documento protegido pela lei de direito autoral · dentro do estado constitucional, os meios de...

77
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O PROCESSO PENAL E A INFLUÊCIA DA MÍDIA NA CONDENAÇÃO Por: Camila Ramos Ferreira Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

Upload: others

Post on 27-Oct-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O PROCESSO PENAL E A INFLUÊCIA DA MÍDIA NA

CONDENAÇÃO

Por: Camila Ramos Ferreira

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2013

DOCU

MENTO

PRO

TEGID

O PEL

A LE

I DE D

IREIT

O AUTO

RAL

Page 2: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O PROCESSO PENAL E A INFLUÊCIA DA MÍDIA NA

CONDENAÇÃO

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito e Processo Penal.

Por: Camila Ramos Ferreira

Page 3: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

3

RESUMO

Falar das consequências acerca da ingerência da mídia no processo

penal exige uma maior atenção, porque os fatos relatados pela mídia sobre

crimes e violência revelam uma visão manipulada da justiça e da realidade da

sociedade. Eles constroem a sua opinião sobre a vida em um lugar e a

apresentam como opinião pública.

Com o rápido crescimento mundial da tecnologia, os meios de

comunicação de massa atingem a maior parte da população, e trazem um

discurso punitivo mais forte, que faz com que o cidadão se sinta como

pertencente a um lugar com altas taxas de violência e criminalidade,um local

de guerra.

Desta forma os fatos em torno do processo, noticiados pelos meios de

comunicação afetam a sentenças penais, especialmente quando os juízes se

aproximam do clamor público, que exige uma resposta do Estado, de forma

que venham a decidir sobre a liberdade de um indivíduo condenando-o.

Palavras-chave: processo penal, mídia, condenação, criminalidade.

Page 4: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

4

METODOLOGIA

A elaboração do trabalho foi realizada pravés de pesquisa bibliográfica,

como livros, artigos, periódicos e teses, consulta em sítios da web e

reportagens diversas..

Page 5: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 06

CAPÍTULO I - MÍDIA, CRIMINALIDADE E PROCESSO PENAL 11

CAPÍTULO II - INFLUÊNCIA DA MÍDIA AO MAGISTRADO? 26

CAPÍTULO III – INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES? 43

CONCLUSÃO 66

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 71

ÍNDICE 76

FOLHA DE AVALIAÇÃO 77

Page 6: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

6

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se revela com a intenção de analisar a influência

que o processo penal sofre dos meios de comunicação de massa, que a partir

do momento em que vinculam a informação e o crime ganha maior interesse,

não raras as vezes o indivíduo alvo da persecução acaba condenado

socialmente, muito antes do devido processo legal, fato que o leva também à

condenação processual.

A ligação da mídia com o Poder Judiciário e, mais especificamente o

processo penal, busca atender o interesse social em acompanhar os fatos de

relevância na sociedade. Assim, são os veiculados na mídia aqueles que

possam alcançar um níveis mais elevados de , o que, consequentemente,

aumenta o lucro emvolto na notícia. É nesse viés que os fatos recebem uma

dramatização maior, são manipulados e levados a um nível elevado de

sensacionalismo, a fim de explorar as emoções do público, em que uma

ideologia pré-formada é transmitida, moldando opiniões distorcidas da

realidade.

A imprensa, que se desenvolveu a partir de meados do século XVIII

como um instrumento de conscientização pública, após perceber a sua

capacidade de influência no campo social e, com os avanços dos recursos ao

longo dos séculos, deixou de apenas informar para propagar opiniões dentro

da sociedade, transformando a informação em um objeto a ser consumido.

Ocorre que, atualmente, a busca por meios que prendam a atenção

dos indivíduos, faz com que a atuação dos jornalistas e profissionais da

imprensa se guie em uma esfera que não se submete aos limites

constitucionais de imparcialidade e ética, o que os leva a pecar pelo excesso,

posto que as transmissões jornalísticas podem trazer prejuízos muitas vezes

irremediáveis aos membros da sociedade, servindo ainda a influenciar os

atores do processo, sendo estes o próprio magistrado, o representante do

Page 7: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

7

Ministério Público, as partes, bem como o delegado que conduziu as

investigações.

Necessário se faz destacar ainda a criação de estereótipos, que são

levados à publico pela mídia, em que determinados sujeitos são tratados como

estranhos ao meio social, e propensos ao cometimento de delitos, construção

essa que se estende como forma de controle social, inserindo-se, não somente

na atuação Estatal, mas como manutenção do poder.

Busca-se, por fim demonstrar que a influência midiática no cenário

processual penal tende a seguir um discurso de acusação que apenas segue

os interesses econômicos das elites com a direção dos meios de comunicação,

resultando no atropelamento das normas constitucionais e em condenações

afastadas de lastro probatório mínimo

.

Page 8: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

8

CAPÍTULO I

MÍDIA, CRIMINALIDADE E PROCESSO PENAL

1.1 - Opinião Pública, Surgimento e Concepção Moderna dos Meios de Comunicação.

A imprensa como se conhece hoje teve origem no século XVIII com a

revolução filosófica iluminista firmada sobre a “capacidade racional e moral dos

indivíduos” contra o governo absolutista1, desempenhando papel chave na

fundação do Estado Constitucional, pois ao se instituir como instrumento de

manutenção desta forma de Estado, garante à sociedade o exercício regular

da democracia, a fim de se contestar e fiscalizar as autoridades constituídas

em seu nome. 2

Foi com a política de relações mercantilistas do capitalismo que as

informações ganharam o status de mercadorias, passando a se priorizar a

troca de notícias.3 Necessário se faz esclarecer que inicialmente as

informações eram produtos, trocados de forma sigilosa, por interessar apenas

aos comerciantes e seus negócios.4 Os jornais, nesse contexto eram de forma

manuscrita, vindo a utilizar a forma impressa muito posteriormente.5

Diferente do que se conhece da atual estrutura dos meios de

comunicação, à época de seu surgimento, os meios de produção da

informação eram rudimentares, o que não permitia uma produção em massa

das informações como hodiernamente, sendo ainda poucos os jornais

existentes à época. Destarte que a informação não era levada a toda

1 Idem, Ibidem, p. 90. 2 SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 48-50. 3 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Controle Judicial dos Limites Constitucionais à Liberdade de Imprensa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 90. 4 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 49-50. 5 Idem., Ibid, p. 50. Com a versão impressa das informações (jornais), passou-se a exigir um preço para sua aquisição, o que, em um mercado capitalista, levou a obtenção de lucro: passa a informação a se inserida no mercado, estando também sujeita às suas leis.

Page 9: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

9

coletividade, pois a maioria da população era analfabeta, ficando a informação

restrita à minoria letrada.6

Souza afirma que a partir deste mercado de informações a imprensa

ganhou importância, vindo a tornar-se instrumento de informação pública

acerca da atuação dos governos, “contribuindo assim para que o povo pudesse

controlar as ações de seus representantes”. Mas embora o alcance e a

produção de jornais fossem reduzidos, era “de suma importância para

disseminar o conhecimento sobre as atividades políticas e propiciar uma

primeira experiência de transparência da atividade pública, tão incomum no

regime anterior, dominado pelo absolutismo.”7

Entende-se que essa importância dos meios de comunicação advém

da necessidade constante do homem de se manter informado acerca dos

acontecimentos ao seu redor, para possibilitar a convivência de acordo com as

regras estabelecidas na sociedade: interando-se acerca dos fatos para efetivar

a participação na vida pública.8 Desta forma, segundo Ana Lúcia Menezes

Vieira, é através da informação que “o homem exerce sua condição humana

de socialização. E, à medida que a pessoa se comunica, ela se desenvolve

pessoalmente e participa do desenvolvimento coletivo.”9

Desta concepção inicial, verifica-se que os meios de comunicação se

insurgiram como forma de controle popular dos atos do Estado, e que

posteriormente o direito à informação se firmou como direito inerente à toda a

coletividade, passando a receber tratamento de direito humano. Encontra-se o

seu marco como direito humano na Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão de 1789, no artigo 11, que assim prescreve: “a livre comunicação dos

pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo

cidadão pode, portanto, falar, escrever e imprimir livremente, salvo a

6 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Controle Judicial dos Limites Constitucionais à Liberdade de Imprensa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 90-91. 7 Idem., Ibidem, p. 91. 8 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 30-31. 9 Idem., Ibidem, p. 34.

Page 10: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

10

responsabilidade que o abuso desta liberdade produza nos casos

determinados por lei”.10

A partir da Revolução Industrial é que a imprensa passa a se

apresentar como uma empresa “industrial/comercial”, orientada sobre

interesses de consumo, fato que adentra o século XX até os dias de hoje.11

Com a evolução do mercado e das relações sociais, a imprensa passa

a priorizar os interesses consumistas dos indivíduos, se posicionando sobre o

consumo de uma nova mercadoria: a cultura; alcançando desta forma, um

novo patamar dentro da sociedade, que somado à sua concepção inicial, lhe

garantiu status de complexo de poder social.12

Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se

sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto é, pautam-se sobre a

liberdade de expressão e comunicação, “é o que se extrai dos incisos IV, V, IX,

XII, XIV do art. 5º combinados com os arts. 220 a 224 da Constituição”.13

Insta anotar que a liberdade de expressão é um direito a ser garantido

pelo Estado, pois segundo Schreiber, a liberdade de se expressar acerca das

questões públicas “trará efeitos positivos para toda a coletividade”.14 Desta

forma, a atuação do Estado

se legitimaria para assegurar o vigor e a qualidade do debate público, uma vez que o exercício responsável do autogoverno depende de cidadãos qualificados e munidos de informações suficientes no que tange aos assuntos de política e de governo, aptos a participar efetivamente da gestão da coisa pública. Sem isso não haverá o bom funcionamento do regime democrático.15

10 O mesmo tratamento é atribuído na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1948, que estabelece em seu artigo 19 que “todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. In: VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 35-36. 11 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 52-53. 12 Idem., Ibidem, p. 53. 13 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 243. 14 SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 50. 15 SCHREIBER, Simone. op. cit., p. 51.

Page 11: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

11

Destarte, conforme articula Andrade, em citação a Ramonet, ipsis

litteris,

é fundamental à democracia nos dias atuais a ponte de ligação que a mídia faz entre os governantes e os cidadãos. Por outro lado, é indispensável manter em mente que, ‘no grande esquema industrial concebido pelos donos das empresas de lazer, cada um constata que a informação é antes de tudo considerada como uma mercadoria, e que este caráter prevalece, de longe, sobre a missão fundamental da mídia: esclarecer e enriquecer o debate democrático’.16

Ocorre que atualmente nesse esquema de venda de informações no

mercado capital, os meios de comunicação ganharam cada vez mais espaço,

solidificando-se como transmissores de notícia para toda a sociedade e em

todos os lugares possíveis, por isso a denominação de meios de comunicação

de massa.

Menezes Vieira infere que o temo comunicação de massa em uma

primeira análise reflete a ideia de “multidão, uma vasta audiência de milhões

de indivíduos”, porém, na realidade, o termo se traduz na disposição de

notícias para uma grande quantidade de destinatários, independentemente de

sua recepção atingir ou não a todos, pelo fato de que existem meios de

comunicação como livros e determinadas revistas que possuem um público

determinado e reduzido.17

Sobrevém que a abrangência de massa envolve ainda a questão da

influência sobre o público receptor das notícias, pois reflete ainda o controle de

indivíduos “passivos, indiferentes, empobrecidos em suas relações pessoais,

facilmente controlados pelos meios de comunicação”.18

Aparentemente a transmissão de informações pelos mass media se

estabelece de modo a construir a opinião pública, mas não significa que exista

16 RAMONET, Ignacio. A tirania da comunicação... apud ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 56. 17 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 26. 18 Idem., Ibidem, p. 27.

Page 12: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

12

uma relação de comunicação de um emissor a um receptor, no todo

imparcial19, visto que na prática, a opinião pública se configura como um

consenso de ideias manipuladas em que os indivíduos internalizam uma

ideologia. Logo, “a notícia será tendenciosa, manipulada, pois não visa ao

interesse social e sim ao particular. Vai impedir que o público analise e

compreenda o que, de fato, é a realidade; vai impedir a indagação e a dúvida

e, por consequência, evitar o acesso à ideias.”20

A opinião pública que conforme preconiza Andrade deveria consistir no

“juízo coletivo adotado e exteriorizado no mesmo direcionamento por um grupo

de pessoas com expressiva representatividade popular sobre algo de interesse

geral” 21, na atualidade expressa a tirania dos órgãos da mídia, em que há a

difusão de um consenso pré-formado e não a sua construção, seja porque se

percebe em grande parte dos indivíduos a incapacidade para “processar as

informações disponíveis, seja porque não são cidadãos aptos a consumir

notícias, por não estarem preparados para tanto”.22

Desta forma, a concepção para a qual os meios de comunicação

foram criados se desvirtua, levando o mass media a impor opiniões ao invés de

noticiá-las.23 Por conta dessa interferência midiática, “a chamada opinião

pública não é construída com liberdade, mas sim a partir dos discursos

propalados pelos veículos de mídia, que, pretensamente, representam a vox

populi, a qual é por eles direcionada, tendendo à formação de consenso.”24

Portanto, pode-se afirmar que a liberdade de comunicação e de

imprensa em que se encobrem os meios de comunicação, devem repercutir os

mesmos valores previstos nos incisos do artigo 5º, somados ao artigo 220 da

19 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 39. 20 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 59. 21 ANDRADE, Fábio Martins. Mídia e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 45. 22 Idem., Ibidem, p. 45-47. 23 ANDRADE, Fábio Martins. op.cit, p. 47. A professora Eliza Bianchi segue a premissa e identifica que “é possível assistir diariamente âncoras que apresentam a notícia e, seqüencialmente, expõem opiniões aos espectadores. O conteúdo opinativo, nestes casos, serve para realçar o vigor da essência da liberdade de expressão”. BIANCHI, Eliza Maria de Oliveira. Crime e criminoso entre lentes e letras: A Mídia Construindo Subjetividades. 2007. 132f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Candido Mendes, Departamento de Mestrado. Disponível em <http://www.pmd-ucam.org>. Acesso em 05 de agosto de 2010, p. 18. 24 BIANCHI, Eliza Maria de Oliveira. op. cit., p. 34-35.

Page 13: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

13

Constituição Federal25, pois conforme aduz Sérgio Souza, “o perigo que a

incorreta utilização da força midiática (...) pode representar para a democracia

é hoje claramente perceptível”, havendo necessidade de controle sobre os

meios de comunicação, principalmente a televisão, dado o seu alcance e poder

de modelar o espaço social, para que a atividade jornalística seja pautada na

veracidade das informações, pois exerce “uma parcela informal do Poder,

marcada por uma incomensurável capacidade de convencimento, e seus

membros, assim como os dos Poderes constituídos, também estão sujeitos às

mais diversas formas de erros e abusos”.26

É um meio necessário quando se verifica que o mass media se

configura como forma arbitrária da liberdade de expressão, haja vista que

“liberdade pressupõe responsabilidade e limites”.27 Assim, quando um

indivíduo exceder princípios de imparcialidade, objetividade e ética na

transmissão das informações, sobre este deverá recair a responsabilidade

sobre a qual o peso da liberdade corresponde, pois uma notícia com conteúdo

falso e peso sensacionalista, “podem causar prejuízos graves e irreparáveis

aos bens personalíssimos da pessoa humana, tutelados juridicamente”.28

1.2 - Mídia, Violência e Criminalidade

Conforme a mídia demonstra capacidade de manipular a opinião

pública, poderá também vir a causar reações dos mais variados tipos na

sociedade, de acordo com o método de dramatização empregado na

transmissão das notícias. Cuida-se aqui principalmente, de demonstrar os

efeitos da manipulação midiática em relação à questão da violência, que no

25 Art. 5º, inc. IX – “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” 26 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Controle Judicial dos Limites Constitucionais à Liberdade de Imprensa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 100-104. 27 VIEIRA. Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 43.

Page 14: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

14

trato das informações age com irresponsabilidade, formando falsas e

exageradas sensações, criando na sociedade o constante clima de medo.29

Conforme Nicolitt, a “mídia é atualmente um dos mais importantes

equipamentos sociais no sentido de produzir esquemas dominantes de

significação e interpretação do mundo. A mídia nos ensina como falar, agir,

como sentir, sobre o que pensar e como pensar”.30

É fato que as pessoas buscam se manter informadas sobre os

acontecimentos diários principalmente através da televisão, e por isso, quando

posicionadas por várias horas do dia frente à tevê, acabam influenciados;

influência esta não “facilmente percebida ao olhar menos atento”.31

Por essa expansão do mass media na sociedade atual é que se

percebe a sua instrumentalização, como um elemento a mais no

processo de construção social da realidade, pois é através desses meios que é possível tomar conhecimento de vários aspectos sociais, como o próprio funcionamento do sistema penal. Esse conhecimento midiatizado do sistema penal projeta imagens que se caracterizam basicamente pela visão alarmista da delinqüência violenta, que apela diretamente aos sentimentos e tem sua base fincada na cultura do medo. Por tais razões, a análise da representação midiática do sistema penal é sempre fundamental para compreender a reação dos operadores do sistema penal diante do fenômeno criminal e de como esses operadores legitimam seu poder a partir dos créditos que obtém por parte do corpo social, que pode ser influenciado pela mídia de massa.32

Sucede ainda que as mensagens transmitidas podem ter sentido

ambíguo, fato que, ao serem pautadas sobre uma forte crônica, descarregam

nos indivíduos receptores expressões inúteis e agressivas, de puro escândalo

e sensacionalismo.33 Conforme Menezes Vieira, a informação é pré-elaborada

à sua transmissão, sedimentada como “produto de um juízo”, pois passa por

28 Idem., Ibidem, p. 43-48. 29 NICOLITT, André Luiz. As Subversões da Presunção de Inocência: Violência, Cidade e Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 35-37. 30 Idem., Ibidem, p. 37. 31 Idem., Ibidem, p. 107. 32 BIANCHI, Eliza Maria de Oliveira. op. cit., p. 56-57.

Page 15: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

15

um “exigente processo de seleção em que intervêm diferentes elementos de

especialização e vem adjetivada, com grande carga opinativa do jornalista”.34 A

professora ainda afirma que

É a carga emotiva da sua interpretação que seduz e impede o receptor da mensagem de analisar se a informação é veraz ou não. A versão do fato, mesmo que fiel à ele, é adaptada à linguagem da imprensa. Deve provocar emoções, sensibilizar, causar impacto, atração e curiosidade para que seja “telejornalizável”.

E esse impacto causado pela notícia é revestido por uma linguagem

que garanta o fácil acesso e compreensão dos receptores, linguagem esta,

muitas vezes sensacionalista que se caracteriza por ser vulgar e com ausência

de moderação, buscando afetar o público de forma emocional.35

Faz-se imperioso um dever de cuidado para com o uso indevido da

informação, pois através dela que “a imprensa sensacionalista viola a

presunção de inocência e cria, de imediato, um juízo de valor acerca do

acusado”. É a imprensa, na fase “pré-processual, leviana, que julga e condena

sem o devido processo legal, o que acontece quase sempre com a conivência

de agentes e delegados de polícia”.36

O sensacionalismo é visível principalmente em relação aos crimes, em

que há a delimitação da imagem dos sujeitos ativos do delito (“bandidos”),

geralmente associados às classes populares da sociedade. É a construção do

estereótipo que os órgãos da mídia entendem como criminoso ou que

pretendem que assim seja entendido; classificação que distorce a realidade37.

O fato é passível de ser verificado com as publicações das versões policiais de

crimes, que geram um grau mais apelativo de sensacionalismo.38

33 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 48. 34 Idem., Ibidem, p. 49. 35 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 51-52. 36 ALMEIDA, Judson Pereira de. Os meios de Comunicação de Massa e o Direito Penal: A influência de divulgação de notícias no Ordenamento Jurídico Penal e no Devido Processo Legal. Vitória da Conquista, 2007. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br> 2003. Acesso em 16 de setembro de 2010, p. 46. 37 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 104. 38 Idem., Ibidem, p. 152

Page 16: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

16

Fabio Andrade se posiciona, afirmando Shecaira, no sentido de que

“são os meios de comunicação de massas que desencadeiam as campanhas

seletivas com a fabricação de estereótipos de fatos e crimes”.39

Lolita Aniyar traz o conceito de estereótipo perante a lógica

criminológica, definindo-o como a “consolidação de noções de pertencimento e

identidade. Sendo que o normal é ser ‘branco, bonito, inteligente, cristão e de

boa classe social’. Os maus seriam os que desviam dessa norma.”40 Assim, o

estereótipo limita a zona do bem e a zona do mal.41

Note-se que a mídia é a principal responsável pela construção da

imagem da criminalidade. Essa construção de estereótipos orienta a sociedade

no sentido de que há um inimigo a ser combatido; essa sensação de luta leva

à exclusão de classes e indivíduos e à delimitação de lugares considerados

perigosos, como as “favelas, guetos e demais bolsões de pobreza”.42 Seguindo

Andrade é possível entender que essas construções realizadas pelos meios de

39 SHECAIRA, Sergio Salomão. A Criminalidade e os Meios de Comunicação de Massas. apud ANDRADE, Fabio Martins de. Mídia e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 153. A reportagem sobre o caso Suzane von Richthofen e os irmãos Cravinhos, publicada na revista Veja em 12 de abril de 2006, em que a acusada concedeu entrevista à reporter Juliana Linhares, além da seção Carta ao Leitor, intitulada “ENTRE O DRAMA E A FARSA”. Verifica-se na reportagem que a acusada é vista pela repórter como alguém que se utiliza de drama, pré-pactuado com seus advogados de defesa, para provocar reações de pena na sociedade. A reportagem aduz que a entrevista fora realizada com uma Suzane “ré confessa que, às vésperas do julgamento que definirá sua sorte, se comporta como uma menina pré-adolescente – não há dúvida de que foi muito bem instruída por seus advogados a mostrar-se perturbada psicologicamente”; sendo que mais adiante, na reportagem principal, torna-se a afirmar que, in verbis “claramente foi instruída por eles para fazer o tipo frágil e desassistida”; e ainda “Suzane tenta convencer seus interlocutores de que é uma menina perturbada – e que foi essa a condição que a fez, em 2002 abrir a porta de casa para o namorado, Daniel Cravinhos, acompanhado do irmão, Cristian, entrasse no quarto de seus pais e os assassinasse a golpes de barras de ferro.” Outrora a reportagem se posiciona com a descrição do delegado que dirigia o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de São Paulo, em que, para este Suzane é uma pessoa “fria, calculista e impetuosa”, fato que é levado ao leitor para que ele retire suas (manipuladas) conclusões, pois “com toda a certeza, porém, ela pode estar usando as características descritas pelo delegado em 2001, para criar, sob a orientação dos advogados, uma persona vitimizada, carente e merecedora de pena.” Ademais, verifica-se tradução do crime como uma “atrocidade”, em que o “horror aumenta”na medida em que o crime foi praticado “por decisão de uma menina que poderia ser a filha de qualquer um de nós, como Suzane”. (In: Carta ao leitor. Veja, São Paulo, ano 39, n. 1951, p. 9. 12 de abril de 2006.; e Verdades e Mentiras de Suzane von Richthofen. Veja, São Paulo, ano 39, n. 1951, p. 104-111. 12 de abril de 2006.) 40 Olhar sobre a América Latina p. 90-91. apud ANDRADE Fabio Martins de. op. cit., p. 153. 41 ANDRADE Fabio Martins de. op. cit., p. 153. 42 Idem., Ibidem p. 154-157.

Page 17: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

17

comunicação resultam em acusações e na perseguição “contra segmentos

sociais estigmatizados”.43

Nicolitt sustenta que o conceito de criminalidade é nada mais que um

produto criado pelos meios de comunicação, que partem da análise de reações

sociais acerca dos fatos apresentados44: a mídia “informa sobre a reação do

público que ela mesmo provocou”.45 Através dessa construção o mass media

manipula a concepção social da violência, fazendo-o com a finalidade de

proteger interesses prevalecentes na sociedade, contribuindo para a

instauração e fomento do clima de medo e histeria.46

Denota-se que na mídia os termos “violência” e “criminalidade” são

empregados como sinônimos. Essa utilização indiscriminada dos termos faz

com que, no subconsciente dos receptores, floresça a ideia de que a pobreza é

causa da violência e a consequente criminalidade. E essa associação é o

liame necessário entre a “construção social e simbólica da criminalidade pelos

órgãos da mídia”, que faz com que a classe dominante veja as classes

dominadas como inimigos em potencial.47

Destarte que a divulgação de informações manipuladas vem a incluir

os cidadãos em uma “zona de guerra”, instalada em qualquer grande cidade ou

país. Desta forma, a Segurança Pública passa a envolver questões de reforma

do sistema na busca de fortes penalizações. 48

Como afirma Oliveira Bianchi, verbis

Existe a percepção - e a propagação - de que o tecido social está corroído, e como “narciso acha feio o que não é espelho”, os excluídos se tornaram potencialmente perigosos na visão dos incluídos, criando por parte desses uma demanda pela intervenção do poder público com o objetivo de garantir sua segurança. E a opinião pública que é formada, como dito, a partir da opinião que é publicada pela mídia – e que segundo os meios de comunicação se manifesta veementemente a favor de

43 Id., Ibid, p. 136. 44 NICOLITT, André Luiz. As Subversões da Presunção de Inocência: Violência, Cidade e Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 41. 45 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 58. 46 NICOLITT, André Luiz. op. cit., p. 42. 47ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 153 48 Id., Ibid., p. 155.

Page 18: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

18

qualquer ocupação militar, termina por ajudar a criar um falso ambiente que aponta para os morros e periferias como sendo os focos da violência.49

Ainda no mesmo sentido, Bianchi afirma que os meios de

comunicação “propiciam o implemento das ações alinhadas como

desejos de controle total e absoluto fundados na ideologia dominante das

elites”.50

É perceptível, assim, que a seleção das notícias a serem

transmitidas “faz com que sejam direcionados os olhares a uma

determinada perspectiva do sistema penal”. Igualmente, os meios de

comunicação podem vir a atuar no controle do “campo de visão dos

receptores da informação, como provedores de uma visão global, de um

paradigma para compreender o mundo”, conforme se seguem as

“condenações antecipadas instrumentalizadas pelas vias das prisões

provisórias em resposta ao comentado aumento dos índices de

criminalidade”.51

Ademais, apenas resta que

a questão central não é assinalar todas as dicotomias entre dominantes e dominados, mas realçar, de plano, as distinções entre aqueles que podem fazer parte do atual sistema sócio-econômico – ainda que em condições desfavoráveis – e aqueles que estão e permanecerão fora dele, sem a chance sequer de serem explorados. 52

Por esses motivos é que existe na doutrina pátria uma corrente que

defende o uso do termo “quarto poder” para se referir aos meios de

comunicação, dado a sua influência em assuntos diários, bem como do debate

político. Em notas de rodapé, Andrade conceitua o paradigma ao citar os

seguintes:

49 BIANCHI, Eliza Maria de Oliveira. Crime e criminoso entre lentes e letras: A Mídia Construindo Subjetividades. 2007. 132f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Candido Mendes, Departamento de Mestrado. Disponível em <http://www.pmd-ucam.org>. Acesso em 05 de agosto de 2010, p. 43. 50 Idem., Ibidem. 51 Id. Ibid, p. 62. 52 BIANCHI, Eliza Maria de Oliveira. op. cit., p. 43.

Page 19: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

19

João Queiroz explicita que, “a comunicação social vem reclamando o papel e esta função mediadora e, em causa desse atributo, pretende ser um ‘cão de guarda’ (watchdog) dos interesses públicos e, nesta medida, simbolicamente, um ‘4º Poder’ social e público que vigia e controla os poderes Legislativo, Executivo e Judicial”53 (...) No mesmo sentido Betch Cleinman expõe que, “a mídia pouco a pouco, busca ocupar o espaço central das sociedades democráticas, com o pretexto de ser o potente instrumento capaz de iluminar os cantinhos mais obscuros da vida econômica, política e social”. Portanto, “em nome da informação devida ao público tenta impor-se como o Quarto Poder da República”.54

Ranieri Mazzilli Neto segue mais adiante, e admite uma associação

Mídia-Ministério Público como “Quarto Poder”, ao afirmá-los como um

novo eixo de poder que se vem construindo, diante do descrédito da classe política brasileira, e que se revela diariamente, consistente na aliança entre o ministério público e a mídia. Esse novo quarto poder é, hoje, uma realidade. E, diga-se, nada há de errado nisso, porque é natural que um vazio de poder seja preenchido por quem tem a oportunidade e a habilidade para fazê-lo. De fato, nos últimos anos, a imprensa e o ministério público adquiriram um 'status' de confiabilidade que outras instituições não conseguem ter e são evidentes os seus méritos. O problema surge quando o movimento para ocupar este espaço de poder leva ao abandono dos princípios da razoabilidade e da mínima intervenção, agredindo a dignidade de eventuais investigados, tratando-os como objetos.55 (grifos nossos)

Não se deve subjulgar a atuação da mídia perante a questão

processual penal, pois Zanoide entende que

53 A actividade do jornalismo.., p. 47, apud ANDRADE, Fabio Martins de. Mídia e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 78. 54 Litígios de estrondo entre..., p. 21. apud ANDRADE, Fabio Martins de. Mídia e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 78.

Page 20: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

20

a mídia e os participantes da persecução penal, ao se “associarem” para vulnerar a imagem do imputado na busca de autopromoção (indevida) ou vantagem econômica, estão violando a presunção de inocência como “norma de tratamento”. Violam a Constituição por interesses próprios, privados, econômicos e/ou vaidades pessoais; para eles a Constituição vale menos que isso. Mais apropriadamente, a Constituição só vale quando defende esses interesses, não podendo a eles ser oposta, sob pena de – alegam – violar a “liberdade de imprensa” e se “voltar à ditadura militar”.56

Nesse contexto, a mídia manipula o ambiente social e influi

diretamente no comportamento das pessoas, principalmente em relação à

violência e criminalidade quando divulga notícias e fatos que chocam o

cotidiano, podendo ainda transferir influência aos sujeitos processuais.57

Não se pode considerar, como refuta Zanoide, que no plano jurídico

vigente exista a inserção de discursos “violadores do atual modelo

constitucional e, portanto, da presunção de inocência como ‘norma de juízo’”,

dispostos sobre ideologias como o direito penal do inimigo e a política de “Lei e

Ordem”, através das quais “se busca a eliminação de diversos aspectos das

garantias constitucionais do devido processo penal”.58

1.3 - A Mídia, Processo e Sistema Penal Fato notório na atualidade é que nas últimas décadas, o Poder

Judiciário se tornou o alvo preferido dos meios de comunicação, virando notícia

55 MAZZILLI. NETO, Ranieri. O Novo Quarto Poder - A associação mídia & Ministério Público. Disponível na internet: <htto://www.ibccrim.org.br>., 09.12.2005. Acesso em: 16 de novembro de 2010. 56 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 513. 57 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 103-105. 58MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 478.

Page 21: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

21

frequente nas pautas diárias59, ocupando espaço de destaque “além dos

tribunais”.60

A popularidade do setor judicial para a mídia é mais forte quando se

trata da divulgação de fatos relacionados a crimes, principalmente os

decorrentes dos problemas sociais, “como tráfico de entorpecentes,

seqüestros, entre outros”, casos em que o a opinião pública é afetada

“emocionalmente”, voltando-se à clamar por justiça, prezando pela

condenação dos infratores da norma jurídica penal.61

A exposição midiática dos fatos processuais, segundo Vieira, gera

fortes impactos ao processo, pois os sujeitos insertos na “justiça-espetáculo

criada pelas luzes dos flashes, tornam-se verdadeiros atores profissionais,

abusando de uma oratória exagerada, dramatizada, predominantemente

subjetiva, com o fim de causar admiração àqueles que estão além das

câmeras”. Ocorre que, segundo a autora, esquecem que em determinados

processo, como os de competência do Tribunal do Júri, a punição de um ser

humano é decidida na sorte e, que não raras vezes acaba submetendo-o “a

cumprir pesadas penas de décadas de prisão”.62

É desta forma que a mídia se legitima perante a sociedade “e

enfraquece a imagem que ela tem do Poder Judiciário”, agindo além de suas

funções, através de tarefas que não lhe são atribuídas e tende a se colocar

atuando onde houver “falha” da Justiça.63

O problema que está enraizado nessa expansão do mass media na

sociedade decorre da geral falta de cultura jurídica da sociedade, que faz com

que os órgãos de comunicação afirmem a omissão do Judiciário e enalteçam

as qualidades dos repórteres e jornalistas, como quando propõem um

jornalismo investigativo.64

59 MACCALÓZ, Salete Maria Polita. O Poder Judiciário, Os Meios de Comunicação e Opinião Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 9. 60 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 60. 61 Idem, Ibidem. 62 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 235. 63 ANDRADE, Fabio Martins de. Mídia e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 9-10. 64 Idem., Ibidem, p. 10-11.

Page 22: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

22

A imagem dos sujeitos processuais somente é “elogiada” quando,

segundo Salete Maccalóz, “a decisão satisfaz interesses econômicos e

políticos, agride e cria marcas pejorativas quando a decisão, técnica e

soberana, contraria esses mesmos interesses”.65 É assim que o “imaginário

popular começa a ser alimentado com figuras nominadas”, como do juiz que

“cai nos limites da criminalidade” e “como qualquer infrator, logo vai para os

meios de comunicação, como fato extraordinário”.66 Bianchi igualmente

complementa que

quando os juízes cedem às pressões midiáticas, prejudicam os acusados – e até condenados – na medida em que restringem seus direitos constitucionais legalmente assegurados, aplicando excepcionalidades sem fundamentos válidos. Mas, caso o juiz se mantenha firme em seu livre convencimento – afastado da influência midiática -, costuma “cair em desgraça” junto à opinião pública.67

Outro fato interessante é acerca da exposição midiática das rotinas do

Poder Judiciário como no cinema americano, em que “a maior parte das

pessoas tem como parâmetro de funcionamento de justiça: a dos Estados

Unidos, sem conhecê-la estrutural, orgânica e funcionalmente”.68 É neste

sentido que Maccalóz afirma que a população acaba por aceitar esse

paradigma de justiça, sem saber qual o “seu histórico e a sua construção”. Do

mesmo modo, para aqueles que atuam na carreira jurídica, essa diferença que

provém entre o real e o imaginário cinematográfico acaba por atrapalhar no

seu desempenho e trabalho, pois são constantemente obrigados a dar

explicações sobre questionamentos baseados nas produções do cinema.69

Na afirmativa de Simone Schreiber, essa publicação de notícias acerca

do Judiciário, crimes e suas estatísticas, denotam que há interesses envolvidos

no modo como a informação é passada, pois hoje, mesmo em um estado

democrático, a imprensa não mais cumpre a sua função social noticiando de

65 MACCALÓZ, Salete Maria Polita. op. cit., p. 11-12. 66 Idem., Ibidem, p. 11. 67 BIANCHI, Eliza Maria de Oliveira. op. cit., p. 90. 68 Idem., Ibidem, p. 174.

Page 23: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

23

forma informativa, desinteressada e neutra, mas expressa interesses “sob uma

lógica comercial”, sendo que “a ‘verdade’ reportada nada mais é do que uma

versão dos fatos ocorridos, intermediada pela linha editorial do veículo e pela

subjetividade dos jornalistas que redigem a matéria”.70

Configura-se assim a problemática da estrutura da atividade

jornalística, acrescidas ainda da questão da velocidade como fator chave na

transmissão de notícias, em que “o valor velocidade substitui o valor verdade”,

pois o jornalista bem pode recorrer a “estereótipos para a explicação da

realidade”, o que demonstra como “a mídia reporta a ocorrência de crimes e

como se posiciona frente à atuação da justiça criminal.”71

Conforme Maccalóz assevera, a intenção de se modificar o conteúdo

da notícia atinge o fim precípuo de afastar “do olho social a grande causa da

marginalidade, que é a concentração de renda, causadora da pobreza e da

miséria”. Assim, a sensação transmitida com os recursos televisivos é a de

justiça, pois estão todos sempre muito bem limpos e vestidos, trabalhando

(mesmo os pobres), em lugares “dignos”. Ao contrário, “se esta ilusão é o real,

a justiça brasileira é o pesadelo, o sonho ruim que deve ser esquecido

rapidamente”.72

Depreende-se que esse paradigma de justiça transmitido pelo mass

media, “comporta riscos”, que na doutrina de Andrade significa “alterações de

conduta por parte de agentes do processo, o do desgaste profissional

provocado pela sobreexposição e o da criação de estereótipos que insinuam

ou estabelecem ligações entre o judicial e os outros poderes ou interesses”.73

Para Bacila, via de regra, os estigmatizados são os mais atingidos pela

pretensão punitiva de forma mais dura, e os considerados “normais”, recebem

do parquet, “tratamento mais benevolente”. Os que possuem o estereótipo de

criminoso são afastados de possíveis acordos em seu favor. Nesse diapasão,

“o ministério público sobrepõe-se à apreciação policial, recrudescendo os

69 Idem., Ibidem, p. 180. 70 SCHREIBER, Simone. op. cit., p. 358. 71 Idem., Ibidem, p. 358-359. 72 MACCALÓZ, Salete Maria Polita. op. cit., p. 185-186. 73 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 11.

Page 24: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

24

critérios seletivos com base em estereótipos e impondo a ação penal aos

‘grupos sociais mais desclassificados’”.74

Ainda conforme o autor, o representante do Ministério Público é o

responsável pela escolha daqueles que virão a figurar no polo passivo do

processo penal e, que deste poderão receber ao final, as mais pesadas

consequências dele advindas.75

Em última instância, cabe observar, segundo Andrade, que uma

informação acerca de um crime poderá até mesmo ser obtida através dos

próprios sujeitos processuais, ao passo que, quando levada à opinião pública,

será “divulgada de acordo com a ótica sensacionalista que o órgão da mídia

pretende imprimir à notícia”. É por ser a mídia a responsável pela transmissão

final da notícia ao público, que esta poderá ser disposta de acordo com a

opinião do jornalista, manipulando-a, “inclusive à revelia do profissional que

serviu de fonte”.76

Por fim, seguindo a lição de Maccalóz, pode se afirmar que o meios de

comunicação reforçam a ideologia dominante, principalmente por não

evocarem para si a responsabilidade de provocar no público o discernimento

acerca do conteúdo da informação, para que seja alcançada a liberdade de

escolha.

Em conclusão, deixa-se a indagação feita pela referida autora, ao

aduzir que: se os meios de comunicação “manipulam todos os assuntos, por

que seria diferente com a justiça? Para eles cinema é cultura e a justiça é

página política, ou, no mínimo, personagem de seus próprios escândalos.”77

74 Idem., Ibidem, p. 171-172. 75 BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: Um Estudo sobre os Preconceitos. 2. ed. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 171. 76 Idem., Ibidem, p. 283 77 MACCALÓZ, Salete Maria Polita. op. cit., p. 185.

Page 25: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

25

CAPÍTULO II

INFLUÊNCIA AO MAGISTRADO?

Existem dois momentos relevantes à persecução penal em que se

produzem provas: o inquérito policial e o próprio processo, fases que não se

assemelham, por ser o inquérito uma fase preliminar de investigação e

verificação da autoria e materialidade do delito em caráter de probabilidade,

em que há a supressão de garantias inerentes ao indivíduo, como o direito ao

contraditório e a ampla defesa.

Luigi Ferrajoli conceitua prova como o “fato probatório experimentado

no presente, do qual se infere o delito ou outro fato do passado”.78 É através

desse fato probatório que a acusação se instrumentaliza para demonstrar a

tipicidade da conduta praticada por determinado sujeito ou por determinado

grupo.79

Imprescindível asseverar que essa instrumentalização da accusatio

não constitui uma veracidade absoluta80 da ilicitude e materialidade da

conduta, pois é em momento posterior perante as garantias fundamentais ao

processo, que o julgador estará legitimado a proferir decisão de acordo com o

que lhe foi apresentado. É a instrumentalização de um juízo de probabilidade.81

Segundo Eugênio Pacelli, o inquérito policial é a atividade específica

da polícia judiciária que deverá ser instaurado pela autoridade competente82, e

78 FERRAJOLI, Luigi. op. cit., p. 125. 79 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal: e sua Conformidade Constitucional. 5. ed. rev. e atual. vol. I Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 357-358. 80 Idem, Ibid.. 81 Id., Ibid, p. 229-230. 82 Conforme Pacelli, o inquérito será instaurado de acordo com a ação penal a ser instrumentalizada posteriormente. Sendo ação penal pública, o inquérito será “instaurado de ofício pela autoridade policial (delgado de polícia estadual e federal), a partir do conhecimento do fato delituoso.” Quando se tratar de ação penal pública condicionada à representação “do interessado (ofendido ou alguém com qualidade para representá-lo), ou ainda, requisição do Ministro da Justiça, o inquérito policial somente poderá ser instaurado a partir de requerimento ou requisição do respectivo interessado”. Por fim, tratando-se de ação penal privada, será o mesmo procedimento da anterior, sendo que a legitimidade para a instauração, pertence ao particular ou ao legitimado. apud Curso de Processo Penal, 10 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 43-45). O procedimento descrito encontra sua previsão legal no artigo 5º do Código de Processo Penal.

Page 26: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

26

“tem por objetivo a apuração das infrações penais e de sua autoria (art. 4º,

CPP).” 83

De forma mais ampla, Rangel define que o inquérito é “um conjunto de

atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a

autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios – delicta facti

permanentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos

necessários que viabilizem o exercício da ação penal.” 84

Reserva-se que no inquérito não há a prolação de uma certeza jurídica

que possa levar o investigado à perda de sua liberdade, pois o material

produzido nesta esfera serve de base à atuação do Ministério Público, para

que este, em momento posterior, ofereça a denúncia no juízo competente para

processar e julgar os fatos apurados.

Para que se possa chegar à instauração da ação penal, Aury Lopes Jr.

elucida que é necessário perseguir um determinado caminho, sendo o

inquérito um importante passo85, haja vista que com este procedimento é que

serão alcançados os juízos necessários para se “chegar ou não ao

processo.”86 Nesse sentido, o inquérito atua como filtro processual contra as

acusações infundadas87, sendo um momento “em que se realiza um juízo de

valor, mais especificamente, de pré-admissibilidade da acusação, com base na

atividade desenvolvida anteriormente e no material recolhido.” 88

É na visão de Lopes Jr., que o inquérito funciona ainda como uma

forma de o Estado apresentar à sociedade que o mal causado pelo crime será

neutralizado pela sua atuação, o que “evitará” assim a “impunidade”: o Estado

se recolhe à aplicar medidas cautelares para “sedar a opinião pública” com

clara finalidade de prevenção geral.89

Oliveira e Fischer advertem que o material produzido na fase do

inquérito não pode ser considerado como prova, posto que não há a tutela do

83 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. op. cit., p. 43. 84 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 70. 85 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal... op. cit., p. 229-230. 86 Idem, Ibidem. 87 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 71. 88 op. cit., p. 231. 89 Idem.

Page 27: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

27

contraditório nem da ampla defesa, porquanto não se busca, nessa fase inicial

o exercício de defesa do acusado.90

Estabelece o sistema penal vigente a figura do juiz como sujeito da

relação jurídica punitiva, e não parte91, ocupando posição de abstração acerca

das manifestações apresentadas (imparcialidade) cabendo a ele zelar pela

aplicação das garantias previstas constitucionalmente e pelo regular

processamento da persecução penal, sendo ainda limitado pela necessidade

de manter a estrita imparcialidade de modo a garantir a plena validade dos

atos processuais.

Face aos fatos acerca da prática de um crime e a respeito da

instauração de um processo para a sua apuração, surge o alvoroço causado

pelos órgãos da mídia, acerca do qual, há o interesse em publicizar tudo aquilo

que se relaciona ao fato criminoso.

A publicidade de fatos pelos órgãos da mídia em fase de inquérito

pode mesmo a vir a prejudicar as investigações, atrapalhando o desenvolver

da atuação dos agentes policiais92, além de que tais notícias “expõem

desnecessariamente ao público consumidor ou usuário alguns cidadãos

(suspeitos, seus familiares e amigos) em fase ainda muito inicial do

procedimento que visa a apurar os fatos”, ressalva ainda que é uma fase em

que constantemente não se pode determinar com exatidão a quem se deve a

materialidade e autoria do delito93.

Com a publicação de notícias pela nessa fase, percebe-se, conforme

lição de Fabio Andrade que “raramente é dada a oportunidade suficiente para

que o cidadão – objeto da investigação policial – se explique perante os órgãos

da mídia.” Ele continua no sentido de que os dados que a mídia apresenta em

desfavor ao indivíduo, “superam (em muito) aqueles em que ele esclarece a

situação”, principalmente pela forma como há a denúncia, através de tom

90 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 302. 91 Id., Ibid, p. 459. 92 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 262-263. 93 Idem, Ibidem, p. 264-265.

Page 28: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

28

irônico e sensacionalista, onde descabe qualquer retratação ou se mostra

quase inexiste algum tipo de esclarecimento. 94

É nessa esfera administrativa que se verifica, a teor da influência

midiática, uma grande contraposição aos princípios em voga, pois além da

supressão de um direito fundamental, a ordem do inquérito funciona como uma

forma de estigmatizar o indivíduo sem qualquer meio inerente à sua defesa.

Parte-se para uma forte acusação que muitas vezes se concretiza, mesmo

sem meios viáveis, ao final do processo.

A professora Eliza Bianchi assevera que

o furor dos órgãos de informação acerca do cometimento de um crime costuma demonstrar toda sua força já durante o inquérito, sendo interessante observar que raramente é dada ao cidadão – investigado – a oportunidade de “se explicar” perante os veículos de mídia, sendo certo que nestas ocasiões impera o sensacionalismo e o denuncismo, que é levado a cabo quando a televisão e os jornais divulgam imagens do investigado preso, escondendo o rosto, saindo e entrando dos “camburões”. Não raro, e até corriqueiro, são os próprios repórteres investigativos quem buscam informações sobre o crime com o fim de divulgá-las antes mesmo que a própria polícia o investigue, ou seja, eles – os jornalistas - “fazem o trabalho” policial também, através da utilização de câmeras ocultas, acompanhamento de perseguições, trazendo “testemunhas” para frente das câmeras.95 (grifos nossos)

É a mídia, através dos seus repórteres investigativos, que cria uma

histeria pública, posto que, principalmente nessa fase, ou antes de ser

instaurada, sem qualquer meio de defesa que o estigma a que o sujeito está

atrelado, fica cada ver mais obscuro. Os suspeitos são friamente levados à

94 Andrade ainda complementa afirmando que esse quadro é extremamente prejudicial, pois a opinião pública recebe “uma floresta de versões” que a conduz a um “equivocado entendimento sobre o assunto que se pretende informar”. In: ANDRADE, Fábio Martins. Mídia e Poder Judiciário – A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 259-261. 95 BIANCHI, Eliza Maria de Oliveira. Crime e criminoso entre lentes e letras: A Mídia Construindo Subjetividades. 2007. 132f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Candido Mendes, Departamento de Mestrado. Disponível em <http://www.pmd-ucam.org>. Acesso em 05 de agosto de 2010, p. 95-96.

Page 29: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

29

frente das câmeras pra que algum repórter, na tentativa “nobre” de “auxiliar as

autoridades”, consiga arrancar uma suposta confissão, o que faz se

sobrepondo à própria Constituição.96

Não há respeito por parte da mídia em suas publicações e

transmissões para com alguns direitos fundamentais, como a intimidade,

honra, e dignidade da pessoa humana, que embora se relacionem aos ideais

defendidos na sociedade, são igualmente contestados e colocados em um

plano subalterno, quando o conflito normativo envolve direitos em uma camada

superior do estamento social.

Martine Ract Madoux adverte ainda que

qualquer tentativa para estabelecer uma outra verdade é considerada como uma vontade de abafar os factos; a sanção mediática, freqüentemente bem mais terrível que a sanção penal, é ditada imediatamente, sem qualquer garantia para o indivíduo; uma imagem é suficiente para que a reputação de um homem fique irremediavelmente comprometida.97

Luigi Ferrajoli destaca que

O rumor em torno do processo, aumentado enormemente pela relação ambígua que se instaurou nos últimos anos entre mass media e órgãos voltados à persecução, é de fato inversamente proporcional à efetiva cognoscibilidade dos atos processuais, permitida de maneira distorcida pelo vazamento de notícias de modo uníssono durante a instrução, mas impedida, na fase dos debates, pela crescente dimensão das atividades judiciárias. Sob esse aspecto, a publicidade parcial do processo misto acaba sendo uma publicidade unicamente da acusação – da incriminação, da prisão e talvez das provas de acusação – e não da defesa, convertendo-se assim de garantia contra

96 ALMEIDA, Judson Pereira de. Os meios de Comunicação de Massa e o Direito Penal: A influência de divulgação de notícias no Ordenamento Jurídico Penal e no Devido Processo Legal. Vitória da Conquista, 2007, p. 43-46. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br> 2003. Acesso em 16 de setembro de 2010. 97 Criminalidade, Processo Penal e Meios De Comunicação., p. 225 apud ANDRADE, Fabio Martins de. Mídia e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 266.

Page 30: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

30

o arbítrio em instrumento ulterior de penalização social preventiva.98

Leonir Batisti averba que a situação se agrava pelo fato de que “a

mídia, frequentemente acaba por assumir posições, tornando-se

eventualmente encenadores do processo, contribuindo para criar desconfiança

em relação às instituições”, principalmente pelo decurso do tempo, que se

mostra em desajustado entre a denúncia e o término do processo.99

Aury Lopes Jr., indo mais além, escreve que contra os excessos

praticados pela mídia, é necessário que se coloque uma “censura garantista”

ou “democrática”, para que princípios como o da presunção de inocência não

sejam desrespeitados. Para o autor, “o sistema deve estabelecer limites

concretos à publicidade abusiva”, pois está em jogo a inocência, a

independência e, principalmente, a imparcialidade do órgão julgador.100

Igualmente segue a professora Bianchi no sentido de que quando

houver necessidade de sigilo nos autos, isso criará uma tensão entre a mídia e

o processo penal, porquanto

a publicidade dos autos do inquérito policial ao indiciado, à vítima, e aos seus advogados, que tanto se pretende (com acerto) assegurar, em nada tem de comum com a ressonância da atividade investigativa que os meios de comunicação tanto insistem em divulgar. É preciso, portanto, encontrar um modo de garantir o equilíbrio entre o segredo necessário e o direito que tem a imprensa de divulgar fatos. À míngua de disposição legal que regulamente o conflito existente entre valores assegurados constitucionalmente, entendemos que o sigilo deve existir, também, para assegurar o direito à intimidade, à honra, à imagem, à presunção de inocência, ao silêncio, à ampla defesa etc.101

98 FERRAJOLI, Luigi. op. cit., p. 569. 99 BATISTI, Leonir. Presunção de inocência: apreciação dogmática e nos instrumentos Internacionais e Constituições do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 217-220. 100 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal... op. cit., p. 185. 101 BIANCHI, Eliza Maria de Oliveira. Crime e criminoso entre lentes e letras: A Mídia Construindo Subjetividades. 2007. 132f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Candido Mendes, Departamento de Mestrado. Disponível em <http://www.pmd-ucam.org>. Acesso em 05 de agosto de 2010, p. 99.

Page 31: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

31

Verifica-se ainda que, perante a publicidade invocada pelos órgãos da

mídia, os processos que se mostram interessantes o suficiente para alimentar

o noticiário, invertem, na lição de Habermas, o princípio da publicidade, ao

invés de tornar público o que é necessário ao controle externo e democrático

da justiça.102

É desta forma que o contexto do jornalismo torna-se investigativo,

tendendo a uma esfera de “vigilantismo”, consoante definição extraída da lição

de Nilo Batista, em que a mídia se presta ao panoptismo103, vigiando e

expondo a sociedade, servindo à alertar os órgãos públicos acerca dos delitos

para que se prezem em aplicar as devidas sanções.104 O que legitima tal

pressuposto é, segundo o jornalista Carlos Alberto di Franco a preocupação de

uma camada “com reiterados precedentes de impunidade”, e que por isso

“gostariam de ver repórteres transformados em juízes ou travestidos de

policiais.” 105

102 HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, apud PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p.162. 103 Foucault, em sua obra intitulada “Vigiar e Punir” traz um capítulo destinado à estrutura do “Panóptico”, de Bentham. Foucault esclarece que Bentham desenvolveu uma teoria em que, na sociedade, para melhor desenvolvimento desta, é necessário que os indivíduos estejam inseridos em uma estrutura em que o tempo todo são vigiados por um ponto central, de onde advém e é exercido o poder; é um “dispositivo disciplinar” que registra tudo o que acontece na sociedade. Quanto ao poder exercido nesse complexo Bentham o caracterizou o como visível e inverificável. Visível porque todo o tempo o indivíduo o terá diante de seus olhos (“a alta silhueta da torre central de onde é espionado”). Inverificável, pois o indivíduo nunca deve saber que está sendo vigiado. Ele deve ter em mente “que sempre pode sê-lo”, mas nunca saber quando a vigilância está sendo exercida. No centro de poder “vê-se tudo, sem nunca ser visto”. (In: FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 37. ed. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 187-195). Em outra obra, Foucault conclui que: “O panoptismo é um dos traços característicos da nossa sociedade. É uma forma de poder que se exerce sobre os indivíduos em forma de vigilância individual e contínua, em forma de controle de punição e recompensa e em forma de correção, isto é, de formação e transformação dos indivíduos em função de certas normas. Esse tríplice aspecto do panoptismo – vigilância, controle e correção – parece ser uma dimensão fundamental e característica das relações de poder que existem em nossa sociedade”. (In: FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2005). 104 Batista relembra da campanha jornalística veiculada pelo jornal O Globo acerca da LBV, em 2001, que após a ter sido “denunciada” ao Ministério Público, Receita Federal e ao INSS, resultou em auditoria por parte deste último acerca das “falcatruas” praticadas pela instituição, afirmando, meses depois que “o trabalho jornalístico, enfim, abriu os olhos do Estado para as falcatruas abaixo de seu nariz”. In: O Globo, 27. Nov.01, p. 10. apud BATISTA, Nilo. Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br> 2003. Acesso em 16 de setembro de 2010, p. 10-14. 105 FRANCO, O Globo, 19. 08.2002. apud ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 87.

Page 32: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

32

Andrade alerta que as provas apresentadas pela mídia em suas

reportagens e “investigações”, prejudicam em grau elevado a atuação do

magistrado, além de que quando divulgadas precocemente as notícias pelo

mass media “a licitude da divulgação não importa sempre em licitude da prova

em eventual processo criminal”.106

É com esse tipo de provas que se deve ter cuidado, pois conforme se

pode observar da decisão em sede de Habeas Corpus, que indeferiu o pedido

de relaxamento da medida cautelar, são utilizadas justificativas de comoção

social e, principalmente que, “a precoce liberdade não é recomendável à

ordem pública pelo sentimento de impunidade e descrédito no Poder

Judiciário.” 107

Através da reportagem que a atuação dos envolvidos no processo,

principalmente do julgador, muda de direção, visto que a exposição dos fatos

afeta o inconsciente deste, fazendo com que o chamado livre convencimento

se demonstre utópico perante a contaminação existente no ânimo do

magistrado.108

Conforme os profissionais da mídia poderão vir a se utilizar de meios

ilícitos para a obtenção das informações acerca dos delitos visando a

“satisfação do interesse público”, não poderão as provas obtidas por tais meios

serem incorporadas aos processos judiciais, pois veda a Constituição em seu

artigo 5º, inciso LVI109, a sua utilização.

Andrade reforça que o meio ilícito proveniente da mídia é vedado ao

processo na medida em que possa vir a influir essa convicção do magistrado e

ser utilizado como fundamentação de uma decisão, pois não se exige dos

profissionais da mídia o mesmo rigor na busca e formação do material

probatório exigido aos profissionais do Direito.110

O grande problema está na razão de que se contaminados os autos

processuais por material obtido ilicitamente, poderá resultar em “graves e

106 Idem, Ibidem. 107 Decisão em Habeas Corpus (processo 2009.059.03752), da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 108 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 181-182. 109 “LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”

Page 33: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

33

irreversíveis consequências para a liberdade e dignidade do cidadão sob

julgamento”111, pois a decisão judicial proferida nesses casos recebe notável

relevância perante a opinião pública, e é onde se percebe que ocorre a

constante utilização do quesito clamor público para justificar uma eventual

restrição de liberdade ao indivíduo por parte dos magistrados, corroborando

diretamente ao sentimento vinculado pela mídia, em que há uma pretensão em

se justificar as ações por benefício à sociedade, não garantindo uma proteção

direta ao indivíduo imputado, por isso, verificar-se uma falta de cumprimento

das normas legais por parte dos julgadores, que insistem em deferir sem

fundamentar, a ‘caça’ à liberdade dos seus concidadãos.112

Outro fator que aumenta o risco de parcialidade do juiz em sua

valoração das provas decorre do dispositivo previsto no artigo 155 do Código

de Processo Penal:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) (grifos nossos)

Segundo Lopes Jr., a reforma processual insurgiu em grande erro ao

incluir no artigo a palavra “exclusivamente”, em que se perdeu “uma grande

110 Idem, Ibidem. 111 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 286-287. 112 A afirmação é passível de ser verificada no relatório do Ministro Arnaldo Esteves Lima, em que o mesmo transcreve parte do decreto de prisão proferido pela Juíza da Vara Criminal, acerca do HC 66768/RJ, deferido pela Corte, em que a magistrada por si só informa que na decretação da medida preventiva entendeu, verbis “haver razões suficientes para a custódia cautelar dos Réus, sendo certo que a soltura se daria, apenas, por deficiência na fundamentação da decisão primitiva, considerou esta magistrada que os mesmos fatos que ensejaram a decretação da prisão anterior ainda persistiam e decretou novamente as custódias dos Acusados”. Ressalva que “os fundamentos estão expostos na decisão que se encaminha em anexo, e que não retratam, no entender deste Juízo, mera repetição da decisão anterior, mas se baseiam em elementos coligidos durante a instrução criminal”. Mais adiante, reafirma a ausência de fundamentação a que foi questionada, relatando que “a Decisão superior não determinou a ocorrência de novos fatos concretos para que se vislumbrasse a possibilidade de nova prisão preventiva dos acusados, mas apenas fulminou a ausência de fundamentação anterior, sem que isso queira dizer, ao contrário do que tenta fazer crer a Defesa, que não existiam requisitos ensejadores das custódias preventivas dos Acusados. Estes, na visão desta

Page 34: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

34

chance de acabar com as condenações disfarçadas, ou seja, as sentenças

baseadas no inquérito policial, instrumento inquisitório e que não pode ser

utilizado na sentença”. Preceitua ainda que artigo “está mantendo aberta a

possibilidade (absurda) de os juízes seguirem utilizando o inquérito policial,

desde que, também invoquem algum elemento probatório do processo.” 113

Impende ressaltar, seguindo Lopes Jr., que a permissão do artigo viola

“a garantia da própria jurisdição e do contraditório”, legitimando os juízes e

tribunais de “condenar com base na prova judicial cotejada com a do inquérito”,

que significa, no entendimento do professor, sustentar a condenação com base

em provas do inquérito, quando não houver provas processuais.114

Oliveira e Fischer destacam que em um modelo de processo

garantista, não pode o juiz aplicar decisões que sejam fruto do seu poder de

autoridade; não pode o Estado valer-se da ineficiência da defesa, pois não

existe princípio constitucional da “ampla acusação”, não pode ainda elevar-se à

condição de divindade. Por estes motivos o material produzido na investigação

não pode ser considerado prova e, deste modo

A expressão “exclusivamente”, portanto, não deve ser entendida como uma porta aberta para a livre valoração do material produzido na investigação, se presentes outras provas colhidas na instrução criminal. Não. Fosse assim, o convencimento judicial poderia ser construído com base essencialmente – e não exclusivamente! – em elementos informativos, bastando apenas a referência à existência de outras provas produzidas em Juízo.115

Para se conceber a uma restrição de caráter definitivo é necessário

que o convencimento judicial se enraíze em bases seguras, de modo a evitar a

pessoalidade do julgador na sua convicção116, para que este não venha a

assumir postura de protetor da sociedade tanto como o parquet, julgando os

seus pares com eventual desproporção e sentimentos íntimos.117

magistrada, sempre existiram e ainda persistem, não sendo, porém, devidamente destacados na decisão primitiva”. STJ, Rcl 2526/RJ; HC 66768/RJ. (grifos nossos). 113 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal... op. cit., p. 303. 114 Idem, Ibidem, p. 304. 115 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. FISCHER, Douglas. op. cit., p. 302-303. 116 OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. FISCHER, Douglas. op. cit., p. 301. 117 Idem, Ibidem, p. 358

Page 35: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

35

Previsto no artigo 93, inc. IX da CRFB/88, está a vinculação do

magistrado à fundamentação de todas as suas decisões, que no processo

penal funcionam como garantia de a sociedade, bem como do imputado, ter

ciência dos motivos que o levaram a ser condenado, e que a falta de

fundamentação constitui nulidade processual.118

Não bastante, a fundamentação deverá constar em todos os atos que

contenham carga decisória, pois como aduz Scarance, o juiz deverá analisar

para recebimento da denúncia a constatação de elementos essenciais,

imprescindíveis ao prosseguimento do processo, uma vez que com as

modificações introduzidas no Código de Processo Penal em 2008,

o juiz precisa analisar a viabilidade da acusação em dois momentos e mediante dois juízos com cognições diversas. A primeira análise é feita de maneira superficial, provisória, e não sendo a denúncia rejeitada liminarmente o juiz a admitirá apenas para o fim de citar o acusado, a fim de apresentar a sua resposta (art. 396, caput). Nesta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interessar à sua defesa (art. 396-A). Depois, o juiz procederá, de maneira fundamentada, exame mais aprofundado sobre a viabilidade da acusação, levando em conta os argumentos do acusado (art. 399, caput).119

Ferrajoli lembra que cabe ao juiz decidir sem qualquer interesse,

acerca de uma ou outra tese levantada sobre a controvérsia, seja o interesse

público, seja institucional, devendo se submeter à lei como única legitimação

da sua atuação; atuando “como um contrapoder, no duplo sentido que é

atribuído ao controle de legalidade ou de validade dos atos legislativos assim

como dos administrativos e à tutela dos direitos fundamentais dos cidadãos

contra lesões ocasionadas pelo Estado.” 120

O convencimento judicial como garantia de ordem pública fica adstrito,

principalmente às provas e, segundo Pacelli, o juiz terá a liberdade para

direcionar o seu convencimento no sentido que as provas o levem a entender

ser o mais plausível. Deverá, entretanto, demonstrar as razões que o levaram

118 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 466-467 119 FERNANDES, Antonio Scarance. op. cit., p. 129. 120 FERRAJOLI, Luigi. op. cit., p. 535-536.

Page 36: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

36

a formar o entendimento, através de critérios de racionalidade, para que as

partes possam vir a confrontar dentro da mesma linha argumentativa.121

Conforme pretende Ferrajoli,

se a legitimidade do juízo se funda na verdade processual, cuja decisão depende da determinação semântica das leis e, portanto, dos vínculos estritamente legais da jurisdição, é claro que ela exige a independência do juiz tanto quanto seu distanciamento, em garantia da imparcialidade e, portanto, da igualdade dos cidadãos.122

Ainda quanto ao convencimento do magistrado, Pacelli anota que

havendo critérios de foro pessoal na decisão do feito, este restará

prejudicado.123

A valoração de determinados critérios de acordo com sentimentos

pessoais, levam o juiz a deslegitimar-se da atuação como protetor de direitos e

garantias fundamentais, posto que a imparcialidade é garantia ao acusado de

que o magistrado não venha a buscar elementos probatórios que não os que

foram apresentados pelas partes.124

Diante do que é exposto pelo mass media pode haver mais ou menos

influência no foro íntimo do julgador para decidir, pois as informações

veiculadas provocam o Estado no sentido de tomar providências

persecutórias.125 que por entender viável, reforça as decisões durante o curso

do processo em premissas de proteção social.

Em outra decisão, verifica-se o seguinte:

Impende consignar que o juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao paciente, isoladamente não constitui fundamentação idônea a autorizar a prisão por garantia da ordem pública, posto que desvinculado de qualquer fato concreto, que não a própria conduta, em tese, delituosa, cuja gravidade já é prevista na definição legal. Tal aspecto, portanto, deve permanecer alheio à avaliação dos pressupostos da

121 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10. ed. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 290-292. 122 FERRAJOLI, Luigi. op. cit., p. 538. 123 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal..., p. 375. 124 THUMS, Gilberto. op. cit., p. 127-128. 125 ANDRADE. Fabio Martins. op. cit., p. 286.

Page 37: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

37

custódia cautelar, cabendo salientar que as afirmações a respeito da gravidade do delito e a comoção causada à sociedade pela prática do mesmo, trazem aspectos já subsumidos no próprio tipo penal. O clamor social não pode se sobrepor à presunção constitucional de inocência, nem a credibilidade da justiça está na determinação indiscriminada de prisão preventiva, sem apoio em fatos concretos, mas na independência, imparcialidade e honestidade de seus membros, assim como na capacidade de agilizar a prestação jurisdicional, distribuindo-a de forma efetiva. Da mesma forma, não é possível presumir que o paciente põe em risco a futura aplicação da lei penal caso seja solto, pois se trata de um argumento abstrato, sem qualquer fundamentação em fatos concretos. E o que se constata é que o juiz autor da decisão não indicou fatos concretos que poderiam por em risco a garantia da ordem pública e tampouco esclareceu a circunstância que estaria a prejudicar eventual aplicação da lei penal. Assim, o reconhecimento da necessidade da prisão há de ser expresso (artigo 93, ix da cf), vislumbrando-se que in casu a decisão proferida pela autoridade apontada como coatora, que adotou como fundamento de decidir a cota do i. Representante do ministério público deixou de observar a imposição constitucional. A fundamentação inidônea equivale à ausência de fundamentação, tornando constrangedora e ilegal a prisão resultante do decreto.126 (sic) (grifos nossos)

Lopes Jr. adverte que com a exposição massiva dos fatos e atos

processuais, os juízos paralelos e o filtro do cronista afetam o (in)consciente do

juiz, além de acarretarem intranquilidade e apreensão.” Consequentemente, “o

‘livre’ convencimento passa a ser utópico diante do contaminado estado de

ânimo do juiz.”127

Desde a década de 1970, Tourinho Filho já ressaltava que o juiz tem

inteira liberdade para valorar as provas, mas que “não pode julgar de acordo

com o conhecimento que possa ter extra-autos”. 128 Acerca da exposição de

motivos do Código de Processo Penal, o mesmo salienta que Francisco

126 Decisão em Habeas Corpus (processo 2009.059.07100), da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 127 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal... op. cit., p. 181-182. 128 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo Penal. 2. ed. vol. 3. São Paulo: Editora Jalovi, 1977, p. 139.

Page 38: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

38

Campos afirmou não haver uma hierarquia pré-fixada de provas, ao passo que,

“na livre apreciação destas, o juiz formará honesta e lealmente a sua

convicção” e, mais adiante protesta que “livre convencimento não que dizer

puro arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais

na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu

conteúdo.” Não obstante, o juiz “não está dispensado de motivar a sua

sentença.” 129

Se o juiz estiver envolvido externamente, prejudicará a “acusatoriedade

real” que, seguindo Prado, “depende da imparcialidade do julgador”130, portanto

deve se manter em estrita ignorância dos fatos para que não venha a julgar

com base em convicções sociais e pessoais, pois quando o juiz se coloca a

buscar provas ao seu entendimento pré-firmado, essa atuação “em termos de

processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência

perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador.” 131

O magistrado não pode se deixar influenciar por condições externas ao

processo, pois é neste que deve ser encontrado a base decisória, fato que, se

não respeitado pelo julgador, poderá levar a uma possível suspeição ou

impedimento para atuar na causa. Não pode ainda, ser influenciado por

questões de ordem pública, que inferem na ilicitude de provas que não se

encontram no processo.

Para coibir essa influência negativa que exercem os órgãos da mídia

no processo penal, é necessária uma restrição quanto à divulgação das

informações obtidas durante o inquérito ou do processo, como “de

interceptações telefônicas ou escutas ambientais”, tenham elas autorização

judicial ou não, pois protesta que “a autorização judicial é para colher prova e

não para divulgá-la na imprensa.” 132

Sugere ainda, o prof. Aury Lopes Jr. que para o juiz exercer a atividade

que lhe compete de forma imparcial, analisando provas produzidas face ao

contraditório e a ampla defesa, é necessária ainda a exclusão física dos autos

129 Idem, Ibidem. 130 PRADO, Geraldo. op. cit., p. 108-109. 131 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório... op. cit., p. 136-137. 132 Idem, Ibidem, p. 186.

Page 39: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

39

do inquérito policial, técnica utilizada em ordenamentos alienígenas, em que

consiste na eliminação, nos autos que virão a formar o processo, das peças

preliminares, excetuando-se as do corpo de delito e aquelas produzidas sob

antecipação.133

Restando as provas produzidas sob a estrita legalidade processual,

Ferrajoli exemplifica que existem as provas chamadas legais “negativas” e

provas legais “positivas”, sendo para estas que a lei determina que em sua

presença, considere a hipótese acusatória como provada. Diversamente, as

provas legais “negativas” impõem ao juiz que não se considere provada a

hipótese apresentada, ainda que esta “não prova” esteja contra a sua

convicção, pois esta modalidade probatória infringe a absolvição, tendo apenas

uma eventual permissão para se aplicar, caso assim se vislumbre, a

condenação. Para o autor, “no plano jurídico, em consequência, as provas

legais negativas equivalem a uma garantia contra a convicção errônea ou

arbitrária da culpabilidade, assegurando normativamente a necessidade da

prova e a presunção de inocência até prova em contrário”.134

E conforme Gilberto Thums assinala, o sistema da livre apreciação das

provas adotado no sistema penal vigente reflete uma verdade em caráter

relativo porquanto produzidas pela racionalidade humana, estando sujeitas a

diversas variações e manipulações, sendo necessária uma cautela do próprio

julgador na sua análise, pois influenciam a convicção do magistrado

dependendo do seu grau de persuasão. Assim, afirma ainda ser impossível

submeter a operação mental de avaliação do julgador a um controle, o que só

pode ser feito quanto às disposições contidas na sentença, quando levadas à

instância superior.135

Por fim, Pacelli de Oliveira e Fischer sustentam que conforme o citado

artigo 386 do CPP, é imperioso aplicar a absolvição quando não houver sequer

possibilidade de existência de provas no sentido contrário, que ensejam a

condenação, bem como da impossibilidade de se verificar a certeza judicial,

que é requisito à condenação, ou seja, se existe dúvida a respeito da autoria e

133 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal... op. cit., p. 305. 134 FERRAJOLI, Luigi. op. cit., p. 141.

Page 40: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

40

materialidade do juízo, tão logo será o acusado considerado inocente,

porquanto não se pode justificar uma condenação quando não fundada em

provas produzidas sob controle judicial.136

Indo mais além, Maurício Zanoide de Moraes defende que a absolvição

por insuficiência de provas, dispositivo inserto no artigo 386 do Código de

Processo Penal137 pela reforma processual de 2006, viola os preceitos

constitucionais da presunção de inocência, pelo fato de que o juiz ao absolver

por insuficiência de provas ou por dúvida aplica utilizando-se do indubio pro

reo, uma “absolvição duvidosa”, pois correto seria que ele aplicasse a

absolvição para garantir que o sujeito imputado retorne ao status anterior ao

processo, isto é, garantir que o indivíduo retorne ao seu natural estado de

inocência.138 Em síntese, Zanoide considera que o juiz viola a presunção de

inocência quando “mais incentivado a decidir ‘a favor’ do acusado porque a sua

‘absolvição’ não será plena e, portanto, sabe que deixará no ‘absolvido’ uma

marca moral e social”. 139

Disto posto, verifica-se que o convencimento do magistrado não

poderá se servir de fatores externos para motivar uma eventual condenação e

restrições na esfera da liberdade de um indivíduo dotado de direitos e

garantias, sendo imprescindível que o convencimento livre do julgador e a sua

externalização, isto é, a motivação, se demonstrem inequívocas ao fim a que

pretende e de acordo com o que foi estritamente produzido sob a égide do

contraditório e ampla defesa, pois “qualquer prognóstico que tenha como

mérito ‘probabilidades’” impostas por uma opinião pública dotada de discursos

135 THUMS, Gilberto. op. cit., p. 53-55. 136 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. FISCHER, Douglas. op. cit., p. 741-748. 137 Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I - estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência do fato; III - não constituir o fato infração penal; IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) VII – não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) (grifos nossos) 138 MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 407-412 139 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 409-411.

Page 41: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

41

condenatórios “não pode por si só, justificar a negação de direitos, visto que

são hipóteses inverificáveis empiricamente. É uma porta aberta para o

subjetivismo incontrolável”.140 É a motivação “freio para se impedir o arbítrio”, e

que atue o juiz motivado por “impulsos pessoais” para decidir como lhe for

conveniente.141

140 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal: e sua Conformidade Constitucional. 5 ed. vol. I Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 248. 141 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 468.

Page 42: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

42

CAPÍTULO III

INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES?

Segundo Nilo Batista, o sistema penal brasileiro reflete uma aplicação

diferida entre sua finalidade e a realidade social, pois é “apresentado como

igualitário, (...) quando na verdade é seletivo”; se apresentando ainda como

justo, na medida em que buscaria prevenir o delito, restringindo sua intervenção aos limites da necessidade (...), quando de fato seu desempenho é repressivo, seja pela frustração de suas linhas preventivas, seja pela incapacidade de regular a intensidade das respostas penais, legais ou ilegais. Por fim, o sistema penal se apresenta comprometido com a proteção da dignidade humana (...), quando na verdade é estigmatizante, promovendo uma degradação na figura social de sua clientela.142

Para se afirmar que um sujeito cometeu um crime, logo será

necessário a sua submissão ao sistema penal, que segundo Luigi Ferrajoli,

desde que tal prova se faça sobre um juízo regular, não se poderá atribuir

certeza acerca de um delito, logo, nenhum sujeito pode ser refutado culpado,

nem submetido a uma pena.143

Acontece que na realidade atual, os órgãos da mídia ao invés de

cumprirem a sua função de informar, acabam “por influenciar e manipular a

opinião pública”.144 Desta forma ocorre a construção de uma realidade social

pela mídia,145 que, na visão de Choukr, subverte a legitimidade da jurisdição,

pois através de um exorbitante desrespeito ao ser humano, “a imprensa julga,

prejulga e cria um espaço decisório que, sem sombra de dúvida, gera indevida

influência na atividade persecutória, alimentando expectativas e ajudando a

142 BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 1º. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2005, p. 25-26. 143 FERRAJOLI, Luigi. op. cit., p. 505-506. 144 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 295-296. 145Idem., Ibidem.

Page 43: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

43

debilitar ainda mais a já combalida confiança na Justiça criminal quando o

‘indiciado’ não é condenado”.146

Como assinala Lopes Jr., na atual era da informação há o cenário do

“bizarro espetáculo” processual, em que foi ressuscitada a “pena pública e

infamante do Direito Penal pré-moderno”, através da veiculação da imagem de

acusados e todo o tipo de informações sobre o ocorrido, nas primeiras páginas

dos jornais ou em horários de grande concentração da massa da população

frente à tevê.147 Em citação de Lopes Jr. à Gomez de Liaño, este afirma que os

juízos proferidos pela imprensa são capazes de produzir maiores prejuízos ao

imputado que o próprio processo penal, pelo fato de que fácil é realizar uma

acusação, mais muito difícil é destruí-la.148

Ainda segundo Lopes Jr., é essa publicidade abusiva, que resulta na

distorção do comportamento dos sujeitos processuais, pois aumenta “o

estigma do imputado”.

Conforme Bianchi, esse aspecto é justamente o fenômeno das

condenações sem processo que com a utilização das medidas cautelares,

“terminam impondo condenações antecipadas em afronta ao conhecido

princípio Constitucional que presume a inocência como regra”.149

Perante a velocidade e a exposição massiva dos fatos pelo mass

media, depreende-se que a atuação do julgador restará afetada, tendo o seu

inconsciente afetado, levando-o a aplicar perante as dúvidas processuais, o “in

dubio pro societate, com a consequente condenação em lugar da necessária

absolvição”.150

Segundo Andrade, não se pode esquecer que o juiz faz parte da

sociedade e nela atua de forma ativa, sendo evidente que é um sujeito

passível de sofrer influências de cunho ideológico ou cultural da região onde

146 CHOUKR. Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. op.cit, p. 35. 147 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal... op. cit., p. 180-181. 148 LIAÑO, Gomez. Pasos Perdidos – Confessiones en carne viva, p. 221 apud LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal... op. cit., p. 180. 149 BIANCHI, Eliza Maria de Oliveira. op. cit., p. 57 150 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal... op. cit., p. 182-183.

Page 44: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

44

está inserto, como as “exercidas pelos órgãos da mídia, através de suas

diversas formas de manipulação e controle social”.151

Bacila afirma que o magistrado sofre, sim, profunda influência de

agentes internos ou externos ao processo, “selecionando pessoas com

critérios sociais que lhes conferem maior ou menor credibilidade e que

constituem meta-regras-estigmas”.152

Alessandro Baratta afirma que os juízos emitidos pelos magistrados,

caso a caso, desfavorecem consequentemente os “indivíduos provenientes dos

estratos inferiores da população”, pois o juiz desconhece a real situação dos

sujeitos, por não se envolver nesse mundo que as classes mais inferiores

vivem.153

Vislumbra-se neste ponto o problema criado pelos órgãos de

comunicação de massa, que afetando a atividade profissional do julgador

“extrapolam a sua função informativa e se transformam em legítimo

mecanismo de desvirtuamento do processo judicial.”154 Assim, Andrade afirma

que

Quando passa à parcialidade sugerida pelos órgãos da mídia, geralmente vocacionada à versão acusatória, a atuação do juiz compromete o trâmite do justo processo e, conseqüentemente, a correta distribuição da justiça através da prestação jurisdicional. Essa inversão subversiva no trâmite da apuração de crimes e responsabilização de seus perpetradores é prejudicial ao desenvolvimento justo do processo.155

Roberto Delmanto Júnior salienta que à essa influência midiática,

soma-se a atuação do magistrado na difícil tarefa deste em “distinguir se a

revolta da sociedade é decorrência do choque que o crime causou no meio

151 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 295-296. 152 BACILA, Carlos Roberto. op. cit., p. 172. 153 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002, p. 177. 154 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p.295-296. 155 Idem., Ibidem.

Page 45: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

45

social, por si só, ou se a mencionada vingança do inconsciente popular é

consequência da exploração e da distorção dos fatos pela mídia”.156

Percebe-se então, como descreve Rangel, que o magistrado “é um ser

humano como outro qualquer”157 e por isso não deixa de acompanhar os

acontecimentos sociais, bem como as notícias sobre os casos públicos.

Verifica-se a premissa através da leitura de uma decisão em que o juiz

decretou a prisão preventiva dos acusados destacando as informações obtidas

através da mídia, ipsis litteris:

o Ministério Público também requereu a decretação da prisão preventiva dos acusados (...), com o argumento de que se trata de medida necessária para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. Vejamos. Como é de conhecimento geral, por força do princípio da inocência, consagrado no art. 5º, LVII, da Lei Maior, a prisão cautelar só pode ser decretada em casos excepcionais. Para tal decreto, é imprescindível a presença do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, ambos exigidos pela norma do art. 312 do CPP. Quanto ao fumus comissi delicti, na ótica deste magistrado, inexiste qualquer dúvida quanto à sua presença, especialmente diante dos elementos probatórios que acima já foram destacados. De outro lado, o chamado periculum libertatis deve ser examinado com base no art. 312 do CPP, ou seja, só deve ter lugar a prisão dos réus se a mesma for necessária para garantia da ordem econômica, para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Diante da natureza dos crimes imputados aos réus, é evidente que a prisão cautelar é desnecessária para garantia da ordem econômica. No entanto, o caso em análise é exemplar quando demonstra a evidente necessidade da prisão cautelar para a garantia da ordem pública. Vê-se que os acusados têm acentuada periculosidade, diante das circunstâncias que envolveram os fatos narrados na denúncia e também os fatos subseqüentes que acabaram por culminar no desaparecimento da vítima (...). É certo que este processo não pode ser confundido com aqueles autos, ainda em fase policial, que apuram o referido

156 DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 188 apud Andrade p. 281 157 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 461.

Page 46: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

46

desaparecimento. Entretanto, não se pode ignorar a notícia de que foi decretada, no dia de ontem, a prisão temporária dos réus no inquérito policial que foi distribuído para a 38ª Vara Criminal da Comarca da Capital, o qual se refere justamente ao recente desaparecimento da vítima (...). (...) Assim sendo, mostra-se precoce o decreto cautelar com tal fundamento, o que não impede, a toda evidência, que no curso do processo se comprove tal necessidade, de modo a permitir o aditamento do presente decreto para também incluir o mencionado fundamento. Registre-se, neste aspecto, que ambos os réus tiveram a sua prisão temporária decretada no inquérito policial distribuído à 38ª Vara Criminal da Comarca da Capital e se apresentaram para o cumprimento da ordem prisional, o que confirma a tese de que não pretendem evitar a lei penal. Sendo assim, decreto a prisão preventiva dos réus (...), para garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal, a teor do art. 312 do CPP. 158 (grifos nossos)

Para complementar a influência midiática na seara judicial, Andrade

afirma que a jurisprudência pátria, em diversas decisões tem recorrido ao

“clamor público” para fundamentar decretos cautelares e condenações, que é

justificado de forma vaga, através de expressões como “a repercussão do

crime na comunidade, a necessidade de preservar a credibilidade do Estado e

da Justiça, a satisfação da opinião pública, a proteção à paz pública e a

comoção social ou popular”.159

O mesmo autor apresenta que para uma corrente doutrinária, tais

justificativas utilizadas para decidir, não servem de forma suficiente aos

instrumentos restritivos a qual são convocados, pois a privação de liberdade

nesses casos serve à antecipação de pena, “o que resulta inconstitucional à

luz dos direitos fundamentais da presunção de inocência, proporcionalidade e

devido processo legal”.160

Da mesma forma entende Schreiber, pois segundo a autora, verbis

158 TJE/PA. Decisão em Habeas Corpus (processo n.º 20073004380-5). 159 ANDRADE, Fabio Martins de. op. cit., p. 278. 160 Id., Ibid, p. 278-279.

Page 47: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

47

A impressão que se colhe é a de que, apesar de alguns julgados de turmas do Supremo afirmarem a necessidade de fundamentação específica para a decretação de prisão processual, dado o princípio da presunção de inocência, prepondera a tendência de temperar o princípio prestigiando-se a prisão diante da gravidade do crime imputado e quando há grande repercussão do caso na imprensa.161

A autora traz em sua obra a análise de um caso que ganhou forte

repercussão no país, segundo o qual, “as decisões que decretaram a custódia

cautelar dos réus foram claramente influenciadas pela ‘opinião pública’,” tendo

sido mantidas pelos tribunais superiores, caso este em que “a forma como a

imprensa repercute determinados julgamentos criminais põe em cheque o

princípio constitucional da presunção de inocência”.162

Acerca do julgamento do Habeas Corpus 58813/SP, pelo Superior

Tribunal de Justiça, tendo como relator o Ministro Nilson Naves, foram

pacientes a ré Suzane Louise von Richthofen e os irmãos Cristian e Daniel

Cravinhos, "julgados pelo homicídio dos pais da mesma, ocorrido em

31.10.2002.163

Conforme Schreiber apresenta, o caso que ensejou grande

repercussão na sociedade, também foi levado, por diversas vezes à mídia,

tendo resultado na exibição de “uma reportagem no programa Fantástico, da

Rede Globo de Televisão, em que o microfone do jornalista captou

furtivamente uma conversa entre Suzane e seu advogado, na qual este a

orienta a chorar na entrevista que seria dada a seguir”.164 Por força desta

violação de sigilo entre o advogado e seu constituinte165, foi utilizada pelo

representante do Ministério Público, a seguinte premissa, in verbis

161 SCHREIBER, Simone. op. cit., p. 199. 162 Idem., Ibidem. 163 Idem., Ibidem 164 SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 204-205. 165 “Em determinado momento, enquanto conversava reservadamente com seu advogado, os repórteres que haviam acordado a entrevista passaram a gravar a conversa de ambos, colocando-a no ar em seguida. Uma das vezes ocorreu em local aberto e outra no interior de residência, estando os repórteres na parte externa da mesma.” O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o ato “é evidente infração ética, já que a comunicação entre o acusado e seu defensor se encontra acobertada pelo sigilo funcional, como se verifica pela aplicação

Page 48: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

48

A acusada, na data de ontem, concedeu à TV Globo, no Fantástico, uma longa entrevista, em que tentou convencer os milhões de telespectadores de que se trata de uma pessoa frágil, solitária e beirando uma alienação quase esquizofrênica da realidade. Todavia, no curso da entrevista, acabaram, a acusada e a troupe que a acolhe, por cometer incontinências verbais graves, que desnudaram uma farsa canhestra, que tinha por único objetivo montar um engodo, uma encenação, com alguma pretensão de amenizar a situação jurídica da ré por ocasião do julgamento. Contudo, o que poderia ser um folhetim guarda contornos de extrema gravidade. A ré, em liberdade, mantém um comportamento indisfarçadamente arrogante, em que pretendia ilaquear a boa-fé dos quantos a viam desfilar um comportamento bizarro a uma equipe de reportagens. No momento em que percebe sua farsa ruir, as derradeiras esperanças de atenuar a reprovabilidade social de sua conduta foram por terra e ela, mais do que ninguém, sabe que cativou ainda mais a repulsa do senso médio comum. Em outras palavras: nada mais existe a prendê-la ao processo; o joguete que pretendeu fazer, acolitada por um grupo de advogados que desastradamente lhe expuseram tal como é, esvaziou seu significado e deu a ela a alternativa única que resta: a fuga, fortemente estimulada com a aproximação do julgamento, do qual já se encontra intimada.166

Mais adiante, conforme a autora descreve, o Tribunal de Justiça de

São Paulo, julgou pela denegação da ordem de concessão de liberdade da ré,

invocando preceitos de proteção aos jurados, que, pela publicidade dada ao

caso pela defesa, se denota a intenção de “criar fatos e situações novas,

modificando indevidamente o panorama processual”.167

analógica do art. 207, do Código de Processo Penal. Não cabia aos profissionais que organizaram a entrevista divulgar ou tomar conhecimento indevido de qualquer conversa entre a paciente e os advogados que a orientavam, já que tais atos estavam acobertados pelo sigilo profissional.” (STJ, HC 58813/SP, voto do Min. Hamilton Carvalhido). 166 Trecho extraído do voto do Ministro Hamilton Carvalhido (STJ, HC 58813/SP), a que Schreiber entende que “o argumento utilizado pelo Ministério Público era de que, desmascarada pela imprensa, a ré com certeza empreenderia fuga”. (In: SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 205, nota de rodapé n. 286). 167 SCHREIBER, Simone. op. cit., p.205.

Page 49: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

49

No mesmo julgamento da medida, faz-se imperioso a leitura do voto do

Ministro Paulo Medina, em que este aduz, conforme expressa Schreiber, que

“escancaradamente, justificou a manutenção da prisão de Suzane na

necessidade de atender ao clamor público”, mostrando-se “totalmente

permeável à pressão midiática pela denegação da ordem”.168

O Ministro inicia o voto com as seguintes observações:

Todavia, este processo é diferente de outros tantos; ele é diferente porque sua repercussão será diferente da repercussão dos outros. Ele poderá ser um processo paradigma. Ele poderá ser um voto paradigma. Ele poderá ser um voto a orientar toda a jurisprudência nacional. A publicidade existente em torno do caso, a publicidade abusiva em torno do caso e a força da comunicação estão a exigir de cada um de nós reflexão maior, mais consciente, mais firme. (...) Quanto à decisão anterior, tenho - permita-me o Sr. Ministro Nilson Naves - o dever de discordar de V. Exa. A decisão anterior, Sr. Ministro Hamilton Carvalhido, não está vinculando a decisão de agora. O fato foi examinado anteriormente. O fato que vamos examinar agora é diferente do fato anterior. Se assim o fosse, não poderíamos sequer conhecer do habeas corpus. Os argumentos são os mesmos. As razões são as mesmas. Conhecemos até porque os fatos de agora são diferentes dos anteriores. Antes, falava-se em excesso de prazo, em clamor público, em conveniência da instrução criminal e indícios de autoria e materialidade. Hoje, fala-se também em clamor público. Fala-se com dois outros argumentos inteiramente novos. Então, são visões diferentes. O clamor público de hoje não é o mesmo de ontem. A ordem pública de hoje não é a de ontem. A ordem pública que está estabilizada ou não depois da decisão anterior, pelos novos contatos, pela publicidade das entrevistas, pela dificuldade das relações entre os juízos, pela ameaça que se noticia e pela viabilidade da possibilidade da fuga.169

Furtivamente, o Ministro se baseia em três argumentos para a

manutenção do decreto de prisão, sendo o primeiro acerca de uma eventual

168 Idem., Ibidem, p. 207. 169 STJ, HC 58813/SP, trecho do voto do Min. Paulo Medina.

Page 50: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

50

ameaça da ré buscar a morte de seu irmão, fato que, para ele, encontrava-se

sem qualquer respaldo probatório. O segundo refere-se ao excesso de prazo,

tendo o mesmo concluído que não se verifica tal hipótese, posto que a prisão

anterior ao ser encerrada, encerra também a contagem do prazo e, em caso

de nova decretação de prisão, este prazo se refere a fato novo, por isso não

contabiliza ao anterior.170 Isto posto, interessa ao presente, o terceiro

argumento apresentado pelo Ministro e as suas conclusões. Assim é o voto,

ipsis litteris

O terceiro argumento é sobre a necessidade de prisão e falta de efetivo erro na fundamentação. (...) A fundamentação do juiz, realmente, não é elogiável, mas ele traz, aqui, as razões que o conduziram à prisão. Ele disse: "Cuida-se de representação do Ministério Público". (...)O Ministério Público disse, não provou, não indicou prova, e disse que havia uma articulação para Suzane matar o irmão, e o juiz acolhendo a palavra do Ministério Público, deixava a busca de prova, louvando-se apenas nas alegações do Promotor. Disse que a mídia tinha explorado muito e estaria dificultando a aplicação do Direito Penal. Tudo indicava que Suzane, com a proximidade do julgamento que está agora aí, pressionada pela opinião pública, pela imprensa, estaria propensa a fugir diante das circunstâncias que ele aventou. A execução da lei penal é que está em discussão. Ele não define mais fatos, porque, Ministro Nilson, porque não tinha o que definir. Então, o pedido da prisão preventiva está fundamentado, onde existia suporte para fazê-lo. Era ameaça, estava próximo o julgamento, movimentava-se de forma inadequada perante os tribunais, surgia instabilidade em torno do fato. E o Juiz utilizou-se desses fatos para fundamentar. Assim, cumpre, agora, examinar o mérito do decreto. Disse, na abertura do meu voto, que me intranqüilizou este julgamento, porque defendo idéias liberais no direito penal, argumento pela abertura maior das regras do processo e defendo sempre que os pressupostos da preventiva devem ser examinados com rigor. Em constante pensamento, creio que só há um caminho: repetir o que sempre faço, sempre fiz aqui nesta Casa, nesta Turma. Dizer que estou a pensar, como sempre pensei, concedendo a ordem. Estaria resolvido o meu

170 Idem.

Page 51: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

51

problema de consciência. Porém, meditei um pouco mais. Sou favorável à lei, sou subserviente à lei, ao Direito, mas antes da lei e do Direito, sou escravo da minha consciência. Sou absolutamente fiel à minha consciência. No confronto entre a lei e a consciência, fico com a minha consciência, desde que ela perceba a circunstância que envolve a realidade, a necessidade de não se achincalhar a sociedade brasileira. Uma revista, quando publicou há poucos dias o perfil de cada um de nós, disse que a minha decisão era imprevisível às vezes e que eu era fiel demais à consciência em detrimento da própria lei. Sou assim mesmo. Tenho esse defeito. Defeito que tenho do berço, defeito que tenho da faculdade, defeito que tenho de quarenta anos como juiz. No confronto entre a consciência e a lei, sou favorável à consciência. Minha consciência custa a admitir, que, às vésperas de um julgamento, a dias de um julgamento, uma paciente, acusada de um crime bárbaro, bárbaro e que toda a sociedade brasileira acusa, possa ser deixada em liberdade para apresentar-se solta perante o Tribunal do Júri. É um detalhe sutil, pode não ser significativo, mas é importante. É importante que a sociedade, com o juizado, com o juiz, com o Poder Judiciário, reaja a esses ventos de impunidade, porque se por meio de um crime grave, qual seja, matar a mãe, matar o pai, segue-se a prisão até as vésperas do julgamento, por que às vésperas do julgamento, liberta-se a mulher, liberta-se a ré, para que ela possa responder solta, tirando do juiz natural do Tribunal do Júri o seu ato de julgar. (...) É preciso saber que a realidade deve conduzir os votos do juiz. É preciso conscientizar que o juiz não é alheio às circunstâncias que estão a envolvê-lo. Ele participa da insatisfação, ele participa do inconformismo, ele participa da renovação de consciência. (...) Cada caso é um caso, não estamos de acordo com esse ou outro fato. (...) Porém, estou dizendo que há casos excepcionais, há casos desiguais, que não vamos tratar com igualdade não, vamos tratar desigualmente. Neste caso específico - não em outros casos, não estou, portanto, permitindo uma abertura grande para que se possa argüir precedentes - não é aconselhável, não é prudente, não é

Page 52: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

52

razoável, que se dê soltura à paciente. Isso por meio, Ministro Hamilton Carvalhido, do clamor público. Sabemos que o clamor público não condena ninguém, assim como o clamor público não pode prender ninguém, mas há, também, decisões que entendem que o clamor público, excepcionalmente, pode conduzir à prisão. (...) É por isso que entendo que o clamor público existe; existe sim, existe na vizinhança que não a quer, existe na sociedade que não a quer, existe na instabilidade local que não a quer, existe na comunicação que não a quer, comunicação muito criticada pela defesa, comunicação muito criticada, sutilmente, pelo Ministro-Relator. A comunicação que é indispensável, que não criou o parricídio, não criou a morte da mãe, não criou as entrevistas, comunidade que não criou nada disso. A imprensa, às vezes, cria, a imprensa, às vezes, estimula, a imprensa, às vezes, julga, condena ou absolve. Mas, neste caso, a imprensa nada mais fez senão ecoar a gravidade do crime. A imprensa nada mais fez senão estender a reação à sociedade, a imprensa nada mais fez senão ser a voz do povo que estava a exigir uma reação contra a impunidade. (...) Esse clamor é inegável, e, se ele é inegável, ele pode conduzir à prisão preventiva. Pior do que a preventiva de mais dias, mais cinco ou dez mais, é o retrato da impunidade com a assinatura desta Corte, no sentido de que pode matar, matou, assim como interpretará, e está solta antes de responder ao processo. (...) Volto, em síntese, a afirmar: o fato de agora é diferente do fato de ontem. Ontem, era a ordem pública, o clamor público. Hoje, é diferente. Hoje, o clamor público volta a crescer, a exigir, a forçar uma tomada de posição. Esse clamor público está instabilizando a sociedade pela incerteza da segurança quanto à impunidade neste País. O Poder Judiciário não pode permanecer de braços fechados, indiferente, quando a impunidade está a exigir de cada um de nós uma retomada de consciência. (...) Denego a ordem de habeas corpus, esperando a compreensão do mestre Nilson Naves, pedindo tolerância por essa interpretação que faço, interpretação que vem da consciência, interpretação que vem ao encontro da

Page 53: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

53

aspiração da sociedade brasileira. Não que eu defenda em ser servil à sociedade. Não, não sou. Não que eu defenda medo ou temor da imprensa. Não. A imprensa e a sociedade não têm nenhuma influência sobre mim. Mas penso que, agora, elas falam a voz da razão, falam a voz da necessidade de se preservar os aspectos que a garantem, de demonstrar que, aqui e acolá, se exigirá a reação do Poder Judiciário na prestação jurisdicional em nosso País. 171 (grifos nossos)

Continuando, Simone Schreiber conclui sobre o caso que até mesmo

na “motivação da sentença proferida pelo juiz presidente do 1º Tribunal do Júri

do Fórum da Barra Funda (São Paulo)”, se pode perceber, diante da

campanha midiática em torno do caso, que o “clamor público” foi utilizado

como um dos fundamentos que legitimaram o magistrado a majorar a pena

base bem acima do mínimo legal, “circunstância que não está prevista no art.

59 do Código Penal”.172

171 STJ, HC 58813/SP, trecho do voto do Min. Paulo Medina. Sobre a afirmação do Ministro acerca de tribunais que entendem a possibilidade do clamor público conduzir indivíduos à prisão, faz-se imprescindível a leitura da decisão do Des. Gilmar Augusto Teixeira, da Sétima Câmara Criminal do TJ/RJ, em sede de Habeas Corpus (processo 2008.059.00996), in verbis: “De fato, muito embora a garantia da ordem pública deva ser visualizada pelo trinômio gravidade da infração, repercussão social e periculosidade do agente, não se pode pensar na medida exclusivamente com a união indissolúvel do referido trinômio. Em determinadas situações, por vezes, a pessoa, não obstante primária e sem qualquer antecedente, pode ter sua prisão preventiva decretada porque cometeu um delito muito mais grave, chocando a opinião pública, a despeito de não apresentar periculosidade (probabilidade de tornar a cometer delitos). Portanto, para a decretação da prisão preventiva como garantia da ordem pública basta a gravidade da infração e sua repercussão social. No tocante à gravidade da infração, pode ela ser analisada sob dois ângulos: o individual e o social. Pelo primeiro, a lesividade verifica-se pela intensidade com que a conduta proibida atinge a esfera do particular. Sob esse aspecto, crimes praticados com violência e grave ameaça (individualmente graves), associados à repercussão causada na sociedade, provocam um quadro legitimador da prisão preventiva. Nas infrações de gravidade individual, a repercussão social evidencia-se na sensação de intranqüilidade e insegurança social.Por outro lado, sob o ângulo social, a gravidade da infração é observada pela lesividade coletiva, e não individual, da conduta proibida”. (grifos nossos) 172 SCHREIBER, Simone. op. cit., p.210. Estabelece o artigo 59, CP: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível”. Da leitura do artigo, Delmanto aduz que “a decisão do juiz deve ser fundamentada (CR/88, art. 93, IX), sendo-lhe defeso aplicar a pena-base arbitrariamente (ou com remissões genéricas e abstratas). Também não pode, sem o devido esclarecimento de suas razões de decidir, optar

Page 54: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

54

Verifica-se esse mesmo recurso ao “clamor público” e “repercussão

social” na sentença de outro caso que ganhou notável evidência na sociedade,

em que são réus Alexandre Alves Nardoni e Ana Carolina Trotta Peixoto

Jatobá, acusados pela prática de homicídio triplamente qualificado pelo meio

cruel, utilização de recurso que impossibilitou a defesa da ofendida e com o

objetivo de ocultar crimes anteriormente cometidos contra a vítima Isabella de

Oliveira Nardoni.173

No início de sua fundamentação, o magistrado assim prescreve, ipsis

litteris

Uma vez que as condições judiciais do art. 59 do Código Penal não se mostram favoráveis em relação a ambos os acusados, suas penas-base devem ser fixadas um pouco acima do mínimo legal. Isto porque a culpabilidade, a personalidade dos agentes, as circunstâncias e as conseqüências que cercaram a prática do crime, no presente caso concreto, excederam a previsibilidade do tipo legal, exigindo assim a exasperação de suas reprimendas nesta primeira fase de fixação da pena, como forma de reprovação social à altura que o crime e os autores do fato merecem.174 (grifos nossos)

Adiante na sentença, o magistrado aduz o seguinte, verbis:

Como este Juízo já havia consignado anteriormente, quando da prolação da sentença de pronúncia - respeitados outros entendimentos em sentido diverso - a manutenção da prisão processual dos acusados, na visão deste julgador, mostra-se realmente necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade do crime, da culpabilidade, da intensidade do dolo com que o crime de homicídio foi praticado por eles e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes,

por pena alternativa mais severa, fixá-la acima do limite mínimo, optar por regime inicial pior do que o permitido, ou negar a substituição da pena, quando cabível”. In: DELMANTO, Celso... et al. Código Penal Comentado. 6. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 173 CASOY, Ilana. A Prova é a Testemunha. São Paulo: Laurosse do Brasil, 2010, p. 223. 174 Idem., Ibidem, p. 224.

Page 55: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

55

como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar. (...) Portanto, diante da hediondez do crime atribuído aos acusados, pelo fato de envolver membros de uma mesma família de boa condição social, tal situação teria gerado revolta à população não apenas desta Capital, mas de todo o país, que envolveu diversas manifestações coletivas, como fartamente divulgado pela mídia, além de ter exigido também um enorme esquema de segurança e contenção por parte da Polícia Militar do Estado de São Paulo na frente das dependências deste Fórum Regional de Santana durante estes cinco dias de realização do presente julgamento, tamanho o número de populares e profissionais de imprensa que para cá acorreram, daí porque a manutenção de suas custódias cautelares se mostra necessária para a preservação da credibilidade e da respeitabilidade do Poder Judiciário, as quais ficariam extremamente abaladas caso, agora, quando já existe decisão formal condenando os acusados pela prática deste crime, conceder-lhes o benefício de liberdade provisória, uma vez que permaneceram encarcerados durante toda a fase de instrução. Esta posição já foi acolhida inclusive pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como demonstra a ementa de acórdão a seguir transcrita:"LIBERDADE PROVISÓRIA - Benefício pretendido - Primariedade do recorrente - Irrelevância - Gravidade do delito - Preservação do interesse da ordem pública - Constrangimento ilegal inocorrente." (In JTJ/Lex 201/275, RSE nº 229.630-3, 2ª Câm. Crim., rel. Des. Silva Pinto, julg. em 09.06.97). O Nobre Desembargador Caio Eduardo Canguçu de Almeida, naquele mesmo voto condutor do v. acórdão proferido no mencionado recurso de "habeas corpus", resume bem a presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva no presente caso concreto: "Mas, se um e outro, isto é, se clamor público e necessidade da preservação da respeitabilidade de atuação jurisdicional se aliarem à certeza quanto à existência do fato criminoso e a veementes indícios de autoria, claro que todos esses pressupostos somados haverão de servir de bom, seguro e irrecusável fundamento para a excepcionalização da regra

Page 56: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

56

constitucional que presumindo a inocência do agente não condenado, não tolera a prisão antecipada do acusado." E, mais à frente, arremata: "Há crimes, na verdade, de elevada gravidade, que, por si só, justificam a prisão, mesmo sem que se vislumbre risco ou perspectiva de reiteração criminosa. E, por aqui, todos haverão de concordar que o delito de que se trata, por sua gravidade e característica chocante, teve incomum repercussão, causou intensa indignação e gerou na população incontrolável e ansiosa expectativa de uma justa contraprestação jurisdicional. A prevenção ao crime exige que a comunidade respeite a lei e a Justiça, delitos havendo, tal como o imputado aos pacientes, cuja gravidade concreta gera abalo tão profundo naquele sentimento, que para o restabelecimento da confiança no império da lei e da Justiça exige uma imediata reação. A falta dela mina essa confiança e serve de estímulo à prática de novas infrações, não sendo razoável, por isso, que acusados por crimes brutais permaneçam livre, sujeitos a uma conseqüência remota e incerta, como se nada tivessem feito.". Nessa mesma linha de raciocínio também se apresentou o voto do não menos brilhante Desembargador revisor, Dr. Luís Soares de Mello que, de forma firme e consciente da função social das decisões do Poder Judiciário, assim deixou consignado:"Aquele que está sendo acusado, e com indícios veementes, volte-se a dizer, de tirar de uma criança, com todo um futuro pela frente, aquilo que é o maior 'bem' que o ser humano possui - 'a vida' - não pode e não deve ser tratado igualmente a tantos outros cidadãos de bem e que seguem sua linha de conduta social aceitável e tranqüila.E o Judiciário não pode ficar alheio ou ausente a esta preocupação, dês que a ele, em última instância, é que cabe a palavra e a solução.Ora.Aquele que está sendo acusado, 'em tese', mas por gigantescos indícios, de ser homicida de sua 'própria filha' - como no caso de Alexandre - e 'enteada' - aqui no que diz à Anna Carolina - merece tratamento severo, não fora o próprio exemplo ao mais da sociedade.Que é também função social do Judiciário. É a própria credibilidade da Justiça que se põe à mostra, assim.".175

175 Id., Ibid, p. 224-231.

Page 57: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

57

Para Andrade o caso denota a hipótese de interferência da mídia na

sociedade, pois o exagero na cobertura demonstra o monopólio do fato no

noticiário, que vigorou por vários meses nos meios de comunicação do país.176

Pacelli e Fischer advertem quanto à utilização de “clamor público” na

fundamentação, o que deve ser evitado, pois “juízos precários e sem

elementos empíricos sobre a periculosidade do agente”, só servem à autorizar

processos firmados sobre “seletividade da massa carcerária”.177

Em outra decisão, o Desembargador Eronides Sousa Primo, do

Tribunal de Justiça do Pará, em sede de Habeas Corpus no mesmo sentido,

criticou a posição do juízo de 1ª instância que justificou a necessidade de

aplicação de uma medida acautelatória pressionado pela mídia, em que

magistrado deixou claro “que se sentia na obrigação de dar uma resposta justa

à sociedade de modo a firmar a crença no Poder Judiciário”. Faz-se imperioso

a leitura da ementa do julgado:

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO COM PEDIDO DE LIMINAR. MOTIVAÇÃO: DESNECESSIDADE DA CUSTÓDIA SEGREGATIVA, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA DO DECRETO PREVENTIVO FUNDAMENTOS INSUSTENTÁVEIS. CARÊNCIA DE MOTIVOS CONCRETOS. PRISÃO PREVENTIVA FUNDAMENTADA NA POSSIBILIDADE DE FUGA DA RÉ, POR PRESSÃO DA MÍDIA. PACIENTE POSSUIDORA DE TODOS OS REQUISITOS PESSOAIS FAVORÁVEIS, RESPONDENDO TODA A INSTRUÇÃO EM LIBERDADE. DECISÃO ACAUTELATÓRIA COM O ANIMUS DE CONDENAR. ORDEM CONCEDIDA NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. UNANIMIDADE. I Não se trata de um decreto cautelar de prisão, mas sim, de uma sentença condenatória, pois os motivos expostos refletem um verdadeiro animus em condenar a paciente, ainda na fase do art. 499 do CPP. Trata-se de juízo de valor quanto à culpabilidade, antes mesmo das alegações finais das partes e da sentença; II O Poder Judiciário não precisa de decisões tomadas por pressão da mídia. Isso, sim, é que abala

176 ANDRADE, Fábio Martins de. A Influência Da Mídia No Julgamento Do Caso Nardoni. In Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 17, n. 210, p. 08-09, mai., 2010. 177 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. FISCHER, Douglas. op. cit., p. 616.

Page 58: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

58

a credibilidade do Poder encarregado de julgar a sociedade. Espera-se muito mais de um julgador, bastando sua dignidade, técnica, convicção na lei e estando acima de influências alheias ao processo. Sendo, até onde sei, tais características do Magistrado, ora tido como coator; III Até a decretação da prisão, o processo estava seguindo sua normalidade, no aguardo de uma sentença, sem descontrole social ou qualquer ameaça a ordem pública; IV Não vejo, nos fundamentos acima transcritos que ensejaram a prisão preventiva da paciente, qualquer motivação concreta de que a ordem pública se via ameaçada com a liberdade da paciente; V Ordem concedida. Unanimidade. (grifos nossos)178

No relatório o Relator Des. Eronides Sousa Primo afirma o

seguinte, verbis

Data vênia, não se trata de um decreto cautelar de prisão, mas sim, de uma sentença condenatória, pois os motivos expostos refletem um verdadeiro animus em condenar a paciente, ainda na fase do art. 499 do CPP. Trata-se de juízo de valor quanto à culpabilidade, antes mesmo das alegações finais das partes e da sentença. Lamenta-se, ainda, que em sua decisão, o Douto Magistrado deixe claro que decretou a prisão preventiva por pressão da mídia, vez que se sentia na obrigação de dar uma resposta justa à sociedade de modo a firmar a crença no Poder Judiciário. (...) Outrossim, o Poder Judiciário não precisa de decisões tomadas por pressão da mídia. Isso, sim, é que abala a credibilidade do Poder encarregado de julgar a sociedade. Espera-se muito mais de um julgador, bastando sua dignidade, técnica, convicção na lei e estando acima de influências alheias ao processo. Sendo, até onde sei, tais características do Magistrado, ora tido como coator. (...) Vê-se que, mais uma vez, o Magistrado a quo emitiu o seu juízo de valor quanto à culpabilidade da paciente,

178TJE/PA, decisão em sede de Habeas Corpus, (processo n.º 20073004380-5).

Page 59: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

59

quando afirma que já não bastasse a violação do Código Penal, com o cometimento de crimes.179 (grifos nossos)

Verifica-se em alguns casos, que a partir da midiatização dos fatos e

com a mobilização da opinião pública, surgem reflexos nas atitudes dos

agentes do sistema penal, que conforme Marcio Gestteira Palma, se revelam

“na atuação do sistema repressivo estatal e da sociedade os quais, iluminados

pelos holofotes e pressionados pelas notícias, vozes e votos, passam a agir de

forma açodada, para não se dizer criminosa”.180

Não obstante, Sanguiné, citado por Andrade, afirma que

o clamor público deve ser erradicado como fundamento para a prisão preventiva ou para denegar a liberdade provisória porque a privação da liberdade teria a finalidade de antecipar a pena, o que resulta inconstitucional à luz dos direitos fundamentais da presunção de inocência, proporcionalidade e devido processo legal.181

Ao se valerem da pressão dos meios de comunicação de massa para

julgar, os juízes violam direitos e garantias constitucionais, incorporando papel

autoritário em que se permite assumir o “desejo de vingança pública”. Ocorre

que se o juiz se mantém na garantia dos direitos dos indivíduos, se afastando

de tais influências, “cai em desgraça junto à opinião pública”.182

Segue-se a lição de Zanoide, para quem, o princípio da presunção de

inocência não é admissível aos juízos emitidos pela mídia e, se em alguma

decisão o magistrado vier a acolher a sua aplicabilidade, o mass media

rebusca uma campanha social sobre a “ineficiência legislativa” ou “demora da

prestação jurisdicional”, quando não enaltece as “‘ilegalidades’ perpetradas ou

anuídas pelos agentes (públicos ou privados) da persecução penal”. Desta

forma, “a verdade perde espaço para a versão criada”, e o material probatório

179 TJE/PA. Decisão em Habeas Corpus (processo n.º 20073004380-5). 180 PALMA, Marcio Gestteira. Os Tribunais da Mídia. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.158, p. 10-11, jan. 2006. 181 Sanguiné apud Andrade p. 279. 182 ANDRADE, Fabio Martins de. Mídia e Poder Judiciário... op. cit., p. 310-311.

Page 60: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

60

“perde espaço para a imagem construída ao feitio de uma capa de jornal ou de

revista periódica”.183

É um círculo vicioso, projetado para subverter a imagem dos agentes

que atuam sobre a persecução penal, resultando na cada vez mais constante

relativização do princípio da presunção de inocência. Isso faz com que os

juízes, no caso de dúvida, substituam a aplicação do in dubio pro reo pelo

indubio pro societate, condenando ao invés de absolver, decidindo como deles

se espera e, como os especialistas chamados a dar entrevistas afirmam ser o

correto.184

Ademais, afirma Zanoide que essa influência é ainda mais perceptível

nos processos de competência do Tribunal do Júri, em que os jurados, que são

“juízes leigos”, não possuem a necessária técnica para neutralizar o que lhe é

transmitido pela imprensa, o que pode ser levado às decisões pelo corpo de

sentença, já que não são vinculados à fundamentação das decisões como os

magistrados, o que “dificulta às partes o controle de sua racionalidade

jurídica”.185

O Tribunal do Júri denota menor controle racional na medida em que

os casos admitem o interesse da sociedade e dos meios de comunicações no

julgamento de pessoas públicas ou quando há grande repercussão social: são

casos em que o cidadão é chamado a julgar, o que potencializa a necessidade

de publicidade sobre os atos processuais.186

Não se pode falar, segundo Lopes Jr., na independência dos jurados,

pois por serem pessoas de segmentos sociais bem definidos, estão muito mais

suscetíveis “a pressões e influências políticas, econômicas e, principalmente,

midiáticas, na medida em que carecem das garantias orgânicas da

magistratura”, como a legitimidade democrática do juiz, prevista

constitucionalmente e inscrita no rol dos direitos fundamentais.187

Não exigir de um jurado a fundamentação de sua decisão e, em

consequência, buscar a compreensão do que o levou a tal decisão, é uma

183 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 514. 184 Idem., Ibidem, p. 515. 185 Id., Ibid. 186 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 230.

Page 61: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

61

forma de acobertar as possíveis influências externas que o conselho de

sentença possa sofrer, como as questões de personalidade, temperamento e

religião, bem como da “paixão pública”, “o prazer de ver condenado o inimigo”,

“medo” e, principalmente pela posição social dos réus, este último para o qual

o júri demonstra uma predisposição maior a condenar aqueles pertencentes às

classes mais baixas (“acusado ignorante e mal vestido”).188

Outrossim, verifica-se a partir dessa gama de influências, que a

seleção dos jurados ocorre, como aponta Fabio Goulart, “em uma só classe

social, com interesses, hábitos de vida e educação semelhantes”, desta forma

“pode não ser o fator determinante por si só, mas é elucidativo o fato de que o

elevado grau de participação das camadas médio-superiores no júri tem como

consequência um elevado número de condenações”.189 É uma tendência,

segundo Lenio Streck, citado por Goulart, “que indubitavelmente os jurados

examinarão a causa em debate com os olhos ‘de classe’, ou seja, ‘os de sua

classe social’”.190

Juntamente, os efeitos que recaem sobre os jurados pelas

transmissões e publicidade dos fatos dada pelos meios de comunicação são

muito mais pesados do que aqueles levados à plenário pelas provas e pelas

partes, pois ao decidem com convicção íntima e, de acordo com a pressão

exercida pelo mass media, decidem de acordo com a campanha midiática, pois

como diz Vieira

O jurado é cidadão comum que também está integrado na sociedade dos media. Conhece e já se familiarizou com os fatos e as circunstâncias do crime e do criminoso que será julgado, uma vez que foram amplamente divulgados na imprensa. Por conseguinte, o clima de prejulgamento dirigido que faz a mídia pode levá-lo a formar seu convencimento em elementos dissonantes da verdade processual.191

187 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal... op. cit. vol. II, p. 321. 188 GOULART, Fábio Rodrigues. Tribunal do Júri: aspectos críticos relacionados à prova. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2008, p. 21-25. 189 Idem., Ibidem, p. 22. 190 STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. 3. Ed. Porto Alegre: Livraria da Advogado, 1998, p. 119 apud GOULART, Fábio Rodrigues. Tribunal do Júri: aspectos críticos relacionados à prova. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2008, p. 23. 191 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 246-248.

Page 62: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

62

Desta forma, como não é impossível evitar a influência dos jurados

pelas campanhas da mídia, que ferem a imparcialidade exigida ao conselho de

sentença, poderá ocorrer o desaforamento do processo. Segundo Lopes Jr.,

desaforamento é o procedimento através do qual o processo é “retirado do seu

foro, daquela comarca originariamente competente para julgá-lo, e

encaminhado para julgamento em outro foro (comarca ou circunscrição

judiciária, caso a competência seja da justiça federal). Para o referido

professor, o desaforamento representa uma medida extrema, pois viola a

competência em razão do lugar.192 Já para Menezes Vieira, funciona como

uma exceção à competência territorial do Júri, pois nos casos em que, de

acordo com o art. 427 do CPP193, houver dúvida na imparcialidade dos jurados,

poderá o processo ser deslocado para outra comarca para julgamento, desde

que existam evidências suficientes que o julgamento na comarca de origem

poderá resultar prejuízos ao acusado.194

192 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal: e sua Conformidade Constitucional. 5. ed. rev., atual. e ampl., vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 288-289. 193 Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) § 1o O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) § 2o Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) § 3o Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) § 4o Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008). 194 Nesse sentido está a seguinte decisão: “DESAFORAMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. JÚRI. TEMOR QUANTO À IMPARCIALIDADE DO CORPO DE JURADOS MOTIVADO PELA INFLUÊNCIA DA IMPRENSA NO DISTRITO DA CULPA. O julgamento há que ocorrer no distrito da culpa, contudo, havendo motivos relevantes, o julgamento poderá ocorrer em outra comarca onde não subsistam motivos que afastem a imparcialidade do júri. Crime pelo qual responde um dos requerentes, que ganhou notoriedade na imprensa local. Informações prestadas pelo magistrado da causa, dando conta de que os requerentes, segundo investigações conduzidas pela policia civil, seriam integrantes de um grupo de extermínio atuante na Comarca de Macaé, e que, caso acolhido o pedido, que seja remetido o feito para Comarca distante, ante a notoriedade do grupo a que estariam vinculados os requerentes.Desaforamento acolhido para determinar o julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca da Capital. (Art. 121 § 2º, I e IV do C.P. e Art. 1º, I da Lei 8.072/90)”. Decisão em desaforamento de julgamento (processo n. 0003363-28.2008.8.19.0028), pela Sétima Câmara Criminal do TJ/RJ, Des. Alexandre H. Varella.

Page 63: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

63

O pedido de desaforamento poderá ser proposto, conforme leciona

Lopes Jr., pelo Ministério Público, pelo querelante, quando se tratar de ação

penal privada subsidiária da pública; pelo assistente de acusação, pelo réu ou

até mesmo pelo juiz presidente, regra que se deve à incompetência do juízo de

primeiro grau para decidir, pois somente cabe pedido de desaforamento ao

Tribunal de Justiça de cada Estado.195 Observa-se que nos casos em que o

pedido não for feito pela defesa, obrigatoriamente ela deverá ser ouvida, sob

pena de nulidade da decisão, conforme a Súmula 712 do STF.196

Ironicamente o professor Lopes Jr. afirma que dado o poder da mídia

na sociedade, somado à sua abrangência territorial, o ideal, em determinados

casos, seria o deferimento do “desaforamento para o exterior... mas isso é

tampouco possível”.197

Menezes Vieira entende que a jurisprudência pátria considera que “o

mero noticiário pela imprensa por si só não pode ser indício de imparcialidade

dos jurados, ainda que as opiniões sejam desfavoráveis ao acusado”198, mas

considerando o Tribunal que há suficientes evidências acerca da

imparcialidade dos jurados, é favorável a concessão do desaforamento.199

Ocorre que o dispositivo torna-se obsoleto quando verificados casos de

repercussão nacional.200

Assim, sem qualquer vinculação à forma de sua decisão, os jurados

decidem de acordo com a íntima convicção, o que pode apontar uma decisão

195 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal: e sua Conformidade Constitucional. 5. ed. rev., atual. e ampl., vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 288-289, p. 291. 196 “É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do Júri sem audiência da defesa”. In: LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal... op. cit. vol. II, p. 291. 197 Idem., Ibidem, p. 292. 198 Ilustra a afirmativa o seguinte julgado: “DESAFORAMENTO. REQUISITOS. PRINCÍPIO DO JUÍZO NATURAL. O DESAFORAMENTO E UM ATO EXCEPCIONAL QUE REPERCUTE NA ATUAÇÃO DAS PARTES, DEVIDO A MUDANÇA DO LOCAL DO JULGAMENTO PARA OUTRA COMARCA. RELATIVAMENTE AOS REQUISITOS DO ART. 424 DO CPP, NÃO BASTA SIMPLES ALEGAÇÃO DE DÚVIDA SOBRE A IMPARCIALIDADE DOS JURADOS E DA SEGURANÇA DO RÉU, E O INTERESSE DA ORDEM PÚBLICA, NEM MESMO A REPERCUSSÃO DO CRIME, PARA ENSEJAR O DESAFORAMENTO. PARA O DEFERIMENTO DE UM PEDIDO QUE VULNERA O PRINCÍPIO DO JUÍZO NATURAL, SÃO NECESSÁRIOS ELEMENTOS CONCRETOS E CONVINCENTES E QUE TENHAM BASE LEGAL. PEDIDO INDEFERIDO. (10 FLS.) (Des nº 70001358738, Primeira Câmara Criminal, TJ/RS, Relator Des. Silvestre Jasson Ayres Torres, julgado em 27/09/2000)”. 199 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 250-251. 200 Idem., Ibidem.

Page 64: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

64

“completamente fora da prova dos autos, sem que nada possa ser feito”.201

Poderão vir a decidir conforme o que a esfera social lhe propõe, seja o

“julgamento pela ‘cara’, cor, opção sexual, religião, posição socioeconômica,

aparência física, postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do

julgamento”.202

Enfim, é diante desses fatos e afirmativas feitas pelos próprios

julgadores, que efetivamente se pode afirmar que a notícia, de fato influencia o

animo do julgador, pois conforme assinala Gilberto Thums, “quem cria o clamor

público é a imprensa sensacionalista, que se alimenta da tragédia humana, de

cadáveres e de desgraças, que acabam influenciando juízes e tribunais.”203

Juntamente, conforme apresentado na introdução do presente

Andrade veemente afirma, pois de outro modo não há como melhor expor que

A mídia – e a opinião publica por ela manipulada – condena o suspeito antes mesmo do julgamento da causa pelo órgão competente do Poder Judiciário. Implica dizer, necessariamente, antes das provas, antes de ouvi-lo nas oportunidades de sua defesa e, por vezes, antes mesmo de concluído o inquérito policial. Desta maneira, pouco importa aos órgãos da mídia – e à opinião pública – o resultado do julgamento. Ao final do processo: se o réu for condenado, então todos já sabiam e lamentam a demora da sentença judicial, especialmente se comparada à “sentença da mídia” pronunciada anos antes; se por ventura, for absolvido, então os órgãos da mídia divulgam algumas notícias veiculando informações, opiniões e dados parciais que tendem a descredenciar a decisão do órgão constitucional e legalmente competente ao processo e julgamento da causa (inicialmente adstrito ao universo completo dos autos).204

201 Lopes Jr. esclarece que assim com ocorrendo, apenas se poderá a defesa se valer de recurso uma única vez, pois o artigo 593, prevê a possibilidade de ser proposta apelação para tal hipótese, sendo que, realizado o novo júri (pelos mesmos “atores”, mas com jurados diferentes), a última parte do parágrafo terceiro veda a possibilidade de nova apelação. “Logo se no segundo júri eles decidirem novamente contra a prova os autos, não caberá recurso algum”. In: LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal... op. cit. vol. II, p. 324. 202 Id., Ibidem, p. 323. 203 THUMS, Gilberto. op. cit., p. 158-159. 204 ANDRADE, Fabio Martins de. Mídia e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 255-256.

Page 65: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

65

Assim, é necessário que por parte daqueles que atuam perante o

processo, que tenham sensibilidade para analisar os fatos apresentados pela

mídia, que guiados pelo direito de liberdade de imprensa (leia-se interesses

jornalísticos), o empunham de forma ilegítima contra os direitos e garantias

fundamentais dos acusados e de toda a sociedade.205

205 THUMS, Gilberto. op. cit., p. 157.

Page 66: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

66

CONCLUSÃO

Durante o desenvolver da presente pesquisa, se buscou analisar de

que forma os meios de comunicação podem vir a interferir na relação jurídico-

processual entre um indivíduo e o Estado.

Com a necessidade de se informar acerca dos acontecimentos ao

redor da comunidade, a informação foi elevada a uma prioridade perante os

indivíduos, chegando ao nível de produto comercial, principalmente pelo fato

de que interessava aos grandes comerciantes. Com o tempo, a imprensa

deixou suas mínimas dimensões para alcançar o status de empresa, com

finalidade de obtenção de lucro na transmissão de um produto altamente

desejado, a partir do desenvolvimento de uma cultura global.

Desta forma, ao abranger uma determinada extensão territorial e

transmitir as notícias, os fatos e acontecimentos diários, com a velocidade

tecnológica disponível em cada momento histórico, a imprensa se firma como

instrumento de exercício pleno da democracia, pelo grau de abrangência que

obtém em todas as esferas da vida, principalmente quanto aos direitos

fundamentais. Por isso a nomenclatura meios de comunicação de massa, pelo

seu alcance de uma determinada quantidade de indivíduos e não pela

extensão territorial.

Como atividade empresarial que é, embora legitimada na sociedade

pelo seu fundamental papel no desenvolvimento do Estado Constitucional, a

imprensa se alia ainda ao desenvolvimento das políticas neoliberais, sendo

controlada por interesses econômicos e pelo mercado capital, isto é, a

imprensa é atividade comercial própria das relações capitalistas vigentes.

Em consequência, conforme se analisou no presente, as notícias

passam a emitir um juízo de valor dos agentes da mídia, que faz com que, ao

invés de os meios de comunicação cumprirem com sua função social de

informar, acabem priorizando determinados interesses de grupos seletos.

Page 67: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

67

Com esse liame, os fatos acerca da criminalidade e violência ganham

um elevado valor, pois através de notícias que afetam diretamente os

sentimentos sociais o mass media se insere efetivamente na vida do cidadão.

Denota-se que é diante de tais interesses que os estigmas são

lançados na sociedade, geralmente se referindo aos indivíduos pertencentes

às classes menos abastadas da população como correntes sujeitos ativos de

delitos.

Além dos estigmas, verifica-se que, na sociedade atual, o excesso de

notícias a respeito de crimes adquire tom sensacionalista, pois visam

“comover” o cidadão. Assim, pode-se afirmar que em sua maioria, as notícias

“sangram”. Em consequência, essa ingerência midiática cria ainda o exagerado

clima de medo, pois a sociedade vive com a intensa sensação de que a

qualquer momento pode ser vítima, ou de um crime ou da guerra cotidiana,

posto que, conforme trouxe Glassner, as estatísticas se revelam pouco

oficiosas, haja vista que enquanto na realidade os números sobre a

criminalidade diminuem, a informação transmitida os eleva

desproporcionalmente, concorrendo para a constante manutenção dessa

“cultura do medo” e excesso de gastos dos particulares com segurança

privada.

Corroboram a esse sentimento, os discursos de intolerância que

sempre apontam um dado grupo social como inimigos das pessoas de bem,

para os quais, por não se ajustarem ao quadro normativo vigente, se legitima o

Estado a intervir de forma máxima contra os indivíduos, desconstituindo suas

garantias fundamentais a fim de neutralizar esses agentes.

São os discursos de “Lei e Ordem” e “Direito Penal do Inimigo”, que

veem determinados grupos sociais como perigo constante à sociedade,

“pessoas de bem”, e que buscam com a máxima aplicação do Direito Penal,

neutralizar os possíveis e futuros delitos que esses agentes porventura possam

vir a cometer. São pretensões fundadas em probabilidades que decorrem da

condição dos indivíduos, principalmente aqueles marcados por estereótipos.

Quanto ao Poder Judiciário, este tem sua imagem profanada seja pela

demora no trâmite processual, seja quando efetivamente os magistrados

Page 68: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

68

optam por aplicar aos casos concretos os direitos e garantias

constitucionalmente expressos. Isso acaba por criar em alguns agentes da

instituição Judiciária a sensação de que há um sentimento de desprezo por

parte da população, o que pode acarretar sérias consequências aos processos

em trâmite.

Os princípios constitucionais sofrem constantes violações por parte dos

meios de comunicação, posto que à imagem do indivíduo são atreladas cargas

estigmatizantes, bem como, que a publicidade dos fatos relativos a um delito,

quando divulgados, fazem com recaia sobre o mesmo uma carga de

condenação que, por vezes, é bem mais severa que a do próprio processo. O

indivíduo passa a ser visto no meio em que vive com uma mancha: é um

bandido e seus direitos devem ser negados.

Consoante, essa carga traz ao individuo consequências irremediáveis,

pois a opinião pública se carrega do que a mídia veicula, internalizando tais

mensagens. Assim a opinião pública que deveria ser o conjunto de opiniões de

uma determinada coletividade sobre um determinado fato, acaba como uma

opinião publicada, pura manifestação na sociedade das convicções abraçadas

pelos órgãos de comunicação.

Ao final, se verifica que tais manifestações vem a se incorporar na

atuação dos agentes do Poder Judiciário, haja vista que nos próprios julgados,

até mesmo em sede de um tribunal superior, um de seus ministros, perante o

julgamento de um pedido de liberdade, fundamentou seu voto no sentido de

que se a mídia, juntamente com a sociedade, estiverem coma plena razão

acerca da atuação que o Judiciário deve tomar frente à gravidade do caso, é

nesse mesmo sentido que as decisões devem se guiar, para que a população

não recaia em total descrença de suas instituições. É por esses motivos que

constantemente se percebe nos textos dos julgados o recurso à expressão

“clamor público” como fundamento judicial.

Igualmente, através da garantia que o magistrado poder fundamentar

livremente uma decisão de acordo com seu convencimento, não há como

impedir que venha a decidir e condenar em favor de uma influência midiática,

Page 69: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

69

salvo se sua decisão se encontrar manifestamente contrária aos autos ou ao

que prevê o artigo 93, IX da CRFB/88.

Os efeitos da influência midiática poderão se estender ainda sobre os

jurados, que por não serem pessoas sem o devido conhecimento técnico

judicial para analisar os casos a que são expostos e, por não haver

afastamento das ideologias que norteiam a região onde vivem, bem como não

se encontrarem vinculadas à motivação de suas decisões, podem decidir até

mesmo contra provas estabelecidas nos autos: simplesmente pelo fato de que

naquele momento a que são convocados a julgar, há ao redor do caso um

furor causado pelos órgãos da mídia que inflige no conselho de sentença o

sentimento de “fazer justiça”.

Desta forma, se pode questionar a validade de tais decisões, bem

como da validade de normas que trazem à sociedade um risco demasiado na

aplicação de dispositivos que só servem à interesses de controle social,

principalmente quando refletem a sua inadequação na sociedade moderna.

É injusto que assim, determinados direitos, quando relacionados às

classes dominantes, que se autodenominam “pessoas de bem”, se

sobreponham aos direito garantidos constitucionalmente da maioria; maioria

esta a que se atribui a culpa pelos problemas sociais e, a que se etiqueta de

bandidos por seus membros pertencerem às classes mais pobres da

população.

Se o juiz atua na busca de provas, viola a previsão do direito formal

sobre o ônus da prova e, ainda, se coloca em posição substitutiva ao órgão de

acusação. O juiz é sujeito imparcial e não parte sobre a qual recai

demonstração empírica. Igualmente, havendo dúvida ou ausência de provas,

deve o magistrado absolver, pois o CPP somente exige convicção para

aplicação da sentença condenatória, que deverá ser devidamente

fundamentada. Não é justo que o magistrado aplique condenações ou

absolvições fundadas em juízos de probabilidade. Correto seria, conforme as

inovações apresentadas no PLS 156/09, o completo afastamento do

magistrado na busca de provas, para que não condene de forma arbitrária ao

que garante a CRFB.

Page 70: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

70

Em síntese, deve-se buscar uma sensibilidade de todos em relação às

questões que envolvem criminalidade e violência, por parte, tanto da

população em geral como dos operadores do Direito, para que percebam a

fragilidade a que o sistema penal se encontra, pois a sua aplicação como

medida de solução encontra-se há muito defasada; pois não atinge os fins

para qual foi criado, ou seja, não recupera os agentes infratores e tampouco se

aproxima de ser a solução quanto aos problemas de segurança pública;

segurança esta que apenas guia a sociedade em uma ideologia projetada

dentro de um discurso arraigado na constante dominação social.

Page 71: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

71

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ALMEIDA, Judson Pereira de. Os meios de Comunicação de Massa e o Direito Penal: A Influência de Divulgação de Notícias no Ordenamento Jurídico Penal e no Devido Processo Legal. Vitória da Conquista, 2007. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br> 2003. Acesso em 16 de setembro de 2010.

ANDRADE, Fábio Martins de. Mídia e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

______. A influência da Mídia no Julgamento do Caso Nardoni. In Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 17, n. 210, p. 08-09, mai., 2010.

BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: Um Estudo sobre os Preconceitos. 2. ed. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 1º. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2005. p. 25-26.

______. Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br> 2003. Acesso em 16 de setembro de 2010.

BATISTI, Leonir. Presunção de Inocência: Apreciação Dogmática e Nos Instrumentos Internacionais e Constituições Do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009.

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Page 72: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

72

BEDÊ JÚNIOR, Américo. SENNA, Gustavo. Princípios do Processo Penal: Entre O Garantismo e a Efetividade da Sanção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

BIANCHI, Eliza Maria de Oliveira. Crime e criminoso entre lentes e letras: A Mídia construindo subjetividades. 2007. 132f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Candido Mendes, Departamento de Mestrado. Disponível em <http://www.pmd-ucam.org>. Acesso em 05 de agosto de 2010.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei n. 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, RJ, 07 dez. 1940.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto 3.689 de 03 de outubro de 1941. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, RJ, 03 out. 1941.

BRASIL. Lei 5.010 de 30 de maio de 1966. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, D.O.U. 01. Jun. 1966.

BRASIL. Lei 6.368 de 21 de outubro de 1976. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. 21 out. 1976. Revogada pela Lei 11.343 de 2006.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. 05 out. 1988.

BRASIL. Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados. Lei 8.906 de 04 de julho de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. 4 jul. 1994.

BRASIL. Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. 23. ago. 2006.

CASOY, Ilana. A Prova é a Testemunha. São Paulo: Laurosse do Brasil, 2010.

Page 73: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

73

CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

______. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

DELMANTO, Celso... et al. Código Penal Comentado. 6. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

FRAGOSO, Christiano. O Advogado no Interrogatório. Disponível em: <http://www.fragoso.com.br>. Acesso em: 18 de setembro de 2010.

FRAGOSO, José Carlos. Direitos Humanos e Criminalidade. Disponível em: <http://www.fragoso.com.br>. Acesso em: 18 de setembro de 2010.

GOULART, Fábio Rodrigues. Tribunal do Júri: Aspectos Críticos Relacionados à Prova. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2008.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5. ed. rev., atual. e ampl., vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

______. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 4. ed. rev. e atual., vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

______. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

MACCALÓZ, Salete Maria Polita. O Poder Judiciário, Os Meios de Comunicação e Opinião Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

Page 74: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

74

MAZZILLI. NETO, Ranieri. O Novo Quarto Poder - A Associação Mídia & Ministério Público. Disponível na internet: <http://www.ibccrim.org.br>., 09.12.2005. Acesso em: 16 de novembro de 2010.

MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: Análise de sua Estrutura Normativa para a Elaboração Legislativa e para a Decisão Judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

NICOLITT, André Luiz. As Subversões da Presunção de Inocência: Violência, Cidade e Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

______. FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

PALMA, Marcio Gestteira. Os Tribunais Da Mídia. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.158, p. 10-11, jan. 2006.

PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

REALE JR. Miguel. Insegurança e Tolerância Zero. In: Revista de Estudos Criminais, n 30, Porto Alegre, Nota Dez, 2003.

SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.

SOUZA, Sérgio Ricardo de. Controle Judicial dos Limites Constitucionais à Liberdade de Imprensa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

Page 75: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

75

______. Manual da Prova Penal Constitucional: Pós Reforma de 2008. Curitiba: Juruá Editora, 2008.

THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo Penal. 2. ed. vol. 3. São Paulo: Editora Jalovi, 1977.

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

WEINMANN, Amadeu de Almeida. Direito Penal, Cidadania e Garantismo: uma Abordagem Crítico-Analítica em uma Sociedade de Capitalismo Emergente. In: Revista de Estudos Criminais, n. 30, Porto Alegre, Nota Dez, 2005.

Page 76: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

76

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

RESUMO 03

METODOLOGIA 04

SUMÁRIO 05

INTRODUÇÃO 06

CAPÍTULO I - MÍDIA, CRIMINALIDADE E PROCESSO PENAL 08

1.1 - Opinião Pública, Surgimento e Concepção Moderna dos Meios de

Comunicação. 08

1.2 - Mídia, Violência e Criminalidade 13

1.3 - A Mídia, Processo e Sistema Penal 21

CAPÍTULO II - INFLUÊNCIA DA MÍDIA AO MAGISTRADO? 25

CAPÍTULO III – INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES? 42

CONCLUSÃO 66

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 71

ÍNDICE 76

FOLHA DE AVALIAÇÃO 77

Page 77: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Dentro do Estado Constitucional, os meios de comunicação firmam-se sobre as garantias de exposição livre de notícias, isto

77