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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA COTAS RACIAIS VIRAM “REGIME DE EXCEÇÃO” PARA A ENTRADA DE ALUNOS COTISTAS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS PAULO CESAR LIMA DA SILVA Orientadora: Mônica Ferreira de Melo Rio de Janeiro 2014 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

COTAS RACIAIS VIRAM “REGIME DE EXCEÇÃO” PARA A ENTRADA

DE ALUNOS COTISTAS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

PAULO CESAR LIMA DA SILVA

Orientadora: Mônica Ferreira de Melo

Rio de Janeiro

2014

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

COTAS RACIAIS VIRAM “REGIME DE EXCEÇÃO” PARA A ENTRADA

DE ALUNOS COTISTAS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

Apresentação da Monografia à AVM Faculdade Inte-

grada como requisito parcial para obtenção do grau

de especialista em Docência do Ensino Superior.

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AGRADECIMENTOS

À minha musa inspiradora (alento – ahUh

– hebraico), minha mulher, Elizabeth

Liberato Lima da Silva.

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DEDICATÓRIA

Dedico ao meu pai José Francisco da Silva

(in memoriam) e à minha mãe, Noemi Lima

da Silva, meus referenciais de vida.

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EPÍGRAFE

«Bem-aventurados os pobres [de espírito], porque deles

é o reino dos céus» (Mateus 5:2).

Jesus não escolhe pobres, ricos, pretos ou brancos. Ele

apenas assevera que os «pobres» são bem-aventurados

e deles é o reino dos céus. Ao fazer está declaração,

Jesus não estava vendo classes nem raças, mas indiví-

duos excluídos – fossem eles quem fossem: pretos,

brancos, vermelhos, pobres, ricos – que podem passar

por experiências de opressão e injustiça em qualquer

ambiente cultural ou social em que estejam vivendo.

«Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre;

não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em

Cristo Jesus» (Gálatas 3:28).

O sistema de cota tem uma veia racial e racialista enor-

me, e visa a segregar e não a agregar, separar e não unir

os grupos em nome de um multiculturalismo, que é a

reinvenção do racismo histórico científico (MAGNOLI,

2013).

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RESUMO

Esta monografia faz uma análise histórico-teológica, com cortes filosóficos,

científicos, sociológicos e políticos do racismo no mundo e no Brasil. Aborda a

presença da pobreza como algo que vai além da cor do ser humano e o siste-

ma escravista como uma quebra dos direitos civis do cidadão, independente de

cor. Abrange as cotas como uma política de afirmação objetivando reparar um

erro histórico, como medida estanque e não permanente para não terminar se

transformando em regime de exceção por preferência de cor. Finaliza falando

das cotas raciais e as sociais, estabelecendo um senso de importância e

equivalência.

PALAVRAS-CHAVES: Escravismo. Raça. Racismo. Políticas Afirmativas. Cotas

raciais. Regime de Exceção.

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METODOLOGIA

Esta monografia tem por objetivo problematizar o tema de cotas raciais

como medida reparatória, mas que, no final, terminam fazendo da cor (e não da

capacidade) um “regime de exceção”, tornando a conquista um abismo

racialista de maiores proporções, uma vez que isso preconiza incapacidade,

inabilidade, além de discriminar o grupo que tem que fazer uso da cor para se

beneficiar. A construção desta monografia é resultado de pesquisa biblio-

gráfica, além de monografias e webgrafias lidas ao longo do trabalho. Portanto,

estarei utilizando tão somente o método de pesquisa bibliográfica e webgráfica

como contrapontos à ideia racista embutida nas cotas raciais, que viram

“regime de exceção”. Para tanto, expomos uma visão ampliada da origem e

manutenção da ideia do racismo no mundo, fazendo alguns cortes teológicos,

filosóficos, históricos etc. Depois descrevemos a cor da pobreza asseverando

que pobreza, escravidão, vai além da ideia de cor. Finalmente, no terceiro e

último capítulo aprofundamos o tema proposto nesta monografia “Cotas Raciais

Viram ‘Regime de Exceção’ Para a Entrada de Alunos Cotistas nas Universi-

dades Brasileiras”, com o propósito de sugerir um olhar inteiro e não partícula-

rizado sobre o tema em tela. Concluindo agradecemos a todas as pessoas que

nos ajudaram a chegar ao final deste trabalho, dando o maior crédito ao

sociólogo e professor da USP, Dr. Demétrio Magnoli, com seu livro Uma Gota

de Sangue – História do Pensamento Racial, por ele ter sido o grande

inspirador do tema que escolhemos para escrever.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I – A HISTÓRIA DO RACISMO NO MUNDO 11

CAPÍTULO II – A COR DA POBREZA 28

CAPÍTULO III – COTAS RACIAIS VIRAM “REGIME DE EXCEÇÃO” PARA 36

ENTRADA DE ALUNOS COTISTAS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

CONCLUSÃO 44

ANEXOS 46

BIBLIOGRAFIA 54

ÍNDICE 57

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INTRODUÇÃO

A educação no Brasil, desde a colonização, onde os filhos de classes

privilegiadas recebiam ensino diferenciado, até o momento atual, sempre teve

uma face excludente, por conta da disparidade nos acessos às instituições de

ensino superior. Parece que de lá para cá muito pouca coisa mudou.

O que deveria ser comum a todos os brasileiros, como, por exemplo, sua

garantia de entrar nas universidades e faculdades brasileiras, acontece, no

caso dos que não dispõem de patrimônio financeiro nem intelectual, só a partir

de um “regime de exceção”, que termina formando subclasses de estudantes:

os capazes, os mais ou menos capazes e os totalmente incapazes.

A inclusão de pessoas socialmente carentes no ensino superior não pode

acontecer pelo instituto chamado “regime de exceção”. Razão: isso nos

empurra para o abismo de uma segregação racial nunca vista na história do

Brasil.

Se um país deseja crescer, evoluir e se tornar competitivo em todas as

áreas possíveis do saber, ele precisa dar às novas gerações condições

legítimas e viabilizar caminhos para que elas cheguem ao topo do conheci-

mento (ensino superior e afim) com base curricular para nada dever, sem

inadimplência com respeito ao saber, sem defasagem em termos de conhe-

cimento, pessoas de fato preparadas para o ensino superior.

Esta monografia tem por objetivo fazer uma análise histórico-social da

sociedade brasileira a partir de sua formação e de um olhar para fora do seu

quintal cultural, com alguns recortes teológico, sociológico, filosófico e político a

fim de combater a ideia de “regime de exceção”, por conta de um conceito

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subalterno do “pode menos” ou “não pode nada” sugerido pelas “cotas raciais”.

Ademais será apresentada a trajetória histórica de que a cor nunca foi a razão

fundamental para se praticar o escravismo no mundo, uma vez que os negros

também escravizavam.

O entendimento sobre “cotas raciais”, interpretado como regime de

exceção, é totalmente inconsistente, uma vez que isso incentiva a tendência

segregacionista. Dizer que isso é uma atitude de reparação de uma dívida

histórica, é tentar reparar o irreparável, porque teríamos que saber o que cada

um fez na história, com isso cairíamos nas classificações das raças.

Para alguns – e eu acompanho essa ideia – as “cotas raciais” ou as

“cotas sociais” são em si um preconceito e não pode servir de argumento para

o chamado “regime de exceção”, porque isso fatalmente criaria subclasses de

estudantes universitários.

Finalmente, esta monografia discute a questão entre cotas raciais versus

princípio de igualdade, pois um país não constrói uma educação para todos

dividindo-se em classes e raças, sob o pretexto de reparação de uma dívida

histórica.

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CAPÍTULO I

A HISTÓRIA DO RACISMO NO MUNDO

Ou vivemos todos juntos como irmãos, ou morremos

todos juntos como idiotas (KING, 1967) .

Para início de conversa assevero que o racismo não tem cor específica.

Ele sempre assumiu formas muito diferentes ao longo da história. Na

antiguidade, por exemplo, as relações entre povos eram sempre de vencedor e

vencido. O perdedor passava a ser cativo do vencedor. Na Idade Média,

desenvolveu-se o sentimento de superioridade xenofóbico de origem religiosa.

Segundo Jacques Le Goff, historiador francês e considerado um dos

maiores medievalistas dos tempos modernos, morto aos 90 anos, no “início da

Idade Média, as distinções são sobretudo institucionais, como aquelas entre

senhor e servo. O fato de possuir terras ou não era o critério essencial. Depois,

com o desenvolvimento do comércio e a ascensão das cidades, surge a

discriminação pelo dinheiro. O pobre substitui o servo. Essa mudança conduz a

uma sociedade dominada pelo capitalismo” (GOFF, março de 2014).

Racismo é principalmente uma classificação de ordem social, onde a cor

da pele, a origem social e a religião ganham, graças a uma cultura racista,

sentidos, valores e significados distintos. As diferenças mais comuns referem-

se a cor de pele, tipo de cabelo, conformação facial e cranial, ancestralidade e,

em algumas culturas, genética.

O escritor moçambicano Mia Couto, citado por Magnoli (MAGNOLI,

2009), diz algo significativo sobre essa questão de raça:

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Existem hoje centenas de milhares de pretos que nasceram na Europa.

Estudaram, cresceram, absorveram valores. Converteram-se cidadãos dos

países em que nasceram. A grande maioria vai viver para sempre nesses

países. Terão filhos e netos europeus. E não podem cair na armadilha de

reivindicar um gueto, uma espécie de cidadania de segunda classe que

toma o nome de “afro-europeu” (p. 15).

Seguindo a linha de pensar do escritor moçambicano, o Dr. Demétrio

(MAGNOLI, 2009) assevera que raça é, precisamente, a reivindicação de um

gueto. O nome desse gueto é ancestralidade. A vida de um indivíduo que define

o seu lugar no mundo em termos raciais está organizada pelos laços, reais ou

fictícios, que o conectam ao passado. Mas a modernidade foi inaugurada por

uma perspectiva oposta, que se coagula nos direitos de cidadania. Os cidadãos

são iguais perante a lei e têm o direito de inventar seu próprio futuro, à revelia

de origens familiares ou relações de sangue. A política de raças é uma negação

da modernidade.

Entretanto, a negação multiculturalista da modernidade é um fenômeno

moderno. A “ciência das raças” nasceu no final do século XVIII, junto com a

Revolução Francesa e a consolidação do conceito de cidadania, e se

desdobrou na forma de depravações extremadas até a Segunda Guerra

Mundial. As políticas de preferências raciais disseminaram-se no pós-

guerra, não muito depois da proclamação solene da Declaração Universal

dos Direitos Humanos e do repúdio mundial ao racismo nazista. A mensa-

gem do multiculturalismo é que o princípio da igualdade pode ser uma bela

declaração, mas a realidade verdadeira é formada pelas diferenças

essenciais entre as coletividades humanas (p. 15).

Por seu caráter controverso (seu impacto na identidade social e política),

como vimos acima, o conceito de raça é questionado por alguns estudiosos.

Entre os biólogos, é um conceito recebido com certo descrédito.

O conceito de raça humana foi usado pelos regimes coloniais, pelo

nazismo, pelo apartheid (na África do Sul) e por muitos outros sistemas de

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opressão para perpetuar a submissão dos colonizados; atualmente, só nos

Estados Unidos se usa uma classificação da sua população em raças,

alegadamente para proteger os direitos das minorias.

Já a segregação racial nasce a partir da supremacia de uma camada

social sobre outra. É uma atitude de separação, divisão do indivíduo para

impedir certos procedimentos ou tentar difundir hegemonia. É o ato de separar

diferentes raças uma das outras nas mesmas instituições, lugares e responsabi-

lidades, como restaurantes, transporte público, instituições educacionais, reli-

giosas etc.

Ela se manifesta de diversas formas ao serem estabelecidas diferenças

de caráter social, político, cultural e econômico entre as pessoas e os grupos

sociais. Para que ocorra, são criadas barreiras na forma de leis, comportamen-

tos, regras e preceitos que têm a função de restringir e até mesmo cancelar o

direito humano de viver plenamente suas possibilidades e aspirações.

Evidentemente, que com essa costura dualista não estou, em hipótese

alguma, desmentindo realidades históricas sobre a opressão aos negros em

vários países, principalmente no Brasil, pois, em parte, faço couro com Marilena

Chauí, ao dar uma entrevista ao programa correionagô, informação do seu jeito,

sobre a sociedade brasileira. Diz ela:

Eu considero que a sociedade brasileira é uma sociedade oligárquica,

hierárquica, vertical, autoritária, excludente e racista. E que o racismo se

esconde de diversas formas, desde o paternalismo até pura e simplesmente

fazer de conta que as diferenças étnicas não existem. A isso nós temos que

acrescentar a divisão das classes sociais. E o fato de que, no caso dos

afrodescendentes, a maioria esmagadora pertence à classe trabalhadora e,

no interior dessa classe trabalhadora há os extratos mais pobres. Então é

um sistema violento de discriminação econômica, social, cultural (Palavras

ditas em entrevista prestada ao correionagô, informação do seu jeito,

Youtube, 2011).

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Todavia, não posso deixar de mostrar o outro lado da moeda. Isto porque

o “racismo científico” plantou as raças no solo da natureza, definindo-as como

famílias humanas separadas pelas suas essências biológicas. Quando a ciência

desmoralizou essa crença anacrônica, o multiculturalismo replantou as raças no

solo da cultura. De acordo com o sociólogo Demétrio (MAGNOLI, 2009), o

argumento dos multiculturalistas, expresso sob formas diversas mas bastante

similares, é que as raças são entidades sociais e culturais. Com base nisso, a

política das raças, que parecia condenada a desaparecer na hora da abertura

dos campos de extermínio nazistas, ressurgiu nos mais diferentes pontos do

planeta.

A produção de raças não exige distinções de cor da pele. Basta – como

sabem os nigerianos, os quenianos e os ruandenses – a elaboração de

uma narrativa histórica organizada a partir de cânones étnicos e, crucial-

mente, a inscrição dos grupos raciais nas tábuas da lei. A distribuição de

privilégios segundo critérios de etnia ou raça grava nas consciências o

senso de pertinência racial. A raça é uma profecia autorrealizável (p. 15 e

16).

Como bem diz o Dr. Demétrio (MAGNOLI, 2009), a raça é fruto do poder

de Estado que rejeita o princípio da igualdade entre os cidadãos. Por isso e por

outras razões é que apresento abaixo alguns enfoques sobre o racismo e a sua

evolução no mundo. Senão, vejamos:

1. 1 – Visão Teológica

A teologia (não a Bíblia Sagrada) tem cara de feitor, pois foi usada para

legitimar a condição de sofrimento do negro e «amaldiçoar» sua raça.

Algumas seitas hodiernas advogam que a cor negra se originou de um

desses três fatos bíblicos: a) o sinal que Deus colocou em Caim (Gênesis 4:15);

b) o casamento dos filhos de Deus com as filhas dos homens (Gênesis cap. 6),

e c) a maldição de Noé proferida sobre Canaã (Gênesis 9:18-27). Portanto, os

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filhos de Jafé (e Sem) teriam um direito teológico em se aproveitar do trabalho

dos filhos de Can, pois assim colaboram na redenção daqueles que são

marcados por dois pecados originais: o de serem filhos de Adão (pecado

original comum dos homens), e o de serem filhos de Can (pecado específico

dos africanos e dos negros em geral). Porém, tais ideias não passam de uma

querela e de um discurso de poder proveniente de conveniência, pois esses

argumentos, comprovadamente, não representam outra coisa senão um

racismo frio e sistematizado, produzido por homens que estão comprometidos

com a mentira.

A verdade é que todos somos seres humanos, criados por Deus, des-

cendentes de Adão e Eva, mas existem pigmeus e gigantes, negros, brancos e

amarelos.

Aprofundando o tema origem das raças, o ilustre professor e escritor

Antônio Pereira de Mesquita, no seu livro Povos e Nações do Mundo Antigo,

apresenta algumas provas, à guisa de explicação, para o monogenismo bíblico:

a) a redenção de Cristo foi para todos os seus irmãos segundo a carne;

b) a natureza humana é uma e a mesma em toda a parte, física e

moralmente. Todas as raças têm os mesmos ossos, os mesmos nervos, a

mesma conformação. As paixões variam e o modo de dar satisfação à natureza

humana varia de acordo com o ambiente e a educação, mas no âmago todos

os impulsos têm os mesmos motivos, a mesma origem e a este complexo

problema não é difícil atribuir uma causa comum.

Os muitos povos da terra, com seus milhares de línguas e dialetos,

costumes e conformações físicas podem-se classificar em três grupos distintos;

a profecia de Noé em Gênesis 9.25-27 tem permanecido como um marco

intangível através de toda a história da raça humana.

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«A velha questão», continua Mesquita, «de que a diferença de cabelo,

cor etc. destrói a tese de que todos proviemos da mesma fonte é hoje assunto

fora de debate, porque as condições de vida, clima e alimentação produzem

todas estas diferenças.» (MESQUITA, 1997, p. 67).

Bettencourt, em seu livro «Ciência e Fé», citado por Mesquita (1997),

afirma que as diferença raciais se explicam por fenômenos de mutação e

adaptação dos grupos humanos. «Só o mutacionismo, pelo aparecimento de

caracteres novos e hereditariamente transmissíveis, por modificação de

genotipo, permite entrever a solução deste problema, que não afeta somente o

gênero humano, mas todos os seres vivos» (MESQUITA, 1997, p. 67).

Alguns autores hodiernos vão dizer também que a nossa teologia (não a

Bíblia Sagrada) tem cara de branco, pois foi usada para legitimar a superiori-

dade racial do branco, quando já as algemas não podiam sujeitar os negros

libertos. Não se trata só da tradução de textos que mantêm a brancura como

sinônimo de bem e de glória, mas do fato que são histórias apresentadas como

de brancos, com heróis brancos, num mundo de brancos (Mediterrâneo e

Europa), e com linguagem de branco.

Apesar de muitos teólogos e igrejas terem abandonado o discurso da

inferioridade dos negros e de serem estes um povo maldito, até hoje nossa

teologia continua escondendo a participação do povo negro na Bíblia. Nada se

discute sobre essa questão e todos continuam omissos diante desse racismo

teológico. Um exemplo disso é a alusão a anjos brancos (a Bíblia não fala da

cor dos anjos). O racismo teológico (coisa que a Bíblia não aprova) é às vezes

tão evidente que até na questão da manifestação dos anjos não há menção da

possibilidade de uma angelofonia (aparição dos anjos) com protagonistas

negros.

Muitas igrejas estão trazendo velhos conceitos racistas grandemente

enraizados na cultura do Sul dos Estados Unidos que no passado usavam a

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Bíblia para justificar a escravidão e a inferioridade do povo negro. Hoje,

sutilmente através da doutrina da prosperidade, das maldições hereditárias e da

batalha espiritual, essa velha tendência chega às nossas igrejas:

Na doutrina da prosperidade, mede-se o crente abençoado por seus

bens, onde de uma maneira simplista se faz um diagnóstico da situação do

povo negro: «é pobre porque é pecador e são oriundos de um continente

idólatra e praticante da bruxaria».

Quando se fala das maldições hereditárias, o povo negro é considerado

uma raça maldita. Para que o negro se livre dessa maldição (aceitar Jesus é

suficiente) é necessário que ele faça uma espécie de cura interior, desvincu-

lando-se de todos os seus antepassados, ou seja, não sendo mais negro.

Qualquer relação que ele venha ter com a sua cultura poderá trazer de volta as

maldições.

Na batalha espiritual, o caso parece ser mais sério para o negro, se

olharmos cuidadosamente nos livros que tratam do assunto (principalmente

escritos por norte-americanos e traduzidos para o português). Ex.: No livro Este

Mundo Tenebroso, de Frank E. Peretti, Editora Vida, o exército de Deus são

todos brancos e louros e o exército do diabo são todos negros. Conteúdos

muito sérios que vão penetrar no inconsciente das pessoas, influenciando nos

seus comportamentos, trazendo consequências sérias para a saúde da Igreja

Evangélica Brasileira.

Essas doutrinas são oriundas de grupos «pós-pentecostais», mas já a

vemos presentes em muitas igrejas pentecostais clássicas e até nas denomi-

nações históricas, aqui no Brasil. É muito importante que se tenha sempre uma

visão crítica dos exageros e do fundamentalismo dessas ideias.

A hinologia evangélica tem sido canal para deslizes que apontam para o

racismo. Em muitas canções, as palavras «negro» e «negra» têm conotação do

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mal e do pecado. Uma denominação histórica deu grande exemplo ao mudar a

frase «Os negros batalhões do grande usurpador» no hino Um Pendão Real

(Harpa Cristã, 2005).

O racismo é uma erva daninha que sutilmente entra nas igrejas

evangélicas e faz as suas vítimas. Temos que sempre lembrar que o precon-

ceito é o pior câncer desenvolvido em algumas sociedades humanas; depois

dele só o racismo pode ser o pior.

Só que Deus não mostra parcialidade ou favoritismo a ninguém (Deu-

teronômio 10.17; Atos 10.34; Romanos 2.11; Ef 6.9). O próximo, independen-

temente de qualquer coisa, deve ser amado (Tiago 2.4-8). No Antigo Testa-

mento, a humanidade é dividida em dois grandes grupos: judeus e não judeus.

Mas, ao contrário, os judeus se tornaram orgulhosos de sua vocação e

desprezaram os gentios. Jesus Cristo colocou fim a isso tudo, destruindo a

parede divisória da hostilidade (Efésios 2.14). Todas as formas de racismo,

discriminação, preconceitos têm sido uma afronta à obra de Cristo na cruz.

Por último é preciso dizer que a Bíblia Sagrada opta pelo princípio da

igualdade: «Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há

macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus» (Gálatas 3: 28).

1. 2 – Visão histórica

Desde tempos imemoriais, sociedades escravizavam seres humanos co-

mo resultado de conquistas, guerras ou dívidas, mas esse ato nunca precisou

de uma legitimação baseada em diferenças físicas ou intelectuais.

No mundo antigo, primeiramente, matava-se quem era conquistado: ho-

mens, mulheres, crianças, e às vezes até animais eram mortos. Com o passar

do tempo, os grandes impérios perceberam que podiam dispor de seus prisio-

neiros como mão-de-obra escrava, fazendo-os trabalhar para produzir víveres e

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alimentar seus exércitos. É aí que o escravismo entra como modelo e prática na

antiguidade. Na Idade Média, por outro lado, desenvolveu-se o sentimento de

superioridade xenofóbico de origem religiosa. Os católicos europeus se sentiam

os “escolhidos”, os “predestinados” por Deus, excluindo totalmente os povos

bárbaros, os muçulmanos e outras etnias afins. Eles eram os “filhos de Deus” e

os outros apenas “criaturas” de Deus a serem evangelizadas.

A Bíblia, com sua insistência na unidade essencial da humanidade, pare-

cia impugnar a escravização de africanos, largamente praticada pelos europeus

desde a colonização do Novo Mundo. Para resolver essa dificuldade, argumen-

tou-se que os escravos eram pagãos ou, alternativamente, que Noé lançou a

maldição da escravidão sobre os descendentes de seu filho Can, supostamente

negro.

Um passo adiante foi dado pela colônia inglesa da Virgínia, quando

decretou, em 1667, que os convertidos ao cristianismo podiam ser mantidos

na escravidão em virtude do paganismo de seus ancestrais (MAGNOLI,

2009, p. 16).

O cenário mudou fundamentalmente com o advento da filosofia das

Luzes, que postulou a igualdade natural dos homens, um princípio convertido

em argumento central dos abolicionistas. Se os seres humanos nascem livres e

iguais, por um desígnio simultaneamente divino e natural, como conservar o

instituto da escravidão? (MAGNOLI, 2009, p. 23).

Aqui no Brasil os colonizadores muniram-se de duas teologias de contro-

le e absolutamente amordaçadoras de existência: a) a Teologia do Destino e b)

a Teologia da Paixão. A primeira apregoava que o que somos e fazemos fazem

parte de algo determinado, destinado a cada um, e não há nada que se possa

fazer para mudar isso, a não ser aceitar o destino que é dado a cada um ser

humano. A ideia é muito parecida com a síndrome de Gabriela: “Eu nasci

assim; vou morrer assim, Gabriela!” A segunda, a Teologia da Paixão, apregoa-

va penitências, sacrifícios, privações, abnegação, renúncia.

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Essas duas teologias domesticaram o povo brasileiro deixando-o com-

pletamente condicionado. Infelizmente, isso ainda se vê no Brasil, principal-

mente nas zonas rurais e ambientes pobres e miseráveis.

1.3 – Visão filosófica

Na Grécia antiga, berço da democracia, já se classificava os homens em

fortes e fracos, sábios e ignorantes, aqueles que têm capacidade para

comandar e aqueles que são comandáveis por natureza. Os filósofos Sócrates,

Platão, Aristóteles, sugerem esta divisão.

Sócrates defende a necessidade, para a constituição da cidade, da

divulgação de uma «mentira» politicamente útil. Trata-se de um mito originado

na Fenícia, de cuja divulgação dependeria o bom ordenamento da polis. Um tal

«Mito Fenício» (414d- 415d) consiste, por um lado, em convencer os habitan-

tes da polis de que todos os homens nasceram da terra e são, por isso, irmão.

Por outro lado, esses mesmos homens seriam constituídos por algo mais que a

terra que os une: eles seriam diferenciados entre si em função de um diferente

“metal” a que tal terra se associa. Faz-se então, entre os habitantes da cidade,

uma distinção triádica:

- Chefes: homens de ouro;

- Guardiães: homens de prata;

- Produtores: homens de bronze.

Assim, no sentido em que os homens são naturalmente diferentes, en-

tende-se que há homens que nascem para mandar enquanto outros nascem

para obedecer.

Platão distingue três estratos humanos que constituem uma polis. Cada

um destes elementos deve ter uma educação própria, de modo a desenvolver

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uma aretê específica, educação essa que se articula com o papel distinto que

cada um tem na organização da polis:

i) em primeiro lugar temos os produtores, que providenciam a subsis-

tência da polis. São eles os agricultores, artesãos, etc. Os produtores têm co-

mo virtude própria a temperança;

ii) sendo que a polis é uma ordem que ultrapassa pequenas ordens que a

incluem, elas precisam, antes de mais, de se defender. E a virtude a ser desen-

volvida pelos guardiães é um meio-termo entre a agressividade excessiva e

uma excessiva brandura; comparados a um cão, estes desenvolvem a coragem

(andreia), através de duas atividades essenciais à sua formação: a agilidade

física na ginástica, para evitar demasiada brandura; e a música, de modo a

temperar a agressividade.

iii) o último elemento, os chefes, têm de discernir o que é que cabe a

cada um e qual a sua natureza. Um tal elemento deve cultivar uma virtude de

natureza sapiencial, uma virtude intelectual ligada à sabedoria (sophia) mas de

caráter prático, que se exprime na prudência (phronesis). Em que é que estas

distinções se relevam no homem?

Vejamos então os equivalentes na alma humana: – correspondendo aos

produtores, existe na alma humana um elemento vegetativo e apetitivo. – aos

guardiães, corresponde uma alma irascível, um ímpeto anímico, a que os

gregos chamaram thýmos. – aos chefes, corresponde a parte intelectiva da

alma. Em conclusão, temos a identificação tripartida que Platão estabelece

através da polis e da alma culminando nas virtudes de cada um:

Produtores – Alma vegetativa – Temperança;

Guardiães – Alma irascível – Coragem;

Chefes – Alma intelectiva – Prudência.

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Aristóteles (1235 b 10), por sua vez, diz que existem homens que são

escravos por natureza, ou seja, por exigência e vocação da sua própria alma. O

escravo não tem capacidade de decisão nem (ao contrário das mulheres) de

deliberação, pelo que não consegue agir senão sob a direção de outro homem.

É então do interesse do próprio escravo ser escravo. Contudo, como o pró-

prio Aristóteles reconhece, permanece o problema de, por vezes, a natureza

enganar-se. Há almas de escravos em corpos de homens livres e vice-ver-

sa. Esta colocação se assemelha ao adágio: “Há negro com alma de branco”.

Percebe-se que até os filósofos, homens de alma livre, faziam as suas

classificações em relação aos homens e que isso, quer aceitemos ou não,

ainda influencia a sociedade. Não podemos nos esquecer que a nossa socie-

dade é fundamentada na meritocracia.

1.4 – Visão científica

De acordo com o Dr. Demétrio (MAGNOLI, 2009), as primeiras teorias

“científicas” sobre a divisão da humanidade em raças ofereciam uma resposta a

esse dilema de profundas implicações econômicas. Carolus Linnaeus, o pai da

taxonomia biológica, sugeriu em meados do século XVIII uma divisão do Homo

sapiens em quatro raças, baseada na origem geográfica e na cor da pele:

Americanus, Asiaticus, Africanus, e Europeanus. Naturalmente, a raça Euro-

peanus era constituída por indivíduos inteligentes, inventivos e gentis, enquanto

os índios americanos seriam teimosos e irritadiços, os asiáticos sofreriam com

inatas dificuldades de concentração e os africanos não conseguiriam escapar à

lassidão e à preguiça.

Thomas Jefferson, nas notas sobre o estado da Virgínia, de 1787, racio-

cinava que a “desafortunada diferença de cor, e talvez de talentos, é um

poderoso obstáculo à emancipação” dos negros. Ele aguardava da ciência uma

palavra conclusiva sobre as raças, mas preconizava que, quando libertos, os

negros deveriam ser afastados “além do alcance da mistura”

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Segundo o Dr. Demétrio (MAGNOLI, 2009), as primeiras tentativas de

colocar ordem na humanidade, classificando-a em raças, datam do final do

século XVII. Cem anos mais tarde, partindo de análises craniométricas, o

médico alemão Johann Friedrich Blumenbach propôs uma divisão dos seres

humanos nas raças caucasoide (branca), mongoloide (amarela), malaia (mar-

rom), etiópica (negra) e americana (vermelha). Embora a classificação expres-

se uma atitude aristotélica, Blumenbach não empregou as regras classifica-

tórias clássicas para compor o seu quadro racial. No lugar delas, implícita-

mente, utilizou a noção platônica de tipo ideal. A partir dela, modelos abstratos

servirão como ícones das raças e todos os indivíduos reais serão agrupados

em função de sua similitude aparente com aqueles ícones.

Após isso, um século se passou para que o tema da classificação racial

derivasse para apreciações que conectavam Biologia e História. A Biologia

reconhece espécies monotípicas, nas quais todos os indivíduos fazem parte da

mesma raça, e espécies politípicas, nas quais é possível identificar raças

distintas. A espécie humana é monotípica: daí a impossibilidade, experimen-

tada historicamente, de se alcançar uma classificação racial consensual. A

genética provou que as variações no interior das populações humanas

continentais são muito mais expressiva do que as diferenças entre populações.

Também revelou que as alardeadas diferenças entre as “raças” humanas não

passam de características físicas superficiais, controladas por uma fração

insignificante da carga genética humana. A cor da pele, a mais icônica das

características “raciais”, é uma mera adaptação evolutiva a diferentes níveis de

radiação ultravioleta, expressa em menos de dez dos cerca de 25 mil genes do

genoma humano (MAGNOLI, 2009, p. 21).

Historicamente, desde Sócrates, Platão e Aristóteles, até os tempos de

Charles Darwin,/ tornara-se usual hierarquizar as raças humanas em função de

suas capacidades intelectuais e explicar as realizações culturais e econômicas

dos povos a partir de potencialidades raciais. Assim diz o Dr. Demétrio

(MAGNOLI, 2009):

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No século XIX ninguém se entendia sobre a própria classificação racial.

Georges Cuvier reduziu as raças a 3, James Prichard encontrou 7, Louis

Agassiz aumentou para 12, Charles Pickering preferiu 11 e Thomas Huxley

sugeriu 4. As coisas pioraram no século xx, com as novas descobertas dos

exploradores e dos etnólogos. Joseph Deniker enumerou 19 raças em 1900

e Egon von Eicktedt listou 38 em 1937, quando outros propunham sistemas

com mais de uma centena de raças. Bem antes desse colapso classifica-

tório, Darwin registrara as dificuldades para se identificar nítidas diferenças

entre as raças humanas, embora ele mesmo flertasse com a ideia da

superioridade racial dos europeus (p. 21).

1.5 – Visão sócio-política

Segundo a historiadora Marília Ariza, a recente discussão acerca de

cotas raciais nas universidades, por exemplo, é muito importante, pois está

relacionada à reparação de desigualdades em parte herdadas da escravidão e

das experiências de vida destes recém-libertos. De acordo com Ariza, “as cotas

podem ser um grande instrumento para a justiça social. A luta hoje diz respeito

à ampliação dos direitos à cidadania para os negros, e a distribuição injusta

destes direitos tem raízes históricas fincadas na escravidão.” (Por Igor Truz -

[email protected] – Publicado em 28/fevereiro/2013).

O sociólogo Demétrio faz caminho oposto ao responder a uma

provocação no programa de entrevista Roda Viva, exibido pela Tv Cultura. Ele

diz:

O sistema de cota tem uma veia racial e racialista enorme e visa a

segregar e não agregar, separar e não unir os grupos em nome de um

multiculturalismo, que é a reinvenção do racismo histórico–científico.

Aliás, a história do racismo passou por três momentos importantes e

dignos de referência: a) o momento de invenção no século XIX, b) o

momento de desinvenção a partir da 1ª e da 2ª guerras mundiais,

declaração dos direitos humanos, etc. e c) o momento de reinvenção –

coisa que está tomando vulto novamente (Tv Cultura, 2012).

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O Ministro Edson Santos da Secretaria Especial de Políticas de Promo-

ção da Igualdade Racial refere-se às cotas da seguinte maneira, sendo

entrevistado pelo programa de tv Roda Viva:

“Eu defendo primeiro que a universidade pública ela receba estu-

dantes pobres nos seus mais variados cursos e defendo um recorte

racial dentro dessas cotas. Ou seja: uma cota social com recorte

racial dependendo do peso da população negra em cada região” (Tv

Cultura, 2012)..

Um dos representantes do movimento negro em Brasília, ao ser

perguntado sobre cotas raciais, no programa “Roda Viva”, fala sobre o assunto

fazendo a ponderação de que devemos, antes de tudo, olhar para a história

passada. Diz ele:

Quando a gente fala das cotas raciais, não é possível entendê-las a

partir do aqui/agora. É preciso que a gente faça uma reflexão histórica

para saber as razões que levaram o Estado a adotar políticas de ações

afirmativas, e particularmente as cotas. O país que tem programa de

índio, cabelo ruim, serviço de branco, coisa de preto e outras falas neste

sentido, já é uma sociedade racializada há muito tempo. A racialização

não começa agora; pelo contrário, a gente quer desconstruir a racializa-

ção, embora aos olhos dos leigos não pareça isso. O caso do cliente do

Carrefour que foi violentamente agredido nas dependências daquele

mercado, eu acho que é evidência de que não basta ter renda, não

basta ser proprietário de um carro top de linha... O caso do dentista

assassinado pela polícia, porque ao abrir o seu carro importado, foi

confundido com o bandido. Olha, esses são os casos que chegam à

mídia; na verdade, isto é cotidiano. Eventualmente, um ou outro desses

casos chegam à mídia e a gente tem condições de dizer, de demonstrar

que, população negra com renda, com vantagens materiais, não está

isenta, não está imune da violência que o racismo produz (Tv Cultura,

2012).

Demétrio Magnoli rebate:

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“Então como existem atos racistas abomináveis e que têm que ser

punidos com maior rigor, isso se torna justificativa para se dividir alunos

do mesmo nível de renda, segundo a cor da pele? Eu quero saber o que

pode acontecer no futuro – daqui a 10, 20 anos – se nós falarmos para

os alunos de escolas públicas, que moram nos mesmos bairros, que

tomam o mesmo ônibus, filhos de trabalhadores, que alguns deles vão

ter vantagens em relação aos seus colegas, do mesmo nível de renda,

em função da cor da pele. Será que isto é ou não instilar aquilo que não

existe no Brasil? No Brasil existe racismo, o que não existe no Brasil é

ódio racial de massas. Esse fenômeno é que pode ser insuflado

quando o Estado diz para jovens, filhos de trabalhadores – a elite não

tem nada a ver com isso, aliás – que eles são diferentes em função da

cor de sua pele; que todos continuarão em escolas arruinadas, mas que

alguns terão certas vantagens no fim desse ciclo de ensino – nas

escolas arruinadas – e que outros ficarão com as desvantagens. Será

que não é isso a centelha que criará o que, felizmente, não temos no

Brasil: ódio racial de massas? Ou será que se quer ódio racial de

massas porque isso ajuda a formar lideranças de raças? (Tv Cultura,

2012).

Segundo Magnoli, falando ainda no programa “Roda Viva”, na Tv

Cultura, o remédio contra o racismo são três: a) a lei, a punição mais rigorosa; e

o Brasil tem leis para punir rigorosamente o racismo; b) em segundo lugar, a

educação. É preciso ensinar as crianças, desde a escola, que raças não

existem, que a humanidade não se divide em raças e a história não é um

conflito entre raças e c) o terceiro elemento fundamental para isso é não fazer

leis raciais. Todos os Estados que fizeram leis raciais tiveram aprofundado o

abismo entre raças.

O Estatuto da Igualdade Racial, de acordo com o sociólogo Demétrio,

comete um crime pior do que os das cotas raciais das universidades, porque ele

dá incentivos fiscais ao Estado para empresas que mantiverem uma cota de

empregados “negros”. Isto significa o seguinte: introduzir no mercado de

trabalho a diferenciação racial na hora das contratações e na hora das

demissões. Que não existem só contratações, também existem demissões na

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economia. Significa dizer para os trabalhadores, com o mesmo nível de renda

dos negros, pardos, etc., que a sua situação de emprego depende da cor da

pele.

Alguns intelectuais pró-racismo dizem que as preferências raciais visam

à redenção social dos pobres. Na entrevista, o Dr. Demétrio diz que a mentira

caiu. Segundo o mesmo, o Estatuto da Igualdade Racial diferencia os

trabalhadores que buscam emprego nas mesmas empresas, pessoas do

mesmo nível de renda, pela cor da pele. Isso é política de preferência racial.

Afirma o Dr. Magnoli que a regra da gota de sangue única é a que foi

adotada nos Estados Unidos, no final do século 19 e início do século 20,

para se implantar as leis de segregação racial no país. Quando você adota

leis raciais, você precisa definir rapidamente a que raça pertence cada um.

Como não existem raças na espécie humana, você precisa criar um sistema

arbitrário para definição racial das pessoas. E nos Estados Unidos estas leis

foram adotadas finalmente no Estado da Virgínia, que acabou se tornando

um modelo para os outros Estados para a qual a existência de um ancestral

não branco tornava a pessoa um não branco, ou seja, um negro, ou um

pardo, etc. É essa regra da gota de sangue única que vai aparecer em

outros sistemas raciais no mundo. Na África do Sul o apartheid usou regras

desse tipo para definir as raças das pessoas. Na Alemanha nazista

utilizaram a regra da gota de sangue única para se definir quem era judeu

ou não (Palavras pronunciadas por Magnoli em entrevista ao programa

Roda Viva).

A reinvenção do racismo no mundo e principalmente em nosso país que

há o racismo por cor, classe e geografia, mas não há o ódio racial de massas,

seria um retrocesso, depois que avançamos tanto na história e como pessoa

humana. Seria cair na armadilha de reivindicar um gueto, uma espécie de

cidadania de segunda classe, nas palavras do escritor moçambicano Mia couto,

citado pelo Dr. Demétrio (MAGNOLI, 2009).

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CAPÍTULO II

A COR DA POBREZA

«Bem-aventurados os pobres [de espírito], porque

deles é o reino dos céus» (JESUS, Mateus 5.2).

Diante de fatos inusitados recentemente descobertos pelas pesquisas

históricas mostrando o outro lado da escravidão e da miséria, não há como

descartar a hipótese de que, na história, pobreza, escravidão, nunca teve cor.

Até porque negros também escravizaram.

2.1 Negros também escravizaram

De acordo com o jornalista Leandro Narloch (2012), 32 anos, havia muito

tempo que o costume de atacar povos inimigos e vendê-los era comum na

África. Com o tráfico pelo oceano Atlântico, as pilhagens a povos do interior,

feitas para capturar escravos, aumentaram muito – assim como o lucro de reis,

nobres e cidadãos comuns africanos que operavam a venda. Essa

personalidade dupla da África diante do tráfico de escravos às vezes aparece

num mesmo indivíduo, como é o caso de Zé Alfaiate. Ex-escravo e traficante,

foi ao mesmo tempo vítima e carrasco da escravidão.

Nas vilas da corrida de outro de Minas Gerais, nas fazendas de tabaco

da Bahia, era comum africanos ou descendentes escravizarem (NARLOCH,

2012, p. 70-71).

Leandro, de forma bem convincente, faz declaração bombástica no seu

livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, ao dizer que Zumbi, o

maior herói negro do Brasil, o homem em cuja data da morte se comemora em

muitas cidades do país o Dia da Consciência Negra, mandava capturar

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escravos de fazendas vizinhas para que eles trabalhassem forçados no

Quilombo dos Palmares. Também sequestrava mulheres, raras nas primeiras

décadas do Brasil, e executava aqueles que quisessem fugir do quilombo.

Essa informação parece ofender algumas pessoas hoje em dia, a ponto

de preferirem omiti-la ou censurá-la, mas na verdade trata-se de um dado

óbvio. É claro que Zumbi tinha escravos. Sabe-se muito pouco sobre ele –

cogita-se até que o nome mais correto seja Zambi -, mas é certo que viveu no

século 17. E quem viveu próximo do poder no século 17 tinha escravos,

sobretudo quem liderava algum povo de influência africana (NARLOCH, p. 73).

Para obter escravos, continua Leandro Narloch (2012), os quilombolas

faziam pequenos ataques a povoados próximos. Os escravos que, por sua

própria indústria e valor, conseguiam chegar aos Palmares, eram considerados

livres, mas os encargos raptados ou trazidos à força das vilas vizinhas

continuavam escravos, afirma Edison Carneiro no livro “O Quilombo dos

Palmares”, de 1947 (NARLOCH, 2012, p. 76).

Assim que conseguiam economizar para comprar a alforria, o próximo

passo de muitas negras era adquirir escravos para si próprias (NARLOCH,

2012).

“Em liberdade, essas Chicas da Silva tinham muito mais tempo e ferra-

mentas para ganhar dinheiro. Contando com escravos como mão-de-

obra barata, algumas fizeram fortuna. A angolana Isabel Pinheira morreu

em 1741 deixando sete escravos no testamento, que deveriam ser todos

alforriados quando ela morresse. Na década de 1760, a baiana Bárbara

de Oliveira tinha vários imóveis, joias, roupas de seda e nada menos

que 22 escravos. Era uma fortuna para a época” (p. 76).

No livro Escravos e Libertos nas Minas Gerais do Século XVIII, o

historiador Eduardo França Paiva, citado por Narlock (2012), mostra mais um

caso interessante: o da negra Bárbara Gomes de Abreu e Lima. Dona de um

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casarão em frente à Igreja Matriz de Sabará, ela tinha sete escravos e parcerias

comerciais com empresários e políticos.

“De acordo com o historiador José Roberto Pinto de Góes, citado por

Leandro (NARLOCH, 2012), os negros somavam três quartos da população

livre de Sabará. Em 1830, 43% das casas de negros livres tinham escravos.”

Donas de escravos como qualquer outro senhor colonial, essas negras

forras também praticavam atos cruéis que marcaram a escravidão

brasileira. Uma das piores coisas que poderia acontecer para escravos

da mesma família era serem separados e vendidos para cidades

diferentes. Essa prática frequentemente resultava em fugas e rebeliões

nas senzalas. A negra forra Luísa Rodrigues não se importou com isso

em seu testamento, de 1753. Consta ali sua decisão de vender dois dos

quatro filhos de sua escrava Leonor. Também concedeu alforria para um

dos outros dois filhos da escrava, provavelmente querendo compensar o

fato de ter separado a família (p. 91-92).

Segundo o historiador da Reuters, em Washington, Robert Davis, pro-

fessor de história social italiana na Universidade de Ohio State, a África

escravizou 1 milhão de brancos.

Mais de 1 milhão de europeus foram escravizados por traficantes norte-

africanos de escravos entre 1530 e 1780, uma época marcada por abundante

pirataria costeira no Mediterrâneo e no Atlântico. A informação é do historiador

americano Robert Davis, que falou sobre o assunto anteontem.

Segundo ele, embora o número seja pequeno perto do total de escravos

africanos negros levados às Américas ao longo de 400 anos – entre 10 milhões

e 12 milhões –, sua pesquisa mostra que o comércio de escravos brancos era

maior do que se presume comumente e que exerceu um impacto significativo

sobre a população branca da Europa.

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''Uma das coisas que o público e muitos especialistas tendem a dar como

certa é que a escravidão [na Idade Moderna] sempre foi de natureza racial, ou

seja, que apenas os negros foram escravos. Mas não é verdade'', disse Davis,

professor de história social italiana na Universidade Ohio State.

"Ser escravizado era uma possibilidade muito real para qualquer pessoa

que viajasse pelo Mediterrâneo ou que habitasse o litoral de países como Itália,

França, Espanha ou Portugal, ou até mesmo países mais ao norte, como Reino

Unido e Islândia."

Davis escreveu um livro sobre o tema, recém-lançado, chamado

"Christian Slaves, Muslim Masters: White Slavery in the Mediterranean, the

Barbary Coast, and Italy, 1500-1800" (Escravos Cristãos, Senhores Muçulma-

nos: a Escravidão Branca no Mediterrâneo, na Costa Berbere e na Itália). Nele,

o historiador calcula que entre 1 milhão e 1,25 milhão de europeus tenham sido

capturados no período citado por piratas conhecidos como corsários e obriga-

dos a trabalhar na África do Norte.

Os ataques dos piratas eram tão agressivos que cidades costeiras

mediterrâneas inteiras foram abandonadas por seus moradores assustados.

"Boa parte do que se escreveu sobre o escravagismo dá a entender que

não houve muitos escravos [europeus] e minimiza o impacto da escravidão

sobre a Europa", disse Davis em comunicado.

"A maioria dos relatos analisa apenas a escravidão em um só lugar, ou

ao longo de um período de tempo curto. Mas, quando se olha para ela desde

uma perspectiva mais ampla e ao longo de mais tempo, tornam-se claros o

âmbito maciço dessa escravidão e a força de seu impacto."

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Partindo de cidades como Túnis e Argel, os piratas atacavam navios no

Mediterrâneo e no Atlântico, além de povoados à beira-mar, para capturar

homens, mulheres e crianças, disse o historiador.

Os escravos capturados nessas condições eram colocados para traba-

lhar em pedreiras, na construção pesada e como remadores nas galés dos

piratas.

Para fazer suas estimativas, Davis recorreu a registros que indicam

quantos escravos estavam em determinado local em determinada época. Em

seguida, estimou quantos escravos novos seriam necessários para substituir os

antigos à medida que eles iam morrendo, fugindo ou sendo resgatados.

"Não é a melhor maneira de fazer estimativas sobre populações, mas,

com os registros limitados dos quais dispomos, foi a única solução encontrada",

disse o historiador, cujos trabalhos anteriores exploraram as questões de

gênero na Renascença.

2.2 O apartheid sul-africano e suas contradições

Nelson Mandela presenciou, vivenciou, experienciou, experimentou na

própria carne as cenas mais fortes que um ser humano pode viver. Seus olhos

viram a queda de um regime totalitário, excludente, racista, opressor, repressor

e assassino. Por outro lado, nunca deixou que essas coisas desumanas

pudessem ofuscar a luz da esperança que o motivava e que, através dela, viu

as trevas de um preconceito insano que cortava a própria carne dos africanos

serem dissipadas. Foi vilipendiado, maltratado, preso, machucado, esbagaça-

do, torcido como cana, não só no corpo, mas na sua própria dignidade. Quando

tudo parecia perdido, ressurgiu das cinzas, porque “fundo do poço tem molas”.

A história tem produzido seus santos de carne e osso, cuja vida

ressalta um nítido contraste com os santos pálidos e recatados das lojas de

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artigos religiosos. Nomes como os de Dietrich Bonhoeffer, Martin Luther King,

Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, Dorothy Day, Camilo Torres, NELSON

MANDELA e tantos outros que mudaram a face da história. É sabido que os

últimos nomes citados não são evangélicos, mas certamente a essa altura já

aprendemos que não se tem necessariamente de ser evangélico para ser

santo.

Note que cada um deles disse sim ao apelo para que se tornasse um

homem de fé, envolvendo-se pessoal e dolorosamente na luta social de sua

época. Cada qual é de certo modo um santo por acaso. Dorothy Day ligou sua

sorte à dos pobres, contra os lucros e a propriedade. Bonhoeffer participou de

uma conspiração para pôr fim ao horror da Segunda Guerra Mundial através do

assassinato de Hitler, foi preso e garroteado. Camilo Torres, o padre colom-

biano, convocou seus companheiros cristãos a adotarem um programa revo-

lucionário para a América Latina e foi morto a tiros numa escaramuça entre a

polícia e os guerrilheiros. NELSON MANDELA dedicou sua vida a lutar contra o

“apartheid” (separação), regime de segregação racial adotado de 1948 a 1994

pelos sucessivos governos do Partido Nacional na África do Sul, no qual os

direitos da grande maioria dos habitantes foram cerceados pelo governo

formado pela minoria branca.

MANDELA é um nome que a gente não vai esquecer; um exemplo a ser

imitado; um alvo-vida a ser seguido, um cristão na prática, alguém que pertence

à lista híbrida dos que estão do lado direito de Deus, as ovelhas.

Grandes homens não são grandes pelo que fazem ou deixam de fazer,

mas pela escolha que fazem na vida de “não serem nada” enquanto os outros –

alvos do seu ideal – não sejam totalmente livres.

Há muita coisa ainda a ser construída e reconstruída no Continente

Africano, mas que o exemplo de NELSON MANDELA mantenha de pé a digni-

dade desse povo possuído pela ganância de imperialismos opressores e os

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levante para que lutem contra o maior de todos os inimigos do homem – a

OMISSÃO.

Tudo isso que foi falado acima seria verdade absoluta e incontestável

se não fosse uma carta de Nelson Mandela endereçada a Edward Zwick, diretor

do filme “Diamante de Sangue”, que conta a história da guerra civil que assolou

Serra Leoa na década de 1990. O filme, que tem como estrela Leonardo

DiCaprio, cínico contrabandista de diamante, e que gira em torno de um pai e

filho que são escravizados por rebeldes, é ficção, mas o contexto é historica-

mente preciso.

Diamante de Sangue é uma crítica fulminante do papel da indústria de

diamantes no agravamento de uma guerra selvagem e seu desprezo pelos

direitos humanos na África. Por isso, Zwick tinha todos os motivos para esperar

que Mandela, um dos maiores defensores da vida e dos direitos humanos no

mundo, teria prazer em ajudá-lo. Ele se fez de rogado.

Para explicar melhor esta página contraditória na vida pia de Nelson

Mandela, o Site New Republic reproduz um artigo que é citado na sua íntegra.

O artigo é de 18 de setembro de 2006. Segue, abaixo, uma parte e o conteúdo

completo estará no anexo 1:

Após Edward Zwick retornar de Moçambique e Serra Leoa em Junho,

ele recebeu uma carta de Nelson Mandela. Zwick, diretor de Tempo de

Glória (1989), viajou pela África para filmar Diamantes de Sangue

(2006), uma estória sobre a guerra civil que destruiu Serra Leoa durante

os anos 1990. O filme, cujo núcleo central gira em torno de um pai e um

filho que são escravizados por rebeldes revolucionários, é estrelado por

Leonardo DiCaprio que interpreta um cínico mafioso. É verdade que é

uma ficção, mas não deixa de ter um contexto historicamente correto.

Realmente, após toda essa exposição acima, não há como descobrir

quem é o pior e o melhor da história. Parece que Rousseau estava certo ao

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dizer que o homem nasce bom, mas a sociedade, a vida cosmopolita, as

instituições sociais, as civilizações, o corrompe, mexendo, alterando, mutilan-

do, tornando artificial tudo que é natural, sufocando a bondade do homem e

manipulando a sua mente.

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CAPÍTULO III

COTAS RACIAIS VIRAM “REGIME DE EXCEÇÃO” PARA

ENTRADA DE ALUNOS COTISTAS NAS

UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

Cota racial é política; cota social é

esmola (GHIRALDELLI, 2010).

As cotas raciais, além de virarem “regime de exceção”, trazem acomo-

dação e fortalece a ideia de que as pessoas negras são menos capazes de

passar em um concurso do que outras. Todas as medidas que segregam as

pessoas pela cor da pele tendem a recrudescer o preconceito.

Os negros que concordam com o sistema de cotas raciais assumem

que são incapazes e menos inteligentes. O que deve prevalecer como critério

para aprovação de uma pessoa é a sua capacidade intelectual e não a sua cor

da pele.

Por isso mesmo, colocamos, abaixo, sete motivos que fazem do

sistema de cotas raciais um incentivo à discriminação e ao preconceito. Se não,

vejamos:

3.1. Sete motivos que fazem do sistema de cotas raciais um incen-

tivo à discriminação e ao preconceito.

3.1.1. Anula o mérito pessoal. A ideia das cotas raciais anula o mérito

pessoal. Isso quer dizer que todo negro bem-sucedido pelos próprios méritos

será visto como beneficiário das "cotas".

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3.1.2. Responsabiliza inocentes. Não se pode responsabilizar os “bran-

cos atuais” pelos “brancos do passado” que fizeram ou deixaram de fazer com

os negros. Cada momento histórico é um momento a ser vivido e experi-

mentado por cada geração. Cada um é responsável pelo que faz. Ou seja,

ninguém pode levar a culpa pelo que o outro fez.

Suponhamos que numa vila de moradores pobres haja quatro meninos:

dois brancos e dois negros. Eles são da mesma classe social e moram na

mesma vila. Agora, convenhamos, por que os dois meninos negros terão o

privilégio de ter uma cota e os outros dois brancos não?

As cotas fazem com que um negro pobre tenha privilégios frente a um

branco de mesmo nível social.

3.1.3. Promove um tipo de mérito às avessas. As cotas produzem um

tipo de mérito às avessas. Já não é mais a competência, a capacidade de cada

um. O privilégio é dado agora com base na cor da pele do sujeito. Isso consiste

no pior tipo de racismo.

O que interessa não é a cor do médico, se ele é branco, negro, amarelo

ou vermelho, mas sim a sua competência como profissional.

Ao impor uma cota racial, o Estado está sobrepujando a meritocracia

com uma imposição ignorante de que determinadas vagas devem ser destina-

das a negros a despeito do mérito de outros.

As cotas raciais transgridem o princípio da igualdade, que admite a raça

humana como a única raça. Qualquer indivíduo, não importando a cor ou a

origem, tem direitos e deveres iguais perante a lei e qualquer um pode lutar

pelos seus sonhos através do fruto de seu trabalho.

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As cotas raciais eliminam a possibilidade de que negros, brancos,

amarelos..., tenham as mesmas chances de vencer na vida.

Imagine se uma empresa tivesse que contratar seus funcionários de

acordo com a sua classificação racial? Qualquer empresa contrata seus funcio-

nários pela qualificação que cada um apresenta e não pela cor.

3.1.4. Não leva em conta a miscigenação. O Brasil é o país mais

miscigenado do mundo. A maioria da população brasileira tem ancestralidade

africana. Está se falando de muito mais da metade dos brasileiros. Pergunta-se:

Como definir quem tem e quem não tem ascendência negra?

3.1.5. É uma medida racista. As cotas raciais só fazem aumentar a

identificação racial e intensificar o racismo. Se só existe a raça humana como

raça, por que promover a identificação racial de seus cidadãos?

As cotas raciais fazem do próprio sujeito beneficiado um pobre coitado.

Sua entrada na universidade será sempre através de um “regime de exceção”,

não por capacidade. Está se dizendo em outras palavras que os negros não

têm o mesmo potencial que todos os outros e que por isso precisam de uma

“ajudinha”. Negros, assim como brancos, não precisam de “ajudinha” para

vencer na vida. Não há motivo para destinar cotas para pessoas apenas pela

cor de suas peles.

3.1.6. Promove o preconceito. As cotas raciais, além de intensificarem

o preconceito a um nível insuportável, pecham o negro como coitado. E o que é

pior: qualquer empresa irá ver o negro como um profissional inferior, oriundo

das “cotas”.

3.1.7. É Injusta. As cotas raciais são rejeitadas por alguns, porque são

injustas e imorais. São injustas, porque ferem o princípio da igualdade: brancos

não podem prevalecer sobre negros, assim como negros não podem prevalecer

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sobre brancos; homossexuais não podem prevalecer sobre heterossexuais, e

assim por diante. Todos devem ter os mesmos direitos e deveres perante a lei.

São imorais porque ferem o princípio da razoabilidade. Nenhuma cor, raça pode

prevalecer sobre outra. Isso é discriminação.

O povo brasileiro não deve ser contra as cotas raciais apenas, mas

também para brancos, pardos, amarelos, judeus, índios, crentes, gays, gordos,

magros, católicos, ateus, feios, bonitos, altos, magros...

Não esqueçam: Nos EUA, depois de mais de 40 anos de medidas

afirmativas, negros ainda têm uma renda menor e escolaridade inferior à dos

brancos. Cotas não resolvem o problema do Brasil; só aumenta o preconceito e

a discriminação.

Ainda sobre as cotas raciais que se transformam em “regime de exce-

ção” para a entrada de negros cotistas nas universidades e concursos públicos

é preciso salientar alguns aspectos relevantes.

Em uma sociedade onde vivem, pacificamente, brancos e negros, não há

o menor cabimento em adotar medidas iguais às de um lugar com o histórico

como o dos norte-americanos.

Aqueles que são contra as cotas nas universidades dizem que o que

impede um negro de alcançar estas vagas não é o fato de serem negros, e sim

a desigualdade social que gera, por consequência, uma exclusão educacional,

e que acreditam estar longe de ser resolvida. Outra: ninguém é proibido de

frequentar uma universidade porque é negro, muitos não frequentam por não

ter tido acesso a educação que o preparasse para isso.

As cotas específicas para negros alteram a realidade de quem é branco

e pobre que fica sem opção. O fato de ser branco ou negro não diminui nem

aumenta a inteligência ou talento de ninguém e é preciso ver que nem toda

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vítima é negra e nem todo negro é vítima. Nos estados de Santa Catarina ou

Bahia como ficariam as questões de cotas para negros? A realidade é diferente

e deveria ser levada em consideração pelos reitores na hora da aprovação de

tais ações afirmativas.

3.2. Programa “Acelera Brasil” e suas contradições

O programa do governo “Acelera Brasil”, criado em 1997, tem por

objetivo regularizar o fluxo escolar e obter resultados permanentes, em outras

palavras: querem fazer com que os alunos estejam em um nível escolar

condizente com a sua idade. O governo quer diminuir a reprovação nas escolas

porque isso está diretamente ligado à evasão de crianças e jovens do ensino

público do País. A evasão piora a imagem do Brasil no cenário internacional, já

que possui um dos piores índices de alfabetização e conclusão de ensino

básico. Alguns educadores são unânimes em dizer que essa medida prejudica o

nível do ensino superior.

A proposta do programa é boa, mas a forma como ele é aplicado nem

tanto. Para fazer com que os alunos não desistam da escola, os professores

são induzidos a não permitir que o estudante seja reprovado, mesmo que não

esteja apto para cursar as matérias do ano seguinte. Além disso, os alunos

defasados, ou seja, os que têm uma distorção de 2 ou mais anos em relação a

série em que deveriam estar, têm uma ajudinha do conselho escolar para subir

algumas turmas sem mesmo tê-las cursado.

Assim sendo, o medo de que o ensino superior pioraria é justificável.

Aqueles que participaram do programa desde 1997 já têm idade para prestar o

vestibular e usar as cotas para oriundos da escola pública. Esses alunos que

passaram de ano apenas para maquiar as estatísticas do governo não estão

preparados para receber uma educação superior. E não estão preparados não

só porque receberam uma aprovação mentirosa durante toda a sua vida, mas

sim porque não estão capacitados para acompanhar o ritmo de uma

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universidade pública de qualidade. Dessa maneira, vai acontecer o mesmo:

aqueles que não conseguirem dançar conforme a música serão reprovados,

desestimulados e desistirão da faculdade. Se a universidade resolver se

adequar ao nível de seus novos alunos, então o nível de seus formandos cairá.

O governo não está preocupado com isso, porque a intenção não é

educar com qualidade sua população, mas sim, adequar-se aos parâmetros

mundiais, tomando atitudes que elevem a moral do Brasil a qualquer custo.

Com medidas paliativas o problema nunca será resolvido, e sim, protelado.

3.3. Erros e acertos para resolver o problema do preconceito em

relação às cotas raciais

Segundo o filósofo Paulo Ghiraldelli (GHIRALDELLI, 2010), para resol-

ver o problema da diminuição do preconceito em qualquer setor e, é claro, não

só no campo universitário, uma das boas políticas é ter o mais rápido possível o

negro, o pardo e o índio em lugares onde esses brasileiros não estão. Portanto,

também na universidade; e é para isso que serve a cota racial. Isso evita a

formação de uma mentalidade que se alimente de formulações aquém do

conceito – há com isso a diminuição da formação do pré-conceito e, portanto,

no conjunto da sociedade, menos ações prejudiciais contra negros e índios.

Nos Estados Unidos da América do Norte o sistema de cotas foi

ampliado rapidamente com a mudança da mentalidade do povo. Mesmo os

mais radicais mudaram. De acordo com Ghiraldelli, o preconceito racial que, na

época de Kennedy, era um problema para o FBI e, depois, para o Movimento

dos Direitos Civis, diminuiu sensivelmente nos anos oitenta. A visibilidade do

negro se fez presente diminuindo sensivelmente o que o americano médio –

negros ou brancos – pensava de si mesmo. Foi essa política que permitiu um

país com bem menos miscigenação que o nosso pudesse, mais cedo do que se

imaginava, eleger um Presidente negro – algo impensável nos anos 60.

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Paulo Ghiraldelli (2010), filósofo da USP, diz que a pior defesa das cotas

para negros e índios na Universidade brasileira é a dos que dizem que isso se

insere em uma política educacional de compensação. Em geral, essa defesa é

feita pela esquerda.

O filósofo assevera ainda que o mais perverso ataque que conhece

contra as cotas raciais é o dos que dizem que defendem, ao invés destas, as

cotas sociais. Em geral esse ataque é o da direita, em especial o que é dito

pelos parlamentares do PSDB e DEM.

De acordo com Ghiraldelli (2010), cota racial advém de uma política

contemporânea, em geral de cunho socialdemocrata ou, para usar a termino-

logia americana, mais apropriada ao caso, liberal. A cota social é esmola, tem o

mesmo cheiro da ação de reis e padres da Idade Média, e aparece no estado

moderno travestida de política.

A cota social não faz sentido, pois o seu pressuposto é o de que há e sempre

haverá pobres e ricos e que aos primeiros se dará uma compensação, que

obviamente não pode ser universal, para que alguns usufruam da boa univer-

sidade destinada aos ricos. É como se dissessem: também há pobres inteli-

gentes que merecem uma chance para estudar. O termo social, neste caso, é

meramente ideológico. Não se vai fazer nenhuma ação social com o objetivo

de melhoria da sociedade. O que se faz aí é, no melhor, populismo, no pior, a

mera prática a esmola mesmo.

A cota racial não pode ser posta no mesmo plano da cota social. Todavia, a

sua defesa cai na mesma vala da cota social quando se diz que ela visa

colocar os negros na universidade, até então dominada pelos brancos, para

que se possa compensá-los pela escravidão ou pelo desleixo do estado ou

pelo racismo velado ou aberto. Não! Cota racial não é para isso. O objetivo

das cotas é o de colocar um grupo no interior de um lugar em que ele não é

visto para que, assim, de maneira mais rápida, se dê o convívio social entre os

grupos nacionais, de modo a promover a integração – o que passa necessária-

mente pelo convívio que pode levar ao conhecimento entre culturas,

casamentos, troca de histórias e criação de experiências comuns. A questão,

neste caso, é de visibilidade do grupo por ele mesmo e da sociedade em

relação aos grupos (GHIRALDELLI, 2012).

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Para Ghiraldelli no Brasil há miscigenação. E em grande escala. Ótimo!

Mas não basta. Não é o suficiente porque há espaços físicos e institucionais, no

Brasil, que não estão disponíveis para determinados grupos étnicos e isso

promove uma má visibilidade da nossa população em relação a ela mesma. A

população não vê o negro e o índio na universidade e, com isso, não formula o

conceito correto de aluno universitário: o universitário é o estudante brasileiro

de ensino superior. Ora, se você não vê o negro e o índio nesse espaço, o

conceito não se forma de modo ótimo, o que é gerado na mentalidade, ainda

que não verbalizado de maneira completamente clara, é o seguinte: o

universitário é o estudante brasileiro branco de ensino superior. Isso é o pré-

conceito a respeito de aluno universitário. Ele está aquém do conceito – por

isso ele é “pré”. Ele pode gerar uma visão errada e, a partir daí, uma

discriminação social, em qualquer outro setor da vida nacional.

Mas se por um momento, pressupondo, as cotas raciais foram positivas

elas terminaram entregando os negros, pardos e índios a um abismo pior com o

chamado “regime de exceção”, que configura uma brutalidade sem fim para os

contemplados pela chamada reparação histórica. O nível de brutalidade é

tamanho porque pressupõe incapacidade, impossibilidade, inabilidade, ignorân-

cia. Como dizem os antigos, a emenda foi pior do que o soneto.

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CONCLUSÃO

Qualquer tipo de racismo, seja ele qual for, que se instaure num grupo

social, por causa de cor, ancestralidade, tamanho, lugar, origem, sangue, é

sempre um mal que deve ser extirpado do meio de qualquer povo.

O ser humano só evolui quando consegue olhar o outro com igualdade.

Racismo não tem cor, pois é resultado de uma decisão de Estado em fazer leis

de intolerância contra alguns grupos sociais privilegiando outros. Qualquer

coisa que beneficie os negros, mas venha na esteira de um “regime de exce-

ção”, não tem vantagem alguma. Tal medida apenas ressalta suas diferenças e

incapacidades.

Sistema de cotas, de bônus, coloca o negro, o pardo, o índio numa

posição de sujeito sujeitado, de incapazes em relação aos outros diferentes. A

política de cotas raciais (ou sociais) não melhora em nada a posição dos

negros. Apenas os coloca numa situação vexatória e incômoda. O que de fato

precisa para mudar o país é de uma educação fundamental eficiente, siste-

mática, abrangente e preparatória para o ingresso de negros, pardos, índios,

brancos no ensino superior. Sem isso, continuaremos praticando medidas

estanques que não resolvem absolutamente nada.

As Leis de Diretrizes e Bases (LDB) são abrangentes e profundamente

inclusivas. Só que no mundo real elas não funcionam assim. O PNE (Plano

Nacional de Educação) está parado, engavetado. Se ele for aprovado e aplica-

do com competência e eficiência, como plano efetivo e permanente para o

Brasil, sem influência ou ação partidária, viveremos um momento áureo na

educação brasileira.

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“Regime de exceção” já é em si um tipo de preconceito. Isto quer dizer

que quaisquer políticas de afirmação que coloquem os negros em situação pior

e mais delicada nas instituições de ensino superior, devem ser debatidas com

maior aprofundamento.

A ideia que deve ser propagada nos quatro cantos do país, e no

mundo, é a igualdade entre os povos e que todos os homens são iguais perante

Deus e perante a lei, e não recrudescer as relações interpessoais divulgando

ideias racistas. Os cidadãos são iguais perante a lei e têm o direito de inventar

o seu próprio futuro, sem precisar ser motivado e incentivado a criar guetos

raciais e culturais para se afirmarem.

Portanto, não devemos nos preocupar tanto com a cor da nossa raça,

mas com o tamanho da nossa insensatez, palidez, anemia, em enfrentar nossos

problemas reais, resultante de indiferença crônica, que não faz nada para

mudar o ambiente no qual vivemos, pois pior não é o cego, mas aquele que não

quer enxergar.

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ANEXO 1

Texto do livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil

NARLOCH, Leandro – Guia politicamente incorreto da história do Brasil.

Ed. LeYa, 2011, 2ª Edição, São Paulo, SP.

De acordo com o historiador José Roberto Pinto de Góes os negros

somavam três quartos da população livre de Sabará. Em 1830, 43% das casas

de negros livres tinham escravos.

Donas de escravos como qualquer outro senhor colonial, essas negras

forras também praticavam atos cruéis que marcaram a escravidão brasileira.

Uma das piores coisas que poderia acontecer para escravos da mesma família

era serem separados e vendidos para cidades diferentes. Essa prática

frequentemente resultava em fugas e rebeliões nas senzalas. A negra forra

Luísa Rodrigues não se importou com isso em seu testamento, de 1753. Consta

ali sua decisão de vender dois dos quatro filhos de sua escrava Leonor.

Também concedeu alforria para um dos outros dois filhos da escrava,

provavelmente querendo compensar o fato de ter separado a família.

Negros agiam assim por todo o país, e não só as mulheres. Em

Campos dos Goytacazes [Rio de Janeiro], no final do século 18, um terço da

classe senhorial era ‘de cor’. Isso acontecia na Bahia, em Pernambuco etc.,

escreveu o historiador José Roberto Pinto de Góes. O historiador americano

Bert Barickman, analisando os registros de posses de escravos em vilas rurais

ao redor de Salvador, descobriu que negros eram uma parcela considerável dos

proprietários de escravos. No vilarejo de São Gonçalo dos Campos, pardos e

negros alforriados tinham 29,8% de todos os cativos. Em Santiago do Iguape,

46,5% dos escravos eram propriedade de negros, que, diante dos brancos,

eram minoria da população livre. Embora possuíssem geralmente apenas um

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número reduzido de cativos, esses não brancos eram, ainda assim, senhores

de escravos, diz o historiador Barickman. Entre os negros que depois de livres

voltaram para a terra natal, formando a comunidade de ‘brasileiros’ no Daomé,

hoje Benin, vários passaram a vender gente. O africano João de Oliveira voltou

à África em 1733, depois de adquirir a liberdade na Bahia. Abriu dois portos de

venda de escravos, pagando do próprio bolso o custo das instalações para o

embarque dos negros capturados. O ex-escravo Joaquim d’Almeida tinha casa

no Brasil e na África. Cristão e enriquecido pelo tráfico, financiou a construção

de uma capela no centro da cidade de Ágüe, no Benin.

Não há motivo para ativistas do movimento negro fechar os olhos aos

escravos que viraram senhores. Ninguém hoje deve ser responsabilizado pelo

que os antepassados distantes fizeram séculos atrás.

“É uma pena que historiadores comprometidos com a causa negra ou

patrocinados por estatais escondam esses personagens.”

“Entre a diversidade das culturas africanas, a escravidão funcionava

como um traço comum. Era quase uma regra dos reis ter escravos eunucos,

escravas domésticas, dezenas de mulheres – que por sua vez tinham serviçais.

As caravanas de comércio escravo existiam muitos séculos antes de os

europeus atingirem a costa oeste do continente.” Diz o historiador americano

Paul Lovejoy: “A escravidão já era fundamental para a ordem social, política e

econômica africana havia vários séculos antes de 1600. A escravização era

uma atividade organizada, sancionada pela lei e pelo costume. Os cativos eram

a principal mercadoria do comércio, incluindo o setor de exportação, e eram

importantes na esfera interna, não apenas como concubinas, criados, soldados

e administradores, mas também como trabalhadores comuns”.

Como há pouquíssimos registros dessa época, os historiadores não

sabem direito qual o número de escravos vendidos pelo Saara. Mas concordam

com o tamanho dele. Para o historiador Luiz Felipe de Alencastro, foram 8

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milhões de pessoas. O americano Patrick Manning fala que só as rotas

transaarianas escoaram 10 mil escravos por ano – 1 milhão de escravos por

século. Contando as caravanas transaarianas e orientais até o fim da

escravidão, Paul Bairoch soma 25 milhões de escravos – mais que o dobro do

que foi levado às Américas, geralmente estimado em 12 milhões de pessoas

(Idem, pp. 85-86).

“Para se comunicar com os portugueses, o rei do Daomé usava algum

escravo português que tinha entre seu séquito. Eram geralmente marujos que

acabavam capturados quando o Daomé atacava os vizinhos. Se Portugal não

se interessava em pagar resgate para libertá-los, eles continuavam servindo ao

rei africano” (p. 76-89).

“Os nobres africanos dependiam da venda de escravos para manter

seu poder. Vendendo gente, eles obtinham armas. Garantiam assim a

expansão do território e o domínio das terras já conquistadas. Sem a troca de

escravos por armas, tinham a soberania do território e a própria cabeça

ameaçadas” (p. 91-92).

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ANEXO 2

Texto tirado do Site New Republic e citado na sua íntegra.

O artigo é de 18 de setembro de 2006:

Após Edward Zwick retornar de Moçambique e Serra Leoa em Junho,

ele recebeu uma carta de Nelson Mandela. Zwick, diretor de Tempo de Glória

(1989), viajou pela África para filmar Diamantes de Sangue (2006), uma

estória sobre a guerra civil que destruiu Serra Leoa durante os anos 1990. O

filme, cujo núcleo central gira em torno de um pai e um filho que são

escravizados por rebeldes revolucionários, é estrelado por Leonardo DiCaprio

que interpreta um cínico mafioso. É verdade que é uma ficção, mas não deixa

de ter um contexto historicamente correto.

Entre 1991 e 2002, soldados rebeldes de uma brutal força revolucio-

nária, a Frente Revolucionária Unida, ou RUF em inglês, sequestravam civis

e forçavam-nos a trabalhar nas minas de diamantes que são contrabandeados

para países vizinhos e desses para a Europa, vendidos por grandes conglome-

rados da indústria de joias de alto valor, tais como a De Beers. O dinheiro

arrecadado com as vendas volta para Serra Leoa, financiando mais sequestros

e violência contra civis.

Diamantes de Sangue é uma dura crítica contra a indústria de diamante

em um cenário de guerra absurda e o desprezo dela pelos direitos humanos

naquele continente. Zwick tinha todos os motivos para pensar que Mandela, um

dos maiores defensores dos direitos humanos, ficaria orgulhoso, coisa que

não aconteceu. Na carta endereçada ao diretor, Mandela escreve: “Seria

lamentável se o filme inadvertidamente obscurecesse a verdade e, como

resultado, mostrasse ao mundo que parar de comprar diamantes de minas

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africanas é uma atitude apropriada. Esperamos que o desejo de contar uma

estória importante tal qual o filme, não afete a produção de diamantes de países

da África e, em última análise, os povos dela”. Nenhum desses argumentos faz

sentido, exceto se o leitor não souber de um detalhe que não é conhecido

amplamente pelas pessoas: o homem que terminou com o apartheid e se

tornou o maior defensor dos direitos humanos neste século, é também um

propagandista da indústria de diamantes.

A afinidade de Mandela com a De Beers e com outras companhias de

diamantes é resultado tanto da geografia quanto de relacionamentos pessoais.

África do Sul produz mais de um bilhão de dólares em diamantes por ano, e,

mesmo que o Congresso Africano de Mandela tenha significante influência

comunista e marxista, o partido deu suporte amplo à indústria de diamantes

depois de chegar ao poder. Além disso, Mandela tinha amizade com Harry

Oppenheimer, o presidente da De Beers, que, como empresário branco da

África do Sul, foi relativamente simpático com o movimento antiapartheid.

Oppenheimer encorajou a criação de sindicatos de negros e financiou a política

partidária que se opunha especificamente contra as diferenças raciais na África

do Sul. Oppenheimer ficou mais próximo de Mandela antes desse se tornar

presidente e ficariam mais próximos ainda após Mandela se tornar o líder

máximo daquele país. Oppenheimer frequentemente hospedava Mandela na

luxuosa mansão dele. Mandela também ficou conhecido por trazer represen-

tantes da De Beers para viagens ao exterior.

Nos final dos anos 1990, pressões políticas aumentaram sobre a

companhia De Beers, que, à época, controlava 70% do mercado mundial de

diamantes. Era preciso parar de fomentar os chamados “conflitos de

diamantes” de Serra Leoa. Entenda-se conflitos de diamantes como um

eufemismo para o financiamento daquelas guerras sangrentas. Tais conflitos,

ajudaram a financiar também a guerra civil de Angola, causando um estrago

igual ao de Serra Leoa. Em 2000, Ryan Lizza documentou que a administração

do presidente americano Bill Clinton falhou em negociar a paz em Serra Leoa.

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Organizações de direitos humanos pediram medidas para assegurar que

diamantes oriundos de áreas em guerra não chegassem ao mercado

consumidor.

Mandela ainda falou pelas indústrias de diamantes: “A indústria de

diamantes é vital para a economia da África do Sul e do sul da África”, disse à

época, partilhando do discurso da De Beers. “Ficaríamos preocupados com

esse tipo de campanha internacional que pode causar prejuízos a esta indústria

importante”. Mais ainda, Mandela deixou claro que o posicionamento das

indústrias sobre os direitos humanos deveriam ser levado pela “própria

iniciativa” delas. Quando, em 2000, o representante americano, Tony Hall,

apresentou uma lei que obrigaria todos os diamantes vendidos nos Estados

Unidos acima de cem dólares a terem um certificado especificando o país de

origem, um executivo das indústrias de diamantes se pronunciou perante o

Congresso usando as palavras de Mandela para argumentar que tal medida

poderia prejudicar a produção de diamantes em países que exploram a joia. “O

ex-presidente Nelson Mandela se mostrou preocupado com a campanha

internacional que pode prejudicar a indústria de diamantes de seu país”. Eli

Haas, presidente do Clube de Negociantes de Diamantes, disse isso em um

dos subcomitês da Casa Branca.

Eventualmente, em 2002, sob um acordo conhecido como Processo

Kimberley, companhias de diamantes concordaram em assegurar que todos os

diamantes saíssem de campos de extração legalizados e que o dinheiro

arrecadado com as vendas não fomentasse guerras civis. Mas não ficou claro o

suficiente o quanto a proposta ficaria eficiente. Um recente relatório das

Nações Unidas achou indícios de que dinheiro oriundo de diamantes

explorando ilegalmente está ajudando a fomentar conflitos em Gana e Mali. O

estudo estima ainda que pelo menos metade dos diamantes explorados em

Serra Leoa continua a ser traficada. O problema, conforme especialistas, é que

o Processo Kimberley não possui mecanismos eficientes de verificação. “A

indústria de diamantes não faz muitas perguntas”, diz Corina Gilfillan, da Global

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Witness, ONG focada na exploração de recursos naturais. Completa ainda: “Ele

apenas querem fazer o melhor negócio”.

Mandela continua a dar seu suporte às indústrias de diamantes. Ele

recentemente escreveu um bilhete elogiando De Beers pelos serviços

prestados à comunidade: “Eu parabenizo a De Beers, líder mundial em

diamantes, pelas suas raízes na África do Sul e pelo modo como vem

demonstrando suas credenciais como uma corporação cidadã em tantas áreas

conflituosas”. A pequena carta, sem surpresas, aparece nos folhetos da De

Beers.

A campanha das indústrias de diamantes contra o filme Diamantes de

Sangue é apenas a última fase numa contínua batalha para afastar más

publicidades e permanecer em discrição. Zwick recebeu uma carta mais

cedo este ano do presidente do Processo Kimberley e do Conselho Mundial de

Diamantes que se mostrava preocupado com o projeto do filme. O Conselho

contratou Sitrick e Companhia, uma empresa especializada em gerenciamento

de conflitos. Em junho, um blog do portal Los Angeles Times, noticiou que

Sitrick listou, sem surpresas, Nelson Mandela para responder às celeumas

criadas através do filme. Na ocasião, um dos membros do Conselho, disse que

Mandela estava falando por contra própria.

Os discursos de Nelson Mandela em favor da indústria de diamantes

são, ao mesmo tempo, plausíveis. Apesar de tudo, ele era o presidente da

África do Sul e parte do trabalho de um presidente é cuidar da economia do

país. Mas Mandela não é respeitado como um dos heróis do século vinte por

causa da busca apurada dos interesses da África do Sul. Mas, ele tem uma

moral pela longa campanha contra o apartheid, uma campanha que apelou

para valores universais como direitos humanos e liberdade. Acobertado

pela indústria de diamantes durante os anos 1990, ao tempo em que a

produção de diamantes ajudava a financiar a brutal guerra civil de Serra Leoa,

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Mandela pôs os interesses nacionais de seu país acima desses valores

universais. Hoje ele continua a fazer o mesmo.

“Verdade e reconciliação, tudo isso é desperdício”, diz o personagem

de Leonardo DiCaprio para uma jornalista idealista no filme. Claro, Nelson

Mandela não concordaria. Mas, trabalhando para a indústria de diamantes, ele

deixa aptos aqueles que o fazem.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTOS 3

DEDICATÓRIA 4

EPÍGRAFE 5

RESUMO 6

METODOLOGIA 7

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I – A HISTÓRIA DO RACISMO NO MUNDO 11

1.1. Visão teológica 14

1.2. Visão histórica 18

1.3. Visão filosófica 20

1.4. Visão científica 22

1.5. Visão sócio-política 24

CAPÍTULO II – A COR DA POBREZA 28

2.1. Pobreza não tem cor 28

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2.2. O apartheid sul-africano e suas contradições 32

CAPÍTULO III – COTAS RACIAIS VIRAM “REGIME DE EXCEÇÃO” 36

PARA ENTRADA DE ALUNOS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

3.1. Sete motivos que fazem do sistema de cotas raciais um incentivo à 36

discriminação e ao preconceito.

3.1.1. Anula o mérito pessoal 36

3.1.2. Responsabiliza inocentes 37

3.1.3. Promove um tipo de mérito às avessas 37

3.1.4. Não leva em conta a miscigenação 38

3.1.5. É uma medida racista 38

3.1.6. Promove o preconceito 38

3.1.7. É Injusta 38

3.2. Programa “Acelera Brasil” 40

3.3. Erros e acertos para resolver o problema do preconceito em 41

relação às cotas raciais

CONCLUSÃO 44

ANEXOS 46

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 54

BIBLIOGRAFIA CITADA 55

WEBGRAFIA 56

ÍNDICE 57