fotografia et al #3

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fotografia et al conceito | arte | expressão diego kuffer shinichi maruyama - myanmar - armando vernaglia jr - alan bamberger nº03 Junho 2014

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Diego Kuffer, Shinichi Murayama, "Myanmar" por Arthur Monteiro & Isabela Lyrio, "Algumas Lições da Pintura" por Armando Vernaglia Jr e, "Valorizando Sua Arte Comentando Ela" por Alan Bamberger.

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fotografia et alconceito | arte | expressão

diego kuffershinichi maruyama - myanmar - armando vernaglia jr - alan bamberger

nº03Junho 2014

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Nas duas primeiras edições, nós apresentamos um fotógrafo

consagrado na capa e um time de fotógrafos experientes e iniciantes

nos demais artigos, onde o tom da edição era dado pelo estilo do

fotógrafo escolhido como destaque. Para esta edição, decidimos

experimentar mover o foco para um estilo de fotografia e escolher

nossos destaques em virtude do seu envolvimento com o estilo

fotográfico escolhido.

Nossa ambição é produzir uma revista que explore o conceito

de fotografia como arte e forma de expressão. Pensando nisso,

escolhemos um estilo fotográfico que aproxime a fotografia das

‘belas artes’ tradicionais, também conhecidas como ‘fine arts’.

Nessa edição trazemos na capa o fotógrafo Diego Kuffer que usa a

fotografia como uma ferramenta para expressar seus sentimentos,

sua arte. O trabalho de Diego é puramente autoral. Suas imagens

são capturadas, editadas, trabalhadas, modificadas até expressarem

aquilo que ele procura; uma resposta para suas questões internas.

Seguindo o mesmo princípio utilizado na escolha de Diego para o

artigo de capa, convidamos o artista japonês Shinichi Murayama

para uma entrevista. Sim, artista, é assim que ele se define: como

artista, não como fotógrafo. O próprio Shinichi afirma que a

fotografia é meramente a melhor ferramenta que ele tem à

disposição para expressar sua arte no momento, mas que usaria

qualquer outra ferramenta que melhor cumprisse esse papel e

estivesse ao seu alcance.

O artigo seguinte é uma pausa na fotografia conceitual para manter

a tradição de trazer o relato de uma expedição fotográfica. Os

autores, Arthur Monteiro e Isabela Lyrio, são um casal de amigos

de Gui Galembeck e Tatiana Ribeiro que assinam o artigo sobre a

China, da nossa edição de estreia. Arthur e Isabela nos contam como

foi sua viagem por Myanmar, no leste asiático. Histórias de um país

enigmático e fotos maravilhosas, cuidadosamente selecionadas e

ordenadas pelos autores para ilustrar seu artigo.

Em seguida mergulhamos de vez no relacionamento da fotografia

com a pintura em um artigo interessantíssimo de Armando

Vernaglia sobre a influência da pintura na fotografia em forma de

lições que nós fotógrafos poderíamos aprender com os mestres da

pintura.

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Para amarrar esse assunto, um artigo sobre a exposição Emovere,

em cartaz no Espaço Arte em Campinas até o dia 14 de julho. A

exposição Emovere fala sobre as emoções expressadas pelo corpo

em movimento. O interessante é que essa exposição é o resultado

de um projeto que integra o trabalho da pintura com a fotografia,

mas sem cruzar as duas linguagens.

Finalmente, temos a honra de trazer mais um artigo de Alan

Bamberger, conceituado crítico de artes americano. Na verdade,

este artigo é o resultado final da tradução, edição e reorganização

de dois artigos originais de Alan Bamberger em um único texto.

O tema deste artigo está relacionado com o artigo de Alan que

trouxemos em nossa primeira edição: declarações e comentários

sobre a obra artística. Muito útil para fotógrafos que desenvolvem

um trabalho autoral.

E para fechar esta edição, nossas tradicionais colunas sobre

fotografia de cinema, médio e grandes formatos e fotografia de

filme, seguidas pela coluna opinião, desta vez assinada por Diego

Kuffer, o destaque desta edição.

Muito obrigado ao Mario Amaya que assina o artigo de capa desta

edição com o perfil de Diego Kuffer. Não apenas por este artigo que

mostra todo seu talento em retratar personalidades, mas também

pela sua contribuição inestimável no planejamento desta edição.

Obrigado também ao Diego pela sua atenção e colaboração.

Obrigado ao Shinichi Murayama pela sua colaboração e paciência

em responder todas as minhas perguntas em uma entrevista por

email que durou pouco mais de 30 dias entre idas e vindas. Muito

obrigado ao Alan por mais uma vez permitir a publicação de seus

artigos, sempre muito interessantes.

Obrigado ao Arthur e a Isabela pela sua colaboração. Obrigado a

Luzia, Fernando e Cinthia por me receberem para a entrevista no

Espaço Arte.

E finalmente, muito obrigado aos já fiéis colaboradores, Alex

Villegas, Bruno Massao e especialmente ao Armando Vernaglia

que nessa edição contribui ainda com o excelente artigo sobre as

lições da pintura, além da sua já tradicional coluna sobre fotografia

no cinema.

Sem mais delongas, com vocês a edição #3 da Fotografia et al.

Divirtam-se!

Carlos Alexandre Pereira

fotografia et al

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Consultor de arte, especialista, autor e avaliador independente desde 1985. Alan Bamberger comercializa arte e livros raros desde 1979.

A Fotografia et al está sempre em busca de novos colaboradores.

Entre em contato através do email [email protected] se você possui

alguma sugestão de artigo ou deseja colaborar com a revista.

Mande suas imagens para [email protected] para participar de nossa

Galeria de Imagens.

Revista Fotografia et alwww.fotografiaetal.com

EdiçãoCarlos Alexandre Pereira

Projeto GráficoCarlos Alexandre Pereira

RevisãoMarcela Zullo

[email protected]

Formado em Administração de Empresas com Pós-Graduação

em Semiótica-Psicanalítica, trabalhou 10 anos em marketing

para em 2010 largar tudo e mergulhar de cabeça na

fotografia. Diego desenvolve um trabalhao de fotografia autoral e é

representado pela Lume Galeria.

Paulistano, Alex Villegas é fotógrafo dedicado ao retrato e fineart, sempre em PB. Leciona

no Instituto Internacional de Fotografia e escreve livros

técnicos nas horas vagas.

Fotografia et alnesta edição com

Carlos Alexandre, fotógrafo de expedições e explorações

urbanas, com uma paixão por fotografia P&B que se

reflete no seu portfólio quase monocromático. Autor de artigos e palestrante de workshops sobre

fotografia.

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Isabela Lyrio realiza um trabalho basicamente documental,motivado pelo desejo de compartilhar o encantamento que tem diante da vida. É fundadora do coletivo fotográfico Punctum e da AFOTO e representada pela galeria A Casa da Luz Vermelha.

Com 20 anos de experiência em jornalismo, artes e marketing,

Mario Amaya envolveu-se cedo com a fotografia digital,

escrevendo sobre o lado técnico das imagens. Dedica-se a

fotografia de arquitetura, viagens e flagrantes urbanos, tendo

lançado em 2014 o livro “I Shoot SP+NY”.

Fotógrafo e diretor de fotografia, Armando Vernaglia Jr.

Especializado em fotografia de arquitetura, ambientes, turismo e produtos, é também professor de fotografia e cinema, consultor de

imagem e palestrante.

Arthur Monteiro é fotojornalista independente, documenta as ruas e a vida nas cidades, manifestações sociais e culturais, usando a fotografia como maneira de intensificar sua relação com o mundo e compartilhar experiências. É representado pela galeria A Casa da Luz Vermelha.

Fotógrafo de rua de São Paulo, Bruno Massao é um dos poucos que consegue lidar com o clima

maluco desta cidade. Faça chuva ou faça sol, lá está ele, registrando

cenas da capital paulistana.

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10 Galeria de ImagensImagens dos Leitores

16 Shinichi MurayamaCarlos Alexandre Pereira

26 Diego KufferMario Amaya

42 MyanmarArthur Monteiro & Isabela Lyrio

58 As Lições da PinturaArmando Vernaglia Jr

66 Valorize Sua Arte Comentando Ela

Alan Bamberger

76 Exposição EmovereCarlos Alexandre Pereira

86 Fotografia de CinemaArmando Vernaglia

88 Médio e Grande FormatosAlex Villegas

90 Fotografia de FilmeBruno Massao

92 OpiniãoDiego Kuffer

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Francine de Mattos“Menina”

Fernando gomes“Denso”

Ronaldo Azambuja“Entardecer Silencioso”

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Marcello Sokal“Um Novo Amanhecer”

Paulo Matsumoto“Túnel do Tempo”

Francisco Cribari“Yumi”

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Shinichi Murayamapor carlos alexandre pereira

Shinichi Muryama nasceu em 1968 em Nagano,

Japão. Formou-se em 1991 na Chiba University e em 2003 mudou-

se para Nova York. Estas são todas as informações oferecidas em

sua biografia no seu website. Shinichi Murayama, ou Shin, como ele

mesmo assina seus e-mails, tem uma postura diferente da maioria

dos fotógrafos e artistas que conheço. Fala muito pouco sobre si,

mas comenta bastante sobre seu trabalho. Seu website tem uma

página – Statements – com explicações claras sobre a motivação e

execução de cada uma de suas séries. Tem inclusive um vídeo de

making-off dele trabalhando em uma de suas séries.

Para quem não conhece seu trabalho, parece um pouco

desnecessário, principalmente o vídeo de making-off. Quem quer

ver um fotografo andando a esmo pela cidade ou parado horas a

fio em um campo, a espera do momento certo do click, ou ainda,

trabalhando durante horas na edição de imagens no computador?

Acontece que Shin não é um fotógrafo tradicional. Na verdade, Shin

é mais um artista plástico do que um fotógrafo. Ele mesmo afirma

que a fotografia é apenas a ferramenta que ele vem utilizando para

desenvolver seus projetos, mas que poderia usar qualquer outra

ferramenta que melhor atenda suas necessidades no futuro.

Mas por enquanto Shin tem usado a fotografia, em especial a técnica

de fotografia em alta velocidade, usada para congelar o movimento.

Uma sessão de fotos cuidadosamente planejada e uma boa dose

de edição de imagens é tudo que Shin tem usado para criar suas

séries. Shin já usou água, tintas e até corpos humanos para criar

suas obras de arte baseadas no movimento de líquidos e corpos. Na

minha opinião são imagens incríveis.

Ok, isso não é nada original, tem muita gente trabalhando com

‘splash’ e criando imagens incríveis também. Pode não ser original

ou sequer as melhores imagens já criadas neste estilo, mas acho que

o conjunto de cada série e a consistência do seu trabalho valorizam

muito a sua obra.

Como foi dito no início, Shin mora em NY e infelizmente não foi

possível uma conversa pessoalmente. Por isso essa entrevista

foi feita por email, ou melhor, e-mails. Shin teve a gentileza e a

paciência de responder todos os meus e-mails com perguntas

adicionais devido a algumas de suas respostas originais.

1. Como você se considera, um fotógrafo ou um artista plástico?

Eu amo fotografia mas se houvesse outro método de produção

artística que fosse melhor para expressar minhas ideias eu adoraria

usá-lo.

2. Olhando para o seu trabalho, eu vejo um artista plástico que

usa a fotografia como ferramenta de criação. Por que você

escolheu a fotografia como ferramenta?

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Eu sempre fui fascinado pela fotografia e este foi o método que usei

incialmente para me expressar. Isso não quer dizer que uso apenas

a fotografia. Se a fotografia não puder expressar adequadamente

minhas intenções eu usarei outra ferramenta.

3. Eu percebo que você trabalha principalmente com fotografia

de alta velocidade, que é uma técnica que demanda um certo

tempo de aprendizado e prática para dominar. Você escolheu

a fotografia como ferramenta antes e depois se preparou

estudando e praticando as técnicas necessárias, ou você já

era experiente em técnicas fotográficas e viu uma forma de

combinar este conhecimento com suas tendências artísticas?

Desde a infância, eu tenho me interessado não apenas no potencial

criativo da fotografia, mas também nos seus aspectos técnicos. Eu

me graduei em ‘Química de Fotografia’. O potencial criativo e os

elementos técnicos da fotografia e vídeo sempre tiveram grande

destaque no meu trabalho. Sempre me interessei igualmente por

ambos os lados desta atividade.

4. Em sua última edição, a Fotografia et al trouxe na capa um

artigo sobre Claudio Edinger, um importante fotógrafo

brasileiro. Claudio, com uma carreira de mais de 40 anos e uma

produção extensa e diversa, concentrou grande parte do seu

trabalho em uma técnica específica que ele vem aprimorando

ao longo dos anos, o foco seletivo. O trabalho exposto no seu

website – Kusho, Water Sculpture, Garden e Nude – é todo

construído a partir da mesma técnica: fotografia de alta

velocidade. Você acredita que esta técnica é suficiente para

continuar sua produção artística ou você sente a necessidade

de ampliar seus horizontes a este respeito no futuro?

Eu sempre tive o desejo de descobrir novas imagens. Novas imagens

que eu gostaria de criar podem às vezes ser criadas com tecnologias

antigas. Mas algumas das ideias que tenho requerem tecnologias

que ainda não existem ou não são acessíveis, e eu estou aguardando

ansioso por elas se tornarem disponíveis.

5. Em suas declarações sobre seu trabalho artístico você declara

que sua inspiração vem da escrita chinesa. Esta é sua única

fonte de inspiração? E mais, você foi de alguma forma

inspirado pelo trabalho de algum fotógrafo?

Eu me inspiro na história e em todas as minhas experiências.

6. Você tem em seu website declarações explicativas sobre

sua própria produção artística, algo que ainda não é muito

comum em fotografia, assim como making-off videos. Em

sua edição #1 a Fotografia et al trouxe um artigo de Alan

Bamberger discutindo a importância de declarações artísticas

apropriadas como ferramenta de valorização do trabalho

artístico. Qual sua opinião sobre o assunto?

Às vezes eu gostaria que as pessoas apenas olhassem para o

meu trabalho e o apreciassem sem nenhum tipo de declaração

ou explicação. Entretanto, quando eu olho para o trabalho de

artistas que eu respeito, suas declarações artísticas me ajudam

a compreender melhor os conceitos por trás de sua obra. As

declarações dão mais profundidade a obra artística e uma nova

impressão da mesma. Eu também quero criar um trabalho com um

significado mais profundo. Neste caso, eu penso que declarações

artísticas ou outras ferramentas úteis para este fim são muito

importantes.

7. Seus três primeiros projetos são bem similares, e o quarto é

uma variação da mesma ideia. Como funciona seu processo

criativo?

Eu estou interessado no conceito do tempo, especialmente na sua

natureza efêmera e eu venho tentando expressar estes pensamentos

através do meu trabalho. Deste ponto de vista, eu diria que todas as

minhas séries derivam de um mesmo ponto de partida.

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8. Uma vez que você determina um objetivo, um novo projeto,

como é o seu processo de trabalho?

Eu trabalho em diferentes trabalhos ao mesmo tempo. Minha

velocidade de produção não é rápida mas eu foco em um único

tema no momento certo, e meu objetivo é completar e introduzir

uma nova série por ano.

9. Quanto tempo leva para você completar um projeto e, você

usa algum método específico para selecionar as imagens

finais ou se baseia apenas no seu sentimento pessoal do que

ficou melhor?

Para mim, leva usualmente dois anos para completar uma série.

Uma das formas que uso para julgar se devo ou não apresentar este

trabalho é avaliar se ele poderá ser apreciado por um público de

vários anos no futuro.

10. Você pode comentar algum projeto que esteja trabalhando

atualmente?

Em meus trabalhos passados eu tentei expressar e compartilhar

com outras pessoas algo que todos nós sentimos, mas em meu

trabalho atual estou focando em assuntos de interesse mais pessoal.

11. Qual sua opinião sobre o papel da fotografia no mercado de

arte atualmente? Você acredita que os colecionadores de

arte estejam valorizando mais as obras fotográficas, ou ela

ainda é subvalorizada em comparação com obras de arte mais

tradicionais?

Apesar da fotografia ser um meio relativamente novo no mercado

fine art, eu acredito que é razoavelmente bem valorizado. Eu acho

que é impossível comparar a fotografia com a pintura e escultura,

por exemplo, visto que estas têm uma história muito mais longa e

um número muito maior de artistas e obras de arte de destaque.

Estas diferenças são muito grandes para permitir uma comparação

justa.

12. E para terminar, há algum fotógrafo ou artista brasileiro que

você admira e ou acompanha o trabalho?

Sim, com certeza eu admiro o trabalho de artistas brasileiros, mas

infelizmente não há nenhum em especial que eu acompanhe

atentamente.

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Diego Kufferpor mario amaya

Diego Kuffer possui dois perfis no Facebook. Um pessoal

e outro como fotógrafo, mas poderia ter um terceiro como artista

plástico. Bateu uma dúvida sobre qual dos perfis criaria o ambiente

mais adequado para conversar com ele sobre sua produção autoral,

que é com base fotográfica, porém transcende muito aquilo que

convencionamos chamar de fotos.

Em séries fotográficas como ‘Transitórios’ e ‘Intempéries’, a

abordagem consiste em fixar tecnicamente as variações no tempo

da cena fotografada, utilizando camadas e subdivisões do espaço.

Algumas vezes as subdivisões acompanham os contornos da cena,

outras vezes se intercalam num padrão abstrato. É como se o artista

pegasse partes de imagens impressas em papel, os recortasse e os

trançasse, formando uma narrativa visual temporal-espacial que

cabe nas duas dimensões limitadas da imagem impressa. Ao mesmo

tempo em que estende a informação visual a respeito do assunto,

essa linguagem expõe para o espectador as lacunas da percepção e

da memória.

O entrelaçamento de imagens ele executa de maneira física e literal

em ‘Comunhão’, uma das séries presentemente em andamento.

Nas demais séries a implementação foi digital, por um processo

exclusivo e laborioso.

Obtivemos uma visão clara de sua abordagem sensorial e psicológica

conversando com ele ao vivo. Despojado e sem ambiguidades, ele

explicou em primeiro lugar a sua escolha pela fotografia como o

suporte fundamental para suas explorações visuais. Segundo ele,

as limitações do meio são, paradoxalmente, a fonte de sua força

expressiva. Para entender melhor, fique com suas próprias palavras

daqui em diante.

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As pessoas criam porque precisam criar. Todo

mundo tem uma fantasia de dizer: ‘Tchau, vou

embora do dito mundo civilizado’. Mas para

mim é inevitável, ao me instalar num lugar,

sacar a câmera, pois simplesmente preciso

fazer a foto. A necessidade de fotografar me

atravessa de forma irresistível.

A parte menos ‘documentada’, por dizer assim,

da minha biografia, é que antes de querer ser

fotógrafo eu queria ser psicanalista. Formei-

me em Administração e fiz pós em Semiótica

Psicanalítica na PUC-SP. Nesse período,

resolvi que seria analista da linha lacaniana.

Depois mudei de ideia e desisti, porque o

processo psicanalítico não era ideal para mim;

muito lento e sofrido. Nessa altura, já tinha

começado a fazer fotografia como hobby.

Talvez a principal questão da psicanálise

seja a certeza da morte: saber que em algum

momento a gente vai acabar. E somos talvez

a única espécie de seres vivos no planeta

que possui o conceito do tempo. O projeto

‘Transitórios’, que poderia ser chamado de

‘cronocubismo’, foi uma maneira de expor uma

noção do tempo. Percebi ali que a fotografia

seria capaz de responder a essa pergunta,

porém de maneira subjetiva; cada espectador

interpreta a arte de forma diferente.

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Todos os meus trabalhos surgem assim,

de um questionamento; cada um deles

busca responder a uma pergunta. Durante

o processo de resposta, surgem novas

perguntas. A única maneira de parar de

fotografar seria parando de fato, porque as

perguntas são infinitas.

Eu faço muitas manipulações no computador

- ‘Transitórios’ é um exemplo - mas tenho um

trabalho em desenvolvimento de longo prazo,

para fazer até meus últimos dias na fotografia,

sem pressa. Esse projeto é ‘Comunhão’. Nele,

fotografias são impressas, recortadas em tiras

e trançadas à mão. É um trabalho que contém

um questionamento: se eu estivesse atuando

antes do advento do computador, será que

eu conseguiria transmitir a mensagem?

‘Comunhão’ foi uma maneira de provar que

sim. O suporte tem que ser coerente com o

objetivo da obra.

As pessoas só têm dúvidas quanto ao suporte

quando não sabem bem qual mensagem

pretendem passar. Inscrevi o ‘Transitórios’

em um concurso de fotografia que mostrava

na Internet o processo de seleção dos

vencedores. O pessoal olhou o trabalho e o

descartou na hora, pensando: “É Photoshop”.

Não chegaram a ver a mensagem!

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Quando a série ficou pronta: pensei: ‘E aí,

continuo usando essa técnica ou não?’ Preferi

investigar outras formas de fazer aquilo,

assim como outros assuntos para falar a

respeito através de imagens, mu processo

exploratório. ‘Dejetos’ foi um processo

artístico para me desvincular do tipo de vida

corporativa que então vivia, como se me

projetasse no personagem fotografado.

Quando eu cursava a Escola Panamericana

de Arte, meu professor me acusou de ser

‘técnico’ demais. E eu achava isso muito legal,

mesmo que viesse com um tom de crítica e

não de elogio. Demorei muito a realmente

entender o que ele dizia: que minhas fotos

ainda não tinham poesia própria, porque

se baseavam na técnica como o meio para

atingir a poesia - algo que simplesmente não

poderia acontecer.

A fotografia em si é limitada, especialmente

do ponto de vista técnico. Nas artes em geral,

existem muitos recursos para contar uma

história e controlar o que o espectador recebe.

Não é assim na fotografia. Mas em última

análise, as barreiras técnicas da fotografia

são, na realidade, barreiras do fotógrafo em si.

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Há muito respeito e obediência do fotógrafo

a certas leis e normas. ‘A fotografia é assim,

assado...’ Mas o artista tem a prerrogativa

de dizer ‘As coisas para mim não devem ser

assim’, em vez de simplesmente aceitar o que

foi anteriormente decidido pelo projetista da

câmera.

Na era do filme existia um amplo campo

de experimentação na revelação cruzada,

Redscale e outros processos químicos que

traziam resultados imprevisiveis, porém eram

frequentemente incríveis. Eu não sou único:

faço parte de uma certa escola ‘subversiva’

no sentido técnico, em relação à maneira de

utilizar as ferramentas. É uma forma de dizer

que não aceito a maneira como as ferramentas

vêm prontas. O retorno do interesse dos

fotógrafos nos processos alternativos está

vindo por meio de simulações da fotografia

filme, como no Instagram, que facilitam

chegar a novos resutados estéticos que não

referenciam necessariamente a realidade.

Eu já comecei a fotografar com digital;

só depois passei para o filme. Para a série

‘Transitórios’ fotografei demais, porque isso

era uma exigência do projeto: cada imagem

final envolvia muitos cliques. Ao final do

trabalho senti uma ‘ressaca’ e resolvi aprender

a fotografar com filme, de maneira a poder

reduzir a minha velocidade. Ao retornar ao

digital senti a influência desse aprendizado.

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Minha câmera de rua é de filme: uma Zeiss Ikon recente, com

uma lente 35mm f/1.4 da Voigtländer e uma 50mm f/2 da Zeiss.

Adoro equipamentos, gosto de tecnologia de forma geral, e as

câmeras são tecnologias muito práticas. Adoro ficar desvendando

o funcionamento das lentes. Mas sinto que cada vez mais restrinjo

as objetivas que uso. Não quero mais saber de zooms, teles... Minha

câmera ideal seria uma full-frame com uma lente fixa de 35mm.

E talvez uma macro, às vezes... Não tenho opções fechadas como

regras e posso sempre mudar de ideia.

Analisando os resultados obtidos com o equipamento, escolho

as coisas que me agradam mais; ao mesmo tempo, percebo que

certos resultados só se atingem empregando um certo tipo de

equipamento. Por exemplo, outro dia saí à rua com uma tele zoom

de 100-400mm... Tenho curiosidade em relação às câmeras digitais

‘mirrorless’, pois as máquinas mais recentes produzem resultados

comparáveis aos das melhores DSLRs, com talvez metade do peso.

Para quem viaja fotografando, o peso é muito relevante. O peso é o

pior aspecto da fotografia; os fotógrafos da velha guarda preferem

a Leica em boa parte por causa da sua dimensão e discrição. As

DSLRs são trambolhos; é inviável andar por aí com três objetivas

L a tiracolo...

Se um fotógrafo na rua não tem uma atitude segura, as pessoas

leigas percebem de longe. Outra coisa surpreendente é que é

possível conversar na rua com qualquer pessoa. Se a pessoa achar

ruim que teve sua foto tirada, você pode elogiar algum aspecto da

sua roupa, por exemplo, que a barreira é derrubada na hora.

Ministrei dois cursos no SESC: um de fotografia de rua e outro

detalhando as técnicas do meu próprio trabalho, ajudando as

pessoas a desenvolverem suas próprias ideias sobre o tema ‘tempo’.

Mostrei meus trabalhos a alguns fotógrafos de rua que admirava,

inventei minhas próprias técnicas, fiz saídas com alunos e fiz

exposição com as fotos dos alunos. Gostaria de dar mais aulas, estou

procurando oportunidades para isso.

É interessante pegar o ‘input’ de outras pessoas para que sirva

como estímulo e não como direcionamento. No workshop de Bruce

Gilden, uma parte consistia em cada participante mostrar o trabalho

para ele. Quando mostrei meu trabalho, o ‘Transitórios’ chamou sua

atenção, mas ele não gostou: “Colagem eu não acho legal”. Mas esse

trabalho foi ao mesmo tempo o favorito da filha do Gilden. Imaginei:

‘Por ser quem ela é, deve ver muitas coisas diferentes...’

Por que é tão emocionante o trabalho de Vivian Maier, que fez toda

sua obra fotográfica na obscuridade? Por ter um frescor no olhar

e por abrir uma janela para sua época. Eu a imaginei como uma

espécie de Van Gogh da fotografia. Não apenas por isso, mas por

ela ter tido um reconhecimento póstumo. Ela fotografou para ela

mesmo, ela era seu próprio público.

Todo fotógrafo deve sentir um prazer ao segurar uma câmera na

rua, porque isso expressa um propósito. Quando saio para fotografar

com filme, sem ver o resultado na hora, sempre tenho consciência

de quando o rolo contém uma boa foto. Quando você experimenta

a magia do clique, está “perdido” para ela... para sempre.

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Myanmar - A Terra Douradapor arthur monteiro & isabela lyrio

Há alguns anos, ganhamos uma antiga revista Geográfica

Universal de um irmão, e foi nestas páginas que a Birmânia

deixou de ser apenas um nome de país exótico e foi para nossa

lista de desejos. Na revista, de 1995, o Myanmar ainda se chamava

Birmânia, mas desde sempre fantástico e digno do olhar aguçado

de muitos exploradores.

O Myanmar é um país cuja história teve muitos protagonistas: oito

grandes grupos étnicos se espalham por planícies, montanhas e

florestas, reinos que foram suprimindo uns aos outros no decorrer

dos séculos e unificaram o país. Após três guerras perdidas contra

o Império Britânico, em 1885 o Palácio de Vidro em Mandalay foi

finalmente conquistado e a Birmânia se tornou província da Índia

Britânica - um status que ressentiu um país até então entre os

mais ricos da Ásia. Mesmo trazendo tecnologia e infraestrutura,

os britânicos trouxeram também o desprezo ao povo e às tradições

birmanesas, além de saquear florestas e recursos minerais do país.

Embora independente desde 1948, graças a um golpe militar nos

anos 60, a corrupção governamental e aos conflitos separatistas, se

tornou um dos mais pobres do continente e vive uma guerra civil

desde então.

Após décadas fechado para o mundo, o Myanmar começa a se

abrir para o turismo, seguindo o rastro bilionário de seu vizinho

Tailândia. Encontrar informações sobre fronteiras e travessias

entre cidades se mostrou tarefa complexa, pois as regras do país

mudam com o humor militar e a grande maioria das informações

encontradas estava desatualizada. Durante os anos mais escuros da

ditadura, os estrangeiros só podiam ficar no máximo uma semana

no país e apenas em agosto de 2013 as fronteiras terrestres foram

abertas. A infraestrutura é precária e confusa, em algumas regiões

o acesso de estrangeiros é proibido e em outras só é permitido com

guia autorizado.

Sobrevoando os arredores de Mandalay, a última capital real, a

paisagem do país se revelou: campos de arroz cercando pequenos

vilarejos em planícies semiáridas e estupas douradas pontuando a

vista. O caminho entre o aeroporto e a cidade era seco, mas o ar

que inspirávamos trazia encantamento e insinuava que tínhamos

chegado onde há muito sonhávamos. A cidade lembra a Índia, um

caos colorido e poeirento onde tudo de alguma maneira dá certo,

uma urgência em nos fazer encontrar a paz no meio da loucura e a

opulência de paisagens humanas.

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O rosto mais conhecido do país está impresso em revistas, livros

e pôsteres de norte a sul: Aung San Suu Kyi. Filha do líder da

independência, desde 1988 luta pacificamente pela democracia e

liberdade no Myanmar. Por sua voz a favor dos direitos humanos,

passou 15 anos em prisão domiciliar, sendo libertada em 2010 após

muita pressão interna e externa, incluindo o Prêmio Nobel da Paz

em 1991 e sanções econômicas internacionais. Hoje é parlamentar e

é comparada a Mahatma Gandhi e Nelson Mandela.

Um dos três lugares mais sagrados para os budistas no Myanmar,

Mahamuni Paya, fica ao sul de Mandalay. Arcos dourados formam

o terraço do templo, que tem em seu epicentro o Buda Mahamuni,

estátua mais reverenciada do país e que acredita-se ter sido forjada

durante uma visita do próprio Buda Gautama ao rei (2500 AC), sendo

considerada seu retrato mais fiel. Para prestar homenagens ao Buda,

os homens aplicam folhas de ouro nas estátuas e locais sagrados, o

que faz com que o Buda Mahamuni tenha vários centímetros de

camadas de ouro em seu corpo. Mulheres não podem se aproximar

da imagem e, apesar do questionamento sobre a origem dessa

tradição que contradiz os ensinamentos agregadores de Buda, todas

as mulheres se prostram respeitosamente do lado de fora da sala

sagrada.

Do outro lado do Irrawaddy - o grande rio-mãe que cruza o país

carregando histórias e mercadorias através dos séculos - está

Mingun, vilarejo que abriga o que seria a maior estupa do mundo,

não fosse pela morte de seu rei-idealizador e um terremoto em

1839, que deu às ruínas charmosas rachaduras. Por ter uma estrada

em péssimas condições e um barco que faz a travessia de maneira

idílica e acessível, é um trajeto pouco percorrido por estrangeiros,

mas fizemos questão de ir de moto e sem pressa. Precisamos de passo

lento para sentir os tons de cada lugar, o ritmo das ruas. Gostamos

do fluir natural da vida, de seguir a luz do sol e o convite das pessoas

para tomar parte em seus dias. Para fotografar é preciso ter liberdade,

autonomia sobre o tempo. Saber esperar acontecer, saber perceber

quando acontece.

Chegamos em Bagan de madrugada e com uma energia insólita,

deixamos as mochilas no hotel e seguimos de bicicleta por alguns

quilômetros até chegar à planície árida. Primeira capital do Império

Birmanês, falar que Bagan é incrível seria redundante. São mais

de dois mil templos espalhados por uma área de 42 quilômetros

quadrados, o que confere ao horizonte sua mais peculiar paisagem: os

incontáveis picos de templos desenhando pequeninas montanhas no

finito. Além de nos oferecer um nascer e pôr do sol impressionante,

os templos de Bagan são obras de arte rústica, com Budas e pinturas

dos mais variados estilos, construídos principalmente entre os

séculos X e XIV, que se cruzam por estradas de fina areia e cactos. As

constantes restaurações feitas pela junta militar nunca respeitaram

os estilos arquitetônicos e artísticos, utilizando materiais modernos e

chegando a refazer pinturas inteiras sem coerência com as originais,

mas ainda assim um espetáculo à parte em todos os sentidos.

Em Yangon, a maior cidade do país, está a vibração urbana mais

latejante da nação. Dizem que o Myanmar é onde a China encontra

a Índia, e Yangon é a concretização do dito. Bairros chineses e

indianos preenchem o coração da cidade, trazendo o pulsar da alma

mercante destes dois povos em cada centímetro de suas caóticas

artérias. Mesquitas, templos chineses, hindus e budistas e até uma

sinagoga dividem espaço com inúmeros mercados, restaurantes,

escritórios e apartamentos. Grande parte dos prédios data da época

colonial e parecem não ter manutenção desde então, uma paisagem

urbana e concretamente impressionante. A cidade abriga também a

Shwedagon Paya, local sagrado muito importante para os budistas,

e cuja história lhe dá a idade de 2600 anos. Uma visão sublime de

uma estupa dourada de 90 metros de altura, cuja circunferência

é percorrida com fervor e encanto por todos os passantes, sejam

peregrinos, sejam curiosos.

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A região sul teve suas estradas abertas para o turismo apenas em

2013 e Mawlamyine é a primeira cidade no caminho, nas margens

do rio que parece ser cenário dos romances britânicos escritos na

colônia. Fora os agitados mercados à beira do porto, a cidade leva

um ritmo tranquilo - palmeiras balançam com o vento emoldurando

estupas douradas e casas coloridas cobrem os morros, uma espinha

dorsal que corta a cidade entre bucólico e urbano. Outro local de

peregrinação é a pagoda de Nwa La Bo, onde rochas se equilibram

uma em cima da outra e são consideradas sagradas por acreditar-se

em cima delas há um fio do cabelo de Buda mantendo seu equilíbrio.

No caminho acontecia a procissão que marca o início da vida

monástica das crianças, shinbyu, um momento muito importante na

vida de todo budista do país, cerca de 89% da população. As crianças

são enviadas ao monastério para aprender a disciplina budista e

ali ficam por ao menos um ano. Para as famílias mais pobres, é a

única oportunidade de garantir uma boa educação para seus filhos.

Na shinbyu, os meninos andam a cavalo, cobertos por brilhantes

parassóis dourados e com roupas que lembram as de um príncipe,

simbolizando a renúncia de Siddhartha Gautama ao palácio real

por uma vida de asceta. Com muita música, dança e oferendas, é

realizado um banquete. Depois as crianças têm as cabeças raspadas

e recebem a túnica monástica, iniciando seu caminho de disciplina

e desapego.

Viajamos no tempo. Fomos à nossa Ásia Imaginária, um lugar que

só tínhamos ouvido falar em relatos fabulosos de viajantes antigos

e nem sabíamos onde poderia estar. A Terra dos Sorrisos Dourados

tem um ritmo de vida que perdura em alguns países como o Laos, ou

áreas remotas de Tailândia, China e Vietnam. Mesmo tendo viajado

por estas regiões, foi no Myanmar que este sentimento se tornou

plausível. O modo de vida tradicional, repleto de sabedoria que

vem da terra e dos ancestrais é a maior riqueza deste povo. Hábitos

modificados a conta-gotas pelas trocas entre os povos e que hoje

se transformam instantaneamente na velocidade da informação

virtual.

Estes lugares-passado são raros e muito preciosos - para onde é

preciso voltar.

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Algumas Lições da Pinturapor armando vernaglia jr

Gosto de pensar que a fotografia e a cinematografia

sempre existiram, do momento em que a evolução nos deu

olhos, a fotografia e o cinema estavam ali, prontos. Com nossos

instrumentos ópticos dotados de comprimento focal, controle de

abertura, balanço de branco automático, sensibilidade, além desse

processador potente chamado cérebro, podíamos registrar tudo,

era só questão de tempo para encontrarmos um jeito de colocar o

que víamos em um suporte mais rígido.

Dos muitos suportes que inventamos ao longo dos tempos, o

primeiro aparentemente foi a pintura, pelo menos é o primeiro que

temos registro, mas fotografia e cinema estavam ali, só esperando

sua vez.

Consta que há cerca de 17.000 anos uma ou mais pessoas se

dedicaram a pintar os monumentais tetos das cavernas de Lascaux,

em um lugar que hoje chamamos de França. Antes disso, cerca de

30.000 anos antes de nosso tempo, também na França, alguns de

nossos parentes distantes deixaram um documento visual de sua

existência nas paredes das cavernas de Chauvet.

Lá estavam nossos ancestrais registrando visualmente o mundo

que os cercava, com animais, rituais, lutas, com as palmas de suas

mãos embebidas em pigmento e estampadas nas paredes. Só faltava

a câmera, o filme, o sensor de captura, mas sobrava a vontade de

gravar em algum suporte aquilo que era apreendido pela visão.

Gosto de, em minhas aulas e palestras, situar nessas cavernas o

nascimento simultâneo da fotografia, do cinema e da pintura. Daí

em diante é só questão de ferramentas, mas o documento de que o

ser humano estava ali, e o que ele via, ficou gravado para sempre.

Desde então muita coisa mudou, evoluímos na técnica da pintura,

inventamos a lente, a câmera escura, descobrimos o escurecimento

da prata, juntamos tudo e da soma inventamos a fotografia e com

pouco mais de estudo descortinamos o cinema. Disso para o digital

foi só um pulinho, mais uma etapa nessa longa jornada visual.

Graças a este costume que tenho, de dizer que fotografia, cinema

e pintura nasceram juntos, três irmãos, cada uma com sua

personalidade, mantenho também o hábito de ficar observando as

lições que cada membro desse trio pode dar.

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A fotografia ensinou muita coisa para a pintura, fosse pelos pintores

impressionistas que usavam a fotografia para criar as referências,

como Degas que fotografou suas bailarinas antes de pintá-las, fosse

pelo uso da câmera escura desde a renascença.

A pintura por sua vez forneceu muito estudo sobre harmonia de

cores, proporções, composição e enquadramento, aí entra o cinema,

e o cinema vem sempre juntando a todos com sua forma de contar

histórias visualmente, dando movimento para as idéias da pintura

e da fotografia.

Um dos pontos mais interessantes, em minha opinião, dessa longa

colaboração entre as artes visuais surge no ateliê do pintor holandês

Johannes Vermeer, que viveu entre 1632 e 1675.

Conta a história, ou as lendas, que Vermeer fazia usa da câmera

escura em suas pinturas. A precisão de perspectiva, o aparente

controle de regiões focadas e desfocadas em algumas de suas obras

bem como a precisão fantástica na direção das sombras dão alguns

indícios de que ele pode mesmo ter feito um bom uso da câmera

escura.

Mas mais que isso, o pintor holandês deixou uma grande lição sobre

iluminação. Vermeer dominou como poucos a arte de iluminar

com uma única fonte de luz, neste caso, uma grande janela.

Simples, funcional, e de uma beleza poética, a luz da grande janela

de Vermeer vai deixar uma lição magistral sobre as infinitas

possibilidades estéticas de uma fonte de luz única, com posição e

direção definidas, assim como é a luz do sol, marcando sua presença

de um lado e deixando seu rastro de sombras do outro.

O nosso primo distante, aquele das cavernas de Chauvet e Lascaux,

já tinha a luz do sol, dura num dia aberto, suave quando as nuvens

passam, indireta quando adentrava pela porta da caverna, estava

tudo ali. Mas foi Vermeer quem gravou da forma mais inequívoca

a beleza dessa luz natural e simples.

E das telas de Vermeer para o cinema foi mais um pequeno salto,

quando em 2003 o diretor Peter Weber, com a ajuda do genial

diretor de fotografia Eduardo Serra deram ao mundo o filme

Moça com Brinco de Pérola (Girl with a Pearl Earring), com todo o

trabalho de fotografia, e mesmo com o enredo e roteiro, inspirados

no trabalho de Vermeer.

Ver este filme é observar pelas lentes modernas das câmeras aquilo

que Vermeer pintava e que o homem das cavernas já testemunhava.

A beleza versátil e poética da grande e suave fonte de luz única,

que entra pelo ambiente, rebate em superfícies, distribui-se e vai

sumindo em sombra.

Uma luz que está nas pinturas, na fotografia de inúmeros mestres e

no cinema de alguns geniais diretores, se hoje gostamos e desejamos

aquele imenso softbox em um flash ou refletor, esse desejo carrega

esse lastro de História, da luz do sol passando pela grande janela.

A pintura certamente tem muitas outras lições, essa é uma, única

como a fonte de luz que a gera. Experimente fotografar com fonte de

luz única, seja uma grande janela, uma porta, um só flash, com um

grande softbox, quem sabe você não descobre nessa simplicidade a

sua assinatura de luz

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Valorize Sua Arte Comentando Elapor alan bamberger

Os seres humanos se comunicam com palavras. Quando vemos alguma coisa que não

entendemos, nós fazemos perguntas ou lemos sobre o assunto, coletando e processando

informações escritas. Esta é a forma como formamos nossas opiniões, tomamos decisões

e agimos... com palavras.

Arte, por exemplo, é uma das coisas que as pessoas menos entendem. É também uma

das coisas que as pessoas mais querem entender. Eu raramente encontro alguém que não

gosta de arte, mas ao longo dos anos encontrei inúmeras pessoas que precisam de ajuda

para entender a arte. É nosso trabalho ajudar essas pessoas nesse sentido e a forma mais

fácil de fazer isso é escrevendo... com palavras.

Nos velhos tempos, antes da internet, escrever sobre seu trabalho artístico não era muito

importante. Isto ocorria principalmente devido ao fato de que o mundo artístico era bem

menor, muito mais local ou regional em sua grande maioria, não havia tantos artistas,

e quase todo mundo que era interessado em arte já era razoavelmente bem informado

sobre o assunto. Nos dias de hoje o mundo artístico é bem diferente, tão diferente que o

mercado potencial é basicamente o mundo todo, para ambos, artistas e compradores.

A internet mudou totalmente o modo como a arte deve ser apresentada. Agora a audiência

não está mais confinada a uma área limitada geograficamente ou a um seleto grupo de

pessoas, mas a todos e em todos os lugares, independentemente do quão pouco as pessoas

entendem sobre arte. Qualquer um que tenha um mínimo interesse em arte, agora tem

a oportunidade de procurar no mundo inteiro por qualquer objeto de arte ou pelo artista

que mais lhe atraia e fascine.

Basket Carrier – Carlos Alexandre Pereira

Esta foto foi tirada em Cambridge, UK no

verão de 2012. Apesar de ser um fim de

semana e a cidade estar cheia de turistas,

estava andando por uma área bem vazia, onde

apenas moradores eventualmente cruzavam

o meu caminho. Estava mais interessado em

fotografar a arquitetura local e por isso a

câmera estava regulada para uma distância

focal bem curta e uma velocidade bem

lenta para compensar a pouca abertura do

diafragma. Quando a moça atravessou minha

linha de ação resolvi tirar a foto mesmo assim,

pois sabia que pelo menos a exposição sairia

correta. O borrado do movimento acabou

dando um interesse maior a esta imagem que

ficou melhor do que a foto original do prédio.

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O que isso significa para o seu perfil online é que você não pode

mais escrever sobre sua obra artística apenas para um seleto grupo

de pessoas que sejam bons entendedores de arte, porque você

está apresentando seu trabalho para todos. Para maximizar sua

audiência você deve maximizar suas oportunidades de exposição,

você deve escrever de um jeito que qualquer um possa entender,

inclusive total desconhecidos... ou talvez, considerando o jeito como

as coisas estão agora... principalmente total desconhecidos. Você

nunca saberá de onde poderá surgir uma grande oportunidade,

ou quem poderá se revelar como um potencial comprador, ou

porque alguém pode se interessar pelo seu trabalho, portanto é sua

responsabilidade fazer com que todos os interessados tenham uma

boa chance de te conhecer melhor, da forma mais simples e fácil

possível. E a forma de fazer isso é escrevendo.

Não cometa o mesmo erro que tantos outros artistas, e pensar que

basta as pessoas entrarem em contato com o seu trabalho para

elas se tornarem imediatamente tão fascinadas e absorvidas por

ele, que irão fazer qualquer coisa para conhecer melhor você e a

sua arte. A internet não funciona assim. Se você não conseguir

prender a atenção dos novos visitantes, ou pelo menos reter eles

por 30 segundos ou talvez 1 ou 2 minutos durante o primeiro

contato com seu trabalho, são grandes as chances de que eles irão

sair do seu website e se dirigir a outro mais interessante. O período

de atenção online é curto – bem curto – então você deve fazer o

que for preciso para convencer imediatamente alguém que possa

gostar do seu trabalho artístico a permanecer mais tempo no seu

website e conhecer melhor você e a sua arte. Depende de você ter

as palavras no lugar certo – de fácil leitura e entendimento – para

qualquer um que tenha interesse em aprender mais sobre você e

seu trabalho artístico.

Se você for como a maioria dos artistas, provavelmente você mesmo

irá escrever sobre o seu trabalho artístico, mas artistas tendem a

escrever para outros artistas ou para entendedores de arte – isso

assumindo que eles possam sequer escrever adequadamente o

que infelizmente muitos não conseguem. Pior ainda, inúmeros

websites de artistas não tem qualquer conteúdo neste sentido,

nenhuma explicação clara ou informações básicas sobre o trabalho

artístico, não são muito melhores do que jogos de adivinhação. O

que acontece com este tipo de comentário falho sobre o trabalho

artístico, ou total falta dele, é que apenas um seleto grupo de pessoas

conseguem entender o que ele significa – por exemplo amigos,

outros artistas, curadores, donos de galerias, colecionadores ou

qualquer outra pessoa entendedora de arte – e só, mais ninguém.

Todos os outros permanecerão ignorantes no assunto, inclusive

potenciais compradores totalmente desconhecidos. O resultado

disso é que sua base de admiradores permanecerá estável em

um mundo que tem potencial para aumentar continuamente

com admiradores provenientes de todos os lugares. Esta forma

ultrapassada de escrever e comentar sobre o trabalho artístico de

forma descuidada não faz mais sentido nos dias de hoje.

Na verdade você não precisa ser um escritor para poder escrever

adequadamente, basta tomar alguns cuidados básicos. Seus

comentários devem se concentrar em fatos, não em interpretações.

Interpretações são pessoais, deixe que cada um interprete sua

arte como achar melhor. O que você deve fazer é fornecer mais

informações para ajudar as pessoas a formar suas próprias

interpretações. Uma breve introdução do seu trabalho, uma

caracterização do local e época em que você produziu sua arte, são

informações típicas que ajudam a contextualizar o seu trabalho.

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Seus comentários devem introduzir e comunicar o componente

linguístico da sua arte. As pessoas que entram em contato com o

seu trabalho e quiserem saber mais, irão fazer perguntas. Quando

você está presente, elas lhe perguntam e você responde. Quando

você não está presente, seus comentários tem que responder por

você. Ou quando você está presente, mas não pode responder

a perguntas, ou quando alguém é muito envergonhado a ponto

de não conseguir fazer as perguntas, ou quando você é muito

envergonhado a ponto de não conseguir responder as perguntas,

então seus comentários irão fazer o serviço por você. Então vamos

ao trabalho e escrever estes comentários logo!

Praticamente todos os artistas querem que o maior número

possível de pessoas conheçam e se interessem por sua arte. Uma

boa explicação sobre o seu trabalho artístico ajuda muito neste

sentido, e o fator mais importante desta explicação é o linguajar

empregado. Escreva suas explicações em um linguajar que todos

possam compreender, e não de forma que apenas você ou alguns

poucos iniciados no assunto entendam, mas um linguajar simples,

igual ao que você usa diariamente para se comunicar com todo

tipo de pessoas. Um comentário artístico eficiente atrai e interessa

as pessoas no seu trabalho artístico, independentemente do quão

pouco ou muito estas pessoas sabem sobre arte incialmente,

sem ser exclusivo. Fique descansado que aqueles que lerem

seus comentários e quiserem saber mais sobre seu trabalho irão,

futuramente, criar oportunidades suficientes para obter todos os

detalhes técnicos, metafísicos, filosóficos, pessoais, emocionais,

orais, sociais, históricos, ambientais, políticos, etc.

Como a introdução de um livro, seu comentário apresenta os

conceitos fundamentais de seu trabalho artístico, escreva-o para

pessoas que gostem do que estão vendo e se interessem em saber

mais sobre o assunto, não para aqueles que já o conhecem e sabem

tudo sobre você e seu trabalho. Em três a cinco parágrafos, de três

a cinco frases cada, forneça as informações básicas como as razões

pelas quais você produz a arte que produz, o que te inspira, o que

sua arte significa ou representa, o que é único e especial sobre sua

arte e, resumidamente, o que ela significa para você. Seu objetivo é

atrair a atenção dos leitores para sua arte, deixá-los interessados em

saber mais, por isso cuidado, dose bem a quantidade e a qualidade

das informações para não se tornar entediante ou desinteressante.

Como qualquer boa impressão, seu comentário precisa capturar

e incentivar novos questionamentos, como qualquer boa estória

prestes a ser contada. “Give too little, not too much!”

As pessoas em geral possuem uma capacidade de foco muito

curta. Quando você sobrecarrega os leitores com detalhes, você

se arrisca a afoga-los com detalhes desinteressantes e desencoraja

aqueles que de outra forma poderiam se interessar pelo seu

trabalho se você se explica-se de forma mais simples. Responda

a perguntas normalmente feitas em relação a sua arte. Guarde as

informações mais profundas e complexas para o próximo estágio

de interatividade. Não se preocupe em satisfazer seus fãs mais

dedicados. Você não irá desapontá-los e eles não irão deixa-lo, eles

já te adoram. E se eles tiverem perguntas, eles sabem como obter as

respostas diretamente com você. Lembre-se: suas declarações são

para aumentar sua audiência, e não mantê-las como estão. Você

terá muito tempo para dar aos seus fãs mais recentes a apresentação

completa – MAIS TARDE, AGORA NÃO – você precisa conquista-

los primeiro!

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E mais, suas declarações devem ser sobre você. Então torne-as pessoais. Escreva na

primeira pessoa e não como se você estivesse falando sobre você abstratamente. Insira

suas perspectivas pessoais e únicas. Sempre que possível, torne-a um diálogo, como se

você estivesse conversando diretamente com o leitor (obs.: um bom editor pode fazer

maravilhas nesse sentido). Quanto mais complicada, teórica, arcana, ininteligível,

pomposa, elitista, egoística, bombástica, arrogante ou impessoal for sua declaração,

mais dificuldade as pessoas terão para digeri-la e criar uma conexão com você e sua

arte em níveis significativos. Poucos leitores querem queimar calorias tentando decifrar

complexidades; eles as queimam durante o dia inteiro; no momento eles querem apenas

ver sua arte e se entreter de forma simples, descomplicada.

Explicações e comentários profissionais sobre trabalho artístico são diferentes;

são escritos por pessoas que não apenas entendem o mundo da arte, mas também

acompanham e se informam sobre como este mundo evolui e, portanto conhecem o

linguajar para melhor se comunicar neste mundo em mudanças. Dessa forma sua esfera

de influência será expandida alcançando todos aqueles que gostarem do seu trabalho o

suficiente para pararem por um momento, longo o suficiente para considerar seriamente

seu significado – não importando quem sejam ou quão pouco eles possam saber sobre o

que estão observando. Estas são as pessoas que você deve querer convencer, não as que

você já tenha convencido anteriormente ou aquelas que já o conhece e apreciam o seu

trabalho ou pelo menos já entendem do assunto. E a forma como escritores profissionais

convencem esta nova base de admiradores é apresentando o seu trabalho artístico

de forma que qualquer um possa compreendê-lo, não de forma confusa ou através da

linguagem errada como expressões artísticas complicadas, mas sim de forma simples,

concisa, acolhedora e intrigante de um modo que encoraja as pessoas a quererem saber

mais.

Spookie Path – Carlos Alexandre Pereira

A foto ‘Spookie Path’ ou ‘Caminho Assustador’

foi tirada em uma trilha próxima a cidade

de Redhill, UK, no inverno de 2012/13. Esta

imagem faz parte de uma série intitulada

‘Caminhos’, onde grande maioria das imagens

são em P&B. Mas esta imagem já nasceu

colorida pois uma das coisas que me atraiu

nessa cena foi a tonalidade das folhas ainda

não totalmente secas cobrindo a passagem.

Foi por essa razão que abaixei a câmera, para

ficar bem próximo das folhas. Essa ação me

levou a perceber outra característica dessa

cena, a forma como as árvores desfolhadas

parecem se inclinar ameaçadoramente sobre

os arbustos rentes a grade da propriedade

paralela a caminho.

Imagem disponível no site www.

photostandonline.com em séries limitadas

em impressão e moldura com qualidade fine

art. Ver bio do autor no final do artigo.

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É isso que a escrita profissional sobre arte significa. Primeiro, explica seu trabalho

artístico de uma forma que o deixa acessível a uma audiência muito maior, não apenas

as pessoas que você já conhecem ou que conhecem o seu trabalho, mas todas as pessoas,

principalmente aqueles que ainda não conhecem você ou o seu trabalho. Segundo,

diferencia o seu trabalho artístico do trabalho de outros artistas e fala sobre o que o torna

especial, significativo ou memorável; com tantos artistas online nos dias de hoje e tanta

arte tão facilmente disponível, fazer seu trabalho se distinguir do resto é uma necessidade

crítica. Terceiro e mais importante, estimula visitantes interessados a querer ver mais do

seu trabalho e conhecer melhor você – e esta é a parte importante. É a parte que cria

contatos, interatividade, questionamentos e oportunidades de diálogo e discussão, e se

feito corretamente, pode, em última instância levar a exibições, vendas, representações

ou qualquer outra coisa que esteja dentro das suas ambições como artista.

Este artigo é na verdade o resultado final da tradução, edição e reorganização de dois artigos originais de Alan

Bamberger em um único texto. Os artigos originais são “Good Art Writing Makes Good Art Better” e “Your Artist

Statement: Explaining the Unexplainable” e estão disponíveis na íntegra em seu website www.artbusiness.com. O

trabalho de tradução, edição e reorganização do texto final, assim como as imagens usadas na ilustração, são de

Carlos Alexandre Pereira.

A edição #1 da fotografia et al trouxe um artigo de Alan Bamberger intitulado “Como Valorizar Sua Produção

Artística“, onde Alan explica que o simples ato de comentar sua obra artística agrega valor a mesma. Para ilustrar

o artigo eu havia usado três imagens de minha autoria e como todas as outras imagens presentes na revista, não

poussiam legenda. Acontece que uma das críticas que recebi (obrigado Pepe Mélega) foi de que no artigo que

defendia a tese de valorização das imagens através de comentários, as imagens não tinham sequer uma legenda. Eu

prontamente adicionei comentários apropriados as imagens no post do artigo, acessível no website da revista e, por

uma questão de coerência, inclui neste artigo comentários sobre as imagens utilizadas para ilustração.

Missing Amy – Carlos Alexandre Pereira

Este banco fica em Camden Town, bairro

de Londres, onde nasceu e morou Amy

Winehouse, cantora inglesa. Esta foto foi

tirada em dezembro de 2012, alguns meses

depois de sua morte. Estava passeando

pelo bairro quando vi o banco com o copo

abandonado e logo pensei na minha série

‘vide’ (vazio em francês) e fiz a associação do

banco vazio com a ausência da cantora, que

sempre gostei muito.

Imagem disponível no site www.

photostandonline.com em séries limitadas

em impressão e moldura com qualidade fine

art.

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Emoverepor carlos alexandre pereira

A exposição “Emovere” é um projeto conjunto entre a fotografia

e a pintura tendo o tema como denominador comum e ao mesmo

tempo, total liberdade de criação para os artistas envolvidos, o

fotógrafo e a pintora. Fernando Righetto, o fotógrafo, e Cinthia

Picceli, a pintora, foram convidadas por Luzia Castañeda, a

curadora, para realizar este projeto que resultou na exposição

Emovere, apresentada no Espaço Arte, em Campinas.

O tema principal da Emovere são as emoções. Aliás, a palavra

“emoção” vem do latim “emovere” que significa abalar, sacudir,

deslocar. É através do movimento que as emoções foram

representadas neste projeto. Eu fui ao Espaço Arte para conversar

com a Luzia, o Fernando e a Cinthia sobre o projeto.

1. Luzia, como surgiu a ideia da exposição?

Eu já conhecia o trabalho individual de cada um deles, e já tinha

proposto ao Fernando fazer uma exposição no Espaço Arte em

Campinas. Quando conversamos sobre o tema da exposição

abordando o corpo e o movimento, onde o corpo se funde com o

fundo criando um limite misterioso, eu me lembrei do trabalho da

Cinthia. Eles não se conheciam e eu propus eles desenvolverem o

trabalho em conjunto. Até porque falar de corpo e movimento na

arte visual de uma forma inédita é uma coisa difícil. E o trabalho

da Cinthia tem muita emoção nos traços. Cada traço dela no corpo

traz uma emoção. E esse trabalho do Fernando com movimento

também vai além do simples deslocamento de membros.

Então a proposta era que os dois olhassem para o mesmo

corpo durante a captura da imagem, que na minha opinião foi

um momento precioso para a exposição. O Fernando teve a

sensibilidade de escolher a modelo certa para esse projeto. Ela não

é uma modelo típica de fotografia de moda, mas sim uma atleta com

um corpo muito bem formado, com músculos bem definidos, o que

foi excelente para pintura e também para fotografia.

Então a partir desses olhares diferentes sobre uma única modelo, os

dois foram trabalhar independentemente. Mas naquele momento

houve a explosão da emoção, o início do trabalho. Então há um fio

condutor, tanto na fotografia do Fernando, quanto na pintura da

Cinthia, apesar de serem imagens diferentes, totalmente diferentes.

As fotografias que a Cinthia se baseou para fazer as pinturas não são

as fotografias que o Fernando trouxe para exposição, mas mesmo

assim você percebe que há um fio condutor do trabalho, que é a

emoção. Ela não é dita, ela não é revelada na forma ou na figura, ela

está no traço, no ângulo da fotografia.

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2. Fernando, conta um pouco como foi o processo do ponto de

vista técnico.

Foi bastante interessante. A Luzia fez a proposta e a gente não

se conhecia, então fizemos uma reunião onde a Cinthia veio

apresentar alguns trabalhos que ela já havia feito. Inicialmente

tínhamos uma noção de que deveríamos buscar a emoção no

projeto. Depois que vimos o trabalho da Cinthia nós batemos o

martelo: “É isso, vamos fazer um trabalho focado nas emoções, mas

vamos tentar desenvolver o trabalho de uma maneira diferente.”

Depois disso, em conversas com a Cinthia, nós procuramos uma

figura para representar isso, e a Lélia (modelo) foi sensacional,

acho que ela resolveu o nosso trabalho. Por ela ser fisioculturista e

não modelo, não tem vícios de modelo, as poses são bem naturais.

E ela tem uma fisionomia muito forte, visualmente forte, que é

muito legal no contraponto ao universo feminino. Eu acho legal

você mostrar isso na figura feminina. Mostrar que a emoção não é

necessariamente uma questão de fragilidade. O senso comum está

acostumado ao conceito de sexo frágil, mas não é.

Quando fizemos o ensaio - eu, a Cinthia e a Lélia – inicialmente nós

tentamos dirigir a Lélia, mas a partir do momento que ela captou a

ideia do que era nossa proposta, ela tomou a iniciativa e resolveu

o assunto. Foram duas horas e meia de um ensaio intenso, onde a

gente precisava pedir para ela parar: “Olha, dá um tempo, pra gente

poder respirar um pouco”. Ela desenvolveu aquilo e nós dois ficamos

pasmos com o que ela fez. Ela trabalha muito com o corpo, ela já fez

diversos tipos de dança e esportes, enfim, acho que isso tudo veio a

somar e foi também interessante e uma surpresa para ela, porque

acho que nem ela sabia que seria capaz dessa performance.

Em seguida eu fiz o copião das fotos e passei para a Cinthia. A partir

desse momento nós não nos falamos mais. Ela não sabia o que eu

ia escolher, eu não sabia o que ela ia escolher. Eu não sabia se ela ia

fazer uma pintura em cor ou P&B e ela não sabia nada a respeito do

meu trabalho e mantivemos isso dessa maneira, para ver se no final

ia dar liga ou não. E minha grande surpresa foi já na montagem.

Montamos os quadros da Cinthia e na hora que eu pus as minhas

fotos na parede eu falei: “Cara, deu certo, a coisa amarrou mesmo!”

Eu não sei dizer bem o que aconteceu para dar certo, sabe? A gente

se preservou no sentido de não ter comunicação, de realmente não

saber o que o outro estava fazendo, mas a ideia estava muito bem

definida...

3. Geralmente quando a gente fala sobre pintura em fotografia,

fala-se muito no que os fotógrafos podem aprender com os

mestres da pintura sobre a relação entre luz e sombra. Entre

as suas imagens, a que mais me chamou a atenção usa high-

key, apesar de também ter algumas em low-key. O que você

pode falar sobre essa imagem?

É uma preferência pessoal. Eu tenho desenvolvido alguns ensaios

assim, eu gosto muito da luz, eu gosto muito dessa difusão da

luz. Como a Luzia colocou, quando o corpo vai se dissolvendo na

luz, que é o tema da foto principal do “Emovere” onde os pés dela

(modelo) vão quase sumindo na luz. Eu tenho um outro trabalho

feito anteriormente onde os contornos do corpo não estão nítidos

devido a uma invasão da luz. Eu acho que apesar da força da

imagem nesse trabalho, das emoções fortes, não diria agressivas,

mas dramáticas, a questão da luz forte, dessa claridade, dá uma

leveza ao trabalho em geral.

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4. Como foi a escolha do papel para esse trabalho onde sem dúvida

alguma haveria uma comparação com telas de pintura?

Além de fotógrafo eu também sou impressor. Eu gosto muito do

papel, da textura do papel. A questão da impressão é que os papéis

têm que fazer parte da obra para valorizar e não apenas serem

usados como suporte. Para mim a escolha do papel foi fundamental.

Eu já fiz ela pensando no Arches Aquarelle, que é o papel mais

texturizados da Canson. Esse papel tem uma textura que torna a

imagem mais dramática. Ele agrega uma força às imagens. Se fosse

uma obra mais suave com nuances mais delicadas, teria usado um

papel liso, com uma textura bem suave, mas não é o caso. Nós temos

que ter o cuidado de selecionar um papel que vá valorizar a imagem.

Se tivesse um papel mais texturizados ainda, eu acho que o usaria.

5. Cinthia, quando você recebeu as imagens do Fernando, você já

tinha uma ideia do que gostaria de fazer baseado na sessão de

fotos? como foi o seu processo nesse projeto?

Desde o início do ensaio eu buscava ver as emoções, então a escolha

das fotos foi baseada nisso, em tentar ver o que estava dentro da

pessoa. Foi esse o meu instinto nesse projeto. Eu trabalho muito com

aquarela, mas nesse projeto escolhi o óleo para marcar essa força das

emoções.

Em nenhum momento me limitou, pelo contrário, as imagens

contribuíram para essa busca pela emoção. Toda a sensibilidade

do fotógrafo e da modelo, as expressões da modelo, tudo isso

contribuiu para me ajudar a captar as emoções nesse projeto. Eu

fiquei muito satisfeita com tudo; com o trabalho da modelo, com

o desenvolvimento do trabalho; acho que foi muito feliz o nosso

encontro.

Eu sempre tentei trazer o sentimento para fora e o monocromático

tem a ver com o íntimo mais obscuro de dentro do ser. É o algo

mais íntimo que você tem dentro de si e não necessariamente quer

mostrar... está ali ainda, dentro dela (da modelo). E a transparência

também é uma tentativa de mostrar o que está dentro. Apenas o

lápis aparecendo... inacabado.

6. Luzia, qual sua impressão final?

Eu acho que esse processo de captura da imagem serviu para Cinthia

como um catalizador. Em nenhum momento ela deixou de ser

coerente com o trabalho dela por sedução ao que a fotografia estava

apresentando. É muito fácil um artista visual se deixar seduzir pela

imagem de uma fotografia e se perder nessa linguagem diferente.

Mas a Cinthia não. Ela foi muito fiel e coerente com o estilo dela, e

isso foi muito importante. Quando você trabalha duas linguagens

distintas dessa forma você precisa tomar muito cuidado para manter

a coerência.

Acho que também houve uma complementação. As personalidades

dos artistas se complementaram como numa fusão, uma união

de talentos bem interessante. Isso se reflete nas cores usadas, na

complementação entre o branco e o preto, como na paleta da Cinthia

que não usa cores vibrantes, que passa de um branco e preto para um

colorido que complementa, que não choca. Esse quadro não acabado,

que acho que conversa muito bem com a fotografia definida onde

o Fernando coloca com muita propriedade onde a coisa começa e

onde termina. Então parece que sempre trabalharam juntos. Foi um

encontro muito feliz.

Acho que dá para fazer muita coisa entre fotografia e pintura, mas

você tem que ter um ponto de sinergia, um ponto comum, e que

transcenda o óbvio, que transcenda o dito, que vá além. Esse é o

ineditismo do trabalho, aquilo que não está explicito: a emoção.

Aquilo que eles foram olhar: o movimento. Buscando e sentindo a

emoção do momento. E resultou nessa coisa maravilhosa. Emovere

é de fato um sucesso, com uma grande aceitação entre o público que

veio conhecer a exposição.

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Um Gênio Se Foi - Gordon Willis - 1931-2014fotografia de cinema, por armando vernaglia jr

Como qualquer forma de arte, a cinematografia, ou

fotografia de cinema, tem seus ícones. Aqueles grandes nomes,

deuses do Olimpo artístico, que não importa quanto tempo passe,

seguem sendo referências obrigatórias, necessárias e fundamentais.

Se na pintura temos Michelangelo, Da Vinci, Vermeer, Picasso, Van

Gogh, na fotografia temos Henri Cartier-Bresson, Robert Doisneau,

Richard Avedon, se em cada arte podemos citar tantos grandes

nomes, não seria diferente na cinematografia. Nomes como Néstor

Almendros, Greg Toland, Gianni Di Venanzo, Vittorio Storaro,

Roger Deakins, Jordan Cronenweth, Michael Chapman, Janusz

Kaminski, Walter Carvalho, Emmanuel Lubezki, Cesar Charlone e

logicamente Gordon Willis, estão entre estes deuses do Olimpo da

cinematografia.

Gordon Willis foi o diretor de fotografia da trilogia Godfather (O

Poderoso Chefão) do diretor Francis Ford Coppola. Também esteve

diante da fotografia de clássicos do diretor Woody Allen como

Annie Hall, Interiors, Manhattan, The Purple Rose of Cairo (A Rosa

Púrpura do Cairo), entre outros.

As histórias de como Gordon Willis ajudou a definir para sempre

a estética dos filmes de gângster e máfia, impondo um estilo

visual sombrio e recheado de influências da pintura napolitana

para Godfather - indo contra a vontade da produção do filme que

esperava uma filmagem mais tradicional - nos ajuda a ver como

um artista que acredita em seu talento e estilo consegue impor ao

cliente sua visão, e ao mostrar que tinha razão obtém o máximo

de sucesso e reconhecimento, entrando para a história de forma

indiscutível.

Mas infelizmente, Gordon Willis se foi. Cito aqui um amigo,

o fotógrafo Ivan Alecrim, que por ocasião da morte de Oscar

Niemeyer disse mais ou menos o seguinte “penso que as pessoas

que ajudam a deixar este mundo mais bonito não poderiam morrer,

deveriam viver para sempre”. Concordei com ele sobre Niemeyer,

e pensei imediatamente nisto quando soube da morte de Gordon

Willis.

Como o mundo seria se os deuses das artes pudessem receber uma

licença especial e nos brindar eternamente com sua presença e

sabedoria.

Foi um dia triste para as artes, para todas as artes e não só para

o cinema, na verdade um dia triste para a humanidade, pois

alguém que nos fazia sonhar não está mais aqui, alguém que nos

transportava para um mundo de fantasia através de suas imagens

não mais irá fazê-lo, partiu em sua viagem final.

Se nos serve de consolo, seguiremos viajando através de suas

obras monumentais, belas, poéticas e inspiradas, pois se tem algo

que une a todos os grandes gênios da arte, é que suas obras vivem

para sempre, e assim os deuses seguem entre nós. Sorte a nossa que

assim seja.

Vida longa a Gordon Willis!

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Vermeer, Betty Edwards e a Tela de Vidromédio & grande formatos, por alex villegas

Duas teorias não comprovadas, dois motivos inesperados

para fotografar em grande formato.

Por mais que a gente investigue previamente uma ferramenta, ela

sempre abre todo um universo de possibilidades que não tínhamos

enxergado, e não é diferente com a câmera técnica. Quando

consegui uma para trabalhar, estava de olho apenas na resolução

e no vasto controle de perspectiva e do plano de foco, mas fui

surpreendido por uma série de novas variáveis que influenciavam

profundamente o resultado. A diferente relação com o retratado já

foi abordada na edição passada; o assunto de hoje são outras duas

características que praticamente redesenharam meu processo

criativo, por mudar completamente a maneira de que vejo o mundo

- e não, não é uma metáfora.

Instrumentos óticos são utilizados há muito tempo como auxiliares

na difícil tarefa de interpretar o mundo; dos espelhos côncavos à

câmera clara, todo tipo de projetor tem sido usado para viabilizar

a expressão visual de desenhistas, pintores e gravadores. No

impressionante livro O Conhecimento Secreto, o artista britânico

David Hockney explora a fundo a relação entre as artes e a

tecnologia ótica, e encontra indícios importantes de que a lista de

artistas usando de artifícios óticos seria muito maior e mais antiga

do que se esperava, causando um relacionamento quase que de

causalidade entre pintura e fotografia. Artistas ligados à tradição

setentrional como Van Eick, Johannes Vermeer e outros, ao tratar

de assuntos mais mundanos e de uma forma mais “documental”

do que seus companheiros italianos e franceses, antecipam

incrivelmente a visualidade da fotografia com sua habilidade

inacreditável para registrar detalhes e o muito provável uso de um

equipamento muito semelhante à câmera fotográfica: a câmara

escura.

Embora Vermeer nunca tenha admitido publicamente o uso de um

aparato desses, há indícios muito fortes do uso de lentes em suas

pinturas, segundo Hockney. E embora a tese seja controvertida, o

fato é que o uso de distâncias focais mais longas - que seriam típicas

das câmaras escuras - trazem uma agradável sensação pictórica à

foto: a sensação é de ver proporções e perspectiva que aparecem

na pintura holandesa do século XVII, em especial as de Vermeer.

As proporções corporais e a perspectiva obtidas com uma lente

150mm em uma câmera 4x5 são incrivelmente agradáveis.

Mas não é possível usar uma 150mm em uma câmera 35mm? Claro

que é. Mas à distância de três metros, por exemplo, é um mero

close que posso conseguir com esse conjunto - o aumento brutal do

suporte permite que eu fotografe praticamente uma figura inteira

na versão de grande formato, mantendo a distância. Claro que é

possível recuar com a 35mm, mas esse recuo irá trazer um aumento

na profundidade de campo que vai diminuir a qualidade escultórica

da imagem - diminui a sensação de tridimensionalidade. E isso sem

falar nos movimentos de câmera - inclinar o plano de foco é uma

ferramenta inacreditavelmente eficiente na construção de uma

ilusão de tridimensionalidade mais sólida; as coisas parecem saltar

para fora da superfície da foto.

Se realmente usou uma câmara escura, não se sabe ao certo; mas

Vermeer não via a imagem de cabeça para baixo, apenas invertida

da direita para a esquerda, graças ao espelho que a câmara possui.

Câmeras técnicas não possuem espelho - nesse sentido, chegam

a ser ainda mais primitivas que suas “mães” - então apresentam

a imagem invertida em ambos os sentidos, vertical e horizontal.

Hoje usamos prismas para corrigir essa apresentação, mas com o

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passar do tempo comecei a achar que essa correção

poderia vir a ser prejudicial, graças a outro livro

interessantíssimo: Desenhando Com o Lado Direito do

Cérebro, da professora de artes Betty Edwards.

Para quem não conhece, é basicamente um seminário

de descondicionamento do olhar, que faz com que

nos livremos de condicionamentos prejudiciais à

nossa capacidade de desenhar. Deixamos de prestar

atenção a como sabemos que são as coisas, e passamos

a entender como elas se parecem no momento - e um

dos exercícios mais valiosos é o de desenhar um objeto

de cabeça para baixo. Com o objeto invertido, nossa

ideia do que é esse objeto é rompida, e podemos nos

concentrar em luz, sombra e forma, da maneira que a

percebemos.

Ou seja, a inversão típica da imagem que se forma

na tela de focalização de uma câmera técnica é algo

incrivelmente apropriado para a análise da forma e do

sombreado; a composição se torna mais fácil e atingir

harmonia gráfica é um objetivo alcançado com muito

mais frequência. Ritmo, peso, equivalências, até mesmo

a paleta de cores: uma estranha cena de cabeça para

baixo se entrega à análise minuciosa com muito mais

boa vontade. Assim como a teoria de Hockney, a de

Betty também carece de comprovação científica; mas

tenho de admitir que ambas são muito interessantes,

e ambas tiveram resultados reais na minha fotografia -

se for placebo, tenho de admitir que fez efeito mesmo

assim. Um bom fotógrafo é aquele que aprende a ver

como sua câmera vê, e instrumentos óticos exóticos

fornecem pontos de vista muito interessantes. Em um

mundo movido a tendências e que unifica o olhar por

osmose, refrescar os olhos com novas maneiras de ver

é absolutamente essencial.

Moça com o Brinco de Pérola, de Johannes Vermeer,

como aparece em uma Sinar F1 4x5.

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Por que você faz fotografia de rua com filme?fotografia de filme, por bruno massao

Eu nunca fui muito fã de equipamentos instantâneos, mas sempre

gostei de fotos instantâneas. Existe algum charme em fotos

instantâneas, algo que me atrai nelas - mas que nem eu mesmo sei

explicar. Ou melhor, não sabia explicar.

Mas se eu não gosto das câmeras que fazem fotos instantâneas,

qual seria a saída? Eu teria a alternativa de utilizar alguma câmera

mais séria, como uma. Hasselblad, com um back instantâneo. O

problema aqui seria que o quadro 6x6 não cobre toda a área do filme

instantâneo. Uma Pentax 67 resolveria o problema, porém teria que

ser adaptada para uso exclusivo desses filmes. Financeiramente,

não seria viável, até porque eu não pretendo utilizar uma câmera

dessas a sério, e ela provavelmente não se pagaria com o tempo.

A solução, então, seria utilizar uma câmera que utilizasse os packs

de Fuji Instax Mini, fosse uma câmera da própria Fuji ou uma

Lomography LC-A+ com o Instant Back. Nunca consumei nenhum

dos dois itens.

Isso até meados de abril, quando eu fui à Feira Fotografar.

Conversando com o pessoal da Fuji, descobri que eles estavam

para lançar a Instax Mini 90 em território nacional. Combinamos

o empréstimo de uma unidade para que eu a testasse e escrevesse a

respeito para o Queimando Filme. E, para minha surpresa, a câmera

me agradou em inúmeros aspectos - até mais do que eu esperava.

Fatores chaves como ergonomia ou consumo de baterias superaram

minhas expectativas, e existe um controle considerável por parte

do usuário, mesmo pra uma câmera automática. Entretanto, a falta

de um modo de foco mais preciso fez eu reconsiderar a aquisição

de uma. Mesmo assim, a câmera é bem divertida. Ela acabou por

se tornar uma câmera para todos os momentos. Eu poderia fazer

fotografia de rua, paisagem ou mesmo festas. Eu poderia fotografar

pessoas. Eu poderia fazer macro. Ela é, definitivamente, uma câmera

bem legal de se ter, principalmente para quem quer se aventurar no

mundo das fotos instantâneas e não sabe por onde começar.

Porém, a grande sacada na minha cabeça veio quando eu passei a

utilizar a câmera no meu dia a dia. Eu descobri que a intenção por

trás de qualquer câmera instantânea não é no que se diz a respeito

de qualidade técnica, ou funções mirabolantes. A grande ideia

por trás delas é a criação de laços entre as pessoas. Um elo, uma

aproximação. Tudo isso é possível.

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Você mesmo pode fazer o teste: ofereça um retrato

na rua, feito com sua DSLR, e veja a reação das

pessoas. Agora, ofereça um retrato com qualquer

câmera instantânea: as pessoas reagem de forma

completamente diferente. No tempo que eu fiquei

com a Instax Mini 90, ofereci algumas fotos para

pessoas aleatórias na rua. Eu as abordava, explicava

como a câmera funcionava, e fazia a foto. Das

pessoas abordadas, todas ficaram felizes com a foto

que ganharam. É completamente diferente - é mais

pessoal, é mais, digamos, íntimo.

Pode ser que você nunca mais veja a pessoa, assim

como pode ser que você se torne amigo dela. O que eu

posso garantir é que, nesses anos que eu tenho feito

fotografia de rua, essa foi uma das abordagens mais

legais que eu já pratiquei, com praticamente 100% de

retorno positivo.

Confesso que agora penso numa maneira de incluir

essa abordagem em meu fluxo de trabalho. A principal

dificuldade, no caso, é o fato das fotos serem únicas -

e fica aquele impasse de “quem vai ficar com a foto”.

Mas sejamos sinceros: é justamente isso que dá graça

à brincadeira toda.

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Minhas Fotos São boas?por diego kuffer

Vai lá e tira umas fotos. Depois, dá uma olhada, pensa, analisa.

Será que são boas? Dá uma tratada no Lightroom, tira algumas coisas

que incomodam no Photoshop. Ficaram boas? Aplica uns filtros,

aumenta o clarity. High pass, na medida certa, que nem aprendeu

naquele tuto esperto do YouTube. E agora? Melhor? Um crop usando

a razão de Fibonacci, acho que agora vai...

Do jeito que eu vejo, o ofício mais semelhante ao do fotógrafo é o do

escritor. Ele para, olha, pensa. Depois fica horas escrevendo. Dias.

Depois rescreve tudo de um outro jeito. Pensa mais um pouco, troca

as palavras de lugar. Deleta parágrafos, capítulos. Vai arredondando

os cantos, para chegar no seu ideal. Ele tem uma história para contar,

uma ideia a transmitir, uma mensagem a passar, uma emoção que

ele quer que os outros, ao lerem seu texto, sintam. O escritor é uma

pessoa com propósito. E o fotógrafo também.

Ou pelo menos deveria ser.

Já pensei muito em porque eu fotografo e consegui chegar a duas

respostas. A primeira é amparar um pouco meu medo da morte,

tentando eternizar minha passagem por aqui, deixando um rastro

por meio de imagens. Assumo, é narcisista, como todo fotógrafo é,

mesmo que não o assuma. A segunda, consequência da primeira,

é que acho que tenho uma mensagem a passar. Tenho consciência

desta mensagem que não consigo verbalizar, talvez pela minha

pequena envergadura léxica, mas que com minhas fotos, acredito

que consigo apontar na direção. E, com várias fotos - uma série - acho

que consigo cercar a ideia.

“E minhas fotos? São boas?” Já me perguntei isto; já me perguntaram

isto. Afinal, se uma pessoa se coloca no papel de produzir fotos,

quer que sejam boas. E o que eu consigo dar como resposta é outra

pergunta: elas têm que ser boas para que?

Mas e aí? São boas? Não sei. E talvez, em alguns momentos, isto

não me importe. O que me importa é a tal mensagem a ser passada.

Que seja algo como “olhe que beleza é a natureza” ou “esta é a dor

insuportável que eu carrego”, não importa. Se conseguem despertar

as ideias e emoções que se queria no “leitor”, aí acho que são boas.

Fotografar é escrever com palavras que não podem ser ditas. É aí que

o ofício de fotógrafo é análogo ao do escritor. Fotografar e fotografar,

fotografar mais e mais um pouco. Juntar e separar as melhores,

separar mais um pouco. Cortar algumas, reagrupar. Fotografar mais.

E mais um pouco. E cortar fora mais algumas. Remexer nas imagens

até que, juntas, elas digam o que se está tentando dizer.

Se você tem uma mensagem a passar, e ela é entendida por quem

você quer que a entenda, acho que aí são boas: é o supra-sumo para

um fotógrafo. Mas, se você não tem o que dizer, corre o risco de suas

fotos serem só mais blá-blá-blá.

E aí, suas fotos são boas?

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fotografia et alConceito • Arte • Expressão