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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM – FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU A CONSTELAÇÃO SISTÊMICA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NA JUSTIÇA Mari Carmem Mouzo Coo ORIENTADOR: Prof. William Rocha Rio de Janeiro 2016 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

A CONSTELAÇÃO SISTÊMICA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NA JUSTIÇA

Mari Carmem Mouzo Coo

ORIENTADOR: Prof. William Rocha

Rio de Janeiro 2016

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Mediação de Conflitos com Ênfase em Família. Por: Mari Carmem Mouzo Coo

A CONSTELAÇÃO SISTÊMICA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA

A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NA JUSTIÇA

Rio de Janeiro 2016

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AGRADECIMENTOS

“Quem agradece, honra o que lhe foi dado e, simultaneamente, honra aqueles que lhe presentearam.” Bert Hellinger

Da primeira pessoa que falou comigo sobre

Constelação Sistêmica há 10 anos, passando

pelas que me convenceram a fazer o curso de

Mediação de Conflitos, e, posteriormente o de

Pós-Graduação, até a finalização deste trabalho

contribuindo para que fosse possível reunir

conteúdo sobre os dois assuntos, deixo aqui

registrada minha gratidão a Bert Hellinger, Nazaré

Rodrigues, Rocio Mouzo, Marina Galiñanes

Mouzo (in memorian), Cristina Zouein. Sami

Storch, Lucia Alves, Luciana Coelho, Patricia

Caram, Suzanna Richter, Luciano Maia, André

Tredinnick, Juliana Lopes, Ruth Barbosa, Milena

Patrícia da Silva e Carolina S. F. Melo.

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DEDICATÓRIA

“Caminhamos guiados por outras forças, por aquelas forças em cujas mãos repousa a nossa vida desde o princípio.” Bert Hellinger

Aos meus pais, amor, gratidão e reverência.

Á minha irmã, amor e aprendizado.

À minha sobrinha, amor e esperança.

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RESUMO

O trabalho pretende refletir sobre a contribuição da Constelação

Familiar Sistêmica como importante ferramenta de auxílio para a

compreensão de situações conflituosas, proporcionando a reconstrução

dos vínculos e o alcance do princípio constitucional da pacificação social.

Incapaz de dar vazão aos inúmeros processos que se acumulam

ano após ano, o Poder Judiciário brasileiro viu-se obrigado a repensar o

acesso do cidadão ao sistema, uma vez que a solução adequada prevê

acesso à ordem jurídica justa muito mais do que acesso à Justiça como

órgão do Estado. Nesse sentido, em conformidade com o Novo Código de

Processo Civil e a Resolução 125 do CNJ, que trouxeram para o Judiciário

novas perspectivas acerca da solução de conflitos acenando para a

possibilidade de uma mudança de paradigma da cultura do litígio para a do

diálogo, a Constelação Familiar Sistêmica tem demonstrado excelentes

resultados em tribunais de diversos estados desde outubro de 2012.

A técnica se encontra no campo das psicoterapias breves e foi

criada pelo psicólogo e filósofo alemão Bert Hellinger. Ela trabalha os

vínculos familiares, as causas das crises nos relacionamentos, evidenciando

os emaranhamentos, principalmente os que tratam de questões de família

como divórcio, herança, partilha de bens, convivência entre pais e filhos,

violência doméstica e alienação parental, pois permite o acesso a

construções do inconsciente acerca da realidade, potencializando a ampla

visão das relações e do sistema no qual se encontram os envolvidos, por

isso Hellinger esclarece que “a constelação familiar não é a solução, mas é

o início de uma solução”.

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METODOLOGIA

Devido à contemporaneidade do tema, a bibliografia utilizada

sobre a aplicabilidade da Constelação Sistêmica no âmbito judicial recorreu

em parte à pesquisa webgráfica, através de artigos e reportagens;

bibliográfica, ao contextualizar as teorias que influenciaram o estudo de

Bert Hellinger; e, por último, à pesquisa de campo, ao observar o projeto-

piloto no Fórum Regional da Leopoldina, no Rio de Janeiro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

Das Partes para o Todo 10

CAPÍTULO II

A Visão Sistêmica e o Direito 19

CAPÍTULO III

Constelação Familiar Sistêmica 24

CAPÍTULO IV Práticas no Judiciário 36

CONCLUSÃO 50

BIBLIOGRAFIA 51

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INTRODUÇÃO

O escritor português José Saramago disse no documentário

Janela da Alma, em 2001, cujo tema era a visão e o olhar, que “para

conhecer as coisas há que dar-lhes a volta. Dar-lhes a volta toda.” Essa é a

proposta que permeia o trabalho a ser exposto: olhar para os conflitos

judiciais além da lide processual.

Considerando a necessidade de análise mais profunda da pauta

subjetiva, muitas vezes ignorada ou oculta, o estudo convidará os

operadores do direito e a sociedade à reflexão sobre a contribuição de novas

ferramentas para a resolução de conflitos no Judiciário. Entre essas,

especificamente no caso do presente estudo, a técnica de psicoterapia breve

denominada Constelação Sistêmica ou Constelação Familiar, criada pelo

filósofo, psicoterapeuta e pedagogo alemão Bert Hellinger (2006) há pouco

mais de 30 anos.

A primeira experiência humana socializadora acontece dentro da

família, de onde se originam todos os demais sistemas. Sabe-se que as

relações, interações e conexões da família fazem com que os movimentos

de cada um provoquem efeitos em todos os demais membros, por isso

quando acontece algum desequilíbrio nesse ambiente a ameaça ao vínculo

geralmente produz dor e sofrimento e, dependendo do caso, reflexos na vida

adulta.

A pesquisa de Hellinger (2006) identificou a existência de padrões

de comportamento que se repetem nas famílias ao longo de gerações,

podendo constituir a raiz de situações conflituosas. Conhecer esses padrões

pode significar a compreensão do seu próprio modo de pensar e agir,

contribuindo para a mudança. Hellinger costuma falar o seguinte: “Aquele

que não conhece a própria história, tende a repetí-la.” Por isso, não será

pessimismo dizer que em algumas situações o término do processo não

representará o fim do conflito e nem a pacificação entre as pessoas, ao

contrário, poderá alimentar ainda mais o ciclo vicioso, resultando em

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possível retorno dos envolvidos em novas demandas judiciais - fato passível

de constatação nas Varas de Família, da Infância e Juventude e, inclusive,

Criminais. Em linhas gerais, é preciso investigar com maior profundidade as

raízes de um processo a fim de verdadeiramente resolvê-lo.

Diante do exposto, a técnica da Constelação Sistêmica pode ser

um instrumento de grande contribuição para melhorar ainda mais os

resultados das sessões de conciliação e mediação, abrindo espaço para

uma Justiça mais humana e eficiente em tempos de crise no Judiciário e

transição da cultura da sentença para a cultura da paz.

Para falar da Constelação Sistêmica é importante contextualizar o

estudo de Bert Hellinger acerca de algumas teorias que influenciaram o

filósofo na criação da técnica. O Capítulo I falará sobre algumas delas, tais

como: Teoria Geral dos Sistemas, Teoria dos Campos Mórficos, Teoria dos

Inconsciente Coletivo e a Fenomenologia.

Em seguida, o Capítulo II discorrerá sobre a visão sistêmica no

campo do direito e o conceito de tribunais multiportas, pontuando a

conciliação e a mediação como espaços privilegiados na busca do

consenso. Concluindo, explicará o que vem a ser o Direito Sistêmico, um

novo paradigma do direito, segundo o juiz Sami Storch (2014).

Posteriormente, o Capítulo III detalhará a técnica da Constelação

Sistêmica e sua abordagem sistêmico-fenomenológica, bem como os

Princípios Sistêmicos (ou Leis dos Relacionamentos ou Ordens do Amor),

assim como também falará da trajetória de Bert Hellinger.

Finalmente, o Capítulo IV, explicará como a iniciativa de um juiz

numa comarca do interior da Bahia influenciou outros magistrados a

incorporar a técnica a diversas práticas em tribunais no país, como é o caso

do juiz André Tredinnick, no Rio de Janeiro, cujo projeto piloto será

detalhado neste capítulo.

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CAPÍTULO I

DAS PARTES PARA O TODO

Sistema político, sistema econômico, sistema administrativo,

sistema de saúde, sistema operacional. Nunca se falou tanto em sistema

como na Era da Informação. Sempre que precisamos explicar a

complexidade de alguma coisa considerando uma parte dentro de um

contexto maior chamado todo, reconhecendo a interdependência de

conexões/relações/ambientes, recorremos a palavra “sistema”.

Entre as definições do que vem a ser um sistema podemos citar a

de Chiavenato que diz:

“A palavra sistema denota um conjunto de elementos interdependentes e interagentes ou um grupo de unidades combinadas que formam um todo organizado. Sistema é um conjunto de coisas ou combinações de coisas ou partes, formando um todo complexo ou unitário.” (CHIAVENATO, 2000, p.545)

1.1. O Que é um Sistema

Como o presente trabalho tratará do uso da técnica psicoterapêutica

denominada Constelação Sistêmica, criada pelo filósofo alemão Bert

Hellinger, cuja pesquisa teve como fonte de estudo algumas teorias muito

conhecidas, este capítulo lembrará os pressupostos defendidos por quatro

importantes pensadores, de épocas diferentes, para facilitar a compreensão

do que será exposto nos próximos capítulos acerca do significado de

abordagem sistêmica.

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1.2. Teoria Geral dos Sistemas

Por muito tempo as organizações humanas dentro da sociedade

foram tratadas como mecânicas, igualando o homem a peças e instrumentos

de produção. Somente na virada do século XIX a visão mecanicista passou

a ser questionada quanto às limitações do pensamento reducionista diante

de fenômenos da natureza e das relações sociais

Posteriormente, no século XX, alguns estudiosos despontaram

trazendo a necessidade de uma abordagem sistêmica sobre determinados

assuntos e abrindo espaço para o reconhecimento de aspectos não-físicos

do conhecimento científico. No campo da Biologia, uma das figuras mais

influentes foi o biólogo e filósofo austríaco Ludwig von Bertalanffy, criador da

Teoria Geral dos Sistemas (1968).

Ao analisar sistemas vivos, Bertalanffy (1975), pôde constatar que

mesmo apresentando uma grande variedade de formas e características os

seres biológicos apresentavam pontos em comum. A partir dessa análise, o

biólogo sistematizou a pesquisa classificando os sistemas em físicos ou

abstratos. Os físicos são compostos de equipamentos e coisas concretas; os

abstratos, de conceitos, planos e ideias. De acordo com o biólogo há

complementaridade entre os sistemas físicos e abstratos, ou seja, o físico

precisa do abstrato para funcionar e desempenhar suas funções e vice-

versa.

Segundo os estudos de Bertalanffy (1975), os sistemas ainda

podem ser classificados quanto a sua natureza em fechados ou abertos.

Fechados são os que não apresentam intercâmbio com o meio ambiente

que os circunda, pois são herméticos a qualquer influência do contexto, não

recebendo influência do meio ambiente e nem tampouco sendo influenciado

por ele. Já os abertos, ao contrário, são sistemas que apresentam relações

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de intercâmbio com o ambiente, através de entradas e saídas, trocando

matéria e energia regularmente com o meio ambiente.

Na visão de Bertalanffy (1975), sistemas vivos devem ser

analisados como sistema aberto porque mantêm contínuo intercâmbio de

matéria, energia e informação com o ambiente. Desse modo, esse tipo de

sistema não poderia ser analisado somente à luz da observação analítica e

reducionista que dominava o pensamento científico até meados do século

XIX. Era preciso considerar informações de outros campos, pois cada um

dos elementos ao ser reunido para constituir uma unidade funcional maior

poderia desenvolver qualidades que não seriam encontradas em seus

componentes isolados.

Na sua concepção era preciso criar uma ciência geral de

totalidade, bem diferente daquela que havia dividido o mundo em diferentes

áreas com saberes isolados na Física, Química, Biologia, Filosofia e outras

disciplinas. Ao contrário, o que ele pretendia com a Teoria Geral dos

Sistemas era defender a ideia de que o todo justifica as partes e as partes

são fundamentais para o todo em sintonia.

1.3. Teoria dos Campos Mórficos

“Campos mórficos são campos de hábitos e eles foram configurados por hábitos de pensamento, de atividade e de fala. Muito “da nossa cultura é habitual”

Rupert Sheldrake

Segundo estudos do biólogo e fisiologista inglês Rupert Sheldrak

(2002), quando animais de uma determinada espécie aprendem um novo

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padrão de comportamento, outros animais semelhantes tenderão a aprender

a mesma coisa mais facilmente em qualquer lugar do planeta. Os campos

morfogenéticos ou campos mórficos, ao contrário dos campos físicos

(gravitacional e eletromagnético, por exemplo), não transmitem energia.

De acordo com a teoria de Sheldrake, (1981), o que se transmite

através dos campos mórficos é pura informação. Se não há transmissão de

energia, também não há perda de intensidade depois de criados e por isso

são utilizáveis através do espaço e do tempo. Eles são campos não físicos

que exercem influência sobre sistemas que apresentam algum tipo de

organização inerente. Essa hipótese já havia surgido na cabeça de vários

biólogos durante a década de 20, mas Sheldrake generalizou a análise

elaborando o conceito mais amplo de campos mórficos aplicando-o a todos

os sistemas naturais e não apenas aos entes biológicos.

A Teoria dos Campos Mórficos (1981) entende que cada indivíduo

de uma espécie tem seu próprio campo mórfico e a soma dos campos

mórficos dos indivíduos formaria os campos das espécies, e assim por

diante, até os campos maiores, como o da Terra, de outros planetas e do

próprio Universo. Esses campos imateriais conseguiriam não só estocar,

mas também trocar informações com outros campos mórficos.

De acordo com Sheldrake, (1981), há uma totalidade articulada e

não mero ajuntamento de partes onde todos os membros de uma espécie

(não só os organismos vivos, mas também moléculas de proteína, cristais e

até mesmo átomos) se sintonizam com o seu campo mórfico particular,

atravessando o espaço e o tempo num processo chamado de “ressonância

mórfica”, que seria o responsável pela coletivização da informação (grifo

meu).

[...] A ressonância mórfica tende a reforçar qualquer padrão repetitivo, seja ele bom ou mal. Por isso, cada um de nós é mais responsável do que imagina. Pois nossas ações podem influenciar os outros e serem repetidas. (Revista Galileu)

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Nesse sentido, todos os sistemas naturais, desde os cristais até

à sociedade humana herdariam uma memória coletiva que influenciaria a

sua forma e o seu comportamento. Para Sheldrake (2002), o fator que

origina os campos mórficos é o hábito (grifo meu) . Através dos hábitos os

campos mórficos seguem variando sua estrutura dando causa às mudanças

estruturais dos sistemas aos que estão associados.

Quando Sheldrake (2003), afirma que a atuação do campo

mórfico age de ancestrais até os mais novos representantes de uma família

biológica e que pela ressonância mórfica essa energia reforça as

modificações físicas e psicológicas dos seres humanos, pode-se entender o

que acontece com crianças de dois, três, quatro anos, que demonstram uma

habilidade verbal e motora muito mais diferenciada do que os pais quando

tinham a mesma idade. Essa facilidade pode ser atribuída à existência do

campo mórfico e à respectiva ressonância.

Sem excluir outros fatores, Sheldrake (2003), considera que o

processo de ressonância fornece um novo e importante ingrediente para a

compreensão de patologias coletivas, como o sadomasoquismo e o culto da

violência, que assumiu proporções epidêmicas no mundo contemporâneo, e

poderia propiciar a criação de métodos mais efetivos de terapia.

1.4. Teoria do Inconsciente Coletivo

“Tudo aquilo que não enfrentamos em vida acaba se tornando o nosso destino.” (JUNG)

Para o psicólogo suíço Carl Gustav Jung (2002), os seres

humanos também têm uma memória comum. Discípulo de Freud, Jung

acabou desviando-se de algumas ideias do mestre. Enquanto Freud

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enfatizava a análise do inconsciente observando os conteúdos reprimidos ou

esquecidos pelo indivíduo, Jung voltou-se para o estudo do inconsciente

coletivo. Para Jung, muitos comportamentos, sentimentos e pensamentos

não são governados pelo “eu”.

Em seu livro Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo (2002), Jung

explica a diferença entre o inconsciente pessoal e coletivo:

“O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo,

portanto uma aquisição pessoal”.

Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de

conteúdos que já foram conscientes e, no entanto desapareceram da

consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do

inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não foram

adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à

hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior

parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído

essencialmente de arquétipos.

Segundo Jung, o conceito de arquétipos surgiu em 1919, e foi

definido como o conjunto de “imagens primordiais” originadas de uma

repetição progressiva de uma mesma experiência durante muitas gerações,

armazenadas no inconsciente coletivo. Existiram inúmeros arquétipos, como

por exemplo, arquétipos da Morte, do Herói, da Grande Mãe, do Velho Sábio

(ou Espírito). Eles são exemplos de algumas das numerosas imagens

primordiais que existem no inconsciente coletivo, independente de onde

nascemos e fomos criados, das religiões e crenças.

Esses temas sempre foram abordados pela filosofia ao falar dos

mitos, das lendas e contos de fadas. São os arquétipos que dão o

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verdadeiro significado para as histórias que são passadas de geração em

geração e ajudam a satisfazer nossas necessidades básicas de realização,

pertencimento, independência e estabilidade.

1.5 Fenomenologia

“Pelo fato de conceber ideias, o homem se torna um homem novo, que, vivendo na finitude, se orienta para o polo do infinito” (HUSSERL)

A fenomenologia foi uma corrente filosófica que surgiu no final do

século XIX que teve como fundador o filósofo e matemático alemão Edmund

Husserl (2006). A escola representou uma reação à grande parte dos

filósofos e cientistas da época que pretendiam eliminar a metafísica do

campo de análise dos fenômenos. Seu principal objetivo era investigar e

descrever os fenômenos enquanto experiência consciente, e isso, segundo a

fenomenologia deveria acontecer de forma desvinculada de teorias sobre as

explicações causais e o mais distante possível de conceitos e

pressuposições.

No final do século XIX, o pensamento dominante considerava o

psiquismo suficiente para explicar as causas das formas de conhecimento e

suas demonstrações, sem necessidade de investigações filosóficas. Muitos

pensadores acreditavam que a psicologia tomaria o lugar da teoria do

conhecimento e da lógica. Husserl discordou dessa abordagem, afirmando

que a psicologia é uma ciência e, como toda e qualquer ciência, estuda e

explica os atos observáveis, porém não oferece os fundamentos de tais

estudos e explicações.

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A compreensão da fenomenologia, segundo Angela Ales Bello

(Introdução à Fenomenologia, 2006,p.18) , especialista em Hesserl, talvez

seja mais fácil tomando como referência a própria origem e o significado

da palavra que é formada de duas partes, ambas originadas do grego: a

primeira, “fenômeno”, significando aquilo que se mostra; não somente aquilo

que aparece ou parece; e , a segunda, “logia” ou “logos”, traduzida como

capacidade de refletir.

“Tomemos, então, fenomenologia como reflexão sobre um fenômeno ou sobre aquilo que se mostra. O nosso problema é: o que é que se mostra e como se mostra.” (BELLO, 2006, p.18)

Ainda refletindo sobre o sentido da palavra fenomenologia, Bello

(2006), chama a atenção para o seguinte:

“Quando dizemos que alguma coisa se mostra, dizemos que ela se mostra a nós, ao ser humano, à pessoa humana. Isso tem grande importância. Em toda a história da filosofia sempre se deu muita importância ao ser humano, àquele a quem o fenômeno se mostra. As coisas se mostram a nós. Nós é que buscamos o significado, o sentido daquilo que se mostra.” ((BELLO, Angela Ales, Introdução à Fenomenologia, p.18)

A fim de facilitar o entendimento do que Hesserl, pretendia ao

criar a fenomenologia, Bello (2006) ressalta que: “Num primeiro momento,

podemos pensar que aquilo que se mostra esteja ligado ao mundo físico

diante de nós, mas do que dizer "as coisas se mostram" precisamos dizer

que "percebemos, estamos voltados para elas", principalmente para aquilo

que aparece no mundo físico. Quando dizemos "coisas", normalmente

indicamos coisas físicas, por exemplo, a mesa, a cadeira. Sabemos, porém,

que não tratamos apenas do significado de coisas físicas, mas também das

abstratas.”

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Para Husserl (2006), portanto, a fenomenologia é o estudo da

consciência e dos objetos da consciência pois a consciência é consciência

de algo e esse algo é o fenômeno, cabendo ao estudo da Fenomenologia o

mundo como é percebido pela experiência imediata, considerando que a

consciência não é passiva. Para tanto a investigação precisa de um método,

e assim surgiu a redução fenomenológica, que consiste em “colocar o

mundo entre parênteses”, eliminando todo julgamento a priori sobre o objeto

e o mundo circundante, transformando-o em “fenômeno de existência”.

A partir da exposição de algumas das teorias que fundamentaram

o pensamento sistêmico ao longo dos tempos que contribuíram para os

estudos de Bert Hellinger, veremos no Capítulo II o Direito à luz dos

princípios sistêmicos.

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CAPÍTULO II

A VISÃO SISTÊMICA E O DIREITO

Gonçalves (2011) considera que a Constituição Federal de 1988

buscou garantir o direito de acesso à justiça de forma ampla e universal,

porém a medida não foi acompanhada de adequada estruturação dos

órgãos estatais encarregados da prestação jurisdicional (p.60). Embora o

acesso tenha sido garantido, o autor salienta que o Estado não forneceu

os meios para que isso fosse objetivado na prática, como também não

adotou nenhuma providência para que os jurisdicionados fossem capazes

de sair da máquina judiciária (descesso) “com a prestação de uma tutela

jurisdicional adequada, efetiva, e principalmente, tempestiva” (p.60). Neste

contexto o autor chama à atenção para o surgimento no país do fenômeno

da judicialização, de um lado, e a elevação da taxa de congestionamento no

sistema, de outro.

Assim como o autor cita Rui Barbosa no início do seu trabalho

dizendo que “Justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e

manifesta” (p.7), a incapacidade de dar vazão aos inúmeros processos

judicializados anualmente denuncia a profunda crise no Poder Judiciário,

apontando para a necessidade de uma mudança, pois Gonçalves acredita

que “(...) a excessiva morosidade pode redundar em graves injustiças,

em especial para os hipossuficientes, bem como gerar nefastos danos

sociais, em virtude do aumento da litigiosidade contida.” (p.12)

Gonçalves (2011) entende que reformas legislativas e o aumento

estrutural-tecnológico do Poder Judiciário são insuficientes para garantir

um tempo razoável de permanência do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII,

da Constituição Federal) , o que explica a seguir:

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[...] o processo judicial formal não é capaz de resolver por completo os conflitos sociais, bem como possui baixa eficácia na promoção da real pacificação entre as partes em litígio, o que

acaba retroalimentando o sistema judiciário (feedback) com novas demandas, num ciclo sem fim. (GONÇALVES, 2011, p.61)

Na análise do autor, a solução para a crise no Poder Judiciário,

entre outras considerações, passa pela implementação dos Tribunais

Multiportas à realidade brasileira e a adoção de políticas públicas que

promovam os meios alternativos de solução de litígios, pois, segundo

Gonçalves “[...] se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a

pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que

eficientes.” (2011, p.135)

2.1. Tribunais Multiportas

A cultura adversarial ainda é a que predomina na sociedade

brasileira para a solução dos litígios. Nesse sentido a realização da justiça

está condicionada a um processo judicial formal que vai determinar ao final

quem está certo ou errado, e de certa forma, a “cultura da sentença” (grifo

meu) associada à ineficiência do Poder Judiciário em pacificar as partes

alimenta a violência, conforme análise de Gonçalves (2011, p.146).

Sifuentes (2006) analisa que a crise do Poder Judiciário teve

aspectos positivos pois evidenciou a necessidade da reforma dos métodos

tradicionais de solução de litígios. A autora entende que o caminho para

estimular a celeridade na resolução dos conflitos também passe pela

criação dos chamados tribunais multiportas, explicando a seguir:

A concepção desse modelo alternativo de solução de litígios prevê a integração, em um único local, de vários modos de processamento de conflitos, tanto judiciais como extrajudiciais. Assim, em vez de haver apenas “porta” – o processo judicial – o “tribunal multiportas” englobaria

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sistema bem mais amplo, com vários tipos de procedimento concentrados em verdadeiro “centro de Justiça”, organizado pelo Estado, no qual as partes podem ser direcionadas à porta adequada a cada disputa. A principal característica do novo sistema está no seu procedimento inicial: ao se apresentar perante determinado tribunal, a pessoa passa por uma triagem para verificar qual o processo seria mais recomendável para o conflito que a levou ao Poder Judiciário. Podendo, assim, ser direcionada primeiramente para a porta da Administração Pública ou, então, para a porta dos conciliadores extrajudiciais, antes de ser encaminhada à Justiça. (SIFUENTES, 2006, Tribunal Multiportas)

Para Melo (2015), a considerar os dispositivos citados abaixo, nos

últimos anos houve maior incentivo à implementação das práticas

consensuais de resolução de conflitos por meio do Movimento pela

Conciliação no Conselho Nacional de Justiça (p.16) como diz “o artigo 4º,

inciso VII, da Constituição da República garantindo que a República

Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio

da solução pacífica dos conflitos, e que, apesar do preâmbulo não

apresentar força normativa traça importante linha interpretativa a ser

seguida.

No mesma dissertação, Melo (p.16) relembra a resolução n° 125

do Conselho Nacional de Justiça de 2010, ao dispor sobre a Política

Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no

âmbito do Poder Judiciário, considera que:

[...] a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já implementados nos país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças (BRASIL. Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, 2010)

Ainda no mesmo estudo, Melo ressalta que possui o mesmo

entendimento o novo Código de Processo Civil, que prevê na Seção V a

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existência de conciliadores e mediadores judiciais. Em seus artigos 144 e

145 expõe que (p.17):

Art. 144.Cada tribunal pode criar setor de conciliação e mediação ou programas destinados a estimular a autocomposição. Art. 145. A realização de conciliação ou mediação deverá ser estimulada por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

§ 2º O mediador auxiliará as pessoas interessadas a compreenderem as questões e os interesses envolvidos no conflito e posteriormente identificarem, por si mesmas, alternativas de benefício mútuo. (BRASIL. Lei 13.105, de 16 de Março de 2015. D.O.U. de 17/03/2015, p. 1.)

2.2. Direito Sistêmico

Uma justiça que olha, nos processos, as pessoas e seus conflitos e emoções, e não os números, as metas e a dogmática jurídica, é uma Justiça que serve às famílias, à sociedade, à reconciliação, à paz, em suma, serve à vida. (DA SILVA, Wanda Lúcia Ramos, 2014, p.13)

A expressão Direito Sistêmico é recente, tendo surgido a partir da

experiência do juiz Sami Storch (2010) ao aplicar as constelações

sistêmicas para resolução de conflitos no Judiciário. Pioneiro, em nível

mundial, no uso da técnica psicoterapêutica criada pelo alemão Bert

Hellinger, Storch conheceu a Constelação Sistêmica em 2004 por indicação

de uma amiga. Após assistir a uma vivência em grupo e testemunhar que os

representantes escolhidos para participar da dinâmica evidenciavam

exatamente o que estava oculto na família da pessoa constelada, mesmo

sem conhecê-la, Storch decidiu estudar o assunto e se inscrever nos

treinamentos ministrados por Hellinger e esposa.

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Convencido da eficácia do método na solução de questões

pessoais e acreditando também no potencial da técnica para solucionar

conflitos no Judiciário, Storch passou a analisar o direito sob a ótica das

constelações sistêmicas, ou seja, considerando as três leis dos

relacionamentos identificadas por Hellinger em seus estudos: lei do

pertencimento, do equilíbrio e da hierarquia. Dessa forma, associando os

princípios sistêmicos e as leis positivadas, o magistrado analisou questões

de divórcio, pensão alimentícia, guarda de filhos e infrações de

adolescentes. Os resultados foram tão surpreendentes que o juiz recebeu

menção honrosa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante a 5ª edição

do Prêmio Conciliar é Legal em razão do alto índice de acordos celebrados

em 2014.

Partindo desse pressuposto é possível dizer que a abordagem

sistêmica compreende a necessidade da aplicação prática da ciência jurídica

com um viés terapêutico - desde a etapa de elaboração das leis até a sua

aplicação nos casos concretos, como esclarece o juiz (2015):

Direito sistêmico é o direito visto sob a ótica das leis sistêmicas que regem os relacionamentos, que são leis naturais e superiores à vontade das pessoas e do aplicador da lei. Se é aplicada a determinado caso uma solução jurídica que não esteja de acordo com essas leis sistêmicas, a solução fracassa e o conflito se perpetua por meio de recursos, insatisfação e novos conflitos. Mas, se for observado o Direito Sistêmico, que se evidencia por meio das constelações, a solução promove a paz, porque age sobre a raiz, de forma profunda e verdadeira. (STORCH, Sami)

O conceito de Direito Sistêmico será retomado ao longo do próximo

capítulo, pois sem a leitura prévia do que vem a ser as leis sistêmicas

qualquer explanação torna-se insuficiente para a compreensão do que

pretende o atual estudo, que é, como já foi anunciado no início, ampliar a

análise para além da lide processual.

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CAPITÍULO III

A CONSTELAÇÃO FAMILIAR SISTÊMICA

3.1. A trajetória de Bert Hellinger

Considerado o mais inovador terapeuta contemporâneo, Bert

Hellinger nasceu na cidade de Leimen, na Alemanha, em 18 de dezembro

de 1925, e apesar dos 90 anos continua proferindo palestras pelo mundo.

Em 1942, ainda muito jovem, foi convocado para lutar na 2ª

Guerra Mundial tendo sido preso três anos depois na Bélgica. Tratado como

inimigo do estado pelos nazistas foi levado para um campo de concentração

de onde conseguiu fugir ingressando numa ordem religiosa católica. Em

1950, formou-se em Teologia e Filosofia, sendo enviado como padre

missionário à África do Sul, onde viveu por 16 anos. Na África, durante esse

período, realizou trabalhos de dinâmica de grupo e aprofundou seus estudos

convivendo com o povo zulu, chegando a aprender sua língua, seus

costumes e seus rituais.

Bert Hellinger aponta várias influências decisivas na sua vida e na

sua obra: os pais, cuja fé o imunizou contra a aceitação do nacional-

socialismo de Hitler; seus vinte anos de sacerdócio, particularmente como

missionário entre os zulus; e sua participação em cursos de dinâmica de

grupo inter-raciais e ecumênicos, promovidos pelo clero anglicano.

Durante a convivência com os zulus, Hellinger teve a oportunidade

de presenciar um fenômeno que o deixou intrigado: quando um membro

da tribo ficava doente, o sacerdote era chamado para invocar um

antepassado da pessoa, sendo que esse antepassado evidenciava uma

espécie de relação com o mesmo mal (ou algum outro semelhante) que

acometia o doente. Nesse ritual o antepassado era tratado e a pessoa que

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estava doente melhorava. Intrigado com o fenômeno e após dedicar-se

profundamente ao assunto, Hellinger chegou à conclusão de que os zulus não

entravam em contato com um antepassado, mas com uma memória

antepassada (grifo meu), que da maneira certa poderia ser ativada trazendo

à consciência fatos importantes e até traumáticos possibilitando a

resolução de problemas, segundo Cerqueira (2014).

Após 16 anos na África, o missionário retornou à Alemanha,

abandonou a vida religiosa e decidiu trabalhar como psicoterapeuta.

Estudou Psicanálise e acabou se interessando pela Gestalt-Terapia e pela

Análise Transacional, recebendo também influência de diversas teorias

psicoterapêuticas como Terapia Primal, Análise de Estórias, Hipnoterapia,

para citar algumas. Foi graças ao contato nos anos 70 com a terapia familiar

desenvolvida pela psicoterapeuta americana Virginia Satir, denominada de

“esculturas familiares” ou “esculturas vivas”, que Hellinger se deparou pela

primeira vez com as constelações familiares, marca registrada de sua obra

terapêutica, à qual ele acrescentou novos níveis de significação e

possibilidades. O pressuposto a partir do qual Hellinger debruçará sua

atenção pode ser compreendido numa frase proferida pela psicoterapeuta

americana (1988): “ A família é um microcosmo. Ao saber como curar a

família, eu sei como curar o mundo.”

Silva (2015) diz que através da observação dessa dinâmica,

Hellinger dedicou-se à análise da consciência e das forças que atuam nos

grupos familiares, levando-o a descobrir que a consciência não é apenas o

juiz do certo e do errado, e que ela está ligada a certas ordens pré-definidas,

batizadas de "ordens do amor" ou "ordens de origem" (p.46). Como resume

o próprio Hellinger: “Caminhamos guiados por outras forças, por aquelas

forças em cujas mãos repousa a nossa vida desde o princípio.”

A mesma autora (p.47) lembra que Hellinger desenvolveu o seu

método a partir de observações empíricas, fundamentadas em diversas

formas de psicoterapia familiar, dos padrões de comportamento que se

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repetem nas famílias e grupos familiares ao longo de gerações. De posse

desse conhecimento, o psicoterapeuta compreendeu que muitos problemas,

dificuldades e doenças de seus pacientes estavam ligados a destinos de

membros anteriores de seu grupo familiar, que a fim de manter a

sobrevivência do sistema familiar, seguem repetindo uma espécie de “ordem

oculta”, consciente ou inconscientemente.

Hellinger percebeu que essas “ordens” exigem coesão e, por essa

razão, muitas vezes são repetidas ao longo dos anos em todos os grupos

familiares, de geração em geração. O filósofo entende que a estrutura

familiar se sustenta sobre princípios que ao serem violados desequilibram

todo o sistema, surgindo como consequência dessa violação sintomas que

podem se manifestar de diversas maneiras através de doenças, vícios,

crimes, perdas, fracassos e etc, como expõe abaixo:

Pertencer a nossa família é nossa necessidade básica. Esse vínculo é o nosso desejo mais profundo. A necessidade de pertencer a ela vai além até mesmo da nossa necessidade de sobreviver. Isso significa que estamos dispostos a sacrificar e entregar nossa vida pela necessidade de pertencer a ela. (HELLINGER)

Finalmente, no início dos anos 80, Hellinger conseguiu sistematizar

todo o conhecimento adquirido criando uma técnica para acessar o

inconsciente pessoal e coletivo através de procedimentos em grupos

terapêuticos, dando-lhe o nome de Constelação Familiar (grifo meu). Logo,

pode-se dizer que a Constelação Familiar é um método terapêutico que

procura impulsionar uma ação de “ordem” ao clã, evidenciando qual o lugar

de cada um naquele sistema, possibilitando a mudança no padrão “oculto”

que gerou o sofrimento.

Atualmente Hellinger mora na Alemanha e é figura extremamente

popular na Europa. Seus livros e vídeos são verdadeiros best-sellers, bem

como suas conferências. A primeira vez que esteve no Brasil foi em 1996,

voltando dois anos depois para dar palestras e realizar cursos ao lado de

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sua esposa Sophie Hellinger, A partir de 2006 suas vindas ao país

tornaram-se cada vez mais frequentes, possibilitando o conhecimento e a

utilização da técnica da Constelação Familiar Sistêmica por profissionais

de diversas áreas, inclusive, do Poder Judiciário, como foi o caso do juiz

Sami Storch.

3.2. Leis Sistêmicas dos Relacionamentos ou Leis dos Amor

ou Princípios Sistêmicos

“Em nenhum momento estamos sós, a ação individual é ilusória, todos partimos de um sistema.”

Bert Hellinger

Não é possível compreender a técnica da Constelação Familiar

Sistêmica sem explicar o que são as leis sistêmicas dos

relacionamentos (grifo meu). Naturalmente, a primeira área de observação

de Hellinger é a família, núcleo de onde origina-se os principais efeitos nas

nossas relações pessoais, sociais e profissionais.

Tamanha a importância dessas dinâmicas fez com que Hellinger

atribuísse a elas o status de leis, uma vez que buscam a integridade do

sistema vital. Wanda Lúcia Ramos da Silva, Juíza do Trabalho, esclarece o

uso do termo: “ [...] A propriedade de lei atribuída a essas dinâmicas decorre

do fato de estabelecerem uma relação constante entre fenômenos que

ocorrem com certa regularidade, associando causa e efeito.” (Revista TRT

18, 2014)

Para o psicoterapeuta alemão, estar em sintonia com as leis

dinâmicas dos relacionamentos em nosso sistema familiar é o primeiro e

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fundamental passo para relacionamentos bem-sucedidos com nossos

parceiros, sucesso na profissão e na criação dos filhos. Em seu artigo, a

juíza ratifica a aplicabilidade de tais leis que, segundo Bert Hellinger,

aplicam-se igualmente aos demais sistemas vivos e dinâmicos, ou seja, “(...)

naqueles âmbitos do relacionamento humano como é o caso de sociedades,

empresas, organizações, escolas, comunidades e etc.” (2014)

Bert Hellinger (2002) notou que esses princípios norteavam

todas as relações, desde as familiares, conjugais, organizacionais, de tal

forma que quando violados causavam um desequilíbrio sistêmico, o que

consequentemente trazia problemas familiares, doenças, alergias, traumas,

depressões, angústias, comportamentos que pareciam ser “anormais” ou

desproporcionais para aquela pessoa, ou para aquele contexto, inclusive,

delitos, agressões e crimes.

Os três princípios norteadores dos relacionamentos, aos quais

estão sujeitos todos os clãs ou grupos familiares, independentemente de cor,

raça, religião e lugar , segundo Hellinger, são: o pertencimento (vínculo), o

equilíbrio (dar e receber) e a ordem (hierarquia).

3.2.1. Lei do Pertencimento

[...] cada membro da família tem o mesmo direito de pertinência. Essa é um ordem básica: aqueles que pertencem a um sistema têm o direito de pertencer a esse sistema e têm o mesmo direito que todos os outros. (HELLINGER, 2007, P.77)

Essa lei fala da inclusão e exclusão dos indivíduos do grupo, uma

vez que os vínculos afetivos de amor perpetuam-se em todos os membros

do clã ou grupo familiar. Segundo Hellinger (2011), a consciência age a

serviço da pertinência, ligando-nos uns aos outros, podendo levar a excluir

os que são diferentes e a negar-lhes o direito de participação que

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reclamamos para nós. Sendo assim, os excluídos, negados ou esquecidos

devem ser representados nas gerações posteriores, realizando uma espécie

de “justiça”, como explica a seguir:

Existe na família uma consciência comum e inconsciente, um profundo movimento na alma, que não permite que alguém seja excluído, rejeitado ou esquecido. Quando acontece algo dessa espécie, mais tarde a pressão dessa consciência coletiva escolhe alguém para representar o excluído. A pessoa em questão se sente igual àquele que foi excluído. Ao invés da pessoa poder viver a própria vida, terá que viver a vida de uma pessoa excluída; encontra-se emaranhada com um destino estranho. Muitas dificuldades em uma família como, por exemplo, as que ocorrem entre pais e filhos, quando uma criança se comporta de modo estranho ou aquelas entre marido e mulher, quando de repente um percebe que o outro está tomado um rumo incompreensível, sobre o qual não tem controle, deve a esse tipo de emaranhamento. Sendo assim, o amor é exigido a partir de uma nova forma. Emaranhamentos desse tipo podem vir à luz através da constelação. A solução é a mesma que antes; o que esteve excluído é incluído, recebendo um lugar na alma de cada um e na família. Somente assim aqueles que antes se encontravam emaranhados estarão livres. É uma grande conquista da constelação familiar o fato de que as dificuldades, para as quais não tivemos qualquer compreensão, até então de repente passem a fazer sentido para nós e para os outros. (HELLINGER, 2011, P.148)

3.2.2 – Lei do Equilíbrio ou da Compensação

Bem no fundo da alma existe a necessidade de equilíbrio. Quem recebe algo tem a necessidade de recompensar, na mesma medida em que recebeu. Isso tem uma função social muito importante: possibilita o intercâmbio e a solidariedade. Um grupo mantém-se unido quando todos dão e recebem de modo equilibrado. (HELLINGER, 2007, P.41)

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Trata-se do equilíbrio entre o dar e o receber. Hellinger explica

que aquilo que nos vincula ao sistema familiar de forma saudável são os

movimentos equilibrados entre sentir-se endividado e sentir-se credor, de

modo que cada movimento deve ser compensado, seja o movimento positivo

ou o negativo.

Melo (2015, p.31) exemplifica à luz das considerações de Lilian Tescarolli e Fernando Ab. Gonçalves:

Entre casais cuja dinâmica compromete a Lei do Dar e Receber, um dá mais ao outro do que ele ou ela possam retribuir, prejudicando assim, o equilíbrio de troca. Nesse caso quem deu demais, sente-se no direito de cobrar e quem recebeu demais, sente-se na dívida e tem dificuldade de permanecer na relação. Muitas vezes, num relacionamento afetivo quem deve e não consegue pagar, acaba indo embora. Isso diz respeito a tudo que se possa dar ou receber: carinho, cuidado, dinheiro, atenção, compreensão, tempo, proteção, tolerância, etc. Quem deu em excesso também é responsável por suas atitudes, pois ao dar demais acabou desrespeitando o outro na sua dignidade. Isso acontece também quando queremos dar em excesso a algum irmão ou mesmo aos próprios pais. Por exemplo, dando mais dinheiro do que possam receber ou fazendo coisas que eles poderiam deveriam fazer por si próprios. Muitas vezes ao fazer isso trazemos uma intenção consciente ou inconsciente de sermos vistos, amados, aceitos e reconhecidos. Entretanto, sem perceber acabamos causando incômodo aos outros e o reconhecimento que tanto desejávamos não acontece. Acreditamos então que a outra pessoa está sendo ingrata, ou seja, responsabilizamos o outro por nossos excessos.

Entretanto, Hellinger afirma que o perdão é capaz de “equilibrar” ou

“compensar” um movimento de dívida e crédito que não havia sido

previamente compensado, preservando tanto a dignidade do credor quanto a

do devedor. Sem o perdão, não há reconciliação possível para uma situação

descompensada.

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3.2.3. Lei da Hierarquia (ordem)

“Alguns têm a ilusão de que o sofrimento salva o mundo.”

Bert Hellinger

A ordem, nesse caso, é estabelecida pela hierarquia, ou seja:

quem chegou primeiro chegou, primeiro, e quem chegou depois, chegou

depois. E nada que venha depois desse ponto final, altera a ordem. Segundo

o médico Décio Fábio de Oliveira Júnior, cofundador do Instituto Bert

Hellinger Brasil Central (IBHBC), normalmente as pessoas confundem com a

ordem hierárquica militar, onde se pressupõe obediência cega às ordens

superiores, mas não é o caso. Ela explica que a ordem aqui não pressupõe

obediência automática e sim, precedência e respeito. Quando a ordem é

preservada, os posteriores não se metem nos assuntos, sentimentos,

culpas, feitos e faltas dos anteriores. Respeitam o que foi feito, exatamente

como foi, sem recriminações e sem a pretensão de que, diante das mesmas

condições, teriam feito melhor que seus antepassados.

Oliveira esclarece que quando há ruptura da ordem, os posteriores

se sentem compelidos a atuar como se fossem melhores que os anteriores,

como se diante de situações vivenciadas por esses últimos, eles mesmos

tivessem tomado decisões e atitudes “melhores” e “mais acertadas”. Para a

terapeuta, as pessoas fazem isso, geralmente, com amor e na esperança de

que poderiam “ajudar” os anteriores, compartilhando com eles seu destino,

infortúnio, culpa, desvantagem, dificuldade ou dor, como se pudessem

corrigir o passado. O efeito disso é que os posteriores assumem sobre sim

coisas que não conseguem manejar, pois não são autores do fato. É como

se pudessem resolver alto por outro alguém, por exemplo, melhorar a

relação de casal dos pais, diminuir a tristeza da mãe que perdeu um filho,

mitigar a culpa de um tio que matou alguém acidentalmente no trânsito ou

mesmo na guerra.

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Por essa razão, à luz da Constelação Sistêmica, na hierarquia do clã

ninguém pode tomar o lugar do outro. A ordem é sempre dos mais antigos

para os mais novos. Não se pode inverter essa ordem na família e os mais

novos não devem tomar para si as dores dos mais antigos, pois isso

enfraquece a alma dos antecessores, pois a desordem traz desequilíbrio e

doenças e essa confusão pode atuar de três a quatro gerações com os

mesmos distúrbios. Os mais antigos devem ser respeitados pelos mais

recentes, principalmente por terem sido o meio pelo qual o sistema

permaneceu mantido até que eles chegassem ao mundo, como narra o

próprio Hellinger (2011):

Às vezes, a ordem original fica de cabeça para baixo. Se uma criança assumir algo no lugar de seu pai ou mãe, ela se coloca acima deles, por exemplo, quando assume uma culpa no seu lugar. Isto contraria a ordem original. Toda violação da ordem fracassa. Todas as grandes tragédias seguem o mesmo padrão, sejam elas as tragédias gregas, as de Shakespeare ou as em famílias.” (HELLINGER, 2011, p.33)

Para essa lei, a ordem de precedência do nascimento determina

um conjunto de condições de interação entre os membros para que o

sistema não entre em atrito. Assim, o reconhecimento da precedência dos

pais em relação aos filhos gera segurança nestes, diferentemente do que

ocorre, por exemplo, quando os pais querem se igualar aos filhos sendo

amigos, numa relação de camaradagem e não de autoridade. Quando no

sistema familiar, a ordem é subvertida, ocorrem emaranhamentos (grifo

meu), ou seja, um membro posterior do sistema assume um comportamento

que, mesmo lhe sendo prejudicial, visa, inconscientemente, restabelecer a

ordem e inteireza do sistema. Até que o lugar de cada um seja reconhecido

e honrado, o enredamento prossegue. Hellinger registra em seu livro

Ordens do Amor (2002) o seguinte: “O dia a dia de muitas famílias mostra

que não basta que nos amemos reciprocamente, pois o amor também

precisa de uma ordem para que posso se desenvolver.”

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Em resumo, as leis de pertencimento, equilíbrio e hierarquia

atuam dentro do que Bert Hellinger denominou de “consciência familiar”, em

que todos os membros da família se encontram vinculados, partilhando um

destino. Haverá desordem quando determinado fato ou acontecimento levar

a um desequilíbrio nas “ordens do amor” , fazendo com que o inconsciente

manifeste mecanismos de compensação, que podem ser externados das

mais diversas formas.

É oportuno acrescentar que a Constelação Familiar Sistêmica não

se aplica somente às relações familiares, uma vez que a técnica revela o

campo morfobiológico da família ou do sistema, mostrando onde está o

desequilíbrio, onde não está sendo cumprida uma das três leis . Portanto, é

possível afirmar que a técnica aponta um histórico de fatos que repercutiram

na vida das partes e que, apesar do seu desconhecimento, influenciaram

para o surgimento dos conflitos.

Nesse sentido, o trabalho retoma o tema Direito Sistêmico

abordado no capítulo anterior e explica o conceito de justiça à luz dos

princípios sistêmicos, segundo a experiência da juíza Wanda Lúcia Ramos

da Silva :

[ ] No trabalho dos juízes, a observação do desrespeito às leis positivadas é apriorística, já que, por inferência, um processo judicial supõe alguma forma de infração à norma estatal. Mas ainda que nenhuma ilegalidade seja reconhecida pelo juiz, a mera existência do processo pode ser considerada como o resultado da obliteração dessas normas principiológicas de natureza sistêmica, pois o processo representa um sintoma de distúrbio no relacionamento. O litígio judicial, portanto, pode ser considerado como um sintoma de desrespeito às leis sistêmicas, seja na família, seja nas organizações. Com isso estou afirmando que a perturbação às leis sistêmicas é o princípio antecedente necessário da infração à norma positivada ou à existência do processo em si mesmo.

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Porém, frequentemente a decisão judicial trata o sintoma mas sequer tangencia a raiz do problema, o que faz com que a sentença seja apenas um paliativo e não a solução efetiva, não evitando, desta forma, novos processos.

(Revista TRT 18, 2014)

3.3. A dinâmica

“Fica evidente quão as suas ideias e afirmações são diversificadas e quão claras elas descrevem os efeitos dos vínculos, das dinâmicas e fenômenos sistêmicos” (HELLINGER, 2000, p.2)

A Constelação Familiar Sistêmica é um método fenomenológico,

que lida mais com a intuição e as emoções do que com o racional. Isso

significa que é o próprio fenômeno que orienta a dinâmica, sem a influência

do terapeuta e interpretações prévias. Para Hellinger esse é o modo de

acesso ao campo energético-informacional do indivíduo ao qual o biólogo

Rupert Sheldrake (capítulo I) chamou de campo morfogenético, e o

psicoterapeuta alemão endossou dizendo que também estão armazenadas

nesse campo todas as informações da família, ou seja, a consciência

familiar (grifo meu), além da consciência pessoal. Diante disso, quanto

menos o terapeuta souber a respeito do assunto a ser constelado, melhor.

Hellinger explica:

A fenomenologia é um método filosófico. Para mim a fenomenologia significa: Eu me exponho a um contexto mais amplo. Eu me exponho a um contexto mais amplo sem compreendê-lo. Eu me exponho a esse contexto sem a intenção de ajudar e também sem a intenção de provar algo. Eu me exponho a ele sem medo do que poderá vir à luz. Tampouco tenho medo de que algo assustador venha à tona. Eu me exponho a tudo, assim como se apresenta.

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Diante de uma constelação, eu olho para todos, também para os ausentes. Tenho todos na minha frente. E, então, exposto a esse quadro, de repente reconheço o que está por trás do fenômeno. Por exemplo: De repente, posso ver, numa constelação, que uma criança foi assassinada. É algo que não é visível. Está por trás do fenômeno. Ali se concentra algo que é essencial para o comportamento das pessoas dessa família. O essencial não é visível. Aparece subitamente através da observação dos fenômenos. E vem à luz. Essa é uma abordagem fenomenológica. Ela não está ligada a nenhuma escola e tampouco pode constituir uma escola, pois não se trata de adotar algo de outra pessoa. Aprende-se aqui apenas a se ajustar aos fenômenos e a se expor a eles, interiormente, livre de intenções e medo. Então cada um de nós vai viver a experiência de uma súbita iluminação. (HELLINGER, 2001, p.17)

De início, não há necessidade de longa entrevista do terapeuta

com o constelado, mas apenas algumas perguntas para contextualizar a

história familiar como doenças e mortes, por exemplo. Em seguida, a

dinâmica tem início e o constelador pergunta a pessoa que irá fazer a

constelação qual o assunto que gostaria de tratar na sessão. O constelado

responde, por exemplo, que precisa resolver um problema em seu

casamento. Na sequência, o constelador solicita ao constelado que escolha

uma pessoa do grupo para representá-lo (geralmente pessoas

desconhecidas). O constelado, então, escolhe alguém e posiciona a pessoa

no espaço que se tem para a constelação, denominado campo (podendo ser

uma sala vazia onde as pessoas se sentam numa espécie de círculo). Essa

pessoa vai representar o constelado e por isso precisa ficar numa posição

de visibilidade para que o interessado possa acompanhar os seus

movimentos. Enquanto isso o constelado senta-se junto aos demais no

círculo para observar a dinâmica do representante. A sessão pode durar

meia ou duas horas, dependendo da complexidade do caso. Em dado

momento o representante começa a se movimentar - a pessoa

simplesmente sente vontade de agir de uma determinada forma e o faz. O

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constelador, tecnicamente qualificado, lê através desses gestos, situando os

passos seguintes a serem executados. Aos poucos, conforme o desenrolar

do processo, mais pessoas vão sendo escolhidas, uma a uma, para

representar a situação do constelado. Nesse caso do exemplo,

especificamente, por se tratar de questão relacionada a casamento, se

escolheria mais um representante para o cônjuge. Em seguida,

representam-se os pais do constelado, filhos, irmãos e outros que se

apresentarem como importantes para a questão a ser trabalhada. O próprio

Hellinger (2007) esclarece:

[...] uma vez lhe perguntei por que, afinal, essas constelações familiares funcionam. Ali se encontram pessoas absolutamente desconhecidas, que não têm a mínima ideia da biografia do cliente com o qual o senhor está trabalhando. Como essas pessoas podem sentir o mesmo que os membros da família de origem? Nessa ocasião o senhor disse que, naturalmente, não era o representante que atuava e sentia. O representante era somente o receptáculo, através do qual o cliente encontrava um novo acesso à sua origem. (HELLINGER, 2007, P.67)

A ordem das representações e a escolha dos representantes é

sempre orientada pelo terapeuta, com exceção do representante que está no

lugar do constelado, que é escolhido pelo próprio. É oportuno ressaltar que

diferentemente de um psicodrama, os representantes não podem “atuar” um

personagem, mas devem ser levados pela emoção ou intuição do momento.

Os representantes no campo da constelação acabam agindo como

catalisadores de sentimentos e sensações daquela situação trazida pelo

constelado, evidenciando padrões e normas comportamentais originadas do

campo morfobiológico, como foi explicado no capítulo I, possibilitando, deste

modo, ao constelado a percepção da dinâmica de sua própria vida sob

uma nova perspectiva.

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Quando desvelados e harmonizados, os fios embaraçados das

histórias dão lugar a percepções mais claras dos acontecimentos, que por

sua vez, são acompanhadas de atitudes de respeito, aceitação,

responsabilidade, reverência e inclusão. Todavia, como diz o médico e

constelador Décio de Oliveira “ não se trata de mágica, pois as constelações

não solucionam automaticamente todos os problemas. É preciso que a

postura do cliente se modifique a partir de uma reformulação que vem do

coração”.

A resposta à abordagem depende muito dos recursos internos e do

grau de autoconhecimento de cada um. Na observação de Hellinger, os

insights e as transformações decorrentes se prolongam por até três anos.

Por isso não é indicado trabalhar a mesma questão num curto intervalo de

tempo. Também é possível aplicar a ferramenta no atendimento individual, e

nesse caso, utilizam-se bonecos. Para falar do campo comum da

informação e a conexão que acontece durante a dinâmica, ninguém melhor

do que o próprio Hellinger (2015):

"O primeiro fenômeno que observamos no trabalho com as constelações familiares é que há obviamente uma dimensão da consciência que todos nós partilhamos. Todos nós participamos num campo comum. Os representantes frequentemente sentem e comportam-se como as pessoas reais que representam, embora nem o terapeuta nem eles mesmos recebam toda a informação, para além dos fatos iniciais. O cliente frequentemente fica perplexo quando os representantes fazem o mesmo tipo de comentários que as pessoas reais, ou expressam os mesmos sentimentos ou sintomas. Isto sugere que os membros reais da família participam nesta dimensão do saber de alguma maneira. Neste nível, não há nenhuma informação que não seja acessível à alma. Como explicar este fenômeno permanece um mistério. Rupert Sheldrake, um cientista inglês, provou em diversas experiências com cães que quando o seu dono está ausente, alguns cães detectam imediatamente o momento em que o seu dono decide voltar para casa. Podem detectar este momento mesmo que a viajem de regresso do seu dono tenha início num continente diferente. As distâncias parecem ser aqui irrelevantes. Isto prova que há algum campo de conexão que se estende para

além do tempo e do espaço, em que o cão e o dono participam." (informaçãoverbal)

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CAPÍTULO IV

PRÁTICAS NO JUDICIÁRIO

Um instrumento que pode melhorar ainda mais os resultados das sessões de conciliação, abrindo espaço para uma Justiça mais humana e eficiente na pacificação dos conflitos. Sami Storch

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou a Política

Pública no âmbito do Judiciário (Resolução 125/2010), a fim de estabelecer

um tratamento adequado para resolução de conflitos de forma não litigiosa.

Cinco anos depois, a solução consensual de conflitos foi incluída no Código

de Processo Civil (novo CPC), que tornou a conciliação etapa processual

obrigatória. No mesmo ano, foi aprovada a chamada Lei da Mediação,

disciplinando a técnica como forma de solução de conflitos. Portanto, esse

contexto não pode ser desconsiderado quando se trata de compreender a

expansão da prática da Constelação Familiar Sistêmica no âmbito do

Judiciário, como será exposto a seguir.

Um dos pioneiros a trazer a prática para o Judiciário, como já foi

falado no capítulo II, foi o juiz Sami Storch, da 2ª Vara de Família de Itabuna

(BA). O sucesso de sua experiência passou a inspirar outros magistrados,

e, hoje, tribunais de diversos estados já oferecem cursos de formação em

constelação para juízes e servidores.

Nas comarcas em que atua, na Bahia, Storch costuma realizar

eventos coletivos, onde as partes envolvidas em processos com temas em

comum são convidadas a participar. No entanto, como esclarece no seu

blog Direito Sistêmico (2016) , que o caráter da iniciativa é voluntário:

“Participa quem quiser. Dependendo do tema, as pessoas podem pedir que

seja constelada a questão do seu processo sem expor nomes, detalhes ou

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acusações”. Storche esclarece, ainda, que quando os temas são mais

delicados ele pede que os profissionais (não envolvidos diretamente nos

processos) proponham as questões. Também são convidados advogados,

promotores, estudantes e profissionais, como psicólogos, assistentes

sociais, conselheiros tutelares e policiais, como ilustra a seguir:

Todos podem participar como representantes, se quiserem, colocando-se no lugar das pessoas envolvidas na questão. E todos assistem e podem se identificar com as dinâmicas apresentadas, que costumam ser bastante comuns,

principalmente em processos com temas semelhantes. Após uma palestra sobre os vínculos sistêmicos existentes

nas famílias e os emaranhamentos que podem ser causados por fatos ocorridos no passado familiar, resultando em conflitos de relacionamento, em comportamentos violentos, vícios e padrões autodestrutivos, fazemos uma meditação para que todos possam visualizar onde estão seus próprios emaranhamentos, e algumas constelações. (Direito Sistêmico, 2016)

Sobre a experiência pioneira do juiz Sami Storch (2015) nos anos

2012 e 2013, na Vara de Família do município de Castro Alves, a 191 km de

Salvador, o magistrado fala a respeito:

A maior parte dos conflitos dizia respeito a guarda de filhos, alimentos e divórcio. Foram seis reuniões, com três casos “constelados” por dia. Das 90 audiências dos processos nos quais pelo menos uma das partes participou da vivência de constelações, o índice de conciliações foi de 91%; nos demais, foi de 73%. Nos processos em que ambas as partes participaram da vivência de constelações, o índice de acordos foi de 100%. (Agência CNJ de Notícias, 23/06/15)

Quanto à receptividade dos tribunais, Storch afirma que recebeu

o apoio da presidência do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) que

incentivou o projeto. O magistrado observa que “o atual momento da Justiça

é crítico, não permitindo que se dê ao luxo de rejeitar uma inovação que

tenha a capacidade de trazer alguma melhora e satisfação para os

jurisdicionados.”

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De acordo com matéria publicada em 31 de outubro último, na

página do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2016), pelo menos 11

estados (Goiás, São Paulo, Rondônia, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do

Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Alagoas e Amapá) e o Distrito Federal

já utilizam a dinâmica da “Constelação Familiar” para ajudar a solucionar conflitos

na Justiça brasileira e reafirma a importante contribuição do uso da técnica:

[....] Na capital federal, a técnica vem sendo aplicada antes das tentativas de acordo em seis unidades do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), como no Centro de Conciliação e Solução de Conflitos (Cejusc) Superendividados, onde a servidora aposentada Helena (nome fictício), 65 anos, foi encaminhada há um ano, para saldar uma dívida que superava seu patrimônio. Repetição de histórias – [...] Ela participou de três constelações e hoje já está com quase 60% da dívida paga. Outra experiências – Na Vara Cível, de Família, Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante (DF) a técnica foi aplicada em cerca de 52 processos, desde março, alcançando índice de acordo de 86%, com a participação das duas partes na dinâmica. Nas unidades judiciárias que fazem parte do Projeto Constelar e Conciliar do órgão, as sessões acontecem, em geral, uma semana antes das audiências de conciliação. A juíza Magáli Dallape Gomes, uma das supervisoras do projeto, explica que antes de encaminhar os casos para a sessão de constelação, seleciona processos com temáticas semelhantes e que não obtiveram êxito em conciliações anteriores. “Depois de participarem da constelação, as partes ficam mais dispostas a chegar a um acordo. Isso é fato. A abordagem, além de humanizar a Justiça, dá novo ânimo para a busca de uma solução que seja benéfica aos envolvidos. Quem faz, percebe uma mudança em sua vida”, disse. (CNJ – Conselho Nacional de Justiça.”Constelação Familiar” ajuda humanizar práticas de conciliação no Judiciário, Brasília, 2016. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83766-constelacao-familiar-ajuda-humanizar-praticas-de-conciliacao-no-judiciario-2 . Acesso em novembro de 2016)

Na mesma reportagem, a jornalista Regina Bandeiras, da Agência

CNJ de Notícias, menciona a prática premiada em Goiás (grifo meu), do

Projeto Mediação Familiar, do 3º Centro Judiciário de Soluções de Conflitos

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e Cidadania da comarca de Goiânia, que rendeu para o Tribunal de Justiça

de Goiás (TJGO) o primeiro lugar no V Prêmio Conciliar é Legal, promovido

pelo CNJ. Segundo a reportagem, a novidade apresentada no projeto foi

exatamente a utilização da constelação nas sessões de mediação. De

acordo com o juiz Paulo César Alves das Neves, coordenador do Núcleo

Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do tribunal e

idealizador do projeto, o índice de solução de conflitos com auxílio da técnica

é de aproximadamente 94% das demandas.

A partir da experiência pioneira do juiz Sami Storch, outros

tribunais começaram a realizar projetos de Constelação na Justiça, como

informa a filósofa e consteladora familiar Ruth Barbosa (2016):

[...] a partir de outubro de 2015, o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) da Comarca de Sorriso do Tribunal do Estado de Mato Grosso (grifo meu) passou a realizar a técnica da constelação Familiar em suas audiências de conciliação e mediação, e recentemente, em fevereiro de 2016, o Tribunal do Estado do Mato Grosso do Sul (grifo meu) celebrou convênio com terapeutas sistêmicos para realizar atendimentos no âmbito da Infância e Juventude. A 6ª Vara de Família da Comarca da Capital do Tribunal do Rio Grande do Norte (grifo meu) , utiliza a técnica da constelação familiar nas audiências de conciliação no projeto coordenado pela juíza Virgínia Bezerra, cujos integrantes são um constelador, uma estudante de psicologia e uma conciliadora da Vara. (BARBOSA, 2016, p.6)

No Judiciário do Rio Grande do Sul (grifo meu), a técnica foi

aplicada pela primeira vez na comarca de Capão da Canoa, quando da

passagem da juíza Lizandra dos Passos (2016), que criou o projeto “Justiça

Sistêmica: Resolução de conflitos à luz das constelações familiares”.

Segundo a juíza, inicialmente o projeto estava ligado à ideia de conciliação

e pacificação, porém, com a implementação e a repercussão positiva na

comunidade, passou-se a priorizar a humanização da Justiça e a

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aproximação do Poder Judiciário com a comunidade. Para ela, a

Constelação traz uma forma diferente de tratar o conflito, o que fala a seguir:

Claro que essas soluções, muitas vezes, vão partir do próprio constelado, ele deverá dar um passo à frente. Mas é interessante que a técnica não olha para o conflito, ela olha para a solução. É uma técnica que se afeiçoa muito à justiça restaurativa e à mediação. (Jornal do Comércio, 31 de março de 2016)

A mesma reportagem informa que a equipe da Justiça Sistêmica

de Capão da Canoa é formada por três psicólogos consteladores que atuam

em três linhas de atendimento – nas casas de acolhimento, nos processos

judiciais e nos Juizado da Infância e da Juventude.

Melo (2015 p. 48) cita o exemplo da 6ª Vara da Família do Fórum

Miguel Seabra, Natal, no Rio Grande do Norte (grifo meu), que desde de

abril de 2015 vem utilizando a técnica, como diz a juíza Virginia Bezerra:

É uma quebra de paradigma, porque a Justiça antes era só para o juiz presidir audiência e proferir sentenças. Agora não, com essa interdisciplinaridade o próprio novo Código de Processo Civil traz a mediação como uma resolução alternativa de conflitos. Pode-se ver, a partir disso, que os métodos convencionais, tradicionais, de prestar jurisdição não estavam sendo suficientes ou não atendendo adequadamente ao interesse das partes (Tribuna do Norte, 2015)

A Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) do TJMS também

inovou formalizando um convênio com um grupo de terapeutas sistêmicos

comandados por Amilton Plácido da Rosa (2016), Procurador de Justiça

aposentado, pedagogo e terapeuta sistêmico, promovendo atendimento

gratuito às famílias, crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de

violência por meio da Constelação Familiar. Segundo a equipe de

facilitadores da CIJ, desde a implantação da Central de Depoimento

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Especial, que colhe os depoimentos de crianças e adolescentes utilizando

técnicas da escuta especial, o chamado “depoimento sem dano”, havia uma

previsão de que estas pessoas e seus familiares fossem encaminhados a

um tratamento especializado, no sentido de superar a situação traumática.

No entanto, como não havia uma estrutura capaz de atender a demanda, a

Coordenadoria da Infância buscou parcerias para desenvolver o

atendimento. O projeto destina-se a atender as crianças e adolescentes em

situação de vulnerabilidade social, que foram vítimas ou testemunhas de

maus tratos, abuso sexual ou violência e também aquelas que estão em

entidades de acolhimento ou em família acolhedora e, ainda para quem está

respondendo processo de medida socioeducativa. Também serão

encaminhados os casos indicados pelo magistrado da Vara da Infância e

Juventude ou pela própria Coordenadoria da Infância e Juventude.

Também há iniciativas onde o magistrado, conhecendo as leis

sistêmicas, faz uso das mesmas nas demandas que chegam em seu

gabinete, exercendo na prática o Direito Sistêmico, como é o caso da Juíza

do Trabalho do TRT da 18ª Região – Goiás, Wanda Lúcia Ramos da Silva

(2014):

Diversamente do meio familiar, no âmbito das empresas não existe direito absoluto ao pertencimento, ou seja, o vínculo não é indissolúvel, permanecendo enquanto for a vontade das partes. Nas empresas e organizações, o pertencimento se dá por escolha e por tempo limitado, mediado por um contrato tácito ou expresso. Não há, de uma forma geral, vínculos de destino, a não ser no caso dos fundadores ou daqueles que contribuíram decisivamente para o surgimento da pessoa jurídica. No caso dos empregados, o engajamento o torna parte da organização enquanto durar o contrato. Se o empregador exorbita do seu poder diretivo e disciplinar e desrespeita o direito ao pertencimento, gera não só um prejuízo ao empregado, mas um distúrbio em todo o sistema, com potencial para influir negativamente no negócio. (Revista TRT 18, 2014)

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Para facilitar a compreensão de como poderia haver adequação

das leis sistêmicas em relação a questões trabalhistas, por exemplo, a

mesma juíza narra a seguir uma de suas experiências:

[...] A Justiça do Trabalho é repleta de processos onde o desequilíbrio entre o dar e o tomar constitui a principal dinâmica. Em um exemplo extraído da prática na audiência o dono de uma empresa se recusou a fazer acordo, dizendo que o reclamante trabalhou apenas 42 dias e foi demitido por justa causa, em razão de negligência em suas funções. Após algumas intervenções visando ressignificar o sentimento de indignação, o dono da empresa revelou que o irmão do reclamante era seu empregado há muito tempo, sendo que a contratação deu-se a pedido desse irmão, sob o argumento de que o reclamante estava desempregado e não tinha como pagar pensão alimentícia aos 6 filhos. Essa informação foi confirmada pelo autor, que revelou ter 40 anos, e o irmão, 26. Quando uma informação relevante vem à luz, ela promove uma mudança sutil no ambiente emocional da mesa de negociação, pois tem um peso anímico maior que outras questões...A partir desses dados, a dinâmica de desequilíbrio ficou clara: o reclamante não solicitou o emprego, não se apresentou voluntariamente como candidato à vaga, tendo sido compelido ao trabalho por seu irmão, contra sua disposição interna. O empresário, por seu turno, não atendeu a um pedido do reclamante e sim de seu irmão. Assim, o dono da empresa deu ao autor muito mais do que lhe fora solicitado, e o autor recebeu além do que pediu e desejou, não podendo retribuir à altura, sequer reconhecendo a vantagem de ter um emprego. Um jeito de recusar a oferta foi permanecer indolente. (Revista TRT 18, 2014)

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4.1. Foro Regional da Leopoldina- Rio de Janeiro

O projeto piloto A Constelação Familiar para a Autocomposição de

Conflitos Familiares (grifo meu), idealizado e coordenado pelo Juiz titular da

1ª Vara de Família da Comarca da Capital – Foro Regional da Leopoldina,

André Felipe Alves da Costa Tredinnick, conta com uma equipe técnica

composta por profissionais qualificados, tendo como supervisora de estudo

de casos a consteladora familiar e filósofa Ruth Barbosa, e , como

coordenadora do projeto e assistente em constelação, a advogada e

conciliadora Juliana Lopes Ferreira. Também compõe a equipe: Maria de

Fátima R. T. de Oliveira Mello, pedagoga, advogada e consteladora familiar;

Fabiana Lanke, assistente social e assistente de constelação; Fabíola

Galvão, administradora de empresas e consteladora ; Adriana Zani,

administradora de empresas e consteladora familiar e organizacional e

Flávia de Nóbrega, conciliadora.

Barbosa (2016) explica que os beneficiários do projeto são as

partes das ações judiciais que dizem respeito ao direito de família

distribuídas na 1ª Vara de Família da Comarca da Capital do TJRJ – Foro

Regional da Leopoldina, e em fase pré-processual, os assistidos da área de

direito de família encaminhados pela Defensoria Pública Geral do Estado do

Rio de Janeiro. Ela salienta que há , também, os beneficiários indiretos,

como explica a seguir:

[...] Compreende-se também como beneficiários indiretos, os demais membros familiares dos envolvidos no conflito, os colaboradores e os profissionais que atuem nas referidas ações, ou seja, conciliadores, mediadores, Defensores Públicos, membros do Ministério Público, magistrados, advogados, agentes escolares, agentes comunitários, estagiários e servidores. (BARBOSA, 2016, p.4)

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De acordo com o exposto, Barbosa argumenta que o projeto piloto

pretende o seguinte:

[...] minorar pontos críticos que, nos dias atuais, ainda são muitos: a morosidade e sobrecarga processual, a inviabilização ou sobreposição que por vezes acontece do direito material (principal) perante o processual (instrumental), a falta de efetividade dos acordos e de decisões judiciais, a recorrência e inconclusão de casos em um determinado período de tempo e, por último e não menos importante, mitigar os efeitos potencialmente maximizadores do litígio causados pelo próprio procedimento da ação de família em última instância. (BARBOSA, 2016, p. 4)

Para a supervisora do projeto, “a abordagem interdisciplinar do

litígio em vara de família cada vez mais se faz fundamenta para a efetiva

composição das partes” (p.4), conforme observa e menciona o novo Código

de Processo Civil, que é lembrado a seguir:

[...] O artigo 3º, § 3º e o artigo 694 do Novo Código de Processo Civil, em vigor a partir de março de 2016, determinam (não facultam) a utilização de outros métodos de solução consensual e de profissionais de outras áreas do

conhecimento para a mediação e a conciliação. Portanto, faz parte do direito positivo brasileiro a adoção da metodologia proposta, que deve ser precedida de criteriosa análise científica a demonstrar a sua eficácia, comparativamente aos modos tradicionais de solução do conflito. (BARBOSA, 2016, p. 4)

As três Varas de Família da Comarca da Capital do Foro Regional

da Leopoldina recebem, segundo Barbosa (2016), cerca de 350 novas ações

por mês, o que resulta para cada Vara representa aproximadamente 110

(cento e dez) ações novas por mês e 1.320 (mil trezentos e vinte) por ano,

desconsiderando as ações judiciais ainda em trâmite. Diante desse cenário,

o projeto tem como objetivos o seguinte:

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1- O aumento de casos solucionados por conciliação 2- A duração razoável dos processos 3- A minimização de novas divergências nos casos já

tratados, evitando sua recorrência 4- A redução do número de ações judiciais 5- A manutenção e o fortalecimento de vínculos das

famílias, com a possibilidade de reduzir o sofrimento dos menores quando envolvidos nas ações judiciais.

A metodologia empregada nesse projeto piloto compreende um

período de 6 meses, de abril a setembro de 2016, sendo os três meses

subsequentes ao término do período utilizado para acompanhamento social

e pedagógico, com a consolidação dos dados coletados e apresentação de

resultados. Quanto à metodologia utilizada para avaliação dos resultados:

[...] é ouvir as partes litigantes, através dos questionários com enfoque quantitativo e qualitativo, além da avaliação pedagógica e social. Será objeto de avaliação a duração temporal dos processos; a quantidade de acordos realizados no grupo de constelação e a quantidade de acordos realizados no grupo de controle; a mudança de comportamento dos pais, mães e menores envolvidos durante o trâmite processual. (BARBOSA, 2016, P.7)

Segundo o projeto piloto, o plano de ação para a implementação

foi estruturado em etapas, sendo elas: 1- seleção de processos por mês – de

abril a setembro de 2016: 90 ações envolvendo tema sobre alimentos,

guarda, regulamentação de visitas e divórcio em que 45 serão destinadas ao

grupo de constelação (grupo que participará do projeto) e 45 destinadas ao

grupo de controle (grupo que cumprirá com o rito das ações de família do

CPC de 2015 (artigos 693-699) sem interferências.

A dinâmica ocorre do seguinte modo, como explica Barbosa

(2016):

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As pessoas envolvidas nas ações judiciais do grupo de constelação serão convidadas para as palestras vivenciais de constelação, cuja programação básica consistirá em uma introdução teórica sobre o que é constelação e como ela se desenvolve, seguida da parte prática. Nesse momento, também são expostas as formas com que as pessoas geralmente lidam com as separações e os males que isso pode acarretar para os envolvidos, principalmente para os filhos. A seguir serão realizadas as constelações familiares, momento em que se pergunta aos presentes “quem gostaria de olhar para seu próprio sistema familiar por meio de uma constelação, com outras pessoas representando os membros de sua família”. As pessoas não irão expor detalhes dos seus problemas, pois as questões de todos são semelhantes bem como os caminhos que conduzem à conciliação. O envolvido, ao olhar “de fora” para sua família ou a família do outro ali representada, com dinâmicas semelhantes às suas próprias, toma consciência, saindo dos emaranhados sistêmicos que o permeia, mudando para produzir mudanças em prol de um relacionamento saudável entre os envolvidos do litígio (BARBOSA, 2016, p.8)

Abaixo segue a avaliação parcial de abril a agosto, contabilizando

326 pessoas, onde 210 (64%) responderam aos questionários e 116 (36%)

não responderam a avaliação ou não compareceram.

No questionário 1 foram realizadas 5 perguntas, como

demonstrado a seguir:

1- A conduta da Constelação Familiar explicou a prática de forma clara? 90% responderam sim; 9,05%, parcialmente; 0.48% não; 0,48% não marcaram nada.

2- O condutor da Constelação Familiar foi objetivo ao citar exemplos de como a prática atua na solução de

3- conflitos familiares? 91% responderam sim; 7,14% parcialmente; 1,43% não; e 0,48% sem marcação.

4- O condutor me deixou à vontade: 90% sim; 8,10% parcialmente; 1,43% não; 0,48% sem marcação.

5- O conteúdo da apresentação foi demonstrado de forma clara? 88% sim; 7,14% parcialmente; 1,90% não; 2,86 sem marcação.

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6- O condutor foi claro ao explicar que a prática não possui caráter religioso ou filosófico? 92% sim; 5,71% parcialmente; 1,43% não; 0,95% sem marcação.

No questionário 2 foram realizadas 4 perguntas, como

demonstrado a seguir:

1- Eu me senti muito satisfeito em fazer parte da sessão de Constelação Familiar? 78% disseram sim; 16,67% parcialmente; 2,86% não; 2,38% sem marcação

2- A Constelação Familiar faz sentido pra mim? 79% sim; 15,24% parcialmente; 4,29% não; 1,90% sem marcação.

3- Eu recomendaria a Constelação Familiar para meus amigos? 87% sim; 5,71% parcialmente; 4,76% não; 2,38% sem marcação.

4- A Constelação Familiar apresentou-se como uma prática efetiva para a solução do meu problema? 61% sim; 23,81% parcialmente; 10% não; 4,76% sem marcação.

Em outubro de 2016 teve início a coleta e o processamento de

dados com os fechamentos dos relatórios que serão concluídos até meados

de novembro de 2016. Em seguida, no mês de dezembro, será feita a

apresentação dos resultados do projeto piloto, bem como avaliação de sua

aplicação para um aprimoramento que, segundo a supervisora e a equipe de

assistência, possibilitará a continuidade do projeto e o surgimento de

projetos futuros.

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CONCLUSÃO

A crise vivenciada pelo Poder Judiciário trouxe um aspecto

positivo ao estimular o sistema a experimentar novos caminhos para a

justiça. Nesse sentido, o presente trabalho buscou ratificar a importância

da implantação dos Tribunais Multiportas em face da realidade brasileira,

consolidando a prática dos meios alternativos de resolução de controvérsias,

e sua atuação não somente na crise jurídica, mas especialmente na crise

sociológica, ao estimular a manutenção das relações sociais. É nesse

contexto que a Constelação Familiar Sistêmica passou a ser utilizada

também como instrumento de pacificação nos processos judiciais.

Considerando que o conflito é um fenômeno natural e inerente às

relações humanas já que faz parte do processo de socialização, ele é um

elemento inevitável e contínuo. Diante disso, a sociedade precisa

encontrar meios de lidar de forma menos destrutiva com as controvérsias,

ao invés de promover mais intolerância e violência. Como diz a escritora

Lya Luft: “ A cada momento reinventamos o mundo, reinventamos a nós

mesmos, reinventamos nossos afetos para que seja tudo menos doloroso.”

Salienta-se que, nesse sentido, a “cultura da sentença” precisa

ser desestimulada no país, e repensado o modelo de ensino das

faculdades de direito que ainda prioriza a polarização e a existência de um

“ganhador” e um “perdedor” também deve ser incentivo para a mudança de

mentalidade, como diz Watanabe: “A Justiça é obra coletiva, a boa

organização da justiça não depende só do Poder Judiciário, depende da

participação da sociedade.” ( 2014)

Fala-se em Constelação Familiar Sistêmica porque nenhum ser

humano está sozinho, ninguém é um ser isolado, logo pode-se dizer que a

Constelação Sistêmica é uma ciência fenomenológica que parte dos

conceitos de inconsciente coletivo e de totalidade máxima, sendo uma

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técnica que permite a percepção ampliada das relações. Dito isso, os

princípios sistêmicos de pertencimento, hierarquia e equilíbrio representam,

segundo Bert Hellinger, a ‘consciência familiar’ em que todos os membros

da família se encontram vinculados, partilhando um destino, e a partir de

onde as pessoas se relacionarão com outros sistemas ao longo da vida.

Suscitar nos envolvidos à percepção do conflito como um

elemento de construção ao invés de destruição consiste na tarefa dos

profissionais que trabalham em conciliação e mediação. No entanto, nem

sempre as ferramentas disponíveis conseguem aprofundar a análise até a

origem do litígio. Nesses casos, onde nota-se uma “zona oculta” impedindo

o acesso a informações relevantes - já que nem os próprios envolvidos têm

consciência da origem de certos padrões de comportamento - , a técnica da

Constelação Familiar Sistêmica pode contribuir de modo significativo, visto

que traz à luz os sistemas familiares e seus emaranhamentos, evidenciando

os vínculos sistêmicos presentes, mesmo quando as pessoas não têm

consciência a respeito ou desconhecem as histórias de seus antepassados.

A abordagem sistêmica do direito, portanto, propõe uma aplicação

da ciência jurídica com viés terapêutico da Constelação Familiar Sistêmica, e

como foi relatado no último capítulo, os bons resultados alcançados em

diversos tribunais do país sinalizam para o potencial desse instrumento.

Como diz a juíza Andréa Pachá em seu livro Segredo de Justiça (2014),

“talvez seja esse o nosso maior patrimônio: a possibilidade de sermos

únicos, mesmo quando tratados como estatísticas.”

Por fim, conclui-se, que a proposta do Direito Sistêmico vai ao

encontro da aspiração citada acima ao embasar-se na Constelação

Familiar Sistêmica como instrumento que pode melhorar ainda mais os

resultados das sessões de conciliação e mediação, abrindo espaço para

uma Justiça mais humana e eficiente na pacificação dos conflitos.

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BIBLIOGRAFIA

- BELLO, Angela Ales . Introdução à Fenomenologia. Bauru, SP: Edusc,

2006

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02 AGRADECIMENTOS 03 DEDICATÓRIA 04 RESUMO 05 METODOLOGIA 06 SUMÁRIO 07 INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

Das Partes para o Todo 10

1.1 O que é um sistema? 10

1.2 Teoria Geral dos Sistemas 11

1.3 Teoria dos Campos Mórficos 12

1.4 Teoria do Inconsciente Coletivo 15

1.5 Fenomenologia 16

CAPÍTULO II

A Visão Sistêmica e o Direito 19

2.1. Tribunais Multiportas 20

2.2. Direito Sistêmico 22

CAPÍTULO III

A Constelação Familiar Sistêmica 24

3.1. A Trajetória de Bert Hellinger 24

3.2. Princípios Sistêmicos 27

3.2.1. Lei do Pertencimento 28

3.2.2. Lei do Equilíbrio (ou da Compensação) 29

3.2.3. Lei da Hierarquia (ou Ordem) 30

A Dinâmica 33

CAPÍTULO IV

Práticas no Judiciário 36

4.1. Foro Regional da Leopoldina – Rio de Janeiro 42

CONCLUSÃO 50 BIBLIOGRAFIA 52 ÍNDICE 56

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