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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
COBRANÇA DE DÍVIDAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
Por: Adriana Silva de Moura
Orientador
Prof. William Rocha
Rio de Janeiro
2013
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
COBRANÇA DE DÍVIDAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito do Consumidor e
Responsabilidade Civil.
Por: Adriana Silva de Moura
3
AGRADECIMENTOS
aos amigos e parentes, e todos os
professores.
4
DEDICATÓRIA
Ao meu pai, minha mãe, minhas amigas
Michele Tatagiba e Rebeca Maia.
5
RESUMO
A partir do conteúdo do Capítulo V do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078, de 11 de setembro de 1990), “Das práticas comerciais”, o objeto da
presente pesquisa concentra-se especificamente nos subitens (a) práticas
abusivas e (b) cobrança de dívidas, os quais serão destrinchados nos artigos
39 a 42 do CDC. As práticas abusivas são condutas que fazem acentuar o
desequilíbrio já existente entre o fornecedor e consumidor numa relação de
consumo. Como normas de ordem pública, não podem ser afastadas pela
vontade das partes e objetivam proteger a esfera patrimonial ou não
patrimonial do indivíduo. Por outro lado, a cobrança de dívidas pelo fornecedor
é assunto relacionado à dignidade do consumidor, princípio que sempre deve
ser norte para o fornecedor que jamais deve expor o consumidor ao ridículo, a
constrangimentos ou a qualquer tipo de ameaça, sob pena de se deparar com
situações que ensejam indenização por danos morais e materiais.
Palavras-chave: práticas comerciais abusivas, cobrança de dívidas, proteção
ao consumidor.
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ABSTRACT
Defense Code (Law n. 8.078-1990), “Comercial Practices”, the object of the
present paper concentrates specifically on the subjects of (a) abusive practices
and (b) debt claiming, both of which will be commented according of the articles
39 up to 42 of the statute. Abusive practices are conducts that increase the
already existing vulnerability of the consumer. As jus conges norms, they
cannot be derogated by the parties will and aim to protect individual material
and immaterial rights. On the other hand, claiming of debts by the suppliers is a
subject related to the consumer’s dignity, a principle that must always be the
north for the supplier, who must never expose the consumer to the ridicule or to
any kind of threat. If so, the supplier will have to pay for the moral and material
damages caused.
Keywords: abusive commercial practices, debt claims, consumer’s protection.
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METODOLOGIA
Leitura de livros, jornais, revistas, questionários e sites, traz a baila A
COBRANÇA DE DÍVIDA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, após
coleta de dados, pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo, observação do
objeto de estudo, as entrevistas, os questionários, etc.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I - Conceito 11
CAPÍTULO II - Das Práticas de Cobrança 18
CAPÍTULO III – Aspectos éticos e jurídicos 27
CONCLUSÃO 32
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 34
FOLHA DE AVALIAÇÃO 36
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INTRODUÇÃO
Em análise histórica, ainda que de forma sucinta, num passado muito
distante encontramos resquícios de práticas verdadeiramente desumanas no
que tange à cobrança de dívidas. A guisa de exemplo cito a escravidão por
dívidas, muito comum nas sociedades antigas, como Esparta, Roma e Assíria.
Naquela época predominava o direito consuetudinário, por meio de Leis orais
baseadas na tradição, salvaguardando, sobremaneira, os patrícios em
detrimento da plebe, a qual vivia do cultivo das terras (pequenos agricultores).
Estes, no intuito de saldar suas dívidas, vendiam inicialmente seus filhos como
escravos no mercado e, por fim, não logrando êxito em satisfazer o valor
integral, acabavam por ser escravizados.
Em Roma, as incessantes lutas de classes que se estenderam pelo
período republicano culminaram em diversas conquistas políticas-sociais,
dentre elas, a partir do ano de 367 a.c., a Lei Licínia proibiu que plebeus
endividados fossem escravizados por proprietários rurais. De igual sorte
ocorreu em Esparta com a eleição de Sólon, que também aboliu a escravidão
por dívidas, dentre outras conquistas relevantes de cunho social.
As práticas relacionadas às cobranças de dívidas se estenderam
durante séculos, de maneiras mais amenas do que se via em tempos mais
remotos. Todavia, não há olvidar-se que outras formas, ainda consideradas
desumanas, se perpetuaram por muito tempo.
Interessante, que não obstante a abolição das práticas desumanas de
cobrança de dívidas há muito, ainda nos dias atuais encontramos históricos de
práticas que ferem os direitos personalíssimos dos indivíduos, não somente no
Brasil como também em países considerados de "primeiro mundo", como
Japão e Estados Unidos, dentre outros, ou seja, o credor, no afã de ver a
dívida saldada, acaba por desrespeitar outros direitos garantidos nas mais
diversas Cartas Políticas, utilizando-se de práticas consideradas abusivas nas
cobranças de dívidas.
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Na análise das práticas em berlinda, é importante mencionar que a
conseqüente evolução dos ordenamentos jurídicos, o homem passou a ser
posicionado como centro do direito, e via de regra, o próprio direito, como
instrumento hábil à satisfação dos interesses daqueles, culminando, portanto,
no relacionamento do principio da dignidade da pessoa humana, como
fundamento do Estado Democrático de Direito.
Alguns estudiosos apontam que a preocupação com os direitos do
consumidor teve início após a declaração do presidente John Kennedy ao
Congresso norte-americano, em 1962, onde chamou a atenção do Congresso
para necessidade de proteção do consumidor e estabeleceu quatro direitos
básicos: a) direito à segurança, b) direito à informação, c) direito de escolha, e
d) direito de ser ouvido.1 Contudo, inúmeras leis começaram a ser editadas
visando a proteção do consumidor.
No Brasil, a defesa do consumidor só se tornou efetiva após a edição do
Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990.
O CDC brasileiro, assim como todas as normas jurídicas que tutelam a defesa
do consumidor, tem como princípio básico a “vulnerabilidade” do consumidor, o
que significa que o consumidor é a parte mais frágil da relação de consumo.
Partindo dessa premissa, o legislador estabeleceu como direito básico
do consumidor a proteção contra todas e quaisquer práticas abusivas (artigo
6º, inciso IV). Bem como, apontou o artigo 39 do CDC, algumas práticas
Abusivas, entretanto, aquelas não são as únicas, pois, além delas existem
outras, como é o caso do artigo 42, do CDC que trata da cobrança abusiva de
dívidas.
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CAPÍTULO I
COBRANÇA DE DIVÍDA
CONCEITO
A cobrança de dívidas pelo fornecedor é assunto relacionado à
dignidade do consumidor, princípio que sempre deve ser norte para o
fornecedor que jamais deve expor o consumidor ao ridículo, a
constrangimentos ou a qualquer tipo de ameaça, sob pena de se deparar
com situações que ensejam indenização por danos morais e materiais.
Como já citado, a Carta Magna, positiva como fundamento do Estado
Democrático de Direito o princípio da “dignidade da pessoa humana”.
Ademais, no Título II – DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS –
extrai-se, ainda:
“Art.5º Todos....
(...)
III – ninguém será submetido a tortura nem tratamento desumano ou degradante;
(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)"
O Direito do Consumidor tem diversas facetas – tanto é assim que o
CDC possui normas de teor material, processual, penal e administrativo –, da
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mesma forma, a proteção do consumidor constitui “direito econômico
fundamental, mas que se caracteriza também como direito individual, difuso e
coletivo”.
No ordenamento pátrio,
“os direitos do consumidor mereceram tratamento
especial, figurando expressamente em pelo menos quatro
preceitos constitucionais permanentes – os arts. 5º,
XXXII; 24, VIII; 150, § 5º; e 170, V –, e numa disposição
transitória, o art. 48 do ADCT, determinando ao legislador
ordinário que dentro de cento e vinte dias, contados da
promulgação da Constituição, elaborasse um código de
defesa do consumidor (...)”.
Não se faz necessário evidenciar a importância prática do Direito do
Consumidor, tendo em vista que o CDC é aplicado cotidianamente por todas
as pessoas, em nossa sociedade de consumo. Ao fornecedor é vedado fugir
ao CDC, ao consumidor é permitido a ele recorrer. Da mesma forma, na práxis
forense é uma área de extrema relevância. Não obstante, ainda existem
equívocos conceituais, os quais serão abordados, no ímpeto de esclarecer o
significado de vulnerável, bem como o de hipossuficiente.
Antes, porém, faz-se mister delimitar um conceito preliminar, que acaba
sendo nuclear em qualquer estudo sobre o CDC. Trata-se do conceito de
consumidor.
Não podemos, portanto falar de cobrança sem conceituarmos
consumidor e fornecedor.
1. Conceito de consumidor
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Na dicção do CDC, em seu art. 2º, consumidor é “toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Portanto, consumidor é pessoa física ou pessoa jurídica (i) que adquire
produto, adquire serviço, utiliza produto ou utiliza serviço (ii) como destinatário
final (iii). Ou seja, pessoa física que adquire produto como destinatária final,
pessoa jurídica que adquire produto como destinatário final, pessoa física que
adquire serviço etc.
A expressão que se repete inafastável da condição de consumidor é
“destinatário final”. E é esta mesma expressão que gera dúvidas.
Flávio Tartuce expõe o que chama de teoria minimalista, “que não vê a
existência da relação de consumo em casos em que ela pode ser claramente
percebida”, por exemplo, afastando o CDC na relação entre banco e
correntista. É adotada pelos signatários da petição inicial da ADIn n.º 2.591,
como Ives Gandra da Silva Martins e Arnoldo Wald, que pretendiam “afastar a
incidência das normas consumeristas para os contratos bancários”. Prossegue
autor afirmando que:
“para o bem, o Supremo Tribunal Federal acabou por
entender de forma contrária ao pedido, confirmando o
que já constava da Súmula 297 do Superior Tribunal de
Justiça, in verbis: ‘O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável às instituições financeiras’. A corrente
minimalista restou, assim, totalmente derrotada no âmbito
dos nossos Tribunais”.
Cláudia Lima Marques, autoridade em Direito do Consumidor, aborda
outras teorias, consagradas e adotadas, que conceituam o consumidor. Para o
finalismo (teoria finalista ou subjetiva), corrente à qual se filia, “destinatário final
seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele
pessoa jurídica ou física”. Trata-se de interpretação teleológica, pois “não basta
ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para
o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do
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bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional”.
Havendo consumo intermediário, gerando nova cadeia de produção, o
adquirente não é destinatário final.
Já o maximalismo (teoria maximalista ou objetiva) expande a
aplicabilidade do CDC, que “seria um código geral sobre o consumo, um
código para a sociedade de consumo”. Para os que entendem desta forma,
“destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do
mercado e o utiliza, consome”. Conforme explica Marques, “o problema desta
visão é que transforma o direito do consumidor em direito privado geral”, à
medida que adquirir ou utilizar produto ou serviço significa consumir, sendo
então aplicáveis as normas consumeristas.
Portanto, para o finalismo, consumidor é aquele que retira o produto do
mercado para usá-lo para si, não encaminhando o produto a uma nova cadeia
de consumo, é aquele que se utiliza do serviço para finalidades restritas, não
para criar nova cadeia. O consumidor encerra a cadeia de consumo.
Destinatário final é quem adquire ou utiliza o produto ou serviço para
finalidades restritas, não havendo lucro ou qualquer transmissão onerosa na
aquisição ou na utilização. A diferença entre o finalismo e o maximalismo é
que, para o finalismo, o consumidor não pode enriquecer, sendo-lhe vedado
criar nova cadeia de consumo. O critério finalista engloba o filtro econômico, é
uma visão do consumidor inserido no mercado. Já para os maximalista pouco
importa o consumidor dentro do mercado, é analisada apenas a relação entre
as partes envolvidas.
No entanto, há ainda outra corrente, o finalismo aprofundado.
Novamente com Cláudia Lima Marques aprendemos que, “após 14 anos de
discussões, em 2004, o STJ manifestou-se pelo finalismo e criou inclusive um
finalismo aprofundado, baseado na utilização da noção maior de
vulnerabilidade, exame in concreto e uso das equiparações a consumidor
conhecidas pelo CDC”. Para o finalismo aprofundado, consumidor é a parte
vulnerável da relação de consumo, ainda que não destinatário fático e
econômico do produto ou serviço adquirido ou utilizado.
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1.1. – Vulnerabilidade do consumidor
De acordo com o inciso I do art. 4º do CDC, o consumidor é vulnerável.
Isso significa “que o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de
consumo”. O CDC é uma norma de defesa do consumidor, considerando-se
que o consumidor é protegido porque é a parte frágil da relação. Há defesa do
consumidor porque ele carece da proteção estabelecida pelo Código.
Nesse ínterim, “o consumidor é vulnerável na medida em que não só
não tem acesso ao sistema produtivo como não tem condições de conhecer
seu funcionamento (não tem informações técnicas), nem de ter informações
sobre o resultado, que são os produtos e serviços oferecidos”
A doutrina e a jurisprudência vêm distinguindo diversas espécies de
vulnerabilidade. Podemos destacar na doutrina, a lição de Cláudia Lima
Marques, que distinguiu a vulnerabilidade em três grandes espécies:
vulnerabilidade técnica; vulnerabilidade jurídica e vulnerabilidade fática.
Recentemente a autora supra mencionada, identifica uma quarta espécie de
vulnerabilidade, a informacional.
Segundo Claudia Lima Marques, vulnerabilidade significa “uma
situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza,
enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo.
Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal
de necessidade de proteção”.
1.1.1. – Tipos de vulnerabilidade:
a) Vulnerabilidade técnica: esta se dá em face da hipótese na qual
o consumidor não possui conhecimentos especializados
sobre o produto ou serviço que adquire ou utiliza em
determinada relação de consumo.
[...] O que determina a vulnerabilidade, neste caso, é a falta de
conhecimentos específicos pelo consumidor [...].
16
b) Vulnerabilidade jurídica: se dá na hipótese da falta do
conhecimento, pelo consumidor, dos direitos e deveres
inerentes à relação de consumo que estabelece, assim com
a ausência da compreensão sobre as conseqüências
jurídicas dos contratos que celebra.
[...].
c) Vulnerabilidade fática: esta é a espécie ampla, que abrange,
genericamente, diversas situações concretas de
reconhecimento da debilidade do consumidor. A mais
comum, neste caso, é a vulnerabilidade econômica do
consumidor em relação ao fornecedor. A fraqueza do
consumidor situa-se justamente na falta dos mesmos meios
ou do mesmo porte econômico do consumidor.
[...].
O dispositivo do CDC que conceitua consumidor deve ser lido da
seguinte forma: presume-se que toda pessoa física que adquire ou utiliza
produto ou serviço o faz como destinatário final, sendo então consumidora; já
se a aquisição ou a utilização do produto ou serviço se der por pessoa jurídica,
poderá ou não tratar-se de destinatário final, consumidora ou não, a depender
do caso concreto:
“No âmbito do STJ, apesar de já reconhecida em diversas
oportunidades a vulnerabilidade das pessoas jurídicas
para efeitos de aplicação do CDC, a análise tem sido
realizada caso a caso, o que não permite extrair uma
definição quanto ao fato dessa fragilidade poder ou não
ser genericamente presumida. (STJ, Recurso em
Mandado de Segurança n.º 27.512-BA, rel. Min. Nancy
Andrighi, 3ª Turma, j. 20/08/2009)”.
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Porém, o entendimento da Ministra Nancy Andrighi, minoritário, é no
sentido que a vulnerabilidade pode ser presumida mesmo quando se trata de
pessoa jurídica:
“Ressalto, por oportuno, que a presunção de
vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica não é
inconciliável com a teoria finalista; ao contrário,
harmoniza-se com a sua mitigação, na forma que vem
sendo reiteradamente aplicada por este STJ: prevalece a
regra geral de que a caracterização da condição de
consumidor exige destinação final fática e econômica do
bem ou serviço, conforme doutrina finalista, mas a
presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem
à incidência excepcional do CDC às atividades
empresariais, que só serão privadas da proteção da lei
consumerista quando comprovada, pelo fornecedor, a
não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica. (STJ,
Recurso em Mandado de Segurança n.º 27.512-BA, rel.
Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 20/08/2009)”.
Não se trata do finalismo aprofundado, pois este depende da
comprovação da vulnerabilidade. O que defende a respeitável Ministra não é
um finalismo mitigado, mas um maximalismo mitigado, ao estabelecer uma
presunção relativa de relação de consumo: presume-se que a pessoa (física
ou jurídica) é vulnerável, até que se prove o contrário. Ampliar desta forma a
definição de “destinatário final” significaria, inclusive, ferir o princípio
constitucional da isonomia. Não é este o melhor entendimento, não merecendo
prosperar. O abrandamento do finalismo simboliza, sem dúvidas, um avanço
em prol de um critério de equidade e concretização da igualdade material,
contudo, presumir vulnerabilidade de qualquer pessoa (física ou jurídica) beira
um radicalismo inaceitável.
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Tecnicamente mais adequada é a adoção do finalismo como regra
geral, mitigado pelo finalismo aprofundado, desde que se convença o juízo da
vulnerabilidade de uma das partes.
Assim, a presunção de vulnerabilidade da qual goza o consumidor se for
pessoa física não se aplica se for pessoa jurídica, sendo possível, porém,
comprovar a situação de vulnerável, para então ser aplicável o CDC, na
fórmula proposta pelo finalismo aprofundado.
“Embora a vulnerabilidade seja absoluta (todo consumidor
é vulnerável, segundo presunção legal), é possível analisar
a existência ou não de vulnerabilidade para fins de
determinar a aplicação do CDC. Ou seja, ausente a
vulnerabilidade, pode ser que estejamos diante de uma
relação empresarial, e não diante de uma relação de
consumo. É a análise da vulnerabilidade que permite
superar (...) a distinção entre as teorias maximalista e
minimalista, protegendo os mais fracos naquelas relações
desprovidas de paridade, buscando estabelecer o equilíbrio
material entre as prestações”.
CAPÍTULO II
PRÁTICAS DE COBRANÇA
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As práticas comerciais abusivas desbordam dos limites das condutas
lícitas autorizadas pelo direito aos fornecedores, razão pela qual a sua
ocorrência acentua ainda mais drasticamente a vulnerabilidade natural que
todo o consumidor reveste pela simples condição de ser consumidor: ele
estará em desvantagem em decorrência de um ato ilícito. O sistema protetivo
do Código de Defesa do Consumidor, em imprescindível medida de política
legislativa consciente do papel transformador e emancipatório do direito,
especialmente sob os auspícios da nova ordem constitucional e da nova
hermenêutica dela decorrente, determinou que são “equiparados aos
consumidores todas as pessoas, ainda que indetermináveis, expostas às
práticas nele previstas”, para os fins de proteção contra as práticas comerciais
abusivas e de disciplina das cobranças de dívidas, como determina a
disposição geral inserta no art. 29 do CDC.
A nova ética de mercado estabelecida pelo CDC, seus princípios de
responsabilidade social dos agentes de mercado, sua nova ordem pública que,
enfim, publiciza efetivamente as relações até então vistas como estritamente
privadas, passam a ser protetoras também das comunidades de pessoas,
determináveis ou não, que sejam de alguma maneira expostas às práticas
comerciais abusivas.
Isso significa que o ordenamento jurídico atento para a realidade de
que, na sociedade de consumo de massas pós-industrial em que vivemos, a
proteção consumerista deve ser alçada até mesmo ao âmbito de toda a
comunidade, considerada enquanto comunidade, isto é, abrangendo todas as
pessoas difusa e indeterminadamente participantes do ou de qualquer forma
expostas ao mercado de consumo.
Quando o texto menciona a equiparação de “todas as pessoas
determináveis ou não”, abrem-se as perspectivas (a) difusa; referente à
comunidade de pessoas indetermináveis; e a (b) coletiva stricto sensu, em que
um grupo ao menos determinável de pessoas encontra-se direta ou
indiretamente lesado ou ameaçado pelas práticas comerciais.
Consumidor, portanto, não é apenas uma pessoa configurável a partir
de um ponto de vista estritamente contratual, ainda que relacionado ao
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momento pré-contratual: prescinde-se da própria referência indireta ou anterior
ao contrato de consumo para que a comunidade como um todo seja tutelada e
amparada pelo direito de forma difusa.
2. Da Proteção contra Prática Abusiva
Aqui, a proteção não se cinge a alcançar o consumidor potencial, são
consumidores equiparados todas as pessoas – toda a comunidade – ainda que
não haja potencialidade de efetivamente travarem as respectivas relações de
consumo, pois se está no campo dos direitos difusos, cuja especificidade deve
desvincular a tutela das concepções individualistas clássicas. A proteção do
direito difuso não é uma proteção individual “coletivizada”, é mais, é a proteção
da sociedade enquanto tal.
A diferença para o disposto no Parágrafo único do art. 2º, do CDC o qual
equipara a consumidor “a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” [grifei], o
que aponta para, ao menos, uma potencial capacidade de intervenção nas
relações de consumo para que a coletividade indeterminada seja abrangida.
Nesse contexto a proteção, é para todas as pessoas que poderiam ser
prejudicadas pelas práticas das relações de consumo, ainda que não tenham
sido efetivamente, e a nota da indeterminabilidade está na dispensabilidade da
lesão.
No art. 29, a proteção é ainda mais ampla porque considera a própria
comunidade titular de proteção, independentemente de qualquer outro fato ou
circunstância: a prática de uma prática comercial abusiva, assim como das
demais atividades englobadas pelos Capítulos V e VI do CDC, ofende a
sociedade.
Em um caso, a indeterminabilidade possibilita a obtenção da prova e a
própria tutela; no outro, mais amplo, a proteção é uma questão de princípio.
Vivemos a época da normatividade dos princípios, os quais, após terem sido
relegados ao descaso tanto pelo positivismo legalista quanto pelos sistemas
políticos autoritários e autocráticos que a própria noção de direito em nosso
21
país, atingem finalmente a dignidade jurídica que lhes é devida em nosso
sistema constitucional. O art. 29 enseja uma diretriz fundamental para a
definição da política legislativa consumerista, inserida nos ditames do art. 4º do
próprio CDC, e inegavelmente inclui todos os agentes econômicos (p.ex.,
“consumidores intermediários”) no seu contexto.
O art. 4º, VI, do CDC, estabelece o objetivo da Política Nacional das
Relações de Consumo e como princípio norteador da interpretação do próprio
art. 29 a “coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no
mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal”, desde que “possam
causar prejuízos aos consumidores”. Exemplo de utilização desse dispositivo
seria a ação de um empresário contra outro, talvez seu concorrente, que esteja
veiculando propaganda enganosa ou abusiva ou, em outro exemplo, contra
cláusula abusiva inserta em instrumento de contrato padrão produzida por
este.
Não se trata de norma tipicamente brasileira. Na Alemanha, desde
1976, também são controlados os contratos comerciais e suas condições
gerais quando firmados entre dois profissionais e a lei portuguesa também
impõe neste tipo de relação a exigência de um patamar mínimo de lealdade e
boa-fé.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem utilizando o art. 29 como
fundamento para aquilo que chama de “critério finalista mitigado”, o qual
caminha para a corrente maximalista de definição de consumidor, para aceitar
a figura do consumidor-empresário, sujeito também colocado em situação de
vulnerabilidade diante das práticas comerciais abusivas.
Deve-se ressaltar, ainda, que todo consumidor, equiparado ou não,
possui idêntica proteção, não representando a equiparação nenhum minus em
relação ao conceito padrão e geral de consumidor.
2.1. Das Práticas Comerciais Abusivas
Faz parte da principiologia de todo o direito do consumidor a proteção
genérica contra todas as formas de práticas comerciais abusivas, o que é
22
destacado como direito “básico” do consumidor no art. 6º, IV, do CDC, in
verbis:
“IV – a proteção contra a publicidade
enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos
ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas
abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e
serviços;”
Os doze incisos do art. 39 arrolam exemplificativamente uma série de
hipóteses em que há práticas comerciais abusivas, as quais foram
antecipadamente cogitadas de forma abstrata pelo positivador da lei, o que
não poupa, e nem impede, o trabalho de análise pormenorizada nos mais
diversos casos concretos que se apresentam da existência de práticas
abusivas que lesionem ou ameacem de lesão os consumidores.
Existem objeções ao caráter exemplificativo das hipóteses arroladas em
razão da natureza “penal” de que revestiriam, tendo, com base nessa linha de
argumentação, o Presidente da República vetado o inciso X do texto original, o
qual indicava que a lista era meramente exemplificativa.
A Lei 8.884/94, entre outras alterações, espancou dúvidas ao inserir a
expressão “dentre outras práticas abusivas” no caput do art. Os crimes
previstos no Título II não definem como crimes o exercício de “práticas
abusivas” per si, genericamente consideradas, nem utiliza esse conceito para a
tipificação penal, não havendo qualquer problema hermenêutico no caráter
aberto da lista do art. 39.
Outrossim, ainda que houve disposição penal vaga ou imprecisa, ao
utilizar-se da expressão “práticas abusivas”, a resolução do problema limitar-
se-ia ao âmbito criminal, não se alastrando para permitir a licitude da prática.
São práticas comerciais abusivas todas as condutas tendentes a ampliar
a vulnerabilidade do consumidor. Como leciona Antônio Carlos Efing, são
“comportamentos, tanto na esfera contratual quanto à margem dela, que
abusam da boa-fé ou situação de inferioridade econômica ou técnica do
consumidor. ‘É a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa
23
conduta em relação ao consumidor conforme o apontamento de Antônio
Herman V. e Benjamin”, e mais adiante, “Assim, as práticas abusivas
representam antes de mais nada a tentativa do fornecedor agravar o
desequilíbrio (i.e., vulnerabilidade) da relação jurídica com o consumidor,
impondo sua superioridade e vontade, sendo que na maior parte das vezes
isto se traduz na supressão [ou redução] do direito de livre escolha do
consumidor”.
As práticas abusivas potencialmente lesionam as esferas patrimonial e
não-patrimonial do sujeito, ensejam a dupla indenização, quando for o caso.
Vale ressaltar que as hipóteses consideradas práticas comerciais abusivas são
proibidas independentemente da ocorrência de dano para o consumidor, sendo
norma de ordem pública a regular as relações de consumo em benefício da
sociedade. Na verdade, o legislador quer alterada a conduta do fornecedor,
atingindo objetiva e diretamente circunstâncias que poderiam resultar em
danos ao consumidor, dada a magnitude a que chegaram os problemas
relativos às práticas abusivas nas relações de consumo.
2.2. As práticas abusivas expressas
2.2.1. Venda Casada Ilegal
Começo a presente analise, com artigo 39,
“I - condicionar o fornecimento de produto ou
de serviço ao fornecimento de outro produto
ou serviço, bem como, sem justa causa, a
limites quantitativos;”
O consumidor deve ter ampla liberdade de escolha quanto ao que
deseja consumir, razão pela qual não pode o fornecedor impor ao consumidor
a aquisição de produtos ou serviços, nem mesmo quando este esteja a adquirir
24
outros produtos ou serviços do mesmo fornecedor. Estabelece o CDC, aqui, a
proibição da chamada “venda casada”.
O fornecedor concebe, projeta e elabora o fornecimento de seus
produtos e serviços considerando todos dos aspectos que envolvem a sua
colocação no mercado e atingir os objetivos empresariais (resumíveis na noção
de obtenção de lucro). De certa forma, ao oferecer um especificamente um
produto, este pode apresentar características decomponíveis ou não, pode
representar um “pacote” ou um conjunto de utilidades ou funcionalidades. É
dizer, é o próprio fornecedor quem determina, em princípio, o que é unitário em
relação ao seu produto.
A defesa do consumidor, especialmente do consumidor difuso (a
sociedade) pode e deve interferir na própria concepção dos arranjos de
oferecimento de produtos e serviços no mercado para que estes não sejam
concebidos de forma a obrigar o consumidor a efetuar compras casadas que
não sejam de sua vontade.
2.2.2. Tipos de Venda Casada
Na Doutrina e nas Jurisprudências temos dois tipos de Vanda Casada,
pode-se diferenciar a (a) venda casada stricto sensu, como sendo aquela em
que o consumidor está impedido de consumir, a não ser que consuma também
um outro produto ou serviço (o que atende à semântica mais próxima da
literalidade do inciso acima), da (b) venda casada lato sensu, em que não
existe essa mesma correlação.
Ambas as hipóteses são igualmente consideradas práticas abusivas,
indevidamente manipuladoras da vontade do consumidor, que fica diminuído
em sua liberdade de opção. Aqui, o consumidor pode adquirir o produto ou
serviço sem ser submetido a adquirir outro, porém, se desejar consumir outro,
fica obrigado a adquirir do mesmo fornecedor, ou de fornecedor indicado pelo
fornecedor original.
Tangenciando o presente tema, mas com um aspecto que dele se
diferencia, existe o problema relativo aos fornecedores que condicionam o
25
consumo de seus produtos ao não-consumo de outros produtos fornecidos por
outros fornecedores. Essa questão pode se identificar ou correlacionar, com a
da venda casada apenas quando o fornecedor que estabelece a condição é
também fornecedor do produto que proíbe o consumo, o que evidencia a
intenção de forçar ao consumo do produto próprio, retirando a liberdade de
escolha do consumidor.
Outrossim, existem casos em que o fornecedor não é produtor do (tipo
de) produto ou serviço que proíbe, porém, igualmente, condiciona a utilização
do seu produto ou serviço à não utilização do outro. Nesses casos, é possível
que (a) o produto ou serviço proibido, apesar de não fornecido pelo fornecedor,
de alguma forma entre em concorrência, direta ou indireta, com os seus
produtos, o que remete à indevida proteção dos interesses do fornecedor, em
detrimento do consumidor, configurando uma espécie de venda casada lato
sensu indireta; ou (b) que não exista essa competição.
Em relação ao exposto nesse tópico, admite-se excepcionalmente, e na
medida do razoável e proporcional, a restrição da liberdade de consumo em
razão de exigências de saúde, higiene, segurança, proteção ambiental e do
disciplinamento pelo poder de polícia, em geral. Não havendo uma superior
necessidade de restrição da liberdade de consumo, ditada pelo interesse
público primário – e não pelo interesse dos fornecedores –, não poderá haver
restrições que, direta ou indiretamente, remetam à venda casada stricto sensu
ou lato sensu.
A imposição de venda casada, além de ser prática comercial abusiva, é
também tipificada como crime contra a ordem econômica, previsto no art. 5º, II,
da Lei 8.137/90, in verbis:
“II - subordinar a venda de bem ou a utilização
de serviço à aquisição de outro bem, ou ao
uso de determinado serviço;
Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos,
ou multa.”
Não são os interesses econômicos de abastecimento, de regulação de
preços, nem de controle da concorrência, por parte dos fornecedores, que
26
ensejam a possibilidade de restrição, pois a proteção estabelecida no CDC é
vincada na noção de vulnerabilidade do consumidor, sendo este o sujeito
(individual ou coletivo) a ser protegido.
O CDC traz em seu artigo 39, algumas práticas abusivas, entretanto,
aquelas não são as únicas, pois, alem dessas existem outras, como os artigos
42 e 71 ambos do CDC. O limite imposto ao fornecedor (lojista, instituições
financeiras, profissionais liberais, etc.) pode ser encontrado no artigo 42, do
CDC, o qual prescreve que na “cobrança de débitos, o consumidor
inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer
tipo de constrangimento ou ameaça”. [grifei]
Já o artigo 71, do CDC também prescreve que é crime, punível com
detenção (prisão) de três meses a um ano e multa, utilizar, ma cobrança
de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral,
afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro
procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, ao ridículo
ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer. [grifei]
2.2.2. Venda Casada Legal
Atente-se, porém, que algumas situações de venda casada são legais. A
loja de ternos masculinos que não vende a calça sozinha não comete prática
abusiva, assim como o fabricante de sorvete que comercializa o seu produto
em potes de dois litros e não vende apenas a "bola" do sorvete, também não
pratica ato ilícito, por razões óbvias.
Leonardo de Medeiros Garcia nos traz ensinamento sobre venda
casada permitida:
“[...] a possibilidade também existe, por exemplo, nas
vendas promocionais do tipo “pague 2 e leve 3”, desde que o
consumidor possa adquirir, caso queira, o produto singular pelo
27
preço normal. Nesses casos de imposição limite mínimo,
sobretudo por serem situações mais delicadas, deverá o
intérprete analisar se há razoabilidade ou não na limitação, de
forma a evitar os abusos, tanto pelo fornecedor como pelo
consumidor.”
De fato, o autor explica que o consumidor pode cometer abusos nesse
contexto. O exemplo dado é do cliente que vai a bares e restaurantes que
estipulam um limite mínimo de 300 gamas de carne e insiste que quer
consumir apenas 10 gramas com o argumento de que o estabelecimento não
pode limitar a aquisição.
Garcia atenta ainda para as decisões do Superior Tribunal de Justiça
que vem considerando legal a cobrança de tarifa mínima, tanto de água como
telefonia, mais conhecida como tarifa de assinatura básica ou mensal, ainda
que o consumidor não tenha utilizado o serviço ou o tenha utilizado abaixo do
limite.
2.3. Dos Crimes Contra Relação de Consumo
Os crimes contra a relação de consumo estão previstos na lei 8.137/90.
A prática conhecida, doutrinariamente, como “venda casada”, está inserida no
art. 5°, II, da lei supracitada.
A relação de consumo é uma relação jurídica sui generis com dois
pólos, um ativo e outro passivo; com dois sujeitos-base: o fornecedor e o
consumidor. O Direito Penal do Consumidor gira nessa órbita, protegendo
patrimonialmente e diretamente à relação de consumo e indiretamente o
consumidor e a coletividade de consumidores.
Dessa forma, tem como sujeito passivo principal desse crime a
coletividade e como sujeito passivo secundário o consumidor, que é pólo ativo
na relação jurídica de consumo.
No tocante ao sujeito ativo há uma particularidade, pois o crime só se
configurará quando estiver presente o fato delituoso na relação de consumo. O
28
agente ativo do crime é o fornecedor ou o prestador de serviços, cujo conceito
está previsto no art. 3°, caput, do CDC. Neste aspecto, encontramos um
problema, vez que o conceito trazido pela legislação consumerista é muito
amplo, englobando, inclusive, pessoas jurídicas e outros entes de discutível
penalização.
A pena cominada para este crime é de 2 a 5 anos de detenção ou
multa. Essa pena é questionada em alguns aspectos, o primeiro deles é em
relação ao quantum, entende-se exagerado quando comparado à pena de
outros crimes previstos no Código Penal, contrariando o principio da
proporcionalidade.
Outro ponto que deve ser observado é a contradição técnica legislativa,
quando o legislador prevê uma pena excessiva, mas possibilita a substituição
dessa pena por uma multa.
Em regra, a ação é penal publica e incondicionada, ressalvado os casos
em que a Lei dos Juizados Especiais (lei federal n° 9.099, de 26.09.95)
dispuser de forma diversa. Entende-se por ação penal incondicionada, aquele
em que nenhum requisito é exigido para que a ação seja proposta, ou seja,
independe de manifestação de vontade de qualquer pessoa.
Essa conduta, não é tida apenas como uma infração penal, mas é
também uma pratica abusiva pela legislação consumerista (art. 39, I, CDC) e
uma infração a ordem econômica (art. 21, da lei 8.884/94), configurando-se,
inclusive, como concorrência desleal.
CAPÍTULO III
ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS
O aspecto ético e jurídico da cobrança a luz do CDC, esta estritamente
relacionada aos meios utilizados para efetiva cobrança lícitos, que é lícita,
29
desde que feita dentro dos padrões elencados no CDC, e ilícitos, as que são
feitas de forma abusiva. Nesse contexto vamos falar da boa-fé objetiva, que é
um princípio que orienta e informa o ordenamento jurídico, é a conduta ética
pela qual o sujeito, na relação contratual, deve pautar o seu comportamento
nos valores morais pertencentes ao homem médio como honestidade,
integridade e retidão de caráter, tendo em vista, sempre, preservar a outra
parte envolvida no negócio jurídico contratual.
Há, no entanto, evidente diferenciação entre a boa-fé dita subjetiva e a
boa-fé objetiva sendo aquela a boa-fé do estado de consciência, ausência da
intenção de má-fé, enquanto a objetiva é a boa-fé que impõe deveres morais e
objetivos que devem nortear o comportamento do contratante.
Por ser claúsula geral1, a aplicação do princípio da boa-fé deve ser
observada no caso concreto, exatamente em função de sua característica de
abstração que vai ser preenchida no cerne da relação concreta obrigacional.
Importante evidenciar que o princípio da boa-fé objetiva possui tripla
função delineada: regra de interpretação de todos os negócios jurídicos;
limitação ao exercício de direitos subjetivos (contratuais);
estabelecimento de deveres anexos ao contrato.
O limite imposto ao fornecedor (lojista, instituições financeiras,
profissionais liberais etc) pode ser encontrado no artigo 42, do CDC, o qual
prescreve que na “cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não
será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de
constrangimento ou ameaça”.
Seguem alguns exemplos:
I) Ameaçar o devedor de que vai denunciá-lo a amigos; de contar para o
marido ou a exposta etc (ameaçar que vai acioná-lo judicialmente ou negativá-
lo não existe nenhum impedimento;
II) Coagir o devedor a praticar um ato contra sua vontade (ex. Coagir o
consumidor a deixar um cheque caução ou assinar uma promissória, sob pena
de não poder internar ou sair do hospital);
1 V. DELGADO,José Augusto.A ética e a Boa-fé no Novo Código Civil in Rev. de Direito do Consumidor
30
III)Expor o consumidor inadimplente a riscos a sua saúde ou integridade
física, bem como de seus familiares, e/ou lhes causarem dor (aspecto moral).
(ex. Ameaça e corte de água ou energia elétrica, caso o pagamento não seja
realizado);
IV) Utilizar-se de afirmações falsas, incorretas e enganosas (leia-se como
sinônimos). (ex. Cobrador da empresa que liga para o consumidor
inadimplente e alega que é oficial de justiça ou advogado. outro ex. Repassar
ao devedor um valor de dívida bem superior ao real, a fim de obter uma
negociação melhor);
V) Expor o consumidor o ridículo. (ex.: o credor tem o direito de inserir no
banco de dados informações negativas do devedor, mas não poderá deixar a
exposição um cheque devolvido sem fundos, no sentido de expor às pessoas
que aquele cidadão é mau pagador. Outro ex.: enviar ao devedor um envelope
contendo na parte de fora a expressão (em letras garrafais) “cobrança”;
VI) Jamais ligar para o emprego do devedor e deixar recados com
terceiros. (não existe nenhum impedimento do credor entrar em contato com o
devedor no seu emprego, desde que a comunicação (ou cobrança) seja com o
próprio devedor).
É importante esclarecer que o fornecedor tem todo direito de cobrar o
consumidor inadimplente, entretanto, deverá fazê-lo com critério, sem violar os
direitos do consumidor, pois ao violar esses direitos estará sujeito às penas
impostas pelo próprio CDC, assim como poderá responder por danos materiais
ou morais.
O fornecedor que se utilizar de métodos idôneos de cobrança nada mais
faz do que exercer regularmente seu direito como credor, mas, se ao contrário
i) ameaçar o consumidor devedor, ii) o expor a ridículo, iii) o coagir, iv) o expor
a perigo ou v) se utilizar de afirmações falsas estará incidindo na prática
abusiva prevista no artigo 42 do CDC.
Como implicações ou conseqüências dessa prática abusiva, o
fornecedor poderá ser condenado a uma pena de detenção (prisão) de três
meses a um ano e multa. Não pára por aí. O consumidor poderá ingressar com
31
uma ação judicial, onde, uma vez demonstrada a existência de danos materiais
ou morais, o fornecedor poderá ser condenado a pagar uma indenização.
O consumidor prejudicado pode e deve buscar seus direitos, ou seja, i)
poderá contratar um advogado, outorgando-lhes poderes para ingressar com
uma ação na Justiça Comum ou no Juizado Especial Cível, exigindo que o
fornecedor se abstenha de cometer tais práticas abusivas, bem como seja
condenado ao pagamento de uma indenização, seja por danos materiais ou
morais; ii) poderá ingressar com a mesma ação, sem a assistência de
advogado (se o valor for inferior a 20 salários mínimos), bastando apenas
procurar o setor de atendimento do Juizado Especial; iii) poderá procurar o
PROCON da sua cidade e pedir providências administrativas; e, por fim, iv)
poderá acionar o Ministério Público (Promotor de Justiça) solicitando-lhe
providências na esfera criminal.
Ao tratarmos das práticas relacionadas à cobrança de dívidas, à luz dos
artigos 42 e 71 do Código de Defesa do Consumidor, inevitavelmente
esbarramos em aparente conflito de normas, uma vez que a possibilidade de
cobrar uma dívida, ao menos a primeira vista, aponta para exercício regular de
direito. Nesta esteira, importante se torna trazermos à baila os comandos
emergentes do inciso I do artigo 188 e 153 do Código Civil de 2002:
"Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício
regular de um direito reconhecido;..."
"Art. 153. Não se considera coação a ameaça do
exercício normal de um direito, nem o simples
temor reverencial."
(Grifei)
É certo que cabe ao credor (fornecedor ou prestador de serviços) cobrar
o que lhe é de direito, e como estabelece o Novo Código Civil em seu art. 153,
não é considerada coação ou ameaça o exercício normal de um direito,
32
complementado pelo inciso I do art. 188 o qual reza que não constitui atos
ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido, portanto, se existe uma dívida, o credor tem todo o direito de
exercer o seu direito de cobrança, desde que não ultrapasse os limites da
razoabilidade, pois caso contrário estará excedendo sua razão, e com isso
responderá pelo excesso. Já quanto ao exercício regular de um direito, este só
exerce quem não prejudica direito de outrem.
O Código Civil ainda em seu art. 389 o qual trata do inadimplemento das
obrigações, diz que uma vez não cumprida a mesma, responderá o devedor
por perdas e danos além de juros e atualização monetária.
O Código de Defesa do Consumidor no art. 42 previne para que o
consumidor não seja tratado de maneira errônea, bem como se este pagou
quantia indevida, terá direito a receber o dobro do que pagou em excessos,
com correções e juros legais.
Inobstante o reconhecimento de que cobrar uma dívida constitui
exercício regular de um direito e, portanto, ato lícito nos moldes dos artigos
colacionados, é cediço que tal exercício "É a utilização do direito sem invadir a
esfera do direito de outrem. É não prejudicar o direito de outrem,
independentemente de causar dano. Só exerce regularmente seu direito
aquele que não prejudica direito de outrem." Por outro lado, o artigo 187 do
Código Civil define que: "...comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico
ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Somente à luz dos artigos já comentados até aqui, sem adentrar ainda
propriamente nos ditames do artigo 42 do CDC, podemos concluir que não é
necessário muito esforço interpretativo para se inferir que cobrar uma dívida é
atividade comum e legítima (exercício regular de direito).
Entretanto, deduzimos, também, que no exercício desse direito
legalmente reconhecido não poderá o credor exceder os limites impostos pelo
fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, bem como não
poderá ultrapassar a fronteira das garantias fundamentais estampadas na
33
Constituição Federal, independentemente da relação da qual advêm a dívida
(de Consumo, Cível, Comercial, Tributária e etc...).
Nota-se que parte da doutrina, ao comentar o artigo 42 do CDC,
preocupa-se em definir quais são, definitivamente, as práticas de cobrança
vedadas. Esse estudo busca mostrar, que as práticas vedadas são todas
aquelas que configuram abuso do direito de cobrar, ou seja, quaisquer práticas
que não respeitem princípio constitucional (dignidade da pessoa humana), ou
interfiram na esfera dos direitos personalíssimos (intimidade, vida privada,
honra e imagem), isto porque, expor o consumidor a ridículo ou submetê-lo a
qualquer tipo de constrangimento ou ameaça na cobrança de uma dívida,
implicará necessariamente na violação de um desses direitos.
Segue o exposto no artigo 42, do CDC:
“Artigo 42 – Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto à ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único – o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipóteses de engano justificável”.
CONCLUSÃO
Percebe-se, nos últimos anos, certa reação das pessoas em
defenderem seus direitos, mas o processo cultural ainda nos coloca muito
aquém de uma consciência mínima em relação ao tema abordado, no que se
contempla a composição da informação e da iniciativa.
Podemos concluir que a cobrança de dívida é um direito do fornecedor
como credor, entretanto, este deverá se utilizar de critérios que apontamos
como idôneos, sob pena de violar os direitos do consumidor. Violados tais
34
direitos, o fornecedor fica sujeito às implicações do Código de Defesa do
Consumidor, como a condenação a uma pena de prisão, bem como a uma
pena pecuniária (em dinheiro) por danos morais e materiais
É importante dizer que, o Código de Defesa do Consumidor não traz
oposição alguma a realização de cobrança das dívidas pelas empresas
credoras. O que se pode punir eventualmente é a maneira abusiva com que as
cobranças podem ser realizadas, de modo a evitar os excessos cometidos em
tal ato.
O que foi ponderado no presente estudo, é que existem várias maneiras
de se cobrar uma dívida, pode ser por intermédio de uma cobrança judicial ou
por uso de táticas "extrajudiciais" (telefonemas, notificações, telegramas, etc.).
É nesse momento, das cobranças extrajudiciais, que insurgem os
excessos e abusos, uma vez que as táticas geralmente utilizadas pelas
empresas credoras ou suas terceirizadas são as mais diversas possíveis, pois
abordam os devedores em seus lares, trabalhos e até mesmo em momentos
de lazer.
Existem casos, em que inclusive expõem os devedores a situações
vexatórias, o que possibilita que futuramente, estes, independente de deverem
ou não, ajuízem ações buscando indenização pelos eventuais danos morais.
Assim, insta salientar que o credor tem sim todo o direito de cobrar sua
dívida, porém que se faça dentro dos limites da lei, é claro.
Contudo, é claro que a empresa não possa realizar a cobrança das
dívidas, claro que pode, porém devem evitar se valer da famosa "tortura
psicológica", realizada pelas empresas de cobranças terceirizadas, que
passam a ligar diversas vezes ao dia, em telefones fixos, celulares e até
mesmo vizinhos, passando as informações sobre a dívida a terceiros,
colocando os devedores em situações extremamente embaraçosas, inclusive
passando informações inverídicas com o intuito de intimidar e amedrontar o
devedor.
O que o Código de Defesa do Consumidor protege é a exposição do
cliente ao ridículo, mesmo que o ato de cobrar e ser cobrado cause vexame,
35
porém isso não deve ser a arma usada a compelir o cliente ao pagamento da
dívida.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Constituição da República Federativa do Brasil. Serie Legislação Brasileira,
Editora Saraiva, 1988.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do
Anteprojeto, 7ª Ed., Forense Universitária, pág. 338.
GARCIA, Leonardo de Medeiros Direito do Consumidor: Código Comentado e
Jurisprudência. 4 ed. Niterói, RJ, Impetus, 2008.
Marques, Claudia Lima, Manual de Direito do Consumidor, 5ª Ed. , Revista dos
Tribunais, São Paulo, 2013, pág. 512.
Miragem, Bruno Curso de direito do consumidor – 2. Ed. rev., atual. e ampl.-
ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pg. 28.
NERY, Nelson Junior e NERY, Rosa Maria de Andrade, in: Novo Código Civil e
Legislação Extravagante Anotados, RT, São Paulo, 2002, p. 112.
NETTO, Felipe Peixoto Braga. Manual de direito do consumidor: à luz da
jurisprudência do STJ. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Edições Juspodivm,
2011.
36
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do
consumidor: direito material e processual. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense: São
Paulo: Método, 2013.
STJ, Recurso em Mandado de Segurança n.º 27.512-BA, rel. Min. Nancy
Andrighi, 3ª Turma, j. 20/08/2009 _ “Em pesquisa da jurisprudência do STJ,
percebe-se que, até meados de 2004, a Terceira Turma tendia a adotar a
posição maximalista, enquanto que a Quarta Turma tendia a seguir a corrente
finalista, conforme levantamento transcrito no voto-vista da Ilustre Ministra
Nancy Andrighi no CC nº 41.056/SP, julgado pela 2ª Seção em 23.06.2004.
Contudo, em 10/11/2004, a Segunda Seção, no julgamento do Resp nº
541.867/BA, Rel. p/ Acórdão o Ilustre Min. Barros Monteiro, acabou por firmar
entendimento centrado na teoria subjetiva ou finalista, posição hoje
consolidada no âmbito desta Corte.” (AgRg no Agravo de Instrumento n.º
1.248.314-RJ, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. 16/02/2012).
RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de Direito do Consumidor, Ed. Saraiva
São Paulo 2004, pág.542.
37
FOLHA DE AVALIAÇÃO
38
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 7
SUMÁRIO 8
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I - Conceito 11
CAPÍTULO II - Das Práticas de Cobrança 19
CAPÍTULO III – Aspectos éticos e jurídicos 29
CONCLUSÃO 34
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 36
FOLHA DE AVALIAÇÃO 38
39