documento protegido pela lei de direito autoral · 1.2 - o surgimento da meia idade a literatura...

43
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS- GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A CASA DOS IDOSOS: O SIGNIFICADO DA ARTETERAPIA NA 3ª IDADE Por: Legilcia de Oliveira Quadros Orientadora Maria da Conceição Maggioni Poppe NITERÓI JULHO /2005 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

Upload: others

Post on 10-Oct-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A CASA DOS IDOSOS: O SIGNIFICADO DA ARTETERAPIA NA

3ª IDADE

Por: Legilcia de Oliveira Quadros

Orientadora

Maria da Conceição Maggioni Poppe

NITERÓI

JULHO /2005

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

Page 2: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A CASA DE IDOSOS: O SIGNIFICADO DA ARTETERAPIA NA

3ª IDADE

Apresentação de Monografia à Universidade Candido

Mendes como exigência para conclusão do curso de

Pós-Graduação “Lato Sensu” em Arteterapia em

Educação e Saúde

Por: Legilcia de Oliveira Quadros

Page 3: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço as professoras Cinthya R.

Bretas, Maria Cristina Urrutigaray e

Vanessa Coutinho, por me apresentarem

a Arteterapia e Carl Gustav Jung, pois a

partir dos conhecimentos adquiridos no

que diz respeito a sua teoria, pude

observar a vida e o mundo de uma outra

maneira, como também, nortear este

trabalho.

Page 4: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

4

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a dois anjos que

preencheram minha vida de felicidade: Davi

e Ariadne. Meus netos tão desejados e

amados que, embora tão pequeninos,

foram gigantes no fornecimento de energias

para que eu pudesse concluir este curso.

Page 5: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

5

RESUMO

A terceira idade surge para todo ser humano como momento de

reavaliações e colheitas De acordo com as condições emocionais, a visão cultural

e a condição sócio-econômica de cada individuo, esta fase poderá apresentar-se

como um momento de sofrimento e perdas ou como um momento de plenitude em

direção à grande transformação.

O presente trabalho se propõe a investigar a Arteterapia enquanto

instrumento terapêutico e reabilitador junto a pacientes idosos que tiveram a

infelicidade de se verem reclusos em instituições asilares. Fazendo um breve

percurso pelos diferentes papéis desempenhados pelo idoso na história de nossa

sociedade, buscamos demonstrar como, com o advento da modernidade

industrial, seu valor se perde, gerando a criação destes espaços de reclusão onde

o idoso será abandonado pelos seus últimos tempos de vida.Será a partir desta

realidade, e da percepção da necessidade de se revisar a situação dos

atendimentos assistenciais oferecidos a esta parcela da sociedade que este

trabalho se dará.

Foi possível através deste trabalho validar a Arteterapia como instrumento

reabilitador deste idoso proporcionando-lhe possibilidade de obter, ainda que

dentro desta condição de abandono e reclusão uma estadia mais humana nestas

instituições asilares.A prática da Arteterapia se apresentou com instrumento

gerador de auto–estima, estimulando a comunicação e inter-relação perdidas para

estes indivíduos.

Page 6: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

6

METODOLOGIA

Os procedimentos metodológicos adotados na presente monografia incluem

pesquisa bibliográfica junto a autores que já dissertaram sobre o assunto e

observação do objeto de estudo.

A observação foi efetuada junto aos pacientes do Abrigo Cristo Redentor

em São Gonçalo, em cujo atelier, situado no Pavilhão Maria Cristina de Azevedo

Abicalil, ocorreram no período de três meses, doze encontros de cinco horas de

duração, em intervenção oferecida a seis idosos com acompanhamento de

psicóloga e terapeuta ocupacional.

Page 7: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 8

CAPÍTULO I

A TRANSIÇÃO DA MEIA IDADE PARA A TERCEIRA IDADE...........................10

1.1 – O ciclo da vida ..........................................................................................11

1.2 – O surgimento da meia idade .................................................................. 13

1.3 – Os elementos do inconsciente ...............................................................14

CAPÍTULO II

O IDOSO E SEUS DESTINOS.................................................................................17

2.1 – O processo de envelhecimento .............................................................17

2.2 – O novo olhar acerca do idoso ................................................................21

2.3 – O idoso institucionalizado ....................................................................... 24

CAPÍTULO III

A ARTETERAPIA COMO AUXÍLIO À ADAPTAÇÃO A UMA NOVA VIDA ....... 28

3.1 – O que é a Arteterapia ..............................................................................29

3.2 – Arteterapia e o idoso institucionalizado ................................................30

3.3 – O reencontro de si através da arte........................................................33

CONCLUSÃO ..............................................................................................................37

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 38

ÍNDICE..........................................................................................................................41

FOLHA DE AVALIAÇÃO............................................................................................43

Page 8: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

8

INTRODUÇÃO

A senescência, período pós-meia idade, é vista pela sociedade brasileira

como um processo patológico ou doença, que diminui o papel social do indivíduo.

O processo de envelhecimento é inevitável e se constitui em conseqüência natural

do desenvolvimento humano. Nesse período, há modificações tanto morfológicas

quanto funcionais, mas em momento algum, pode-se denominar doença ou

processo patológico mas sim, fator biológico.

A expectativa de vida do brasileiro aumenta, a família reestrutura-se e o

olhar acerca do idoso, transforma-se. A estrutura biológica é idêntica à época do

surgimento do homem, mas seu modo de viver foi se modificando junto com as

exigências da sociedade na qual está inserido. Antes era dever da família gerir

condições básicas e apropriadas àquele que envelhecesse em seu seio. Hoje,

com o passar dos anos, esta responsabilidade vem sendo dividida entre a família,

o Estado e instituições apropriadas a receber e oferecer qualidade de vida e

recuperação da auto-estima do idoso.

Dentro deste contexto, a Arteterapia vem demonstrando sua relevância a

cada dia, construindo, reconstruindo e auxiliando a compreensão do idoso quanto

a nova fase de sua vida. Este estudo, busca a compreensão e demonstração

através de observação direta junto a Casa de Idosos, da atuação das artes junto a

idosos que recentemente deixaram seus lares e famílias e estão agora sob

cuidados destas casas. O porquê de seu afastamento social e quase mutismo na

nova moradia, assim como, ao exercitar-se através das artes poderá atenuar as

aflições ocasionadas por esta mudança e com isto resgatar a auto-estima e

aumentar sua qualidade de vida. Como o processo arteterapêutico oferece a

possibilidade do idoso amenizar o abrupto rompimento de elos afetivos

pertencentes a sua história de vida e, simultaneamente, caminhar ao encontro da

Page 9: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

9

compreensão, da convivência harmoniosa com sua nova etapa de vida. Para

obtermos tais informações, buscaremos junto a abordagens junguianas, caminhos

que nos forneçam suportes para a concretização deste estudo. Assim, no Capítulo

1 abordaremos a transição da meia-idade para a 3ª idade e suas perspectivas

quanto a um futuro incerto, onde predominam na maioria dos indivíduos, o medo

da velhice e seus limites e, conseqüentemente, o temor acerca da morte. No

Capítulo 2, buscaremos mostrar o posicionamento do idoso nos dias atuais, as

transformações ocorridas no panorama sócio-político-econômico onde o idoso

passou a ser visto sob um novo ângulo tanto pelo Estado quanto pela sociedade.

E no Capítulo 3, a Arteterapia, sua evolução no Brasil e sua atuação junto a idosos

recém chegados a Casa de Idosos. Finalizando, teceremos considerações quanto

ao desenvolvimento de trabalhos arteterapêuticos em Casa de Idosos, junto a

grupos com pouca ou quase nenhuma adaptação ao novo ambiente social.

Page 10: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

10

CAPÍTULO I

A TRANSIÇÃO DA MEIA IDADE PARA A TERCEIRA

IDADE

Os momentos de transição da meia idade para a terceira idade são

momentos extremamente importantes, talvez em muitos aspectos, mais do que a

passagem da infância para adolescência, ou da adolescência para a fase adulta

quando a afetividade do sujeito será de uma maneira ou de outra amparada e

reconhecida pela sociedade.

A passagem da meia idade para a terceira idade, para a maioria dos

indivíduos é uma época de ansiedade, pelo temor daquilo que a vida lhes levará

ao chegarem a uma etapa da vida que desde tempos imemoriais na historia da

humanidade é visto como momento de menos valia. O que se estabelece como

mais marcante nesta época tanto para o homem como para a mulher é a

degenerescência na questão reprodutiva, a finalização de sua vida reprodutiva,

tanto no climatério quanto na andropausa, surgem como fantasmas temidos.Para

muitas mulheres o final da fase reprodutiva pode ser visto como uma experiência

de morte parcial que terá maior significado para aquelas que optaram por não ter,

ou não puderam ter filhos. São momentos de modificação nos aspectos corporais

como no senso de integridade e de funcionamento corporal, alterando assim sua

auto-imagem, ameaçando seu poder em realizar e vivenciar suas tarefas vitais e

interesses pessoais satisfatoriamente e com independência.Será um momento no

qual o individuo muitas vezes se voltará para um exame dos seus atos de seu

modo de vida até então praticados. Será um momento de recordar, rememorar,

dentro do momento do ciclo da vida em que se está preparando terreno para as

inevitáveis transformações que virão.Em que direção se darão estas

Page 11: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

11

transformações dependerá em muito da visão que a sociedade na qual o sujeito

está inserido terá sobre esta etapa da vida.

1.1 - O ciclo da vida

A investigação ligada ao estudo do ciclo de vida está voltada a explicações

sobre as expectativas que as pessoas criam em relação à idade: expectativas

afetivas, psico-sociais uma vez que lidamos com uma fase na qual, em nossa

sociedade Ocidental, existe uma visão de degenerescência e imprestabilidade o

que, passa a tornar este momento de transição nosso como um momento temido

e muitas vezes até negado.

Sabe-se também que, por exemplo, na Idade Média, aproximadamente nos

séculos XVI-XVII, segundo o historiador Philippe Ariès, a velhice que se iniciava

aos cinqüenta anos, era percebida como “a idade do recolhimento, dos livros, da

devoção e da caduquice” (1973 ).

Esta imagem posteriormente evolui para o ancião respeitável e sábio no

séc. XIX e chega a modernidade, embora sem manter o aspecto de decrepitude

da Idade Média, ainda sem definir com certeza qual o lugar deste sujeito em nossa

sociedade ocidental.Assim, ainda segundo o autor, o desaparecimento da velhice

ao menos como sinal de degradação surge lado a lado com a evolução dos

conhecimentos sobre saúde gerando um envelhecimento mais confortável. Assim,

segundo o Ariès “O prolongamento da idade de vida retirou do não-ser anterior,

espaços da vida que os sábios do Império Bizantino e da Idade Média teriam

nomeado, embora não existissem nos costumes” (idem, p.49), ou seja, teriam

passado a ter reconhecimento como momento marcante no ciclo evolutivo do

homem.

Page 12: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

12

Hoje se observa, no entanto, a existência dos termos meia idade e terceira

idade, termos que buscam localizar estas modificações bio-psico-sociais do

homem, embora, falarmos de meia idade seja entrar num campo de relativismos,

uma vez que o conhecimento biológico sobre o ser humano, e as ampliações da

ciência médica têm alterado a cada dia o tempo médio de vida do homem fazendo

com que esta classificação de “meia idade” fique cada vez mais imprecisa.

É verdade que existe o fator da manifestação biológica, concretos, uma vez

que a partir de uma determinada idade, os indivíduos entram em um processo de

modificações hormonais, ocorrendo, principalmente, redução dos níveis dos

hormônios testosterona para o homem e estrogênio e progesterona para a mulher.

Nesta fase, conhecida pelo senso comum como menopausa na mulher e

andropausa no homem, surgem diversas questões relacionadas ao corpo e ao

emocional, o que acarreta mudanças na relação do indivíduo consigo e com a

sociedade. Por outro lado, nestas modificações hormonais, neste momento de

passagem, terão como variáveis na sua qualidade de manifestação, tanto fatores

genéticos, quanto fatores emocionais.

Kernberg (1989) citará esta fase apontando fatores que nos serão

importantes observar dentro da escolha de tema deste trabalho; Em primeiro lugar

será uma fase de reversão nos ritmos exterior e interior de transformação: agora

são os filhos que crescem rapidamente e os pais que envelhecem rapidamente e

desaparecem. Portanto a realidade da degenerescência se mostra

comparativamente, abalando narcisicamente o individuo.Neste momento também

ocorre a percepção dos limites da criatividade: percepção dos próprios limites do

passado e a restrição para as realizações no futuro. A Identidade do ego agora

ocorre na perspectiva do tempo, é necessário observar o conhecimento da meia-

idade sobre as próprias limitações, conhecimento este que consolidará a

identidade do ego, diferentemente do passado.Antes era o buscar transpor limites

aceitar desafios, o mote principal da vida.Portanto, aceitar a si mesmo e as

Page 13: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

13

limitações da realidade é aspecto importante da maturidade emocional, com

reflexos em todos os relacionamentos.

1.2 - O surgimento da meia idade

A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do

desenvolvimento adulto foram estabelecidas na segunda metade do século XX,

por diversos teóricos, que se empenharam em estabelecer modelos e teorias

sobre as questões do ciclo vital, inclusive em relação ao envelhecimento, como

por exemplo, Carl Gustav Jung.

Foram escolhidos para nortear a análise dos estudos de caso deste

trabalho, o modelo de desenvolvimento adulto de Jung1 e sua Teoria da

Individuação, que visam compreender as disposições psíquicas básicas desta

passagem da meia idade para a terceira idade e através dos estudos de caso

buscaremos salientar a importância da Arteterapia como instrumento de

ressocialização de pacientes reclusos em Casas de Idosos.

Jung entende a meta essencial do homem na interação psicológica fluente

entre o ego e o Self, feita principalmente por meio do processo de simbolização,

em que o importante é o equilíbrio e o intercâmbio dinâmico entre o processo

consciente e o inconsciente. Ou seja, a relação consciente/inconsciente possui

uma característica organizadora e auto-reguladora da Psique, com base no self,

que atua tanto como um centro organizador, como também a totalidade da psique.

1 Jung, C.G. - As etapas da vida humana. Em Jung, C. G. A natureza da psique. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, v. VIII/2, p. 335-353, 1991.

Page 14: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

14

No tocante à psicologia do desenvolvimento, Jung dividiu o ciclo da vida em

quatro etapas, concentrando menos interesse na infância e na velhice,

preocupando-se mais com a idade adulta, particularmente na transição da meia-

idade, e acreditando que a longevidade do homem não era aleatória: “Um ser

humano certamente não viveria até os setenta ou oitenta anos se a sua

longevidade não tivesse sentido para a espécie” (Jung, 1930, p. 349).

Na perspectiva de Jung, um novo processo de desenvolvimento interno

começa na meia-idade, dando à segunda metade da vida um caráter diferente

daquele que havia caracterizado a primeira metade. A esse processo denominou

individuação, sua maior contribuição à psicologia do desenvolvimento. O termo

refere-se ao desenvolvimento que começa no indivíduo adulto (embora a relação

entre o ego e o inconsciente seja uma constante desde o nascimento até a morte),

na maioria das vezes depois dos 35 anos de idade que, quando bem sucedido,

conduz à descoberta do Si Mesmo ou Self.

Jung definiu individuação como um “processo de desenvolvimento

psicológico que faculta a realização das qualidades individuais dadas; em outras

palavras, é um processo mediante o qual um homem se torna o ser único que

é”.(Jung, 1934, p. 50).

A transição da meia-idade é bastante difundida, em nossa cultura, como

sendo um momento de crise, e nem sempre a ela se associa à oportunidade de

redefinição ou reorientação da personalidade.

1.3 - Os elementos do inconsciente

Será nesta fase de transição por ele denominada de “Passagem do meio”

que, segundo Hollis, em seu livro “A passagem do meio: da miséria ao significado

Page 15: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

15

da meia-idade”, os indivíduos se depararão com o questionamento sobre aonde

realmente se encontra, entre a personalidade adquirida e as exigências do si

mesmo: “Quem sou eu, além da minha história e dos papéis que representei?”.

Será nesta ocasião que, ainda segundo o autor, redefiniremos e reorientaremos

nossa personalidade: “A passagem do meio começa quando a pessoa precisa

enfrentar questões até então evitadas (...). É muito mais uma experiência

psicológica do que um evento cronológico” (1985, p. 24-25).

Porém, em nossa sociedade, os ritos de passagem, socialmente instituídos

foram quase totalmente banidos e assim, este momento crítico na vida do

indivíduo, no qual surge a exigência de “morrer para um estado anterior”, diante de

um renascimento para um novo estágio se perde na angústia do cotidiano. É um

momento de desorientação e ansiedade que surgem principalmente pela incerteza

do lugar que passaremos a ocupar no mundo e que darão origem à dissolução de

projeções de conteúdos inconscientes e na insatisfação com a maneira como a

pessoa está utilizando sua energia vital.

Em uma sociedade altamente capitalista como a nossa o trabalho, sua

produtividade é um veículo fundamental para confirmarmos nossa identidade por

meio do domínio do conjunto de nossas habilidades, embora nem sempre possa

ser uma possibilidade de transcendência por meio de nossas realizações. Este é o

momento de nos depararmos com o “balanço” de todos estes fatores ao mesmo

tempo aonde a pergunta principal será: O que fui e o que me resta ser? Valeu a

pena?

Todavia, se por um lado, isso nos mostra o esgotamento de uma área de

projeção da identidade, por outro, pode ser a possibilidade de renascimento.

Dessa insatisfação pode nascer à renovação, tudo dependerá, no entanto, de

como foi o desenrolar da vida deste sujeito através dos vários estágios de sua

vida, da maneira como se deu sua evolução psico-social e seu atual nível de

Page 16: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

16

percepção desta totalidade.Se seu trabalho foi apenas uma forma de sustento ou

sobrevivência, ou se surgiu de uma vocação verdadeira suprindo assim as

necessidades básicas da personalidade e do Si Mesmo, se seguiram os caminhos

da individuação ou apenas o negaram servindo apenas a um ego estritamente

orientado ao social.Este momento de passagem para a velhice será primordial

para o encontro de nossa essência, “para nos aproximarmos mais do nosso

potencial e conquistarmos a vitalidade e a sabedoria do envelhecimento” (Hollis,

1985, p. 20).

Page 17: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

17

CAPITULO II

O IDOSO E SEUS DESTINOS

É necessário perceber que sempre haverá dentro do que se pode chamar

de destino do idoso mais de uma possibilidade.A terceira idade não existe apenas

como ante-sala para a morte ou pelo menos não deveria existir.Porém dentro das

possibilidades deste momento da vida além da inexorável decrepitude como

pensam algumas culturas ou da plenitude da sabedoria como entendem outras

encontraremos alternativas. Muitas vezes estas alternativas poderão não ser tão

agradáveis dentro do que se imagina numa sociedade ideal, sabemos por

exemplo que os esquimós praticavam a “morte branca”, abandonando seus idosos

na imensidão de gelo o que era reconhecido como uma morte justa e nobre e para

nós é sinônimo de crueldade.

2.1 - O processo de envelhecimento

O primeiro trabalho científico sobre velhice, foi escrito por um médico

francês no século XIX (Jean-Martin Charcot, em 1867) intitulado "Estudo Clínico

sobre a Senilidade e Doenças Crônicas". Charcot não se preocupava em estudar

a imortalidade, mas o processo de envelhecimento, suas causas e conseqüências

sobre o organismo.

O envelhecimento é um processo que apresenta algumas características:

Segundo a Bióloga e Bioquímica Maria Edwiges Hoffmann, o envelhecimento é

causado por alterações moleculares e celulares, que resultam em perdas

funcionais progressivas dos órgãos e do organismo como um todo. Esse declínio

se torna perceptível ao final da fase reprodutiva, muito embora as perdas

funcionais do organismo comecem a ocorrer muito antes. O sistema respiratório e

Page 18: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

18

o tecido muscular, por exemplo, começam a decair funcionalmente já a partir dos

30 anos. Assim segundo a autora, as mudanças funcionais que ocorrem com o

avanço da idade são atribuídas a vários fatores, como defeitos genéticos, fatores

ambientais, surgimento de doenças e expressão de genes do envelhecimento, ou

gerontogenes.

Trata-se de um processo universal, e por ser natural, não depende da

vontade do indivíduo, todo ser nasce, desenvolve-se, cresce, envelhece e morre.

Porém ocorre de maneira heterogênea e particular, de individuo para indivíduo e

em cada espécie há uma velocidade própria para envelhecer, essa rapidez de

declínio funcional sofre variações importantes de pessoa para pessoa e numa

mesma pessoa de órgão para órgão. Apesar de todo o avanço da medicina em

relação às descobertas e tratamentos das doenças, das novidades

farmacológicas, do desenvolvimento de técnicas estéticas, das descobertas da

biomedicina, ainda é um processo irreversível. Nada impede o inexorável

fenômeno, nem o faz reverter. Acometerá as funções do organismo humano,

como locomoção, digestão, circulação sangüínea e outros, afetará os processos

cognitivos como memória, percepção, raciocínio, mas o grau e qualidade em que

estas alterações se darão, dependerão principalmente de como ocorreu o

desenvolvimento anterior da vida do sujeito, e principalmente dos fatores afetivos.

Há grandes diferenças entre os indivíduos, no que diz respeito ao ritmo e

quantidade de declínio no funcionamento físico e nas habilidades mentais.

Dependendo da cultura em que vive o idoso ele pode ser considerado um

sábio ou um inválido. Nas culturas orientais, o velho é tido como alguém que

acumulou muita experiência, e é possuidor de um saber digno de respeito e

admiração ele se encontra integrado em sua comunidade e desempenha funções

de importância em educação, aconselhamento e consultoria profissional. Por outro

lado no Ocidente, com suas variações de correntes de nível cultural e educacional,

dentro de sua comunidade o velho pode ser um estorvo, um aposentado sofredor,

Page 19: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

19

pode se tornar um tirano, ou se dispuser de boa situação financeira atuando como

provedor e sustento de toda a família, fenômeno cada vez mais recente diante das

crises econômicas em nosso país, poderá ser centro de atenções de toda família.

O envelhecimento será vivenciado de forma heterogênea que, conforme os

estudos de Santanna (1995), pode ser classificado a partir de questões de gênero,

classe social, religião e etnia. Assim com suas variações serão identificados como

inativos ou improdutivos, sendo muitas vezes alijados, por suas baixas pensões e

aposentadorias, do acesso aos bens e serviços de nossa sociedade.

Todos os mitos que ocorrem em torno da velhice ocorrem com base nesta

visão de sociedade de consumo, aonde o grau de produtividade valida a

existência de um individuo como cidadão ou não, como merecedor de

reconhecimento público ou não. Até mesmo o nome velhice foi mascarada pelo

termo Terceira Idade na tentativa de retirá-la da sua condição pejorativa e isolante.

Embora exista uma grande modificação na postura de alguns idosos perante a

vida, ele sempre se esbarrará com o preconceito que o deixa alheio ao mundo que

o cerca.

Assim em nossa sociedade costuma-se ainda associar a velhice a doenças,

inatividade, isolamento vista como aspectos "normais" da velhice; o

envelhecimento fica, portanto, visto como sinônimo de enfermidade.Da mesma

maneira, ser velho é ser assexuado, sem direitos a exercer sua sensualidade e

sexualidade sem correr o risco de ser visto como objeto de ridicularizarão; Suas

reminiscências estão sempre associadas à insanidade; Espera-se dele um

comportamento passivo, incapaz de aprender, Incapaz para o trabalho.

O relacionamento do idoso com o mundo, portanto, se caracteriza pelas

dificuldades adaptativas, tanto emocionais quanto fisiológicas. No relacionamento

com sua história o idoso pode atribuir novos significados a fatos antigos e sua

Page 20: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

20

história pessoal irá desencadear sua nova forma de lidar com o mundo numa

dinâmica psíquica que compreende alterações antagônicas

Freud afirmava, com notável sabedoria, que os determinantes patogênicos

envolvidos nos transtornos mentais poderiam ser divididos em duas partes:

1 - aqueles que a pessoa traz consigo para a vida e;

2 - aqueles que a vida lhe traz (2).

Estas Disposições Pessoais são os elementos referidos por Freud ao se

referir àquilo que o indivíduo traz para a vida, ou seja, sua constituição. Assim os

traços mais marcantes de nossa personalidade poderão se tornar mais marcantes;

Ajuriaguerra (1973) ilustra isto, afirmando que "envelhece-se como se viveu".

Aqueles que não aprenderam a contemporizar, os portadores de dificuldades

adaptativas ns idades anteriores envelhecerão com maiores dificuldades.

Assim, na senilidade fica mais evidente ainda se não forem trabalhados de

forma preventiva, estes fatores que o indivíduo traz consigo em sua constituição e,

de outro, os fatores trazidos a ele pelo seu destino como afirma Freud. O equilíbrio

psíquico do idoso, portanto, depende, basicamente, de sua capacidade de

adaptação à sua existência presente e passada e das condições da realidade que

o cercam.

Se os acontecimentos existenciais eram sentidos com alguma dificuldade

ou sofrimento na idade adulta ou jovem, quando a situação fisiológica era mais

favorável e as condições de vida mais satisfatórias e atraentes, no envelhecimento

então, quando as circunstâncias concorrem naturalmente para um decréscimo na

qualidade geral de vida, a adaptação será muito mais problemática. Portanto, está

correto dizer que quanto melhor tenha sido a adaptação da pessoa à vida em

idades pregressas, melhor será sua adaptação no envelhecimento.

Page 21: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

21

Na prática psiquiátrica, segundo Ballone (2002), alguns autores observaram

uma significativa melhora em poucos casos de neuroses com o envelhecimento,

fato também observável na prática psiquiátrica. Isso nos mostra, de fato, não

haver uma desestruturação psíquica no envelhecimento, mas sim, uma alteração

estrutural na dinâmica psíquica, assim como novos arranjos psicodinâmicos e

uma nova arquitetura afetiva distinta da anterior.

2.2 - O novo olhar acerca do idoso

A Organização Mundial de Saúde — OMS divulga que a população idosa

do nosso país, nas próximas décadas, alcançará o significativo número de 32

milhões de pessoas maiores de 60 anos, crescendo assim, 16 vezes contra cinco

vezes da população total. É, portanto, preocupante, ainda mais quando se prevê o

Brasil como o País que passará do 16º lugar em 1950 para o sexto lugar no

mundo em população idosa no ano de 2025, (Veras e Camargo 1995),

destacando-se com o crescimento mais acelerado do mundo.

Com base nestes dados surgem em nosso país o Desenvolvimento da

Política Nacional do Idoso, aprovado em 04.01.1994, de acordo com a Lei nº

8.842, Decreto nº1.948 de 03.07.1996, que objetiva colocar em prática, ações

voltadas para a preservação, cura e promoção, no sentido de garantir melhor

qualidade de vida ao Idoso.

Magalhães (1987), pensando as condições de vida das pessoas idosas nas

sociedades modernas, afirma que estas sociedades têm as seguintes

características: baixos índices de natalidade e mortalidade, com processos de

mudanças aceleradas onde a inovação tende a ocupar o lugar da tradição. Além

disso, há uma valorização das esferas da produção e do consumo, ao mesmo

Page 22: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

22

tempo em que o patrimônio familiar é substituído pelo projeto individual.Vivemos

numa sociedade em que a competitividade acirrada não reserva lugar para

aqueles que não podem participar do processo de alta produtividade por ela

exigida o que para as pessoas que envelhecem por sua condição já é um

indicativo de não aceitação nestas sociedades.

Ao longo dessas últimas décadas em nosso país, presenciamos um

aumento significativo dos grupos e centros de convivência voltados ao idoso.

Como um exemplo marcante, encontraremos o SESC, que desde a década de

1960 é pioneiro no trabalho social com idosos, possibilitando a esses segmentos

atividades de lazer e cultura, e realizando palestras sobre temas relevantes para a

compreensão do processo de envelhecimento. Assim estes programas de terceira

idade possibilitam aos idosos, uma possível reabilitação desse tempo de vida

como ainda de realizações e de atividade.

Porém, ainda temos um grande contingente de idosos em nossa sociedade

que sofrem um processo de exclusão social. Para Queiroz (1999), a exclusão

social se dá nas dimensões; econômica (perda do poder aquisitivo, com baixas

aposentadorias e pensões), política (pois não têm respeitado seus direitos de

cidadãos), afetivo-social (quando ocorre o isolamento social, na medida em que as

estruturas de sociabilidade que desenvolvemos estão centradas no trabalho e na

família e, secundariamente, nas relações de vizinhança, por exemplo) e cultural

(pela desvalorização da memória e da lembrança e da possibilidade de contribuir

para o meio).

Por meio de fontes de análise do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) verifica-se que, além da desigualdade socioeconômica,

destaca-se a sociabilidade do idoso como um fator importante, pois inclui as

relações de convivência familiar, o estabelecimento do vínculo social com a

Page 23: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

23

comunidade e a possibilidade real de qualidade de vida e, conseqüentemente, a

sua sobrevivência.

Em nossa sociedade moderna a família nuclear por questões de

sobrevivência dentro das novas exigências socioeconômicas, irá gradativamente

diminuir ao mesmo tempo em que as evoluções sociais e transformações

tecnológicas promovem um desequilíbrio nestas relações familiares que geram um

afastamento e desvalorização do idoso, fazendo com que perca seu lugar neste

espaço familiar, agora totalmente ocupado pelos mais jovens. A valorização do

idoso como contentor da experiência que propicia a sobrevivência, do

conhecimento de costumes e princípios éticos de uma sociedade se perde, uma

vez que este saber não encontra mais lugar dentro de novas regras e técnicas de

sobrevivência que surgem a cada dia.

O idoso moderno que se encontra afastado de seu núcleo familiar,

encontrará três situações: Se possuir poder aquisitivo para arcar com sua própria

sobrevivência irá seguir em sua solidão nos grandes centros urbanos,

dependendo do nível econômico e cultural e de uma postura positiva em relação

ao processo de envelhecimento, poderá buscar adesão a grupos de atividades

voltados aos idosos.Se, no entanto tiver restrições econômicas e/ou culturais

ficará restrito ao lazer em praças e jardins, com espaço físico reduzido em seus

lares. Se puder colaborar com a receita doméstica junto a seus descendentes

como co-responsável através de sua aposentadoria por parte da manutenção da

família, será, requisitado e aceito no meio familiar, no entanto, será mantido da

mesma maneira afastado em muito das decisões cotidianas. O idoso que no

passado exercia funções de comando hoje se vê desprestigiado e isolado embora

convivendo no mesmo espaço.

A terceira possibilidade surge através da institucionalização do idoso, que

quando ocorre, implica e decorre do acúmulo de várias situações entre elas a

Page 24: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

24

situação econômica, física e psicológica tanto do idoso quanto de seus filhos e a

maneira como se estabeleceram as trocas afetivas entre eles, quando estes

existem. Esta apesar das suas várias conseqüências depreciativas é prevista por

lei, quando o idoso não possui condições de prover o seu sustento ou não possui

família que o possa fazer.

2.3 O Idoso institucionalizado

A doença na terceira idade tem significados especiais, pois traz consigo o

receio da dependência física, a desesperança em obter melhoras e a percepção

do inexorável destino que se aproxima, a morte. Mesmo a hospitalização na

velhice aproxima ainda mais essa realidade.

Muitas vezes, a instabilidade econômica e a dependência física trazem

obrigatoriamente o idoso para a convivência de seus familiares que, nem sempre,

aceitam ou podem exercer o papel de cuidadores. O caminho que leva a

institucionalização, portanto é aquele no qual se somam, principalmente, fatores

de ordem econômica com a diminuição progressiva do espaço sócio-econômico,

com o retraimento dos contatos sócio-culturais, com o abandono familiar, com

eventual penúria habitacional, entre outros.A institucionalização aparece, então,

como uma opção bastante procurada.

O idoso institucionalizado é retirado de seu lar, obrigado a adaptar-se a

uma rotina de horários, a dividir seu ambiente com desconhecidos e à distância da

família. A individualidade e o poder de escolha se perdem numa situação na qual

existe apenas a percepção de ser apenas mais um dentro daquela instituição. As

grandes perdas que surgem neste momento de suas vidas se acumulam a outras,

freqüentemente experimentados pelo idoso, como a perda do cônjuge, a doença e

a dependência física, e a própria institucionalização, como um simbólico de

Page 25: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

25

abandono, entre tantas outras, podem ser o ponto de partida para uma

desestruturação psíquica (Corrêa, 1997).

Nos países de fala portuguesa, as instituições que normalmente abrigam

pessoas idosas são classicamente chamadas de asilos ou albergues. Por sua

conotação pejorativa de abandono, de pobreza ou rejeição familiar, as

denominações de asilo e albergue têm sido substituídas por outras mais

eufêmicas, como “Casa dos idosos”, “Lar dos idosos" etc., tanto em instituições de

caridade, como em estabelecimentos públicos ou privados.

Os idosos institucionalizados apresentam um perfil diferenciado, grande

nível de sedentarismo, carência afetiva, perda de autonomia causada por

incapacidades físicas e mentais, ausência de familiares para ajudar no auto -

cuidado e insuficiência de suporte financeiro. Estes fatores contribuem para a

grande prevalência de limitações físicas e co-morbidades refletindo em sua

independência e autonomia. Portador de múltiplas doenças crônicas, problemas

associados e sendo mais frágil, o idoso institucionalizado e a entidade que o abriga,

geralmente, não conseguem arcar sozinhos com a complexidade e as dificuldades

da senilidade.

O idoso que vive em instituições, se encontra separado do ambiente

familiar habitual, rodeado de pessoas estranhas, muitas vezes isolado da

atualidade cultural e, evidentemente, podendo estar experimentando a incômoda

sensação do abandono, dependência e inutilidade. A baixa qualidade de vida

oferecida pelas instituições asilares brasileiras contribui também para o

agravamento do estado afetivos nestes indivíduos que perdem afetividade,

sentido-se inseguros e sendo obrigados a suportar calados qualquer situação que

lhes seja imposta. É nesse cenário que a depressão surge como um dos mais

importantes agravos à saúde da terceira idade, sendo a síndrome psiquiátrica

mais prevalente nessa população. A Organização Mundial de Saúde estima que

Page 26: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

26

aproximadamente um em cada dez idosos sofre de depressão (Carvalho e

Fernandez, 1996).

O envelhecimento normal, devido a fatores biológicos, compromete várias

funções do corpo humano e ocasiona, freqüentemente, distúrbios na

comunicação. Este quadro se agrava quando consideramos os fatores

psicossociais que influenciam a dinâmica comunicativa de idosos

institucionalizados.

A dinâmica comunicativa do sujeito decorre da interação com o outro e da

apropriação da experiência social vinculada pela linguagem. Com o

envelhecimento, é freqüente que os idosos desenvolvam distúrbios da

comunicação em conseqüência da redução dos níveis de consciência, atenção

seletiva, função sensorial e motora, memória, raciocínio, resolução de problemas e

uso da linguagem oral e escrita. No idoso institucionalizado esta problemática se

amplia em decorrência da ausência de estímulos, oferecida que decorre da falta

de preparo profissional.

Nas instituições publicas ou privadas observa-se em sua grande maioria um

atendimento que segue os mesmos parâmetros que sofre a assistência ao idoso

no Brasil que privilegia os atendimentos de urgência, assistindo-os nas

necessidades de subsistência (alimentação, higiene, abrigo e cuidados médicos

básicos), ignorando o desenvolvimento da potencialidade global desses idosos e a

necessidade de reabilita-los socialmente. A falta de recursos e de profissionais

especializados na maioria das instituições que assistem essa população contribui

para que esse quadro se torne mais caótico.

Raramente profissionais que trabalham com o processo do envelhecimento

nas mais diversas áreas de saber (médicos, fisioterapeutas, enfermeiros,

terapeutas ocupacionais e outros), tentam proporcionar, em todos os níveis de

atenção à saúde (primário, secundário e terciário), o bem estar biopsicosocial dos

Page 27: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

27

idosos institucionalizados, potencializando suas funções globais, a fim de obter

uma maior independência, autonomia e uma melhor qualidade para essa fase de

vida.

O envelhecimento é um processo complexo e está associado a uma série

de doenças e incapacidades múltiplas, assim como à dependência e perda da

autonomia. O prolongamento da vida não é uma atitude isolada, necessitando de

uma integração entre idoso, família e/ou, instituição e profissionais especializados.

A atuação dos diversos profissionais não deve ser centrada somente nas doenças,

mas também nas principais condições que causam incapacidades e conseqüente

declínio no grau de dependência funcional e prejuízo na qualidade de vida.

A abordagem do idoso institucionalizado sob este ponto de vista é mais

complexa, uma vez que esta população extremamente frágil, muitas vezes foi

impelida a viver em um ambiente diferente, longe a família e dos amigos, ou seja,

não se trata de uma escolha, mas sim de uma imposição.

O novo paradigma de saúde do idoso brasileiro é como manter a sua capacidade

funcional mantendo-o independente e preservando a sua autonomia. Será aqui

que os recursos da Arteterapia poderão atuar.

Page 28: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

28

CAPÍTULO III

A ARTETERAPIA COMO AUXILIO A ADAPTAÇÃO A

UMA NOVA VIDA

A descoberta da Arte como um auxiliar nos processos terapêuticos e

reabilitadores já aconteceu há algum tempo, vista a principio como uma técnica

“alternativa” ganhou espaço em várias instituições e hoje vem sendo largamente

aplicada em clínicas e hospitais psiquiátricos, em hospitais e casas de saúde e

cada vez mais sendo explorada como veículo de reintegração psicosocial para

todas as idades.

Na Terceira Idade, como já pudemos observar, a manutenção de um

contato ativo com o mundo é uma necessidade, uma vez que a ausência deste

contato gerará cada vez mais o agravamento de manifestações degenerativas no

aspecto físico e mental. Nos idosos que se encontram limitados dentro de espaços

institucionais sejam públicos ou privados, cercados de normas rígidas no cotidiano

e carregando o sentimento de abandono e carência será muito fácil ocorrer este

agravamento. Os processos depressivos, maníacos, a progressiva perda de

memória ou a outras “doenças” comuns nesta fase que decorrem unicamente da

ausência de atividade e trocas afetivas.

Resistentes a um contanto com o mundo, muitas vezes por ressentimento

ou por memória de maus tratos, estes idosos exigem uma abordagem terapêutica

que ofereça uma adesão fácil, e que forneça algum prazer em suas vidas, agora

marcadas pela limitação.

Ao mesmo tempo é necessário fornecer-lhes algo que regenere sua

percepção de autonomia e capacidade de fazer, perdida num cotidiano de

Page 29: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

29

dependência e atividades repetitivas. Uma atividade na qual possam exercer sua

individualidade integralmente, expressando sem censuras todos os seus

sentimentos calados na solidão que vivenciam.

A Arteterapia pelos estímulos que oferece a nível sensório e motor, poderá

se apresentar como um suporte expressivo aonde o idoso ao mesmo tempo

poderá se colocar e se reconhecer como individuo ainda capaz de produzir algo a

ser reconhecido pela sociedade ao mesmo tempo em que estimula um reequilíbrio

físico e mental.

3.1 - O que é a Arteterapia

A Arte sempre esteve presente no universo humano desde os primórdios

dos tempos. As pinturas rupestres nas paredes das cavernas são o testemunho

vivo desta necessidade humana de deixar seus sentimentos e experiências

marcados para o tempo. Sabe-se também que na Grécia antiga o povo recorria a

arte da pintura, escultura, teatro e dança para compreender a vida, a exemplo das

tragédias gregas.

Até os dias de hoje, podemos vê-la nas suas mais diferentes manifestações

plásticas, em toda atividade que surge como forma de expressão comunicando

emoções e desejos, como resultado de manifestações culturais e ritualísticas, ou

simplesmente fruto da liberdade criativa hoje se apresenta como possibilidades de

cura e harmonia interior em um processo que promove reorganização emocional e

estimula a capacidade de estender a criatividade desenvolvida em sua prática a

todos os aspectos da vida.

Durante as intervenções em Arteterapia esta reorganização das funções do

Eu se dará através da descoberta de aspectos ocultos da personalidade, visando-

Page 30: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

30

se à ativação da circulação da energia psíquica e física, através de estímulos e

desenvolvimento do aparelho sensório-motor.

Cada material e técnicas no processo de Arteterapia serão instrumentos

que facilitarão esse processo criativo transformador do mundo interno que gerará

a contrapartida da transformação do mundo externo.Através das formas e

imagens que surgem nos numa sessão terapêutica através da arte, conduz a uma

ampliação da visão consciente sobre nossas necessidades e propósitos,

permitindo a revisão das motivações inconscientes que nos impelem a agir de

uma maneira ou de outra, abrindo novas possibilidades de criação e realização de

ideais.

O processo de Arteterapia facilita o contato com a percepção e órgãos

sensoriais, integrando a sabedoria intuitiva, os sentimentos inscritos na memória

corporal e psíquica e o nível racional adequado para a organização e

discernimento das escolhas, prioridades e idéias. O processo arteterapêutico

proporcionando o reconhecimento e exploração do universo interno e como se dá

sua a relação com o mundo através da consciência, nos proporciona a

possibilidade de encontrar novas respostas emocionais alcançando maior

flexibilidade na troca com o outro gerando maiores chances de resolver situações

pendentes e a partir disto modificar positivamente o rumo destas relações.

Quando se pensa no idoso, no entanto sempre ocorre o questionamento de

se valeria à pena o investimento terapêutico.O senso comum diz que aquele não

mudará mais: “Com esta idade alguém ainda pode se modificar?” É a pergunta

mais freqüente. Esta resposta poderá ser encontrada através da Arte.

3.2- Arteterapia e o idoso institucionalizado

Page 31: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

31

Diz-se que o idoso não muda. Seu desejo é o cotidiano.No entanto, talvez

não seja bem assim. As próprias mudanças que paulatinamente se instalam

decorrentes do processo de envelhecimento serão ao mesmo tempo sinais que

poderão servir como limitadores ou alertas da vida que nos tiram do automatismo

do cotidiano porque este, na terceira idade será apenas uma afirmação de

ausência de propósito, de repetição que sempre lhes é atribuída. “O velho não

serve para nada, só deseja dormir”, este é o senso comum, e este pensamento se

estende por toda a sociedade moldando a maneira de lidarmos com estes

indivíduos.

Hoje estudos comprovam que o cotidiano que nunca se altera nas

instituições que acolhem idosos se torna um elemento de grande contribuição nos

processos depressivos e degenerativos em geral. Segundo Gallo (1999) devido à

plasticidade do cérebro o processo de envelhecimento se acelerará ou não em

decorrência do bom ou mau uso das suas funções, desta maneira a ausência de

estímulos gerará com certeza adoecimento precoce no idoso.

Segundo afirmou em entrevista ao Correio do Nordeste, Zilma Cavalcante,

diretora da Universidade Sem Fronteiras de Fortaleza no Ceará e doutora em

Gerontologia: “A arte aguça os sentidos, melhora a concentração, a memória, a

coordenação motora e trabalha os dois lados do cérebro - o racional e o emocional

- deixando-os em equilíbrio”.Assim, segundo a gerontóloga:

“As atividades criativas combatem o tédio, as dores nas

costas e, naquele exato momento, fazem com que as

pessoas mergulhem num tempo e espaço próprios, onde

não há problemas para pensar e nem questões a resolver.

Um tempo isento de dores e sofrimento, o que é

extremamente terapêutico, porque o cérebro relaxa” (2001).

Page 32: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

32

Na Arteterapia são realizadas atividades relacionadas aos sentidos que se

refletem no prazer de viver, de sair da rotina e colorir a vida. Portanto promovem a

retirada dos idosos institucionalizados da condição passiva a qual a instituição os

submete trazendo-os para o momento presente e fazendo-os perceber seu valor

enquanto ainda capazes de realização.

Os idosos que diante da impossibilidade de fazerem aqui e agora tendem a

se prender apenas as suas memórias, ao que foram capazes de realizar no

passado. Assim, através da chance oferecida pelo fazer da Arte, passam de

expectadores da vida a criadores atuantes, retomando o conhecimento de sua

capacidade de transformá-la e transformar–se.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia -

Seção Ceará (SBGG), João Macedo Coelho Filho, quando se fala também no

aspecto da saúde física só a estratégia clínica é muito limitada e a Arteterapia

pode ser tão ou mais importante que qualquer tratamento convencional, com uso

de medicamentos.Segundo ele:

“A arte não é só um produto estético, ela ajuda a preservar ou reabilitar uma

função física e emocional, sendo também uma estratégia para a promoção do

bem-estar. A arte ajuda a reabilitar as funções físicas e emocionais”.

Através da arte, segundo a experiência do especialista, pode-se combater a

depressão e o distúrbio do sono, decorrentes da monotonia; preserva-se a

memória, sendo recomendada inclusive para quem tem Doença de Alzheimer;

além de ser importante para manter a mobilidade. Através dos estímulos trazidos

pelos sons, toques, movimentos, cores, pela criação, “contação” e dramatização

de histórias, são matérias-primas das diferentes artes que aqui serão capazes de

despertar novos sentidos para a vida destes idosos.

Page 33: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

33

Ocorre uma renovação interna significativa assim descrita pela gerontóloga

Deolinda Fabietti em seu livro Arteterapia e envelhecimento:

“São encontros com a sombra, com momentos da vida nem

sempre fáceis de serem encarados. Encontros que

promovem a mudança, que aceitam a morte daquilo que não

tem mais sentido, que incomoda. Encontros com a morte

Criativa e libertadora, com o si mesmo de cada ser”.(2004,

p.87)

Será a partir destes momentos importantes que estes idosos encontrarão

novas possibilidades até então desconhecidas para respostas emocionais em

suas vidas.Diante da monotonia da repetição do cotidiano, surpreenderão a si

mesmos descobrindo que ainda podem contar como indivíduos que são capazes

de produzir alguma coisa e aquilo que produzem pode estabelecer com eles um

diálogo que os permite entender melhor a si mesmos.

No trabalho criativo da Arteterapia, surgirão a cada dia saídas criativas que

permitirão um diálogo mais verdadeiro consigo mesmo, e com o que está por vir

ainda em suas vidas.

3.3 – O reencontro de si mesmo através da arte

Como extensão deste trabalho teórico procedeu-se uma observação

investigativa na intenção de confirmar a validade da intervenção em Arteterapia

junto a pacientes idosos internos em instituições asilares. A observação foi

efetuada junto aos pacientes do Abrigo Cristo Redentor em São Gonçalo, em cujo

atelier, situado no Pavilhão Maria Cristina de Azevedo Abicalil, ocorreram no

período de três meses, doze encontros de cinco horas de duração. A oficina

Page 34: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

34

oferecida a seis idosos se iniciou a principio através de trabalho de “catequização”

quando foi necessário ir de idoso em idoso convidando-os para conhecer o atelier.

Dentre os seis pacientes três eram depressivos, dois apresentavam perda parcial

de memória, e um apresentava, segundo informações constantes, diagnóstico de

esquizofrenia.

No decorrer de alguns dias alguns dos internos deste grupo resolveram ir

até o atelier primeiramente a titulo de visitação. Entraram todos eles trazidos pela

curiosidade, alguns observando com olhar de admiração e outros com olhar de

desconfiança, mas todos vasculhando com cuidado tentado entender o que se

passaria ali.

Pacientemente voluntários e funcionários, com carinho e atenção iam

gradativamente convencendo os idosos que passaram a ser estimulados a

explorar os materiais ali oferecidos tais como lápis de cor, giz de cera, guache,

argila, tecidos, materiais para bordado, tricô, crochê, fuxico. Os internos foram

estimulados a produzirem “artes” através de pintura, desenho, colagem, escultura,

poesia, música.

Após quatro encontros foi solicitado que intervíssemos junto ao paciente

com diagnóstico de esquizofrenia que apresentava grande agitação e logorréia.

Paciente difícil, sempre esquivo desde a sua chegada ao abrigo, quando então,

não se comunicava e caso houvesse insistência se retirava aos seus aposentos.

Durante dois encontros a intervenção foi focalizada sobre o paciente

apresentando-lhe os materiais na intenção de que este pudesse escolher algum

com o qual se identificasse. Foi exposto à sua frente o material necessário e,

tintas guaches de todas as cores. Por fim o paciente demonstrou desejo de tentar

algum trabalho com tinta. Porém, ao mesmo tempo, relutou em iniciar a pintura,

alegando que não sabia fazer o desenho para a pintura. Foi-lhe pedido que

Page 35: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

35

pintasse o que quisesse, mas continuou relutando. Com muita calma e através de

diálogo, conseguimos que ele revelasse que adoraria pintar alguma coisa que

estivesse no mar, e completou: “Mas não no fundo do mar.” Na intenção de

incentivá-lo, esboçamos o desenho de um navio e vimos que sorriu aprovando.

Foi feita a pintura e, logo após, veio completo silêncio de sua parte, apenas

observando sua obra com semblante triste e pensativo. Seu momento foi

respeitado e após um tempo algumas perguntas foram feitas em relação à

elaboração do navio. Veio então a história de sua infância junto a sua mãe que

segundo o paciente era rígida em termos de uma educação cheia de proibições

como as de não andar nunca sem camisa e não se aproximar de meninas. O

paciente então começou a comentar sua tristeza por não poder beijar na boca e o

fato de ainda ser virgem.

Durante o período em que passou a pintar notamos relevante melhora em

seu estado. Embora nunca tenha sido agressivo, diminuiu seu estado de agitação.

Passou a se expressar com mais fluência e coerência, apresentando uma melhora

no humor, passa a estar sempre sorridente, e a demonstrar solidariedade com os

colegas passando a aceitar um pouco o seu afastamento de junto de sua família.

A partir de sua convivência no atelier mostrou ser uma pessoa extremamente

educada, atenciosa e ampliou seus momentos de estabilidade. Passa a fazer todo

tipo de arte demonstrando muito capricho e passando a falar de si após a

elaboração de trabalhos plásticos.

Demonstrando sempre predileção pela tinta sobre tela, pintava navios,

aves, céus, sóis, enfim tudo que, de acordo com suas palavras “estivesse acima

do mar”. O mesmo paciente quando faz uso de materiais mais secos,

desenhando, apresenta a temática de rostos distorcidos de mulher e usa cores

mais escuras e fortes.

Page 36: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

36

Ao final deste período de três meses, em todos os pacientes percebemos

uma melhora considerável em sua inter-relação. Os pacientes depressivos

passaram a se comunicar com funcionários e colegas de atelier, passando a

freqüentar o mesmo espontaneamente, todos os dias. Observamos o grande

interesse em um dos pacientes depressivos do sexo masculino em fazer desenhos

circulares como mandalas em cores fortes e os outros dois, do sexo feminino em

trabalhos ligados ao feminino em figuras cheias de detalhes nas roupas e

trabalhos com tecido.

Dos pacientes que apresentavam perda parcial de memória,

gradativamente através do estímulo dos trabalhos do atelier passaram a

demonstrar lembrar-se de algumas fases significantes de suas vidas. Um dos

pacientes, do sexo masculino, apresentava predileção por fazer desenhos e

colagem, sempre pondo em evidência a figura de bichos. Falava muito de sua

infância quando perguntado sobre sua obra.

A outra paciente do sexo feminino optava sempre por fazer desenhos de

flores com cores claras e suaves. Passa a apresentar uma maior conexão com o

mundo a sua volta e passa a falar de sua vida de casada e de seu filho com o qual

havia perdido a convivência.

Os pacientes recém chegados passaram a ser encaminhados ao atelier já

num trabalho preventivo e ali passaram a maior parte do seu dia. Após a

freqüência ao atelier observou-se também que acontece uma ressocialização

destes idosos que passam a cuidar uns dos outros, ajudando-se mutuamente em

suas deficiências em suas atividades no atelier e na vida em comum no abrigo.

Page 37: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

37

CONCLUSÃO

Podemos concluir a partir desta observação, portanto, que o trabalho de

intervenção arteterapêutico surte resultados consideráveis se levarmos em conta

que o trabalho se deu em apenas três meses nos quais percebemos uma

evolução importante nos quadros dos idosos internos. Houve melhora nas inter-

relações, na sintomatologia depressiva e do quadro de introversão e desinteresse

no mundo externo. Assim como, nos pacientes com perda de memória, percebeu-

se que estes também gradativamente apresentaram recuperação. A disposição

física teve seu acréscimo como um todo assim como o humor em todos os

pacientes que freqüentaram o atelier.

As intervenções com Arte procederam a um retorno as atividades cotidianas

em pacientes que teriam pouco ou nenhum desejo de manter este contato com a

vida levando-se em conta a situação asilar na qual se encontram, em abandono

no final de suas vidas.

É muito importante observar como a Arteterapia nestes casos pode

propiciar um momento de reflexão e em alguns casos de “expurgo”, ajudando aos

idosos a se colocarem em relação a seus medos, seus sentimentos de rejeição e

as memórias difíceis das suas histórias pessoais Ao mesmo tempo, o recobrar

das memórias agradáveis e o retorno da comunicação com os outros internos gera

um sentimento de identidade e solidariedade muito importante, e cada um passa a

apoiar seu companheiro de internação.

O trabalho no atelier arteterapêutico possibilitou que os internos pudessem

depurar suas emoções facilitando com que pudessem passar a poder viver de

uma maneira mais leve este resto de suas vidas apesar da dura condição na qual

se encontram.

Page 38: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

38

BIBLIOGRAFIA

AJURIAGUERRA, J. de et alli – Psicopatologia da terceira idade, Lisboa,

Departamento Científico dos Laboratórios Vitória, 1973- cópia xerográfica.

ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família, 2ª ed. Rio de Janeiro:

Guanabara, 1973.

BALLONE, G J. Alterações Emocionais no Envelhecimento, in. PsiqWeb,

Psiquiatria Geral, Internet, disponível em

http://gballone.sites.uol.com.br/geriat/andropausa.html revisto em 2002.

BALLONE, G.J. Depressão no Idoso - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral, Internet,

disponível em http://www.psiqweb.med.br/geriat/depidoso.html revisto em 2002 .

CARVALHO, V. F. C., FERNANDEZ, M. E. D. Depressão no idoso. In: PAPALÉO-

NETTO M. (Ed.).Gerontologia. São Paulo, Rio de Janeiro: Ed. Atheneu, p. 160-

173,1996.

CAVALCANTI,Z. e COELHO FILHO, J. M. Entrevista concedida sobre a

Universidade Sem Fronteiras e a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia

(Regional Ceará): disponível em

http:// diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=256787 publicado em

2001.

CORRÊA, A. C. O. Depressão e suicídio no idoso: uma crucial questão em

psicogeriatria. J. Bras. Psiquiatra., Rio de Janeiro, v. 45, n. 3, p.149-157, 1996.

Page 39: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

39

CORRÊA, A. C. O. Depressão e poliqueixas no idoso. J.Bras. Psiquiatra., Rio de

Janeiro, n. 46, p.13-16, 1997.

DEBERT, G.G. A reinvenção da velhice. 1ª ed., São Paulo: EDUSP, 1999, p.266.

FABIETTI, D.M.C. Arteterapia e envelhecimento, São Paulo: Casa do Psicólogo,

2004.

GALLO, J.J. et al. Assistência ao Idoso: Aspectos Clínicos do Envelhecimento. 5°.

Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S. A., 1999.

GUARESCHI P.A. Pressupostos Psicossociais da Exclusão: Competitividade e

Culpabilização. In: Sawaia B., organizadora, As Artimanhas da Exclusão,

Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1999, p. 141-56.

HOFFMAN, M.E. Bases Biológicas do Envelhecimento - Crescer, reproduzir e

envelhecer: isto é a vida. Disponível em

http://www.techway.com.br/techway/revista idoso/saude/saude_edu.htm

HOLLIS, J. (1985). A passagem do meio: da miséria ao significado da meia-idade.

São Paulo, SP: Paulus.

JUNG, C. G. (1930). As etapas da vida humana. Em Jung, C. G. A natureza da

psique. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, v. VIII/2, p. 335-353, 1991.

JUNG, C. G. (1934). Individuação. Em Jung, C. G. O eu e o inconsciente. 5. ed.

Petrópolis, RJ: Vozes, v. VII/2, p. 49-115, 1985.

Page 40: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

40

KERNBERG, O.F. Mundo interior e Realidade exterior. Rio de Janeiro, Imago

Editora, 1989.

MAGALHÃES, D. N. A invenção social da Velhice. Rio de Janeiro: Papagaio,

1987.

NÉRI, A. L. Qualidade de Vida na Idade Madura. 2° Ed. Campinas: Papirus, 1999;

284p.

QUEIROZ, Z.P.V. Participação Popular na velhice: possibilidade real ou mera

utopia? Revista O mundo da Saúde, ano 23, v.23, nº 4, p.204 – 213, jul/ago. 1999.

STAUDE, John-Raphael. O desenvolvimento adulto de C.G.Jung, São Paulo,

Editora Cultrix, 1988.

SANT’ANNA, M. J. UnATI: A Velhice que se aprende na escola, um perfil de seus

usuários. In VERAS, R. (org.). Terceira idade: um envelhecimento digno para o

cidadão do futuro. Rio de Janeiro: Relume-Dumará – UERJ - UnATI, p. 75-102,

1995.

VERAS, R.P. País jovem de cabelos brancos: A saúde do idoso no Brasil, Rio de

Janeiro, Relume-Dumará,1994.

VERAS, R. P. e CAMARGO Jr., K. Idosos e universidade: parceria para qualidade

de vida. In. Veras, R. (org.) Terceira idade: um envelhecimento digno para o

cidadão do futuro. Rio de Janeiro: Relume-Dumará - UnATI - UERJ 1995, p. 11-27

Page 41: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

41

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO ...................................................................................................... 2

AGRADECIMENTO ...................................................................................................... 3

DEDICATÓRIA .............................................................................................................. 4

RESUMO........................................................................................................................ 5

METODOLOGIA............................................................................................................ 6

SUMÁRIO....................................................................................................................... 7

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 8

CAPÍTULO I

A TRANSIÇÃO DA MEIA IDADE PARA A TERCEIRA IDADE...........................10

1.1 – O ciclo da vida ..........................................................................................11

1.2 – O surgimento da meia idade .................................................................. 13

1.3 – Os elementos do inconsciente ...............................................................14

CAPÍTULO II

O IDOSO E SEUS DESTINOS.................................................................................17

2.1 – O processo de envelhecimento .............................................................17

2.2 – O novo olhar acerca do idoso ................................................................21

2.3 – O idoso institucionalizado ....................................................................... 24

CAPÍTULO III

A ARTETERAPIA COMO AUXÍLIO À ADAPTAÇÃO A UMA NOVA VIDA ....... 28

Page 42: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

42

3.1 – O que é a Arteterapia ..............................................................................29

3.2 – Arteterapia e o idoso institucionalizado ................................................30

3.3 – O reencontro de si através da arte........................................................33

CONCLUSÃO ..............................................................................................................37

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 38

ÍNDICE..........................................................................................................................41

FOLHA DE AVALIAÇÃO............................................................................................43

Page 43: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 1.2 - O surgimento da meia idade A literatura científica registra que as bases para uma psicologia do desenvolvimento adulto foram

43

FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Pós–graduação “Lato Sensu”

Título da Monografia: A Casa de Idosos: O significado da Arteterapia na 3 ª Idade

Autora: Legilcia de Oliveira Quadros

Data de entrega: ____ de julho de 2005.

Avaliado por: ________________________________ Conceito: ____________

Niterói, ______ de _______________________ de 2005.

__________________________________________________________

Coordenação de pós-graduação