dizem que uma imagem vale por muitas palavras e uma ..., motivada pelo desejo do carteiro aprender...

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Dizem que uma imagem vale por muitas palavras... E uma palavra...tem o poder de evocar muitas imagens? Que imagem você constrói ao ler esse poema? A leitura de um poema é uma experiência mais complexa do que a de textos comuns, não-literários. Para ler e interagir com os poemas, precisamos ir além do sentido usual das palavras, pois neles as palavras são empregadas com sentido figurado, diferente do convencional. A seleção e a combinação de palavras em um poema não se dá apenas pela significação, mas pelo poder sugestivo que carrega consigo, o que lhe confere a plurissignificação. Essas palavras, dispostas artisticamente, sem preocupação de seguir as convenções da língua, tornam o poema aparentemente caótico, quando na verdade são organizadas de maneira especial pelo poeta, a fim de exteriorizar, de um modo particular e surpreendente, seus sentimentos mais íntimos, seja ele uma perplexidade, um encantamento, uma visão frente aos fatos, seres e coisas que o circundam. Ler um poema não é procurar adivinhar seu significado como se fosse uma charada, requer um exercício de reflexão sobre as imagens, figuras e outros diversos recursos que a constituem poética. Você vai perceber que no poema as palavras não dizem , elas insinuam! Por isso vale a pena estudar a incrível linguagem da poesia, observando que seu poder sugestivo, quase mágico, está nas construções metafóricas. O que lhe sugerem as palavras " diamante" e "vidraça" no poema Cigarra? Faça associações, use sua imaginação! Cigarra Diamante. Vidraça. Arisca, áspera asa risca O ar. E brilha. E passa. (Guilherme de Almeida)

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Page 1: Dizem que uma imagem vale por muitas palavras E uma ..., motivada pelo desejo do carteiro aprender poesia para conquistar sua amada Beatrice. Além de belos poemas de Neruda, o romance

Dizem que uma imagem vale por muitas palavras...

E uma palavra...tem o poder de evocar muitas imagens?

Que imagem você constrói ao ler esse poema?

A leitura de um poema é uma experiência mais complexa do que a

de textos comuns, não-literários. Para ler e interagir com os poemas,

precisamos ir além do sentido usual das palavras, pois neles as palavras

são empregadas com sentido figurado, diferente do convencional. A

seleção e a combinação de palavras em um poema não se dá apenas pela

significação, mas pelo poder sugestivo que carrega consigo, o que lhe

confere a plurissignificação.

Essas palavras, dispostas artisticamente, sem preocupação de

seguir as convenções da língua, tornam o poema aparentemente caótico,

quando na verdade são organizadas de maneira especial pelo poeta, a fim

de exteriorizar, de um modo particular e surpreendente, seus sentimentos

mais íntimos, seja ele uma perplexidade, um encantamento, uma visão

frente aos fatos, seres e coisas que o circundam.

Ler um poema não é procurar adivinhar seu significado como se

fosse uma charada, requer um exercício de reflexão sobre as imagens,

figuras e outros diversos recursos que a constituem poética. Você vai

perceber que no poema as palavras não dizem , elas insinuam! Por isso

vale a pena estudar a incrível linguagem da poesia, observando que seu

poder sugestivo, quase mágico, está nas construções metafóricas.

O que lhe sugerem as palavras " diamante" e "vidraça" no

poema Cigarra? Faça associações, use sua imaginação!

Cigarra

Diamante. Vidraça.Arisca, áspera asa riscaO ar. E brilha. E passa.

(Guilherme de Almeida)

Page 2: Dizem que uma imagem vale por muitas palavras E uma ..., motivada pelo desejo do carteiro aprender poesia para conquistar sua amada Beatrice. Além de belos poemas de Neruda, o romance

Poesia e poema não é a mesma coisa!

Poesia e poema não significa, necessariamente a mesma coisa,

embora comumente se use a palavra poesia também para referir-se a

poema. Poesia é aquele toque no espírito que provoca emoção e prazer

estético. A poesia está nos textos, nas coisas e nos seres à espera de um

olhar sensível que a perceba...

O que é mais poético ao seu olhar? É fácil explicar por quê?

Você já sabe o que é poesia, como você pode definir poema?

Por falar em poesia, você já leu a belíssima obra O Carteiro e o

Poeta? É um romance que traz a questão poética ao narrar a história de

uma crescente amizade entre um carteiro (Mário) e um poeta (Pablo

Neruda), motivada pelo desejo do carteiro aprender poesia para

conquistar sua amada Beatrice. Além de belos poemas de Neruda, o

romance encanta por mostrar que é perfeitamente compatível a amizade

entre pessoas com nível de formação escolar tão diverso. Em uma cena,

nas páginas iniciais, Pablo Neruda, ao perceber que o carteiro permanece

ali, angustiado e "parado como um poste" depois de ter-lhe entregado

uma carta, inicia um diálogo, embora impaciente, que vem a ser as

primeiras sementes poéticas que vão brotar na imaginação de Mário:

−Como é, Dom Pablo?!

−Metáforas, homem!

−Que são essas coisas?

O poeta colocou a mão sobre o ombro do rapaz.

− Para esclarecer mais ou menos de maneira imprecisa, são modos de dizer uma

coisa comparando-a com outra.

−Dê-me um exemplo...

Neruda olhou o relógio e suspirou.

−Bem,quando você diz que o céu está chorando. O que é que você quer dizer

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com isto?

−Ora, é fácil! Que está chovendo, ué!

−Bem, isso é uma metáfora.

−E por que se chama tão complicado, se é uma coisa tão fácil?

−Porque os nomes não têm nada com a simplicidade ou complexidade das

coisas.

Em outro momento, o poeta para incentivá-lo na criação de

metáforas,acaba declamando um poema:

−Olha este poema: Aqui na ilha, o mar, e quanto mar. Sai de si mesmo a cada

momento. Diz que sim, que não, que não. Diz que sim em azul, em espuma, em

galope. Diz que não, que não. Não pode sossegar. Chamo-me mar. Repete

batendo numa pedra sem convencê-la. E então, com sete línguas verdes, de sete

tigres verdes, de sete cães verdes, de sete mares verdes, percorre-a, beija-a,

umedece-a e golpeia-se o peito repetindo seu nome.

Fez uma pausa satisfeito.

−O que você acha?

−Estranho.

−"Estranho". Mas que crítico mais severo!

.................................................................................................................................

...

−Como posso explicar? Quando o senhor dizia o poema, as palavras iam daqui

para ali.

−Como o mar, ora !

−Pois é, moviam-se exatamente como o mar.

−Isso é ritmo.

−Eu me senti estranho, porque com tanto movimento fiquei enjoado.

−Você ficou enjoado...

−Claro! Eu ia como um barco tremendo em suas palavras.

As pálpebras do poeta se despregaram lentamente.

−"Como um barco tremendo em minhas palavras".

−Claro!

−Sabe o que você fez, Mário?

−O quê?

−Uma metáfora.

−Mas não vale porque saiu por acaso.

−Não há imagem que não seja casual, filho."

Page 4: Dizem que uma imagem vale por muitas palavras E uma ..., motivada pelo desejo do carteiro aprender poesia para conquistar sua amada Beatrice. Além de belos poemas de Neruda, o romance

(SKÁRMETA, A. O carteiro e o poeta. Rio de Janeiro: Record,

1996.)

Pablo consegue fazer com que Mário se expresse usando a

metáfora, recurso estilístico essencial na linguagem poética. A

partir do diálogo entre os dois personagens, elabore uma definição

para metáfora.

Pesquise e copie em seu caderno definições para outras figuras

metafóricas freqüentes em poemas: comparação, sinestesia,

metonímia, prosopopéia, antítese, oxímoro.

Metáfora

Origem da palavra: do grego " metaphorá", em latim "metaphora"= meta:

mudança,além, transcend ncia + ẽ fora: outro lugar, parte exterior.

Quando falamos que o poema é construído com linguagem figurada,

estamos dizendo que é uma construção metafórica. Metáfora,como figura,

pode ser identificada em um verso, mas denomina também todo o

processo de criação de imagens que representam idéias não-objetivas. Às

vezes, o poema todo é uma grande figura.

Metáfora tem um sentido amplo, ela abrange todas as outras

figuras. Quando o carteiro associa o significado de " o céu está chorando"

com " está chovendo", ele está " decifrando" uma outra metáfora: a

prosopopéia. A comparação “...ia como um barco tremendo em suas

palavras.” é uma metáfora que utiliza termos comparativos específicos...

A alteração de significado das palavras baseia-se sempre em algum

tipo de relação entre o significado comum e o inusitado. Você pode

perceber que uma palavra é metafórica quando, em dado contexto, a

leitura do termo no seu sentido próprio fica inadequada. por exemplo, o

termo chorando como "ato de chorar" é inadequado na frase " o céu está

chorando", pois o céu não chora. No entanto, lido como chovendo,

percebe-se uma relação de sentido: chorar e chover tem em comum a

imagem de gotas de água caindo, escorrendo.

Muitos poetas contemporâneos optam por uma linguagem com

poucas imagens e metáforas, mas nem por isso deixam de obter

belíssimos poemas! Isso quer dizer que a metáfora não é a única a

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garantir qualidade estética, há outros recursos que também o garantem.

Leia o poema:

Impressionista

Uma ocasião,

meu pai pintou a casa toda

de alaranjado brilhante.

Por muito tempo moramos numa casa

como ele mesmo dizia,

constantemente amanhecendo.

Adélia Prado transforma em

poesia um fato prosaico (pintar

a casa) através do uso de uma

metáfora. Qual?

Use o mesmo procedimento e

poetize um aspecto do seu

cotidiano!O poder sugestivo das palavras

Num poema as palavras são organizadas de maneira a criar

significados capazes de transmitir sentimentos, idéias, desejos, emoções e

pensamentos e podem ser selecionadas de tal modo que sugerem formas,

cores, movimentos, sons que possibilitam a ampliação da leitura. Observe

que a linguagem metafórica nos versos de Neruda foi tão bem trabalhada

que teve um forte poder de sugestão sobre Mário fazendo-o sentir o

movimento do mar a ponto de sentir enjôo.

Pesquise e traga para a sala o poema “O Relógio”, de Oswald de

Andrade. Vamos observar como ele trabalhou a linguagem para

descobrirmos que movimento ele sugere e o que ele metaforiza.

As metáforas da vida

Algumas metáforas podem nos levar a refletir, revelando muito de nossa

história social! Leia a letra da canção de Erasmo Carlos e Narinha.

Mulher (sexo frágil)

Dizem que a mulher é sexo frágil

Mas que mentira absurda

Eu que faço parte da rotina de uma

delas

Sei que a força está com elas

O outro já reclama a sua mão

E o outro quer o amor que ela tiver

Quatro homens dependentes e

carentes

Da força da mulher

............................................................

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...........................................................

Quando eu chego em casa à noitinha

Quero uma mulher só minha

Mas pra quem deu luz não tem mais

jeito

Porque um filho quer seu peito

Mulher, mulher

Na escola que você foi ensinada Jamais

tirei um dez. Sou forte mas não chego

aos seus pés

O autor se posiciona contra o sentido da metáfora " mulher é sexo

frágil". Que sentido tem essa metáfora?

Leia o texto abaixo antes de responder as questões que seguem:

Você concorda que a mulher é sexo frágil, ou, como diz o autor, isso

é uma mentira absurda?

A mulher descrita no poema é de família patriarcal ou burguesa?

Durante o século XIX, a sociedade brasileira sofreu uma série de

transformações dentre as quais o surgimento de um novo tipo de família,

a burguesa,“Nos anos 80, ainda no impacto da ditadura do governo

Figueiredo, quando se percebeu que o episódio do Riocentro era uma

grande mentira, surgiu que veio reorganizar as vivências familiares e

domésticas, fazendo surgir uma nova mulher, agora valorizada como

mulher e como mãe. Segundo Maria A. D'Incao, " um sólido ambiente

familiar, o lar acolhedor, filhos educados e esposa dedicada ao marido, às

crianças e desobrigada de qualquer trabalho produtivo representavam o

ideal de retidão e probidade, um tesouro social imprescindível."

(D'INCAO,2007).

Era quase inexistente a vida urbana no início do século XIX. A

condição feminina, na chamada família patriarcal brasileira, era

determinada pelo pai, detentor de enorme poder sobre seus

dependentes, agregados e escravos.

O sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre

analisa que no regime patriarcal " o homem faz

da mulher uma criatura tão diferente dele

quanto possível. Ele, o sexo forte, ela, o fraco;

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ele o sexo nobre, ela o belo." O culto do " belo sexo" ( mulher delicada,

franzina, frágil apertada em espartilhos) colaborava, na verdade, para o

homem sentir-se mais sexo forte, nobre, dominador exclusivo dessa

sociedade " meio morta", tornando a mulher de senhor de engenho, de

fazenda, e ainda mais a de sobrado, um ser social mórbido, " boneca de

carne do marido" ou do pretenso namorado que a cortejava sutilmente

sob os grandes sobrados. É característico o padrão duplo de moralidade

na sociedade patriarcal ou semipatriarcal, dando ao homem todas as

liberdades de gozo físico do amor e limitando o da mulher à obrigação de

conceber e ter filhos. E ainda dando ao homem as oportunidades de

iniciativa e amplos contatos sociais, e à mulher, limitando-os à esfera

doméstica e religiosa. (FREYRE,G.Cap.IV,1998).

Faça uma pesquisa demonstrando que o preconceito que recai sobre

a mulher como "sexo frágil" é histórico e como ele se configurou ao

longo do tempo. Você vai elaborar um texto para apresentar , a

partir de informações coletadas em diversas fontes. Selecione-as,

organize-as, reelabore-as, dê um toque pessoal na linguagem.

Exponha em painéis ilustrados com recortes de figuras ou faça

ilustrações relacionadas ao assunto.

Faça uma leitura do poema de Carlos Drummond de Andrade,

analisando as metáforas a partir do contexto da sociedade

patriarcal:

Órion

A primeira namorada, tão alta

que o beijo não a alcançava,

o pescoço não a alcançava,

nem mesmo a voz alcançava.

Eram quilômetros de silêncio.

Luzia na janela do sobradão.

Ah, os sonetos

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Um texto literário é produto do trabalho que o escritor faz com a

linguagem de modo a obter os efeitos estéticos que tem em mente.

Observe o poema de Vinícius de Moraes:

Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o

espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente

fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

A linguagem metafórica desse soneto é muito rica. O uso da

metáfora assinala de modo enfático a surpresa do homem diante da

ruptura de uma situação, no caso, de um relacionamento afetivo. Há um

jogo de antíteses do início ao fim que enfatiza as duas situações

completamente distintas: o antes e o depois da separação, tornando

quase palpável a intensidade lírica com que o eu-lírico abre sua alma.

Sobressai-se ainda a metonímia .

Identifique -a nos versos da 1ª e 2ª estrofes e explique-a .

Haicai: cor, sabor, som...

Para a poeta Alice Ruiz, haicai “ é uma fotografia em palavras”. Nele

a metáfora, a comparação, a prosopopéia e a sinestesia são comuns.

Observe a leveza que essas figuras provocam nos belos haicais de Delores

Pires:

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Inverno

Os telhados brancos

lembram lençóis

estendidos

na paisagem fria

Orquestra

Natural orquestra

toca no quente verão:

canto de cigarra

Veja outro haicai de Guilherme de Almeida:

O haicai

Lava, escorre, agita

a areia. E enfim, na

bateia,

fica uma pepita.

O autor descreve metaforicamente o processo

de criação de um haicai.

Faça uma leitura do poema considerando

essa afirmação.

Compare o haicai “Cigarra” com os de

Delores Pires, observando semelhanças e

diferenças.

Você também pode criar belos haicais!

Volte às fotografias na página 2 e deixe que elas falem ao seu olhar.

Ou procure em seus “arquivos mentais” uma imagem ou um

momento poético vivido por você. Descreva-a normalmente. Depois

vá “movimentando a bateia”, como ensina o poeta. Siga a forma de

terceto e tente se aproximar da métrica 5-7-5.

Ilustre o haicai usando as formas, as cores, impressão de volume,

de sombra, e de outros recursos das Artes, como se fosse uma

fotografia. Deixe seu trabalho exposto na escola, para ser apreciado

por quem quiser. Socializem a produção lendo seu poema para os

colegas.

Leia e saiba mais sobre haicais http://kakinet.com/caqui/nyumon.htm

A metáfora e a voz do tempo.

As leituras possíveis de cada obra estão vinculadas ao momento

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histórico, social e cultural do autor e do leitor. Quando dizemos que um

poema se relaciona com a história, não queremos dizer que eles narram

fatos históricos de um país, mas que revelam os ideais, as concepções os

anseios e os temores do poeta ou de um povo numa determinada época,

de modo mais ou menos direto ou figurado, metafórico. No poema a

seguir, Affonso Romano de Sant'Anna solta o seu grito, num belo trabalho

com a linguagem. Leia alguns fragmentos:

A implosão da mentira

Mentiram-me.

Mentiram-me ontem

e hoje mentem novamente.

Mentem de corpo e alma completamente.

E mentem de maneira tão pungente

que acho que mentem sinceramente.

Mentem sobretudo impunemente.

...........................................................

Mentem, mentem e calam

mas nas frases falam e desfilam de tal modo nuas

que mesmo o cego pode ver a verdade em trapos pelas

ruas.

Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura,

mas não se chega à verdade pela mentira

nem à democracia pela ditadura.

Evidentemente a crer que uma flor nasceu em Hiroshima

e em Auschwitz havia um circo permanentemente.

...........................................................

Mentem partidariamente,

mentem incrivelmente,

mentem tropicalmente,

mentem hereditariamente,

mentem, mentem e de tanto mentir tão bravamente

constróem um país de mentiras diariamente.

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A indignação do poeta é tanta que abre o poema com seu grito:

mentiram-me. Com a intenção de intensificá-la, usa artisticamente a

repetição do verbo mentir ao mesmo tempo em que faz intenso uso de

advérbios terminados em – mente.

Que outro efeito o recurso da repetição provoca?

Como se explica o oxímoro: “e mentem de maneira tão pungente

que acho que mentem sinceramente”?

A metáfora, muitas vezes, garante universalidade ao texto, ou seja,

liberta o texto do espaço temporal em que foi criado, presentificando seu

sentido.

Você diria que esse poema, publicado em diversos jornais nos anos

80, é atual? Em outras palavras, tem a ver com a realidade de hoje?

Pesquise na internet e traga para a sala poemas completo. Acesse:

http:// www.releituras.com/arsant_implosao.asp

No poema você pode perceber que as palavras do poeta servem de

reflexão e crítica de uma época,importando considerar o contexto político-

social dos anos 60-80 para que se vá além de uma leitura imediata. Esse

contexto foi marcado pela ditadura militar que,no Brasil, teve início em

1964, quando os militares passaram a governar o país, e só em 1984 daria

lugar ao restabelecimento da democracia. Caracterizou-se pela falta de

democracia, censura, perseguição política e repressão aos que eram

contra o regime militar e desrespeito aos direitos constitucionais. No

período dos “anos de chumbo” todas as formas de expressão artística

foram censuradas levando escritores e compositores a abusarem da

linguagem figurada para dar o seu grito.

Leia um depoimento do autor de “Implosão da mentira”:

“Nos anos 80, ainda no impacto da ditadura do governo Figueiredo, quando se

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percebeu que o episódio do Riocentro era uma grande mentira, surgiu em mim

uma compulsão de escrever não simplesmente uma crônica, um poema para uso

interno, mas publicar uma poesia em um jornal de larga circulação. O resultado

me surpreendeu como autor, pois a poesia, sempre isolada, restrita, no entanto

dialogou com uma platéia muito grande.

Lamento que hoje, 16 anos depois, este poema continua atual neste país.”

(Jornal Mundo jovem – nov.2001).

Pesquise sobre o escritor e sobre o episódio do Riocentro, atentando

para o que ele significou ao Brasil:

Pesquise,entre outros, em:

http://wikipedia.org/wiki/Atentado_do_Riocentro

http://fantastico.globo.com/jornalismo.Fantastico/0,,AA955050-400500010

52005,00.html

Em grupo, façam um levantamento das mentiras que aconteceram

recentemente no país. Montem um painel com manchetes, recortes

de jornais e revistas que justifiquem os dois últimos versos do

fragmento. Deixem exposto na sala.

Em grupo, preparem-se e apresentem uma leitura expressiva do

poema completo.

Sugestão:Reflita sobre a letra da música “Cálice”, de Chico Buarque, e

considerando o contexto da ditadura, procure desvendar algumas metáforas!

Os poemas dizem o mundo

Ainda há quem conviva com o preconceito de que poema é coisa

“melosa” e piegas, restringindo a idéia de emoção a sentimentalismo

amoroso. Mas emoção vai muito além disso! Abarca todas as experiências

psíquicas, sejam os mais profundos sentimentos e sensações, sejam as

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mais variadas reflexões e concepções de mundo. É essa variedade de

emoções que a linguagem metafórica evoca em poemas que falam de

amor, de angústias, de guerras, de esperanças. Que falam de vida ou de

morte. Que encantam ou que chocam!!!

O desafio é ver na poesia um canteiro de girassóis cujas sementes

brotam sob o quente sabor do saber!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA,Guilherme de. Poesia Vária.2ª ed. São Paulo: Livraria Martins

Editora,1963.

SKÁRMETA, António. O carteiro e o Poeta. Rio de Janeiro: Record, 1986.

MORAES, Vinícius de. Antologia poética. 13ª ed. Rio de Janeiro: J.

Olímpio, 1976.

SANT'ANNA, Affonso R. de . A implosão da Mentira. In: MUNDO JOVEM.

A poesia que existe dentro de cada um. Ed. nº 322,

nov/2001.Viamão:Editora da PUCS, 2001.

ANDRADE,C. Drummond. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro:

Aguilar, 1973.

PRADO. Adélia Poesia Reunida. São Paulo: Arx, 1991.

PIRES, Delores, O livro dos haicais. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná,

2001.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons e Ritmo. 3ª ed. São Paulo: Ática,

1986.

FREIRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos.10ª ed. Rio de Janeiro: Record,

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1998.

D'INCAO, M. Angela. Mulher e família burguesa. In: PRIORE, Mary Del.

História das Mulheres no Brasil. 9ª ed. São Paulo: Contexto, 2007.

On line:

CARLOS, Erasmo. Mulher. http://www.erasmocarlos.com.br/letras31.asp?

id=4. Acesso em 01/11/2007.