do biopoder ao ecopoder um olhar sobre o consumo verde através

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V Encontro Nacional da Anppas 4 a 7 de outubro de 2010 Florianópolis - SC – Brasil ______________________________________________________________________________ Do Biopoder ao Ecopoder: Um Olhar Sobre o Consumo Verde Através dos Conceitos de Rizoma e Sociedade de Controle Fred Tavares Pós-Doutor em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social/ UFRJ Professor da UFRJ/FACHA/UCB [email protected] Marta Irving Pós-Doutora em Ciências Sociais/ EHESS Professora da UFRJ Resumo A sociedade contemporânea vem apresentando mudanças em seus hábitos e estilos de consumo nos últimos anos, influenciada pelo paradigma da sustentabilidade ambiental (PORTILHO, 2003; ACSELRAD, 1999). Neste contexto, a discussão desse novo paradigma envolve uma complexa rede de atores sociais constituída por Empresas, Mídia, ONGs, Poder Público e sociedade civil, numa nova configuração. Essa “rede” se configura por meio de um rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995), através do qual todos se influenciam, por meio de agenciamentos mútuos, para desenvolvimento, criação, controle e produção do olhar de um “consumo verde”. Dessa forma, a natureza está sendo conduzida à condição de consumo, através do regime de Biopoder (HARDT & NEGRI, 2001)? Segundo Deleuze (1992), e Hardt e Negri (2001), vive-se, na contemporaneidade, em uma Sociedade de Controle, na qual a rede de atores sociais tem papel preponderante de vigilância e denúncia de ações contra a natureza, assim como de produção de consumo no mercado global.

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Consumo Verde

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  • V Encontro Nacional da Anppas4 a 7 de outubro de 2010Florianpolis - SC Brasil______________________________________________________________________________

    Do Biopoder ao Ecopoder: Um Olhar Sobre o Consumo Verde Atravs dos Conceitos de Rizoma e Sociedade de Controle

    Fred Tavares

    Ps-Doutor em Psicossociologia de Comunidades e

    Ecologia Social/ UFRJ

    Professor da UFRJ/FACHA/UCB

    [email protected]

    Marta Irving

    Ps-Doutora em Cincias Sociais/ EHESS

    Professora da UFRJ

    Resumo

    A sociedade contempornea vem apresentando mudanas em seus hbitos e estilos de consumo

    nos ltimos anos, influenciada pelo paradigma da sustentabilidade ambiental (PORTILHO, 2003;

    ACSELRAD, 1999). Neste contexto, a discusso desse novo paradigma envolve uma complexa

    rede de atores sociais constituda por Empresas, Mdia, ONGs, Poder Pblico e sociedade civil,

    numa nova configurao.

    Essa rede se configura por meio de um rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995), atravs do qual

    todos se influenciam, por meio de agenciamentos mtuos, para desenvolvimento, criao, controle

    e produo do olhar de um consumo verde. Dessa forma, a natureza est sendo conduzida

    condio de consumo, atravs do regime de Biopoder (HARDT & NEGRI, 2001)?

    Segundo Deleuze (1992), e Hardt e Negri (2001), vive-se, na contemporaneidade, em uma

    Sociedade de Controle, na qual a rede de atores sociais tem papel preponderante de vigilncia e

    denncia de aes contra a natureza, assim como de produo de consumo no mercado global.

  • V Encontro Nacional da Anppas4 a 7 de outubro de 2010Florianpolis - SC Brasil______________________________________________________________________________

    Dessa forma, todos se controlam, como linhas de um rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995) que

    se atravessam (e se influenciam), continuamente.

    No ambiente rizomtico da Sociedade de Controle, o consumo de produtos com apelos ecolgicos

    (consumo verde) se configura em um novo olhar de produo: a da estratgia de um Ecopoder

    Nas tessituras desse Ecopoder, o consumo verde se desenvolve atravs do conceito de cultura capitalstica, como modo de semiotizao (GUATTARI & ROLNIK, 2000) do mercado na criao

    da imagem de marcas, produtos, servios e aes socioambientalmente responsveis.

  • A sociedade contempornea1 vem apresentando transformaes em seus hbitos e estilos de

    consumo nos ltimos anos, influenciada pelo paradigma da sustentabilidade ambiental (ALMEIDA,

    2002; GUIMARES, 1997; PORTILHO, 2003; LOUREIRO, 2003; HAWKEN et al, 2002;

    HOLLIDAY et al, 2002; ACSELRAD, 1999). Neste contexto, a discusso desse novo paradigma

    envolve uma complexa rede de atores sociais constituda por Empresas, Mdia, ONGs, Poder

    Pblico e sociedade civil, numa nova configurao.

    Essa rede se configura por meio de um rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995), atravs do qual

    todos se influenciam, por meio de agenciamentos mtuos, para desenvolvimento, criao, controle

    e produo do olhar de um consumo verde. Dessa forma, a natureza est sendo conduzida

    condio de consumo, atravs do regime de Biopoder (HARDT & NEGRI, 2001)? Nesse sentido, a

    natureza produzida como vida, e, tambm, capital, bem de consumo, ou seja, um novo

    produto de mercado, no cenrio da contemporaneidade, atravs de uma nova lgica de poder?

    No contexto dessa contemporaneidade, novas tendncias econmicas, sociais, polticas e

    culturais emergem; os paradigmas se transformam em toda amplitude do conhecimento e, a partir

    desse campo, o homem contemporneo individual e coletivamente comea a perceber os

    riscos dos modelos de desenvolvimento vigentes, bem como sua responsabilidade para o bem-

    estar das geraes futuras, incluindo, entre as suas preocupaes, a proteo da natureza,

    sobretudo no que se refere aos padres de consumo dos recursos naturais no-renovveis.

    Diante do cenrio da crise de recursos naturais no-renovveis e da insustentabilidade do

    consumo no planeta, a escassez desses recursos tm sido tratada como uma questo vital para

    a produo dos negcios e tem influenciado globalmente as discusses sobre os padres de

    consumo a serem adotados no futuro. Neste contexto, influindo, significativamente, a postura do

    setor privado, inclusive, em assumir o papel do Estado.

    No contexto do movimento neoliberal, opera a lgica de um Imprio2, no qual o poder corporativo

    desloca o poder do Estado-Nao, fazendo valer a ordem do mercado (HARDT; NEGRI, 2001),

    segundo as bases de um Capitalismo Mundial Integrado (GUATTARI, 1981, 1991; & ROLNIK,

    2000), onde no h um fora:

    O mercado capitalista uma mquina que sempre foi de encontro a qualquer diviso entre

    o dentro e o fora. (...) em sua forma ideal, no h um fora do mercado mundial: o planeta

    inteiro seu domnio. Poderamos utilizar a forma do mercado mundial como modelo para

    1 Neste artigo, trabalha-se somente com o consumo relacionado sociedade ocidental.2 O objeto fundamental que as relaes imperiais de poder interpretam a fora produtiva do sistema, o novo sistema econmico Biopoltico e institucional. A ordem imperial formada no apenas com base em sua capacidade de desenvolver-se mais profundamente, para renascer e se estender por todas as trelias da sociedade mundial(HARDT &NEGRI,2001).(...) No Imprio e seu regime de Biopoder, produo econmica e constituio poltica tendem, cada vez mais, a coincidir (Ibid, p. 60).

  • compreender a forma da soberania imperial em sua totalidade (HARDT in ALLIEZ, 2000, p.

    361).

    A participao dos atores sociais, atravs da lgica de um rizoma verde, vem sendo fundamental

    para o desenvolvimento do consumo verde no Brasil. Nesse contexto, Consumidores, Empresas,

    Mdia, ONGs e Governo vm se articulando, na produo de um poder verde, que circula dentro

    desse rizoma, onde a natureza produtilizada (PELBART, 2003). Dessa forma, a natureza vem

    sendo tratada como bem de consumo, segundo as premissas do mercado, por intermdio da

    lgica do Capitalismo Mundial Integrado.

    Essa a cultura capitalstica (GUATTARI, 1981; & ROLNIK, 2000), que parece transformar a

    natureza em capital (produto) e redomar tudo e todos, mesmo at aqueles que representam,

    institucionalmente, a resistncia (ONGs) lgica do capitalismo contemporneo, identificado

    como Capitalismo Mundial Integrado, no mbito da Modernidade Lquida, em que esse capitalismo

    global, leve e, igualmente, ambivalente (BAUMAN, 1998 e 2001), configurado segundo as

    tramas de um poder ambiental. No mago de uma nova ordem societal: a de uma Sociedade de

    Controle.

    Segundo Deleuze (1992), Hardt (in ALLIEZ, 2000) e Hardt e Negri (2001), vive-se, na

    contemporaneidade, em uma Sociedade de Controle3 ou mundial de controle, na qual a rede de

    atores sociais e a multiplicidade de suas conexes (CAPRA, 2002) tem papel preponderante

    de vigilncia e denncia de aes contra a natureza, assim como de produo de consumo no

    mercado global.

    Dessa forma, todos se controlam, como linhas de um rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995) que

    se atravessam (e se influenciam), continuamente.

    Nesse sentido, as relaes entre natureza e sociedade ganham novos contornos e dimenses.

    Mediada pela noo de sustentabilidade ecolgica (GUIMARES, 1997), a temtica ambiental

    vem se tornando uma questo estratgica de mercado e, ao mesmo tempo, foco de preocupao

    por parte de diferentes segmentos da sociedade.

    Os organismos no-governamentais, a mdia, o Poder Pblico e a sociedade civil, em geral, vm

    exigindo uma postura de maior compromisso ambiental das empresas, que, por sua vez,

    comeam a desenvolver projetos, programas, polticas e aes, por meio de diversas estratgias

    de gesto. Dessa forma, as corporaes comeam a refletir a questo da natureza, em seu

    processo de gesto, sobretudo pelos olhares da ecoeficincia, da imagem e do consumo e

    passam, no Brasil, a trabalhar dentro de uma nova realidade econmica e estratgica (PORTER;

    3 Teoria desenvolvida por Gilles Deleuze (1992), como uma transformao da Sociedade Disciplinar (FOUCAULT, 1987), e, tambm, pensada por Michael Hardt e Toni Negri (HARDT in ALLIEZ, 2000; HARDT & NEGRI, 2001).

  • VAN DER LINDE, 1995), atravs da mudana de mentalidade para um pensamento estratgico

    com responsabilidade sociambiental (HOLLIDAY et al 2002).

    Partindo dessa perspectiva, as empresas brasileiras comeam, tambm, a investir em produtos

    com apelos ecolgicos (produtos verdes), participando (juntamente com outros atores sociais) da

    criao e do desenvolvimento de um mercado verde no Brasil, principalmente, a partir da Rio-92.

    E atravs dessa rede de atores, integrando interesses econmicos, polticos, sociais e

    ambientais que o conceito de sustentabilidade se expressa e se consolida, tornando-se uma

    questo estratgica mundial para a sociedade contempornea e influenciando o seu

    comportamento de consumo.

    Flertando com Wolfgang Haug (1997), a partir da perspectiva da sustentabilidade, a natureza

    est sendo tratada, no Brasil, como mais uma mercadoria4, estetizada, sob a estratgia de

    uma bandeira verde para a produo contnua dos lucros e do domnio supranacional

    corporativo. A idia de mercantilizar a natureza reflete o sentido de uma natureza

    produtilizada (PELBART, 2003), um bem de consumo.

    Natureza industrializada, produtos ecolgicos e ecorrtulos so os novos aforismos ps-

    modernos que tutelam o verde como negcio (JHR, 1994) e a natureza como uma nova marca a

    ser consumida pela sociedade contempornea. Para Motta (2002), a ecologia tem appeal.

    Segundo o marketing, um Produto com alto valor agregado (OTTMAN, 1993). Carros,

    shampoos, camisas, perfumes, pneus, e tantos outros, vm agora com um novo diferencial: o ser

    ecologicamente correto. Que vem se tornando uma nova estratgia de marketing que est no

    foco das Empresas, e incentivando uma extensa rede de atores sociais, interessada no mercado:

    o mercado do consumo verde. Nesse novo mercado, como a sociedade, o poder e as relaes de

    consumo se configuram.

    Cartografando a sociedade de controle

    Para refletir sobre o conceito de Sociedade de Controle, de suma importncia que se parta de

    um olhar genealgico da formao da sociedade, com base na noo de Sociedade Disciplinar.

    Isto porque o termo Sociedade de Controle abordado por Gilles Deleuze (1992), para designar

    sociedade contempornea, um desdobramento do conceito de Sociedade Disciplinar5, descrita 4 Gonalves, em Os (des)caminhos do meio ambiente, arguto em suas palavras. Para ele, toda mercadoria , como tal, produzida no para o uso de quem a faz, mas sim para a troca. Para ele, o valor do uso simplesmente um veculo para o valor de troca. Tal fenmeno no natural, ao contrrio, foi institudo com a sociedade burguesa. No de estranhar, portanto, que o ecolgico fique subordinado ao econmico numa sociedade onde a generalizao das relaes mercantis a tnica (GONALVES, 2001, p. 113).

    5 A Sociedade Disciplinar representa um desdobramento da noo do pensamento iluminista e ontolgico, no qual os conceitos de verdade, razo, sujeito e totalidade integram o olhar do pensamento da modernidade, e inscrevem-se, no mesmo, atravs das abordagens de unidade, integralidade, estaticidade e fixadez. Estes valores metafsicos representam um modelo terico dialtico, que, entre outras questes, definem, tambm, as separaes entre natureza e cultura, homem e artifcio, humano e no-humano, por exemplo. Ou seja, a concepo de disciplina pressupe as idias de espacialidade, cuja lgica est baseada na diferena dos espaos, na diviso do dentro e do fora, na separao e domesticao dos corpos, nas idias do sujeito ao confinamento e ao espao fechado. O pensamento filosfico disciplinar implica em dispositivos que moldam o indivduo condio de massa. Isto , uma sociedade padronizada, panoptizada, maniquesta e massificada por aparelhos panptico-ideolgicos como o Estado, a famlia, o

  • por Michel Foucault (1987) como o modelo societal compreendido entre os sculos XVIII e XIX,

    atingindo o seu apogeu no sculo XX.

    Deleuze, em Conversaes, afirma que: So as sociedades de controle que esto substituindo as

    sociedades disciplinares. Controle o nome que Burroughs prope para designar o novo

    monstro, e que Foucault reconhece como nosso futuro prximo (DELEUZE, 1992, p.220).

    Esse monstro emerge em oposio disciplina, cuja lgica est baseada no confinamento, nos

    moldes, na idia de que o indivduo tem uma posio na massa, como um nmero, uma

    assinatura. A Sociedade Disciplinar retrata um ambiente no qual o mercado (...) conquistado

    ora por especializao, ora por colonizao, ora por reduo de custos de produo (DELEUZE,

    op.cit, p.223). Se na disciplina o capitalismo dirigido para a produo, no controle para o

    consumo.

    Michel Foucault (1987), em Vigiar e Punir: nascimento da priso, estuda a passagem da

    Sociedade de Soberania (em que o poder est na mo de um soberano e se funda na ameaa de

    morte e na punio exemplar) para a Sociedade Disciplinar, e a lgica do confinamento (como o

    presdio, a fbrica, a escola, entre outros), atravs do modelo panptico e centralizador do poder e

    da vigilncia de um sobre todos.

    Com a transio da disciplina para o controle, Deleuze (1992) destaca o fim das instituies de

    confinamento (disciplinar), e o aparecimento de novos dispositivos de controle, atravs da lgica

    de rede (rizoma) (DELEUZE; GUATTARI, 1995). No controle, a lgica do poder no regida

    panopticamente (FOUCAULT, 1987), mas sim de forma sinptica (BAUMAN, 1999), na qual todos

    vigiam todos, e os prprios indivduos passam a exercer uma autovigilncia permanente. Nesse

    novo tipo de poder virtual (HARDT & NEGRI, 2001), ainda mais introjetado e subliminar que a

    disciplina, o controle contnuo, simultneo e descentralizado.

    Para Hardt (in ALLIEZ, 2000) entender a Sociedade de Controle pens-la, a partir de um novo

    paradigma de poder: Biopoder. O poder , dessa forma, expresso como um controle que se

    estende pelas profundezas da conscincia e dos corpos da populao - e ao mesmo tempo -

    atravs das totalidades das relaes sociais (HARDT; NEGRI, 2001, pp.43-44).

    A lgica do Biopoder se constitui, segundo um Imprio, como a nova ordem mundial.

    Por um lado, segundo a tradio antiga, o Imprio o poder universal, a ordem mundial, que

    talvez se realize hoje pela primeira vez. Por outro, o imprio a forma da poder que tem por

    objetivo a natureza humana, portanto o bio-poder. O que gostaria de sugerir que a forma

    social tomado por esse Novo Imprio a Sociedade de Controle Mundial (HARDT in Alliez,

    2000, p.358).

    trabalho, a escola e, principalmente, a mdia (FOUCAULT, 1987).

  • Essa nova ordem mundial, reconhecida como Imprio (HARDT; NEGRI, 2001), constituda na

    esteira ondulante do capital, das instituies transnacionais e do mercado global. Nesse sentido,

    obliteram-se os espaos, no h mais o fora, e o consumo passa a regular as relaes sociais e

    a vida. Para Foucault (apud HARDT; NEGRI, 2001, p.43), A vida agora se tornou objeto de

    poder. Nesse caminho, Pelbart (2003) afirma que:

    nesse sentido que a vida tornou-se um objeto de poder, no s na medida em que o

    poder tenta se encarregar da vida na sua totalidade, penetrando-a de cabo a rabo e em

    todas as suas esferas, desde a sua dimenso cognitiva, psquica, fsica, biolgica, at a

    gentica, mas, sobretudo, quando esse procedimento reformado por cada um de seus

    membros. O que est em jogo nesse regime de poder, de qualquer modo, a produo e a

    reproduo da vida nela mesma (p.82).

    Esse Biopoder passa a ser uma funo integradora e vital que cada indivduo incorpora e reativa

    por sua prpria vontade. Os corpos domesticados, adestrados e teis da disciplina do lugar s

    almas consumistas, endividadas na Sociedade de Controle, ou como assinala Sibilia (2002, p.30),

    Do produtor-disciplinado ao consumidor-controlado.

    Na Sociedade de Controle, o mercado mundial opera segundo a lgica de um capitalismo

    desterritorializado, como descreve Hardt (in ALLIEZ, 2000):

    Com a Sociedade de Controle, chegamos finalmente a esse ponto, o ponto de chegada do

    capitalismo. Como o mercado mundial, ela uma forma que no tem fora, fronteira, ou ento

    possui limites fludos e mveis. Para retomar o ttulo de minha exposio, a Sociedade de

    Controle j , de modo imediato, uma Sociedade Mundial de Controle (p.372).

    No mbito da sociedade mundial de controle, segundo Hardt (in ALLIEZ, op.cit.), o consumo

    torna-se o dispositivo de controle social ps-moderno que as empresas transnacionais passam a

    adotar, atravs das marcas e de suas estratgias de produo de modo de ser, articulando e

    reproduzindo as novas ordens sociais. Reafirmando este olhar, Sibilia (2002) menciona que:

    Enquanto os cidados do mundo globalizado vo incorporando o papel de consumidores, a

    lgica da empresa passa a permear a totalidade do corpo social, impondo o seu modelo a

    todas as instituies. Antigamente tal funo cabia priso, que operava como modelo

  • analgico de fbrica e das demais instituies de confinamento. Na passagem para a era

    ps-industrial, portanto, observa-se uma transio do produtor disciplinado (o sujeito das

    fbricas) para o consumidor controlado (o sujeito das empresas) (p.36).

    A noo de Sociedade de Controle implode a idia de massa-indivduo para a concepo da

    dividualidade, ou seja, os indivduos tornam-se divisveis e, e as massas tornam-se amostras,

    dados, informaes, produtos e at mercados.

    Sendo assim, na Sociedade de Controle (e no capitalismo do controle) no se responde mais s

    demandas dos indivduos, mas, sim, criam-se demandas e mercados, a partir do profundo

    conhecimento que se tem dos indivduos. At o que no era capitalizado, torna-se capital, uma

    marca de consumo. Como, por exemplo, a natureza, que passa a inspirar o denominado

    consumo verde. Nesse olhar, o homem no mais o homem confinado, mas o homem

    endividado. E, por intermdio de um consumo frentico, e da facilidade de contrair dvidas, passa

    a dar valor ao consumo como forma de insero social.

    Na Sociedade de Controle, que concebida segundo um olhar ps-moderno como uma

    Sociedade de Consumo (TAVARES, 2004), parte-se de uma perspectiva rizomtica, ou seja, de

    um agenciamento (e um atravessamento) atravs da multiplicidade de sentidos, valores, conceitos

    e conhecimentos. Assim, a sociedade contempornea se constri atravs de uma moldagem auto-

    deformante, em mudana permanente, cujas malhas, processos, vetores e redes esto em

    contnua transformao e desconstruo (HARDT in ALLIEZ, 2000). Tudo e todos esto se

    produzindo e se controlando.

    A partir do controle, e do seu movimento sinptico (BAUMAN, 1999), se constri uma sociedade

    fluda, mutvel, na qual marcas e produtos verdes so pensados e produzidos, atravs da

    estratgia de configurao do regime do Ecopoder (um refinamento do Biopoder), que inscreve o

    consumo como fenmeno de incluso, na lgica de um Imprio, onde no h mais a separao

    entre o que est dentro ou fora, em que diferentes atores sociais so empoderados, segundo a

    estratgia de ser ecologicamente correto. Afinal, o consumo cria novas identidades de mercado

    como passaporte de insero social.

    No olhar de Deleuze, a Sociedade de Controle transforma o consumo em uma senha de

    pertencimento, para se estar dentro, no espao desterritorializado do capitalismo rizomtico e

    esquizofrnico, qualificado por Guattari como Capitalismo Mundial Integrado.

    Como pensar, ento, as relaes entre Sociedade de Controle e Consumo?

    A noo de Sociedade de Controle requer uma anlise, tanto segundo a lgica de mutao do

    capitalismo da produo para o consumo, quanto do espao liso e ondulatrio, em que se insere a

    sociedade.

  • Deleuze (1992) prope uma metfora instigante para a Sociedade de Controle: uma serpente. A

    passagem da disciplina para o controle descrita por Hardt (in ALLIEZ, 2000), atravs das

    perspectivas de espao estriado (espao sedentrio) e espao liso (espao nmade), que

    servem de inspirao para apresentar a imagem deleuzeana da serpente:

    Os muros das instituies esto desmoronando de tal maneira que suas lgicas

    disciplinares no se tornaram ineficazes, mas se encontram, antes, generalizadas como

    formas fluidas atravs de todo o campo social. O espao estriado das instituies da

    Sociedade Disciplinar d lugar ao espao liso da Sociedade de Controle. Ou, para retomar

    a bela imagem de Deleuze, os tneis da toupeira esto sendo substitudos pelas ondulaes

    infinitas da serpente (HARDT in ALLIEZ, 2000, p.357).

    Deleuze (1992) aponta que (...) os anis de uma serpente so ainda mais complicados que os

    buracos de uma toupeira (p.226). Nessa imagem potica da Sociedade de Controle, a toupeira

    a disciplina o animal dos meios de confinamento , do capitalismo do sculo XIX, enquanto a

    serpente o controle, do capitalismo transnacional, na ps-modernidade.

    No mundo ps-moderno e flexvel, no existe mais a dialtica entre o fora e o dentro. A noo

    de consumo implode as separaes entre pblico e privado. Tudo unificado e difuso, de tal

    modo que impossvel distinguir um dentro de um fora.

    O espao pblico privatizado. Para Hardt (in ALLIEZ, 2000) (...) de fato o lugar da poltica foi

    desrealizado. (p.360). E dessa forma, o consumo se torna o dispositivo de controle que lana

    tudo e todos para dentro dessa nova ordem mundial, na qual as corporaes representam a fora

    transnacional nesse espao liso do Imprio, em que no h o lugar do poder; afinal, ele est

    em todos os lugares e no est em lugar algum, tal qual o capitalismo desterritorializado, que

    vende as marcas e os estilos de vida, de forma global agora introjetado como uma nova

    modelagem: a de um capitalismo natural, perverso, que opera nas tessituras da produo de um

    Ecopoder, que fetichiza a natureza como uma nova mercadoria.

    No contexto de Sociedade de Controle e de produo do Ecopoder, atravs de premissas dessa

    nova ordem do capital, qual a importncia filosfica do pensamento do Rizoma?

    Filosofando o Rizoma

    Prosseguindo em Deleuze e Guattari (1995), a partir da noo de rizoma (rizhome) material e

    imaterial, seja ele biopisquico, tecno-social ou semitico, considerado um plat, tem-se uma

    perspectiva de rede viva, que integra vrios princpios. Como, por exemplo, os princpios de

    conexo e de heterogeneidade: Um rizoma no cessaria de conectar cadeias semiticas,

  • organizaes de poder, ocorrncias que remetem s artes, s cincias, s lutas sociais (Deleuze,

    Guattari, op.cit., pp.15-16). Alm disso, qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a

    qualquer outro e assim deve faz-lo. Os autores discutem outros princpios para a configurao

    deste rizoma, alm dos princpios de conexo e heterogeneidade, como os princpios de

    multiplicidade e ruptura a-significante. O princpio de multiplicidade enuncia que: As

    multiplicidades se definem pelo fora: pela linha de fuga ou de desterritorializao segundo a qual

    elas mudam de natureza ao se conectarem s outras (ibid, p.17). J o princpio de ruptura a-

    significante retrata que:

    Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e tambm retorna segundo

    outras linhas. (...) todo rizoma compreende linhas de segmentaridade segundo as quais

    estratificado, territorializado, organizado, significado, atribudo (...), mas compreende

    tambm linhas de desterritorializao pelas quais ele foge sem parar (ibid, p.18).

    Tambm caracterizam o rizoma os princpios de cartografia e decalcomania que:

    Um rizoma no pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo. Ele estranho

    a qualquer idia de eixo gentico ou de estrutura profunda (...) do eixo gentico da estrutura

    profunda (...) so antes de tudo princpio de decalque, reprodutveis ao infinito (ibid, p.21).

    O conceito de rizoma diz ao mesmo tempo:

    (...) nada de ponto de origem ou de principio primordial comandando todo o pensamento;

    portanto nada de avano significativo que no se faa por bifurcao, encontro imprevisvel,

    reavaliao do conjunto a partir de um ngulo indito; tampouco principio de ordem ou de

    entrada privilegiada no percurso de uma multiplicidade (...). Ele no feito de unidades, mas

    de dimenses (ZOURABICHIVILI, 2004, p.98).

    O exame do rizoma reflete o exerccio imanente de Deleuze e Guattari (1992 e 1995), que

    apostam numa outra postura, nem de exterioridade, nem de aderncia, nem catastrfica, nem

    complacente, sem as dualidades ou as dialticas que so convenientes, e at mesmo coniventes.

    Esse olhar, portanto, implica no conjunto de princpios mencionados como caractersticas

    presentes no discurso da ps-modernidade: conexo, redes, multiplicidades, segmentaridade,

    territorializao e desterritorializao, cartografia e decalque, que, por sua vez, tambm esto

    relacionados ao capitalismo e ao consumo na contemporaneidade.

    A desterritorializao do capital, segundo a posio poltico-filosfica de Deleuze e Guattari, est

    relacionada ao rizoma. Ou seja, a partir do desmanche das estruturas mecanicistas, rgidas,

  • hierrquicas originadas no fordismo e no taylorismo de uma concepo moderna, de um capital

    particularmente local e verticalizado, ocorre um deslocamento para um capitalismo malevel,

    aberto, flexvel, transnacional, conexionista e em rede. No sentido de Pelbart (2003), tem-se uma

    boa viso dessa discusso:

    (...) o mundo conexionista inteiramente rizomtico, no finalista, no identitrio, favorece os

    hibridismos, a migrao, as mltiplas interfaces, metamorfoses etc. Claro que o objetivo final do

    capitalismo permanece o mesmo, visa o lucro, mas o modo pelo qual ele agora tende a realiz-

    lo (...) prioritariamente atravs da rede. Capitalismo em rede, conexionista, rizomtico (...) um

    funcionamento mais flexvel, ondulante, aberto, com contornos bem definidos, conexes mais

    mltiplas, em suma (...) rizomticas. Que o capitalismo tenha se apropriado desse esprito,

    dessa lgica, desse funcionamento, no poderia deixar-nos indiferentes (p.97).

    O capitalismo rizomtico, segundo Pelbart (op.cit.), continua perseguindo o lucro, porm passa a

    trabalhar com uma lgica mais complexa de produo, criando desejos, modos de ser, novas

    estratgias de consumo (agora tambm verde, graas lgica de um Ecopoder).

    Do ser ao ter, do Biopoder ao Ecopoder: refletindo o consumo verde

    Nas instncias individuais e/ou coletivas, atravs da lgica do movimento do Capitalismo

    rizomtico, no contexto do consumo de produtos com apelos ecolgicos e/ou

    socioambientalmente responsveis, produzida a idia de uma subjetividade verde como um

    modo de ser modelado pelo mercado, e

    que a natureza , tambm, ressignificada como produto e vida, ao mesmo tempo, na

    transmutao do conceito de Biopoder para Ecopoder.

    Alm disso, o capitalismo descentralizado e sua estratgia mvel e rizomtica (DELEUZE;

    GUATTARI, 1995) invade as entranhas pulsionais e coletivas produzindo a idia de que a questo

    no mais ser, mas estar/ter. A mutabilidade identitria remete a uma subjetividade mvel,

    regulada pelo consumo (a estratgia do consumo verde), como produo de modos de ser,

    atravs de identidades prt--porter produzidas pelo mercado (SIBILIA, 2002).

    O ser imutvel e concreto, o ter mutvel, fludo, devir. Assim sendo, recorrendo filosofia

    para compreender essa oposio, o ser pode ser compreendido de vrias maneiras: substncia,

    existncia, essncia, ser-em-si, ser-no-mundo, ser da razo. Num sentido que aparece na filosofia

    grega, o ser se ope ao devir. Japiass e Marcondes (1996) oferecem boas pistas sobre essa

    reflexo:

  • nesse sentido que, na filosofia grega, o devir sempre identificado como o no-ser, o

    no-ser no a ausncia do ser, o nada, mas aquilo que no o ser, aquilo que mutvel e

    diverso, enquanto que o ser imutvel nico. (JAPIASS; MARCONDES, 1996, p.246).

    Sorvendo-se dos olhares de Deleuze e Guattari, por meio do processo de subjetivao busca-se

    refletir o ser humano e as suas transformaes psicossociais e culturais, atravs de uma nova

    abordagem: a do ter humano. No como uma concepo metafsica da natureza humana, mas,

    sobretudo, sob uma perspectiva do devir, ou seja, na fluidez e mutabilidade do indivduo como

    estratgia de uma virtualidade identitria.

    A fim de ampliar essa discusso, os pensamentos de Gilles Deleuze e Flix Guattari assinalam

    perspectivas igualmente relevantes. A compreenso do indivduo e dos atores sociais deve ser

    analisada psicossocialmente, no atravs de uma anterioridade (transcendncia), mas da

    produo (imanncia), do rizoma, do devir, da produo dos desejos, em que tudo e todos se

    inscrevem em uma cultura capitalstica. Na Sociedade de Controle, se instala a desterritorializao

    dos indivduos e dos grupos sociais, o no-lugar dos poderes, os agenciamentos, a condio em

    no h o fora. A esquizoanlise, da qual partem Deleuze e Guattari, uma base conceitual para

    capturar a idia psicossocial, atravs desse capitalismo rizomtico, da mobilidade das coisas, da

    multiplicidade, das linhas de fuga, do nomadismo, dos fluxos semiticos, materiais e sociais. E,

    alm disso, no mais de um ser humano, mas de um ter humano, que se inscreve no rizoma da

    vida, na infinitude do pensamento, nas micropoliticas, nos desejos, em desenraizar a concretude

    do verbo ser para dar lugar ao verbo ter e a sua fluidez.

    Faa rizoma e no raiz, nunca plante! No semeie, pique! No seja nem uno nem mltiplo,

    seja multiplicidade! Faa a linha e nunca o ponto! A velocidade transforma o ponto em linha!

    Seja rpido, mesmo parado! Linha de chance, jogo de cintura, linha de fuga (...) Faa

    mapas, nunca fotos nem desenhos (...)

    Um rizoma no comea, nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas,

    inter-ser, intermezzo. A rvore filiao, mas o rizoma aliana, unicamente aliana. A

    rvore o impe o verbo ser, mas o rizoma tem como tecido a conjugao. e...e...e.... H

    nesta conjuno fora suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. Para onde vai voc?

    De onde voc vem? Aonde quer chegar? So questes inteis (...) buscar um comeo, ou

    um fundamento, implicam uma falsa concepo da viagem e do movimento (DELEUZE,

    GUATTARI, 1995, p.37).

    Os saberes de Deleuze e Guattari, sem a pretenso iluminista e positivista, trazem uma inquietude

    filosfica, uma transgresso ao pensamento, uma perverso. Dessa forma, no olhar psicossocial,

  • a subjetividade deve ser refletida em plats, em dimenses, em revolues moleculares; (...)

    estou na borda desta multido, na periferia, mas perteno a ela, a ela estou ligado por uma

    extremidade do meu corpo, uma mo ou um p (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.42). Ser

    pensada na lgica do passeio da multido, no lquido, e no no slido, no em um espao

    estriado, mas no espao liso. O olhar psicossocial deleuzo-guattariano aponta para as

    multiplicidades das subjetividades e de sua infinita produo, das identidades prt--porter, que

    so reguladas pelo mercado, pela cultura capitalstica; em um Imprio, no qual o Biopoder se

    desdobra na esfera de um poder verde, onde o capitalismo ganha a faceta de natural. O no-

    lugar, onde homem e natureza tornam-se multiplicidades, liquefeitos na Modernidade Lquida do

    consumo, onde no h mais o fora. Uma Modernidade Lquida, na qual brota o consumo verde

    em que se produtiliza a vida, e, faz, por assim, tornar capitalizvel o imaterial, atravs do rizoma

    de uma rede, pela conexo dos atores sociais Empresas, Governo, Mdia, ONGs e

    Consumidores em linhas nmades reguladas pelo mercado, pelos desejos, pelos devires.

    Sendo assim, muitas aporias emergem. Na esfera do Biopoder, que se transmuta atravs da

    Sociedade de Controle (DELEUZE, 1992) e do Capitalismo Natural (HAWKEN et al, 2002), as

    questes ambientais tornam-se politizantes e imprimem um Ethos ambiental, segundo a lgica de

    um Ecopoder, em um contexto onde a natureza deslocada, e ressignificada, na passagem da

    disciplina para o controle, o que, por sua vez, vem refletindo e produzindo a subjetividade verde,

    como um modo de ser (agir ecologicamente correto), agora tambm redefinido pelas questes

    ambientais e econmicas, segundo um Ecopoder, como um desdobramento do Biopoder (HARDT

    & NEGRI, 2001), do qual todos os atores sociais se utilizam e apropriam.

    Nesse cenrio, todos os atores tm poder para influenciar. Empresas, Mdia, ONGs,

    Consumidores e Governo participam dessa discusso, que, paralelamente, envolve interesses

    difusos, mas que promove a aliana entre consumo, cidadania e natureza. Partindo desta

    reflexo, os olhares de Sociedade de Controle da fuso do privado e do pblico, da lgica do

    mercado, da cultura capitalstica e, ao mesmo tempo, da ecosofia como transversalidade das

    relaes entre homem e natureza assinalam bem essa abordagem.

    O empoderamento da Mdia, dos empregados, das ONGs e dos movimentos sociais, dos

    Consumidores, do Governo e das prprias Empresas (todas atravs da lgica do mercado)

    contribuem s questes ambientais e econmicas, por meio de um frum poltico, que sublima a

    estratgia de um Ecopoder, de modo rizomtico, que cria a vida e produz o consumo verde em

    uma Sociedade de Controle.

    Dessa forma, a natureza transformada nas redes do mercado, atravs do olhar de um Ecopoder,

    no qual a natureza (pelo prisma de um capital natural) torna-se um objeto de poder, que circula

    por entre os atores sociais que produzem o consumo verde no Brasil, especialmente a partir da

    Rio-92.

  • O fenmeno do consumo verde mundializado, e vem se construindo desde a dcada de 1980,

    atravs da antiga Alemanha Ocidental (HOLLIDAY et al, 2002), embora se evidencie no Brasil, s

    a partir da Rio-92 e da noo de capital ambiental ou natural, sob a influncia da discusso de

    sustentabilidade ecolgica, de maneira imanente, produzindo subjetividades e Ecopoder, na

    transversalidade das tenses entre homem e natureza, atravs de uma perspectiva ecosfica

    (GUATTARI, 1991), em que tudo e todos se produzem, consomem, regulam, controlam e

    influenciam, sendo atravessados pela lgica do mercado (capital).

    Recorrendo a Hawken et al (2002), a partir da interface entre capitalismo e recursos naturais no-

    renovveis, a questo ambiental, por intermdio do consumo verde, se apresenta, no sculo XXI,

    como uma possvel nova revoluo de consumo e industrial, por intermdio de polticas pblico-

    privadas e no-governamentais de produo e consumo sustentveis, limpos, ecoeficientes e

    responsveis, o que est sendo identificado na lgica do consumo verde do mercado brasileiro.

    Nesse sentido, a vida, atravs da natureza, torna-se capital, conservao, preservao e

    consumo, ao mesmo tempo, conforme a lgica de um Ethos ambiental, que conjuga aspectos

    econmicos, psicossociais e ambientais, por meio de um apelo tico-esttico e poltico, que o de

    consumir produtos verdes, autnticos e socioambientalmente responsveis, em condies de

    salvaguardar o planeta e os interesses do mercado, simultaneamente, como a idia de lucro com

    tica.

    Outros olhares, algumas pistas...

    Em um outro olhar sobre o consumo verde no Brasil, h um ponto de clivagem que parte de

    concepo de ecologicamente ou politicamente correto como um tema que perpassa as vises

    de todos os atores sociais, atravs da semiotizao de discurso e valores espetacularizados,

    atravs de campanhas publicitrias e jornalsticas, que transmitem a mot dordre de uma vida

    melhor por meio de preocupao com a natureza e o bem-estar individual e coletivo. No caso do

    consumo verde no mercado brasileiro, as relaes de poder obedecem lgica de uma

    descentralizao, por intermdio do poder do no-lugar, sendo este fluido, presente em todos os

    lugares, porm no se fixando. Ou seja, o poder se faz atravessar no rizoma verde, cuja

    regulao psicossocial, e se d pela estratgia de um Ecopoder, como uma produo do

    mercado.

    Nesse mercado verde, observa-se que a cultura de consumo capitalstica e o processo de

    subjetivao parte dessa lgica cultural de mercado (e que, tambm, as subjetividades dos atores

    sociais envolvidos nesse rizoma verde influenciam, igualmente, o mercado).

    atravs dessa lgica capitalstica, que o tema da sustentabilidade tratado na condio de

    Ecopoltica, conforme o olhar do Ecopoder, no somente pelas Empresas, mas de alguma forma

    por todos os outros atores sociais envolvidos no rizoma verde do consumo verde no Brasil, no

  • qual a vida (natureza) transforma-se em um grande capital um objeto de poder , cuja faceta

    socioambiental se apresenta por meio de um Ethos ambiental no mercado do consumo verde,

    cujos produtos so ticos, responsveis, conscientes, ecoeficientes, sustentveis e

    autnticos/singulares para Empresas, Consumidores, Mdia, ONGs e Governo.

    Assim sendo, pode-se constatar que o consumo verde est se desenvolvendo no mercado

    brasileiro atravs do paradigma de um Ecopoder, como uma questo que articula os atores

    sociais (Empresas, Consumidores, Mdia, ONGs e Governo), sob a forma de um rizoma, segundo

    os preceitos de uma Sociedade de Controle, tendo como pano de fundo a perspectiva

    psicossocial, das interrelaes individuais e coletivas, que so produzidas no mercado. Nesse

    contexto, a natureza produtilizada como um bem de consumo.

    Entretanto, o mais importante no a confirmao de um olhar, mas apontar novos desafios e

    perspectivas, que ajudem a refletir outros questionamentos. A questo no buscar a razo,

    certeza, ou verdade, mas, sobretudo, percorrer a incerteza e perverso, para quem sabe continuar

    deslocando, lanando e produzindo novos pensamentos e inquietudes filosficas.

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