscal da lei e guarda de sua execução, independentemente de qualquer apuração prévia.

Pode, também, o Ministério Público, antes de provocar a atuação da Corte de Contas, coletar maiores informações, de forma a melhor fundamentar sua manifestação inicial ou incidental, no curso de processos em tramitação. Ganha-se, com isso, em efetividade do controle, eficácia da atuação do Tribunal, eficiência dos órgãos de fiscalização e economicidade de recursos. Além de não impingir ao Parquet especializado restrição indevida de qualquer ordem ao pleno exercício de seus misteres constitucionais.

Nesse contexto, cabe realçar o papel fundamental do Ministério Público de Contas a quem compete, nos termos do art. 85 da LODF, exercer o papel de guarda da lei e fiscal de sua execução em todas as matérias sujeitas à jurisdição do Tribunal de Contas respectivo. Tem, por obrigação constitucional e legal, o dever de zelar para que o patrimônio público seja gerido em conformidade com as normas. Para tanto, é óbvio que deve utilizar-se dos instrumentos necessários para o desempenho de sua missão constitucional, tais como a realização de diligências, solicitação de informações, celebração de Termos de Ajustamento de Condutas, além da formulação de representação ao Tribunal de Contas acerca de irregularidades na gestão da coisa pública.

É princípio geral do Direito, de aplicação reconhecida exaustivamente pelos tribunais pátrios, inclusive no âmbito das Cortes Superiores, que, a todo aquele que é imposto um dever, seja pela lei seja pela Constituição, também são lhes assegurados, implícita ou explicitamente, os instrumentos para o desempenho destas funções.

Seria desarrazoada e completamente inócua toda preocupação tida pelo constituinte ou mesmo pelo legislador ordinário em dotar certos órgãos de deveres relevantíssimos para a concreção de

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princípios constitucionais sensíveis se, ao mesmo tempo, não lhes fossem conferidos mecanismos para agir.

Esta a teoria dos poderes implícitos de plena aplicação constitucional, por meio do qual se enfatiza que a outorga de competência expressa a determinado órgão do Estado importa a concessão dos meios necessários à integral realização do seu mister.

A título de ilustração, cumpre trazer à lume a questão das cautelares no âmbito dos Tribunais de Contas. A Constituição Federal de 1988, apesar de ter conferido grande relevância ao papel das Cortes de Contas no controle dos gastos públicos e atribuir-lhes diversas competências, em nenhuma delas estabeleceu, expressamente, a possibilidade de concessão de medidas cautelares.

Não obstante, com fundamento na teoria dos poderes implícitos, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Mandado de Segurança n° 24.510-7, admitiu a expedição de medida cautelar pelo TCU com vistas à proteção do patrimônio público, in verbis:

Procedimento Licitatório. Impugnação. Competência do TCU. Cautelares. Contraditório. Ausência de Instrução. 1- Os participantes de licitação têm direito à fiel observância do procedimento estabelecido na lei e podem impugná-lo administrativa ou judicialmente. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada. 2- Inexistência de direito líquido e certo. O Tribunal de Contas da União tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar suspensão cautelar (artigos 4° e 113, § 1° e 2° da Lei n° 8.666/93), examinar editais de licitação publicados e, nos termos do art. 276 do seu Regimento Interno, possui legitimidade para a expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões). 3- A decisão encontra-se fundamentada nos documentos acostados aos autos da Representação e na legislação aplicável. 4- Violação ao contraditório e falta de instrução não caracterizadas. Denegada a ordem”. MS 24510/DF MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. Ellen Gracie Julgamento: 19/11/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJ 19-03-2004 PP-00018(negritei)

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Importante trazer à colação trecho do voto do eminente Ministro Celso de Mello, proferido na ocasião do julgamento do referido mandamus, acerca do poder de cautela atribuído ao TCU, pois esclarece de forma cristalina o entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre a questão:

É por isso que entendo revestir-se de integral legitimidade constitucional a atribuição de índole cautelar, que, reconhecida com apoio na teoria dos poderes implícitos, permite, ao Tribunal de Contas da União, adotar as medidas necessárias ao fiel cumprimento de suas funções institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria Constituição da República. Não fora assim, e desde que adotada, na espécie, uma indevida perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por completo, as atribuições constitucionais expressamente conferidas ao Tribunal de Contas da União. (...) Na realidade, o exercício do poder de cautela, pelo Tribunal de Contas, destina-se a garantir a própria utilidade da deliberação final a ser por ele tomada, em ordem a impedir que o eventual retardamento na apreciação do mérito da questão suscitada culmine por afetar, comprometer e frustrar o resultado definitivo do exame da controvérsia. (...) Assentada tal premissa, que confere especial ênfase ao binômio utilidade/necessidade, torna-se essencial reconhecer - especialmente em função do próprio modelo brasileiro de fiscalização financeira e orçamentária, e considerada, ainda, a doutrina dos poderes implícitos - que a tutela cautelar apresenta-se como instrumento processual necessário e compatível com o sistema de controle externo, em cuja concretização o Tribunal de Contas desempenha, como protagonista autônomo, um dos mais relevantes papéis constitucionais deferidos aos órgãos e às instituições estatais.

Trazendo esta teoria ao caso concreto, se a Constituição Federal prevê expressamente a existência de um Ministério Público especializado para atuar perante as Cortes de Contas, como fiscal da lei, e se a LODF determina caber ao MPCDF atuar como guardião da execução da lei e fiscal de sua execução, evidente se mostra que

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reconhece, implicitamente, também os poderes para que estas missões sejam desempenhadas de forma ágil, correta e efetiva. Obstar tal exercício representa grave ofensa à Constituição e aos princípios da legalidade e da eficiência, entre outros.

Também com base na teoria dos poderes implícitos, possui sim o Ministério Público de Contas legitimidade para solicitar informações, requisitar documentos, enfim, realizar diligências junto a qualquer órgão ou entidade que gerencie, administre, arrecade ou utilize recursos públicos. Não há outra conclusão possível. Ou o MPC dispõe de competências para bem cumprir seu mister constitucional, ou não existe Ministério Público perante os Tribunais de Contas.

Como o constituinte originário, reconhecendo a realidade centenária deste órgão e a relevância de suas funções para o controle externo, previu sua atuação perante os tribunais de contas, não há margem constitucional para a segunda alternativa. Resta, então, a única conclusão possível, pode e deve o MPC realizar as diligências necessárias para o fiel cumprimento de suas funções.

Enfim, o reconhecimento da legitimidade e da competência do Ministério Público Especial para se dirigir, diretamente, a todos aqueles que estejam sob a jurisdição do Tribunal de Contas onde oficia decorre do Texto Constitucional e, no caso distrital, da LODF, seja com base na autonomia funcional, seja com fundamento na teoria dos poderes implícitos, seja fulcrado nos princípios da razoabilidade e da eficiência e constitui rotina no âmbito do Parquet que atua perante o Tribunal de Contas da União, por exemplo.

Ademais, a recusa em admitir esta possibilidade poder gerar uma situação esdrúxula qual seja, o membro do Ministério Público ter que solicitar os documentos ou as informações na qualidade de cidadão.

De forma a assegurar a efetividade do controle social, o constituinte originário estabeleceu, como garantia fundamental da pessoa, o direito a todos de receberem informações dos órgãos

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públicos de interesse coletivo ou geral, que deverão ser prestadas no prazo legal, sob pena de responsabilidade. Ressalva, apenas, aquelas informações cujo sigilo se mostre imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

É o direito à informação garantia de acesso à sociedade a todos os dados de interesse geral, coletivo. Confere direito fundamental ao indivíduo ao qual corresponde o dever de publicidade dos atos administrativos, erigido em princípio constitucional básico de toda a Administração Pública.

Vai mais além a Constituição, ao prever também quais as providências possíveis de serem adotadas pelos cidadãos, a partir de informações obtidas junto ao Poder Público. Podem propor ação popular para a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa (art. 5°, inciso LXXIII, da CF). Permite que qualquer cidadão possa denunciar aos tribunais de contas acerca de ilegalidades ocorridas no âmbito das respectivas administrações públicas (art. 74, § 2°).

Em síntese, assegura o Texto Político o exercício pleno da cidadania, via realização do controle social com os instrumentos expressamente estabelecidos. Confere, a quem tem o direito de controlar a Administração Pública, os instrumentos necessários para a realização deste direito, com a solicitação direta de informações aos órgãos e entidades públicas.

Ora, se a quem é titular de direito são conferidos meios para seu exercício, com muito mais razão a quem se atribuiu o dever de agir como fiscal da lei no âmbito da correta aplicação de recursos públicos devem ser reconhecidos, pelo menos, idênticos instrumentos para fazer valer esta obrigação.

Decorreria da tese contrária, como já afirmei, situação inusitada. Os procuradores, como membros do Ministério Público de Contas, no desempenho de suas atribuições constitucionais, não podem requisitar, diretamente, informações aos órgãos e entidades

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que utilizem recursos públicos, mas, a menos que se queira também cassar sua cidadania, como cidadãos têm o direito fundamental de obter estas mesmas informações.

Enfim, a adoção de tal tese levaria ao absurdo jurídico acima apontado. Como a interpretação do Direto não pode levar ao absurdo, evidente que não se pode admitir a restrição ao Ministério Público de Contas de efetuar as diligências que entender cabíveis para o desempenho de sua nobre e relevante função.

Quanto à assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta por membros do Ministério Público de Contas, tenho que a questão também é inerente ao exercício da função ministerial. São instrumentos importantes que tendem a desjudicializar os conflitos, de forma a propiciar soluções mais céleres e efetivas às hipóteses de litígio, buscando evitar a delonga das ações judiciais.

Objetivo este que, no caso da aplicação de recursos públicos e da defesa do patrimônio público, ganha grande destaque, diante da essencialidade de tais serviços e dos prejuízos que ocorreriam com o retardo da solução das controvérsias seja no âmbito judicial seja no âmbito administrativo.

Vale-se, então, o Ministério Público de importante instrumento jurídico previsto em lei para buscar a solução negociada, naquilo que for negociável, às ilegalidades verificadas na atuação do Administrador Público, sem a necessidade de se buscar o Judiciário para a correção de tais ilegalidades. Celebra-se Termo de Ajustamento de Conduta, por meio do qual a autoridade pública se compromete, sob pena de sofrer as sanções previstas no próprio termo, a corrigir as falhas apuradas e mesmo a adotar as providências reclamadas pelo Ministério Público para o atingimento do interesse público.

Outrossim, por tudo que venho de afirmar, entendo que não cabe ao Tribunal, sob pena de invadir a autonomia funcional dos Procuradores, estabelecer se podem ou não os membros do

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Ministério Público de Contas celebrarem TAC’s, máxime quando assinados em conjunto com outros ramos do Ministério Público.

Cabe, sim, ao Tribunal analisar, quando chamado a atuar, a legalidade do próprio ajuste e suas implicações. Não se vincula, por evidente, ao ajustamento e pode julgar de forma diferente do que pactuado pelo Ministério Público. O que não pode, repito, é se imiscuir na atividade dos Procuradores.

Ademais, devo deixar registrado que o meu entendimento de que o Tribunal não deve celebrar TAC decorre do simples fato de que se pode e deve expedir determinações, de natureza cogente sob pena de o gestor sofrer as penalidades cabíveis por descumprimento, não necessita de instrumento jurídico que dependa da concessão mútua entre as partes para ser efetivado.

O mesmo, contudo, não ocorre no caso do Ministério Público, que não detém atribuição para expedir determinações a gestores. Depende de representação ofertado ao Tribunal para que sejam expedidas eventuais determinações que entender cabíveis ao caso concreto. Neste caso, há margem sim para a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta.

Continuo, portanto, entendendo que ao Tribunal, porque detém competência constitucional maior, não se mostra oportuna a celebração de TAC’s, porém, ao Parquet de Contas é perfeitamente possível e adequada a sua celebração, sempre que assim entender cabível.

Enfim, entendo que, no desempenho de seu papel de guardião da democracia, fiscal da lei, a quem cabe zelar pela sua fiel execução, pode o Ministério Público expedir recomendações, requisitar informações, realizar diligências e adotar medidas outras, a fim de verificar que a atuação do gestor público atende aos comandos que regem sua ação.

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Assim, o Parquet Especial, instituição com grande responsabilidade e objetivos, não pode desenvolver suas funções caso esteja sendo dificultado por ingerências, interferências e obstáculos funcionais e administrativos impostos pelos Poderes, ou ainda pelo Tribunal de Contas, que compartilha a mesma intimidade de jurisdição. A intenção da Constituição no artigo 130 foi atribuir-lhe garantias, instrumentos e impedimentos a fim de que desempenhassem suas funções com independência.

Para concluir, cumpre repisar que a norma inscrita no multicitado art. 130 da Lei Fundamental é de eficácia jurídica de um mínimo de aplicabilidade imediata, independe de norma infraconstitucional. Portanto, ao legislador ou ao intérprete é defeso editar normas ou formular interpretação no sentido oposto do que restou assegurado pela Constituição ao Ministério Público Especial e a seus membros. Cumpre enfatizar: um Ministério Público de Contas estruturado, independente funcionalmente, é fator de fortalecimento dos Tribunais de Contas e da sociedade.

Forte nestas razões e lamentando dissentir do entendimento constante dos votos lançados nestes autos, VOTO no sentido de que o e. Plenário, com fundamento no art. 130 da Constituição Federal e na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, firme o entendimento de que aos membros do Ministério Público de Contas, observadas as competências do Tribunal de Contas definidas na Constituição Federal, na Lei Orgânica do Distrito Federal e na Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Distrito Federal, são asseguradas, entre outras, as funções de requisitar informações e documentos ou diligenciar, diretamente, perante quaisquer autoridades, órgãos ou entidades jurisdicionadas, sendo responsáveis pelo uso indevido das informações e documentos que requisitarem, inclusive nas hipóteses legais de sigilo.

_________ Processo: n° 19.377/2009 Decisão Extraordinária Administrativa n° 24/2011

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TRANSPOSIÇÃO DE SERVIDORES DA CARREIRA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

(REGIDOS PELA LEI N° 51/89) PARA A CARREIRA ATIVIDADES CULTURAIS

Antonio Renato Alves Rainha Conselheiro do TCDF

Levantamento de possíveis transposições de servidores da carreira Administração Publica (regidos pela Lei n° 51/89) para a carreira Atividades Culturais, realizadas com fundamento na Lei n° 2.837/2001, conforme autorização constante da Decisão n° 7.684/2009.

2. 4ª Inspetoria de Controle Externo, considerando que, até o momento, inexiste qualquer questionamento acerca do que dispõe a Lei n° 2.837/2001 e o que deflui do princípio da segurança jurídica, que aconselha a preservação da estabilidade de relações jurídicas há muito constituídas, manifesta-se pela manutenção dos atos administrativos praticados com espeque no referido diploma legal, com determinação à jurisdicionada (fls. 118/163).

3. Parecer divergente do Ministério Público de Contas que pugna pela ilegalidade dos atos praticados com base na norma em referência (fls. 167/170).

4. Precedentes: Processos n°s 6.390/95 e 10022/2008. Acolhimento parcial das sugestões ofertadas pela Unidade Técnica. Redistribuição de cargos em conformidade com a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Distrito Federal. Determinação. Arquivamento destes autos.

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RELATÓRIO

Cuidam os autos de Inspeção realizada na Secretaria de Estado de Cultura, visando averiguar a existência de possível transposição de servidores oriundos da Carreira Administração Pública (regidos pela Lei n° 51/89) para a Carreira Atividades Culturais, em razão do que prevê o artigo 1°, § 1°, da Lei n° 2.837/2001, o que, em princípio, configuraria afronta ao disposto nos arts. 37, inciso II, da Constituição Federal e 19, inciso II, da Lei Orgânica do Distrito Federal.

Do Relatório de Inspeção elaborado pela4ª ICE, tenho por necessário reproduzir o que segue:

1.2 VISÃO GERAL DO OBJETO E ANTECEDENTES 6. A Lei n° 2.837, de 13/12/2001 (fls. 20/24), que, assim dispôs sobre os cargos componentes das referidas carreiras no âmbito da Secretaria de Cultura (Quadro de Pessoal do Distrito Federal):

Art. 1° Fica incluída no Quadro de Pessoal do Distrito Federal a carreira Atividades Culturais, integrada por cargos originários das carreiras Atividades Culturais e Administração Pública, de que tratam as Leis n° 86, de 29 de dezembro de 1989, e n° 51, de 13 de novembro de 1989, composta pelos cargos de Analista de Atividades Culturais, de nível superior, Técnico de Atividades Culturais, de nível médio, e Auxiliar de Atividades Culturais, de nível básico, estruturados em classes e padrões na forma dos Anexos I e II. § 1° O disposto no caput, no que se refere à Lei n° 51, de 13 de novembro de 1989, restringe-se aos cargos ocupados pelos servidores que se encontram lotados e em exercício na Secretaria de Estado de Cultura. Art. 10. Aplica-se o disposto nesta Lei aos aposentados e beneficiários de pensão, oriundos das mencionadas carreiras. (grifamos)

7. A carreira Atividades Culturais, na forma estabelecida pelo dispositivo em questão, se fez composta por servidores provenientes da reorganização de outras três carreiras: • Carreira Atividades Culturais, de que trata a Lei n° 86/89; • Carreira Administração Pública, de que trata a Lei n° 86/89; e • Carreira Administração Pública, de que trata a Lei n° 51/89.

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8. A Lei n° 86, de 29 de dezembro de 1989 (fls. 38/45), criou as Carreiras Administração Pública e Atividades Culturais na Tabela de Pessoal da então Fundação Cultural do Distrito Federal, nos seguintes termos:

Art. 1° São criadas as Carreiras Administração Pública e Atividades Culturais na Tabela de Pessoal da Fundação Cultural do Distrito Federal, nos termos dos Anexos I e II desta Lei. § 1° A Carreira Administração Pública é composta dos empregos de Analista de Administração Pública, Técnico de Administração Pública e Auxiliar de Administração Pública, respectivamente de níveis superior, médio e básico. § 2°A Carreira Atividades Culturais é composta dos empregos de Especialista de Atividades Culturais, Spalla e Músico Solista, de nível superior; Técnico de Atividades Culturais, Músico – nível 1, Músico – nível 2 e Músico – nível 3, de nível médio, e Auxiliar de Atividades Culturais, de nível básico. (grifamos)

9. A Fundação Cultural do Distrito Federal foi extinta pela Lei n° 2.294/99 (fl. 46). Essa lei foi regulamentada pelo Decreto n° 20.264/99 (fls. 47/48), que assim dispôs sobre os servidores pertencentes às carreiras criadas pela Lei n° 86/89:

Art. 1° - Fica extinta, na estrutura organizacional da Secretaria de Cultura, a Fundação Cultural do Distrito Federal, na forma da Lei n° 2.294, de 21 de janeiro de 1999, sendo suas competências e atribuições integradas à Secretaria de Cultura do Distrito Federal, conforme disposto em seu regimento interno. Art. 9°- Os servidores ocupantes de cargos efetivos do Quadro de Pessoal permanente e suplementar da Fundação Cultural do Distrito Federal passam a integrar o Quadro de Pessoal do Distrito federal, permanecendo em seus respectivos cargos e carreiras e com lotação, inicial, na Secretaria de Cultura do Distrito federal, sem quaisquer prejuízos. Art. 10° - Os servidores Aposentados e os Pensionistas da Fundação Cultural do Distrito Federal, passam a integrar o Quadro de Inativos e Pensionistas da Secretaria de Administração, permanecendo em seus respectivos cargos e carreiras. (grifamos)

10. Ressalte-se que a reorganização das Carreiras Atividades Culturais e Administração Pública, instituídas pela Lei n° 86/89, na forma do artigo 1° da Lei n° 2.837/2001, consiste em prática que tem sido aceita pelo Tribunal, haja vista que o § 2° do artigo 1° assevera que tal reorganização se dará sem prejuízo da situação funcional dos atuais

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integrantes, além de mantidas as respectivas atribuições funcionais, ocorrendo, portanto, neste caso, mera alteração na nomenclatura do cargo, a exemplo do Processo n° 1.072/2006, Decisão n° 5.019/2007.Registre-se, inclusive, que a jurisprudência desta Corte de Contas1 consolidou-se no sentido de admitir, sem restrições, transposições (em sua acepção mais ampla) fundadas em leis publicadas até 23.04.1993, data de publicação de acórdão proferido pelo STF na ADIn 837-4, declarando a inconstitucionalidade das formas de provimento derivado de cargos/empregos públicos representadas por ascensão, acesso, transferência e aproveitamento. 11. Diferente é a situação em que servidores provenientes da Carreira Administração Pública, instituída pela Lei n° 51/89 (“Carreirão”), poderiam, por conta exclusiva de lotação na Secretaria de Estado de Cultura, em face do §1° do art. 1° da Lei n° 2.837/2001, integrarem a novel carreira ATIVIDADES CULTURAIS, o que, em princípio, não guarda conformidade com o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, nem com o artigo 19, inciso II, da Lei Orgânica do Distrito Federal, no que diz respeito à exigência de aprovação prévia em concurso público, motivo pelo qual instaurou-se o presente procedimento fiscalizatório. Objetivo da Inspeção 12. O objetivo desta Inspeção se restringiu em proceder ao levantamento de todas as transposições de servidores da Carreira Administração Pública, regidos pela Lei n° 51/89, realizadas apenas em razão da lotação na Secretaria de Cultura, em face da Lei n° 2.837/2001 (art. 1°, § 1°, e art. 10), e a obtenção de documentação comprobatória correspondente, para que seja submetida à apreciação do Tribunal.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS – QUESTÕES DE INSPEÇÃO

13. Para atingir o objetivo geral do procedimento fiscalizatório, foram elaboradas duas Questões de Inspeção (QI’s), conforme segue: QI 1: A Secretaria de Estado de Cultura procedeu à transposição de servidores da Carreira Administração Pública (regidos pela Lei n° 51/89) para a Carreira Atividades Culturais, “apenas” em razão da

1Enunciado de Súmula n° 82:“ As transposições realizadas até 23.04.93, data da publicação do Acórdão proferido pelo STF na ADIN n° 837-4, são passíveis de registro, ressalvadas as que estejam sub judice.” Decisões precedentes destacadas: 2.573/1997, 6.918/1997 e 4.405/1998.

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lotação, na forma instituída pelo artigo 1°, § 1°, da Lei n° 2.837/2001? QI 2: Os servidores aposentados e beneficiários de pensão (de servidores) oriundos da Carreira Administração Pública (Lei n° 51/89), lotados na Secretaria de Cultura, foram transpostos para a carreira Atividades Culturais, ou obtiveram, respectivamente, alteração de proventos e estipêndios pensionais, em face do comando trazido pelo artigo 10 da Lei n° 2.837/2001? (...)

Resultados

TRANSPOSIÇÕES EFETIVADAS PELA SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA Achado de Inspeção 01 A SEC efetivou transposições de servidores ativos, provenientes da Carreira Administração Pública (regidos pela Lei n° 51/89), lotados e em exercício naquela secretaria, para a Carreira Atividades Culturais, na forma prevista no artigo 1°, § 1°, da Lei n° 2.837/2001.

Análises e Evidências

14. A Lei n° 2.837, de 13/12/2001, publicada no DODF de 14/12/2001 (fls. 20/23), viabilizou a transposição de servidores pertencentes à carreira Administração Pública (Lei n° 51/89) para a carreira Atividades Culturais criada pela referida lei. 15. O presente achado foi ratificado no decorrer da Inspeção, sendo que se verificou, preliminarmente, a inexistência de questionamentos acerca da constitucionalidade da norma frente à LODF, seja no âmbito desta Corte, seja no âmbito do judiciário local, o que se confirma pela inexistência de ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra os dispositivos da Lei n° 2.837/2001, que permitiram a integração de cargos da Carreira Administração Pública, regidos pela Lei n° 51/89, na Carreira Atividades Culturais incluída no Quadro de Pessoal do Distrito Federal. 16. Adotou-se como critério que a norma suscitada nos autos, em princípio, consiste em norma legal, gozando de presunção de legalidade, assim como permanece no mundo jurídico, gerando efeitos, ante a inexistência de decisão judicial acerca de sua inconstitucionalidade. 22. A Nota de Inspeção n° 001 (fls. 5/6) objetivou trazer respostas às Questões de Inspeção (QI’s) formuladas na forma do parágrafo 13 desta instrução. Especialmente no que diz respeito ao provimento dos cargos da Carreira Atividades Culturais, reorganizada na forma da Lei n° 2.837/2001, com intuito maior de proceder ao levantamento de

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todas as transposições ocorridas no âmbito da Secretaria de Cultura em face da referida norma. 23. Mediante ofício n° 035/2010-GRH-UAG-SEC (fls. 7/24), encaminhado ao Tribunal em resposta à referida Nota de Inspeção n° 001, foi disponibilizado o QUADRO I, fls. 8/14, constando a relação nominal dos servidores ativos da SEC que foram transpostos da Carreira Administração Pública (regidos pela Lei n° 51/89 – “Carreirão”) para a Carreira Atividades Culturais, de acordo com a Lei n° 2.837/2001. O gerente de RH daquela secretaria informa ainda, no referido ofício, que a transposição se deu mediante Portaria de 17 de outubro de 2002, publicada no DODF 250, de 30/12/2002, cuja cópia encaminhou em anexo (fls. 15/17). 24. Segundo informações constantes do Quadro I, 47 (quarenta e sete) servidores ativos foram transpostos da carreira Administração Publica (Lei n° 51/89) para a carreira Atividades Culturais reorganizada pela Lei n° 2.837/2001, mediante Portaria de 17/10/2002, que assim dispôs sobre o aproveitamento dos servidores que estavam lotados e em exercício na Secretaria de Cultura:

A SECRETÁRIA DE ESTADO DE CULTURA DO DISTRITO FEDERAL, no uso de suas atribuições regimentais, constantes do Decreto n° 21.675, de 31.10.2000 e Portaria n° 01 de 14.03.2001, resolve: I - Transpor para a Carreira de Atividades Culturais, do Quadro de Pessoal Permanente e Suplementar, do Governo do Distrito Federal, os servidores ativos, inativos e pensionistas, relacionados no anexo desta Portaria, originários da Carreira de Administração Pública, que trata a Lei n° 086, de 29 de dezembro de 1989, bem como os servidores da Carreira de Administração Pública da Lei n° 051, de 13 de novembro de 1989, que estavam lotados na Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal, face a edição da Lei n° 2.837, de 13 de dezembro de 2001, publicada no DODF n° 238, de 13 de dezembro 2001, páginas 02-05, a partir de 14 de dezembro de 2001, com efeitos financeiros retroativos a 1° de setembro de 2001.(Grifamos)

25. Desta feita, consoante o texto do inciso I da Portaria de 17.10.2002, verifica-se que, de fato, ocorreu transposição de servidores de uma carreira para outra, embora no âmbito do mesmo QUADRO de servidores, o que difere do permitido instituto denominado “remoção” previsto no artigo 36 da Lei n° 8.112/90. A respeito do tema, o professor Regis Fernandes de Oliveira, em sua obra “Servidores Públicos”, apresenta entendimento no sentido de que “Remoção não é

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forma de provimento. É mero deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito interno dos quadros administrativos, com ou sem mudança de sede”2 . 26. No mesmo sentido, Antônio Flávio de Oliveira, em seu estudo intitulado “Servidor Público: Temas Polêmicos”3 , ao responder qual o instituto correto para o caso de mudança de servidor lotado em uma Secretaria Municipal para o exercício do mesmo cargo em outra Secretaria, alertou:

...se a Administração tem um quadro único de servidores, a situação em questão será mera remoção, que é a movimentação do servidor dentro do mesmo quadro a que pertence, variando apenas o local de serviço.

Entretanto, se as Secretarias possuem cada uma delas o seu próprio quadro de servidores o que se terá será transferência, situação vedada pela Constituição Federal de 1988, uma vez que implica a desinvestidura do servidor do seu cargo de origem e nova investidura no cargo de destino, ainda que de denominação, remuneração e atribuições idênticas. 27. Portanto, apesar de o Governo do Distrito Federal - GDF possuir um único QUADRO PERMANENTE DE SERVIDORES civis, é sabido que nos diversos órgãos que compõem sua estrutura administrativa existem carreiras distintas compostas de vários cargos, não havendo previsão legal para remoção de servidor integrante de uma carreira para outra, o que se confirma com a publicação de editais específicos para cada carreira, a exemplo do EDITAL N° 1/2004 – SGA/ADM, de 15 de setembro de 2004, publicado no DODF n° 179, de 17 de setembro de 2004, que trata da realização de concurso público para provimento de vagas, no padrão e classe inicial, em cargos da Carreira Administração Pública do Distrito Federal, regidos pela Lei n° 51, de 13 de novembro de 1989. 28. Ao que parece, a transposição efetivada pela Portaria de 17 de outubro de 2002, configura inobservância do primado do concurso publico, posto que disposições do artigo 1°, § 1°, da Lei n° 2.837/2001, não guarda conformidade com o disposto nos arts. 37, II, da Constituição Federal e 19, II, da Lei Orgânica do DF, na medida que permitem o aproveitamento de servidores, que lograram êxito em

2 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Servidores Públicos. São Paulo: Malheiros, 2004, p.102 3 OLIVEIRA, Antônio Flávio de. Servidor Público: temas polêmicos. Belo Horizonte: Forum, 2008, p. 124.

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concurso para a carreira Administração Pública, regida pela Lei n° 51/89, para carreira de Atividades Culturais da Secretaria de Estado de Cultura, criada pela Lei n° 2.837/2001.

Achado de Inspeção 02

A Secretaria de Cultura mantém servidores aposentados e beneficiários de pensão (de servidores) oriundos da Carreira Administração Pública (Lei n° 51/89), na sua folha de pagamento, com alteração de proventos e estipêndios pensionais, em face do comando trazido pelo artigo 10 da Lei n° 2.837/2001, bem como da Portaria n° 47/2002, da então Secretaria de Estado de Gestão Administrativa, sem apresentação de documentação comprobatória de efetiva transposição.

Análises e Evidências

29. O artigo 10 da Lei n° 2.837/2001 estendeu as disposições da referida lei aos aposentados e beneficiários de pensão, oriundos das mencionadas carreiras, permitindo, assim, a transposição de tais interessados para a carreira Atividades Culturais. 30. Em resposta à Nota de Inspeção n° 001, o gerente de recursos humanos da SEC, encaminhou, em anexo ao ofício n° 035/2010-GRH-UAG-SEC (fl. 07), relação de todos servidores da Carreira Administração Pública, regidos pela Lei n° 51/89 (“Carreirão”), que se encontravam lotados na SEC e, nos termos da Lei n° 2.837/2001, foram transpostos para a Carreira Atividades Culturais, conforme os quadros II e III, constando os seguintes esclarecimentos:

Segue em anexo (Quadros II e III) da relação dos servidores aposentados e beneficiários de pensão desta Secretaria, respectivamente, originalmente pertenciam a Carreira Administração Pública que foram transpostos para a Carreira de Atividades Culturais em face da descentralização das atividades relativas à manutenção do cadastro, do pagamento e da instrução dos processos de aposentadoria e pensões.

31. Diante da ausência de documentação comprobatória solicitada, mediante Nota de Inspeção 001, acrescentou, ainda, que:

Em relação aos servidores aposentados e beneficiários de pensão relacionados nos Quadros II e III, não localizamos nenhuma Portaria que efetivasse a transposição da Carreira Administração Pública para Atividades Culturais. Esses servidores foram removidos para a folha de pagamento desta Secretaria, haja vista que antes da aposentadoria pertenciam ao quadro de pessoal da SEC, e, consequentemente, foram transpostos para a Carreira de Atividades Culturais, devido à Portaria n° 47, de 24/01/2002,

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da então Secretaria de Gestão Administrativa do Distrito Federal, publicada no DODF 18, de 25/01/2002, página 6, cópia anexa e a edição da Lei n° 2.837/2001. (grifamos)

32. A relação de aposentados (fl. 18, quadro 2) apresenta um total de 25 (vinte e cinco) servidores oriundos da Carreira Administração Pública (Lei n° 51/89), sendo que, desse montante, apenas 4 (quatro) servidores foram transpostos para a Carreira Atividades Culturais, mediante Portaria de 17 de outubro de 2002 (DODF n° 250, de 30/12/2002).:

Servidores oriundos da Carreira de Administração Pública

(Lei n° 51/89)

Matr Órgão de

origem

Cargo Efetivo (Adm)

Ativo/Inativo /pensionista

Transposto para o cargo

de:

Data da Transposição

Publicação

(DODF, Portaria,

etc)

1 39129-8

SGA Auxiliar Adm

Pública

Inativo Auxiliar Atividades Culturais

14/12/2001 DODF n° 250, de 30/12/2

002

2 92234-X

SGA Analista Adm

Pública

Inativo Analista Atividades Culturais

14/12/2001 DODF n° 250, de 30/12/2

002

3 39131-X

SGA Auxiliar Adm

Pública

Inativo Auxiliar Atividades Culturais

14/12/2001 DODF n° 250, de 30/12/2

002

4 40362-8

SGA Analista Adm

Pública

Inativo Analista Atividades Culturais

14/12/2001 DODF n° 250, de 30/12/2

002

Transposição da Carreira Atividades Culturais

(Lei n° 2837/2001

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33. Desses atos de concessão de aposentadorias, de servidores oriundos da Carreira Administração Pública, publicados após a edição da Portaria de 17/10/2002, já foram objeto de apreciação por esta Corte de Contas, nos seguintes moldes:

Matr Órgão de

origem

Cargo Efetivo (Adm)

Cargo em que se deu a concessão de aposentadoria na

Sec. Cultura:

Proc./Decisão TCDF

Teor da Decisão

1 39129-8

SGA Auxiliar Adm

Pública

Auxiliar Atividades Culturais

Proc n°3661/2008 (Decisão n° 4529/2009)

Legal para fins de registro

(fl. 106)

2 92234-X

SGA Analista Adm

Pública

Analista Atividades Culturais

Proc n° 8446/2005 (Decisão n° 2069/2010)

Legal para fins de registro

(fl. 107)

3 39131-X

SGA Auxiliar Adm

Pública

Auxiliar Atividades Culturais

Proc n° 3832/2008 (Decisão n° 7165/2008)

Legal para fins de registro

(fl. 108)

34. Os demais 21 servidores constantes da relação do QUADRO II, conforme informações do gerente de RH da Secretaria de Cultura, foram “transpostos” para a Carreira Atividades Culturais, mediante inclusão na folha de pagamento da Secretaria de Cultura, sem, no entanto, existir ato efetivando a referida transposição, a exemplo da multicitada Portaria de 17/10/2002. 35.Quanto à relação de 15 (quinze) pensionistas constantes do QUADRO III (fl. 19), os instituidores do benefício também foram “transpostos” para a Carreira Atividades Culturais, mediante inclusão na folha de pagamento da Secretaria de Cultura, sem, no entanto, existir ato efetivando a referida transposição. No entanto, concessões de pensão efetivadas posteriormente à edição da Portaria de 17/10/2002, trouxeram no bojo da fundamentação legal da concessão a alteração do cargo do servidor, a exemplo das Portarias de fls. 32/37, sendo que as concessões que se seguem já foram apreciadas pela Corte de Contas:

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Pensionista de servidores oriundos da Carreira de Administração Pública(Lei n° 51/89)

Matr Órgão de

origem

Cargo Efetivo do instituidor

(Adm)

Cargo em que se deu a

concessão de aposentadoria na Sec. Cultura:

Proc./Decisão TCDF

Teor da Decisão

1 114098-1

SGA TécnicoAdm Pública

Técnico Atividades Culturais

Proc n° 40726/2005

(Decisão n°2281/2006)

Legal para fins registro

com recomenda

ções (fl. 109)

2 110840-9

SGA Técnico Adm Pública

Técnico Atividades Culturais

Proc n° 5749/2005 (Decisão n° 5608/2007)

Legal para fins registro

(fl. 110)

3 112007-1

SGA Técnico Adm Pública

Técnico Atividades Culturais

Proc n° 5529/2007 (Decisão n° 6193/2008)

Legal para fins registro

com ressalvas (fl. 111)

36. Ressalte-se que, mediante Portaria n° 47, de 24 de janeiro de 2002, a então Secretaria de Estado de Gestão Administrativa, a fim de racionalizar os procedimentos administrativos, promoveu a descentralização das atividades relativas à manutenção do cadastro e do pagamento, bem como à instrução dos processos de aposentadorias e pensões dos seus servidores e beneficiários. Entretanto, não se vislumbra, no texto da referida norma, autorização para transposição, e, sequer autoriza a efetivação das concessões pelo gestor da SEC, senão vejamos:

Portaria n° 47, de 24 de janeiro de 2002 Art. 1°. Ficam descentralizadas para as unidades de Recursos Humanos dos Órgãos de que trata esta Portaria, as atividades relativas à manutenção do cadastro e do pagamento, bem como à instrução dos processos de aposentadorias e pensões dos seus servidores e beneficiários, a fim de racionalizar os procedimentos administrativos: Secretaria de Estado de Ação Social

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Secretaria de Estado de Cultura Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento Art. 2°. Para fins do disposto no artigo 1° desta Portaria, caberá aos referidos órgãos setoriais de recursos humanos: instruir os processos de aposentadorias e pensões; elaborar minuta dos atos de concessão e revisão de aposentadorias; manter atualizado o cadastro de seus servidores aposentados e beneficiários de pensão; instruir processos de revisão de aposentadorias e pensões; manutenção e cálculo dos proventos; Art. 3°. Concluída a instrução processual pelo Setorial de Recursos Humanos, as minutas dos atos de concessão, revisão e reversão de aposentadorias e pensões serão encaminhadas à Subsecretaria de Recursos Humanos, para fins de análise e posterior encaminhamento à Secretaria de Gestão Administrativa para assinatura.(Grifamos)

37. Verifica-se que os atos de concessão deveriam ser encaminhados à SGA para assinatura e, por conseguinte, seriam finalizados no âmbito daquela secretaria, com a devida publicação. A autorização para a Secretaria de Estado de Cultura conceder aposentadorias e pensões veio com o Decreto n° 23.212, de 06 de setembro de 2002, publicada no DODF n° 172, de 09/09/2002, alterado pelo Decreto n° 23.526, de 09/01/2003, in verbis:

Decreto n° 23.212, de 06 de setembro de 2002 Fixa competência às autoridades que menciona e dá outras providências. O Governador do Distrito Federal, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 100, inciso XXI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, considerando a necessidade de se estabelecer uniformidade de procedimentos para a concessão de direitos, vantagens e benefícios aos servidores da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Distrito Federal, Considerando a proposta da Secretaria de Estado de Gestão Administrativa no sentido de descentralização e simplificação de rotinas operacionais para a aplicação da legislação de Recursos Humanos, decreta: Art. 1° Ficam fixadas atribuições aos Secretários de Governo, Procurador-Geral, dirigentes de Autarquias e Órgãos

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Relativamente Autônomos para, no âmbito de suas respectivas áreas de competência, praticarem os seguintes atos: I - conceder: a) aposentadoria; b) pensão a beneficiário de servidor; c) licença para tratar de interesses particulares; d) licença-prêmio por assiduidade; m) indenizações, gratificações, adicionais, auxílios e benefícios em conformidade com a legislação vigente, mediante comprovação de disponibilidade orçamentária nos termos da Lei Complementar n° 101, de 04 de maio de 2000; n) redução de horário de jornada de trabalho, para servidores com filhos deficientes, nos termos do Decreto n° 14.970, de 27 de agosto de 1993; o) horário especial nos termos do Art. 98, da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990. p)manter o cadastro e pagamento das aposentadorias e pensões. (INSERIDO - Decreto n° 23.526, de 09 de janeiro de 2003). VI - lotar, relotar e remover servidores; (Grifamos)

38. Ressalte-se, entretanto, que a falta de critérios padronizados, por parte daquela secretaria, na interpretação e cumprimento dos dispositivos da Lei n° 2.837/2001, permitiu a ocorrência de situações inusitadas, cujas causas não foram esclarecidas pelas informações prestadas pelo Gerente de Recursos Humanos daquela Secretaria, por exemplo:

A Secretaria de Cultura incluiu, a contar de abril de 2003 (fls. 96/105), servidores aposentados e beneficiários de pensão (de servidores) oriundos da Carreira Administração Pública (Lei n° 51/89), na sua folha de pagamento, bem como procedeu à alteração de proventos e estipêndios pensionais, em face do comando trazido pelo artigo 10 da Lei n° 2.837/2001, sem, no entanto, constar documentos comprobatórios de “transposição” de tais servidores e instituidores de pensão para a Carreira Atividades Culturais: Em relação às aposentadorias concedidas pela então Secretaria de Gestão Administrativa, os inativos apenas foram removidos para a folha de pagamento da SEC, com alteração de proventos, haja vista que antes das referidas concessões estavam lotados na SEC;

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Quanto às pensões concedidas pela então Secretaria de Gestão Administrativa, antes da Portaria de 17 de outubro de 2002, os beneficiários apenas foram removidos para a folha de pagamento da SEC, com alteração de estipêndios pensionais, haja vista que antes das referidas concessões, os instituidores estavam lotados na SEC; Já as pensões concedidas pela Secretaria de Cultura, posteriormente à Portaria de 17 de outubro de 2002, cujos instituidores foram removidos da Secretaria de Gestão Administrativa para sua folha de pagamento, trouxeram, em suas fundamentações legais, o cargo do ex-servidor, instituidor da pensão, como pertencente à carreira Atividades Culturais (fls. 32/37). Portanto, aposentadorias em cargos da carreira Administração Pública deram origem a pensões em cargos da carreira Atividades Culturais.

39. Temos que a Secretaria de Estado de Cultura efetivou as transposições de servidores ativos da Carreira Administração Pública (Lei n° 51/89) para a Carreira Atividades Culturais (Lei n° 2.837/2001), e manteve os servidores aposentados e beneficiários de pensão (de servidores) oriundos da Carreira Administração Pública (Lei n° 51/89), na sua folha de pagamento, com alteração de proventos e estipêndios pensionais, haja vista autorização constante na referida Lei n° 2.837/2001 e interpretações dadas à Portaria n° 47/2002 e ao Decreto n° 23.212/2002. No entanto, a ausência de documentos probatórios da transposição dos servidores inativos e instituidores de pensões oriundos da Carreira Administração Pública (Lei n° 51/89) para a Carreira Atividades Culturais não se apresenta de forma regular.

Análise da Constitucionalidade da Lei n° 2.837/2001

40. Quanto à constitucionalidade da Lei n° 2.837/2001, vale destacar que matéria similar, por vezes, foi objeto de discussão nesta Corte de Contas, como nos autos do Processo n° 1.612/2003, no qual foi prolatada a Decisão no 832/20064 :

II tendo em conta a Súmula 347 do STF, considerar não guardada a conformidade com o art. 37, inc. II, da Constituição Federal, nem com o art. 19, inc. II, da Lei Orgânica do Distrito

4 Decisão foi tida posteriormente por insubsistente em face de pedido de reexame, tendo-se levado em consideração o interesse público da Administração (modernização) e dos servidores apartados pela Lei n° 2.862/01 (segurança jurídica), não se aplicando tal argumentação, de pronto, a este caso.

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Federal, o art. 1° da Lei n° 3.626/05 (que alterou os arts. 7° e 8° da Lei n° 2.862/01), o qual integrou na Carreira Técnica Fazendária, sem aprovação em prévio concurso público, servidores originários da carreira Administração Pública do Distrito Federal lotados nas Secretarias de Fazenda e de Planejamento, Coordenação e Parcerias do Distrito Federal, incluindo aposentados e pensionistas; (Grifamos)

41. Também, nos autos do Processo n° 1.113/2003, foi exarada a Decisão n° 2.532/2004:

II)com base na Súmula 347 do STF, afastar a aplicação do art. 11 da Lei n° 2.743/01, por não guardar tal dispositivo conformidade com o art. 37, II, da Constituição Federal, nem com o art. 19, II, da Lei Orgânica do Distrito Federal, na medida em que transpõe para a Carreira Assistência Pública em Serviços Sociais os servidores oriundos da Carreira Administração Pública do Distrito Federal lotados e em exercício na Secretaria de Estado de Ação Social do Distrito Federal, na data de publicação da mesma; com amparo no art. 71, III, da Constituição Federal e no art. 78, III, da LODF, declarar a ilegalidade das transposições dos seguintes servidores, decorrentes do art. 11 da Lei n° 2.743/01... (grifamos)

42. Ressalte-se que, embora o entendimento firmado na Decisão n° 832/2006 tenha sido revisto em sede de reexame (Decisão n° 4.369/2007), os referidos dispositivos legais das mencionadas decisões foram declarados inconstitucionais pelo Conselho Especial do TJDFT, devido afronta ao artigo 19, II, da LODF, conforme ADI n° 2005.00.2.011171-7, bem como o artigo 11 da Lei n° 2.743/2001, na ADI n° 2005.00.2.002180-8, assim ementadas:

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Arts. 7° e 8° da Lei Distrital 2.862, de 27 de Dezembro de 2001, dos Arts. 2° E 3°da Lei Distrital 3.039, de 29 de Julho de 2002, E da Lei Distrital 3.626, de 18 de Julho de 2005 - Transposição de Servidores para Cargos para o qual não prestaram concurso - Inconstitucionalidade Material - Afronta ao Art. 19, Inciso II, da Lei Orgânica Do Distrito Federal. É materialmente inconstitucional, por afronta ao art. 19, inciso II, da Lei Orgânica do Distrito Federal, lei distrital que admite a transposição de servidores públicos para cargos de carreira diversa, para os quais não prestaram concurso público. (ADI 2005.00.2.011171-7, Relator: Sérgio Bittencourt, Conselho Especial, julgado em 05/08/2008, DJ 06/03/2009pág. 42)

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Ação Direta de Inconstitucionalidade - Art. 11 da Lei Distrital n°. 2.743/01 - Vício material - Transposição de servidores para cargo público diverso daquele para o qual prestaram concurso público - art. 19, inc. II da LODF. A lei impugnada ao determinar a transposição de determinados servidores para outra carreira, afronta o disposto no art. 19, inc. II da LODF, que impõe a aprovação prévia em concurso público para a investidura de cargo ou emprego público, proibindo, assim, qualquer forma de provimento derivado de cargos públicos. Não importa a simples aprovação em concurso público para a ocupação do cargo, mas a aprovação para o cargo a ser ocupado, não se admitindo a transposição de servidores, ainda que concursados, para outros cargos para os quais não prestaram concurso público. (ADI 2005.00.2.002180-8, Relator Vasquez Cruxên, Conselho Especial, julgado em 09/01/2007, DJ 06/03/2007 p. 92). (grifamos)

43. Em consulta ao site do TJDFT na internet, em 02/08/2010 (fl. 115), verificou-se que a ADI n° 2005.00.2.002180-8 transitou em julgado em 25/03/2010, após a negativa do prosseguimento do Recurso Extraordinário n° 565.603 no Supremo Tribunal Federal, consoante decisão da relatora Ministra Cármen Lúcia, nos termos do despacho publicado no DJE em 13/11/2007, assim ementado:

Ação Direta de Inconstitucionalidade Proposta no Tribunal de Justiça. Lei Distrital n° 2.743/2001. Lei Orgânica do Distrito Federal. Provimento de cargo público por transposiçao: inconstitucionalidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Recurso ao qual se nega seguimento.

(...) 51. Destaque-se que as questões envolvendo análise de constitucionalidade de normas, frente à Súmula n° 347 do STF, não apresentam consenso do Plenário desta Corte, no que diz respeito ao mérito. Nos termos da Decisão n° 4.351/2009, o Tribunal sinalizou por não mais apreciar a constitucionalidade em tese de quaisquer leis ou atos emanados do Poder Público Distrital, postergando-se tal juízo de valor para quando do exame de casos concretos, desde que a matéria envolvida esteja inserida em suas atribuições. Entretanto, posteriormente, tanto na retrocitada Decisão n° 5.422/2009, quanto na Decisão n° 2.616/20105, proferida nos autos do Processo n° 12.895/2009,

5 Decisão n° 2616/2010: o Tribunal por unanimidade, de acordo com o voto

do relator, decidiu autorizar: I – o encaminhamento de cópia do relatório/voto do

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sendo que este trata de estudos acerca da constitucionalidade de dispositivo da Lei n° 4.075/07, o Tribunal decidiu apreciar a constitucionalidade, em tese, dos dispositivos questionados, nos referidos processos, frente à Lei Maior. Note-se que, no caso da Lei n° 4.082/2008, a decisão desta Corte foi proferida logo no ano seguinte a sua edição (2009) e no da Lei n° 4.075/2007, havia transcorrido menos de 3 (três) anos. 52. Convém observar que a apreciação apenas quando da análise do caso concreto de atos praticados com base em norma, que possivelmente não se conforma com dispositivos Constitucionais e/ou da Lei Orgânica do Distrito Federal, tem como reflexo o fato de que a negativa de validade aos atos praticados terá que ser apreciada sob o aspecto de presunção de legalidade dos atos e da segurança jurídica, uma vez que a apreciação do caso concreto pela Corte de Contas pode ocorrer, por vezes, em momento bem posterior. 53. Nesse contexto, entende-se que a postura de apreciar, em tese, a constitucionalidade de dispositivos legais, nos termos da Súmula n° 347 do STF, tem efeito mais benéfico, tanto para a Administração quanto para os administrados, quando exercido o controle de forma prévia à prática do ato de concessão, haja vista que a realidade da Administração Pública local permite afirmar que é extremamente difícil recuperar o crédito e modificar situações consolidadas pelo decurso de tempo. Portanto, postergar a análise de mérito, ainda que seja de constitucionalidade em tese, tem como consequência a dificuldade de restauração do status quo. 54. Outro aspecto relevante a ser observado é que, embora haja análise de constitucionalidade em tese no âmbito desta Corte (pela não conformidade com a Constituição), enquanto não houver decisão judicial sobre a inconstitucionalidade de lei, a norma legal permanece no mundo jurídico, gerando efeitos. Daí, constata-se um diferencial de peso entre os casos citados, que foram objeto de ADI’s, e o aqui

Relator ao Governador do Distrito Federal, ao Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, ao Secretário de Estado de Educação e ao Procurador -Geral do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, para adoção das medidas que entenderem pertinentes com relação ao entendimento ora firmado acerca da incompatibilidade do Art. 15 da Lei n° 4.075/07 com a Lei Maior: II – o retorno dos autos à 4ª Inspetoria, com vistas ao exame dos atos praticados ou que vierem a ser praticados pela Administração, com fundamento nos dispositivos legais objeto do estudo em exame , levando em consideração os aspectos abordados no relatório /voto do Relator e, em especial, a Súmula 347 -STF.

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apreciado: não se tem notícia de questionamentos sobre a

constitucionalidade da lei n° 2.837/2001, tampouco, sobre a legalidade dos atos emanados em decorrência de tal norma, a exemplo da Portaria de 17 de outubro de 2002, seja no âmbito desta Corte de Contas, seja no âmbito do Judiciário local, motivo pelo qual há que se analisar a questão em face do princípio da segurança jurídica, haja vista o extenso lapso temporal decorrido desde a publicação da referida lei (cerca de 9 anos), o que se mostra preponderante no presente caso, não obstante entendimento do Tribunal exarado nos Processos n°s. 492/2002 e 5.528/95, de não se submeter a Corte de Contas, no exercício do controle externo, aos efeitos do artigo 54 da Lei Federal n° 9.784/99, recepcionada no Distrito Federal pela Lei n° 2.834/2001. 55. Ademais, há que se considerar a existência de concessões de aposentadorias e pensões, cuja legalidade, para fins de registro, já foi apreciada pelo Tribunal, a exemplo dos Processos n°s. 5.749/2005, 40.726/2005, 5.529/2007, 1.383/2008, 3.661/2008 e 8.446/2005. 56. Noutra vertente, tem-se que o direito do servidor de se insurgir contra a Portaria de 17 de outubro de 2002, que efetivou a transposição de servidores oriundo da Carreira Administração Pública para a Carreira Atividades Culturais, criada pela Lei n° 2.837/2001, já foi objeto de apreciação pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal, nos autos do Processo n° 150.000.762/2009, consoante parecer n° 2.041/2009-PROPES/PGDF, datado de 14 de outubro de 2009, da lavra do Procurador do Distrito Federal, Antônio Carlos Alencar Carvalho (fls. 71/86). 57. Naqueles autos, a servidora citada nos autos se insurgiu contra o seu enquadramento de técnico de administração pública para técnico de atividades culturais, na forma determinada na Lei n° 2.837/2001. 58. O Parecer n° 2.041/2009-PROPES/PGDF veio assim ementado: “Servidora Pública. Transformação de seu cargo. Inexistência de direito à oposição à medida legislativa. Preservação somente da garantia de irredutibilidade de vencimentos”. 59. O nobre Procurador do DF alegou que a pretensão da autora esbarra em cimentado entendimento jurídico doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico, senão ao respeito da irredutibilidade de seus vencimentos. Sua fundamentação se norteou pela inexistência de direito de propriedade sobre o cargo público, motivo pelo qual a Administração poderia, mediante lei, proceder à transformação de cargos públicos, como sucedeu no caso da interessada, sem que a mesma pudesse se opor à medida legislativa, promovida por

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inspiração no interesse público. Trouxe à baila trechos doutrinários, com destaque para o ensinamento de Hely Lopes Meirelles6 , em razão dos argumentos utilizados para fundamentar a decisão:

Os direitos do titular do cargo restringem-se ao seu exercício, às prerrogativas da função e ao subsídio ou aos vencimentos e vantagens decorrentes da investidura, sem que o servidor tenha propriedade do lugar que ocupa, visto que o cargo é inapropriável pelo servidor. Daí por que a Administração pode suprimir, transformar e alterar os cargos públicos ou serviços independentemente de aquiescência de seu titular, uma vez que o servidor não tem direito adquirido à imutabilidade de suas atribuições, nem a continuidade de suas funções originárias. A lei posterior pode extinguir e alterar cargos e funções de quaisquer titulares – vitalícios, estáveis e instáveis.

60. No que tange a transformação de cargos públicos, concorda ser polêmico o tema na doutrina, motivo pelo qual entende ser necessário verificar, sob a ótica da constitucionalidade da transformação do cargo técnico de administração pública em técnico de atividades culturais, se há efetiva similaridade de atribuições, vencimentos, exigências de concurso público de ingresso, a fim de sentenciar pela conformidade, ou não, do disposto pela Lei Distrital n° 2.837/2001 com a Constituição Federal, sem que, todavia, se possa reconhecer um direito personalíssimo da servidora pública, contudo, à propriedade do cargo anteriormente ocupado, visto que a questão transcende a esfera individual para afetar o caráter geral da medida legislativa realizada. Por fim, conclui:

De todo o exposto, o parecer é no sentido de que a servidora não tem direito a se opor à transformação de cargos operada, visto que não era proprietária do antigo posto administrativo titularizado, cabendo, contudo, na espécie, um juízo pendente quanto à constitucionalidade da medida transformadora verificada, segundo as balizas assentadas na jurisprudência do colendo Supremo Tribunal Federal pela conformidade com a Constituição Federal quando ocorrer similaridade de atribuições, vencimentos, exigências de concurso público de ingresso entre o cargo original e o novel transformado. Grifamos

61. O Procurador-Chefe da PROPES, Luís Augusto Scandiuzzi,

6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 403.

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acrescentou: que ainda não há qualquer manifestação em torno da constitucionalidade da Lei distrital n° 2.837/2001 no âmbito do Poder Judiciário, de sorte que, presumida a sua constitucionalidade, o referido diploma legislativo deve ser devidamente observado pela Administração Pública distrital, a qual, agindo em nome do interesse público, valeu-se da prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico para transformar o cargo de técnico da carreira de Administração Pública em técnico da carreira de Atividades Culturais, com vistas a melhor otimizar a organização administrativa.(Grifamos)

62. Analisando a situação da servidora que requereu o retorno à carreira Administração Pública, nota-se que, de fato, existiu uma similaridade de remunerações, sendo que, inicialmente, houve um ganho financeiro para a servidora, que, no entanto, veio a modificar com o decorrer do tempo, o que se verifica comparando-se os valores percebidos àquela época com a remuneração de fevereiro de 2010 (fls. 112/114). Numa breve comparação, temos:

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Obs: A Lei n° 4.413/2009 reajustou a tabela de vencimentos da carreira Atividades Culturais, a contar de março/2010.

63. Ao que parece, os efeitos favoráveis da TRANSPOSIÇÃO aos destinatários somente vieram a repercutir de forma inversa após o decurso de 5 anos, o que talvez tenha motivado o pleito da servidora Eliana Maria da Silva Amaral, motivo pelo qual o Procurador-Chefe da PROPES, ao aprovar o referido parecer, recomendou o indeferimento do pedido da técnica de atividades culturais, senteciando:

Na espécie, ainda que se cogitasse de eventual direito da requerente em manter-se na carreira transformada, é forçoso reconhecer, nos termos do art. 1° do Decreto 20.910/32 e art. 110, I, da Lei n° 8.112/90, a ocorrência da prescrição do fundo de direito, porquanto já transcorreram mais de 5 (cinco) anos da publicação da Portaria de 17 de outubro de 2002 (fl. 2) do DODF n° 250, de 30/12/2002, instrumento normativo de efeito concreto que efetuou a transformação contra a qual se opõe a servidora (...)

64. Embora não se trate de mudança de regime jurídico, como defendeu a PRG-DF, haja vista que os servidores já se encontravam sob o regime jurídico de regência da Lei n° 8.112/90 (estatutário) em ambas as carreiras, tampouco de “transformação de cargos”, vez que restou configurada a transposição de cargos de uma carreira para outra, verifica-se a existência de um conflito de interesses traduzido no confronto entre os Princípios da Segurança Jurídica e da Legalidade. 65. Ensina José dos Santos Carvalho Filho7 , ao fazer referência à doutrina moderna, que:

Os princípios... não se excluem do ordenamento jurídico na hipótese de conflito: dotados de determinado valor ou razão, o conflito entre eles admite a adoção do critério da ponderação de valores (ou ponderação de interesses), vale dizer, deverá o intérprete averiguar a qual deles, na hipótese sub examine, será atribuído grau de preponderância. Não há, porém, nulificação do princípio postergado; este, em outra hipótese e mediante nova ponderação de valores, poderá ser o preponderante, afastando-se o outro princípio em conflito. (Grifamos)

66. Nestes autos, entende-se que seja razoável prevalecer o Princípio da Segurança Jurídica sobre o da Legalidade, tendo em conta que, não seria de bom alvitre o Tribunal de Contas exigir medida corretiva de

7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito administrativo. 21 ed. Rio de Janeiro :Lumin juris, 2009, p. 18.

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ato emanado da Administração, na forma da Portaria de 17 de outubro de 2002, que teve como supedâneo a Lei n° 2.837/2001, publicada a quase 9 (nove) anos. 67.Ainda em defesa da reestruturação de carreiras levada a efeito pela Lei n° 2.837/2001, acrescente-se que, regra geral, manteve-se uma similaridade entre os cargos. A carreira Administração Pública criada na tabela de pessoal da extinta Fundação Cultural pela Lei n° 86, de 29/12/89, era composta pelos empregos de Analista de Administração Pública, Técnico de Administração Pública e Auxiliar de Administração Pública, respectivamente de níveis superior, médio e básico, com as seguintes categorias funcionais:

68. Com a extinção da Fundação Cultural (Lei n° 2.294/99), os servidores ocupantes de cargos efetivos passaram a integrar o Quadro de Pessoal do DF, permanecendo em seus respectivos cargos e carreiras e com lotação, inicial, na Secretaria de Cultura do DF, sem quaisquer prejuízos (art. 9° do Decreto n° 20.264/99 – fls. 47/48). Quanto aos inativos, passaram a integrar o Quadro de Inativos e Pensionistas da Secretaria de Administração, permanecendo em seus respectivos cargos e

carreiras, consoante artigo 10° do referido decreto. Portanto, manteve-se no âmbito da Secretaria de Cultura, duas carreiras, Administração Pública e Atividades Culturais. 69. Com a edição da Lei n° 2.837/2001, em que pese a criação de uma carreira única ATIVIDADES CULTURAIS, os cargos foram definidos por área de competência, inclusive com ampliação de especialidades para a área de competência Administração Geral, como ocorreu no caso de

Em pr eg o C a te go ria Fun c io na l

Bi b l i o tec á ri o

En fer mei r o

En ge n h ei ro

Es ta tí s ti co

Age n te Ad m i n i s tr a ti vo

Age n te Ad mi n i s tr a tiv o Au xi l i a r

Ar tí fi c e d e M ecâ n i ca

O u tro s

Age n te d e C o n s er va çã o e L im p eza

Au xi l i a r d e Artíf i ce

Ag en te d e P o rta r i a

O u tro s

An a lis ta d e A d m in ist r ação P ú b lic a

T é cn ico d e A d m in is t raç ão P ú b lic a

A u xi liar d e A d m in is tr aç ão P ú b l ica

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analista de atividades culturais, por exemplo:

70. Não seria demais inferir que, a ampliação das especialidades na nova carreira teve por objetivo abarcar tanto os servidores oriundos da Carreira Administração Pública, regidos pela Lei n° 86/89, assim como os servidores oriundos da Carreira Administração Pública, regidos pela Lei n° 51/89, de forma que o aproveitamento de tais servidores, que se encontravam lotados e em exercício na Secretaria de Cultura, quando da publicação da Lei n° 2.837/2001, não tenha trazido consequências graves aos servidores e ao erário, dada a similaridade de remunerações (época da transposição), atribuições e requisitos exigidos para ingresso nos cargos, consoante se observa nas Portarias n°s. 63, de 20/04/2005 e 25, de 02/02/2006 (fls. 55/69). 71. Quanto à remuneração dos cargos da carreira Atividades Culturais, vale destacar o contexto em que foram concedidas as gratificações constantes da Lei n° 2.837/2001:

1. GAC – Gratificação de atividade Cultural: foi concedida a todos os servidores da nova carreira; 2. GARE – Gratificação de Apoio à Realização de Espetáculos: exclusiva aos servidores da Carreira Atividades Culturais, que exerciam atividades de apoio à realização de espetáculos em horários diferenciados, finais de semana e feriados; 3. GADM – Gratificação de Atividade Administrativa, devida aos servidores que desempenhavam atividades administrativas.

72. Os parágrafos 1° e 2° do artigo 6° da Lei ainda previam em relação à GARE e GADM:

§ 1° As gratificações de que tratam os incisos II e III poderão ser concedidas aos servidores da carreira Administração Pública do Distrito Federal, lotados e em exercício na Secretaria de Estado de

C AR G O Á REA D E CO M P E TÊN CIA E SP E CIA L ID AD ES

Arqueologia

Artes Cênicas

Artes Plásti cas

Museologia

Admi nistrador

Anal ista de Sis temas

Arquiteto

Bibl iotecári o

Comunicacão/Jornalis mo

Contador

Economista

Engenheiro Civil/El étrico

Estatístico

Letras

Médico

Administração Geral

Analista de Atividades Culturais

CARREIRA - AT IVIDADES CULT URAIS - Lei n 2 .837/2001

Atividade Cênica

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Cultura, observados os respectivos critérios de concessão e a disponibilidade orçamentária. § 2°É vedada a percepção concomitante das gratificações de que tratam os incisos II e III deste artigo.

73. p ara os servidores da área de ADMINISTRAÇÃO GERAL, poderia ser considerada uma forma de manter diferenciação entre os servidores provenientes da carreira Atividades Culturais (Lei n°86/89) e os servidores provenientes da carreira Administração Pública (tanto da Lei n° 86/89, quanto da Lei n° 51/89), no entanto, em que pese a vedação de percepção concomitante de ambas gratificações, não se constou dispositivo vedando a percepção de GARE, por exemplo, para os servidores provenientes da carreira Administração Pública, ainda que oriundos da carreira regida pela Lei n° 51/89, posto que a própria Lei n° 2.837/2001 permitia a percepção de tais gratificações por servidores da Carreira Administração Pública do DF (“Carreirão”), porventura lotados e em exercício na Secretaria de Cultura (§ 1° do artigo 6°). 74. De qualquer sorte, a Lei n° 4.413, de 15 de outubro de 2009, trouxe algumas inovações no que diz respeito às gratificações da Carreira Atividades Culturais:

Art. 2° A Gratificação de Apoio à Realização de Espetáculo – GARE, instituída pela Lei n° 334, de 15 de outubro de 1992, passa a denominar-se Gratificação de Apoio à Realização de Eventos Culturais – GARE, e terá seu percentual elevado, a contar de 1° de março de 2010, para 190% (cento e noventa por cento). Parágrafo único. A gratificação de que trata o caput é devida, exclusivamente, aos integrantes da carreira Atividades Culturais que exerçam atividades de apoio à realização de eventos culturais e que trabalhem em finais de semana e feriados. Art. 3° A Gratificação de Atividade Administrativa – GADM, instituída pela Lei n° 2.837, de 13 de dezembro de 2001, terá seu percentual elevado, a contar de 1° de março de 2010, para 144% (cento e quarenta e quatro por cento). Art. 4° É vedada a percepção concomitante das gratificações de que tratam os arts. 2° e 3° desta Lei. Art. 5° Fica extinta, a contar de 1° de março de 2010, a Gratificação de Atividade Cultural – GAC. Art. 6° É vedada a percepção das gratificações de que tratam os arts. 2° e 3° desta Lei por servidor ou empregado que não integre a carreira Atividades Culturais do Distrito Federal.

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§ 1° O servidor que, na data de publicação desta Lei, estiver recebendo gratificação prevista em seus arts. 2° ou 3°, em desacordo com o que determina o caput, terá o valor percebido a esse título transformado em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada – VPNI, a qual será mantida enquanto perdurar a condição de trabalho específica que, originalmente, deu ensejo à concessão da gratificação. § 2° A VPNI a que se refere o parágrafo anterior será atualizada, exclusivamente, pelos índices gerais de reajuste dos servidores públicos distritais.

75. Dessa forma, os servidores atualmente pertencentes à carreira Administração Pública (Carreirão), lotados e em exercício na Secretaria de Cultura, que percebem as gratificações, GARE e GADM em consonância com o § 1° do artigo 6° da Lei n° 2.837/2001, deixaram de percebê-la a partir da publicação da Lei n° 4.413/2009. Certamente que tal dispositivo não se refere aos servidores que se encontravam lotados e em exercício naquela Secretaria à época da edição da Lei n° 2.837/2001, posto que estes já foram, de fato, transpostos para a Carreira Atividades Culturais, integrando a referida carreira antes do advento da Lei 4.413/2009. Causas apontadas 76. Os critérios que foram adotados pela Secretaria de Cultura para efetivar a transposição de servidores ativos da Carreira Administração Pública (Lei n° 51/89) para a Carreira Atividades Culturais (Lei n° 2.837/2001), bem como a manutenção dos servidores aposentados e beneficiários de pensão (de servidores) oriundos da Carreira Administração Pública (Lei n° 51/89), na sua folha de pagamento, com alteração de proventos e estipêndios pensionais, decorrem de autorização constante na referida Lei n° 2.837/2001 e de interpretações dadas à Portaria n° 47/2002 e ao Decreto n° 23.212/2002. 77. Desta feita, aponta-se como causa principal da situação encontrada na SEC a inexistência de questionamentos acerca da constitucionalidade da Lei n° 2.837/2001, tampouco da legalidade da Portaria de 17 de outubro de 2002, publicada no DODF n° 250, de 30/12/2002.

Efeitos

78. A falta de observância por parte da Secretaria de Cultura, de critérios padronizados, acerca da interpretação da legislação que permitiu a transposição de servidores da Carreira Administração Pública (SGA), no que concerne ao provimento dos cargos da Carreira

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Atividades Culturais criados pela Lei n° 2.837/2001 (SEC), tem como maior efeito à manutenção de um quadro de servidores inativos e beneficiários de pensão percebendo como se integrantes da Carreira Atividades Culturais, sem, no entanto, constar documentos comprobatórios de transposição de tais servidores e instituidores de pensão para a referida carreira, a exemplo do que ocorreu na Portaria de 17 de outubro de 2002. CONCLUSÃO 79. Mediante autorização constante da Decisão n° 7684/2009, nos autos do Processo n° 2.980/95, esta Inspetoria procedeu ao levantamento de todas as transposições de servidores regidos pela Lei n° 51/89, realizadas pela Secretaria de Cultura, apenas em razão da lotação, em face da Lei n° 2.837/2001. Encerrados os trabalhos fiscalizatórios, conclui-se que as transposições de servidores ativos, provenientes da Carreira Administração Pública (regidos pela Lei n° 51/89), lotados e em exercício naquela secretaria, para a Carreira Atividades Culturais, na forma prevista no artigo 1°, § 1°, da Lei n° 2.837/2001 são aquelas constantes da Portaria de 17 de outubro de 2002, publicada no DODF n° 250, de 30 de dezembro de 2001. 80. Entende-se que os dispositivos da Lei n° 2.837/2001, que viabilizaram a transposição em questão, não guardam conformidade com o disposto nos arts. 37, inciso II, da Constituição Federal e 19, inciso II, da Lei Orgânica do Distrito Federal. 81. Entretanto, ante a inexistência de manifestação acerca da inconstitucionalidade da Lei distrital n° 2.837/2001 no âmbito do Poder Judiciário, de sorte que, presumida a sua constitucionalidade, o referido diploma legislativo deve ser observado pela Administração Pública distrital, a qual, agindo em nome do interesse público, valeu-se da prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico para efetivar a transposição dos servidores ocupantes de cargos da carreira de Administração Pública para os cargos criados na carreira de Atividades Culturais. Desta feita, entende-se que a Secretaria de Cultura esteve legalmente amparada para a edição da Portaria de 17 de outubro de 2002, consoante autorização constante na referida Lei n° 2.837/2001. 82. Ademais, uma vez consolidada a situação dos servidores pelo transcurso de cerca de 9 anos, entende-se desaconselhável sua desconstituição, haja vista que seu desfazimento poderá não acarretar benefício para a Administração Pública; ao contrário, acarretar-lhe-ia possível prejuízo, na medida em que os servidores, que bem desempenharam as atribuições dos cargos da Carreira Atividades Culturais (e assim permaneceriam, ante a inexistência de servidores

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concursados para o quadro específico da carreira), estariam amparados para pleitear, no âmbito do Judiciário, diferenças salariais decorrentes do retorno aos cargos da Carreira Administração Pública, com supedâneo em decisão proferida pela Corte de Contas, ao menos referente ao período em que os valores percebidos pelos cargos da Carreira Atividades Culturais foram inferiores aos percebidos pelos cargos de provimento inicial da Carreira Administração Pública, respeitada a prescrição quinquenal. 83. Razão pela qual, em caráter excepcional e em homenagem à estabilidade das relações jurídicas havidas em decorrência da Portaria de 17 de outubro de 2002, que teve como espeque a Lei n° 2.837/2001, manifesta-se esta unidade técnica no sentido de que o Tribunal considere a possibilidade de mantença dos servidores da Carreira Atividades Culturais, transpostos da carreira Administração Pública (Lei n° 51/89), no quadro de servidores da Secretaria de Estado de Cultura, bem como passíveis de registro os atos de concessões de aposentadorias e pensões de tais servidores, já deferidas ou a serem deferidas na forma da lei, com fundamento no Princípio da Segurança Jurídica, como alternativa para mitigar os efeitos de uma decretação de inconstitucionalidade da Lei n° 2.837/2001, editada há quase 9 anos. 84. Conclui-se, ainda, pela necessidade de se averiguar a situação funcional dos servidores inativos e beneficiários de pensão da carreira Administração Pública que, embora não constem da Portaria de 17 de outubro 2002, passaram a perceber pela Secretaria de Cultura, em face da Lei n° 2.837/2001, proventos e estipêndios pensionais calculados com base nos cargos da Carreira Atividades Culturais, como se transpostos fossem (Quadros II e III, fls. 18 e 19, enviados ao Tribunal por meio do Ofício n° 035/2010-GRH-UAG-SEC), adotando as medidas cabíveis de forma a regularizar tal situação.

5. PROPOSIÇÕES

85. Pelo exposto, sugere-se: I. tomar conhecimento do resultado da presente inspeção, bem como dos documentos de fls. 7/117; II. considerar, em caráter excepcional, a possibilidade de mantença dos servidores da Carreira Atividades Culturais, transpostos da carreira Administração Pública (Lei n° 51/89), por meio da Portaria de 17 de outubro de 2002, editada sob à égide da Lei n° 2.837/2001, no quadro de servidores da Secretaria de Estado de Cultura, em face do princípio da segurança jurídica, e, de consequência, passíveis de registro os

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atos de concessões de aposentadorias e pensões de tais servidores, já deferidas ou a serem deferidas na forma da lei; III. determinar à Secretaria de Estado de Cultura do DF que, no prazo de 60 (sessenta) dias, adote as seguintes providências, o que será objeto de futura auditoria: averiguar a situação funcional dos inativos e beneficiários de pensão, de servidores da carreira Administração Pública, relacionados nos Quadros II e III, enviados ao Tribunal por meio do Ofício n° 035/2010-GRH-UAG-SEC, que se encontravam lotados na Secretaria de Cultura do DF e que, embora não incluídos na Portaria de 17 de outubro de 2002, passaram a perceber proventos e estipêndios pensionais com base nos cargos da carreira Atividades Culturais, como se transpostos fossem, em face do comando trazido pelo artigo 10 da Lei n° 2.837/2001, adotando as medidas cabíveis de forma a regularizar tal situação; IV. autorizar a remessa de cópia do presente relatório à Secretaria de Cultura do DF para subsidiar a adoção das providências indicadas no item III, bem como a 4ª ICE a proceder o arquivamento dos autos.

Em parecer divergente, o Ministério Público de Contas alinhou os seguintes argumentos:

5. Não obstante o detalhado e bem elaborado trabalho, não pode este parquet concordar com a conclusão alcançada. Para o caso, não se verifica excepcionalidade suficiente que justifique o afastamento por completo do princípio da legalidade. Ademais o princípio da isonomia e impessoalidade devem ser considerados. Esta matéria não é nova neste egrégio Tribunal. Por diversas oportunidades a administração pública distrital adotou mesmas práticas ora discutidas, ou seja, servidores pertencentes à carreira de Administração Pública, lotados em órgãos específicos, conseguem a titularização na estrutura que trabalhavam. Cito aqui, para bem ilustrar a questão jurídica posta, os termos do Processo n° 828/01, a respeito da carreira de apoio às Atividades Jurídicas da Procuradoria do DF. Relevo destacar que nestes autos houve a atuação dos atuais membros deste MPC/DF, todos na mesma linha da transposição irregular/ilegal/inconstitucional. Para bem detalhar o entendimento, peço licença para transcrever partes do parecer 905/03-MF:

4. A douta Inspetoria, ao analisar as razões e justificativas apresentadas pelos jurisdicionados (fl. 82/100), afastou, com

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propriedade, todos os argumentos oferecidos, concluindo, ao final, pela desconformidade dos artigos 8° e 9°, da Lei n° 2.715/01, em relação ao disposto nos artigos 37, inciso II, da CRFB, e 19, inciso II, da LODF, no que concerne à transposição, para a Carreira Apoio às Atividades Jurídicas, dos servidores vinculados às Carreiras Administração Pública do Distrito Federal e Assistência Pública em Serviços Sociais, lotados na Procuradoria-Geral do Distrito Federal até 30.4.01. (...) 6. O Parquet, então representado pela ilustre Procuradora Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, posicionou-se em harmonia com o zeloso corpo técnico (...) 11. Considerando que as Carreiras Administração Pública e Assistência Pública em Serviços Sociais não foram extintas, os servidores “aproveitados” para a Carreira Apoio às Atividades Jurídicas foram favorecidos, tão-somente, por critérios “newtonianos”, ou seja, estavam no lugar certo (espaço) e na hora certa (tempo). 12.Quanto ao impedimento constitucional às formas derivadas de provimento em cargos públicos, matéria já bem explorada pela douta Inspetoria, vale trazer à colação excerto do voto proferido pelo Exm °Sr. Ministro e atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Dr. Maurício Corrêa, no julgamento do RE n° 167635/PA, publicado no DJ de 7.2.97: (...) 1.1. O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, indispensável para o cargo ou emprego isolado ou de carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o de carreira, só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subsequentes que nela se escalonam até seu final, pois, para estes, a investidura se dará pela forma de provimento que é a "promoção". 1.2. Estão banidas, pois, as formas de investidura antes admitidas - ascensão e transferência -, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso. 1.3. O preceito constitucional inserto no art. 37, II, não permite o "aproveitamento", uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra carreira, sem o concurso público exigido.

6. A decisão do TCDF n° 3506/2003 foi neste exato sentido:

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II - julgar procedente a Representação n° 09/2001-JUJF (fls. 1 a 4); III - considerar que não guardam conformidade com o art. 37, II, da Constituição Federal nem com o art. 19, II, da Lei Orgânica do Distrito Federal, os arts. 8° e 9°, da Lei – DF n° 2.715, de 1°/6/01, os quais integraram na Carreira Apoio às Atividades Jurídicas, sem aprovação em prévio concurso público, servidores originários das Carreiras Administração Pública do Distrito Federal e Assistência Pública em Serviços Sociais lotados na Procuradoria-Geral do Distrito Federal até 30 de abril de 2001; IV - com base na Súmula n° 347 - S.T.F., considerar ilegais os atos de apostilamento praticados pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal e pela Secretaria de Gestão Administrativa do Distrito Federal, em decorrência daquela norma, tendo em conta as movimentações de pessoal dos seguintes servidores ativos/inativos/pensionistas, bem como, eventualmente, de outras porventura efetuadas (...)

7. O benefício da transposição — pois não se trata de adequação ou racionalização do quadro de servidores — reputa-se inconstitucional uma vez que só contempla os servidores da Carreira de Administração Pública lotados na SEC, o que revela favorecimento pessoal em detrimento dos outros ocupantes da referida carreira, o que em nada atende ao interesse público, mas, ao contrário, fere o princípio da isonomia e da impessoalidade na medida em que deixa de optar pela realização do concurso público, que é a via eleita pela Constituição, adequada ao atendimento dos interesses do órgão, que em análise última deve representar o interesse da coletividade. 8. Como se é sabido, para efeito da transformação de cargos, exige-se a presença dos seguintes aspectos: I) similitude de atribuições entre anterior e nova carreira; II) mesmos níveis de escolaridade; III) remunerações anterior e nova em padrões assemelhados; IV) extinção da carreira anterior; e V) interesse público. Desta forma, apresenta-se inócua a medida adotada pela Administração, pois não haveria que prosperar os argumentos em prol da racionalização e eficiência, ou ainda, em atendimento ao interesse público. 9. Por fim, resta concluir que os servidores que ingressaram na CAP (Administração Pública), e a sua transposição à nova carreira (Atividades Culturais) dá-se ao arrepio da legalidade, visto que se funda em norma inconstitucional, transgredindo-se a regra do concurso público que é a ferramenta por excelência disponível à melhor escolha, baseada no sistema meritório. 10. Não há na visão deste MPC, para o caso concreto, fato consumado,

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segurança jurídica, ou estabilidade das relações em favor da possibilidade da efetivação da transposição. A presunção de constitucionalidade esbarra na separação das instâncias e na competência do TCDF para apreciar a constitucionalidade de atos submetidos à sua jurisdição. A Portaria de 17/10/2002, bem como a Lei n° 1837/2001, em seus artigos específicos - operacionalização de transposição para a nova carreira (Atividades Culturais) - são inconstitucionais porque em desconformidade com os princípios da isonomia, da impessoalidade e ofensa à exigência do concurso público. 11. A situação consumada, na verdade, é a de que os servidores exercem o seu ofício de acordo com as normas atinentes à Carreira de Administração Pública, devendo a ela continuar vinculados, em obediência à legalidade. Se acaso há desvio de função, a solução do problema deve ser outra, ou seja, o retorno imediato à carreira para a qual foram inicialmente lotados, e não primar por perpetuar da ilegalidade.

É o relatório.

VOTO

Em sede de preliminar, cumpre destacar o que prevê a Lei n° 2.837/2001-DF:

Art. 1° Fica incluída no Quadro de Pessoal do Distrito Federal a carreira Atividades Culturais, integrada por cargos originários das carreiras Atividades Culturais e Administração Pública, de que tratam as Leis n° 86, de 29 de dezembro de 1989, e n° 51, de 13 de novembro de 1989, composta pelos cargos de Analista de Atividades Culturais, de nível superior, Técnico de Atividades Culturais, de nível médio, e Auxiliar de Atividades Culturais, de nível básico, estruturados em classes e padrões na forma dos Anexos I e II. § 1° O disposto no caput, no que se refere à Lei n° 51, de 13 de novembro de 1989, restringe-se aos cargos ocupados pelos servidores que se encontram lotados e em exercício na Secretaria de Estado de Cultura. § 2°A reorganização das carreiras de que trata o caput dar-se-á sem prejuízo da situação funcional dos atuais integrantes e mantidas as respectivas atribuições funcionais. Art. 2° Os cargos da Carreira Atividades Culturais são definidos por área de competência e desdobrados segundo as especialidades indicadas no Anexo III desta Lei.

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§ 1° Para os fins do disposto no caput, são as seguintes as áreas de competência: I – atividade cênica; II – administração geral. Art. 10. Aplica-se o disposto nesta Lei aos aposentados e beneficiários de pensão, oriundos das mencionadas carreiras.

Verifico que o diploma legal em tela estatuiu que a Carreira Atividades Culturais, por ele disciplinada, será integrada por cargos originários das Carreiras Atividades Culturais e Administração Pública, de que tratam as Leis n°s 86/89 e 51/89, respectivamente.

E foi além. Determinou que não houvesse prejuízo da situação funcional dos integrantes das mencionadas carreiras, lotados e em exercício na Secretaria de Estado de Cultura, bem como que fossem mantidas as respectivas atribuições funcionais.

Esta realidade, a meu juízo e com a devida vênia dos que pensam em contrário, sinaliza que estamos diante da hipótese de redistribuição e não de transposição como entendem a Unidade Técnica e o Órgão Ministerial, vez que não foi o servidor que deixou um cargo para ingressar em outro sem o devido concurso público (transposição), mas o cargo (ocupado) que se deslocou de uma carreira para outra dentro do mesmo poder, conforme prevê o art. 37 da lei 8112/90, com a redação aplicável ao Distrito Federal.

Em caso semelhante, na condição de Revisor, no Processo n° 6.390/95 afirmei:

Com relação à questão da “transposição” para a Carreira Apoio às Atividades Policiais Civis, lamento ter que discordar do posicionamento adotado, em harmonia, pelo Relator e pela Revisora, em razão dos seguintes fundamentos:

a) Lei n° 783, de 26 de outubro de 1994, realmente estabeleceu, em seus artigos 9° e 10, que os titulares de cargos efetivos do quadro de pessoal do Distrito Federal e dos quadros de pessoal dos órgãos relativamente autônomos, das autarquias e das fundações públicas do Distrito Federal seriam transpostos para os cargos da Carreira Apoio às Atividades Policiais Civis do Distrito Federal;

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b) não resta dúvida que o instituto da transposição, por permitir provimento derivado de cargo público, ofende ao princípio consagrado no inciso II do art. 37 da Constituição Federal, que exige a aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, razão pela qual o Supremo Tribunal Federal, na ADIn n° 1230/DF, Relator Ministro Ilmar Galvão, declarou, por maioria, a inconstitucionalidade do “art. 9°, cabeça e parágrafo único, e art. 10 da Lei n° 783, de 26 de outubro de 1994”; c) inclusive, a Procuradora do Distrito Federal, Dra. Alessandra Très e Silva R. Coelho, no Parecer n° 3.870/93-PGR/DF, ao analisar o anteprojeto que deu origem à Lei n° 783/94, assim se manifestou: (...) 18. – Nesse sentido já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, ao suspender, liminarmente, a aplicação de dispositivos legais que previam formas de provimento derivado ( Ações Diretas de Inconstitucionalidade n°s 887-4/DF, 231 e 246, além do Recurso em Mandado de Segurança n° 1.676-6/BA, dentre outros). 19. – Assim, não se podendo cogitar da utilização da figura do “aproveitamento”, a única forma de se viabilizar a aplicação do dispositivo legal em questão, do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal, seria que o anteprojeto de lei contemplasse não a “opção pela transposição” – conforme consta das minutas elaboradas pela SSP e pela SEA – mas sim a “redistribuição” dos servidores. 20. – É que a transposição tampouco é figura que encontra amparo constitucional. Trata-se, na verdade, de hipótese aonde se reserva cargo público a quem já é servidor público, cargo esse que deveria ser disputado em concurso público, conforme previsto na Constituição Federal. 21. - Já a redistribuição, como bem observa Celso Antônio Bandeira de Mello, em “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros Editores, 4ª edição, pag. 152, “NÃO É FORMA DE PROVIMENTO. O cargo ocupado pelo servidor é deslocado para outro quadro, e este o acompanha.” 22. – A figura da redistribuição vem assim definida pelo artigo 37, da Lei n° 8.112/90: Art. 37 Redistribuição é o deslocamento do servidor, com respectivo cargo, para o quadro de pessoal de outro órgão ou

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entidade do mesmo Poder, observados a vinculação entre os graus de complexidade e responsabilidade, a correlação entre os vencimentos e o interesse da administração, com prévia apreciação do órgão central de pessoal. § 1° A redistribuição dar-se-á exclusivamente para ajustamento de quadros de pessoal às necessidades dos serviços, inclusive no caso de reorganização, extinção ou criação de órgão ou entidade. (grifou-se) 23. – Ressalta-se, mais uma vez, que, na redistribuição, o próprio cargo do servidor o acompanha para o local aonde será redistribuído. Portanto, não há vacância de um cargo, pois o servidor não muda de cargo em momento algum. d) em consequência desse decisum da Magna Corte e do disposto o art. 9° do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal, que prevê a criação da Carreira Apoio às Atividades Policiais Civis, foi aprovada no âmbito distrital a Lei n° 1.370, de 6 de janeiro de 1997; e) a Lei n° 1.370, de 6 de janeiro de 1997, assim dispôs em seu art. 4°, verbis: Art. 4° Fica o Poder Executivo autorizado a redistribuir os titulares de cargos efetivos do Quadro de Pessoal do Distrito Federal e dos quadros de pessoal dos órgãos relativamente autônomos, das autarquias e das fundações públicas do Distrito Federal para a Carreira Apoio às Atividades Policiais, criada pela Lei n° 783, de 26 de outubro de 1994, desde que se encontrassem, em 1o julho de 1996, lotados e em exercício em órgãos integrantes da estrutura da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Civil do Distrito Federal. (negritei). f) note-se que ao contrário de utilizar-se do instituto da transposição, cuja inconstitucionalidade já havia sido declarada pelo STF, a Lei n° 1.370, de 06 de janeiro de 1997, fez uso do instituto da redistribuição para preencher o quadro de pessoal da Carreira Apoio às Atividades Policiais Civis criada pela Lei n° 783/94. g) a definição do instituto da redistribuição está prevista no art. 37 da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, recepcionada no âmbito do Distrito Federal pela Lei n° 197/91,a seguir transcrito: Art. 37 Redistribuição é o deslocamento de cargo de provimento efetivo, ocupado ou vago no âmbito do quadro geral de pessoal, para outro órgão ou entidade do mesmo Poder, com prévia apreciação do órgão central do SIPEC,

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observados os seguintes preceitos: I – interesse da administração; II – equivalência de vencimentos; III – manutenção da essência das atribuições do cargo; IV - vinculação entre os graus de responsabilidade e complexidade das atividades; V – mesmo nível de escolaridade, especialidade ou habilitação profissional; VI – compatibilidade entre as atribuições do cargo e as finalidades institucionais do órgão ou entidade; (...) h) existe uma grande diferença entre os institutos da transposição e da redistribuição. Na transposição o servidor deixa de ocupar um cargo em uma carreira e passa a ocupar cargo diferente em outra carreira. Na redistribuição o cargo, vago ou ocupado, é que se movimenta de uma carreira para outra, dentro do mesmo Poder, atendidos os demais requisitos previstos no artigo 37 da Lei n° 8.112/90. A transposição representa um provimento derivado de cargo público, razão pela qual foi declarada inconstitucional pelo STF, o que não ocorre com a redistribuição. i) a redistribuição efetuada nos termos da Lei n° 1.370, de 06 de janeiro de 1997, regulamentada pelo Decreto n° 21.889, de 29 de dezembro de 2000, atendeu aos requisitos previstos no artigo 37 da Lei n° 8.112/90, uma vez que os servidores continuaram a perceber a mesma remuneração que recebiam quando em exercício na carreira de origem, o cargo permaneceu com o mesmo nível de escolaridade, as novas funções são de complexidade idêntica às anteriormente exercidas, e foi operada entre carreiras do mesmo Poder.

Portanto, os atos de redistribuição dos cargos do quadro de pessoal do Distrito Federal e dos quadros de pessoal dos órgãos relativamente autônomos, das autarquias e das fundações públicas do Distrito Federal para a Carreira Apoio às Atividades Policiais Civis, operacionalizados com fulcro na Lei n° 1.370, de 06 de janeiro de 1997, e no Decreto n° 21.889, de 29 de Dezembro de 2000, guardam total harmonia com a legislação vigente e não representam burla à regra insculpida no inciso II do art. 37 da Constituição Federal, haja vista não ter ocorrido provimento derivado de cargo público. Em diversos acórdãos o Superior Tribunal de Justiça – STJ vem reconhecendo a vigência do instituto da redistribuição:

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Acórdão RESP 207863 / DF ; Recurso Especial- 1999/0022596-1 Fonte - DJ Data:28/06/1999 PG:00149 Relator - Min. Edson Vidigal (1074) Ementa: Administrativo. Servidor público. Procurador autárquico do extinto INAMPS. Redistribuição para o quadro de pessoal do INSS. Lei n°8.689/93. Direito líquido e certo. Ofício-Circular n° 24/95-MARE. 1. Os servidores efetivos do extinto INAMPS passaram a integrar o Quadro de Pessoal do Ministério da Saúde, sendo-lhes garantido, por meio de opção, a redistribuição para o Ministério da Previdência Social, ou qualquer outro órgão federal. 2. Não pode a Administração Pública obstar a opção de redistribuição, através de norma circular inferior, se restar comprovado que o servidor preencheu todos os requisitos legais exigidos, tendo inclusive recebido parecer favorável, a comprovar o interesse público. 3. Recurso não conhecido. Data da Decisão - 25/05/1999 Órgão Julgador - T5 - Quinta Turma Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do Recurso. Votaram com o Relator, os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e José Arnaldo. (...)

Acórdão RESP 123704 / MG ; Recurso Especial- 1997/0018204-5 Fonte - DJ data: 25/09/2000 PG:00145 Relator - Min. Vicente Leal (1103) Ementa: Recurso especial. Agentes de inspeção do trabalho oriundos das DRT's. Gratificação de estímulo à fiscalização e à arrecadação. Isonomia. Impossibilidade. Adiantamento do PCCS. Lei n° 7.686/88. - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem proclamado não ser devida aos Agentes de Inspeção do Trabalho redistribuídos das DRT'S para órgãos do INSS a percepção da GEFA no mesmo percentual assegurado aos

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Fiscais de Contribuição Previdenciária, requerida à título de isonomia. - O adiantamento do PCCS somente é devido aos servidores e pensionistas da Previdência Social que a ele fariam jus na data da vigência da vigência da Lei n° 7686/88, e, por isso, não pode ser estendido aos servidores transferidos posteriormente para o quadro funcional do INSS. - Recurso especial não conhecido. Data da Decisão - 12/09/2000 Órgão Julgador - T6 - Sexta Turma Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Hamilton Carvalhido e Fontes de Alencar. Ausente, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson.”

Acórdão MS 165/DF; Mandado de Segurança - 1989/0008729-0 Fonte - DJ Data: 19/03/1990 PG:01930 - RSTJ VOL.: 00009 PG: 00197 Relator - Min. Adhemar Maciel (1099) Relator p/ Acórdão - Min. Amércio Luz (0272) Ementa: Administrativo. Assistentes jurídicos do Ministério da Cultura. Redistribuição determinada por instrução normativa baixada pelo então Ministro Chefe da Secretaria de Administração Publica da Presidência da Republica. Consumada a redistribuição dos servidores por atos jurídicos perfeitos, ilegal a sua anulação pela autoridade impetrada (Portaria n°376, de 09-03-89 – DJ de 10-03-89). Rejeitada a preliminar pertinente ao conhecimento da impetração. Segurança concedida. Data da Decisão - 13/02/1990 Órgão Julgador - S1 – Primeira Seção Decisão: por maioria, conceder o mandado de segurança.

Este posicionamento foi vencedor, como certifica a Decisão n° 2.760/2003, editada com o seguinte teor:

O Tribunal, por maioria, de acordo com o voto do 2° Revisor,

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Conselheiro Renato Rainha, com o qual concorda a 1ª Revisora, Conselheira Marli Vinhadeli, decidiu:

I – conhecer do requerimento apresentado pelo servidor citado (fls. 921/941) como se Pedido de Revisão fosse; II – considerar procedentes, no mérito, os recursos interpostos, tendo em conta o Enunciado de Súmula n° 82 deste Tribunal, revendo, por conseguinte, as Decisões n°s 4118/97 e 173/02, para tolerar, excepcionalmente, os procedimentos de nomeação para o cargo de Técnico de Administração Pública dos candidatos habilitados no Concurso Público de que trata o Edital n° 054/90 – IDR, na especialidade II – Motorista; III – considerar que os atos de redistribuição dos cargos da Carreira de Administração Pública do Distrito Federal para a Carreira Apoio às Atividades Policiais Civis do Distrito Federal, operacionalizados com fulcro no art. 4° da Lei n° 1.370, de 06 de janeiro de 1997, e no Decreto n° 21.889, de 29 de dezembro de 2000, não configuram burla ao preceito estatuído no inciso II do artigo 37 da Constituição Federal; IV - autorizar a formação de autos apartados para que se examine se as Leis n°s 2.789/2001 e 3.121/2002 guardam conformidade com a Constituição Federal e com a Lei Orgânica do Distrito Federal.

Como bem destacou a Unidade Técnica, nos autos do Processo n° 10022/08, igualmente na condição de Revisor, reiterei o entendimento que venho de reproduzir, nos seguintes termos:

Pedi vistas dos autos para melhor analisar o teor do artigo 8° da Lei n° 4.082/2008 e a sua compatibilidade com a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Distrito Federal - LODF. (...) Como não vislumbrei, à primeira vista, que tenha ocorrido transposição de cargos em razão da aplicação da regra constante do artigo 8° da Lei n° 4.082/2008, pedi vista para melhor analisar os documentos constantes dos autos e a legislação pertinente. De início, atenho-me à preliminar levantada pelo ilustre Revisor no Voto de Vista de fls. 79/81, de se facultar ao Excelentíssimo Senhor Governador do Distrito Federal, ao Secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e aos servidores beneficiados pela regra do artigo 8° da Lei n° 4.028/2008 a oportunidade para apresentarem os argumentos que entenderem pertinentes antes do Tribunal deliberar sobre o mérito da questão agitada na Representação

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n° 11/2008 - CF. Entendo que assiste razão ao ilustre Revisor quanto a ouvir o Excelentíssimo Senhor Governador do Distrito Federal, já que esta tem sido a praxe do Tribunal. Também não vislumbro nenhum prejuízo para o trâmite do processo que o Secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Distrito Federal seja novamente instado a se manifestar sobre a conformidade do artigo 8° da Lei n° 4.082/2008 com a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Distrito Federal. Quanto à oportunidade para que os servidores beneficiados pelo artigo 8° da Lei n° 4.082/2008 também se manifestem antes da deliberação de mérito pelo Tribunal, entendo que é uma medida que homenageia os princípios do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual também deve ser adotada, entretanto, a operacionalização da notificação de referidos servidores deve ser feita pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Distrito Federal e não pelo Tribunal. Quanto ao mérito, não vislumbro, pelo que dos autos constam, que tenha havido transposição de cargos em razão do artigo 8° da Lei n° 4.082/2008, vez que, para que a transposição seja caracterizada, necessário se faz que o servidor, sem o devido concurso público, deixe o cargo que ocupava em determinado quadro de pessoal e passe a ocupar outro cargo em quadro de pessoal diverso. Realmente, se a transposição de cargos tivesse sido caracterizada, não restaria outra alternativa ao Tribunal que não a de deliberar sobre a incompatibilidade do artigo 8° da Lei n° 4.082/2008 com o inciso II do artigo 37 da Constituição Federal e o inciso II do artigo 19 da Lei Orgânica do Distrito Federal. Ocorre que, ao que me parece, o artigo 8° da referida lei disciplinou a redistribuição de cargos da Carreira Administração Pública para a Carreira de Desenvolvimento e Fiscalização Agropecuária. O instituto da redistribuição não opera provimento derivado de cargos, razão pela qual não ofende ao princípio inserto no inciso II do artigo 37 da Constituição Federal e no inciso II do artigo 19 da Lei Orgânica do Distrito Federal - LODF, estando disciplinado da seguinte forma na Lei n° 8.112/1990, com a redação aplicada no âmbito distrital por força da Lei n° 197, de 04 de dezembro de 1991:

Art. 37. Redistribuição é o deslocamento do servidor, com o respectivo cargo, para quadro de pessoal de outro órgão ou entidade do mesmo Poder, observados a vinculação entre graus de complexidade e responsabilidade, a correlação das atribuições, a equivalência entre os

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vencimentos e o interesse da administração, com prévia apreciação do órgão central de pessoal. § 1°A redistribuição dar-se a exclusivamente para ajustamento de quadros de pessoal às necessidades dos serviços, inclusive nos casos de reorganização, extinção ou criação de órgão ou entidade. § 2°Nos casos de extinção do órgão ou entidade, os servidores estáveis que não puderam ser redistribuídos, na forma deste artigo, serão colocados em disponibilidade, até seu aproveitamento na forma do art. 30.

Além do deslocamento do cargo de um quadro de pessoal para outro, para que a redistribuição seja considerada regular, necessário se faz a equivalência ou semelhança entre os graus de complexidade, responsabilidade, atribuições e vencimentos entre as carreiras em que o cargo migrou e aquela para a qual ele foi redistribuído. Também, pelo que dos autos constam, não verifico nenhuma informação ou documentos que atestem que tais requisitos, mencionados no caput do artigo 37 da Lei n° 8.112/1990, com a redação aplicada no Distrito Federal por força da Lei distrital n° 197/1991, não foram atendidos quando da aplicação do artigo 8° da Lei n° 4.082/2008. Outrossim, os demais cargos que compõe a Carreira de Desenvolvimento e Fiscalização Agropecuária, previstos no artigo 1° e parágrafo único da Lei n° 4.082/2008, também sofreram movimentações passando de um quadro de pessoal para outro, vez que, inicialmente, compunham o Quadro Organizado em Carreira – NR n° 08/1983 – CPP e foram redistribuídos, por força da Lei n° 82, de 29 de dezembro de 1989, para a Carreira Administração Pública da Fundação Zoobotânica do Distrito Federal (ver anexo II - fls. 09/13). Após, com a extinção da Fundação Zoobotânica do Distrito Federal, nos termos da Lei n° 2.294, de 21 de janeiro de 1999, os cargos passaram a compor, também por redistribuição, a Carreira de Desenvolvimento Agropecuário do Distrito Federal, regulamentada pela Lei n° 2.894, de 23 de janeiro de 2002. Portanto, o instituto da redistribuição tem sido largamente utilizado pelo Governo do Distrito Federal, em especial para movimentar os cargos que se tornaram desnecessários em um quadro de pessoal para outro onde existe carência, evitando-se, assim, gastos com novas contratações e a colocação de servidores em disponibilidade. Concluindo, pelo que dos autos constam, não me convenci que a Lei n° 4.082/2008 tenha operado transposição de cargos, haja vista que, após a execução da regra constante de seu artigo 8°, não restaram cargos

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vagos na Carreira Administração Pública em razão de servidores passarem a ocupar cargos, sem concurso público, na Carreira de Desenvolvimento e Fiscalização Agropecuária. O que ocorreu, como afirmei anteriormente, foi a redistribuição de cargos, tudo em conformidade com a regra inserta no inciso II do artigo 37 da Constituição Federal e no inciso II do artigo 19 da Lei Orgânica do Distrito Federal.

Na sequência, esta Corte de Contas proferiu a Decisão n° 5.422/2009, nos seguintes termos:

O Tribunal, por maioria, de acordo com o voto do Revisor, Conselheiro Renato Rainha, superada a questão preliminar, conforme consta da declaração de voto apresentada pelo Conselheiro Manoel De Andrade, fs. 139/140, decidiu:

1 - no mérito, considerar que o artigo 8° da Lei n° 4.082, de 04 de janeiro de 2008, publicada no Diário Oficial do Distrito Federal de 07.01.2008, guarda conformidade com o preceito inserto no inciso II do artigo 37 da Constituição Federal e no inciso II do artigo 19 da Lei Orgânica do Distrito Federal – LODF; 2 - determinar a ciência desta decisão aos Excelentíssimos Senhores Governador do Distrito Federal, Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal e Secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento; 3 - autorizar o retorno dos autos à 4ª Inspetoria de Controle Externo, para as providências pertinentes.”

Da leitura da Lei n° 2.837/2001, nota-se, a toda evidência, que o instrumento utilizado pela administração foi o da redistribuição de cargos e não o da transposição de servidores, em que pese a Portaria de 17/10/2002, da Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal, ter utilizado o termo “transpor.”

Se nos ativermos tão somente ao termo utilizado na referida Portaria, vamos prestigiar a interpretação meramente literal em detrimento da sistemática e da teleológica e, mesmo que nos guiemos apenas pela interpretação literal, a lei n° 2.837/2001 deixa claro que o instrumento utilizado pela administração foi a redistribuição e não a transposição, haja visto que expressamente incluiu na nova carreira

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(Atividades Culturais) cargos que deixaram de existir nas carreiras de que tratam as leis n°s 51/1989 e 86/1989.

Assim, mais uma vez, estamos diante de caso de redistribuição, previsto no art. 37 da Lei n° 8112/90, com a redação aplicável ao Distrito Federal, situação que encontra perfeita harmonia com a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Distrito Federal e não despreza ou ofende o princípio do concurso público.

Lembro, finalmente, que o ato de redistribuição é instrumento de política de pessoal e reveste-se de discricionariedade, como assentou Poder Judiciário nas decisões a seguir reproduzidas:

I – Superior Tribunal de Justiça:

Processo MS 200700291090 MS - Mandado de Segurança – 12629 Relator(a) Felix Fischer Órgão julgador Terceira Seção Fonte DJ Data:24/09/2007 PG:00244 Ementa: Mandado de Segurança. Servidor. Ato de redistribuição. Discricionariedade administrativa. I - O ato de redistribuição de servidor público é instrumento de política de pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do serviço, levando em conta a conveniência e oportunidade da transferência do servidor para as novas atividades. II - O controle judicial dos atos administrativos discricionários deve-se limitar ao exame de sua legalidade, eximindo-se o Judiciário de adentrar na análise de mérito do ato impugnado. Precedentes. Segurança denegada. Data da Decisão 22/08/2007 Data da Publicação 24/09/2007” Recurso Especial n° 826.402 - PE (2006/0050127-9) Relator- Ministro Felix Fischer Recorrente - Universidade Federal de Pernambuco UFPE Procurador -Breno Gustavo Valadares Lins Recorrido - Marcos Antônio de Santana Advogado - Maria José Targino Pereira e Outro Ementa: Recurso Especial. Servidor. Vantagem funcional. Incorporação. Decisão judicial transitada em julgado. Redistribuição do cargo para entidade pública diversa. Coisa julgada. Limites subjetivos. Extensão. Art. 472, CPC.

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Servidor que integrava quadro funcional do DNOCS quando teve incorporado, por força de decisão judicial transitado em julgado, o percentual de 84,32% em seus vencimentos, ao ser redistribuído para a Universidade Federal de Pernambuco, tem direito a continuar recebendo o aludido índice já incorporado, cujo pagamento deve ser suportado pela instituição de ensino, como sucessora. Extensão dos limites subjetivos da coisa julgada. Recurso especial desprovido. Recurso Especial n° 529.833 - RS (2003/0067608-6) Relator - Ministro Arnaldo Esteves Lima Recorrente - Antônio Sérgio Nogueira Gomes Advogado - Ilka Teodoro Recorrido - União Procurador - Patrícia Trunfo Teixeira e Outros Ementa: Administrativo. Processual civil. Recurso especial. Servidor público. Violação aos arts. 128, 458, II, 535, I E II, do CPC. Inexistência. Redistribuição por reciprocidade. Art. 37 da Lei n° 8.112/90. Ausência de interesse público. Impossibilidade. Proteção à família. Art. 226 da Constituição Federal. Inaplicabilidade. Situação fática criada por exclusiva responsabilidade do servidor. Recurso especial conhecido e improvido. 1. Tendo-se pronunciado o Tribunal de origem de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, não há falar em ofensa aos arts. 128, 458, II, 535, I e II, do CPC. Ademais, não está o magistrado obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos aduzidos pela parte. 2. O pedido de redistribuição previsto no art. 37 da Lei n°8.112/90 pode ser requerido pelo próprio servidor, cujo deferimento, todavia, dependerá do preenchimento dos demais requisitos legais, dentre os quais o interesse da Administração. A ausência de tais requisitos implicaria a ocorrência de uma mera transferência, e não redistribuição. 3. Hipótese em que o princípio de proteção à família, insculpido no art. 226 da Constituição Federal, não socorre ao recorrente, porquanto seu afastamento da família deu-se por sua exclusiva responsabilidade, na medida em que optou por se transferir voluntariamente de Manaus/AM para a cidade de Porto Alegre/RS. 4.Recurso especial conhecido e improvido.

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Recurso Especial: REsp 778561 PE 2005/0146090-3 Resumo: Direito Administrativo. Processual Civil. Servidor Público. Sudene. Extinção. Redistribuição. Gratificação. Decreto-lei n° 2.374/87. Supressão. Impossibilidade. Pre questionamento. Ausência. Súmulas n° 282 e n° 356/stf. Dissídio Jurisprudencial Não Comprovado. Recurso Especial C. Relator(a): Ministro Arnaldo Esteves Lima Julgamento: 25/06/2007 Órgão Julgador: T5 - Quinta Turma Publicação: DJ 06.08.2007 p. 640 Ementa: direito administrativo. Processual civil. Servidor público. SUDENE. Extinção. Redistribuição. Gratificação. Decreto-lei 2.374/87. Supressão. Impossibilidade. Pre questionamento. Ausência. Súmulas 282 e 356/stf. Dissídio jurisprudencial não comprovado. Recurso especial conhecido e improvido.

II – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

Órgão: Sexta Turma Cível Classe: APC – Apelação Cível - n° Processo: 2003.01.1.118088-2 Apelante: Vera Lúcia Ribeiro Bezerra e Outros Apelado(s): BELACAP Serviço de Ajardinamento e Limpeza Urbana do DF Relatora Desª. Sandra de Santis Revisora Desª. Ana Maria Duarte Amarante Brito Ementa: Apelação Cível – Servidores do SLU – Redistribuição à BELACAP – Gratificação de Desempenho e Produtividade – Leis 2.666/01 e 2.756/01 – Isonomia. 1. Os servidores do extinto SLU - Serviço Autônomo de Limpeza Urbana, redistribuídos à BELACAP – Serviço de Ajardinamento e Limpeza Urbana do Distrito Federal, fazem jus à Gratificação de Desempenho e Produtividade, instituída pelas Leis 2.666/2001 e 2.756/2001, a partir de 17 de outubro de 2001 até maio de 2004. 2. Apelo provido parcialmente. Classe do Processo: Mandado de Segurança 2002 00 2 006165-7 MSG - 0006165-29.2002.807.0000 (Res.65 - CNJ) DF Registro do Acórdão Número: 187717 Data de Julgamento: 03/02/2004 Órgão Julgador: Conselho Especial Relator: Vasquez Cruxên

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Publicação no DJU: 23/03/2004 Pág. : 83 Seção: 3 Ementa: Administrativo. Mandado de segurança. Redistribuição de servidor. Poder discricionário da Administração. Em princípio, a Administração desfruta de poderes suficientes para determinar que o servidor seja redistribuído para o setor que reputar mais conveniente ao interesse público. Trata-se de decisão baseada em critérios de conveniência e oportunidade, não suscetível de reexame judicial. Classe do Processo: Agravo de Instrumento 2000 00 2 005857-6 AGI - 0005857-61.2000.807.0000 (Res.65 - CNJ) DF Registro do Acórdão Número: 135417 Data de Julgamento: 05/03/2001 Órgão Julgador: 3ª Turma Cível Relator: Wellington Medeiros Publicação no DJU: 21/03/2001 Pág.: 28 Seção: 3 Ementa: Direito administrativo - Mandado de segurança - Agravo de instrumento - Decisão denegatória de liminar fundada em ausência do fumus boni iuris e do periculum in mora- Remoção de servidor - presunção de legalidade e legitimidade dos atos da administração pública - poder discricionário - recurso conhecido e desprovido. I - Em princípio, o deslocamento de servidores diz respeito ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração, no exercício de seu poder discricionário. "a lotação e a relotação constituem prerrogativas do executivo, contra as quais não se podem opor os servidores, desde que feitas na forma estatutária. Na omissão da lei, entende-se amplo e discricionário o poder de movimentação dos servidores, por ato do executivo, no interesse do serviço, dentro do quadro a que pertencem." [Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo: malheiros, 1998. P. 350 - sem grifo no original] II - O disposto no § 1o do art. 37 da Lei n° 8.112/90 diz respeito à redistribuição, e não, à hipótese de remoção. Na primeira, ocorre o deslocamento do servidor, com o seu respectivo cargo, para quadro pessoal, dentro do mesmo poder, de outro órgão ou entidade. Na segunda, o servidor não sai do quadro em que estava lotado, ainda que haja mudança de sede, ou seja, do seu local de trabalho. III - Não se evidencia o fumus boni iuris diante da pretensão aduzida por servidor removido, mormente ante a presunção de legalidade deferida aos atos da Administração e se, em razão dos documentos acostados aos autos, não se demonstre, de pronto, tenha sido, realmente, imotivado o ato por ela promovido. IV - não se configura o periculum in mora diante da alegação da parte

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de que o seu não-comparecimento ao novo local de trabalho acarretará o desconto dos dias não trabalhados, bem assim reflexo em outros direitos, até porque se cuida de situação que pode ser evitada pelo próprio demandante. V - A concessão da tutela liminar na ação mandamental não se discute, é provimento com o qual o juiz, em caráter provisório, atende ao pedido, porque, prima facie, este lhe parece bem fundamentado, e a demora no curso do processo pode ensejar a inutilidade da decisão final que, porventura, conceda a segurança. Se não se evidencia nos autos o equívoco da decisão proferida em primeiro grau, visto que pautada em harmonia com os parâmetros da legalidade e razoabilidade, há de ser ela mantida. VI - recurso conhecido e desprovido. (negritei)

Atento ao que venho de expor e divergindo, ainda que parcialmente, do que sugere a Unidade Técnica, VOTO no sentido de que o e. Plenário:

I - tome conhecimento do Relatório de Inspeção de fls. 119/163, bem como dos documentos de fls. 7/117;

II - considere que os atos de redistribuição dos cargos da Carreira de Administração Pública do Distrito Federal para a Carreira Atividades Culturais do Poder Executivo local, com espeque no art. 1° da Lei n° 2.837/2001, bem como que as decorrentes concessões de aposentadoria e pensão com fulcro no art. 10 da referida lei não configuram burla ao preceito contido no inciso II do artigo 37 da Constituição Federal;

III - autorize:

a) a remessa deste Relatório/voto e da decisão que vier a ser exarada à jurisdicionada para conhecimento e adoção das providências pertinentes;

b) o retorno dos autos à 4ª ICE para as medidas de estilo.

________ Processo: n° 3.549/2010 Decisão: n° 1.957/2011

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CONCESSÃO DE APOSENTADORIAS ESPECIAIS A SERVIDORES PÚBLICOS, EM

CONFORMIDADE COM O § 4° DO ARTIGO 40 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Inácio Magalhães Filho Conselheiro do TCDF

Consulta oriunda da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, acerca dos procedimentos a serem adotados em decorrência das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em Mandados de Injunção. Aposentadorias especiais de servidores públicos estatutários, conforme regra insculpida no § 4° do art. 40 da Constituição Federal. Aplicação do disposto no artigo 57 da Lei n° 8.213/91. Apensação do Processo n° 29.391/10, por tratar de matéria similar. Considerações da Inspetoria. Parecer parcialmente convergente do Ministério Público. Voto convergente com o Ministério Público, com ajustes.

Fundamento legal para não inclusão em pauta: Art. 1°, inciso VI, da Resolução-TCDF n° 161/03.

RELATÓRIO

Consistem os autos em consulta oriunda da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, acercados procedimentos a serem adotados em decorrência das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em Mandados de Injunção, os quais versaram sobre concessão de aposentadorias especiais a servidores públicos, em conformidade com as regras estampadas no § 4° do artigo 40 da CF.

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MANIFESTAÇÃO DO ÓRGÃO INSTRUTIVO

A unidade técnica, de início, faz referência às questões suscitadas pela jurisdicionada (fls. 3/4), passando a analisá-las com respaldo na Orientação Normativa n° 6/10, da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (DOU de 22/06/2010) e na Orientação Normativa n° 1/10, da Secretaria de Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência Social (DOU de 27/07/2010). Em função da similaridade das matérias tratadas, foi apensado a estes autos o Processo de n° 29.391/10, relativo à consulta do Departamento de Estradas de Rodagens – DER/DF, cujo conteúdo é basicamente o mesmo do presente feito.

Em substancioso estudo (fls. 70/82), a Inspetoria aborda as questões que materializam a presente consulta, o qual, por economia intelectual, com a devida vênia, opta-se por não reproduzir. Assim, em conclusão aos argumentos apresentados, o corpo técnico sugere ao Tribunal o seguinte:

I) tomar conhecimento da Consulta formulada pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal-DER/DF, conforme o Processo n° 29391/10; II) informar o Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal-DER/DF sobre a decisão que vier a ser adotada nos autos; III) responder a Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal-SES/DF, nos seguintes termos: a) o reconhecimento do direito à contagem de tempo prestado sob condições especiais, para fins do disposto no art. 57 da Lei n° 8.213/91, contempla os beneficiários de decisão judicial em Mandado de Injunção e os demais servidores distritais que preencham os mesmos requisitos, em conformidade com a Decisão-TCDF n° 3221/10, proferida no Processo n° 35321/09; b) a aplicação do art. 57 da Lei n° 8.213/91, na forma definida pelo Supremo Tribunal Federal – STF, circunscreve-se à aposentadoria decorrente de trabalhos realizados em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, nos termos do inciso III do § 4° do art. 40 da CF/88; c) o tempo especial devidamente reconhecido pode ser utilizado para fins de aposentadoria especial ou para conversão em tempo de serviço/contribuição comum, nos termos do § 5° do art. 57 da Lei n°

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8.213/91, com base nos índices de ponderação de 1,2 para mulheres e 1,4 para homens, definidos no art. 70 do Decreto n° 3.048/99; d) considerando-se que o direito à contagem do tempo especial surge a partir da decisão judicial proferida em Mandado de Injunção, determinando a aplicação do art. 57 da Lei n° 8.213/91 aos servidores públicos, e ocorrendo essa decisão na vigência da EC n° 41/03, rege-se a aposentadoria especial pelo que dispõe o art. 40, §§ 2°, 3°, 4°, III, 8° e 17, da CRFB, c/c o art. 57 da Lei n° 8.213/91, ou seja, com o cálculo dos proventos pela média de contribuições e sem paridade com os servidores ativos; e) ocorrendo a conversão do tempo especial em tempo comum, as possibilidades de aposentadorias com a utilização desse tempo são as das regras permanentes previstas no § 1° do art. 40 da CRFB e as das regras de transição atualmente em vigor, disciplinadas no art. 6° da EC n° 41/03 c/c o art. 2° da EC n° 47/05 e no art. 3° da EC n° 47/05. Não se mostram viáveis as aposentadorias e a revisões de proventos fundadas em regras já revogadas no momento do surgimento do direito à contagem do tempo especial; f) o requisito principal para a aposentadoria especial do beneficiário de Mandado de Injunção é o cumprimento do período mínimo de 25 anos de atividade especial, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, sem exigência de outros requisitos, como tempo de serviço público, tempo no cargo, idade mínima, aplicáveis às demais modalidades de aposentadoria permitidas ao servidor público; g) tendo-se em conta a natureza estatutária da aposentadoria especial de que se trata, a contagem dos períodos de licenças especiais e de licenças-prêmios deve seguir o mesmo disciplinamento aplicável a outras aposentadorias de mesma natureza, como a do magistério e a do policial civil, em que se tem como viável o cômputo dos períodos de licenças especiais e de licenças-prêmios adquiridos até 16/12/1998, desde que vinculadas à atividade que deu origem à contagem do tempo especial; h) a concessão de aposentadoria já procedida mediante a necessária utilização de licença especial ou licença-prêmio para quaisquer fins não é passível de reformulação para excluir esse tempo, visto que o direito à contagem de tempo especial não retroage à data da aposentadoria de modo a permitir a desaverbação da licença; i) por falta de previsão legal, não se mostra viável a concessão de abono de permanência a partir do preenchimento dos requisitos necessários à aposentadoria especial, mas o tempo especial convertido em tempo comum pode ensejar a revisão do benefício, em consonância com as regras aplicáveis às aposentadorias comuns e aos respectivos

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abonos de permanência; j) podem ser contados como tempo especial os afastamentos em virtude de: doação de sangue (art. 97, I, Lei n° 8.112/90); alistamento eleitoral (art. 97, II, Lei n° 8.112/90); casamento (art. 97, III, “a”, Lei n° 8.112/90); luto (art. 97, III, “b”, Lei n° 8.112/90); férias (arts. 77/80, Lei n° 8.112/90); convocação para júri e eleição (art. 102, VI, Lei n° 8.112/90); maternidade (art. 207, Lei n° 8.112/90); paternidade (art. 208, Lei n° 8.112/90); adoção (art. 210, Lei n° 8.112/90); acidente de serviço ou doença profissional (art. 211, Lei n° 8.112/90); aposentadoria por acidente de serviço ou moléstia profissional (art. 40, I, CF/88 e alterações); k) cabe à Secretaria de Estado de Saúde – SES, órgão consulente, ao Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal – Iprev e à Secretaria de Planejamento, Gestão e Orçamento do Distrito Federal – SEPLOG regulamentar os métodos de trabalho para a verificação das condições especiais de trabalho e expedição dos laudos técnicos e periciais e demais documentos necessários ao enquadramento do cargo e/ou comprovação da exposição a condições especiais de trabalho, em conformidade com a IN SPS/MPS n° 1/10 e a legislação do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, observando a conceituação técnica de tempo permanente, não ocasional, nem intermitente, cabendo exclusivamente ao Iprev a competência para a expedição das certidões de tempo de atividades especiais de que tratam os autos; l) verificado o enquadramento da situação individual do servidor, na forma descrita no item anterior, devem compor os autos do processo de aposentadoria a certidão de tempo de serviço/contribuição expedida pelo Iprev e o respectivo laudo médico-pericial que deu origem à certidão; m) em caso de averbações, os cálculos especiais deverão estar previamente definidos e demonstrados nas respectivas certidões de tempo averbado, com base em regular processo administrativo e/ou judicial implementado na origem, não cabendo a qualquer órgão ou entidade do Distrito Federal reconhecer como tempo especial ou aplicar ponderação sobre tempo certificado por quaisquer outras esferas de governo ou pelo INSS; n) o tempo especial prestado por servidor público federal em condições insalubres, sob o regime celetista, pode ser averbado junto ao Distrito Federal, nos termos da Lei n° 6.936/81, com base em certidão expedida pelo próprio órgão federal de origem e o tempo prestado a Estados e Municípios nas mesmas condições e à iniciativa privada somente podem ser averbados à vista de certidão do INSS,

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órgão competente para expedição do documento, segundo as regras especificadas na Instrução Normativa INSS/PRES n° 45/10.

MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público inicialmente destaca que a Orientação Normativa n° 10, de 05.11.2010, da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – SRH/MPOG, publicada no DOU de 08.11.2010 (cópia à fl. 90), revogou a ON n° 6/10 – SRH/MPOG. Quanto ao mérito, a par de aquiescer à maioria das ponderações expendidas pela 4ª Inspetoria, o Parquet encontra alguns óbices nas argumentações efetivadas pelo corpo técnico. Notadamente, o órgão ministerial discorda da unidade técnica nos seguintes pontos:

� a análise dos requisitos que comprovam ou não o exercício de atividades consideradas insalubres está balizada nas exigências contidas na Lei n° 8.213/91. Contudo, uma vez que não há restrição para início da contagem do tempo especial, o servidor que comprovar tal exercício adquire o direito à aposentadoria especial pelas regras vigentes antes da publicação da EC n° 41/03, mantendo a paridade e a integralidade dos proventos;

� é possível o cômputo de licença para tratamento da própria saúde para efeito de tempo de serviço especial, mormente em função de expressa revisão constante da recente ON n° 10/2010, da SRH/MPOG (art. 11, inciso IV, alínea “a”);

� não se afigura razoável proibir o direito ao benefício do abono de permanência às aposentadorias especiais, sob pena de contrariar a ratioessendi do instituto, qual seja, provocar menos aposentadorias e, com isso, dar mais folga orçamentária à previdência pública, sem

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olvidar, mais, que onde o legislador não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo;

� quanto ao Processo n° 29.391/2010, autuado para abrigar expediente encaminhado pelo Departamento de Estradas e Rodagem do Distrito Federal – DER/DF, entende que deve ter tramitação própria, em homenagem à celeridade processual dos autos principais.

Assim, o Ministério Público, com as ressalvas acima apresentadas, opina no sentido de que a Corte acolha as medidas propugnadas pela Inspetoria.

É o Relatório.

VOTO

A matéria sob consulta é de notória complexidade, mormente em função da ausência de legislação específica para as concessões de aposentadorias especiais aos servidores públicos. Tanto assim, que o Supremo Tribunal Federal teve que intervir para dar contornos gerais à matéria, por intermédio de julgamentos de Mandados de Injunção, dando concretude ao artigo 40, § 4°, da CF, por meio da aplicação, por empréstimo, do artigo 57 da Lei n° 8.213/91.

Trata-se, agora, de estabelecer os procedimentos a serem adotados, com as consequentes implicações de ordem legal e financeira, em cumprimento ao determinado pelo Excelso Pretório.

Como ponto inicial de abordagem, entendo ser necessário estabelecer questão primordial a todo o resto da matéria de fundo tratada nessa consulta. Assim, seria o Tribunal de Contas do Distrito Federal órgão competente para deliberar sobre tal questão? Ou a

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competência estaria limitada ao âmbito de atuação do Ministério da Previdência, tendo em vista o disposto na Lei n° 9.717/981?

A esse respeito, entendo que as orientações advindas do Ministério da Previdência têm caráter genérico de orientação. Prova disso é que, na própria seara federal, existe outro normativo a respeito do tema, originário do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Note-se que ambas as normas são estudadas nessa consulta ora em apreço.

Penso, ademais, que, o assunto de fundo tratado no presente feito (concessões de aposentadorias especiais) é matéria afeita à competência precípua das Cortes de Contas por imposição constitucional, ex-vidos artigos 71, inciso III, e 75 da CF. Não é demais verificar, ainda, que a competência para tratar de matéria previdenciária é concorrente entre a União e os Estados e Distrito Federal, a teor do disposto no artigo 24, XII, da Constituição.

Estabelecida, por conseguinte, a competência do Tribunal para o exame da matéria, passo, sem delongas, a apreciar o mérito das ponderações constantes dos pareceres que precedem esse voto. Para tanto, em nome de uma desejável clareza didática para tema tão complexo, abordarei cada questão analisada pela inspetoria (que abrange todo o objeto da consulta) de per si, estendendo-me apenas naquelas em que não houver unanimidade de entendimento com relação à unidade técnica e/ou Ministério Público.

1ª questão: reconhecimento do direito à contagem de tempo prestado sob condições especiais, para fins do disposto no art. 57 da Lei n° 8.213/91

1Dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências.

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Em consonância com a 4ª ICE e com o Ministério Público, entendo que o direito à aposentadoria especial abrande tanto os beneficiários de Mandados de Injunção, quanto os demais servidores distritais que preencham os mesmos requisitos, tendo em vista o decidido pelo TCDF no Processo n° 35.321/09 – Decisão n° 3.221/10.

2ª questão: aplicação restrita do artigo 57 da Lei n° 8.213/91

Em consonância com a 4ª ICE e com o Ministério Público, entendo que a matéria objeto dessa consulta está restrita aos casos de aposentadorias decorrentes de trabalhos realizados em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, nos termos do inciso III do § 4° do artigo 40 da CF/88.

3ª questão: utilização do tempo especial devidamente comprovado

Em consonância com a 4ª ICE e com o Ministério Público, acolho o entendimento de que o tempo especial pode ser utilizado para fins de aposentadoria especial ou para conversão em tempo de serviço/contribuição comum, nos termos do § 5° do art. 57 da Lei n° 8.213/91, com base nos índices de ponderação de 1,2 para mulheres e 1,4 para homens, definidos no art. 70 do Decreto n° 3.048/99.

4ª questão: vigência da concessão da aposentadoria especial e direito adquirido às regras anteriores à EC n° 41/03

Nesse item, o Ministério Público diverge da Inspetoria. A 4ª ICE entende que o direito à contagem do tempo especial surge a partir da decisão judicial proferida em Mandado de Injunção, determinando a aplicação do art. 57 da Lei n° 8.213/91 aos servidores públicos. Assim, ocorrendo tal decisão na vigência da EC n° 41/03, rege-se a aposentadoria especial pelo que dispõe o art. 40, §§ 2°, 3°, 4°, III, 8° e 17, da CRFB, c/c o art. 57 da Lei n° 8.213/91, ou seja, com o cálculo dos proventos pela média de contribuições e sem paridade com os servidores ativos.

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A seu turno, o Parquet apresenta raciocínio de que, não havendo restrição para início da contagem do tempo especial, o servidor que comprovar tal exercício adquire o direito à aposentadoria especial pelas regras vigentes antes da publicação da EC n° 41/03, mantendo a paridade e a integralidade dos proventos.

Acolho o entendimento externado pelo órgão ministerial. De fato, uma vez reconhecido o tempo de serviço/contribuição em condições especiais a que fora submetido o servidor, esse direito incorpora-se a seu patrimônio jurídico. Em realidade, se o direito nasceu com a decisão nos Mandados de Injunção julgados pelo STF, não menos verdade que o tempo reconhecido deve-se referir à época em que foi exercido. Assim, quero crer que se o servidor reunir os requisitos exigidos pela EC 41/03 são-lhe garantidas a paridade e a integralidade dos proventos.

5ª questão: conversão do tempo especial em tempo comum

Em consonância com a 4ª ICE e com o Ministério Público, acolho o entendimento de que ocorrendo a conversão do tempo especial em tempo comum, as possibilidades de aposentadorias com a utilização desse tempo são as das regras permanentes previstas no § 1° do art. 40 da CRFB. No que tange às regras de transição, faço pequeno ajuste nas considerações precedentes, por entender que, como salientado no item anterior, uma vez reconhecido o tempo de serviço/contribuição em condições especiais a que fora submetido o servidor, esse direito incorpora-se a seu patrimônio jurídico. Assim, as possibilidades de aposentadorias, nesse caso, devem ser disciplinadas pelos arts. 2° e 6° da EC n° 41/03 c/c o art. 2° da EC n° 47/05 e pelo art. 3° da EC n° 47/05. No entanto, não se mostram viáveis as aposentadorias e a revisões de proventos fundadas em regras já revogadas no momento do surgimento do direito à contagem do tempo especial.

6ª questão: requisitos para a concessão de aposentadoria especial

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Em consonância com a 4ª ICE e com o Ministério Público, acolho o entendimento de que o principal requisito para a aposentadoria especial é o cumprimento do período mínimo de 25 anos de atividade especial, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, sem exigência de outros requisitos, como tempo de serviço público, tempo no cargo, idade mínima, aplicáveis às demais modalidades de aposentadoria permitidas ao servidor público.

7ª questão: contagem de períodos de licenças especiais e de licenças-prêmios para concessão de aposentadorias especiais

Nesse item, tanto a Inspetoria, quanto o Ministério Público concordam na tese de que é viável o cômputo dos períodos de licenças especiais e de licenças-prêmios adquiridos até 16/12/1998, para a concessão de aposentadorias, desde que vinculadas à atividade que deu origem à contagem do tempo especial.

Não acolho, contudo, tal posicionamento. Como o próprio nome indica, a aposentadoria especial decorre de eventos de natureza diferenciada daquelas situações que caracterizam a aposentadoria ordinária. A finalidade precípua desse tipo de aposentadoria, portanto, é compensar o servidor por ter laborado em condições que atentem contra a sua saúde. Em geral, tal compensação advém em forma de redução do tempo de contribuição exigido para a inativação ordinária. Assim é que, se a Constituição determina que o tempo para aposentadoria especial seja prestado inteiramente sob condições específicas, ampliar essa exclusividade, com a permissão de cômputo de licenças (especial ou prêmio), significa ampliar uma liberalidade não prevista pelo texto constitucional.

8ª questão: desaverbação de período de licença especial ou licença-prêmio, já utilizadas em aposentadoria anterior, para reformulação do tempo de serviço/contribuição na concessão de aposentadoria especial

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Nesse ponto, não encontro motivos para discordar dos posicionamentos da Inspetoria e do Ministério Público, no sentido de que não é possível a desaverbação, porquanto o direito à contagem de tempo especial não pode retroagir à data da aposentadoria anterior. Ademais, trata-se de ato jurídico perfeito, portanto, imune a modificação.

9ª questão: concessão de abono de permanência, a partir do preenchimento dos requisitos necessários à aposentadoria especial

Nesse item, o Ministério Público diverge da Inspetoria. A unidade técnica entende que não se mostra viável a concessão de abono de permanência, embora admita que o tempo especial convertido em tempo comum pode ensejar a revisão do benefício, em consonância com as regras aplicáveis às aposentadorias comuns e aos respectivos abonos de permanência. A seu turno, o órgão ministerial posiciona-se no sentido de ser possível a concessão do abono de permanência, ainda que no preenchimento dos requisitos para a concessão de aposentadoria especial, sob pena de contrariar sua ratioessendi, que é, precisamente, provocar menos aposentadorias e, com isso, dar mais folga orçamentária à previdência pública.

Acolho, nesse ponto, integralmente, o entendimento do Parquet. Quanto à possibilidade de concessão do abono de permanência, no caso de conversão do tempo especial em comum, não encontro motivos para discordar dos pareceres precedentes. Cabe lembrar, ainda, que é notória a concessão de abono de permanência nas aposentadorias especiais de policiais civis e, mais recentemente, também nas de professores (Decisão n° 6.412/10 – Processo n° 8.952/09).

10ª questão: afastamentos que podem ser computados como tempo especial

Segundo o entendimento do corpo técnico, mostram-se possíveis de ser computados os seguintes afastamentos: doação de

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sangue (art. 97, I, Lei n° 8.112/90); alistamento eleitoral (art. 97, II, Lei n° 8.112/90); casamento (art. 97, III, “a”, Lei n° 8.112/90); luto (art. 97, III, “b”, Lei n° 8.112/90); férias (arts. 77/80, Lei n° 8.112/90); convocação para júri e eleição (art. 102, VI, Lei n° 8.112/90); maternidade (art. 207, Lei n° 8.112/90); paternidade (art. 208, Lei n° 8.112/90); adoção (art. 210, Lei n° 8.112/90); acidente de serviço ou doença profissional (art. 211, Lei n° 8.112/90); aposentadoria por acidente de serviço ou moléstia profissional (art. 40, I, CF/88 e alterações).

O Ministério Público concorda com tal entendimento, mas acrescenta que não se revela razoável excluir desse rol a licença para tratamento da própria saúde. Ainda mais que tal previsão já é expressa na recente ON n° 10/2010, da SRH/MPOG (art. 11, inciso IV, alínea “a”), acostada aos autos à fl. 90.

Acolho, nesse ponto, integralmente, o entendimento do Parquet.

11ª questão: regulamentação e verificação de condições especiais de trabalho e expedição de laudos técnicos e periciais

Em consonância com a 4ª ICE e com o Ministério Público, acolho o entendimento de que cabe à Secretaria de Estado de Saúde – SES, órgão consulente, ao Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal – Iprev e à Secretaria de Planejamento, Gestão e Orçamento do Distrito Federal – SEPLOG regulamentar os métodos de trabalho para a verificação das condições especiais de trabalho e expedição dos laudos técnicos e periciais e demais documentos necessários ao enquadramento do cargo e/ou comprovação da exposição a condições especiais de trabalho, em conformidade com a IN SPS/MPS n° 1/10 e a legislação do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, observando a conceituação técnica de tempo permanente, não ocasional, nem intermitente, cabendo exclusivamente ao Iprev a competência para a expedição das certidões de tempo de atividades especiais de que tratam os autos.

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12ª questão: documentos que devem compor os atos de concessão de aposentadoria especial

Em consonância com a 4ª ICE e com o Ministério Público, acolho o entendimento de que devem compor os autos do processo de aposentadoria a certidão de tempo de serviço/contribuição expedida pelo Iprev e o respectivo laudo médico-pericial que deu origem à certidão.

13ª questão: reconhecimento de tempo especial certificado por outras esferas de governo ou pelo INSS

Em consonância com a 4ª ICE e com o Ministério Público, acolho o entendimento de que não cabe a qualquer órgão ou entidade do Distrito Federal reconhecer como tempo especial ou aplicar ponderação sobre tempo certificado por quaisquer outras esferas de governo ou pelo INSS.

14ª questão: averbação, no Distrito Federal, de tempo de serviço especial exercido em outras esferas

Nesse quesito, a 4ª ICE e o Parquet concordam com a idéia de que o tempo especial prestado por servidor público federal em condições insalubres, sob o regime celetista, pode ser averbado junto ao Distrito Federal, nos termos da Lei n° 6.936/81, com base em certidão expedida pelo próprio órgão federal de origem e o tempo prestado a Estados e Municípios nas mesmas condições e à iniciativa privada somente podem ser averbados à vista de certidão do INSS, órgão competente para expedição do documento, segundo as regras especificadas na Instrução Normativa INSS/PRES n° 45/10.

Aqui, divirjo dos pareceres precedentes, por entender que os servidores que tiveram exercício em atividades especiais, em Estados ou Municípios, que tenham Regime Próprio de Previdência Social, prescindem de certidão emitida pelo INSS, tal e qual aqueles oriundos da União. Entendo que tal posicionamento privilegia a igualdade de tratamento prevista pelo artigo 19, III, da CF.

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Em reforço ao salientado, trago à colação ementa de recente julgado do Tribunal de Contas da União2, o qual, em sede de consulta, estabeleceu que:

Sumário: Consulta. Cômputo, com acréscimo, para efeito de aposentadoria estatutária, do tempo de serviço exercido como celetista, no serviço público estadual ou municipal, sob condições insalubres, perigosas ou penosas, no período anterior à vigência da Lei n° 8.112/ 1990. Dúvida suscitada na aplicação do entendimento firmado pelo TCU, mediante o Acórdão n° 2008/2006-plenário. Conhecimento em caráter excepcional. Esclarecimentos a respeito da matéria. A contagem especial de tempo de serviço, para efeito de aposentadoria estatutária, admitida pelo Acórdão n° 2008/2006-TCU - Plenário, diz respeito ao tempo de serviço prestado como celetista, no serviço público, sob condições insalubres, perigosas ou penosas, no período anterior à vigência da Lei n° 8.112/1990, em qualquer esfera de governo (federal, estadual ou municipal).

Também o STF adota esse entendimento, conforme se observa no RE n° 225.827-3/SC, cuja ementa transcrevo abaixo:

Ementa: Recurso extraordinário. Servidor público estadual. Aposentadoria. Tempo de serviço prestado em condições insalubres em período anterior à superveniência do Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado. Contagem recíproca. Possibilidade. 1. A contagem recíproca é um direito assegurado pela Constituição do Brasil. O acerto de contas que deve haver entre os diversos sistemas de previdência social não interfere na existência desse direito, sobretudo para fins de aposentadoria. 2. Tendo exercido suas atividades em condições insalubres à época em que submetido aos regimes celetista e previdenciário, o servidor público possui direito adquirido à contagem desse tempo de serviço de forma diferenciada e para fins de aposentadoria. 3. Não seria razoável negar esse direito à recorrida pelo simples fato de ela ser servidora pública estadual e não federal. E isso mesmo porque condição de trabalho, insalubridade e periculosidade, é matéria afeta à competência da União (CB, artigo 22, I [direito do trabalho]). Recurso a que se nega provimento." (RE 255827 / SC, Relator: Min. Eros Grau, Julgamento: 25/10/2005, Órgão Julgador: Primeira Turma). (grifo do

2 Processo TC 023.877/2009-4

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original).

Verificadas, pois, uma a uma as ponderações do corpo técnico, antes também avaliadas pelo douto Ministério Público, acredito ser necessário, ainda, voltar os olhos para uma derradeira questão.

No caso de conversão do tempo especial em tempo comum (ponderação), para efeito de aposentadoria ordinária, o intérprete depara-se com a seguinte indagação: é possível computar-se tempo ficto após a publicação da EC n° 20/983 (16/12/1998)?

Para responder a essa pergunta, deve-se reconhecer, primeiramente, por lógico, que a conversão de tempo especial em comum (ponderação) é, sem dúvida, tempo ficto. Entretanto, creio que nesse caso não há impedimento constitucional, porquanto o constituinte, a teor do § 10 do artigo 40 da CF, proibiu que lei estabeleça contagem de tempo ficto. Ora, a aposentadoria especial decorre de previsão da própria Carta Magna (art. 40, § 4°), logo, a ponderação dela decorrente possui matriz constitucional e não legal.

Trata-se de privilegiar o princípio da unidade constitucional, o qual estabelece que a Constituição não deve ser interpretada isoladamente, mas, sim, ser tomada em todo seu conjunto. Com essa sistemática, harmoniza-se a proibição genérica de contagem de tempo ficto com as regras especiais contidas no artigo 40, § 4°, da CF. Em função disso é que a recente ON n° 10, de 05/11/2010, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, prevê, no artigo 9°, a conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum.

Finalmente, com relação à sugestão do douto Parquet de que o tribunal determine a tramitação autônoma do Processo n° 29.391/10 (apenso a estes autos), entendo, com a devida vênia, que, em função

3 Citada emenda deu a seguinte redação ao § 10 do artigo 40 da CF: “A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício”.

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da exata similitude de matérias tratadas em ambos os feitos, pelo princípio da celeridade processual, seja melhor que a tramitação siga em conjunto, devendo a Corte informar o DER-DF (consulente daqueles autos) sobre a decisão que vier a ser adotadas neste feito ora em análise.

Assim, ante todo o exposto, em concordância, em parte, com os pareceres precedentes, com os ajustes que faço, VOTO no sentido de que este egrégio Plenário:

I) tome conhecimento da Consulta formulada pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal-DER/DF, constante do Processo n° 29.391/10;

II) informe o Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal-DER/DF sobre a decisão que vier a ser adotada nos presentes autos;

III) responda à Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal - SES/DF, órgão consulente no presente feito, o seguinte:

a) o reconhecimento do direito à contagem de tempo prestado sob condições especiais, para fins do disposto no art. 57 da Lei n° 8.213/91, contempla os beneficiários de decisão judicial em Mandado de Injunção e os demais servidores distritais que preencham os mesmos requisitos, em conformidade com a Decisão - TCDF n° 3.221/10, proferida no Processo n° 35.321/09;

b) a aplicação do art. 57 da Lei n° 8.213/91, na forma definida pelo Supremo Tribunal Federal – STF, circunscreve-se à aposentadoria decorrente de trabalhos realizados em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, nos termos do inciso III do § 4° do art. 40 da CF/88;

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c) o tempo especial devidamente reconhecido pode ser utilizado para fins de aposentadoria especial ou para conversão em tempo de serviço/contribuição comum, nos termos do §5° do art. 57 da Lei n° 8.213/91, com base nos índices de ponderação de 1,2 para mulheres e 1,4 para homens, definidos no art. 70 do Decreto n° 3.048/99;

d) não havendo restrição para início da contagem, reconhecido o tempo de serviço/contribuição em condições especiais a que fora submetido o servidor, esse direito incorpora-se a seu patrimônio jurídico. Assim, se o servidor reunir os requisitos exigidos pela EC 41/03, são-lhe garantidas a paridade e a integralidade dos proventos;

e) ocorrendo a conversão do tempo especial em tempo comum, as possibilidades de aposentadorias com a utilização desse tempo são as das regras permanentes previstas no § 1° do art. 40 da CRFB e as das regras de transição atualmente em vigor, disciplinadas nos arts. 2° e 6° da EC n° 41/03 c/c o art. 2° da EC n° 47/05 e no art. 3° da EC n° 47/05. Não se mostram viáveis as aposentadorias e a revisões de proventos fundadas em regras já revogadas no momento do surgimento do direito à contagem do tempo especial;

f) o requisito principal para a aposentadoria especial do beneficiário de Mandado de Injunção é o cumprimento do período mínimo de 25 anos de atividade especial, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, sem exigência de outros requisitos, como tempo de serviço público, tempo no cargo, idade mínima, aplicáveis às demais modalidades de aposentadoria permitidas ao servidor público;

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g) a aposentadoria especial decorre de eventos de natureza diferenciada daquelas situações que caracterizam a aposentadoria ordinária. Assim é que, se a Constituição determina que o tempo para aposentadoria especial seja prestado inteiramente sob condições específicas, não se mostra plausível o cômputo de licenças (especial ou prêmio) para tal fim;

h) não é possível a desaverbação de licenças (especial e prêmio), tendo em vista que o direito à contagem de tempo especial não retroage à data da aposentadoria anterior;

i) é possível a concessão do abono de permanência, ainda que no preenchimento dos requisitos para a concessão de aposentadoria especial, sob pena de contrariar sua ratioessendi, que é, precisamente, provocar menos aposentadorias e, com isso, dar mais folga orçamentária à previdência pública. Da mesma forma, o tempo especial convertido em tempo comum pode ensejar a revisão do benefício, em consonância com as regras aplicáveis às aposentadorias comuns e aos respectivos abonos de permanência;

j) podem ser contados como tempo especial os afastamentos em virtude de: doação de sangue (art. 97, I, Lei n° 8.112/90); alistamento eleitoral (art. 97, II, Lei n° 8.112/90); casamento (art. 97, III, “a”, Lei n° 8.112/90); luto (art. 97, III, “b”, Lei n° 8.112/90); férias (arts. 77/80, Lei n° 8.112/90); convocação para júri e eleição (art. 102, VI, Lei n° 8.112/90); maternidade (art. 207, Lei n° 8.112/90); paternidade (art. 208, Lei n° 8.112/90); adoção (art. 210, Lei n° 8.112/90); acidente de serviço ou doença profissional (art. 211, Lei n° 8.112/90); aposentadoria por acidente de serviço ou moléstia profissional (art. 40, I, CF/88 e alterações);

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k) também podem ser computados como tempo especial os afastamentos em virtude de licença para tratamento da própria saúde, a teor do disposto na ON n° 10/2010, da SRH/MPOG (art. 11, inciso IV, alínea “a”);

l) cabe à Secretaria de Estado de Saúde – SES, órgão consulente, ao Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal – Iprev e à Secretaria de Planejamento, Gestão e Orçamento do Distrito Federal – SEPLOG regulamentar os métodos de trabalho para a verificação das condições especiais de trabalho e expedição dos laudos técnicos e periciais e demais documentos necessários ao enquadramento do cargo e/ou comprovação da exposição a condições especiais de trabalho, em conformidade com a IN SPS/MPS n° 1/10 e a legislação do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, observando a conceituação técnica de tempo permanente, não ocasional, nem intermitente, cabendo exclusivamente ao Iprev a competência para a expedição das certidões de tempo de atividades especiais de que tratam os autos;

m) verificado o enquadramento da situação individual do servidor, na forma descrita no item anterior, devem compor os autos do processo de aposentadoria a certidão de tempo de serviço/contribuição expedida pelo Iprev e o respectivo laudo médico-pericial que deu origem à certidão;

n) em caso de averbações, os cálculos especiais deverão estar previamente definidos e demonstrados nas respectivas certidões de tempo averbado, com base em regular processo administrativo e/ou judicial implementado na origem, não cabendo a qualquer órgão ou entidade do Distrito Federal reconhecer como tempo especial ou aplicar ponderação sobre tempo certificado por quaisquer outras esferas de governo ou pelo INSS;

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o) o tempo de serviço especial prestado em condições insalubres por servidor público federal, inclusive sob o regime celetista, e o prestado em condições insalubres por servidor público estadual ou municipal sujeito a regime próprio de previdência social podem ser averbados no Distrito Federal com base em certidão expedida pelo próprio órgão de origem;

p) o tempo de serviço especial prestado em condições insalubres por servidor público estadual ou municipal submetido ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e o prestado em condições insalubres à iniciativa privada somente podem ser averbados no Distrito Federal à vista de certidão expedida pelo INSS.

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Processo n°: 10.623/2010 Decisão n°: 6.611/2010