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ESTUDOS AVANÇADOS 33 (97), 2019 119 Introdução CIDADE representa a forma que os seres humanos preferem para viver em sociedade e prover suas necessidades cotidianas. Atualmente 55% da população mundial vivem nas cidades. Em 2030, mais de 60% das popu- lações em todo o mundo serão urbanas. Já as projeções para 2050 apresentam que o total deverá estar em 70% (UN, 2015). No Brasil, a população urbana já chega a 85%, o que representa uma das maiores taxas do mundo. À medida que as cidades crescem em tamanho e população, aumenta também a dificuldade de se manter o equilíbrio espacial, social e ambiental. Devido à sua complexidade, a cidade pode ser entendida como um ecos- sistema vivo, considerando o conceito em seu sentido amplo, uma unidade am- biental, em que todos os elementos e processos do ambiente são inter-relaciona- dos e interdependentes, de modo que um a mudança em qualquer componente resultará terá impacto nos outros componentes (Silva; Vargas, 2010). Segundo Engel e Almeida (2017), além dos elementos naturais que inte- gram o ecossistema das cidades, é necessário somar os processos econômicos, políticos e culturais – o ecossistema social. A cidade expressa, pois uma interação sistêmica e recíproca entre ecossistema social e ecossistema natural. Por outro lado, Os centros urbanos crescem e com eles crescem os gran- des problemas sociais e desequilíbrios ambientais, que resultam na diminuição da qualidade de vida, degradação ambiental acelerada e riscos de governabili- dade – uma característica não presente nos ambientes naturais, em que não há “decisões” tomadas por autoridades ou representantes da população. Nesse sentido, as cidades têm como desafio enfrentar os problemas urba- nos com o objetivo de oferecer uma melhor qualidade de vida à sua população, ao mesmo tempo que mantém ou incrementa o crescimento econômico e tam- bém garante a equidade e a sustentabilidade ambiental (Nam; Pardo, 2011). De acordo com Acselrad (2004), na literatura especializada, encontram-se dois tipos de tratamento da questão da sustentabilidade urbana: um tratamento Inovação urbana e recursos humanos para gestão de cidades sustentáveis CLÁUDIA TEREZINHA KNIESS, I ALEXANDRE DE OLIVEIRA E AGUIAR, II DIEGO DE MELO CONTI III e ARLINDO PHILIPPI JR. IV A DOI: 10.1590/s0103-4014.2019.3397.007

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Introduçãocidade representa a forma que os seres humanos preferem para viver em sociedade e prover suas necessidades cotidianas. Atualmente 55% da população mundial vivem nas cidades. Em 2030, mais de 60% das popu-

lações em todo o mundo serão urbanas. Já as projeções para 2050 apresentam que o total deverá estar em 70% (UN, 2015). No Brasil, a população urbana já chega a 85%, o que representa uma das maiores taxas do mundo. À medida que as cidades crescem em tamanho e população, aumenta também a dificuldade de se manter o equilíbrio espacial, social e ambiental.

Devido à sua complexidade, a cidade pode ser entendida como um ecos-sistema vivo, considerando o conceito em seu sentido amplo, uma unidade am-biental, em que todos os elementos e processos do ambiente são inter-relaciona-dos e interdependentes, de modo que um a mudança em qualquer componente resultará terá impacto nos outros componentes (Silva; Vargas, 2010).

Segundo Engel e Almeida (2017), além dos elementos naturais que inte-gram o ecossistema das cidades, é necessário somar os processos econômicos, políticos e culturais – o ecossistema social. A cidade expressa, pois uma interação sistêmica e recíproca entre ecossistema social e ecossistema natural.

Por outro lado, Os centros urbanos crescem e com eles crescem os gran-des problemas sociais e desequilíbrios ambientais, que resultam na diminuição da qualidade de vida, degradação ambiental acelerada e riscos de governabili-dade – uma característica não presente nos ambientes naturais, em que não há “decisões” tomadas por autoridades ou representantes da população.

Nesse sentido, as cidades têm como desafio enfrentar os problemas urba-nos com o objetivo de oferecer uma melhor qualidade de vida à sua população, ao mesmo tempo que mantém ou incrementa o crescimento econômico e tam-bém garante a equidade e a sustentabilidade ambiental (Nam; Pardo, 2011).

De acordo com Acselrad (2004), na literatura especializada, encontram-se dois tipos de tratamento da questão da sustentabilidade urbana: um tratamento

Inovação urbana e recursos humanos para gestão de cidades sustentáveis CLÁUDIA TEREZINHA KNIESS, I

ALEXANDRE DE OLIVEIRA E AGUIAR, II

DIEGO DE MELO CONTI III e ARLINDO PHILIPPI JR. IV

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normativo, empenhado em delinear o perfil da “cidade sustentável” a partir de princípios do que se entende por um urbanismo ambientalizado; e um trata-mento analítico, que parte da problematização das condições sociopolíticas em que emerge o discurso sobre sustentabilidade aplicado às cidades. Ainda segun-do o autor, os discursos sobre sustentabilidade têm como um dos seus aspectos centrais a busca pela eficiência na utilização dos recursos.

A questão é que as comunidades urbanas cada vez mais estão se dando conta de que precisam buscar novas alternativas para continuar a crescer e se desenvolver. Nesse espaço, a inovação e a tecnologia entram de vez na pauta das cidades, como parte da busca por mecanismos capazes de proporcionar um novo salto na qualidade de vida das pessoas. O fato é que é necessário trazer a inovação e a tecnologia para a pauta de discussões sobre gestão urbana sustentável.

É nesse cenário que o conceito de cidades inteligentes tem se solidificado, uma vez que ao mesmo tempo em que a concentração urbana amplia os proble-mas como congestionamento, poluição, desigualdades sociais e limita o acesso aos serviços básicos, também possibilita a massiva interconexão de pessoas às redes de comunicação.

Considerando que a expressão “cidade inteligente” possa ter diversas di-mensões como a econômica, a ambiental, a humana e de governança, autores como Caragliu et al. (2011) descrevem que seu foco principal é dado à dimen-são tecnológica, especificamente as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), pois essas tecnologias impactam diretamente os outros fatores, como aplicações de e-goverment para governança, novas formas de comunicação, ges-tão de recursos e acesso ao conhecimento em relação ao capital humano. Os autores ressaltam também a importância de que a comunidade assimile os co-nhecimentos necessários para usar a tecnologia em seu benefício, e que a ausên-cia dessa assimilação pode gerar conflitos.

Ressalta-se ainda que sem o capital humano não seria possível a implanta-ção das inovações como um dos principais agentes de geração de oportunidades para enfrentamento de desafios em todos os setores (Engel; Almeida, 2017).

Nesse sentido, este artigo traz uma discussão sobre as temáticas de inova-ção, capital humano e sustentabilidade no contexto das cidades sustentáveis e cidades inteligentes.

Inovação e sustentabilidade urbanaA humanidade vive um momento disruptivo relacionado às diversas opor-

tunidades tecnológicas, expondo que as revoluções na história humana têm ocorrido quando novas tecnologias desencadeiam uma alteração profunda nas estruturas socioeconômicas. Isso está impactando diversos setores da econo-mia tradicional e dando início a Quarta Revolução Industrial e a Indústria 4.0 (Schwab, 2016; Lasi et al., 2014).

Schwab (2016), após uma análise sistemática dos relatórios do Fórum Econômico Mundial, caracteriza o início de uma nova revolução na indústria

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por conta da integração de três variáveis: a) velocidade: ao contrário de outras revoluções industriais, esta evolui em um ritmo exponencial; b) amplitude e profundidade: ela tem a revolução digital como base e combina ao mesmo tem-po uma série de outras tecnologias, levando a sociedade a profundas mudanças de paradigma; c) impacto sistêmico: ela envolve a transformação e alteração de modelos e sistemas inteiros.

O trabalho de Lasi et al. (2014) destaca que desde o início do processo de industrialização, os saltos tecnológicos levaram a significativas mudanças de paradigmas, as quais hoje são conhecidas como revoluções industriais. Assim, os autores destacam que a primeira revolução industrial foi marcada pela mecani-zação, a segunda revolução industrial foi definida pelo uso intensivo de energia elétrica, a terceira revolução industrial foi caracterizada pela digitalização gene-ralizada e, por último, ressaltam que a quarta revolução industrial nasce de um processo de digitalização avançada na indústria, a partir de uma combinação entre a internet e o uso de TIC e de objetos inteligentes.

Nesse cenário, a inovação é um tema fundamental para estruturação de cidades inteligentes e sustentáveis. Do mesmo modo, Caragliu et al. (2011) e Conti et al. (2012) ressaltam que as cidades inovadoras podem produzir im-pactos positivos para o desenvolvimento humano, permitindo que uma cidade seja pensada de maneira integral, explorando as suas diversas inteligências para a estruturação de um planejamento inteligente.

O estudo da inovação compreende um número diversificado de mode-los teóricos de natureza distintas e em diferentes contextos, seja o social, eco-nômico, mercadológico e empresarial (Leite; Seid; Antunes, 2008). Com base na abordagem schumpeteriana – Schumpeter (1961; 1985) –, Calazans (1992) afirma que o processo de desenvolvimento de uma nação encontra-se enraizado nas condições locais e na capacidade dos agentes de se articular, interagir, coope-rar e aprender com o objetivo de criar algo novo, isto é desenvolver a inovação. Nesse cenário, a inovação é definida por Tidd, Bessant e Pavitt (2008) como o ato ou efeito de inovar, ou seja, tornar algo novo, renovar, ou introduzir uma novidade, isto é, a tentativa de oferecer algum produto novo ou modificado, um bem ou serviço à sociedade, resultantes de um processo de aprendizado (orga-nizational and individual learning) ou do caráter path-dependence e das rotinas que geram competências e capacitações, que podem estar condicionadas pela interação de agentes econômicos, produtivos e de desenvolvimento de tecnolo-gias.

Inovação, tecnologia e frugalidadeO desenvolvimento de novas tecnologias e a complexidade do panora-

ma urbano criam novas facilidades, serviços e produtos que irão transformar a realidade das cidades, tais como: a) impressoras 3D, que poderão revolucionar o setor da construção civil e contribuir para suprir o déficit habitacional das cidades; b) os sistemas de big data e Análise, que poderão criar indicadores em

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tempo real para melhorar a governança e a tomada de decisão dos gestores pú-blicos; c) inteligência artificial (IA), que irá impulsionar a eficiência das TIC; d) e a expansão da Internet das Coisas (IoT), que irá integrar bilhões de objetos e sensores a internet.

As cidades inteligentes preveem a utilização de TIC em larga escala, no intuito de dar maior eficiência aos serviços públicos e privados. Dessa maneira, a disponibilização de acesso à internet e a utilização de novas tecnologias têm fomentado uma vertente de empreendedorismo urbano, o que significa esta-belecer estratégias de inovação nos ambientes socioeconômico e ambiental, no intuito de atrair pessoas e investimentos.

Outro conceito importante é o de inovação polissêmica, pois pode ser associado a diferentes métodos e maneiras de modificar processos, serviços, pro-dutos, estruturas, ambientes e políticas. Isso significa que a inovação não deve ser vista apenas pelo aspecto da tecnologia, mas sim de maneira ampla. Nesse sentido, Angelidou (2014) destaca que o processo de estruturação de inovação urbana inclui aspectos geográficos e locais, características culturais e econômi-cas, sistemas de governança colaborativos e empreendedorismo.

Druker (2014) argumenta que inovação requer conhecimento e que ela precisa ser simples, na expectativa de desenvolver recursos que tenham potencial de criar riqueza. De tal modo, o painel destaca que a inovação urbana pode ser utilizada como um recurso para criar uma gestão inteligente e alavancar a efici-ência administrativa das cidades, melhorando aspectos de governança tais como transparência e engajamento cívico.

Nesse cenário pode-se remeter a inovação frugal, a qual consiste em tornar produtos e serviços mais baratos e simples para que sejam acessíveis para toda uma população (Basu et al., 2013). Trata-se de um tema importante para a for-mação da agenda brasileira de cidades inteligentes, uma vez que a maior parte dos municípios do país não têm condições de financiamento para tecnologias de ponta e de alta escala.

Zeschky et al. (2011) argumentam que o número de inovações em paí- ses emergentes vem aumentando significativamente, em especial as inovações frugais, as quais são acessíveis a populações com recursos limitados. Do mesmo modo, Lima (2011) revela que a inovação frugal cria produtos e soluções com grande valor social, pois são simples, de boa qualidade, com grande funcionali-dade e acessíveis para populações de baixa renda. Isso demonstra que a inovação frugal é um importante tema para a agenda brasileira de cidades inteligentes e sustentáveis.

A inovação frugal vem se materializando em mercados emergentes como a Índia, onde as inovações são feitas em condições de recursos insuficientes se comparado ao modelo estruturado de inovação e patentes. Nesse sentido, Bhatti et al. (2013) relatam que a inovação frugal é a estratégia central de negócios para o sul da Ásia – Bangladesh, Índia e Paquistão –, o que possibilita que a indústria

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desenvolva um amplo mercado e que as populações de baixa renda tenham aces-so a produtos e serviços de melhor qualidade.

A discussão sobre inovação frugal traz outros importantes assuntos, como o das High Technology e da Low Technology. Sáenz et al. (2009) explicam que a High Technology apresenta o que há de mais novo em termos de tecnologia e que incorpora recursos avançados para a sua estruturação, enquanto a Low Technology é projetada para ser o mais simples possível. Contudo, os autores destacam que em ambos os casos existe a transferência de conhecimento entre pessoas, o que possibilita a abertura de uma janela para inovação.

Além disso, outra discussão relevante no campo da inovação frugal é a mu-dança de paradigma que existe entre as Hard Technology e as Soft Technology. Jin (2011) explica que as Soft Technology são aquelas manipuladas por pessoas e desenvolvidas há séculos, enquanto as Hard Technology são “coisa física” e operam de maneira independente.

A inovação frugal rompe a lógica tradicional de altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento para a inovação e a criação de soluções inteligentes, estabelecendo caminhos para a transferência de tecnologias. Além disso, ressal-ta-se que a inovação frugal promove o deslocamento de nível tecnológico de High Technology para Low Technology e uma mudança de paradigma da Hard Technology para Soft Technology. Em outras palavras, simplifica os processos de inovação (Druker, 2014), possibilitando a criação de uma agenda de cidades inteligentes e sustentáveis também para países emergentes.

Jin (2011) relata ainda que os avanços na Soft Technology abriram um campo de pesquisa caracterizado por um novo paradigma para criação de valor. Sob esse paradigma, a pesquisa interdisciplinar é promovida juntamente com uma compreensão mais profunda e abrangente do sistema de conhecimento hu-mano, no intuito de sistematizar as Soft Technologies que vêm sendo utilizadas pela humanidade.

Inovação, redes e governançaÉ então mencionada a importância da criação de redes para o intercâmbio

e criação de novas tecnologias. Fritsch e Kauffeld-Monz (2010) revelam em seu estudo que as redes de inovação têm o poder de transferir conhecimento e informação, potencializando que organizações de menor porte adquiram e desenvolvam novas tecnologias, no intuito de acelerar o seu desenvolvimento.

Ressalta-se a importância de as cidades participarem de redes de transfe-rência de conhecimentos e de tecnologias, no intuito de otimizar os seus pro-cessos e resultados, possibilitando a resolução de problemas de diferentes com-plexidades por meio, por exemplo, da inovação frugal.

A prototipação de novos projetos e de serviços através de redes e em par-ceria com a sociedade permite a junção de diferentes conhecimentos para que problemas sejam corrigidos mais rapidamente, evitando a perda de recursos pú-blicos e implementação de soluções eficientes e em escala. Do mesmo modo,

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Fukuyama (2001) ressalta que a junção de diferentes conhecimentos e saberes cria o que chama de capital social, o qual tem o poder de construir soluções e promover o desenvolvimento inteligente.

Nesse contexto, é destacado que o desenvolvimento de uma cidade inteli-gente exige um novo modelo de governança urbana, o qual deve ser inclusivo e participativo. Emerson et al. (2012) relatam que a aprimoração dos sistemas de governança participativos possibilita a criação de políticas públicas sistêmicas e resultados positivos para o desenvolvimento sustentável.

Fukuyama (2013) define governança como a capacidade de um governo articular e aplicar regras e prestar serviços. Assim, destaca-se que uma cidade que busca o desenvolvimento sustentável deve prototipar os serviços públicos com base na experiência dos usuários e em uma perspectiva inovadora para entender de maneira profunda “quem é” e “qual é” a experiência do cidadão. Ainda, é relatado que isso pode ser feito a partir de métodos etnográficos ou de consultas de opinião, de oficinas e de grupos de trabalho em articulação com a população.

Emerson et al. (2012) argumentam que a participação dos cidadãos na modelagem e cocriação da cidade permite o estabelecimento de uma visão cole-tiva, compartilhada e de longo prazo, permitindo que os investimentos públicos sejam realizados de maneira direta para atender as principais expectativas de uma população.

Inovação, sociedade e açãoA velocidade das mudanças sociais impõe aos governos a necessidade de

repensar o seu modelo e de criar uma agenda de inovação – não apenas para consumir, mas para gerar a inovação. Do mesmo modo, Schwab (2016) destaca que os governos terão que se adaptar a um cenário de uso intenso de tecno-logias digitais, tendo como consequência a descentralização do seu poder e a necessidade de criar novos processos de governança a partir da tecnologia e da participação dos cidadãos.

Essa discussão traz à tona uma boa prática da cidade de Pelotas, Rio Gran-de do Sul, a qual desenvolveu em parceria com a sociedade um sistema para conectar os cidadãos a toda estrutura de saúde da cidade, dando eficiência ao atendimento das unidades de saúde e facilitando o acesso a remédios a partir de um sistema de georreferenciamento inteligente.

As “caixas de soluções” oferecidas pela indústria de tecnologia para im-plantação de cidades inteligentes podem nem sempre ser a melhor solução. Des-sa maneira, as cidades devem compreender as suas vocações, aspectos humanos e culturais, no intuito de implementar soluções mais adequadas à sua realidade e planos de longo prazo.

Sachs (2000) evidencia que um modelo de desenvolvimento sustentável deve considerar variáveis antropológicas e culturais, além de aspectos que per-meiam a biodiversidade e o desenvolvimento econômico. Assim, o autor revela que a cultura é o mediador entre homem e natureza, sendo a diversidade cul-

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tural a enorme riqueza das formas de aproveitamento de recursos naturais e elemento fundamental para sustentabilidade da sociedade.

É apontado que no futuro as cidades farão uso de muita tecnologia (Ratti; Claudel, 2016), e para isso deverão ser criados modelos de cidades inteligentes que integrem princípios de sustentabilidade para reduzir externalidades e pos-síveis impactos negativos, como o direito à privacidade (Angelidou, 2014) e a queda da empatia dos indivíduos (Schwab, 2016), buscando potencializar resul-tados positivos para a melhoria de qualidade de vida dos cidadãos.

Nesse cenário, a discussão enfatiza que no Brasil a pesquisa de soluções para as cidades inteligentes ainda é restrita ao âmbito acadêmico e que os inves-timentos para os estudos são realizados por agências de pesquisa e fundações governamentais. Isso gera um gap entre a pesquisa e comercialização de novas tecnologias, diferentemente de países desenvolvidos onde a relação entre pes-quisa-inovação-comercialização é feita por agentes do mercado.

Uma cidade inteligente tem uma relação entre ambientes virtuais e físicos, e os programas de inovação urbana devem contemplar a formação de capital social apto para lidar com as novas tecnologias e ao mesmo tempo realizar inves-timentos em infraestrutura física para sensoriamento remoto e uso da internet.

Portanto, uma cidade mais inteligente se faz com cidadãos inteligentes (Angelidou, 2014), de maneira que criem processos colaborativos e resultados para a sustentabilidade. Assim, Caragliu et al. (2011) demonstram que a ino-vação urbana passa pela formação de recursos humanos e a utilização de capital social, uma vez que a ação humana é responsável pela prosperidade das cidades. Nesse sentido, no próximo tópico são apresentadas as relações entre planeja-mento, gestão urbana e a formação de recursos humanos.

Suporte de pessoal e competênciaspara desenvolvimento de soluções urbanasO painel “Recursos humanos, Inteligência, Planejamento Estratégico e

Gestão Urbana Sustentável” teve como objetivo discutir a formação de recursos humanos em nível de Pós-graduação no tema da sustentabilidade urbana e na sua relação com as ciências ambientais. Foram apresentados três temas: a atua-ção da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) na regulação de cursos de Pós-graduação stricto sensu em geral, e na área de Ciên-cias Ambientais em particular; as perspectivas da pesquisa em políticas públicas voltadas para metrópoles; e a estruturação e avaliação de Programas de Pós-gra-duação do ponto de vista da coordenação dos Programas de Pós-Graduação.

No caso de políticas públicas voltadas para metrópoles, os contextos se mostram especialmente desafiadores por demandarem capacidades institucio-nais específicas, em razão da herança de políticas anteriores e pelos persistentes aspectos de desigualdade, pobreza e vulnerabilidade. As diferentes situações e realidades também são um desafio. Os estudos diagnósticos precisam considerar o contexto da implementação e requerem saberes variados. Como fazer bons

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estudos diagnósticos? Conhece-se o público e território? É importante saber que as redes não são necessariamente horizontais. Como se mapeia a densidade no território? Como ter indicadores apropriados, em particular indicadores de-sagregados? Como triangular informações quantitativas e qualitativas? Além do diagnóstico, há que estudar a implementação e a avaliação. A agenda pública é competitiva, e nesse sentido quais os problemas prioritários? Entre as principais questões está como dar escala à solução dos problemas. A agenda é também po-lítica. Jimenez (2016) destaca a existência de trade-offs, o que mais uma vez leva à necessidade de decisão política, embora subsidiada por dados técnicos. Cida-des inteligentes para quem? O mesmo autor salienta que nas metrópoles a frag-mentação leva a soluções que favorecem uns e outros não. Como colocar ideias em prática e ter efetividade? Como o poder público aprende com outros atores e consigo mesmo? Robinson et al. (2015) propõem que ao invés de as políticas serem elaboradas para chegarem até algum lugar, os lugares produzam as polí-ticas. Como decidir entre os dois caminhos, ou equilibrá-los com inteligência?

Esse leque de perguntas eleva o potencial de interação com a produção acadêmica para tratamento dos problemas, que são persistentes e com causas múltiplas, inter-relacionadas e de difícil solução, potencialmente cheios de ba-lanços entre perdas e ganhos para serem decididos. Para inclusão desses temas complexos na agenda a resposta tem sido a busca de abordagens integrais, in-tersetoriais e transversais, que não eliminem as abordagens individuais, mas que tragam novas visões e linhas de trabalho, que possam funcionar na interação entre os vários setores do governo.

Song et al. (2017) defendem e justificam por meio de estudos de caso que há muito espaço para a inovação colaborativa e compartilhamento de conheci-mento como contribuição para a formação de capacidade em gestão e para isso podem contribuir de maneira decisiva novas possibilidades tecnológicas, que po-dem permitir maior conectividade e interação entre os vários setores, e soluções integradoras por meio do uso de sistemas de comunicação e informação e da internet das coisas. Por outro lado, a fragmentação das metrópoles (Robinson, 2015) talvez limite o acesso a esses recursos em áreas que ainda não dispõem de acesso às novas tecnologias. Isso poderia também se aplicar a cidades menores.

A intersetorialidade é outro desafio importante: como convencer as várias áreas da máquina pública – habitação, educação, transportes, saúde etc. –, bem como profissionais de diversas formações a trabalharem juntos? A capacidade de articulação é central. Muito além do aspecto burocrático e normativo, envolve desenvolvimento de competências para construir apoio a essas políticas por par-te dos atores sociais, políticos e econômicos. A literatura internacional mostra que há vantagens na abordagem que envolva governo, mercado e sociedade (Emerson et al., 2012). Por exemplo, Taylor e Harman (2016) mostraram que parcerias intersetoriais na Austrália favoreceram a capacidade do Estado em im-plementar políticas, encorajaram inovações e diminuíram riscos de projetos para

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parceiros privados, embora houvesse ainda riscos para outros aspectos do plane-jamento e atores não envolvidos. Temas complexos como mudanças climáticas permitem uma variedade de soluções, desde as parcerias público-privadas até iniciativas interescalares (Harman; Taylor; Lane, 2015). Para Taylor e Harman (2016), o desafio envolve superar barreiras não só entre setores do governo, com novos arranjos institucionais, mas também de linguagens e saberes dis-tintos. Possivelmente a chave esteja na forma de inclusão dos temas na agenda como “problemas públicos”.

Por outro lado, Encarnação et al. (2016) argumentam que o funciona-mento dessas parcerias depende muito da cultura local. Como isso se reflete no Brasil em suas variadas facetas de país de dimensões continentais?

Esse tipo de abordagem envolve a necessidade de desenvolvimento de competências, tanto para agentes públicos quanto para os demais atores sociais, para tratamento da dimensão burocrática e política, e para um maior emba-samento científico das decisões. A agenda de pesquisa envolve a importância do estudo sistemático de políticas transversais e intersetoriais; mapeamento de desafios e potencialidades de arranjos existentes (articulações entre setores, rela-ções hierárquicas e entre atores estatais e não estatais); e estratégias de pesquisa integradas, combinação de métodos e de olhares analíticos. Mas com certeza envolve também a inovação, tanto no sentido tecnológico do uso de ferramen-tas de informação e comunicação e tecnologias ambientais, mas também de tec-nologias “sociais”. Há que se sair da zona de conforto, experimentar e mapear o que funciona e o que não funciona. Nesse sentido, há muito o que aproveitar da reflexividade que caracteriza o pensar-agir (Giddens, 1991), das possibilidades de diálogo entre o conhecimento profissional e a reflexão sobre a prática e do aprendizado vivencial (Kolb, 1984). É essencial o papel da avaliação de políticas, que permite um momento de reflexão e aprendizado.

Esse contexto leva a retomar, reforçar e apontar a necessidade de participa-ção da sociedade na produção e uso do conhecimento, dado que conhecimento não aproveitado e não implementado se perde, não trazendo benefícios à socie-dade. Nesse sentido, volta-se ao tema da Pós-graduação stricto sensu como berço e oportunidade da geração e difusão de conhecimento. É preciso, no entanto, saber se se está preparado para enfrentar esses desafios complexos da multidisci-plinaridade e da intersetorialidade, e em que medida ele contribui para pesquisas que ajudem nas políticas públicas de sustentabilidade urbana e para formação aperfeiçoada de pessoal.

Um ponto de tensão que parece surgir tanto nas políticas públicas quanto no âmbito da Pós-graduação é a avaliação. Por um lado, a proposta seria de que a avaliação de políticas públicas vise o aprendizado reflexivo, e não a avaliação ou ranqueamento das pessoas, ou a indicação de punição. Quanto à Pós-graduação, é evidenciada a coexistência de duas visões não necessariamente excludentes: por um lado, críticas, como apontam Patrus, Shigaki e Dantas (2018), quanto ao

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caráter classificatório e à confusão entre produtividade e produtivismo; e Furta-do e Hostins (2014) que criticam a quantificação e a homogeneização ao invés do reconhecimento das diversidades. O processo de avaliação é visto, por vezes, como injusto e como mais focado no ranqueamento do que na reorientação dos programas que têm deficiências. Por outro lado, há o reconhecimento de que o modelo tem proporcionado amadurecimento (Furtado; Hostins, 2014).

O sistema de avaliação leva em conta a sua proposta no contexto regional e do papel que pretende representar; a qualidade do corpo docente e do corpo discente; a produção intelectual e o impacto social do programa. É um processo de avaliação por pares que vem se aperfeiçoando, com uma base de critérios geral e que permite às áreas implementar suas especificidades, e que conta com a plataforma Sucupira desenvolvida pela Capes, que sistematiza a coleta e o tra-tamento dos dados para o processo de avaliação.

Uma das bases dessa avaliação é a produção científica, principalmente em termos de artigos científicos publicados em revistas, e em menor destaque livros e trabalhos em eventos científicos. Nesse sentido, geralmente são valorizados os professores com produção com maior pontuação, mas talvez esse não deva ser um critério absoluto. Outros critérios, como uma mescla entre professores mais ou menos experientes e o papel dos professores nas suas redes de produção, dentro e fora da instituição, deveriam ser valorizados.

Do ponto de vista das inovações urbanas visando o desenvolvimento sus-tentável, seria importante dar mais atenção à avaliação de temas que reflitam o impacto da atuação dos programas na gestão das cidades, como a inserção social dos docentes e dos egressos, bem como o contexto regional e das desigualdades regionais no país. São critérios que, embora sejam qualitativamente incluídos na proposta do programa, poderiam ser levados em consideração de maneira mais abrangente na avaliação, dando suporte ao desenvolvimento dos programas nas áreas em que há maiores deficiências.

No Brasil, os cursos de Pós-graduação são classificados pela Capes em grandes áreas temáticas de avaliação, e alguns cursos como das áreas de Ciências Ambientais; Planejamento Urbano e Regional; Administração, Ciências Contá-beis e Turismo; entre outras, podem contribuir com conhecimentos que ajudem a promover a inovação voltada à gestão urbana sustentável. A título de exemplo específico é trazido para ilustração a área de Ciências Ambientais. Em 2018, essa área conta com 133 Programas de Pós-graduação stricto sensu, sendo 40 deles com curso de doutorado (Capes, 2018a). Quando se observa a Pós-graduação stricto sensu no Brasil, nota-se uma importante concentração das atividades em certos estados, como mostram indicadores acerca do número de cursos, número de discentes, número de docentes, número de bolsas e distribuição orçamentá-ria. A concentração está tipicamente nos estados de SP, MG, RS, PR, RJ e BA, mas SP destaca-se em primeiro lugar em todos os indicadores, chegando a ter o dobro de pontos do segundo lugar. O Estado lidera também o número de Programas e a excelência (nível 6 e 7) de cursos.

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Em relação a produção intelectual, o número de artigos científicos publi-cados nas revistas Qualis 1 nos estratos superiores aumentou ao longo do qua-driênio 2013-2016 (Capes, 2017). A área CiAmb reconhece a importância da produção técnica, particularmente patentes, mas há necessidade de uma maior discussão acerca do futuro desse conceito. Uma característica importante da área é que ela une a objetividade da engenharia com a reflexão das ciências sociais. Quando essas perspectivas se somam surgem oportunidades para inovação.

Dentro da área das Ciências Ambientais, a gestão urbana sustentável é fonte de inúmeros temas de pesquisa, que podem abordar temas como elabora-ção, implementação e avaliação de políticas públicas de sustentabilidade urbana, e os desafios para construção de capacidades para a gestão; o próprio papel das políticas públicas nas cidades e como pensar essas políticas públicas.

Determinadas áreas estão em patamar significativo de representatividade nacional e internacional – como a Odontologia (2º maior produtora de conhe-cimento do País), Medicina (3º maior); Ciências Agrárias (4º maior), levando o Brasil a alcançar nível de maturidade elevado. Por outro lado, há ainda dificul-dade de mensurar o impacto dos programas para a sociedade. No âmbito das ci-ências ligadas à tecnologia ou saúde, a mensuração é menos complicada. Mas no âmbito das ciências sociais as medidas são bem mais subjetivas. Em que medida se está contribuindo para superar as grandes chagas da pobreza, da desigualdade extrema e da insustentabilidade do modelo de desenvolvimento das cidades?

Esses aspectos são essenciais até para que se possa justificar o investimento da sociedade com o sistema de Pós-graduação como fonte de saber e capacitação de recursos humanos. É um processo que exige recursos expressivos, e que por mais que se disponibilizem recursos, ainda têm sido insuficientes. É importante, em momentos de crise, parar, pensar e repensar para ser mais eficiente, realinhar as práticas com as estratégias, e dar um salto de qualidade para melhorar ainda mais os resultados.

Talvez um ponto crucial de ligação entre necessidades de conhecimento e capacitação de pessoal para inovação em políticas públicas urbanas e no sistema de Pós-graduação do país esteja no sistema de avaliação da Capes. Na medida em que os Programas sejam avaliados também por seus impactos reais e pelos benefícios objetivos trazidos à sociedade, talvez venha a haver um equilíbrio maior entre as publicações acadêmicas – que de acordo com a avaliação da área de Ciências Ambientais tem ido muito bem – e a apropriação prática do conhe-cimento, naquilo que se chama usualmente de “produção técnica” ou mesmo “extensão”. Se isso se traduz em forma de patente, ou não, cabe observar que a legislação brasileira não permite que sejam patenteados esquemas administra-tivos ou formas de raciocínio. Apenas conhecimento com aplicação industrial é patenteável (Brasil, 1996).

Mas isso traz um dilema adicional: a utopia da administração científica pura, em que as decisões são tomadas com base em ciência, e não nos interesses

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dos grupos. Esse é mais um tema que demanda por um equilíbrio, buscando utilizar estratégias e respectivas implementações com base em conhecimento, in-clusive político. No entanto, não se dispensa o esforço dos cientistas no sentido de buscar valorizar decisões baseadas em conhecimento, evitando-se o “achis-mo” ou apenas interesses. Seria possível o uso do conhecimento sem a mediação da política? Valorizar o uso do conhecimento requer, dos cientistas, também atuação política. Até para se comunicar e convencer a sociedade de que a Uni-versidade deve ter certa liberdade para buscar conhecimento novo para além das necessidades imediatas, assim como para a manutenção de recursos da sociedade na produção de novos conhecimentos, essenciais para a inovação tanto nas tec-nologias stricto sensu quanto nas “tecnologias sociais” necessárias à elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas.

Conclusões Caminhar no sentido de cidades mais inteligentes e sustentáveis requer

mudanças e introdução de inovações. A temática é complexa e remete a discus-sões com abordagens multi e interdisciplinares sobre o contexto das cidades, envolvendo a relação entre temáticas de inovação, capital humano e sustentabi-lidade. Aspectos tecnológicos têm destaque, mas revela-se importante o aspecto de frugalidade das inovações como contribuição para soluções mais acessíveis à população. Além disso, os aspectos tecnológicos precisam ser assimilados e apropriados pela população e pelos agentes públicos de modo a integrarem o seu dia a dia. Um setor particularmente sensível a essa assimilação parece ser a administração pública, que precisa aprender a lidar com a massa de dados e a massa de novas tecnologias, visando se articular com o mercado e com a socieda-de em geral a fim de produzir diagnósticos úteis e criar alternativas apropriadas ao contexto de cada cidade em particular. As universidades se colocam como importante fonte de conhecimento e de experimentação, na qual a interação pode contribuir para a produção e divulgação do conhecimento como base para a ação. Por fim, destaca-se a necessidade de compreender e empreender meca-nismos de governança capazes de dar conta dos múltiplos interesses e dos trade--offs típicos das decisões difíceis que envolvem a sustentabilidade urbana.

Os desafios a serem enfrentados nesse contexto são de dois tipos. Primei-ro, os desafios-fim relacionados ao conceito de sustentabilidade e à qualidade de vida como: a redução das desigualdades sociais incluindo acesso à tecnologia e inovação, e das desigualdades socioeconômicas entre cidades e países; propor-cionar sistemas de democracia e governança participativos e inteligentes; e visão de cidade inteligente não apenas tecnológica, mas que compreenda os cidadãos e a gestão dos recursos disponíveis.

O segundo tipo de desafio são os desafios-meio, que apontam caminhos para se vencer os desafios-fim: transferência e tecnologia em escala; infraestru-tura de computação em escala; priorização de interesses de longo prazo; gerar capacidade técnica e de gestão para diagnósticos complexos, multicritérios e

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criação de soluções fazendo dialogar teoria e prática, aproximar academia e ins-tituições de ações; e financiamento de estudos e da implantação de soluções.

De posse dessas reflexões, com relação ao tema “inovação em cidades”, po-de-se destacar alguns desafios a serem encarados nesta temática: (a) redução das desigualdades sociais no acesso à tecnologia e a inovação, assim como também das diferenças regionais entre cidades e países; (b) transferência de tecnologia em escala para países de economia emergente; (c) estímulo à educação computa-cional em larga escala, suprindo déficits sociais; (d) superação da prevalência de interesses econômicos de curto prazo em favor dos interesses da sustentabilidade e da ecologia; (e) criação de modelos de financiamento para as cidades inteli-gentes, no intuito de superar a falta de capacidade de investimento das cidades brasileiras; (f) realização da transição de um modelo de democracia representa-tiva para adoção de novos sistemas de governança participativa e inteligente; (g) estabelecimento de visão de Cidade Inteligente não apenas tecnológica, mas que compreenda os cidadãos e a gestão inteligente dos recursos disponíveis.

Já com relação ao tema “Recursos humanos, inteligência, planejamento estratégico e gestão urbana sustentável” são delineados os seguintes desafios a serem enfrentados: (a) desenvolvimento de formas inteligentes para abordar os grandes dilemas socioambientais nas cidades; (b) desenvolvimento de métodos de diagnóstico multicritérios para cidades, envolvendo indicadores, métodos analíticos, combinações de métodos quantitativos e qualitativos; (c) capacitação da gestão pública para a intersetorialidade, interdisciplinaridade e complexidade dos problemas de gestão urbana, em particular em espaços metropolitanos; (d) integração da produção de conhecimento em cursos de Pós-graduação à prática de elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas; (e) fortaleci-mento das estratégias de produção e difusão do conhecimento que produzam impactos práticos nas políticas públicas; (f) incremento da estruturação e ava-liação dos Programas de Pós-graduação com vistas ao alinhamento e integra-ção com aplicação prática dos conhecimentos produzidos às realidades urbanas e das cidades; e (g) proporcionar empatias que conduzam decisores políticos, agentes públicos, privados, assim como a sociedade, à considerar a capacitação e o conhecimento insumos essenciais ao processo de desenvolvimento de suas comunidades e da sociedade em bases sustentáveis.

Nota

1 Indicador da qualidade dos artigos e de outros tipos de produção, a partir da análise da qualidade dos veículos de divulgação (Capes-MEC).

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resumo – Este ensaio teórico, com base em literatura, reflexões, e práticas, tem como objetivo apresentar e discorrer sobre as principais contribuições resultantes do segundo seminário do Ciclo UrbanSus – Inovação, Sustentabilidade e Ação Sistêmica nas Cida-des, em particular nos painéis sobre inovação urbana e capacitação de recursos huma-nos. O texto reforça a importância das abordagens multissetoriais, multiprofissionais e interdisciplinares para potencializar o uso de novas ideias, novas formas de gestão e novas tecnologias na direção da sustentabilidade urbana. Entre os principais desafios são destacados: a transferência de tecnologia e a educação computacional; a superação dos interesses econômicos de curto prazo, novos modelos para financiamento de soluções inteligentes; e para governança; métodos diagnósticos que aproveitem as massas de da-dos; e o fortalecimento das estratégias para difusão do conhecimento, incluindo o papel das universidades e dos cursos de pós-graduação.

palavras-chave: Inovação, Recursos humanos, Cidades, Sustentabilidade.

abstract – This theoretical essay, based on literature, reflections and practices, aims to present and discuss the main contributions from the second seminar of the UrbanSus Cycle – Innovation, Sustainability and Systemic Action in Cities, particularly in the panels on urban innovation and human resources enablement. The text stresses the im-portance of multisector, multiprofessional and interdisciplinary approaches to promote the use of new ideas, new forms of management and new technologies towards urban sustainability. Among the main challenges, the following are highlighted: technology transfer and computer education; overcoming short-term economic interests; new mo-dels to fund smart solutions and for governance; diagnostic methods that leverage large quantities of data; and the strengthening of strategies for knowledge sharing, including the role of universities and postgraduate courses.

keywords: Innovation, Human resources, Cities, Sustainability.

Cláudia Terezinha Kniess é doutora em Ciência e Engenharia de Materiais, pós-doutora em Tecnologia Nuclear, professora e pesquisadora do Programa de Mestrado Profis-sional em Administração - Gestão Ambiental e Sustentabilidade e do Programa de Pós-gra-duação em Gestão de Projetos da Universidade Nove de Julho (Uninove).@ – [email protected] / https://orcid.org/0000-0002-1961-2037

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Arlindo Philippi Jr. é doutor em Saúde Pública, pós-doutor em Estudos Urbanos e Regionais, livre-docente em Política e Gestão Ambiental, professor titular do Depar-tamento de Saúde Ambiental (FSP-USP). Membro do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas (Incline) e do Programa USP Cidades Globais do IEA-USP.@ – [email protected] / https://orcid.org/0000-0003-0420-7749

Alexandre de Oliveira e Aguiar é doutor em Saúde Pública, consultor em sistemas e fer-ramentas de gestão ambiental, professor e orientador do Programa de Mestrado Profis-sional em Gestão Ambiental e Sustentabilidade da Universidade Nove de Julho (Uni-nove). @ – [email protected] / https://orcid.org/0000-0003-3413-064X

Diego de Melo Conti é doutor em Administração, pós-doutorando em Ciências Ambi-entais, professor e pesquisador do Programa de Mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (Uninove). @ – [email protected] / https://orcid.org/0000-0003-1889-0462I, III, IV Universidade Nove de Julho, São Paulo, São Paulo, Brasil.II Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Recebido em 13.6.2019 e aceito em 26.8.2019.

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