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Dois séculos de dívida pública Guilherme Antonio Ziliotto A história do endividamento público brasileiro e seus efeitos sobre o crescimento econômico (1822-2004)

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  • O endividamento pblico um tema central dos Estados nacionais modernos fundamentalmente em razo de dois efeitos que tem sobre a economia dos pases: de um lado, a dvida pblica atua como forma de financiamento estatal, antecipando fundos no curto prazo para viabilizar investimentos ou minimizar estrangulamentos cambiais, por exemplo; de outro, um instrumento de controle da eco-nomia, seja no aspecto fiscal, seja no monetrio e mesmo cambial.

    Na histria do Estado brasileiro, o papel da dvida pblica, a intensidade de seu uso e seus efeitos sobre a economia variaram muito. Em vrios momentos, o endividamento pblico foi utilizado amplamente como forma de financiamento de pro-jetos estatais; outras vezes, a dvida pblica assumiu um carter to vultoso que passou a ser acusada de ser mais malfica do que benfica economia; e, em outros perodos, foi praticamente relegada ao esquecimento.

    A produo de estudos sobre o endividamento pblico brasileiro tambm oscilou em virtude do maior ou menor uso da dvida pblica como ins-trumento de financiamento e da maior ou menor percepo de sua importncia dentro do ambiente macroeconmico. Alternam-se, assim, na historio-grafia, perodos intensamente debatidos em geral aqueles em que a dvida foi acusada de causar distrbios econmicos importantes e perodos vagamente cobertos. Nesse contexto, os estudos sobre a relao entre dvida pblica e crescimento econmico so particularmente escassos.

    Tentando contribuir para a compreenso des-ses aspectos da histria das finanas pblicas do pas, este livro foi realizado tendo como foco dois objetivos fundamentais: o primeiro deles foi analisar, na histria do Estado brasileiro, a hiptese de cau-salidade entre a dvida pblica e o crescimento eco-nmico; o segundo, foi sintetizar a histria da dvida

    pblica no Brasil, de 1822 a 2004, com base na his-toriografia dominante sobre o tema e nos dados e documentos histricos mais relevantes e difundidos. Essa sntese foi feita tambm no sentido de dar um elemento adicional anlise sobre a relao entre a dvida pblica e o crescimento econmico, por uma perspectiva de anlise histrica, complementando a anlise economtrica perseguida no primeiro objetivo. Tambm se procurou segmentar a histria do endividamento pblico em perodos de carac-tersticas comuns, isto , buscou-se fornecer uma periodizao da histria da dvida pblica brasileira.

    Depois de uma breve introduo sobre os con-ceitos mais importantes utilizados ao longo deste livro, o leitor poder encontrar uma anlise da hist-ria do endividamento pblico brasileiro, segmentado nos intervalos dados pela periodizao e fundamen-tado nas obras mais relevantes e conhecidas sobre o tema. Na sequncia esto sintetizadas as anlises economtricas e estatsticas utilizadas para abordar as questes sobre a causalidade entre dvida pblica e crescimento econmico no Brasil.

    Guilherme Antonio Ziliotto economista, graduado pela Unicamp (1998), com especializao em Gesto e Estratgia das Empresas (Unicamp, 1999) e mestrado pela Unesp (2006). Possui treze anos de experincia profissional, atuando na rea de Finanas e Estratgia na indstria e no setor financeiro, tanto no Brasil como no exterior. Realizou atividades de docncia e pesquisa, com des-taque para publicao de artigos, apresentaes em congressos e obteno, em 2007, da terceira colocao no Prmio Brasil de Economia (Cofecon).

    Dois sculos de dvida pblica

    Guilherme Antonio Ziliotto

    Guilherm

    e Antonio Ziliotto

    Dois sculos de dvida pblica

    Na histria do Estado brasileiro, o papel da dvida pblica, a inten-sidade de seu uso e seus efeitos sobre a economia variaram muito. Em vrios momentos, o endividamento pblico foi utilizado ampla-mente como forma de financiamento de projetos estatais; outras vezes, a dvida pblica assumiu um carter to vultoso que passou a ser acusada de ser mais malfica do que benfica economia; e em outros perodos, foi praticamente relegada ao esquecimento.

    Tentando contribuir para a compreenso desses aspectos da histria das finanas pblicas do pas, este livro procura analisar, na histria do Estado brasileiro, a hiptese de causalidade entre o endividamento pblico e o crescimento econmico e sintetizar a histria da dvida pblica no Brasil, de 1822 a 2004, com base na historiografia dominante sobre o tema e nos dados e documentos histricos mais relevantes e difundidos. Essa sntese foi feita tambm no sentido de dar um elemento adicional anlise sobre a relao entre dvida pblica e crescimento econmico, por uma perspectiva de anlise histrica, complementando a anlise economtrica.

    9 7 8 8 5 3 9 3 0 2 0 1 7

    ISBN 978-85-393-0201-7

    A histria do endividamento pblico brasileiro e seus efeitos sobre o crescimento econmico (1822-2004)

  • DOIS SCULOS DE DVIDA PBLICA

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  • FUNDAO EDITORA DA UNESP

    Presidente do Conselho CuradorHerman Jacobus Cornelis Voorwald

    Diretor-PresidenteJos Castilho Marques Neto

    Editor-ExecutivoJzio Hernani Bomfim Gutierre

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    Fabiana MiotoJorge Pereira Filho

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  • GUILHERME ANTONIO ZILIOTTO

    DOIS SCULOS DE DVIDA PBLICA

    A HISTRIA DO ENDIVIDAMENTO PBLICO BRASILEIRO E SEUS EFEITOS

    SOBRE O CRESCIMENTO ECONMICO (1822-2004)

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  • 2011 Editora UNESP

    Direitos de publicao reservados :Fundao Editora da UNESP (FEU)

    Praa da S, 10801001-900 So Paulo SP

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    CIP BRASIL. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    Z65d

    Ziliotto, Guilherme Antonio Dois sculos de dvida pblica: a histria do endividamento pblico brasileiro e seus efeitos sobre o crescimento econmi-co (1822-2004) / Guilherme Antonio Ziliotto. So Paulo: Editora Unesp, 2011.

    Inclui bibliografi a ISBN 978-85-393-0201-7

    1. Dvida pblica Brasil Histria. I. Ttulo.

    11-8113 CDD: 336.343281CDU: 336.27(81)

    Este livro publicado pelo projeto Edio de Textos de Docentes ePs-Graduados da UNESP Pr-Reitoria de Ps-Graduao

    da UNESP (PROPG) / Fundao Editora da UNESP (FEU)

    Editora afiliada:

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  • SUMRIO

    Prefcio 7Introduo 11

    1 Conceitos de dvida pblica 172 Histria da dvida pblica brasileira 233 Dvida pblica e crescimento econmico 135

    Concluses 215Referncias bibliogrficas 219Anexos 227

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  • PREFCIO

    Esta obra uma adaptao da pesquisa apresentada na conclu-so de meu mestrado em Economia, realizado na Universidade Es-tadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, campus de Araraquara, entre 2004 e 2006.

    Foi motivada pela busca da compreenso do tema da dvida pblica e, essencialmente, se o endividamento pblico brasileiro contribua para o crescimento econmico do pas, ou se, contraria-mente, apresentava-se como um obstculo ao crescimento.

    A proposta do estudo deveria ser desenvolvida, necessariamen-te, por meio da investigao de um perodo de tempo longo, j que seria pouco razovel e, na prtica, invivel abordar a influncia de uma varivel macroeconmica em outra em um perodo curto de tempo. Agregados macroeconmicos levam algum tempo para rea-gir a efeitos provocados por polticas econmicas e outras medidas. Seria, portanto, um estudo de, pelo menos, algumas dcadas.

    Houve alguma surpresa, no entanto, ao constatarmos que no havia uma srie estatstica longa dos dados da dvida pblica brasi-leira. Esse fato causou um problema e, ao mesmo tempo, uma opor-tunidade. O problema seria o tempo a mais exigido para coletar tais dados, sistematiz-los e homogeneiz-los de forma a poderem ser utilizados em anlises; e a oportunidade, a de adicionar uma contri-

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    buio, a coleta, a sistematizao e a disponibilizao desses dados para outros pesquisadores.

    A coleta dos dados de dvida pblica brasileira, de diversas fon-tes, incluindo fontes primrias, acaba assim por ser uma das prin-cipais contribuies desta obra. Alm da dvida pblica, outras estatsticas foram coletadas e sistematizadas, como a Receita da Unio, agregados monetrios e outros dados macroeconmicos. A necessidade de resolver conflitos entre dados divergentes exigiu uma anlise profunda dos mtodos utilizados na coleta e publicao dos dados, de modo que pudssemos apresentar uma srie estats-tica homognea. Essa avaliao nos permitiu entender, por exem-plo, que as estatsticas geradas at 1964 no podem ser analisadas continuamente ao perodo de 1965 em diante, j que os conceitos utilizados mudaram.

    A publicao dessas sries inditas permitir que futuros es-tudantes das finanas pblicas no Brasil ganhem tempo e possam aprofundar suas anlises. A metodologia utilizada e as fontes, de-talhadas em anexos a esta obra, permitiro ainda que o futuro pes-quisador possa fazer sua prpria investigao sobre esta e outras estatsticas. Poder, por exemplo, utilizar a fonte de dados brutos (em moeda corrente) e se valer de outra srie para deflacionar os dados, digamos, trazendo a valores de 2009 ou outro ano (no caso desta pesquisa, as sries foram convertidas a valores reais de 2004).

    A anlise da histria da dvida pblica brasileira, desde 1822, algo panormica, mas tambm tem a contribuio de cristalizar os principais eventos que marcaram a histria das finanas pblicas brasileiras em poucas pginas. Concentra tambm a historiogra-fia sobre o tema, o que poder ser til a estudantes que queiram aprofundar seus conhecimentos em obras e perodos especficos. O captulo da histria da dvida, assim, ser til tanto ao pesquisador do tema da dvida pblica brasileira, como tambm ao estudante que se inicia na abordagem das finanas pblicas em geral.

    De forma mais especfica, os estudos estatsticos e econom-tricos sobre a relao de causalidade entre dvida pblica e o cres-cimento econmico no Brasil so uma forma inicial de investigar

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    o tema, que est longe de ser esgotado. Pelo contrrio, surpreen-deu-nos a relativa falta de estudos especficos sobre essa relao de variveis macroeconmicas to fundamentais. Encontramos, certo, obras tratando de perodos curtos, sobretudo aqueles em que a dvida pblica (e externa) foi acusada de ser causadora de estrangulamentos econmicos. Entretanto, ainda h muito a ser investigado, especialmente uma anlise mais extensa da dvida, incluindo-se na anlise os termos dessa dvida, isto , o prazo de pagamento, os componentes de curto e de longo prazos, os juros, as formas de indexao e, finalmente, o destino dado aos recursos do endividamento. Conforme ser concludo nesta pesquisa, e o que pode ser averiguado somente com o estudo conjunto da histria e das anlises quantitativas, o destino dado pelo setor pblico aos recursos tomados como dvida so tambm fatores fundamentais na determinao do crescimento econmico.

    Em suma, ainda h um vasto nmero de questes no respondi-das sobre a dvida pblica brasileira e sobre os efeitos dela na eco-nomia. Gostaramos de encorajar e, com os dados e anlises desta pesquisa, facilitar a abordagem dessas questes.

    Esta pesquisa teve apoio de um grande nmero de pessoas, desde a coleta inicial dos dados na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e no Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea), at a anlise final dos resultados e estruturao do texto. Em espe-cial, gostaria de destacar o suporte do Prof. Dr. Alexandre Sartoris Neto, orientador da dissertao de mestrado que deu origem a esta obra. Outros professores contriburam com ideias e sugestes de bibliografia. Os professores Elton Eustquio Casagrande, Jos Maria da Silveira e Renato Leite Marcondes contriburam com sugestes valiosas durante o perodo de qualificao e durante a sesso de defesa. Devo destacar o apoio da professora Maria Alice Rosa Ribeiro, que recomendou e forneceu algumas obras biblio-grficas cruciais para realizao desta pesquisa, alm de sugerir um estudo que culminou na apresentao da pesquisa Dvida Pblica Externa no Imprio do Brasil, no X Encontro Nacional de Econo-mia da SEP.

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    Os agradecimentos principais vo minha famlia, meus pais, irms e av, e Gisela, cujo comprometimento e apoio durante a composio deste estudo fizeram que seja tambm deles o mrito da sua realizao.

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  • INTRODUO

    O endividamento pblico um tema central dos Estados na-cionais modernos fundamentalmente em razo de dois efeitos que tem sobre a economia dos pases. De um lado, a dvida pblica atua como forma de financiamento estatal, antecipando fundos no curto prazo para viabilizar investimentos ou minimizar estrangulamen-tos cambiais, por exemplo. De outro, um instrumento de controle da economia, seja no aspecto fiscal, seja no monetrio e mesmo cambial.

    Na histria do Estado brasileiro, o papel da dvida pblica, a intensidade de seu uso e seus efeitos sobre a economia variaram muito. Em vrios momentos, o endividamento pblico foi utili-zado amplamente como forma de financiamento de projetos esta-tais; outras vezes, a dvida pblica assumiu um carter to vulto-so, que passou a ser acusada de ser mais malfica do que benfica economia; e em outros perodos, foi praticamente relegada ao esquecimento.

    De fato, a dvida pblica surgiu como tema central j a partir do nascimento do Brasil como um pas independente. O endivi-damento do setor pblico brasileiro foi, inicialmente, considerado como o catalisador da criao do aparelho estatal da nova nao, possibilitando aos novos estadistas a obteno dos fundos sem os

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    quais seria invivel atender s urgentes demandas de um pas em formao. Havia necessidades imediatas que iam, ento, muito alm das possibilidades tributrias desse Estado nascente.

    He fora de questo, que s por meio de operaes de credito, e por Emprestimos he que convem occorrer s Despezas, que entro na classe de Extraordinarias. [...] Vou indicar as operaes de cre-dito, que julgo indispensaveis, e da maior urgencia nas actuaes circunstancias, em que nos achamos: sero baldados todos os esfor-os da Assembleia Geral, Constituinte, e Legislativa, se no tiver quanto antes sua disposio meios, e grandes meios, para com elles habilitar o Chefe Constitucional deste nascente Imperio a firmar a nossa Independencia, a defender-nos dos nossos Inimigos, e a promover a instruco, e felicidade publica. (Manoel Jacinto Nogueira da Gama, o segundo Ministro da Fazenda no Brasil inde-pendente, em 1823. Ministrio da Fazenda, 1823, p.4)

    No foi, entretanto, sempre assim. Houve momentos em que o endividamento no foi julgado pelo seu potencial em aliviar de-mandas imediatas, mas sim como uma chaga a ser combatida, em razo do nus que seus encargos causavam. Quando a dvida era acumulada com base em recursos externos, havia o agravante de causar estrangulamentos na situao cambial do pas.

    A facilidade de recorrer ao emprstimo constitui a chaga das finanas, e assim que, aparecendo qualquer embarao, no se trata de desfaz-lo por medidas de ordem econmica, restringindo despesas ou suspendendo as que podem ser adiadas; prefere-se liquidar por meio do emprstimo; [...] o crdito, que aprendemos a alcanar como uma fada benfica a multiplicar os bens da huma-nidade, torna-se para os povos um flagelo pior que a peste e a fome na idade mdia, porque estes foram passageiros e o outro perma-nente. [...] Cumpre de alguma sorte no sermos egostas preten-dendo descontar os recursos futuros em proveito do presente; [...] convm atender s necessidades do pas nos limites de suas foras,

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    tratando-se do indispensvel; assim procede quem tem recursos limitados. (Carreira, 1980, p.666-8)

    O lema do novo regime deve ser, pois, fugir dos emprstimos e organizar a amortizao, no contrair novas dvidas e reservar, ainda que com sacrifcio nos seus oramentos, quinho srio ao res-gate. [...] O desequilbrio entre a receita e a despesa a enfermidade crnica da nossa existncia nacional. (Rui Barbosa, em 1889, apud Nascimento & Debus, 2001, p.7)

    Em contraste, existiram perodos em que a dvida pblica foi considerada como instrumento fundamental s estratgias de de-senvolvimento do pas, na medida em que permitia canalizar fun-dos para que o Estado pudesse realizar investimentos, compatibili-zando a manuteno de altas taxas de crescimento econmico com baixa inflao.

    A administrao da dvida pblica importante basicamente porque ela afeta a estabilidade econmica do Pas havendo alto nvel de emprego e crescimento econmico e estabilidade dos pre-os, ou inflao ou depresso. O principal teste da dvida pblica ser sua capacidade de contribuir, ao mximo, para a estabilidade do emprego em um alto e crescente nvel, sem inflao. (Edsio Ferreira (1974, p.283), expressando a viso do Banco central do Brasil sobre o financiamento pblico na dcada de 1970)

    E existiram, ainda, perodos em que o endividamento pblico ficou esquecido, fosse porque as condies de crdito externo e interno ao setor pblico inexistiam, ou porque a poltica econmica tivesse abdicado desse mecanismo de financiamento estatal, ou ambas as razes.

    Como poderamos supor, a produo de estudos sobre o endivi-damento pblico brasileiro tambm oscilou em virtude do maior ou menor uso da dvida pblica como instrumento de financiamento e da maior ou menor percepo da sua importncia dentro do am-

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    biente macroeconmico. Alternam-se, assim, na historiografia, perodos intensamente debatidos, em geral aqueles em que a dvida foi acusada de causar distrbios econmicos importantes, e pe-rodos vagamente cobertos pela historiografia. Nesse contexto, os estudos sobre a relao entre dvida pblica e o crescimento econ-mico so particularmente escassos.

    Tentando contribuir para a compreenso desses aspectos da histria das finanas pblicas brasileiras, este estudo foi realizado tendo como foco dois objetivos fundamentais. O primeiro deles foi analisar, na histria do Estado brasileiro, a hiptese de causalidade entre a dvida pblica e o crescimento econmico. Abordamos as seguintes questes:

    A dvida pblica brasileira teve influncia sobre o crescimento econmico nacional?

    Em quais momentos isso ocorreu? Qual a forma e qual a medida desta influncia? A forma e a

    medida dessa influncia mudaram ao longo do tempo? Na presena de quais fatores ocorre essa mudana? O que podemos dizer sobre a endogeneidade entre dvida

    pblica e crescimento econmico, ou seja, sobre a hiptese de que o crescimento econmico e dvida pblica tenham se afetado mutuamente?

    A relao de causalidade entre dvida pblica externa e cres-cimento econmico distinta da relao entre dvida pblica interna e crescimento?

    Essas questes foram abordadas com uso de ferramentas esta-tsticas e economtricas,1 cuja anlise est exposta no Captulo 3 e na Concluso.

    1 Econometria o ramo da economia que se vale de ferramentas estatsticas com objetivo de testar hipteses e compreender fenmenos complexos, com base em dados quantitativos e teoria econmica. Neste estudo, a econometria foi usada sobretudo para realizao de testes de hiptese, destacadamente testes de causalidade (se A causa B, B causa A, se ambos se influenciam ou se no h influncia de qualquer sentido).

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    O segundo objetivo foi sintetizar a histria da dvida pblica brasileira, de 1822 a 2004, com base na historiografia dominante sobre o tema e nos dados e documentos histricos mais relevantes e difundidos. Essa sntese foi feita tambm no sentido de dar um elemento adicional anlise sobre a relao entre a dvida pblica e o crescimento econmico, por uma perspectiva de anlise histrica, complementando a anlise economtrica perseguida no primeiro objetivo. Tambm se procurou segmentar a histria do endivi-damento pblico em perodos de caractersticas comuns, isto , buscou-se fornecer uma periodizao da histria da dvida pblica brasileira.

    Um dos pr-requisitos para a realizao desses dois objetivos era a disponibilidade das sries de dados da dvida pblica brasilei-ra, de 1822 a 2004, segmentadas em sries de dvida pblica externa e de dvida pblica interna. Como essas sries no se apresentavam disponveis de forma contnua para todo o perodo de estudo, foi necessrio construir uma srie a partir de sries menores de fontes distintas, com o cuidado de que essa colagem de sries obedecesse a conceitos compatveis, de modo que uma srie consistente pudesse ser obtida. Assim, essa construo de sries para a dvida pblica, interna e externa, de 1822 a 2004, terminou por se configurar em um objetivo adicional que foi a base, como mencionado, para a rea-lizao dos dois objetivos principais. Pelo seu ineditismo, essa srie configura-se tambm como uma contribuio adicional e est dis-ponibilizada, juntamente com outras estatsticas, no Anexos 2 e 3.

    Este estudo apresenta-se segmentado em trs captulos e uma concluso.

    Uma breve introduo sobre os conceitos mais importantes uti-lizados ao longo deste estudo encontra-se no Captulo 1. A anlise da histria da dvida pblica brasileira est apresentada no Captu-lo 2. Essa anlise foi segmentada nos intervalos dados pela perio-dizao e fundamentou-se nas obras mais relevantes e conhecidas sobre o tema da dvida pblica brasileira, tendo se valido ainda de documentos primrios (como os relatrios do Ministrio da Fazen-da, no perodo imperial) e das sries de dados e de indicadores.

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    No Captulo 3 esto sintetizadas as anlises economtricas e es-tatsticas, utilizadas para abordar as questes do primeiro objetivo, essencialmente sobre a causalidade entre dvida pblica e cresci-mento econmico no Brasil.

    Apesar de termos fornecido dados da dvida pblica para todo o perodo 1822-2004, as anlises economtricas restringiram-se ao perodo 1900-2004, uma vez que a disponibilidade de dados para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro (fornecidos pelo Ipea) limitava-se, no momento de realizao deste estudo, a este menor intervalo.

    Os principais resultados obtidos ao longo dos captulos 2 e 3 foram consolidados, sinteticamente, nas Concluses.

    Um maior detalhamento da metodologia de obteno dos dados, construo das sries estatsticas e testes economtricos foram regis-trados em Anexos. Explicamos como foram construdas as sries de dados de dvida pblica, seguindo pela escolha das fontes de dados primrios disponveis, pela colagem dos dados de fontes distintas em sries nicas e, finalmente, pela converso dessas sries a uma mesma moeda e um mesmo nvel de preos. Descrevemos, ainda, como foi realizada a construo de sries de indicadores. Adicio-nalmente, detalhamos os critrios que levaram nossa proposta de periodizao da dvida pblica brasileira, que partiu das sries de dados e da anlise histrica. Por fim, abordamos algumas conside-raes tericas sobre a relao de causalidade entre dvida pblica e PIB, de modo a dar fundamento terico s hipteses de que a dvida pblica e o crescimento econmico podem causar estmulos, isola-damente de uma varivel sobre a outra, ou mesmo mutuamente.

    Ao final do texto, apresentamos, tambm na forma de Anexos, as sries de dados que foram utilizadas nos testes economtricos e que foram usadas como base para a anlise histrica. Isso permitir a estudantes e pesquisadores do endividamento pblico brasileiro que deem continuidade ao estudo deste que , essencialmente, um tema ainda bastante virgem.

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  • 1CONCEITOS DE DVIDA PBLICA

    Introduo

    Inicialmente, necessrio explicar os conceitos e a escolha das variveis usadas ao longo deste estudo. importante notar que a nomenclatura e mesmo os conceitos sobre o tema no Brasil varia-ram ao longo do tempo, exigindo, portanto, extrema cautela na considerao das categorias de dvida pblica. H diversas catego-rias de anlise e conceitos sobre o endividamento pblico. Os mais utilizados nesta obra esto listados a seguir.

    Conceitos

    Dvida Pblica Interna da Unio (DIU)

    Adotamos como conceito de dvida pblica interna da Unio o conjunto de ttulos e aplices emitidos pelo governo central brasi-leiro, correspondendo ao Imprio de 1822 a 1889 e ao governo fe-deral de 1890 a 2004. Tratamos, portanto, das seguintes categorias:

    a dvida pblica interna fundada da Unio de 1822 a 1964; e a dvida pblica mobiliria federal interna (DPMFi) de

    1965 a 2004.

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    dvida pblica interna fundada da Unio correspondem os ttulos e aplices no compulsrios com rentabilidade determinada por juros, geralmente prefixados. Existia, sobretudo na poca do Imprio, a figura da dvida pblica flutuante, porm, essa no foi considerada porque assumiu, muitas vezes, um carter compul-srio ou unilateral, e frequentemente esses ttulos eram dados em troca de dvidas e atrasados do Estado perante os credores. Os ttu-los da dvida flutuante chegavam a circular na economia assumindo caractersticas de moeda (Carreira, 1980).1 A dvida flutuante tam-bm tinha um carter de curtssimo prazo, e seu vencimento no ultrapassava o perodo de um ano. Caracterizava-se, assim, mais como um passivo de curto prazo do governo do que propriamente um ttulo pblico.

    Para o perodo que vai de 1965 at o ano de 2004, tomamos como base os dados da dvida pblica mobiliria federal interna, conceito que corresponde ao valor dos ttulos emitidos pelo Tesou-ro Nacional e que foram vendidos ao pblico. No foram conside-rados os ttulos em poder do Banco Central (Bacen), uma vez que estes ltimos no so derivados de um endividamento voluntrio e caracterizam monetizao (so, em essncia, ttulos emitidos para operaes em mercado aberto e instrumento da poltica monetria).

    Os dois perodos, assim, obedecem a critrios essencialmente semelhantes: ttulos remunerados emitidos pelo governo central e adquiridos pelo pblico. Entendemos que, obedecendo a critrios semelhantes, as sries estatsticas de endividamento interno dos perodos 1822-1964 e 1965-2004 esto alinhadas.

    Dvida Externa do Setor Pblico (Desp)

    Queremos abranger com o conceito de dvida externa do setor pblico todo o endividamento pblico tomado mediante recursos externos, seja pela Unio, seja pelos Estados, pelos municpios, por autarquias ou por empresas estatais.

    1 Sobre o tema, ver CARREIRA, 1980.

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    Sob esse conceito incorporam-se no somente o endividamento em ttulos, mas tambm as dvidas contratuais assumidas junto a terceiros no exterior. So exemplos importantes dessas dvidas contratuais os passivos assumidos junto a bancos comerciais es-trangeiros (como os emprstimos realizados junto aos Rotschild, no perodo imperial) e as dvidas pblicas externas assumidas junto a organismos internacionais (como os emprstimos obtidos do Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento, na dcada de 1970), assim como os recursos de refinanciamento (como os emprstimos do Fundo Monetrio Internacional (FMI) a partir da dcada de 1970).

    Vale ressaltar que adotamos neste estudo conceitos de dvida pblica bruta. A escolha da dvida bruta deve-se ao fato de que as estatsticas de dvida pblica lquida, apesar de serem preferidas por alguns autores e agncias oficiais de controle do endividamen-to, esto sujeitas a arbitrariedades e variaes sbitas. As estatsti-cas da dvida lquida consideram a dvida passiva bruta subtrada pela dvida ativa da entidade do setor pblico em questo. Ou seja, o que o Estado deve a terceiros, menos o que o Estado tem a receber de terceiros. A dvida ativa a soma de dvidas de outros agentes com o Estado, que pode sofrer reavaliaes peridicas, como o can-celamento de uma parte da dvida de terceiros com o Estado quan-do se entende que no sero mais pagas. Assim, o cancelamento de parte da dvida ativa causa variaes significativas e sbitas. Essas variaes interfeririam em uma anlise economtrica, despistando as variaes que de fato queremos que os modelos e testes econom-tricos captem, isto , as variaes do endividamento que influen-ciam no fluxo de caixa do financiamento estatal, e no as variaes contbeis prprias do regime de competncia.

    Dvida Pblica Monetizvel Total (DPMonT)

    simples soma da DIU com a Desp denominamos Dvida P-blica Monetizvel Total, ou DPMonT. Trata-se de um conceito criado neste estudo e no encontra uso difundido na historiografia ou na bibliografia terica sobre o tema.

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    Isso ocorre porque essa soma no exatamente intuitiva. Trata--se da soma de conceitos distintos. Se, por um lado, a DIU con-templa apenas a dvida interna do governo central (seja o Imprio, seja o governo federal republicano), por outro, a Desp contempla tambm Estados, municpios e os entes da administrao indireta (cuja relevncia maior est nas empresas estatais). Houve dois mo-tivos para utilizarmos (e criarmos) esse conceito. O primeiro, de ordem prtica, que a disponibilizao de dados da dvida interna de Estados e municpios (ou das provncias do perodo do Imprio) escassa e pouco confivel; havendo muita divergncia e mudana de conceitos entre os diversos entes federativos. Isso inviabilizou, na prtica, a obteno dos dados das dvidas pblicas internas, exceto para a Unio, cujos dados de endividamento encontram melhor tratamento.

    Outro ponto fundamental que no faria sentido tratarmos somente da dvida externa da Unio, uma vez que a dvida externa tomada por Estados, municpios e empresas estatais foi significa-tiva ao longo do tempo. H ainda um aspecto terico importante: a dvida pblica externa do setor pblico como um todo afeta a quantidade de moeda em circulao em uma economia e, sendo esse um mecanismo de propagao do crescimento ou de criao de estrangulamentos externos, no poderia ser deixada de lado. Quando uma empresa estatal toma emprstimos em moeda estran-geira e internaliza esses recursos no pas para, digamos, realizar um investimento local, no primeiro momento haver uma expanso da base monetria do pas. Alm de afetar a quantidade de moeda local em circulao, essa dvida afetar ainda o Balano de Pagamentos, na ordem dos encargos contratados e na medida dos termos do emprstimo.

    A dvida interna de Estados, municpios e estatais, por sua vez, no impacta a quantidade de moeda em circulao, salvo se hou-vesse entesouramento dos recursos (o que no uma hiptese muito vlida). Dessa forma, o endividamento interno de Estados e municpios, pelo menos no aspecto monetrio, aparenta-se mais como um endividamento privado: por fim, trata-se da transferncia

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    de renda de um agente a outro, de modo que o gasto ou investimen-to do devedor somente seria possvel diante de poupana prvia do credor. Ou seja, a antecipao do gasto de um s ocorre diante da postergao do gasto de outro. Nessa situao, somente possvel imaginar uma variao no crescimento econmico se as taxas de retorno dos investimentos dos agentes fossem muito distintas.

    Diferentemente desse cenrio, a Unio pode sim criar moeda, pois, no Brasil, detm o monoplio do controle e da emisso de moeda. De forma que a Unio pode optar entre tomar uma dvida interna ou emitir moeda; pagar uma dvida anterior com expanso monetria ou com supervits fiscais; pode ainda utilizar o endi-vidamento justamente como ferramenta de controle monetrio, por exemplo, emitindo ttulos pblicos e esterilizando parte da base monetria em circulao. As relaes entre dvida da Unio, moeda, inflao e produo so mais diretas, pelo menos do ponto de vista terico convencional.

    Assim, acaba por fazer sentido somar as categorias de DIU e Desp. De qualquer forma, em todas as anlises realizadas no Cap-tulo 3, foram feitos testes com as trs variveis.

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    DVIDA PBLICA BRASILEIRA

    Introduo

    Este captulo trata da anlise da histria da dvida pblica brasi-leira, interpretada com base na evoluo da dvida externa do setor pblico e na dvida interna da Unio, conforme a conceituao apresentada no captulo anterior.

    Na seo a seguir, resumimos os principais acontecimentos que delinearam a evoluo da dvida pblica brasileira, tomando como base algumas das obras mais consagradas da historiografia sobre o tema. Esta seo est segmentada em microperodos de anlise, cuja diviso foi feita com o objetivo de aglomerar o extenso perodo de an-lise em intervalos menores e de caractersticas comuns. Ao incio de cada microperodo, resumimos as suas caractersticas mais marcantes e a seguir descrevemos em mais detalhes os traos mais relevantes do perodo em questo, no que concerne ao endividamento pblico.

    Finalmente, na terceira seo, fazemos uma interpretao dos principais fatos do perodo coberto na seo anterior, alm de algu-mas interpretaes sobre a possvel relao entre a dvida pblica e o crescimento econmico em alguns momentos da histria brasileira.

    O leitor ir notar que, ao longo de todo este captulo, dada maior nfase a alguns perodos, com destaque para o sculo XIX e

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    para o perodo das reformas aps o golpe militar de 1964. O perodo de 1822 a 1899 foi particularmente detalhado de modo a compen-sar, em parte, a ausncia de dados confiveis sobre o PIB desses anos. Essa lacuna nas sries estatsticas da atividade econmica brasileira impossibilitou que os anos do perodo 1822-1899 fossem abordados pela anlise economtrica, que ficou restrita, portanto, ao perodo 1900-2004, e, sendo assim, procuramos ilustrar com mais detalhes os aspectos histricos sobre o endividamento pblico. Tambm dado enfoque particular ao perodo imediatamente pos-terior a 1964, pela importncia das reformas econmicas e institu-cionais daquela poca que vieram a alterar profundamente as carac-tersticas e o comportamento do endividamento pblico brasileiro.

    Anlise sinttica da histria da dvida pblica brasileira

    O nascimento da dvida pblica brasileira (1822-1829)

    O ano de 1822 inaugurou a histria do Estado nacional brasilei-ro e iniciou-se, com o episdio da Independncia, a histria de seu endividamento pblico. No por decorrncia desse evento, nem por definio, mas pelo reconhecimento voluntrio de ttulos da dvida interna, que precediam a Independncia e foram assumidos pela nascente monarquia nacional. Assumir a responsabilidade por esses ttulos significava, na prtica, continuar tendo acesso a fontes de financiamento, algo de que o governo desse Estado embrionrio sabia que no podia dispor. A soma da dvida interna da Unio, representada por ttulos da dvida pblica fundada, chegava ento a 5,7 mil contos de ris em 1822, atingindo 12 mil contos, em 1826, e havendo sido reduzida a 3,7 mil contos, posteriormente, em 1829. Em uma converso nossa moeda atual (Real) e ao nvel de preos de 2004 (considerando a inflao acumulada e as converses mone-trias no perodo), o valor de 5,7 mil contos de ris equivalia a algo em torno de R$ 109 milhes. Isso equivalia a cerca de dois anos da Receita Bruta do Imprio, somando todas as provncias e o Gover-

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    no Geral do Rio de Janeiro, e era um valor j bastante elevado para a poca. Para efeito de comparao, no ano de 2004 essa razo atin-giu o valor de 0,87, considerado muito alto mesmo para economias emergentes. Posteriormente, a soma de dvidas interna e externa chegaria a cerca de nove vezes a receita anual. O Estado brasileiro, portanto, j nasceu bastante endividado.

    A dvida pblica externa, diferentemente da interna, era nula em 1822, tendo surgido, a partir desse perodo, por meio dos cha-mados emprstimos da Independncia, tomados junto a credores e bancos no exterior, nomeadamente na Inglaterra. Em 1824, rea-lizou-se o primeiro emprstimo externo, no valor de 1,3 milho de libras esterlinas. Emprstimos adicionais em 1825 e 1829 levaram a dvida pblica externa a 5,1 e 5,5 milhes de libras.

    Juntamente com o surgimento da dvida pblica vieram os pri-meiros esforos de regulament-la e control-la, refletidos na Lei 15 de novembro de 1827 e na criao do Grande Livro da Dvida Pblica.

    O endividamento pblico desse primeiro perodo exibido nas Figuras 1 a 3, a seguir, em mil-ris, em libras esterlinas e em pro-poro s receitas brutas do Governo Geral. A seguir, detalharemos os principais eventos que deram essa forma ao processo inicial de endividamento pblico no Brasil.

    Figura 1 Dvida pblica (1822-1829)Fonte: Srie prpria. Ver anexo 1.

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    Figura 2 Dvida pblica externa em (1822-1829)Fonte: IBGE.

    Figura 3 Dvida Pblica em % das receitas da Unio (1822-1829) Fonte: Srie prpria. Ver anexo 2.

    O processo de endividamento interno do setor pblico no Bra-sil, na forma de letras e ttulos pblicos, precede o ano de 1822. Antes da Independncia, as provncias e o Governo Geral do Rio de Janeiro atuavam com certa autonomia e contraam dvidas in-dependentemente, sem que houvesse uma lei ou autoridade maior que as controlasse de forma eficaz. Somente a partir do incio do sculo XIX que passaram a ser realizadas medidas mais efetivas com o objetivo de regular o endividamento estatal, tendo sido uma dessas medidas o Alvar de 9 de maio de 1810, que delimitava um

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    prazo de trs anos para a prescrio de Letras (ttulos remunerados a juros fixos) anteriores a 1797 (Assis Ribeiro, 1972, p.44-6). Essa medida, especificamente, que se restringia ao Governo Geral do Rio de Janeiro, exemplifica a pouca organizao com que o crdito pblico havia sido conduzido at ento e mostra, tambm, o esforo do novo governo em iniciar um maior controle do endividamento pblico, j que a prescrio estimulava uma corrida de resgates dos ttulos a expirar. Mesmo assim, apesar de ter sido at ento baseada em instrumentos jurdicos precrios, a dvida pblica fundada in-terna do Governo Geral no era nada desprezvel, tendo somado o valor de 5.700 contos de ris em 1822 (Carreira, 1980).1

    O endividamento pblico externo, por sua vez, nasceu com a Independncia. Veremos, com base nas anlises expostas a seguir, que ele foi consequncia do limite das outras formas de financia-mento estatal (at mesmo do endividamento interno), da rigidez de seu sistema tributrio e das necessidades urgentes de composi-o de uma estrutura administrativa e militar do Estado nascente. Conforme ser exposto, o governo imperial no tinha capacidade de aumentar a arrecadao no montante e na velocidade exigidos pelas despesas que eram imprescindveis formao do novo Estado. E, por sua vez, no podia conter ou sequer adiar os gastos administra-tivos, de infraestrutura e militares. Havia, assim, demanda por cr-dito por parte do Estado brasileiro, e essa demanda era sancionada pela crescente oferta de recursos externos nesse perodo.

    Em 1823, Manoel Jacinto Nogueira da Gama, ento ministro da Fazenda, reportava a dificuldade financeira por que passavam o Imprio e as provncias, j aludindo necessidade da tomada de emprstimos no exterior.

    1 A moeda brasileira vigente de 1822 at 1941 foi o mil-ris. Um conto de ris equivalia a mil mil-ris, sendo que tambm se encontra por vezes o uso do termo um milho de ris. Escrevemos 1:000$000. Os algarismos direita do smbolo $ so lidos como tostes, e mil tostes equivalem a 1 mil-ris. Apresenta-se, no Anexo 2, uma relao com todas as moedas brasileiras e as reformas monetrias efetuadas no perodo de estudo abrangido.

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    He fora de questo, que s por meio de operaes de credito, e por Emprestimos he que convem occorrer s Despezas, que entro na classe de Extraordinarias, como sejo a do pagamento das Divi-das anteriormente contrahidas; as que de necessidade se devo fazer para a defeza, e conservao do Estado na presena de alguma guerra; para o melhoramento da Agricultura, Commercio e Nave-gao; e para a Instruco Publica. [...] Vou indicar as operaes de credito, que julgo indispensaveis, e da maior urgencia nas actuaes circunstancias, em que nos achamos: sero baldados todos os esfor-os da Assembleia Geral, Constituinte, e Legislativa, se no tiver quanto antes sua disposio meios, e grandes meios, para com elles habilitar o Chefe Constitucional deste nascente Imperio a firmar a nossa Independencia, a defender-nos dos nossos Inimigos, e a promover a instruco, e felicidade publica [...]. Estes meios nos so oferecidos por Capitalistas Inglezes, sem os solicitarmos, como tem feito varias Naes da Europa, e mesmo da America [...]. (Ministrio da Fazenda, 1823, p.4)

    O ministro aludia, concretamente, oferta de 2,5 milhes de libras esterlinas, emprstimo que teria prazo de 30 anos, com juros compostos de 4% ao ano.

    Durante o perodo imperial, os lderes da nao e ministros te-riam que conviver com esta questo: como prover os recursos ne-cessrios s enormes demandas exigidas na formao de um Estado nacional, tendo ainda que defender a unidade do territrio con-tra movimentos revoltosos e naes estrangeiras, e usando como base uma economia tambm em desenvolvimento, dispersa em um vasto territrio? Em outros termos, como formar e sustentar uma estrutura estatal, administrativa e militar, suportada em uma economia escravista primrio-exportadora? Conforme veremos, a evoluo da dvida pblica durante o Imprio a histria de como essa questo no foi respondida.

    preciso fazer referncia ao sistema tributrio do Imprio, a fonte ordinria de recursos estatais. Em 1822, a alquota do im-posto de importao sobre mercadorias de origem portuguesa ou

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    inglesa era de 15% ad valorem, sendo de 24% para as mercadorias de outras naes. Havia algumas excees, como tributos especficos para vinhos e escravos, mas essa era a regra geral. De menor impor-tncia, mas tambm significativo, era o imposto sobre a exportao, que geralmente correspondia a 2% ad valorem (Deveza, 1969).

    Esses dois tributos respondiam, ento, por cerca de 80% das receitas do Imprio. No momento da Independncia brasileira, a alquota de direitos de importao de produtos ingleses estava limitada (da mesma forma, taxa de 15%) pelo tratado de 1810, que expiraria apenas em 1844. Mas nada impedia o aumento das alquotas para bens de outras naes, o que foi realizado ainda em 30 de dezembro de 1822, com o ajuste para 24% do imposto sobre os bens de origem portuguesa, alm de outras tarifaes adicionais. Essas medidas, porm, tiveram pouco efeito prtico uma vez que a maior parte das importaes era mesmo de origem inglesa. Tiveram tambm pouca durao porque, como parte das negociaes para reconhecimento da Independncia, em 29 de agosto de 1825, os direitos aduaneiros de bens trazidos de Portugal foram igualmente reduzidos a 15%; e acordos com a mesma tarifa foram estendidos aos bens importados de Frana (1826), ustria, Prssia, Cidades Hanseticas (1827), Dinamarca, Pases-Baixos e Estados Unidos (1828) (ibidem, p.64). Portanto, em 1828, a poltica tributria en-contrava-se, na prtica, engessada.

    Quais eram as opes do Estado para a obteno dos recursos to urgentes?

    A primeira delas era a emisso monetria. Notemos, no entanto, que a doutrina monetria de ento era essencialmente metalista e a economia, pouco monetizada, havendo limitado espao para resolver as questes de dficit com base em expanso da oferta de moeda. Com efeito, entre 1822 e 1888, o total das emisses do governo imperial aproximou-se de 189 mil contos de ris (Carreira, 1980). No mesmo perodo, os dficits oramentrios totalizaram mais de 846 mil contos de ris.2 Assim, mesmo que o governo im-

    2 Dados oramentrios baseados em Ministrio da Fazenda, Ipea e IBGE.

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    perial tenha utilizado as emisses como uma alternativa de finan-ciamento, elas no foram suficientes para a cobertura dos dficits.

    A alternativa seguinte era o endividamento interno. Esse endi-vidamento ocorria de duas formas: a primeira consistia no atraso dos pagamentos de passivos correntes (como salrios, pagamentos de fornecedores etc.); a segunda forma de endividamento interno era derivada da emisso de bilhetes, aplices e ttulos do Tesouro, remuneradas a juros, que compunham as chamadas dvida flu-tuante (de curto prazo) e dvida fundada (de prazo mais extenso). Sabemos que, durante o Imprio, a dvida fundada foi uma forma de financiamento usada exausto, tendo ultrapassado em saldo o endividamento externo nos perodos de 1841 a 1849, de 1854 a 1864 e de 1869 a 1888. Ao final do Imprio o saldo da dvida interna fundada ultrapassava a dvida pblica externa em cerca de 198 mil contos. (Carreira, 1980).3

    Mesmo tendo sido importante, o endividamento interno tam-pouco foi suficiente e, consequentemente, recursos adicionais foram procurados no exterior sempre que necessrio. Isso fica evi-dente pelas palavras j citadas do ministro da Fazenda, Manoel Jacinto Nogueira da Gama.

    Nesse sentido, durante um contexto de dificuldades oramen-trias e financeiras, em 1824, nasceu a dvida pblica externa bra-sileira, quando foi concretizado o primeiro emprstimo soberano denominado em libras esterlinas.

    No era, no entanto, o crdito de 2.500.000 a 6% anunciado na imprensa no ms de dezembro anterior. Aparentemente esse havia sido retirado devido a rumores de uma tentativa conjunta portu-

    3 Os dados da Dvida Pblica Interna Fundada da Unio e Dvida Pblica Mobiliria Federal Interna tiveram como base: para 1822, 1823 e 1826 (Car-reira, 1980). Para 1824, 1825 e 1827 (Ministrio da Fazenda, Relatrios Anu-ais). De 1828 a 1893 (Apec, 1960). De 1894 a 1964 (IBGE, Estatsticas Retros-pectivas). De 1965 a 2000 (IBGE, Estatsticas do Sculo XX). De 2001 a 2004 (Bacen). Ver Anexo 1 para detalhes.

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    guesa e francesa de subjugar a nova nao novamente autoridade europia. A quantia de face era agora 1 milho, com juros de 5%, e no 6%, e estava assegurada pela receita alfandegria. Os gerentes desse novo lanamento eram Baylett, Farquhar & Co., Alexander & Co., e Wilson, Shaw & Co., conhecidos agentes de cmbio da City e comerciantes que concordavam em dividir sua comisso de 4% com os emissrios do governo brasileiro que tinham ido a Londres para negociar o emprstimo. O preo de lanamento foi 75, com ttulos pagveis em dez cotas at 17 de maio de 1825. (Dawson, 1998, p.112)

    Em 1825, o Imprio assumiu ainda uma parcela da dvida por-tuguesa (1.400.000 de emprstimos remanescentes), bem como uma indenizao a Portugal por bens aqui deixados pela antiga Me-trpole (600.000), e ao final desse ano a dvida soberana somava 3,7 milhes de libras.4 Convertido em moeda corrente, esse valor correspondia a 23.343 contos de ris, enquanto a dvida interna somava 8.086 contos.5

    4 Dados sobre dvida pblica externa em libras fornecidos pelo Ipea (Ipeadata srie 94859642) registram 5,1 milhes para o ano de 1825, valor que tambm reportado por Carreira (1980) e Bouas (1946). Esses dados divergem dos nmeros publicados por Dawson (1998), que apresenta dvidas contradas na ordem de 3.686.200. A divergncia pode vir do fato de que o emprstimo de 1824 totalizava uma disponibilidade de 3 milhes, mas apenas 1.686.200 foram sacados nesse ano. No relatrio oficial do Ministrio da Fazenda de 1824, consta o valor de 3.686.200, sendo 1.333.300 relativos ao emprs-timo mencionado por Dawson e adicionais 2.352.900 relativos a emprstimo de Nathan Mayer Rotschild, esse ao preo de 85 (Ministrio da Fazenda, 1824, p.117). Os mesmos dados so confirmados no Parecer da Comisso de Fazenda da Cmara dos Deputados do mesmo ano (p.11).

    5 Os dados da Dvida Pblica Externa em moeda corrente nacional tiveram como base: De 1822 a 1959, IBGE (Anurios Estatsticos). De 1960 a 1964, Banco do Brasil (1965). Para 1965, M. Silva (1976, p.142). Para 1966 foi reali-zada uma interpolao entre os dados de 1965 e 1967. Para 1967 a 1971, World Bank (1975). Para 1972, World Bank (1979). De 1973 a 2004, Bacen (Boletins do Bacen).

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    preciso notar que esse processo de endividamento no surgiu espontaneamente, e que, como j demonstrava o ministro Nogueira da Gama, havia um grande estmulo por parte dos capitalistas ingleses nessa proviso de fundos. No perodo de 1822 a 1825, mais de 20 milhes em ttulos governamentais latino-america-nos foram colocados no mercado de capitais de Londres (Dawson, 1998, p.17). O endividamento externo brasileiro estava inserido em um contexto em que diversos pases da Amrica Latina tornavam--se independentes e, tal como o Brasil, precisavam com urgncia formar seus Estados nacionais ao mesmo tempo que financiavam suas guerras de emancipao.

    Conforme mencionamos, a dvida interna, que j era relevante em 1810, seguiu em expanso, tendo atingido, em 1822, o valor de 5.700 contos e ultrapassando os 8.500 contos em 1824.

    relevante mencionar que, em 1827, o Imprio apresentou Cmara dos Deputados um projeto de lei com objetivo de tributar em 10% os lucros de capitais privados como forma de melhorar as condies fiscais, ou seja, a primeira tentativa de se criar um Imposto de Renda de Pessoa Jurdica. Projeto que foi reprovado pelos deputados (Deveza, 1969, p.65). Os anos de 1827 e 1828 mar-caram um aumento das despesas militares em virtude da disputa contra a Argentina pela Provncia Cisplatina (Banda Oriental), agravando com isso a situao fiscal.

    Ainda em 1827, foi realizada uma mudana institucional que considerada por muitos autores como o marco fundamental da dvida pblica brasileira: a Lei de 15 de novembro de 1827. Essa lei regulamentou juridicamente a dvida pblica, definiu concei-tualmente os tipos de dvida, regulamentou a emisso de ttulos, normatizou tambm as dvidas contratuais, fixou critrios para as amortizaes e pagamentos de juros, estabeleceu penas para falsifi-cadores e criou o Grande Livro da Dvida Pblica, o documento oficial consolidado de escriturao e controle de todas as dvidas pblicas, internas ou externas. Criou ainda a Caixa de Amortiza-o, rgo responsvel pelo controle e administrao operacional da dvida pblica (Assis Ribeiro, 1972, p.46-8). Juntamente com

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    a criao da nova lei, foi feita a primeira consolidao da dvida interna pblica, com emisso no valor de 12 mil contos de ris. Ao final desse ano, a dvida total (interna mais externa) somava 36.990 contos de ris.

    No ano de 1829, aps uma sucesso de dficits e com pagamen-tos de juros e obrigaes, o Imprio viu-se novamente em situao difcil, tendo que contrair novo emprstimo externo. Com efeito, os juros da dvida externa com vencimento em outubro de 1829 s puderam ser pagos devido ao emprstimo externo adicional de 769.000 obtidos de Rotschild e Thomas Wilson & Co. (Dawson, 1998, p. 234).

    Diante da crise fiscal em que se mergulhava o Imprio, diversas medidas foram tomadas nesse perodo no sentido de melhorar a eficincia da arrecadao. Em 27 de agosto de 1830, as superinten-dncias e juntas de cobrana de impostos perderam a funo de re-colher as dcimas urbanas, impostos que passaram a ser recolhidos diretamente na Corte e Provncia do Rio de Janeiro, pelo Tesouro, e nas provncias pelas juntas ou administraes de fazenda. Em 10 de setembro do mesmo ano, um outro ato de centralizao do recolhimento de tributos foi realizado, com a abolio das mesas dos despachos, cujos emolumentos passaram a ser recolhidos nas administraes de rendas e pelas estaes que recolhiam direitos de exportao (Carreira, 1980, p.182-3). Entretanto, essas medidas pouco contriburam. Os dados do endividamento mostram que, em 1830, a dvida chegava ao patamar das 5 milhes e 300 mil libras (equivalentes a 59 mil contos).

    Nesse perodo, apesar de todas as dificuldades, o Brasil seguia sendo o nico pas latino-americano que honrava suas obrigaes de devedor, tanto nos pagamentos de juros como nos vencimentos das amortizaes. Graas a essa atitude, o pas tinha, ainda, algum aces-so aos capitais ingleses. Note-se, entretanto, que as taxas de juros cobradas para este ltimo emprstimo foram de 10,5% a.a., contra uma taxa de 5% a.a. dos emprstimos anteriores, enquanto os ttulos da Inglaterra pagavam em mdia 3,3% a.a. (Abreu, 1998, p.11).

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    Apesar do crescimento da dvida pblica externa, o endivida-mento interno foi mantido em patamares mais baixos por algum tempo, tendo se limitado a 3.681 contos de 1828 a 1831.

    O amadurecimento do Estado nacional (1830 a 1857)

    O perodo compreendido entre os anos 1830 e 1857 registrou uma melhora nos indicadores de endividamento pblico. Essa me-lhora foi reflexo de um maior aparelhamento do Estado nas ques-tes de cobrana e controle de tributos, de iniciativas legislativas no sentido de reduzir conflitos entre as polticas tributrias de Imprio e provncias, do maior poder tributrio derivado, sobretudo, do tr-mino dos tratados que limitavam o impostos de importao a 15% e, ainda, do crescimento do comrcio exterior, com destaque para as exportaes de caf.

    Apesar dos dficits fiscais que atravessaram o perodo e do au-mento do valor absoluto do endividamento pblico, a proporo do endividamento pblico sobre as receitas brutas do Estado diminuiu.

    A dvida externa do setor pblico, que somava 5.331.700, em 1830, foi mantida, em 1857, no mesmo patamar, 5.345.500, mesmo aps ter atingido um pico de 6.979.050 no ano de 1852. Em moeda nacional, porm, a dvida externa do setor pblico caiu de 59 mil contos para 27,7 mil contos. A dvida interna da Unio, por sua vez, evoluiu de 3,7 mil contos para mais de 57,7 mil contos nesse mesmo intervalo. A soma dessas dvidas, portanto, cresceu de 62,7 mil contos, em 1830, para 85,4 mil contos de ris, em 1857.

    A preos de 1900, entretanto, a soma das dvidas foi reduzi-da, nesse perodo, passando de 267 mil contos de ris de 1900, em 1830, para 223 mil contos de ris de 1900, em 1857.6

    Se observamos o indicador de DPMonT/Receita Bruta da Unio, essa reduo ainda mais ntida, passando de 379%, em 1830, para 174%, em 1857. Essas estatsticas esto ilustradas nas Figuras 4 a 6.

    6 O clculo dos valores a preos de 1900 seguiu procedimentos anlogos aos descritos para a converso dos dados a preos de 2004.

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    Figura 4 Dvida pblica (1830-1857)Fonte: Srie prpria. Ver anexo 1.

    Figura 5 Dvida pblica externa em (19830-1857) Fonte: IBGE.

    Figura 6 Dvida pblica em % das receitas da Unio (1830-1857)Fonte: Srie prpria. Ver anexo 1.

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    Considera-se que as principais marcas do Primeiro Reinado, de 1822 a 1831, foram o endividamento das provncias, o agravamento dos dficits fiscais e a urgncia das despesas extras exigidas pelas guerras internas e externas (Ministrio da Fazenda, 1946). Mas essas no foram caractersticas nicas do Primeiro Reinado. Ini-ciada a Regncia, em 1831, o Estado brasileiro seguia com dificul-dades fiscais e dficits importantes, que causavam efeitos nocivos sobre o cmbio e a moeda (Carreira, 1980, p.180-1).

    Assim era descrito o cenrio das finanas pblicas, nas palavras do Conselheiro Jos Igncio Borges, em seu relatrio ao Parlamento:

    [...] Agora ganhamos a causa da nacionalidade, e tanto basta para sofrer de bom grado os sacrifcios que convm fazer, para o fim de restabelecer a nossa independncia iludida e abafada por uma dvida de 55.980:344$600 interna e externa,7 que nos faz experi-mentar a calamidade de ver substitudas as espcies metlicas por um papel depreciado, e por uma moeda fraca, que tem provocado a imoralidade da falsificao at dos estrangeiros, resultando numa tal crise, que leva a proclamar a misria pblica. (apud Carreira, 1980, p.185)

    Um aspecto importante da crise eram as dificuldades fiscais por que passava o Imprio. Alm da rigidez dos tributos imperiais de-rivada dos tratados que limitavam o imposto de importao, havia ainda o problema do conflito tributrio entre Imprio e provncias. Pois as provncias, que igualmente se encontravam em situao de dficits oramentrios crnicos, criavam impostos que, alegava o Imprio, contribuam para distorcer e retardar o desenvolvimento das foras produtivas. Por exemplo, produtos que eram comercia-lizados entre vrias provncias eram multiplamente tarifados por meio de impostos sobre a circulao de bens. O acar era taxado cinco vezes, a aguardente oito, o tabaco e a criao de gado seis, o algodo trs, sem contar o imposto de exportao (Ministrio da

    7 Refere-se somente s dvidas interna e externa da Unio.

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    Fazenda, 1831, p.13). Denunciava-se, tambm, desleixo e preva-ricao de muitos agentes da administrao pela sua impunidade, acobertados com o sistema misterioso e obscuro da escriturao do Tesouro [...] (Carreira, 1980, p.185).

    Diversas medidas administrativas e legislativas foram tomadas no sentido de aumentar a receita geral e reduzir as incompatibilida-des entre os sistemas tributrios imperial e das provncias. Em 15 de novembro de 1831, o Imprio proibiu os impostos sobre circu-lao entre provncias e criou critrios para dividir as competncias tributrias entre Imprio e provncias, mas a lei teve pouco alcance, tendo sido muitas vezes desrespeitada pelas autoridades locais. Em 1834 (Ato Adicional) e 1835 (Lei n.99 de 31 de outubro), novas tentativas legislativas foram feitas para reformar a estrutura tribu-tria e a diviso de tributos entre Imprio (a receita geral, que inclua o municpio do Rio de Janeiro) e provncias.8 A Carta de Lei de 4 de outubro de 1831 centralizou as funes de arrecadao da receita geral no Tesouro Pblico Nacional, criando ainda um tribunal cuja principal funo seria a de fiscalizar as receitas e as despesas imperiais (Carreira, 1980, p.186, 221-2, 243-4). A lei 3 de outubro de 1834 determinou aumentos em diversos tributos e taxas imperiais, mesmo em alguns cujos fatos geradores eram atividades perifricas ao comrcio exterior (como taxas de ancoragem e arma-zenagem). Institua, tambm, impostos sobre atividades econmi-cas internas, como as dcimas de prdios urbanos, impostos nas casas de leilo e modas e imposto sobre lojas abertas.

    A despeito das tentativas esperanosas, e de uma certa melhoria nas condies de arrecadao (Carreira, 1980, p.221-2, 226 e 249), estava claro que as receitas somente aumentariam significativa-mente com a manipulao da alquota dos direitos aduaneiros ou com o aumento das quantidades exportadas, que eram variveis

    8 O Ato Adicional (Lei n.16 de 12 de agosto de 1834) ainda regulamentou a autonomia das provncias em contrair e administrar emprstimos, dando uma maior autonomia s autoridades provinciais em gerenciar seu endividamento interno.

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    de pouco controle para o governo imperial. Apesar da melhora fis-cal observada entre 1833 e 1837, quando alguns supervits foram registrados, no final da Regncia as dificuldades fiscais retorna-ram, em meio ao que se denominou crise tripliceforme: poltica, econmica e financeira (Ministrio da Fazenda, 1946). Os dficits acumulados entre 1838 e 1840 chegaram a 18.429 contos, equiva-lentes a 42% da receita desse trinio. A urgente busca por recursos que financiassem os dficits pode ser exemplificada na lei de 23 de outubro de 1839:

    Por este decreto determinou-se que, para suprir o dficit pre-sumvel do corrente exerccio, o governo era autorizado a emitir papel-moeda proporo que as necessidades do Tesouro o exigis-sem, e bem assim a contrair um emprstimo com o cofre dos rfos do municpio da Corte, ou com qualquer outra corporao de mo morta, no excedendo o juro de 6% ao ano.[...] Se pudesse o governo contrair fora do Imprio um emprstimo mais vantajoso aos interesses nacionais do que a venda das aplices, o poderia fazer na mesma importncia, ou em parte, para o mesmo fim. (Carreira, 1980, p.259)

    Com efeito, a defasagem entre receitas e despesas teve que ser coberta com novas emisses monetrias e endividamento. A dvi-da pblica interna da Unio, que havia crescido de 3,7 mil contos de ris, em 1831, para um patamar de 19,6 mil contos, em 1838, fechou o ano de 1840 em quase 31 mil contos de ris, um cresci-mento bastante significativo, capaz de estimular a depreciao das aplices, o que era j motivo de preocupao ao ento ministro da Fazenda Manoel Alves Branco (ibidem, p.265). Enquanto a dvida externa do setor pblico, que era de 5.331.700 (53,3 mil contos de ris), em 1831, e de 5.206.700 (42,5 mil contos), em 1838, estabi-lizou-se no patamar de 5.580.400 (equivalentes a 41 mil contos de ris), em 1840. Desde 1834, a dvida interna passou a crescer a uma velocidade maior que a externa, refletindo o maior acesso do gover-no ao crdito domstico. Estava-se realizando com algum sucesso

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    a conteno da dvida pblica externa, com base nos crescentes re-cursos tomados no mercado domstico, prtica cuja importncia foi assinalada por Miguel Calmon du Pin e Almeida em seu relatrio do Ministrio da Fazenda de 1838 (ibidem, p.253-4).

    Quanto s fontes ordinrias de recursos, elas ganharam flego adicional a partir desse perodo. O vencimento dos tratados de co-mrcio que limitavam as alquotas dos impostos de importao era j esperado e o aumento das alquotas dos impostos visto como uma soluo crise fiscal, conforme entendia em 1841 o conselheiro Miguel Calmon du Pin e Almeida:

    Apesar do constante aumento das rendas pblicas, era foroso fazer o sacrifcio de ir aumentando as fontes de receita do Estado: um pas novo cuja organizao ainda no est completa tem neces-sidades crescentes e no deve ser com sucessivos emprstimos, ordinariamente desvantajosos, que se ho de satisfazer os seus encargos. (ibidem, p.269)

    Com o final dos principais tratados liberais de comrcio, expi-rados entre 1840 e 1844, as taxas do imposto de importao foram revisadas, tendo sido institudas tarifas entre 2% e 60%. As novas alquotas de importao chegavam a considerar impostos maiores para bens estratgicos e cujo estmulo produo nacional era de interesse dos governantes. Os gneros estrangeiros com similares no pas seriam contemplados com direitos de 50 a 60% (ibidem, p.283). Bens considerados como de primeira necessidade estariam sujeitos alquota de 20%, enquanto os gneros de menores valores e volume ficaram sujeitos a alquotas entre 2% e 10%. Vigorando a partir de 11 de novembro de 1844, essas novas alquotas fica-ram conhecidas como tarifas Alves Branco em meno ao ento ministro da Fazenda (Deveza, 1969, p.70). Como consequncia, as receitas tributrias foram incrementadas. Vale comentar que a demanda por importados se mostrou ser relativamente inelstica, j que mesmo com o importante aumento dos preos derivado das maiores tarifas, a importao reduziu-se em uma proporo menor

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    que o aumento relativo dos preos: caiu de 55 mil contos de ris em 1844/45 para 52 mil contos em 1845/46.9 O que, portanto, valeu um significativo aumento de receitas ao governo (mais de 1.000 contos de ris, ou adicionais 7% comparando com o perodo ante-rior). Pela primeira vez desde 1837 as contas pblicas apresentavam resultado superavitrio, ainda que a um patamar de despesas 75% maior que no final da dcada de 1830.10

    A dvida pblica externa, que havia atingido, em 1839, o valor de 5.580 mil chegou, em 1844, soma de 6.187 mil (cerca de 52 mil contos de ris). A dvida pblica interna ultrapassava pela primeira vez os 45 mil contos. Em razo das receitas adicionais pos-sibilitadas pela alta dos tributos, esse patamar foi mantido at 1850. No entanto, o supervit fiscal foi observado brevemente entre os exerccios de 1846 a 1847, tendo sido, juntamente com a melhora da condio de circulao monetria e das cotaes dos ttulos p-blicos, motivo de celebrao pelo ento ministro da Fazenda, o vis-conde de Albuquerque (Carreira, 1980, p.303-5). O perodo entre 1848 e 1852 foi marcado pelo retorno dos dficits com despesas crescentes, culminando neste ltimo ano em despesas da ordem dos 43 mil contos de ris (contra 27 mil contos em 1947). Nesse mesmo perodo a receita tambm cresceu (cerca de 10 mil contos, de 28 mil a 38 mil), mas no o suficiente para cobrir o aumento das despesas, que incorporavam os gastos incrementais com juros. O aumento das receitas havia sofrido o impacto da reduo do comrcio exte-rior com a Europa, que atravessava graves crises polticas (ibidem, p.307). Em 1850 completaram-se sete anos em que o pagamento das amortizaes da dvida externa pblica estava suspenso. Os juros, porm, seguiam sendo pagos.11

    O aumento de receitas, iniciado em 1851, levou a uma srie de supervits fiscais, culminando em 1857, quando as receitas atin-giram um patamar recorde de 49.156 contos de ris. A principal

    9 Dados de comrcio exterior do IBGE (Anurio IBGE, 1912). 10 Dados oramentrios com base em Ministrio da Fazenda, Ipea e IBGE. 11 Dados sobre os pagamentos de juros e amortizaes do IBGE (1990).

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    causa desse aumento das receitas foi o crescimento das exportaes, que subiram de 67 mil contos de ris em 1852 para cerca de 115 mil contos em 1857, ajudadas pelo aumento expressivo nas exportaes de caf.12 Durante esse perodo, o governo imperial pde continuar pagando as amortizaes, o que permitiu uma reduo do saldo devedor externo. Entre 1851 e 1852, foi amortizado o valor de 245 mil do total da dvida pblica externa. O ano de 1853 foi marcado por uma significativa amortizao no valor de 1,1 milho de li-bras, quando o governo imperial termina de quitar as obrigaes com Portugal. Outras importantes amortizaes da dvida pbli-ca externa foram realizadas de 1854 a 1857, num total de 527 mil, aproveitando-se o momento de estabilidade do cmbio (ibi-dem, p.326, 337, 353, 357). A dvida pblica externa, que atingira 6.979 mil, em 1852, estava reduzida a pouco mais de 5 milhes, em 1857, o mesmo patamar de 1825 em termos nominais, o que, em termos reais, representava um valor significativamente menor.

    Crescimento entre choques (1858 a 1900)

    Os mais de quarenta anos compreendidos entre os ureos anos de 1857/1958 e o final do sculo XIX registram um aumento consis-tente do endividamento pblico no Brasil. A dvida pblica interna da Unio, que era de 58 mil contos de ris, em 1857, ultrapassou os 483 mil contos, em 1900. Um crescimento ainda mais acentuado foi observado no endividamento externo do setor pblico, que passou de 27,7 mil contos (5,3 milhes) para 1.471,3 mil contos de ris (44,2 milhes) no mesmo intervalo. O total do endividamento (DPMonT), portanto, subiu de 85,4 mil contos para 1.954,8 mil contos, um aumento de 22,9 vezes, representando um crescimento mdio anual de 7,6%.

    Apesar desse importante crescimento nominal, entendemos que o endividamento pblico nesse perodo no esteve fora do con-

    12 Sobre o incremento das exportaes em virtude do caf, ver Delfim Netto (1959, p.10-16).

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    trole das autoridades estatais de forma sistemtica. A anlise do indicador de dvida pblica/Receita Bruta da Unio mostra que a evoluo do endividamento nesse perodo no teve uma tendncia ascendente definida, mas oscilou ao sabor de choques exgenos. Esses choques foram a Guerra do Paraguai, a grande seca da dcada de 1870, a Grande Depresso europeia, a crise do fim do Imprio e o Encilhamento.

    Mesmo no havendo uma tendncia intrnseca de crescimento do endividamento, a cada choque as dvidas assumidas no pero-do de crise faziam que o endividamento como um todo passasse a um patamar mais alto. Esse comportamento do endividamento na forma de degraus pode ser observado na Figura 7 a seguir.

    Figura 7 Dvida pblica externa em (1858-1900)Fonte: IBGE.

    A despeito do importante crescimento da dvida pblica nesse perodo, os indicadores de endividamento tiveram seu crescimento limitado pelo tambm significativo crescimento das receitas esta-tais, puxado, por sua vez, pelo crescimento da economia domstica e do volume de comrcio exterior.

    Outra marca importante do endividamento da segunda metade do sculo XIX o destino dos recursos: uma grande parcela dos em-prstimos externos da Unio foi destinada a investimentos pblicos em ferrovias, ligados, sobretudo, s reas de produo de caf.

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    As Figuras 8 e 9 complementam as descries sobre a evoluo do endividamento pblico nesse perodo.

    Figura 8 Dvida pblica (1858-1900)Fonte: Srie prpria. Ver anexo 1.

    Figura 9 Dvida pblica em % das receitas da Unio (1858-1900)Fonte: Srie prpria. Ver anexo 2.

    Primeira fase (1858 a 1871): Investimentos pblicos e a Guerra do Paraguai

    O perodo de 1858 a 1871 registrou um retorno dos desequil-brios oramentrios, fato notado com preocupao pelos dirigentes das finanas pblicas:

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    sobretudo notvel a diminuio no movimento comercial que por diversas razes havia tomado grande extenso, observando-se abatimento, escassez de capital flutuante, morosidade nos paga-mentos e no pequeno nmero de quebras. Estas causas produzi-ram aproximadamente uma diminuio de 4.000:000$ nas rendas pblicas. (Carreira, 1980, p.381-2)

    Alm das crises comerciais internas e externas,13 essa redu-o das receitas era devida tambm eliminao dos direitos de exportao, de 2%. Os dficits foram intensificados entre 1865 e 1870 especialmente em razo da Guerra do Paraguai. Entre 1858 e 1863, houve uma mudana na tendncia da dvida pblica exter-na, que at 1857 era de queda pelas sucessivas amortizaes, mas passou a subir levemente. Isso em muito se deveu, tambm, aos novos emprstimos externos tomados para a realizao de inves-timentos, sobretudo ferrovirios, no tendo sido causado somente pelos dficits oramentrios (ibidem, p.375-92). Os investimen-tos totais realizados pelo Estado em ferrovias, durante o perodo imperial, somaram cerca de 196 mil contos de ris, intensificados a partir de meados do sculo XIX at as ltimas duas dcadas do Imprio. Somente a Estrada de Ferro D. Pedro II, ligando a capital do Imprio a Vassouras (ento uma importante regio cafeeira), consumiu investimentos da ordem de 104 mil contos de ris. A dvida pblica esteve diretamente atrelada construo dessas ferrovias, ora pelos emprstimos externos tomados para sua efeti-vao, ora em razo dos ttulos pblicos dados em troca de compa-nhias frreas j abertas, como tinha sido o prprio caso da Estrada de Ferro D. Pedro II, cujo encampamento, em 1864, havia se reali-zado com o equivalente a 25 mil contos de ris em ttulos pblicos (ibidem, p.798).

    A principal fonte de recursos adicionais nesse perodo pr--Guerra foi o endividamento interno, cujo saldo passou de 59 mil

    13 Referncia crise comercial de 1857 nos Estados Unidos (Carreira, 1980, p.394).

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    contos de ris, em 1858, para 69 mil contos, em 1961, e atingiu 76 mil contos em 1863. At esse ano ainda se acreditava que a reduo das receitas era momentnea, tendo como causa diversos fatos dis-sociados, como a crise nos cafezais e doenas como febre amarela e clera. Admitia-se, entretanto, que mesmo que as receitas vol-tassem ao patamar normal, o resultado seria deficitrio (ibidem, p.400). Em 10 de setembro de 1864, deu-se uma crise comercial e financeira no Rio de Janeiro, com corridas bancrias e culminando na falncia de 95 casas comerciais, impactando tambm o movi-mento dos negcios e as receitas pblicas (ibidem, p.414-15). Os sucessivos dficits foram cobertos com novos emprstimos pbli-cos, ainda que a tomada de recursos internamente estivesse de certa forma limitada pela baixa oferta de recursos, em consequncia das turbulncias financeiras derivadas das crises comerciais. Foram, assim, obtidos emprstimos externos complementares, a exemplo do contrato de 7 de outubro de 1863, no valor de 3,3 milhes (ibidem, p.416-17).

    O estado das finanas pblicas, que j se desenhava em crise desde o final da dcada de 1850, tomou um aspecto calamitoso com o incio da Guerra do Paraguai.

    A despesa pblica tinha tido aumento notvel, pelo progresso que nos ltimos tempos tiveram os melhoramentos materiais e pela criao de servios exigidos pelas circunstncias do Pas; era ela, pois, orada em 58.875:184$938, dando-se um dficit sobre a receita de 3.875:184$938, no se compreendendo as despesas extraordinrias, que pesavam sobre os cofres pblicos com a guerra que o Pas sustentava com a Repblica do Paraguai.

    As circunstncias econmicas do Pas tornavam indispensvel e urgente que o Governo fosse habilitado pelo corpo legislativo com os meios necessrios para vencer as dificuldades de momento e evi-tar os embaraos do futuro; entre estes meios, entendia ele [o ento Conselheiro Carlos Carneiro de Campos] estarem o da reduo das despesas, o aumento da renda e a autorizao para emprstimos. (ibidem, p.423)

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    Em poucos momentos da histria do Estado brasileiro a dvida pblica cresceu a taxas to altas quanto nesse perodo de conflito. As despesas extraordinrias de Guerra foram sua causa essencial. No exerccio de 1865/1866, as despesas de guerra (Ministrios da Marinha e da Guerra), inicialmente oradas em 21 mil contos de ris, foram realizadas em mais de 80 mil contos, correspondendo a 66% dos gastos da Unio. No ano de 1868, auge da Guerra, as despesas da Unio chegaram a 166 mil contos de ris (com os gastos de Marinha e Guerra somando 98,8 mil contos), correspondendo quase ao triplo dos gastos de 1863. O dficit do governo foi de 95 mil contos nesse ano. O dficit acumulado no perodo 1858-1871 somou 385 mil contos.

    Notamos que, durante esse perodo de 1858 a 1871, as receitas do governo foram crescentes, ultrapassando os 100 mil contos de ris em 1872. Esse crescimento era, em parte, um reflexo do cres-cimento da economia domstica alavancado pelas exportaes de caf, com impacto tambm no aumento das importaes e, portan-to, das receitas tributrias que ainda tinham sua base nestes dois fatos geradores. Mas era, de forma mais importante, resultado do enorme esforo governamental em aumentar as receitas, de todas as fontes possveis. Entendia, em 1869, o ento ministro da Fazenda, o visconde de Itabora:

    Conquanto no seja o Brasil uma das naes menos onera-das de impostos, e pese que estes, quando exagerados, longe de serem teis, atacam as fontes de produo e agourentam em vez de aumentar os recursos do estado, todavia no v outro meio de res-tabelecer, como era indispensvel, as nossas finanas. Era foroso exigir novos sacrifcios do contribuinte, pois que os governos, como os particulares, no podem viver continuamente de emprstimos. (Carreira, 1980, p.455)

    Foi realizado, ento, um incremento das alquotas de importa-o e foram, ainda, institudos novos tributos. Criaram-se o im-posto sobre os rendimentos, taxando a 3% os rendimentos locati-

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    vos imobilirios, e o imposto sobre lucros, taxando-se em 1,5% os rendimentos distribudos por sociedades annimas.14 Tambm foi institudo o imposto sobre heranas, at mesmo para a transfern-cia de ttulos pblicos, revogando-se o artigo 37 da Lei de 15 de novembro de 1827 (ibidem, p.448, 452).

    Como, entretanto, j foi mencionado, os vultosos gastos extras de Guerra exigiram, alm da tributao extra, um incremento das receitas extraordinrias pelo endividamento, tanto interno quanto externo.

    Assim, a dvida pblica externa atingiu 15.825 mil, em 1871, equivalentes a 153 mil contos de ris (sofrendo impacto tambm da depreciao do cmbio). O emprstimo de 1865 foi realizado somente aps uma intensa negociao com os credores externos, que j sinalizavam que a dvida externa pblica brasileira estava chegando a nveis perigosamente altos. Nesse perodo, a necessi-dade de recursos foi to grande que o governo imperial buscou em-prstimos a altas taxas de juros no exterior e tambm no mercado domstico, notando-se que essa atrao de capitais ao setor pblico desviava recursos que se destinariam iniciativa privada, chegando a atrapalhar a formao e o desenvolvimento de empresas privadas (ibidem, p.465). A dvida interna da Unio ultrapassou os 251 mil contos. Entre 1864 e 1871, a Guerra do Paraguai exigiu uma des-pesa extra de 613 mil contos, e a maior parte dos recursos foi finan-ciada pelo endividamento. A emisso de papel moeda pelo Estado tambm foi largamente usada como forma de obteno de recursos extraordinrios, somando cerca de 123 mil contos de expanso entre 1864 e 1871 (Ministrio da Fazenda, 1946, p.78-81). A depreciao cambial derivada da emisso monetria tambm contribuiu para o aumento da dvida pblica externa em moeda local.

    Os exerccios de 1865 a 1870 liquidaram-se com o dficit de 385.336:149$ que foi preenchido pelos seguintes recursos extraor-dinrios, para os quais foi o governo autorizado:

    14 A Lei n.1.507 de 26 de setembro de 1867 vigorou apenas extraordinariamente, tendo sido extinta em 1875 (Deveza, 1969, p.75).

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    Depsitos 8.505:452$000Emprstimo externo 49.416:275$000Emprstimo nacional 27.000:000$000Emisso de aplices 141.828:268$000Emisso de papel-moeda 124.074:698$000Bilhetes do Tesouro 53.090:745$000(ibidem, p.467)

    Terminada a Guerra, as finanas pblicas melhoraram de ma-neira sbita, por causa da reduo dos gastos blicos e dos incre-mentos de receita derivados dos novos impostos e alquotas esta-belecidos no perodo de conflito. Valia-se, ainda, do aumento da gerao de riquezas internas, que no havia sido abalado pelo con-flito. Assim, no fim de uma guerra dispendiosssima, que durou cinco anos, ostentava o Brasil maior robustez, maior riqueza, maior prosperidade, sendo de esperar que a despesa pblica no excedesse receita ordinria nos exerccios de 1870-1871 e 1871-1872 (Car-reira, 1980, p.470).

    O segundo perodo de choques (1872 a 1880): juros, secas e a grande depresso

    A gerao de supervits fiscais no ano de 1872 foi efmera: o excedente registrado pelo ento ministro da Fazenda visconde do Rio Branco foi revertido em dficit j em 1873. Nesse ano, o pas entrou em uma nova fase de dificuldades oramentrias causadas por choques, fase essa que perdurou de 1873 a 1880, quando os dficits acumulados da Unio somaram 255,7 mil contos de ris. A dvida interna da Unio passou de 255 mil contos de ris para 338 mil contos, um aumento de 83 mil contos de ris, ou 32,4% no perodo (mdia de 4,09% ao ano). Enquanto a dvida externa do setor pblico passou de 125 mil contos, em 1873, para 131 mil contos de ris, em 1880, depois de ter atingido 165 mil contos, em 1875. Nesse ano de 1875, foi tomado um emprstimo no valor de 5 milhes para que se pudessem financiar os dficits e mesmo para possibilitar o pagamento dos juros de emprstimos anteriores,

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    o que evidenciava a fase crtica pela qual passavam as finanas p-blicas (ibidem, p.501-4).

    Esse crescimento da dvida pblica foi causado especialmente por trs fatores.

    O primeiro deles foi o nus adicional dos juros derivados das dvidas assumidas durante a Guerra do Paraguai (S. Silva, 1976, p.34). De 1861 a 1870, os juros com a dvida pblica externa ha-viam sido, em mdia, de 514 mil libras por ano, mas o incremento da dvida fez que os gastos com encargos passassem a 768 mil libras por ano, em mdia, na dcada de 1871 a 1880, levando-se em conta, tambm, que a depreciao da moeda nacional elevava ainda mais os custos dos servios (IBGE, 1990).

    So bem conhecidas as principaes causas do considervel aug-mento da despeza publica nestes ltimos dez annos. preciso no esquecer que os compromissos que tivemos de contrahir para occorrer aos gastos extraordinarios da guerra com o Paraguay e suas conseqncias, trouxeram-nos encargos que por muitos annos se faro sentir. Apenas terminada a guerra, sobreviram as difficul-dades sabidas [...] as quaes obrigaram as Reparties da Guerra e Marinha a exceder em muito, durante dous annos, os creditos votados, e a conservar no Paraguay foras de mar e terra; o que acarretou despezas no previstas nos respectivos oramentos, e que no podiam ser suppridas pela renda ordinria. (Ministrio da Fazenda, 1877a, p.12)

    O segundo fator foi o aumento do dficit causado pela seca no norte do pas (hoje Nordeste). A seca influenciou no sentido de reduzir as receitas, pelas interferncias que causou na produo e renda (e, portanto, na exportao e importao). E contribuiu, tambm, para o aumento das despesas, tendo exigido do governo imperial gastos extraordinrios para socorrer os habitantes locais.

    Esses dois fatores, entre outros de menor relevncia, so men-cionados nos relatrios dos ministros da Fazenda daqueles anos para explicar as dificuldades oramentrias.

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    As seccas, as inundaes, o mo estado sanitario da Crte e das Provncias, todos esses males, que diminuem a produco, paralysam o commercio e quebram a cadeia da immigrao, juntos s variaes constantes das taxas, a que nos tm levado as nobres aspiraes de aperfeioar o systema tributario e de proteger algu-mas industrias, interrompem a progresso ascendente da renda e tornam improficuo qualquer cotejo, que se pretenda fazer, dos exercicios passados. (Ministrio da Fazenda, 1877, p.3)

    De acordo com o visconde do Rio Branco, em seu relatrio de 1874, os anos de guerra haviam inflado a estrutura de gastos pbli-cos, argumento tambm usado pelo conselheiro Afonso Celso de Assis Figueiredo, anos mais tarde, para explicar o dficit de 1879. O baro de Cotegipe, em 1876, entendia que a reduo nas receitas era natural, e derivava da