do neoclassicismo ao pré-romantismo

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7 – Do Neoclassicismo ao Pré- Romantismo 7.1 - O contexto cultural do Portugal do séc. XVIII As transformações mentais e técnicas , e consequentemente económicas e sociais , do séc. XVIII iriam também fazer com que alguma "luz" iluminasse o espaço português. Reatara-se desde a Restauração, e mais ainda após a época de D. João V, o contacto com o exterior através da mediação dos estrangeirados, ou seja, portugueses que, emigrados por razões muitas vezes ideológicas (a Inquisição estava em Portugal desde o reinado de D. João III, e não acalmara o seu zelo), vão, no entanto, comentando a realidade nacional. Com D. José, ou melhor com o Marquês de Pombal, alguns desses portugueses são mesmo convidados a participar nas vastas reformas que o ministro se propôs realizar em todos os campos, nomeadamente no do ensino (Ribeiro Sanchez, Luís António Verney ). Reformou-se pois profundamente, dentro de uma política, também aqui, despótica e iluminada, o ensino. Esta reacção em relação ao passado no campo da prática educacional tem também paralelo nas letras. Um grupo de jovens poetas lisboetas, liderados por Correia Garção, propõe-se erradicar da literatura nacional os excessos

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Literatura Portuguesa

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7 Do Neoclassicismo ao Pr-Romantismo

7.1 - O contexto cultural do Portugal do sc. XVIIIAstransformaes mentaisetcnicas, e consequentementeeconmicasesociais, do sc. XVIII iriam tambm fazer com que alguma "luz" iluminasse o espao portugus.

Reatara-se desde a Restaurao, e mais ainda aps a poca deD. Joo V, o contacto com o exterior atravs da mediao dosestrangeirados, ou seja, portugueses que, emigrados por razes muitas vezes ideolgicas (a Inquisio estava em Portugal desde o reinado de D. Joo III, e no acalmara o seu zelo), vo, no entanto, comentando a realidade nacional. ComD. Jos, ou melhor com o Marqus de Pombal, alguns desses portugueses so mesmo convidados a participar nas vastas reformas que o ministro se props realizar em todos os campos, nomeadamente no do ensino (Ribeiro Sanchez,LusAntnio Verney).

Reformou-se pois profundamente, dentro de uma poltica, tambm aqui, desptica e iluminada, o ensino. Esta reaco em relao ao passado no campo da prtica educacional tem tambm paralelo nas letras. Um grupo de jovens poetas lisboetas, liderados por CorreiaGaro, prope-se erradicar da literatura nacional os excessos barrocos do gongorismopeninsular to cultivado desde o sc. XVII e queesvaziava a poesia de contedo. O seu grupo,Arcdia Lusitana,evoca, pelo nome e pelos modelos tomados,o esprito da Antiguidade Clssica, da suasobriedade e pureza formale da suariquezatemtica.

Os poetas, que esto, na maioria dos casos, ligados ao poder por cargos no funcionalismo, e sociedade pela extraco burguesa, cultivam muitas vezes, dentro das formas classicizantes, o gosto da crnica de costumes da sociedade da capital ou das cidades de provncia.

Este novo panorama literrio revela-nos efectivamente "tempos novos". Surgem escritores de uma nova camada sociale tambm um novo pblico, lentamente formado e educado nas publicaes literrias ou cientficas, nas tradues de autores franceses e ingleses, veiculando novas ideias estticas, cientficas e polticas.

7.2 O neoclassicismoMovimento literrio, derivado do esprito crtico doIluminismo, que visa reabilitao e restaurao dos gneros, das formas, "das tcnicas e da expresso clssicas", que vingaram em Portugal no sc. XVI. Esta renovao faz-se acompanhar duma severa disciplina esttica e dum purismo extremo, que procura libertar a lngua de termos estranhos, restituindo-lhe uma sobriedade castia e o rigor do sentido.ONeoclassicismoprope um retorno simplicidade e perfeio do primeiro Classicismoe a condenao doBarroco. A rima como mero artifcio sonoro deve ser abolida e a mitologia suavemente usada. A grande mestra a Natureza, que deve ser imitada como o fizeram os Antigos. Apoesiatem um elevadopapel didctico, contribuindo para a transformao das mentalidades. Tudo deve ser orientado peloscritrios da razo e da verdade.AsArcdias- aLusitana, aPortuensee aNova Arcdia- tiveram um papel relevante na exposio e divulgao desses ideais. Contudo, o grande nmero de normas impostas aos escritores limitou em muito a sua criatividade e imaginao.AArcdia Lusitana, fundada em Maro de 1756, umaassembleia de escritores portugueses do sc. XVIII, que tomam o nome de velhos pastores da Grcia, querendo significar com isso que desejam regressar ao viver cho da Natureza e eu esto dispostos a levar a arte literria a uma correspondente simplicidade de expresso. O seu emblema era um lrio branco e usava como divisa a frase latina "inutilia truncat" -corta o intil.Os autores mais representativos da Arcdia Lusitana (1759 1776) foram Cruz e Silva (Elpino Nonacriense), Manuel Nicolau Esteves Negro (Elmano Sincero), Reis Quita (Alcino Misnio) e Correia Garo.

Extinta esta em 1776, aparece em 1790 a Nova Arcdia, onde avultam nomes como Bocage (Elmano Sadino), Curvo Semedo, Jos Agostinho de Macedo (Elmiro Tagideu), Nicolau Tolentino, Francisco Manuel do Nascimento (Filinto Elsio) e a marquesa de Alorna (Alcipe).

Refira-se que os nomes que esto em itlico entre parnteses (por exemplo Elmano Sadino) so os nomes rcades que os poetas adoptaram, ou seja, uma espcie de pseudnimo artstico pelo qual eram reconhecidos dentro do grupo. Eram nomes escolhidos com o objectivo de terem um sabor a pastor da poca clssica, confirmando a comunho com o mundo natural que esta corrente preconizava. Como se pode verificar nem todos os poetas adoptaram nomes rcades. Ressalve-se ainda o caso de Francisco Manuel do Nascimento, que ficou mais conhecido pelo nome de Filinto Elsio, que lhe foi dado pela marquesa de Alorna, sendo talvez o nico de todos os rcades cujos nome arcdico ficou mais conhecido do que o seu nome de facto. Osprincpios estticos do arcadismopodem resumir-se em: Condenao absoluta do cultismo e do conceptismo;

Aceitao do conceito aristotlico da Arte (a Arte imitao da Natureza);

Sentido de equilbrio e proporo na obra literria;

Exposio simples e natural dos assuntos, evitando perfrases e chamando as coisas pelos seu nome;

Necessidade de imitao dos antigos, mas s no que tm de bom;

Condenao da rima;

Aceitao da crtica construtiva como se fora um conselho amigo. A crtica era instituio oficial da Arcdia;

Reconhecimento da funo moderadora da poesia. revalorizao dos ideais clssicos: o equilbrio, o bom senso, a apologia da experincia; referncia ao despotismo esclarecido, aoiluminismoe aosestrangeirados; predominncia dosmotivos e temas clssicos: olocus amoenus, o ideal daaureamediocritas, ocarpe diem, referncias mitolgicas (recordar elementos do ponto 5, so os mesmos); uso exclusivo de formas poticas clssicas: soneto, odes, epigramas, epstolas, cantatas, canes, elegias, stiras; reaco contra os excessos ideolgico-formais do Barroco(Sc. XVII) atravs da criao dasacademias; papel preponderante dos sales literrios e dos cafs na animao cultural do pas e na transmisso de uma nova sensibilidade que se adivinha: oPr-Romantismo(Segundametade do sculo XVIII); poca degrandes mudanas a nvel mundial( independncia dos EUA em 1776 e Revoluo Francesa em 1789); valorizao da liberdade, quer a nvel social, quer esttico e individual.7.3 Anlise de um poema neoclssico

Olha, Marlia, as flautas dos pastoresQue bem que soam, como esto cadentes!Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, no sentesOs Zfiros brincar por entre as flores?V como ali beijando-se os AmoresIncitam nossos sculos ardentes!Ei-las de planta em planta as inocentes,As vagas borboletas de mil cores.Naquele arbusto o rouxinol suspira,Ora nas folhas a abelhinha pra,Ora nos ares sussurrando gira.Que alegre campo! Que manh to clara!Mas ah! Tudo o que vs, se eu no te vira,Mais tristeza que a noite me causara.Este um dos sonetos mais famosos de Bocage, no qual assume a posio de rcade e de neoclssico. A natureza serve de cenrio para o poema, como se pode facilmente verificar desde o seu incio (Olha, Marlia, as flautas dos pastores (...)Olha, no sentes /Os Zfiros brincar por entre as flores?), num tom que o percorre at ao seu final. O sujeito potico encontra-se em estado de jbilo pelo facto de amar Marlia, a destinatria do poema, e deseja aproveitar a manh to clara para sculos ardentes. O poema tem ainda um tom preponderantemente ornamental, valendo-se de recursos formais desde logo no facto de se tratar de um soneto - para criar a beleza e exacerbar a descrio do campo.

O sujeito potico exclama que tudo o que natureza tem de encantador no o seria tanto se no fosse a presena de Marlia, como se pode facilmente intuir pelo segundo terceto:

Que alegre campo! Que manh to clara!Mas ah! Tudo o que vs, se eu no te vira,Mais tristeza que a noite me causara.A flauta, que faz uma aluso a P, deus dos pastores que se dedicavam poesia na Arcdia, regio mitolgica da Grcia que origina o nome Arcadismo. A flauta est presente para harmonizar ainda mais o ambiente. A pureza que existe na natureza est ainda presente nas borboletas: Ei-las de planta em planta as inocentes,/ As vagas borboletas de mil cores.Mas apesar de toda a luz que o poema irradia, h lugar para a tristeza no caso de Marlia no aparecer para, juntos, desfrutarem do ambiente natural que o poema evoca. 7.3 O Pr-RomantismoD-se este nome, na Literatura Portuguesa, aoconjunto de manifestaes duma sensibilidade e dum gosto romnticos antes de 1825, data que se toma convencionalmente para marcar o incio do Romantismo em Portugal.Podemos definir oPr-Romantismopelas seguintes caractersticas: o signo infeliz do poeta, inclinado melancolia e ao desespero;

o comprazimento no isolamento e na paisagem ensombrada e lgubre;

a intuio do mistrio do universo leva o poeta a confiar em agouros e pressentimentos que vo aumentar a inquietao;

a vivncia pelos afectos, pelas emoes, pelos sentidos;

o amor total ou sensual;

a poesia como expresso do tumulto interior, torna-se expansiva e confidencial e tende a confundir-se com a vida;

a procura de uma linguagem nova, impressionante e excessiva, capaz de traduzir o fluxo subjectivo ( por vezes uma espontaneidade emocional, por vezes uma declamao espectacular);

a reaco contra o racionalismo iluminstico;

a expresso da nostalgia do maravilhoso ou do pitoresco folclrico (lendas, contos de fadas, velhos usos e tradies ).O mais conhecido cultor da esttica pr-Romntica em Portugal foi um poeta que fora da Nova Arcdia: Bocage. 7.4 Anlise de um poema do Pr-Romantismo

Importuna Razo, no me persigas;Cesse a rspida voz que em vo murmura;Se a lei de Amor, se a fora da ternuraNem domas, nem contrastas, nem mitigas;

Se acusas os mortais, e os no abrigas,Se (conhecendo o mal) no ds a cura,Deixa-me apreciar minha loucura,Importuna Razo, no me persigas.

teu fim, teu projecto encher de pejoEsta alma, frgil vtima daquelaQue, injusta e vria, noutros laos vejo.

Queres que fuja de Marlia bela,Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo carpir, delirar, morrer por ela.Estamos perante um soneto do mesmo autor Bocage mas este, como fcil de verificar, tem um tom completamente diferente.

Percebemos a existncia de uma luta do sujeito potico contra o poder opressor do racionalismo logo no primeiro verso:

Importuna Razo, no me persigas;Reflectindo assim a presso da influncia racional que superior emoo e vontade, como preconizado pela esttica rcade, contra a qual a voz potica parece insurgir-se.

O amor visto no poema como realidade oposta ao racionalismo, mais ligado ao lado emotivo, sensorial e mesmo louco. Mas intuimos na voz deste sujeito potico que ele prefere o acaso dos amores, e logo a libertao das amarras do racionalismo. Estas amarras so o alvo de repdio ao longo de todo o poema. Quando referido que Se (conhecendo o mal) no ds a cura, note-se que est entre parnteses uma das bases concretas do racionalismo, que conhecer. Assim, o poeta coloca o processo racional em causa, ao afirmar que conhecer o mal no encontrar a soluo, no a cura de nada. Ento Bocage prossegue dizendo que prefere a loucura: Deixa-me apreciar minha loucura. Todas estas marcas nada tm de pendor neoclssico, antes emprega marcas j prprias do Romantismo. Assim, consideramo-lo um texto Pr-Romntico.