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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES AVM – FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU E MBA O DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO Roberta de Oliveira Alvares ORIENTADOR: Prof. William Rocha Rio de Janeiro 2015 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU E MBA

O DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

Roberta de Oliveira Alvares

ORIENTADOR:

Prof. William Rocha

Rio de Janeiro

2015

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU E MBA

O DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de Pós-Graduada especialista em Direito do Consumidor.

Rio de Janeiro

2015

AGRADECIMENTOS

À professora, e amiga, Judith Régis, a qual tenho imensa admiração, obrigada

pela dedicação, paciência e generosidade em compartilhar seus ensinamentos e,

assim, contribuir para o meu crescimento pessoal e profissional de forma

enriquecedora. Você é um exemplo e me inspira!

Ao professor William Rocha, por repassar sua sabedoria de forma tão amável,

além do auxílio dispensado ao longo de todo o curso.

Aos colegas de turma, dos quais tenho o privilégio de ter convivido, obrigada

por aprendermos a partilhar, com alegria, os ensinamentos adquiridos, e, sobretudo,

agradeço por termos estendido às mãos uns aos outros e nos tornado amigos!

Assim, nossas terças-feiras, durante um longo período, foram transformadas em

encontros de garantidas gargalhadas e troca de experiências, carinho, conhecimento

e companheirismo.

À minha prima-irmã Alexandra, que me incentiva em minha jornada

profissional e pessoal, e que, pelos seus puxões de orelha, sou grata por ter iniciado

e, agora, concluído minha pós-graduação.

Por fim, agradeço aos meus chefes, companheiros, e amigos de trabalho, que,

dia a dia, contribuem para meu enriquecimento profissional.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao tesouro mais precioso de minha vida: minha amada

mãe e, em especial, meu querido irmão, que, mesmo não estando mais fisicamente

comigo, está sempre ao meu lado!

“A menos que modifiquemos a nossa maneira de pensar, não

seremos capazes de resolver os problemas causados pela

forma como nos acostumamos a ver o mundo."

(Albert Einstein)

RESUMO

Antes de ingressarmos no ponto central, tema desta monografia, necessário

se faz uma análise geral sobre o comércio eletrônico e sua introdução no Brasil. Tais

noções, englobando conceito e formação dos contratos eletrônicos, se encontrarão

no Capítulo I deste estudo. Após a introdução sobre as questões mais importantes e

interessantes acerca do comércio eletrônico, tratar-se-á, no Capítulo II deste

trabalho, sobre o direito de arrependimento originariamente previsto na Lei 8.078/90.

No referido capítulo, além da exposição referente a origem, conceito e natureza

jurídica de tal direito, será analisada a abrangência e limites da norma que dispõe

sobre seu exercício. Em seguida, no Capítulo III, que versa sobre o ponto central da

presente pesquisa, se examinará o alcance do direito de arrependimento no

comércio eletrônico e as recentes alterações legislativas e projetos de lei acerca do

tema em destaque. Por fim, após este apanhado geral, aponta-se, neste último

capítulo, os diferentes entendimentos jurisprudenciais sobre o tema, não obstante as

recentes alterações e propostas legislativas, considerando as falhas na legislação e

a crescente, e rápida, evolução do comércio eletrônico no Brasil.

ABSTRACT

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................ 10

CAPÍTULO I – COMÉRCIO ELETRÔNICO................... ......................................... 11

1.1 – NOÇÕES GERAIS................................................................................. 11

1.2 – CONCEITO............................................................................................ 12

1.3 – FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSUMERISTAS.............................................................. 14

CAPÍTULO II – O DIREITO DE ARREPENDIMENTO NA LEI Nº 8.078/90........... 16

2.1 – ORIGEM............................................................................................. 16 2.2 – CONCEITO......................................................................................... 17 2.3 – NATUREZA JURÍDICA....................................................................... 18 2.4 – PREVISÃO LEGAL EXPRESSA NO ART. 49.................................... 19 2.5 – ABRANGÊNCIA DA NORMA.............................................................. 21

CAPÍTULO III – DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO COMÉ RCIO ELETRÔNICO.......................................................................................................... 22

3.1 – DECRETO Nº 7.962, DE 15 DE MARÇO DE 2013.............................. 22

3.2 – DO PROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL Nº 281, DE 2012, NO QUE TANGE AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO........ 27

3.3 – COMPRAS DE PRODUTOS DIGITAIS – APLICABILIDADE DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO?.............................................................. 32

3.4 – POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL/DECISÕES DOS TRIBUNAIS..................................................................................................... 34

CONCLUSÃO.......................................... .................................................................. 43

BIBLIOGRAFIA....................................... .................................................................. 44

11

INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é analisar a aplicabilidade do exercício do

direito de arrependimento nas contratações realizadas pelos consumidores

eletronicamente, visto que, na atualidade, tal prática tem sido cada vez mais

empregada em nosso país.

Em vista disto, fez-se necessário avanços na legislação pátria a fim de

adequar o Art. 49, da Lei nº 8.078/90, às necessidades oriundas do progresso no que

tange ao comércio eletrônico, ampliando, assim, a abrangência de tal norma legal,

através do advento do Decreto nº 7.962/2013.

Neste passo, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 281/2012, que,

dentre os temas centrais, aborda o objeto deste estudo, prevendo a alteração do Art.

49, da Lei nº 8.078/90, com o intuito de estender a redação e interpretação do

referido dispositivo.

Todavia, haja vista que os projetos e alterações acerca do tema são recentes,

há uma escassez de doutrina sobre o tema, o que, consequentemente, reflete em

divergência de interpretações na jurisprudência dos tribunais sobre a aplicabilidade e

extensão do direito de arrependimento no comércio eletrônico.

Assim, para uma melhor compreensão do tema, o Capítulo I desta monografia

trará noções gerais, conceito e formação dos contratos; o Capítulo II terá enfoque no

direito de arrependimento originariamente previsto na Lei 8.078/90; o Capítulo III

tratará sobre o ponto central da pesquisa, examinando as recentes alterações

12

legislativas e projetos de lei acerca do alcance do tema em destaque, e o Capítulo

IV, discorrerá sobre os diferentes entendimentos jurisprudenciais existentes sobre o

tema e suas razões.

13

CAPÍTULO I

COMÉRCIO ELETRÔNICO

1.1 Noções Gerais

O comércio eletrônico ou e-commerce, que teve origem com o advento da

internet, é uma nova forma de comercialização de produtos e serviços, e, a cada dia,

cresce o número de consumidores que passam a utilizá-lo.1

Efetivamente, o denominado ‘comércio eletrônico’ surgiu, no Brasil, desde a

década de 90, estando, na sociedade pós-moderna, dentre as técnicas de

contratação de massa que dão azo à nova realidade contratual, in casu, ’a

contratação à distância no crescente comércio eletrônico de consumo’.2

Atualmente, os meios utilizados para esta contratação eletrônica à distância,

consoante expõe a ilustre doutrinadora Claudia Lima Marques (2004, p. 37), podem

ser:

[...] telefone (com pessoas ou gravações, voice-mail, audiotexto etc.), rádio, satélites, fibras óticas, ondas eletromagnéticas, raios infravermelhos, telefones celulares ou telefones com imagens, videotexto, microcomputadores, televisão com teclado ou tela de contato, serviços de acesso a e-mails, computadores, pages wireless e outras técnicas semelhantes.3

Ou seja, conforme se depreende, são meios eletrônicos digitalizados e

instrumentos de comunicação de massa, que, com a miniaturização dos elementos

1 GARCIA, Valéria Rodrigues. Guia Comércio Eletrônico. São Paulo: Fundação Procon SP, 2013, p. 4. 2 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6. Ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 113. 3 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no Comércio Eletrônico e a Proteção do Co nsumidor: (um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 37.

14

(chips etc.), na década de 90, convergiram para possibilitar um só meio de

tratamento e transporte rápido de informações e dados, que é a internet.

1.2 Conceito

O professor Alberto Luiz Albertin (2000, p. 23) define comércio eletrônico

como:

[...] a realização de toda a cadeia de valor dos processos de negócio num ambiente eletrônico, por meio da aplicação intensa das tecnologias de comunicação e de informação, atendendo aos objetivos de negócio. [...] também pode ser definido como a compra e a venda de informações, produtos e serviços por meio de redes de computadores.4

Tal conceito, não se restringe simplesmente à realização de transações

comerciais de compra e venda de produtos e serviços, englobando a realização de

toda a cadeira de valor dos processos de negócio num ambiente eletrônico, frisando,

ainda, o referido professor, que “[...] algumas vezes, esta abrangência não é

reconhecida e acaba-se tendo uma visão errônea e restrita de todo o potencial deste

novo ambiente”.5

Assim, de forma mais específica, nas palavras de Gilberto Marques Bruno,

comércio eletrônico pode ser entendido como “uma modalidade de compra à

distância, consistente na aquisição de bens e/ou serviços, através de equipamentos

eletrônicos de tratamento e armazenamento de dados, nos quais, são transmitidas e

recebidas informações”.6

Segundo Cristiano Correia e Silva (2001, p. 37-48), comércio eletrônico, nada

mais é que:

4 ALBERTIN, Alberto Luiz. Comércio Eletrônico: modelo, aspectos e contribuições de sua aplicação. 2 Ed. atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Atlas. 2000, p. 23. 5 Ibidem. 6 BRUNO, Gilberto Marques, 2015.

15

[...] uma espécie de extensão da atividade comercial, em que consumidores e fabricantes ou revendedores não mantêm o contato físico originário da atividade comercial tradicional, pois o estabelecimento do objeto da relação jurídica, a forma de pagamento, o prazo para a entrega e as garantias para implementação do negócio jurídico acordado formam-se em um espaço virtual eletrônico.7

Para o jurista Fábio Ulhoa Coelho (2000, p. 32), comércio eletrônico é:

A venda de produtos (virtuais ou físicos) ou a prestação de serviços realizadas em estabelecimento virtual. A oferta e o contrato são feitos por transmissão e recepção eletrônica de dados. O comércio eletrônico pode realizar-se através da rede mundial de computadores (comércio internetenáutico) ou fora dele.8

Arnoldo Wald (2001, p. 17) conceitua comércio eletrônico:

Finalmente, numa visão mais ampla, concebe-se o comércio eletrônico como o conjunto dos usos comerciais de redes, com a alienação ou simples apresentação de produtos ou serviços. Cabe ainda salientar que o comércio eletrônico presume ou pode presumir os pagamentos eletrônicos, seja com a utilização de cartões de crédito ou sob outras formas que estão se desenvolvendo em virtude do e-commerce, envolvendo o e-cash.9

Já Mariza Delapieve Rossi e Manoel J. Pereira dos Santos (2000, p. 105-129)

definem comércio eletrônico como “a oferta, a demanda e a contratação à distância

de bens, serviços e informações, realizadas dentro do ambiente digital, ou seja, com

a utilização dos recursos típicos que se denominou convergência tecnológica”.10

7 SILVA, Cristiano Correia e. Comércio Eletrônico: aspectos jurídicos. Revista do Curso de Direito , Brasília: AEUDF, v. 2, n. 2, p. 37-48, 2001. 8 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume III. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 32. 9 GRECO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Direito e Internet: relações jurídicas na sociedade informatizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, Apud. 2001, p. 17 10 ROSSI, Mariza Delapieve; SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Aspectos legais do comércio eletrônico: contratos de adesão. Revista de Direito do Consumidor , São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 9, n. 36, p. 105-129, 2000.

16

Dentre inúmeros outros conceitos, há que se destacar, ainda, a definição de

comércio eletrônico para a professora Cláudia Lima Marques (2011, p. 113-114),

senão vejamos:

[...] comércio entre fornecedores e consumidores realizado através de contratações à distância, as que são conduzidas por meio eletrônicos (e-mail etc.), por internet (on line) ou por meios de telecomunicações de massa (telemarketing, TV, TV a cabo etc.), sem a presença física simultânea dos dois contratantes no mesmo lugar [...]11

Por fim, insta ressaltar que, alguns doutrinadores classificam o comércio

eletrônico em espécies, que, segundo os professores Alberto Luiz Albertin e Cláudia

Lima Marques, podem ser: ‘B2B - business to business’ (negócio a negócio); ‘B2G -

business to government’ (negócio a governo) ou ‘C2G - consumers to governament’

(consumidor a governo), respectivamente; ‘C2C - consumers to consumers’

(consumidor a consumidor); ‘Intraorganizacional’ e ‘B2C - business to consumers’

(negócio a consumidor), que é o que nos interessa no presente estudo.

1.3 Formação dos Contratos à luz dos Princípios Con sumeristas

Sobre a formação dos contratos eletrônicos, assevera Luís Wielewicki (2001,

p. 206-207):

[...] considerando-se a brevidade do envio e recebimento de mensagens eletrônicas, é possível concluir que, independentemente da definição do binômio ausentes versus presentes, a formação dos contratos eletrônicos sujeita-se a regimes distintos, de acordo com a duração do período existente entre a oferta e aceitação contratuais [...]. Na formação contratual instantânea, o vínculo contratual eletronicamente formado dá-se de imediato, com o envio de pronta aceitação. Na formação contratual ex intervallo, o emissor da aceitação eletrônica envia a mensagem confirmatória após um prazo considerável de reflexão. Já na formação ex intervallo temporis, o emissor da aceitação torna-

11 MARQUES, Claudia Lima. Op. Cit., 2011, p. 113-114.

17

se remetente de nova proposta, sob a forma de uma contraproposta.12

Acerca do tema, Cláudia Lima Marques (2004, p. 92) discorre:

Efetivamente, o meio eletrônico permite que os negócios sejam feitos sem presença física simultânea, mas com vontades confirmatórias simultâneas, em uma ubiquidade (estar em dois lugares ao mesmo tempo) virtual que supera os limites da distância territorial. Por outro lado, a velocidade é uma das características desse meio de comunicação e das esparsas tratativas do comércio eletrônico. Basta um click, basta menos de um segundo, basta abrir uma janela e o contrato eletrônico já está concluído.13

Nesse contexto, Marisa Delapieve Rossi (1999, p. 105)14, Erica Brandini

Barbagalo (2001, p. 48-58)15 e César Viterbo Matos Santolim (1995, p. 24-26)16

classificam os contratos eletrônicos, quanto ao modo em que são formados,

dividindo-os em: Intersistêmicos, Interpessoais e Interativos.

O contrato eletrônico intersistêmico é aquele que, em realidade, o contrato foi

celebrado por meios tradicionais, funcionando o computador, apenas para

transmissão de vontades previamente aperfeiçoadas.

Já o chamado contrato eletrônico interpessoal, é aquele em que o computador

interfere diretamente na formação da vontade das partes, transformando-se, assim,

no local de encontro das vontades aperfeiçoadas, podendo ser chamado de

simultâneo, posto que, celebrado em tempo real, já que ambas as partes estão

conectadas à rede no momento da declaração de vontade (exemplo: chat e vídeo

12 WIELEWICKI, Luís. Contratos e Internet: contornos de uma breve análise, in Comércio eletrônico , diversos autores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 206-207. 13 MARQUES, Cláudia Lima. Op. Cit., 2004, p. 92. 14 ROSSI, Marisa Delapieve. Aspectos Legais do Comércio Eletrônico: contratos de adesão. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE PROPRIEDADE INTELECTUAL DA ABPI. Anais do XIX. 1999, São Paulo, p. 105. 15 BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos: contratos formados por meio de redes de computadores (peculiaridades jurídicas da formação do vínculo). São Paulo: Saraiva, 2001, p. 48-58. 16 SANTOLIM, César Viterbo Matos. Formação e Eficácia Probatória dos Contratos por Computador. São Paulo: Saraiva: 1995, p. 24-26.

18

conferência) ou não simultâneo, quando existir um lapso temporal entre a declaração

e a recepção da manifestação de vontade (exemplo: e-mail).

Dentre as espécies de contrato eletrônico, no que tange a classificação quanto

à formação, o contrato eletrônico interativo é a mais utilizada na atualidade. Assim

como o contrato interpessoal, este também age diretamente na formação da vontade

das partes e consiste numa relação de consumo entre o consumidor e um sistema

eletrônico programado, ou seja, os contratos são realizados através de websites,

onde o fornecedor oferece seus produtos e serviços disponibilizando-os a qualquer

consumidor interessado.

19

CAPÍTULO II

O DIREITO DE ARREPENDIMENTO NA LEI 8.078/90

2.1 Origem

A modalidade de venda fora do estabelecimento comercial do fornecedor, que

foi pioneira, em todo o mundo, dando origem ao direito de arrependimento previsto

no Código de Defesa do Consumidor, foi a chamada venda de porta em

porta,17merecendo especial atenção na proteção dos direitos do consumidor, por não

dispor de informações precisas, transparentes e técnicas sobre o produto adquirido.18

Sobre o tema, destaca Cláudia Lima Marques (2004, p. 600):

[...] a venda de porta em porta (door-to-door) ou venda a domicílio (vente à domicile) é uma técnica comercial de vendas fora do estabelecimento comercial, amplamente difundida nas sociedades de consumo, pelas benesses que traz ao fornecedor (investimento reduzido, ausência de vínculo empregatício com os vendedores, baixos riscos de reclamação ou devolução do produto), mas que coloca o consumidor em situação de evidente vulnerabilidade (pouco tempo para decidir, impossibilidade de comparar o produto com outros, dependência total das informações prestadas pelo vendedor ou pelo catálogo etc).19

Em momento seguinte, surgiram as vendas através de telemarketing, ou seja,

o marketing realizado por intermédio do telefone, sendo o consumidor, surpreendido

com tal abordagem, encontrando-se, na grande maioria das vezes, vulnerável e

exposto a práticas abusivas de fornecedores, ganhando, assim, mais força a

proteção do consumidor através do exercício do direito de arrependimento. 17 NOGUEIRA, Bruno dos Santos Caruta, 2015. 18 SILVA, Michael César; SANTOS, Wellington Fonseca dos. O Direito do Consumidor nas Relações de Consumo Virtuais. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitár io Newton Paiva, Belo Horizonte, n. 21, p. 48, 2013. 19 BENJAMIM, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004, p. 600.

20

O Código Civil de 1916 já previa o direito de arrependimento, só que bem

diferente do Código de Defesa do Consumidor, daí porque surgiu a necessidade de o

direito de arrependimento ser regulado de forma a proteger mais o consumidor.

Neste sentido Antônio Herman Benjamin (2004, p. 600) afirma:

O consumidor perturbado em sua casa ou no local de trabalho não tem o necessário tempo para refletir se deseja realmente obrigar-se, se as condições oferecidas lhe são realmente favoráveis; não tem o consumidor a chance de comparar o produto e a oferta com outras do mercado, nem de examinar com cuidado o bem que está adquirindo.20

Segundo Cláudia Lima Marques o direito de arrependimento pode ser

entendido como um ‘prazo de reflexão obrigatório’, que tem como objetivo resguardar

o consumidor das técnicas agressivas de marketing impostas pelos fornecedores.21

Neste sentido, menciona Nelson Nery Júnior (2007, p. 430), autor do

anteprojeto do CDC, que o direito de arrependimento “seria uma faculdade unilateral

do consumidor de resolver o contrato no prazo legal de reflexão, sem ter de arcar

com os ônus contratuais normais da resolução por inadimplemento”.22

2.2 Conceito

Maria Teresa Álvares Moreno (2010, p. 77) assim conceitua o direito de

arrependimento:

[...] uma faculdade unilateral e discricionária, de livre exercício, que permite a uma das partes, o comprador, desligar-se de um contrato válido e perfeito, em vias de execução, por sua mera vontade e sem necessidade que concorra causa alguma.23

20 Ibidem. 21 MARQUES, Cláudia Lima. Op. Cit., 2011, p. 113. 22 NERY JÚNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Revista atualizada, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 430. 23 MORENO, Maria Teresa Álvares. Apud. GOMIDE, Alexandre Junqueira. Direito de Arrependimento nos Contratos. Tese de Mestrado, Ciências Jurídicas, Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa. 2010, p. 77.

21

Como bem leciona João Batista de Almeida (2009, p. 120), imperioso destacar

que, a matéria, no campo específico do direito do consumidor, recebeu tratamento

distinto, em consonância com a natureza especial do sujeito tutelado por esse ramo

jurídico, senão vejamos:

[...] para os fornecimentos feitos no estabelecimento comercial, em presença do consumidor ou seu representante, em prévio conhecimento dos termos contratuais e mediante suficiente reflexão, vigora o princípio pacta sunt servanda, ou seja, o consumidor deverá cumprir o que contratou, sujeitando-se às consequências do inadimplemento.

Diferente é o tratamento no caso de essa contratação do fornecimento de produto ou serviço ocorrer fora do estabelecimento comercial, via de regra por reembolso postal, telefone ou em domicílio. Nessa hipótese, presumindo que o consumidor não teve condições de examinar de visu o produto ou serviço, ou que, pelas circunstâncias, não refletiu o bastante sobre a aquisição que fazia, o legislador deferiu-lhe o direito de arrependimento, ou seja, de desistir do contrato [...].24

Nelson Nery Junior (2011, p. 562) afirma que:

O direito de arrependimento existe per se, sem que seja necessária qualquer justificativa do porquê da atitude do consumidor. Basta que o contrato de consumo tenha sido concluído fora do estabelecimento comercial para que incida, plenamente, o direito de o consumidor arrepender-se.25

2.3 Natureza Jurídica

Segundo Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 135) 26, trata-se, o direito de

arrependimento, de “um direito potestativo do consumidor, que pode ser manifestado

sem qualquer justificativa, ao qual o fornecedor está submisso”, uma vez que, no

período do prazo de reflexão, até o momento do exercício do direito de

24 ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 120. 25 NERY JÚNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do anteprojeto. 10. Ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. 1, p. 562. 26 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, 135.

22

arrependimento, há uma compra e venda perfeita e acabada, ou seja, um contrato

consumado, com produção de todos seus efeitos, existindo, portanto, um direito

unilateral do consumidor de desfazer o negócio, no prazo de 07 (sete) dias, tal como

uma cláusula resolutiva prevista na lei consumerista.

Assim, conclui, o renomado jurista, que a natureza jurídica do direito de

arrependimento é a de um ‘direito formativo extintivo’, o qual se traduz num direito

potestativo, correspondente a um estado de sujeição que o seu exercício cria para a

outra parte, independentemente de sua vontade. Como bem destaca Rizzato Nunes

(2006, p. 612)27, no íntimo, o consumidor terá suas razões para desistir, mas elas

não precisam ser anunciadas.

2.4 Previsão Legal Expressa no Artigo 49, da Lei Nº 8.078/90

O direito de arrependimento encontra-se previsto no Art. 49, da lei 8.078/90, in

verbis:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.28

Conforme se verifica, estabelece o referido diploma legal, que, para as

compras realizadas fora do estabelecimento comercial do fornecedor, cabe o direito

de arrependimento do consumidor, visto que, nessas compras o consumidor se

encontra em posição vulnerável por nem sempre ter contato direto com o produto.

27 NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 612. 28 CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. 25. Ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 55.

23

Ressalte-se ainda que, como bem esclarecem os ilustres doutrinadores Luis

Antônio Rizzatto Nunes29 e Nelson Nery Júnior30, as hipóteses para o exercício do

direito de arrependimento não se limitem ao fornecimento de produtos e serviços via

telefone e domicílio, o que se denota pelo uso do advérbio ‘especialmente’, sendo tal

direito, portanto, vislumbrado em diversas outras oportunidades onde a contratação

ocorra fora do estabelecimento comercial.

Acerca do tema, com propriedade, discorre Nelson Nery Júnior (2007, p. 492):

[...] quando o espírito do consumidor não está preparado para uma abordagem mais agressiva, derivada de práticas e técnicas de vendas mais incisivas, não terá discernimento suficiente para contratar ou deixar de contratar, dependendo do poder de convencimento empregado nessas praticas mais agressivas. Para essa situação é que o Código prevê o direito de arrependimento.

Além da sujeição do consumidor a essas práticas comerciais agressivas, fica ele vulnerável também ao desconhecimento do produto ou serviço, quando a venda é feita por catálogo, por exemplo. Não tem oportunidade de examinar o produto ou serviço, verificando suas qualidades e defeitos [...].31

Neste raciocínio, assim dispõe a brilhante professora Cláudia Lima Marques

(2011, p. 872-873):

[...] podemos interpretar o art. 49 do CDC como simplesmente instituindo, no direito brasileiro, uma nova causa de resolução do contrato. Seria uma faculdade unilateral do consumidor de resolver o contrato no prazo legal de reflexão, sem ter de arcar com os ônus contratuais normais da resolução por inadimplemento (perdas e danos etc.). O contrato firmado em domicílio seria um contrato, por lei, resolúvel [...]. A resolução opera, então, de pleno direito, não necessitando a manifestação do Judiciário, bastando a simples manifestação de vontade do consumidor de desistir do contrato. Resolver-se-ia o contrato

29 NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 700. 30 NERY JÚNIOR, Nelson. Op. Cit., 2007, p. 492. 31 Ibidem.

24

por atuação desta cláusula resolutiva tácita, presente em todas as vendas em domicílio, liberando os contraentes, sem apagar todos os efeitos produzidos com o contrato, mas operando retroativamente para restabelecer o status quo ante. Esta última hipótese parece aproximar-se mais do sistema criado pelo CDC.32

Assim, como pôde se depreender, o direito de arrependimento visa proteger o

consumidor (vulnerável na relação), das técnicas de ‘marketing agressivo’

empreendidas pelos fornecedores no momento da aquisição de produtos e serviços

realizada fora do estabelecimento comercial, ou ainda, quando não lhe for

oportunizado, previamente, contato com o produto ou serviço (desde que não ocorra

violação ao princípio da boa-fé objetiva), salvaguardando-o ao direito de desistir do

negócio, sem qualquer ônus, pelo prazo de 7 (sete) dias, equilibrando, assim, as

relações consumeristas.

2.5 Abrangência da Norma

Como verificamos através da presente pesquisa, à época da elaboração da

Lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), as vendas a domicílio e

via telefone eram muito praticadas, razão pela qual, foram à época, objeto de

atenção especial do legislador. Já o comércio eletrônico somente surgiu no Brasil a

partir dos anos 90, não tendo, consequentemente, sido analisado pelos autores da

referida lei.

Diante de tal constatação, e, considerando, ainda, como vimos, a

interpretação extensiva do Art. 49, da Lei 8.078/90, que, indiscutivelmente, deixa

espaço para ampliação da norma, pode-se concluir que o direito de arrependimento

previsto no referido diploma legal, é aplicável ao comércio eletrônico, todavia, houve

sérias controvérsias doutrinárias acerca da abrangência da norma relativas às

relações de consumo estabelecidas no ambiente virtual.

32 MARQUES, Cláudia Lima. Op. Cit., 2011, p. 872-873.

25

Isto porque, o legislador pátrio não alterou o Art. 49, da Lei 8.078/90, a fim de

contemplar, expressamente, as transações realizadas pela internet, sendo

necessário, deste modo, valer-se de uma interpretação analógica, que, em vista

disso, não é consensual, senão vejamos:

Atualmente, Fábio Ulhôa Coelho (2006, p. 47), que sempre foi adepto da

interpretação restritiva do artigo em destaque, tem se posicionado de forma mais

flexível em relação ao tema, condicionando a aplicação do Art. 49, da Lei 8.078/90

ao preenchimento de determinados requisitos, no caso em concreto:

[...] de um modo geral, o art. 49 do CDC pode ser aplicado ao comércio eletrônico sempre que houver menos informações sobre o produto ou serviço a adquirir nesse canal de venda do que no comércio físico. Quer dizer, não há direito de arrependimento se o consumidor puder ter, por meio da internet, rigorosamente as mesmas informações sobre o produto ou serviço que teria se o ato de consumo fosse praticado no ambiente físico e não no virtual. Quer dizer, se o site permite ao consumidor ouvir as faixas do CD e apresenta todas as informações constante da capa e contracapa (isto é, franquia rigorosamente tudo a que teria acesso o mesmo consumidor se estivesse examinando o produto numa loja física), então não há razões para reconhecer o direito de arrependimento. Por outro lado, por mais informações que preste o site, o usuário da internet não tem como abrir a porta da geladeira ou “sentir” o tamanho do aparelho televisor. Nesse caso, se o contato físico com o produto, quando da entrega, desperta o sentimento de arrependimento do ato de compra, deve ser reconhecido o direito do consumidor ao desfazimento do contrato.33

Já a professora Cláudia Lima Marques (2004, p. 71-72), ferrenha defensora da

corrente ampliativa (prevalente na doutrina e jurisprudência), segundo a qual, o

comércio virtual encaixa-se perfeitamente ao espírito da norma aberta insculpida no

Art. 49, da Lei 8.078/90, argumenta, com base na vulnerabilidade do consumidor:

33 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 6. Ed. Volume III. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 47.

26

A importante pergunta que se coloca é se este meio eletrônico realmente aumentou o poder decisório do consumidor/cibernauta. A resposta é novamente pós-moderna, dúbia, porque a Internet traz uma aparência de liberdade, com o fim das discriminações que conhecemos (de cor, sexo, religião etc.) e o fim dos limites do mundo real (fronteiras, línguas diferentes, riscos de viagens etc.), mas a vulnerabilidade do consumidor aumenta. Como usuário da net, sua capacidade de controle fica diminuída, é guiado por links e conexões, em transações ambiguamente coordenadas, recebe as informações que desejam lhe fornecer, tem poucas possibilidades de identificar simulações e ‘jogos’, de proteger sua privacidade e autoria, de impor sua linguagem. Se tem uma ampla capacidade de escolher, sua informação é reduzida (extremo déficit informacional), a complexidade das transações aumenta, sua privacidade diminui, sua segurança e confiança parece desintegrarem-se em uma ambiguidade básica: pseudo-soberania do indivíduo/sofisticação do controle!.34

34 MARQUES, Cláudia Lima. Op. Cit., 2004, p. 71-72.

27

CAPÍTULO III

DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO

3.1 Decreto Nº 7.962, de 15 de Março de 2013

Não obstante o exposto nos capítulos anteriores, muitas dúvidas permanecem

com relação à interpretação e abrangência da lei quando se trata de comércio

eletrônico, razão pela qual, têm se buscado, há alguns anos, uma reforma que torne

a lei mais atual e eficiente.

À vista disso, recentemente, o poder executivo decidiu fortalecer o

ordenamento jurídico, regulamentando, secundariamente, o Código de Proteção e

Defesa do Consumidor, em alguns pontos voltados ao comércio eletrônico, através

da edição, e consequente promulgação, do Decreto nº 7.962/13.35

35 Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, abrangendo os seguintes aspectos: I - informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor; II - atendimento facilitado ao consumidor; e III - respeito ao direito de arrependimento. Art. 2º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações: I - nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda; II - endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato; III - características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores; IV - discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros; V - condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e VI - informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta. Art. 3º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para ofertas de compras coletivas ou modalidades análogas de contratação deverão conter, além das informações previstas no art. 2º, as seguintes: I - quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato; II - prazo para utilização da oferta pelo consumidor; e III - identificação do fornecedor responsável pelo sítio eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado, nos termos dos incisos I e II do art. 2º. Art. 4º Para garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico, o fornecedor deverá: I - apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos; II - fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da

28

O inciso III, do Art. 1º, do referido Decreto, assim determina:

Art. 1º. Este Decreto regulamenta a Lei n.º 8.078 d e 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação n o comércio eletrônico, abrangendo os seguintes aspect os:

[...] III - respeito ao direito de arrependimento (grifos nossos)

Neste sentido, objeto de análise para o estudo em questão, é a regra

insculpida no Art. 5º, do Decreto 7.962/13, que contempla o direito de

arrependimento do consumidor, consagrado no Art. 49, da Lei 8.078/90, a fim de

extirpar dúvidas relativas ao seu exercício no âmbito do comércio eletrônico, senão

vejamos:

Art. 5º. O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.

contratação; III - confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta; IV - disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação; V - manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato; VI - confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor referidas no inciso, pelo mesmo meio empregado pelo consumidor; e VII - utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor. Parágrafo único . A manifestação do fornecedor às demandas previstas no inciso V do caput será encaminhada em até cinco dias ao consumidor. Art. 5º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor. §1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados. §2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor. §3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que: I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou II - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado. §4º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento. Art. 6º As contratações no comércio eletrônico deverão observar o cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produtos e serviços contratados, observados prazos, quantidade, qualidade e adequação. Art. 7º A inobservância das condutas descritas neste Decreto ensejará aplicação das sanções previstas no art. 56 da Lei no 8.078, de 1990. Art. 8º O Decreto no 5.903, de 20 de setembro de 2006, passa a vigorar com as seguintes alterações: Parágrafo único . O disposto nos arts. 2º, 3º e 9º deste Decreto aplica-se às contratações no comércio eletrônico. Art. 9º Este Decreto entra em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.

29

§1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados. §2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor. §3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que: I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou II - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado. §4º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento

Consoante a leitura do caput do referido dispositivo legal, denota-se que é

dever do fornecedor de produtos e serviços prestar informações claras sobre os

meios disponíveis para o exercício do direito de arrependimento, que, conforme

prevê o §1º do diploma legal em questão, podem, ou não, ser os mesmos utilizados

para a contratação, sem custos ao comprador, justamente para que se obtenha uma

proteção mais eficaz do consumidor, e consequentemente, um maior equilíbrio das

relações consumeristas.

Outra disposição importante é a trazida no §2º, que determina que a rescisão

do contrato principal, por meio do exercício do direito de arrependimento, implica a

rescisão dos contratos acessórios, sem que isso gere qualquer ônus ao consumidor,

ou seja, através de um único ato, gera-se, não apenas a rescisão contratual relativa

à aquisição do produto e/ou serviço, mas, também, a rescisão com a operadora do

cartão de crédito, por exemplo.

E como bem expõe o professor Guilherme Magalhães Martins (2014, p. 255-

287) “a previsão do dispositivo é ampla, abrangendo não apenas os contratos de

30

crédito, mas também de seguro, transporte ou quaisquer outros ligados à causa do

negócio objeto de direito de arrependimento”.36

Insta salientar que, a referida previsão legal, contida no §2º acima citado, que

reconhece a conexidade no contrato de consumo37, já era entendimento

jurisprudencial do STJ, no julgamento do Recurso Especial (RESP) nº 930.351/SP, in

verbis:

RECURSO ESPECIAL Nº 930.351 - SP (2007/0045219-3) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE: WALFLAN SOUZA ADVOGADO: GUSTAVO BEZERRA TENÓRIO E OUTRO(S) RECORRIDO: BANCO ABN AMRO REAL S/A ADVOGADO: LAÉRCIO FERREIRA LIMA E OUTRO(S)

EMENTA Consumidor. Recurso Especial. Ação de busca e apreensão. Aplicação do CDC às instituições financeiras. Súmula 297/STJ. Contrato celebrado fora do estabelecimento comercia l. Direito de arrependimento manifestado no sexto dia após a assinatura do contrato. Prazo legal de sete dias. A rt. 49 do CDC. Ação de busca e apreensão baseada em contrato resolvido por cláusula de arrependimento. Improcedência do pedido. - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Súmula 297/STJ. - Em ação de busca e apreensão, é possível discutir a resolução do contrato de financiamento, garantido por alienação fiduciária, quando incide a cláusula tácita do direito de arrependimento, prevista no art. 49 do CDC, porque esta objetiva restabelecer os contraentes ao estado ante rior à celebração do contrato. - É facultado ao consumidor desistir do contrato de financiamento, no prazo de 7 (sete) dias, a contar da sua assinatura, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, nos termos do art. 49 do CDC.

36 MARTINS, Guilherme Magalhães. A Atualização do Código de Defesa do Consumidor e a Regulamentação do Comércio Eletrônico: avanços e perspectivas. Revista de Direito do Consumidor , Rio de Janeiro, Vol. 95/2014. Set-Out/2014, p. 255-287, 2014. 37 MIRAGEM, Bruno. Aspectos Característicos da Disciplina do Comércio Eletrônico de Consumo: comentários ao Dec. 7.962, de 15.03.2013. Revista de Direito do Consumidor , Rio de Janeiro, Vol. 86/2013. Mar-Abr/2013, p. 287-299, 2013.

31

- Após a notificação da instituição financeira, a c láusula de arrependimento, implícita no contrato de financiame nto, deve ser interpretada como causa de resolução tácit a do contrato, com a consequência de restabelecer as par tes ao estado anterior. - O pedido da ação de busca e apreensão deve ser julgado improcedente, quando se basear em contrato de financiamento resolvido por cláusula de arrependimento. Recurso especial conhecido e provido. [...]

Ademais, não merece prosperar a argumentação do recorrido de que não é possível o exercício do dire ito de arrependimento, porque o valor referente ao contrat o de empréstimo foi repassado para a concessionária de veículos antes da manifestação do recorrente. Com e feito, o consumidor, ao exercer o direito de arrependiment o, agiu em exercício regular de direito, amparado pelo art. 49 do CDC. Nesse sentido, acrescenta Cláudia Lima Marques que “A resolução opera, então, de pleno direito, não necessitando a manifestação do Judiciário, bastando a simples manifestação de vontade do consumidor de desistir do contrato” (p. 842). O eventual arrogo n a posse do valor referente ao contrato de empréstimo pela concessionária de veículos, não pode ser imputado n em exigido do recorrente, uma vez que o contrato de co mpra e venda, celebrado entre ele e a concessionária, não se perfectibilizou; aliás, neste julgamento o recorren te sequer foi emitido na posse do bem. Nos termos do art. 2º do DL 911/69, a ação de busca e apreensão é fundamentada “no caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais”. Todavia, no presente processo, ocorre u a resolução do contrato, pelo exercício do direito de arrependimento, e não houve formação nem ajuste de obrigações contratuais, motivo qual pelo deve ser j ulgado improcedente o pedido da ação de busca e apreensão [...]38 (grifos nossos)

Certo é que, buscando o legislador conferir uma maior efetividade ao direito de

arrependimento, na hipótese em questão, a responsabilidade pela comunicação

imediata do exercício de tal direito, e consequente rescisão contratual, à instituição

38 STJ, RESP Nº 930.351/SP, julgado em 27/10/2009, voto unânime, relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJE: 16/11/2009.

32

financeira ou administradora do cartão de crédito, é exclusiva do fornecedor,

consoante determinação expressa contida no §3º, do Art. 5º, do Decreto em questão.

Por fim, o §4º, do Decreto em destaque, impõe ao fornecedor o dever de

remeter ao consumidor uma confirmação de recebimento da sua manifestação de

vontade, relativa ao direito de arrependimento, visando garantir e demonstrar, de

forma cabal, que o consumidor exerceu o seu direito de arrependimento dentro do

prazo de reflexão previsto no Art. 49, da Lei 8.078/90.

3.2 Do Projeto de Lei do Senado Federal Nº 281, de 2012, no que

tange ao Exercício do Direito de Arrependimento

Ressalte-se que, a discussão sobre a inclusão da realidade do comércio

eletrônico na legislação consumerista avançou, no Poder Legislativo, através do

Senado Federal, no ano de 2010, com a constituição da comissão de juristas,

incumbida da criação de uma espécie de esboço para o desenvolvimento de um

projeto de lei com a finalidade de atualizar, e adequar, a lei 8.078/90, ao atual

cenário evolutivo das relações de consumo.39

Assim, nasceu o Projeto de Lei nº 281/2012, do Senado Federal, que, dentre

os temas centrais, aborda o comércio eletrônico e seus desdobramentos, sob a

seguinte ementa: “Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 ( Código de

Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar as disposições gerais do Capítulo I do

Título I e dispor sobre o comércio eletrônico e o Art. 9º do Decreto-Lei nº 4.657,

de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), para

aperfeiçoar a disciplina dos contratos internacionais comerciais e de consumo e

dispor sobre as obrigações extracontratuais”.40

Dentre suas previsões, o mesmo altera o Art. 49, da Lei 8.078/90, estendendo

e abrangendo sua redação e interpretação, in verbis:

39 MIGALHAS. Projetos de atualização do CDC começam a tramitar n o Senado , 2015. 40 FEDERAL. Senado. Portal Atividade Legislativa: projetos e matérias legislativas, p. 11-12, 2015.

33

Art. 49. O consumidor pode desistir da contratação a distância, no prazo de sete dias a contar da aceita ção da oferta, do recebimento ou da disponibilidade do pro duto ou serviço, o que ocorrer por último. § 1º ................................................................................. § 2º Por contratação a distância entende-se aquela efetivada fora do estabelecimento, ou sem a presença física simultânea do consumidor e fornecedor, especialmente em domicílio, por telefone, reembolso postal, por meio eletrônico ou similar. § 3º Equipara-se à modalidade de contratação prevista no § 2º deste artigo aquela em que, embora realizada no estabelecimento, o consumidor não teve a prévia oportunidade de conhecer o produto ou serviço, por não se encontrar em exposição ou pela impossibilidade ou dificuldade de acesso a seu conteúdo. § 4º A desistência formalizada dentro do prazo prev isto no caput implica na devolução do produto com todos os acessórios recebidos pelo consumidor e nota fiscal. § 5º Caso o consumidor exerça o direito de arrependimento, os contratos acessórios de crédito são automaticamente rescindidos, devendo ser devolvido ao fornecedor do crédito acessório o valor que lhe foi entregue diretamente, acrescido de eventuais juros incidentes até a data da efetiva devolução e tribut os. § 6º Sem prejuízo da iniciativa do consumidor, o fo rnecedor deve comunicar de modo imediato a manifestação do exercício de arrependimento à instituição financeir a ou à administradora do cartão de crédito ou similar, a fim de que: I – a transação não seja lançada na fatura do consumidor; II – seja efetivado o estorno do valor, caso a fatura já tenha sido emitida no momento da comunicação; III – caso o preço já tenha sido total ou parcialmente pago, seja lançado o crédito do respectivo valor na fatura a ser emitida posteriormente à comunicação. § 7º Se o fornecedor de produtos ou serviços descum prir o disposto no § 1º ou no § 6º, o valor pago será devo lvido em dobro. § 8º O fornecedor deve informar, de forma prévia, c lara e ostensiva, os meios adequados, facilitados e eficaz es disponíveis para o exercício do direito de arrepend imento do consumidor, que devem contemplar, ao menos, o mesmo modo utilizado para a contratação.

34

§ 9º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirm ação individualizada e imediata do recebimento da manife stação de arrependimento. (NR)41

Insta ressaltar que, o Projeto de Lei em questão, acabou servindo de

inspiração para o Decreto Lei 7.962/13, não obstante ser anterior a este último.

Entretanto, certo é que, embora o Decreto em questão tenha reproduzido grande

parte do texto do PLS 281/2012, ainda em tramitação legislativa e pendência de

aprovação, sua promulgação favoreceu para confirmar a necessidade e conveniência

das regras previstas no PLS 281/2012, servindo de estímulo à atuação do Congresso

Nacional para sua breve aprovação e consequente integração ao Código de

Proteção e Defesa do Consumidor.42

Inclusive, interessante destacar a proposta apresentada no § 7º do Projeto de

Lei em questão, que, de forma semelhante ao que já ocorre nos casos de cobrança

indevida, consoante Art. 42, parágrafo único da Lei 8.078/90 (Código de Proteção e

Defesa do Consumidor), determina a devolução em dobro do valor pago, caso o

fornecedor não restitua o valor ao consumidor, ou falhe em comunicar à

administradora do cartão ou instituição financeira.

Imperioso, ainda, destacar que o Projeto de Lei 281/2012 inova ao fazer valer,

de forma indubitável, o exercício ao direito de arrependimento em compras

realizadas dentro do estabelecimento comercial, desde que, não oportunizado ao

consumidor conhecer do produto ou serviço previamente, nos moldes do que dispõe

a proposta de alteração legislativa ao § 3º, do Art. 49 acima citado.

Neste passo, o referido Projeto de Lei, ousa, também, ao criar o Art. 49-A,

relativizando o prazo para o exercício do direito de arrependimento nos contratos de

aquisição de passagens aéreas, nos seguintes termos:

41 Idem, p. 18-19. 42 MIRAGEM, Bruno. Op. Cit. Mar-Abr/2013, p. 287-299.

35

Art. 49-A. Sem prejuízo do direito de rescisão do contrato de transporte aéreo antes de iniciada a viagem (art. 740, § 3º do Código Civil), o exercício do direito de arrependimento do consumidor de passagens aéreas poderá ter seu prazo diferenciado, em virtude das peculiaridades do contrato, por norma fundamentada das agências reguladoras. Parágrafo único. A regulamentação prevista no caput deverá ser realizada no prazo máximo de cento e oitenta dias após a entrada em vigor desta Lei. (NR)43

Oportuno informar que, tal dispositivo, que menciona que o prazo de reflexão,

neste tipo de contrato, será fixado por regulamento específico, não fazia parte do

texto original, sendo adicionado ao projeto através de emenda parlamentar.

No entanto, segundo o professor Guilherme Magalhães Martins (2014 p. 255-

287), a criação do dispositivo em destaque traduziria, não apenas um retrocesso em

relação à Lei 8.078/90, mas, sobretudo, uma inconstitucionalidade, pautando, tal

posicionamento, na natureza principiológica do Código de Proteção e Defesa do

Consumidor, argumentando sob a seguinte ótica:

Tendo em vista a principiologia constitucional do Direito do Consumidor, consagrado como direito fundamental (art. 5º, XXXII) e princípio geral da ordem econômica pela Constituição da República (art. 170, V), tal norma, caso sancionada, afigura-se materialmente inconstitucional, por atentar contra o princípio da dignidade da pessoa humana, não se justificando um tratamento diferenciado nos contratos de transporte aéreo, mediante regulamento.44

Inclusive, a alteração do prazo de reflexão prevista no dispositivo em questão,

vai, a contrário sensu, de encontro ao entendimento da própria Comissão de Juristas

aplicada em momento anterior, eis que, a emenda nº 20, de criação do senador

Rodrigo Rollemberg, que visava alargar o prazo de reflexão previsto no caput do Art.

49, da Lei 8.078/90 - pela experiência de ordenamentos jurídicos de outros países,

permitindo ao consumidor, como na tradição dos direitos norteamericanos, tenha 2

43 Ibidem, p. 19-20. 44 MARTINS, Guilherme Magalhães. Op Cit. Set-Out/2014, p. 255-287.

36

(dois) finais de semana para refletir (cooling off period) -, foi acolhido, e,

posteriormente, rejeitado, sendo mantida a alteração original, sob o seguinte

argumento: “o prazo atual previsto no Código de Proteção e Defesa do Consumidor,

de 7 (sete) dias, tem se mostrado plenamente suficiente e adequado para o

consumidor brasileiro averiguar se o produto ou serviço contratado corresponde à

oferta”.45

Outra emenda ao projeto em questão, que se faz pertinente mencionar é a de

nº 25, de autoria do senador Antônio Carlos Rodrigues, a qual propunha uma

exceção ao exercício do direito de arrependimento quando os produtos e serviços

adquiridos fossem, exclusivamente, digitais. Entretanto, considerando o grau de

importância atual destes produtos no comércio eletrônico brasileiro, a referida

emenda foi rejeitada, deixando a cargo da jurisprudência e das práticas comerciais, a

adaptação desse direito de arrependimento à realidade brasileira.

Por fim, oportuno informar que, no projeto original, a alteração do § 9º, do Art.

49, da Lei 8.078/90, fazia referência à aplicação de multa civil, por parte do Poder

Judiciário, e indenização por danos patrimoniais e morais, no caso de o fornecedor

descumprir os deveres previstos no referido dispositivo, bem como aqueles

constantes da Seção VII do Capítulo V do Título I da Lei.

Ocorre que, não obstante a alteração do seu conteúdo, tal direito permanece

resguardado ao consumidor, eis que, o texto em destaque não foi suprimido do

projeto, e sim, transformado em dispositivo autônomo, justamente, para que a multa

civil - importante instrumento para a prevenção de práticas abusivas contra os

direitos dos consumidores - tivesse possibilidade de aplicação expressa a todo o

Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ao invés de limitar-se ao comércio

eletrônico e ao direito de arrependimento, sendo certo, que foi sugerida sua alteração

apenas em observância à correta técnica legislativa.

45 FEDERAL. Senado, 2015.

37

Assim, segundo o PLS 281/2013, o Art. 60-A, da Lei 8.078/90, passaria a ter a

seguinte redação, in verbis:

Art. 60-A. O descumprimento reiterado dos deveres do fornecedor previstos nesta lei poderá ensejar na aplicação pelo Poder Judiciário de multa civil em valor adequado à gravidade da conduta e suficiente para inibir novas violações, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis e da indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ocasionados aos consumidores46

3.3 Compras de Produtos Digitais: Aplicabilidade do Direito de

Arrependimento?

Não obstante as inovadoras alterações legislativas no que diz respeito ao

direito de arrependimento e ao comércio eletrônico, surge uma nova problemática

relacionada ao tema, no que tange aos produtos e serviços chamados digitais ou

imateriais, eis que, não há nenhuma regulamentação específica sobre os bens em

questão, quais sejam, filmes, músicas, livros eletrônicos (e-books), aplicativos e

outros conteúdos digitais adquiridos pela internet e transmitidos pela própria rede

mundial de computadores.

Segundo Newton de Lucca (2011 p. 110)47, tão logo realizada a transferência

de tais produtos por meio da internet (download), os mesmos se incorporam ao

patrimônio do consumidor, não sendo, portanto, passíveis de restituição ao

fornecedor, podendo, inclusive, ser copiados e replicados infinitamente através de

mídias digitais, ou, ainda, transferidos por correio eletrônico, gerando,

consequentemente, um enriquecimento ilícito do consumidor que exerce o direito de

arrependimento, rescindindo o contrato.

46 FEDERAL. Senado. 2015. 47 LUCCA, Newton de. Aspectos jurídicos da contratação informática e tel emática. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 110.

38

Neste sentido, pressupondo má fé do consumidor ao se utilizar, nestes casos,

do direito potestativo previsto no Art. 49, da Lei 8.078/90, Ricardo Luís Lorenzetti

(2004 p. 402) ressalta a necessidade de imposição de limites ao exercício de tal

direito, afirmando que “[...] o direito de arrependimento deve ser considerado

antifuncional nos casos de venda de bens digitais, por esta razão, nestes casos a

sua invocação deverá ser considerada abusiva [...]”.48

Ressalte-se que, ao encontro deste entendimento, foi proposta à emenda nº

25, de autoria do senador Antônio Carlos Rodrigues, ao PLS nº 281/2012 (já

mencionada no presente estudo), visando acrescentar um parágrafo ao Art. 49, da

Lei 8.078/90, dispondo sobre a inaplicabilidade do prazo de reflexão nas

contratações com conteúdo exclusivamente digital, contudo, a comissão de juristas

responsável pelo referido projeto rejeitou a emenda em questão, alegando baixo grau

de importância do comércio eletrônico destes bens no Brasil.

Ademais, saliente-se que, o acolhimento de uma emenda desta espécie,

admitiria, automaticamente, o estreitamento de um direito consumerista, o que,

segundo a professora Cláudia Lima Marques e Antônio Herman Benjamin (2014 p.

303), ministro do STJ, seria uma afronta ao princípio da vedação do retrocesso, haja

vista que, por ser a Lei 8.078/90 um reflexo da proteção constitucional do

consumidor, só pode admitir avanços no que diz respeito aos direitos conferidos ao

consumidor.49

Outrossim, existe, atualmente, no âmbito da informática, alguns mecanismos

de proteção de arquivos digitais, resguardando o direito autoral, permitindo, assim,

48 LORENZETTI, Ricardo Luís. Apud. MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 402. 49 BENJAMIM, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima. Extrato do relatório geral da comissão de juristas do senado federal para atualiz ação do código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista Direito do Consumidor. Vol. 92/2014. 14 de março de 2014, p. 303.

39

não apenas ao autor, mas, ao fornecedor dos produtos e serviços, uma maior

segurança contra a utilização não autorizada do seu conteúdo.50

3.4 Posicionamento Jurisprudencial/Decisões dos Tri bunais

Consoante exposto no presente estudo, não obstante as recentes alterações e

propostas legislativas sobre o exercício do direito de arrependimento no âmbito do

comércio eletrônico, algumas particularidades sobre o tema ainda serão, por alguns

anos, objeto de discussão na doutrina e jurisprudência, haja vista as falhas na

legislação e a crescente, e rápida, evolução do comércio eletrônico no Brasil.

Assim, como a finalidade da Lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do

Consumidor) é equilibrar as relações entre fornecedor e consumidor, com o passar

do tempo, ela ainda passará por inúmeras mudanças, através da doutrina e

jurisprudência, para adaptar-se à realidade consumerista.

Corroborando tais afirmativas, segue abaixo julgados recentes onde se analisa

a possibilidade, ou não, de aplicação do Art. 49, da Lei 8.078/90 ao caso concreto.

O primeiro, embora não seja tema de grande polêmica, trata-se de demanda,

nos autos do processo de nº 0031108-58.2012.8.07.0001, que versa sobre a

aplicação do prazo de reflexão em contratos bancários realizados através da internet,

onde os desembargadores que compuseram a 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça

do Distrito Federal, no julgamento em destaque, acordaram, de forma unânime, em

manter a sentença de primeiro grau, que admitiu a aplicação do exercício do direito

de arrependimento no referido caso, condenando a instituição financeira a cancelar o

contrato, bem como restituir, em dobro, à Autora, os valores indevidamente

cobrados, senão vejamos:

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Terri tórios Órgão: 5ª TURMA CÍVEL Classe: APELAÇÃO

50 OLIVEIRA, Rodolpho Silva, 2015.

40

N. Processo: 20120111115148APC (0031108-58.2012.8.07.0001) Apelante(s): BANCO DO BRASIL S/A Apelado(s): NEUSA CID CALDAS Relator: Desembargador JOÃO EGMONT Revisor: Desembargador LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS Acórdão N.: 796462 EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO. RESCISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE CRÉDITO DIRETO AO CONSUMIDOR - CDC. DIREITO AO ARREPENDIMENTO. PRAZO DE REFLEXÃO. CONTRATAÇÃO PELA INTERNET. DEVIDA A RESTITUIÇÃO DOS VALORES COBRADOS. APELO IMPROVIDO. 1. Afirma a consumidora que realizou apenas uma simulação de empréstimo consignado no sítio do Banco do Brasil. Entretanto, verificou no dia seguinte, em seu extrato, que foi depositado o valor do empréstimo em sua conta, passando a ser descontadas prestações em folha de pagamento. 2. Independentemente de o empréstimo ter sido ou não contratado por equívoco pela autora, o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor possibilita o prazo de reflexão de 7 (sete) dias, permitindo o arrependimento e desfazimento do negócio jurídico sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. 2.1. O parágrafo único do referido dispositivo é claro ao estabelecer que se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. 3. Precedente do Superior Tribunal de Justiça: "2. O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que, quando o contrato de consumo for concluído fora do estabelecimento comercial, o consumidor tem o direito de desistir do negócio em 7 dias ("período de reflexão"), sem qualquer motivação. Trata-se do direito de arrependimento, que assegura o consumidor a realização de uma compra consciente, equilibrando as relações de consumo. (...) 4. Eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor neste tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial (internet, telefone, domi cílio). Aceitar o contrário é criar limitação ao direito de arrependimento legalmente não previsto, além de

41

desestimular tal tipo de comércio tão comum nos dia s atuais. Recurso especial provido. (REsp 1340604/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, SDJe 22/08/2013). 4. Apelo improvido.51 (grifos nossos)

O segundo tema abordado, merece grande destaque, eis que,

constantemente, é alvo de discussão e divergências jurisprudenciais: o exercício do

direito de arrependimento nos contratos eletrônicos de transporte aéreo.

Conforme exposto no estudo em questão, o Projeto de Lei nº 281/2012, do

Senado Federal, prevê a criação do Art. 49-A, com a finalidade de flexibilizar o prazo

para o exercício do direito de arrependimento nos contratos de aquisição eletrônica

de passagens aéreas, contudo, tal proposta, além de ser inovadora, encontra-se

pendente de aprovação pelo Congresso Nacional, o que gera uma gama de decisões

jurisprudenciais conflitantes relativos a tal tema, senão vejamos:

Em recente decisão da Vigésima Sétima Câmara Cível/Consumidor do

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, proferida em 26/05/2015, monocraticamente,

pelo desembargador relator Antônio Carlos dos Santos Bitencourt, foi mantida

sentença favorável à aplicabilidade do direito de arrependimento na compra de

passagem aérea através da internet, julgando extinto os débitos cobrados na fatura

do cartão de crédito da autora, condenando as empresas rés na repetição em dobro

do indébito além de indenização por danos morais, in verbis:

Poder Judiciário Estado do Rio de Janeiro Tribunal de Justiça Vigésima Sétima Câmara Cível/Consumidor Apelação Cível nº: 0019751-14.2013.8.19.0001 Apelantes: BANCO DO BRASIL S/A e CIELO S/A Apelado: MARIA ADELINA SANTOS ARAÚJO Relator: Des. Antônio Carlos dos Santos Bitencourt EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DIREITO DO CONSUMIDOR. CANCELAMENTO DE COMPRA

51 TJDFT, 2015.

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DE PASSAGENS AÉREAS. COBRANÇA EFETUADA. ESTORNO NÃO EFETIVADO PELAS RÉS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. SOLIDARIEDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. AÇÃO PROPOSTA POR CONSUMIDORA QUE, APÓS O CANCELAMENTO DAS PASSAGENS COMPRADAS PELA INTERNET, DENTRO DO PRAZO DE ARREPENDIMENTO, 07 DIAS, FOI COBRADA INDEVIDAMENTE PELO BANCO/RÉU. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, BEM COMO A RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO VALOR PAGO INDEVIDAMENTE, ALÉM DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DOS 1º E 3º RÉUS. PRELIMINARMENTE, A LEGITIMIDADE AD CAUSAM, COMO QUALQUER OUTRA CONDIÇÃO DO DIREITO DE AÇÃO, É AFERIDA IN ABSTRACTO; SE A AUTORA AFIRMA TER SIDO COBRADA PELAS RÉS POR COMPRAS NÃO EFETIVADAS, ELAS TÊM PERTINÊNCIA SUBJETIVA COM A RES IN IUDICIUM DEDUCTA. NO MÉRITO, IMPÕE-SE REPARAÇÃO POR DANO MORAL AO CONSUMIDOR QUE É COBRADO INDEVIDAMENTE POR COMPRA NÃO EFETIVADA, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA POR PARTE DAS RÉS. EM RELAÇÃO AO QUANTUM DEBEATUR NÃO SENDO MANIFESTAMENTE DESARRAZOADA E NÃO DEMONSTRADA OBJETIVAMENTE SUA EXASPERAÇÃO, MANTÉM-SE A INDENIZAÇÃO ARBITRADA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO 116 DO AVISO 52 DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL: “VERBA INDENIZATÓRIA DO DANO MORAL SOMENTE SERÁ MODIFICADA SE NÃO ATENDIDOS PELA SENTENÇA OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO”. DO MESMO MODO, DEVEM AS RÉS SOLIDARIAMENTE DEVOLVER EM DOBRO À AUTORA A QUANTIA COBRADA INDEVIDAMENTE, DEVIDAMENTE ATUALIZADA MONETARIAMENTE DESDE O DESEMBOLSO E ACRESCIDA DE JUROS LEGAIS DE 1% DESDE A CITAÇÃO. RECURSOS AOS QUAIS SE NEGA PROVIMENTO NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC.52 (grifos nossos)

Frisa, ainda, o ilustre desembargador, que, no caso em concreto, houve

gritante falha na prestação do serviço, haja vista que a autora juntou aos autos

52 TJRJ, 2015.

43

correspondência eletrônica em que a companhia aérea da qual adquiriu as

passagens, confirma os cancelamentos.

Assim, nas palavras do desembargador Antônio Carlos dos Santos Bitencourt

(2015, p. 08-09):

[...] resta configurada a responsabilidade civil objetiva da 2ª ré, uma vez que deveria ter provado que comunicou a tempo e modo adequados à administradora do cartão de crédito sobre o cancelamento da compra [...] Destarte, resta evidente a falha na prestação do serviço, bem como a configuração de ofensa aos direitos da personalidade, ante a frustração da justa expectativa da parte autora no estorno dos valores cobrados indevidamente, por um serviço que não fora prestado, gerando um enriquecimento sem causa por parte das rés.53

Em contrapartida, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais, em julgamento realizado em 30/10/2014, proferiu acórdão negando

provimento à apelação do autor, considerando que, a cobrança realizada de forma

indevida por parte da companhia aérea, referente às passagens aéreas adquiridas

via internet, enseja, apenas, a repetição em dobro do indébito, não caracterizando

dano moral, e sim, mero aborrecimento, não obstante o consumidor ter manifestado

seu arrependimento dentro do prazo de 07 (sete) dias, in verbis:

Tribunal de Justiça de Minas Gerais Número 1.0024.12.330449-5/001 Relator: Des.(a) Tiago Pinto Relator do Acórdão: Des.(a) Tiago Pinto Data do Julgamento: 30/10/2014 Data da Publicação: 10/11/2014 EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA DE PASSAGEM AÉREA PELA INTERNET. ARREPENDIMENTO MANIFESTADO DENTRO DO PRAZO DE SETE DIAS. DIREITO À RESTITUIÇÃO DA INTEGRALIDADE DO VALOR PAGO PELO CONSUMIDOR. DANO MORAL AFASTADO. MERO ABORRECIMENTO CARACTERIZADO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO

53 Idem, p. 08-09.

44

PROVIDO. 1. A dor moral, que decorre da ofensa aos direitos da personalidade deve ser diferenciada do mero aborrecimento, a qual todos estamos sujeitos e que pode acarretar, no máximo, a reparação por danos materiais, sob pena de ampliarmos excessivamente a abrangência do dano moral, a ponto de desmerecermos o instituto do valor e da atenção devidos. 2. O fato de o consumidor não ter sido prontamente ressa rcido do valor despendido por ele para comprar uma passag em aérea pela internet, após manifestar seu arrependim ento no prazo de 07 (sete) dias, não pode, por si só, ensej ar dano moral passível de indenização, estando caracterizad o o mero aborrecimento. 3. Negar provimento ao recurso.54 (grifos nossos)

Na contramão das decisões favoráveis à aplicação do prazo de reflexão nas

compras de passagens aéreas via internet, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça

do Distrito Federal, em recente decisão, prolatada em 03/11/2014, negou provimento

a embargos infringentes que visavam reformar acórdão que afastou a aplicabilidade

do direito de arrependimento nas referidas contratações, considerando, em

consequência, ilegal a multa aplicada pelo PROCON/DF em face da VRG Linhas

aéreas S/A, sob o argumento de que não se vislumbra o emprego de ‘marketing

agressivo’ nesta modalidade de contratação, senão vejamos:

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Terri tórios Órgão: 2ª CÂMARA CÍVEL Classe: EMBARGOS INFRINGENTES N. Processo: 20120110360896EIC (0002317-28.2012.8.07.0018) Embargante(s): INSTITUTO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DO DISTRITO FEDERAL – PROCON/DF Embargado(s): VRG LINHAS AÉREAS S/A Relator: Desembargador JAIR SOARES Revisor: Desembargador SÉRGIO ROCHA Acórdão N.: 832071 EMENTA COMPRA DE PASSAGEM AÉREA PELA INTERNET. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. Informação sobre a política de preços. 1 - Assiste ao consumidor o direito de arrependimento, no prazo de sete dias, a contar da assinatura

54 TJMG, 2015.

45

do contrato ou do recebimento do produto ou serviço sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial (art. 49, CDC). 2 - ESSA PROTEÇÃO NÃO AMPARA A COMPRA DE PASSAGEM AÉREA PELA INTERNET, POR SE TRATAR DE CONTRATO DE TRANSPORTE, REGULAMENTADO POR NORMAS ESPECIAIS, SOBRETUDO PORQUE TODAS AS INFORMAÇÕES REFERENTES AO SERVIÇO SÃO DISPONIBILIZADAS AO CONSUMIDOR, EM ESPECIAL, A POLÍTICA DE PREÇOS RELATIVA À PASSAGEM QUE SERÁ ADQUIRIDA, QUE PREVÊ REGRAS PARA CANCELAMENTO E REEMBOLSO DE VALORES PAGOS EM CASO DE DESISTÊNCIA. 3 - Embargos infringentes não providos.55 (grifos nossos)

Embora tal decisão tenha sido proferida em desfavor do consumidor, o

acórdão não foi unânime, divergindo os desembargadores sobre diversos aspectos

referentes ao tema em questão, onde, dentre as argumentações do desembargador

relator, Jair Soares, que proferiu o voto vencedor, salienta-se a seguinte:

Trata-se, entretanto, de faculdade do consumidor: ao optar por preço mais barato, sujeita-se, por livre escolha, a ônus em caso de eventual cancelamento, mas beneficia-se diretamente pelo baixo custo do trajeto caso não haja desistência. Não é abusivo escalonamento da passagem em tarifas restringindo a possibilidade de desistência do contrato, pois beneficia tanto o fornecedor do serviço como o consumidor. Beneficiar-se ao adquiri passagem com preço de baixo custo, ciente das restrições para o cancelamento ou alteração, e pretender, ainda, o cancelamento sem qualquer ônus, fundamentando-se no direito ao arrependimento, foge das finalidades trazidas pelo art. 49 do CDC. E onera exclusivamente a companhia aérea por desistência unilateral do consumidor. Por óbvio que o ônus imposto para o cancelamento ou alteração não pode ser abusivo e deve limitar-se ao previsto nas regulamentações existentes. [...] Se não foi demonstrada que a compra de passagens pela internet vicia seu discernimento ou induz à contratação por impulso, ou que impede que não tenha conhecimento do

55 TJDFT, 2015.

46

serviço que está sendo adquirido, inviável o prazo de sete dias para arrependimento.56

Todavia, o ilustre desembargador Hector Valverde Santanna, não obstante ser

voto vencido, contra argumenta, de forma brilhante, sustentando a ficção da

contratação via internet, onde se presume que os consumidores têm asseguradas

informações, e direitos, das quais, de fato, não possuem, já que, não leem todas as

condições de contratação e não têm conhecimento dos termos do transporte aéreo,

dentre outros aspectos relevantes do contrato de consumo, in verbis:

[...] o conhecimento pelo do consumidor quanto às condições de contratação pela internet é uma ficção. Delege ferenda, temos, hoje, no Congresso Nacional, mais especificamente no Senado Federal, três projetos de lei visando atualizar o Código de Defesa do Consumidor - o 282, o 281 e o 283. O 281 trata da regulamentação, no Brasil, do chamado comércio eletrônico ou e-commerce, e há um destaque mais acentuado nesse projeto de lei, inclusive com relatório favorável do Senador Ricardo Ferraço, no sentido de que, nesse tipo de contratação, o consumidor é chamado de hipervulnerável, e a vulnerabilidade é a estrutura dessa lei de ordem pública e interesse social, que é o Código de Defesa do Consumidor. É uma intervenção do Estado na legislação a fim de proteger o consumidor. Então, reconhece-se que o consumidor é protegido, e esse microssistema somente existe para protegê-lo, diferenciando-se do antigo comprador e vendedor do Código Civil, em que as partes estavam em condições de igualdade. [...] Portanto, não havendo distinção na lei, com a devida vênia, não cabe ao intérprete, ao aplicador, fazer a distinção e excluir - neste caso, da venda de passagens aéreas pela internet - a aplicação do art. 49.57

Neste passo, acresce, ainda, a desembargadora Leila Arlanch:

[...] entendo que o fim social da lei não pode ser interpretado em prejuízo do consumidor. A própria concepção da Lei 8.078/90, como norma protecionista que é e com fundamento

56 Ibidem. 57 Ibidem.

47

constitucional, não exclui o fato das passagens aéreas terem sido adquiridas pela internet, para que possa ser exercido o direito ao arrependimento previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor.58

Novamente, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferiu

acórdão, em 14/01/2014, favorável à aplicabilidade do prazo de reflexão nas

referidas contratações, reformando a sentença de primeiro grau, que julgou

improcedentes os pedidos autorais, conferindo ao consumidor, o direito à repetição

em dobro do indébito, bem como danos morais, in verbis:

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Vigésima Quarta Câmara Cível Apelação Cível nº: 0021807-36.2012.8.19.0007 Apelante: ANDERSON HENRIQUE DA SILVA CONEGUNDES Apelado: DECOLAR.COM LTDA Relator: Des. Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C/ INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. COMPRAS DE PASSAGENS AÉREAS PELA INTERNET. CANCELAMENTO DA COMPRA. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. CLÁUSULA PENAL. RETENÇÃO ILÍCITA. COBRANÇA ABUSIVA. DEVER DE RESTITUIR EM DOBRO. DANO MORAL CONFIGURADO. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC.59 (grifos nossos)

Assim, tendo em vista a indiscutível evolução do comércio eletrônico no Brasil,

e suas recentes propostas e alterações legislativas, certo é que, por alguns anos, o

direito de arrependimento ainda será objeto de inúmeras discussões na doutrina e

jurisprudência.

58 Ibidem. 59 TJRJ, 2015.

48

49

CONCLUSÃO

Conforme se verificou, através da presente pesquisa, o alvo do estudo em

questão foi o direito de arrependimento do consumidor e a ampliação do Art. 49, da

Lei 8.078/90, que, por intermédio de recentes projetos de lei e decretos, visam sua

reformulação, com o intuito de acompanhar as constantes mudanças sociais.

Assim, no caso, a mudança específica de que tratamos, gira em torno da

aplicação do exercício do direito de arrependimento no comércio eletrônico, eis que,

atualmente, as contratações eletrônicas têm sido uma prática cada vez mais

frequente em nosso cenário nacional.

Com a criação do Decreto nº 7962/2013, combinado com o Projeto de Lei nº

281/2012, do Senado Federal, conclui-se não haver dúvidas sobre a aplicabilidade

do referido dispositivo legal às contratações realizadas eletronicamente.

Em relação à aplicação desse direito na compra de produtos digitais, verificou-

se que, não obstante a ausência de regulamentação específica e a inexistência de

jurisprudência no ordenamento jurídico pátrio, a doutrina majoritária sustenta a

incidência do direito com fundamento no princípio da vedação do retrocesso.

50

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