pablo neruda - coletanea

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1 Coletânea Pablo Neruda

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Page 1: Pablo Neruda - Coletanea

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Coletânea Pablo Neruda

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Pablo Neruda

" De outro. Será de outro.

Como antes de meus beijos.

Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não a quero, é verdadeiro, mas talvez a quero.

É tão curto o amor, e é tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta a tive entre meus braços,

minha alma não se contenta com tê-la perdido.

Ainda que este seja a última dor que ela me causa,

e estes sejam os últimos versos que eu lhe escrevo."

(do "Poema 20 de Veinte poemas de amor y una canción desesperada)

Page 3: Pablo Neruda - Coletanea

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Biografia

FICHA - Pablo Neruda nome verdadeiro Ricardo E. Neftalí Reyes Basoalto

Nacionalidade: Chile

nascido em Parral 12-7-1904 morreu em Santiago de Chile em 23-9-1973

Nascido num povoado da região central chilena, era filho de um

ferroviário chamado José do Carmen Reyes e de Rosa Neftalí Basoalto, que

faleceu de tuberculose quando o menino Ricardo mal tinha num mês de idade.

Depois disto, pai e filho se mudaram para a cidade de Temuco, onde o pai se

casou com Trindade Candia Valverde. Logo cedo o jovem Ricardo começou a

mostrar interesse pela poesia, sendo um de seus primeiros atos a adoção de

um apelido, Pablo Neruda, com o que depois seria mundialmente conhecido o

pseudônimo o tomou por motivos diversos: "Pablo" que gostou por sua

musicalidade e a maneira como soa, enquanto Neruda o adotou como

homenagem ao poeta Tcheco Jan Neruda. Cursou estudos de francês para

exercer como professor, mas finalmente não conseguiu seu objetivo. A

influência de Gabriela Mistral lhe abre a sua vez ao conhecimento dos

novelistas russos, cujo estilo literário era muito admirado por Neruda. Depois

de marchar a Santiago para cursar estudos universitários no Pedagógico da

Universidade de Chile, apresenta seu poema A canção de festa ao concurso da

festa de primavera, do que sairá vencedor. Sua estadia na capital chilena lhe

põe em contato com uma vida boêmia e intelectual, o que em princípio causa

certos problemas de adaptação para um rapaz de províncias e com escassos

recursos. Em Santiago esteve entre 1920 e 1927, incrementando sua

produção poética e seu prestígio. Assim, publica Crepusculario em 1923,

graças à contribuição econômica de vários amigos sem a qual não teria sido

possível ser editado. Num ano mais tarde sai uma de suas obras mestras,

Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, que já lhe outorga

rapidamente grande reconhecimento e benefícios econômicos. Com esta

publicação, de claro corte modernista, consegue situar-se como um dos

cumes da literatura hispano-americana. Em 1926 saem à luz O habitante e

sua esperança; Tentativa do homem infinito e Anéis , que escreve junto a

Tomás Lagos. Neles manifesta sua vontade de procurar novos caminhos

estilísticos , novas formas de expressão, numa clara tentativa por situar-se na

vanguarda literária. Já uma figura nacional, o governo chileno lhe propõe

fazer parte do corpo diplomático, o que fará desempenhar cargos consulares

na China, Ceilão, Birmânia, Barcelona e Madri (1934-1937), onde entrou em

contato com os poetas da chamada Geração do 27. Sua estadia em Espanha é

uma das experiências mais de impacto na vida de Neruda. Comprometido

politicamente com a causa republicana, sua postura pessoal lhe custou o ser

destituído de seu cargo. Depois de viajar para Paris, regressou mais tarde

para Santiago do Chile. A vitória do Testa Popular lhe leva de novo para Paris,

como cônsul, e à cidade de México. Novamente no Chile entre 1943 e 1945,

neste ano se integra no Partido Comunista Chileno, sendo designado senador.

Permanecerá no cargo até 1948. Dois anos antes se faz inscrever legalmente

como Pablo Neruda. Seu profundo compromisso político lhe levou a denunciar

a corrupção política e solicitar reformas, o que lhe obrigou a viver

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clandestinamente até que conseguiu sair do país, esta vez em direção a

Argentina. Novamente tomou as maletas, como tantas outras vezes, para

viajar por diversos países europeus até retornar ao México. De um passo à

URSS e Chinesa. Depois de voltar a seu país, apresentou formalmente sua

candidatura à presidência da nação em 1970, ainda que se retirou a favor de

seu amigo Salvador Allende, quem sairia finalmente elegido em 1973. Neruda

partiu, depois de renunciar para Paris, onde exercerá como embaixador de

Chile (1970-72. De novo ao Chile em 1973, a situação política do país deu

uma volta, porquanto o golpe de Estado de Pinochet desalojou a Allende do

poder e instaurado uma ditadura militar. Pouco tempo depois do golpe, o 23

de setembro, Neruda, quem tinha regressado enfermo, morre numas pouco

claras circunstâncias. Aparte de sua memória, legou-nos uma obra poética

que se situa entre as melhores da História da literatura ÀS já citadas teria que

adicionar Residência na terra, publicada entre 1933 e 1935; Terceira

Residência, de 1947, na que já toma um claro partido pelo marxismo ou Canto

geral, de 1950, outra obra mestra. Em prosa, é autor de uma obra teatral,

Fulgor e morte de Joaquín Murieta, bem como de suas próprias memórias,

Confesso que vivi, publicadas postumamente em 1974. Por sua qualidade

literária e seu compromisso humano recebeu o Prêmio Nacional de Literatura (1945), o Prêmio Nobel de Literatura (1971) e o Prêmio Lenine da Paz.

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1964 -1973

Manuel Rojas, Dr. San Martín, Pablo Neruda,

Fernando Alegría, Gonzalo Rojas, Talcahuano 1964.

1964

Raúl Silva Castro, crítico e Acadêmico da Língua, publica Pablo Neruda, extenso livro

biográfico e crítico. A Biblioteca Nacional de Chile comemora o sexagésimo

aniversário do poeta. Palavras do diretor, dom Guillermo Feliú Cruz, ao iniciar o

ciclo nerudiano. Pablo Neruda: Como vejo minha própria obra. Conferências de

Fernando Alegria, Mario Rodríguez, Hernán Loyola, Hugo Morros, Nelson Osorio,

Luis Sánchez Latorre, Volodia Teitelboim,Manuel Rojas, Jaime Giordano e Federico

Schop. Publicam números dedicados a Neruda nas seguintes revistas chilenas: Alerce,

Aurora e Mapocho.

12 de julho: publica-se Memorial de Ilha Negra, 5 tomos com títulos diversos, editora

Losada.

Em 9 de setembro publica-se sua tradução de Romeo e Julieta, de William

Shakespeare, Editora Losada. O ITUCH estréia esta tradução em Santiago. Pablo

Neruda trabalha intensamente na campanha presidencial percorrendo o país de norte

a sul.

1965

Em Fevereiro viaja a Europa. Em Junho se lhe outorga o título de Doctor honoris

causa em Filosofia e Letras da Universidade de Oxford, título que se dá por primeira

vez a um sul-americano. Em Julho vive em Paris. Depois viaja a Hungria, onde em

colaboração com Miguel Ángel Asturias escreve Comendo em Hungria, livro que se

publicará em cinco idiomas simultaneamente. Assiste à reunião do PEN Clube, em

Bled (Iugoslávia), ao Congresso de Paz de Helsinki (Finlândia). Viaja à URSS como

júri do Prêmio Lenine, que se lhe outorga ao poeta Rafael Alberti. Em Dezembro

passando por Buenos Aires nuns dias, regressa a Chile.

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Neruda y Arthur Miller en Nueva York, 1966.

1966

Em Junho viaja aos Estados Unidos como convidado de honra à reunião do Pen

Clube. Dá recitais em Nova York, apresentado por Archibald Mac Leish, decano dos

poetas americanos; em Washington e Berkeley; grava para a Biblioteca do Congresso

de Washington. Viaja depois a México, onde dá recitais na Universidade; ao Peru,

recital no Teatro Municipal, na Universidade de San Marcos e na Universidade de

Engenharia; recital em Arequipa. A pedido da Associação de Escritores peruanos, que

preside Ciro Alegria, é condecorado com o Sol do Peru. Louis Aragão publica Elégie á

Pablo Neruda, Gallimard. Emir Rodríguez Monegal, O viajante imóvel, editora

Losada.

Neruda con David Alfaro Siqueiros.

1966

Em 28 de outubro legaliza no Chile seu casamento com Matilde Urrutia, celebrado

antes no estrangeiro. Publica-se Arte de pássaros, edição privada, pela Sociedade de

Amigos da Arte Contemporânea, ilustrada por Antúnez, Herrera, Carreño e Toral.

Audições semanais de rádio e leitura de sua poesia (10 audições). Em agosto recebe o

prêmio especial Atenea, da Universidade de Concepción, por toda sua obra literária.

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1967

Viaja por Europa. Em julho recebe o prêmio literário internacional de Viareggio

(Itália). Edições: Obras Completas, segunda edição, dois volumes, Losada, Buenos

Aires, Fulgor e morte de Joaquín Murieta, Editora Zig-Zag, Santiago de Chile, A

barcarola, editora Losada. Em outubro estreia-se, no teatro Antonio Varas, Fulgor e

morte de Joaquín Murieta, pelo elenco do ITUCH, com a direção de Pedro Orthous.

1968

Publica As mãos do dia, Losada, Argentina. Em fevereiro viaja para o Uruguai e dá

uma conferência no paraninfo da Faculdade de Arquitetura (Montevideo). Em Abril

recebe a Condecoração Joliot Curie. Em maio é designado Membro honorário da

Academia Norte-americana de Artes e Letras e do Instituto Nacional de Artes e

Letras. Dá um recital na Universidade de Caracas. Regressa ao Chile e começa a

colaborar como colunista da revista "Ercilla", de Santiago (1968-1970)

. 1969

Publica Comendo em Hungria, escrito em colaboração com Miguel Ángel Asturias,

editora Corvina, de Budapeste e Lumen, de Barcelona. Fim de mundo, edição privada

da Sociedade de Arte Contemporânea, Santiago de Chile. Ainda, editora Nascimento,

de Santiago de Chile. Sumário (livro Onde nasce a chuva de Memorial de Ilha Negra),

edição privada de Livraria Studio, de Santiago de Chile. A copa de sangue, editora A.

Tallone, Alpignano, Itália. Em Maio é designado Membro da Academia Chilena da

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Língua. Em agosto a Universidade Católica de Chile o declara Doctor Scientiae et

Honoris Causa. Em setembro o Senado da República de Chile o condecora com a

medalha de prata que se outorga aos filhos ilustres de Chile. Em 3 de setembro é

designado pré candidato à presidência da República pelo Partido Comunista chileno.

1970

Em Janeiro renúncia a sua candidatura presidencial ao conseguir-se a designação de

um candidato único dos partidos populares chilenos (doutor Salvador Allende). Em

Abril viaja a Europa. Em Maio assiste à estreia de sua obra de teatro Fulgor e morte

de Joaquín Murieta, no Piccolo Teatro de Milão. Dá um recital na Sorbonne, França.

Publica: Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, na editora Lord

Cochrane, de Santiago de Chile, edição de luxo com ilustrações de Mario Toral; A

espada acendida, editora Losada, Buenos Aires; Maremoto, edição privada da

Sociedade de Arte Contemporânea de Santiago de Chile; As pedras do céu, Losada,

Buenos Aires.

1971

Em 7 de Janeiro viaja à Ilha de Páscoa, com diretores e técnicos do canal 13 de

televisão chileno para filmar ali cenas do documentário «História e geografia de Pablo

Neruda» que depois se dará por esse canal em meados de ano.

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Em 21 de janeiro, o Senado chileno aprova sua designação como Embaixador de Chile

em França. Viaja a este país no mês de março, passando antes numa semana na

cidade de Buenos Aires. Em 21 de outubro lhe é concedido o Prêmio Nobel de

Literatura. Viaja a Estocolmo a recebê-lo e de ali a Polônia à estréia do Joaquín

Murieta. Dezembro 7: inaugura sua casa A Manquel.

1972

Embaixador em Paris. Viaja à URSS. No mês de março publica Losada seu livro

Geografia infrutuosa. Em 28 de outubro é nomeado Membro do Conselho Consultivo

da Unesco, elegido pela Conferência Geral, por um período de quatro anos. No mês de

novembro viaja a Chile. Homenagem do povo chileno no Estádio Nacional.

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1973

Em 5 de fevereiro renúncia à embaixada em Paris comunicando-se ao presidente

Salvador Allende quando este vai visitá-lo a sua casa de Ilha Negra. Depois trocam

cartas. Em 18 de fevereiro se publica seu livro Incitação ao nixonicidio e louvor da

revolução chilena, que é vendido pelas ruas de Santiago. O 11 de setembro morre

Salvador Allende num Golpe de Estado que tomou o Governo até 1990.

Em 23 de setembro morre Pablo Neruda na clínica Santa Maria, em Santiago de

Chile.

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Algumas Obras

Crepusculario

Vinte poema de amor e uma canção desesperada

Tentativas do homem infinito

O hondero entusiasta

Residência na Terra I

Residência na Terra II

Terceira residência

Espanha no coração

Canto geral

As uvas e o vento

Os versos do Capitão

Odes elementares

Novas odes elementares

Terceiro livro de odes

Estravagario

Cem sonetos de amor

As pedras do Chile

Cantos Cerimoniais

Plenos Poderes

Memorial de Ilha Negra

Arte de Pajaros

La barcarola

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As mãos do dia

Ainda

Fim do mundo

A espada acesa

As pedras do céu

Geografia infrutuosa

Defeitos Escondidos

Elegia

O mar e os sinos

O coração amarelo

A rosa separada

O livro das perguntas

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Internet comemora cem anos de Pablo Neruda

MARIJÔ ZILVETI

da Folha de S.Paulo

O centenário do nascimento do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973),

celebrado no próximo dia 12, é lembrado também na Internet, em sites que trazem

informações sobre o autor e até a reprodução completa de sua obra.

Neruda recebeu o Prêmio Nobel de literatura em 1971. Na página

www.nobel.se/literature/laureates/1971/neruda-bio.html, você descobre que o

verdadeiro nome do poeta era Neftalí Ricardo Reyes Basoalto. Vê também que, na

Espanha, durante a Guerra Civil, ele se juntou ao movimento republicano. Depois

escreveu a coleção de poesias "España en el Corazón" (1937).

A Universidade do Chile mantém em www.uchile.cl/neruda página com links

para textos sobre o centenário do nascimento do poeta. Não deixe de visitar o item

Obra, em que pode escutar Neruda recitando "20 Poemas de Amor y una Canción

Desesperada" (1968) e "Los Versos del Capitán" (1969).

O site Arte História (www.artehistoria.com/historia/personajes/7381.htm) narra

detalhes de sua biografia e seu retorno ao Chile após o golpe de Estado que levou ao

poder o general Augusto Pinochet.

Margarita Aguirre, secretária de Neruda, publicou uma cronologia sobre o

poeta, que está disponível em www.chilevive.cl/homenaje/neruda/biografia.shtml.

A Fundación Pablo Neruda, em www.neruda.cl, oferece também uma

fotobiografia. Vá até www.centenariopabloneruda.cl e conheça detalhes das casas

onde o poeta morou no Chile.

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Antes de amar-te

Antes de amar-te, amor, nada era meu:

vacilei pelas ruas e coisas:

nada contava nem tinha nome:

o mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,

túneis habitados pela lua,

hangares cruéis que se despediam,

perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio,morto e mudo,

caído,abandonado e decaído,

tudo era inalienavelmente alheio,

tudo era dos outros e de ninguém,

até que tua beleza e tua pobreza

de dádivas encheram o outono.

* * * * *

Áspero amor, violeta coroada de espinhos...

Arbusto entre tantas paixões erguidas,

Lança das dores, coroa da ira,

Por quais caminhos e como te dirigiu a minha alma?

Por que precipitaste teu fogo doloroso,

Repentinamente, entre as folhas frias do meu caminho?

Quem te ensinou os passos que te levaram a mim?

Que flor, que pedra, que fumaça mostraram minha casa?

A verdade é que tremeu a noite apavorante,

A aurora encheu todas as taças com seu vinho

E o sol estabeleceu sua presença celeste,

Enquanto o amor cruel me cercava sem trégua,

Até que padecendo-me com espadas e espinhos,

Abriu meu coração um caminho ardente.

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Nos bosques, perdido

Nos bosques, perdido, cortei um ramo escuro

E aos labios, sedento, levante seu sussurro:

era talvez a voz da chuva chorando,

um sino quebrado ou um coração partido.

Algo que de tão longe me parecia

oculto gravemente, coberto pela terra,

um garoto ensurdecido por imensos outonos,

pela entreaberta e úmida treva das folhas.

Porem ali, despertando dos sonhos do bosque,

o ramo de avelã cantou sob minha boca

E seu odor errante subiu para o meu entendimento

como se, repentinamente, estivessem me procurando as raízes

que abandonei, a terra perdida com minha infância,

e parei ferido pelo aroma errante.

* * * * *

Não o quero, amada.

Para que nada nos prenda

para que não nos una nada.

Nem a palavra que perfumou tua boca

nem o que não disseram as palavras.

Nem a festa de amor que não tivemos

nem teus soluços junto à janela...

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Saudade

Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não

foi embora, mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,

é recusar um presente que nos machuca,

é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,

é a dor dos que ficaram para trás,

é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:

aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:

não ter por quem sentir saudades,

passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

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Soneto de Amor

Talvez não ser é ser sem que tu sejas,

sem que vás cortando o meio-dia

como uma flor azul, sem que caminhes

mais tarde pela névoa e os ladrilhos,

sem essa luz que levas na mão

que talvez outros não verão dourada,

que talvez ninguém soube que crescia

como a origem rubra da rosa,

sem que sejas, enfim, sem que viesses

brusca, incitante, conhecer minha vida,

aragem de roseira, trigo do vento,

e desde então sou porque tu é,

e desde então é, sou e somos

e por amor serei, serás, seremos.

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CARTA NO CAMINHO

Adeus, porém comigo serás, sempre irás dentro

de uma gota de sangue que circule em minhas veias ou fora,

beijo que me abrasa o rosto ou cinturão de fogo na cintura.

Doce minha, recebe o grande amor que me saiu da vida e que em ti não achava

território como o explorador perdido nas ilhas do pão e do mel.

Eu te encontrei depois da tormenta, a chuva lavou o ar,

na água, teus doces pés brilharam como peixes.

Adorada, me vou a meus combates.

Arranharei a terra para te fazer uma cova e ali teu Capitão te esperará com

flores sobre o leito. Não penses mais, amada,

no tormento que passou entre nós dois como um raio de fósforo nos deixando talvez,

a queimadura.

A paz chegou também porque regresso à luta em minha terra,

e como tenho o coração completo com a parte do sangue que me deste para sempre,

e como levo minhas mãos cheias do teu ser desnudo,

olha-me, pelo mar, que vou radiante, olha-me pela noite que navego,

e o mar e a noite, amor, serão os teus olhos.

Eu não saio de ti quando me afasto.

Agora vou te contar: vai ser tua a minha terra, vou conquistá-la,

não só para te dar, mas para dar a todos, para todo o meu povo.

Um dia o ladrão deixará a sua torre, e o invasor será expulso.

E todos os frutos da vida crescerão em minhas mãos acostumadas antes à pólvora.

E saberei acariciar as novas flores porque tu me ensinaste o que é ternura.

Doce minha, adorada, virás comigo lutar corpo a corpo,

porque em meu coração vivem teus beijos como bandeiras rubras,

e se caio, não só me recobrirá a terra, também o grande amor que me trouxeste,

que viveu circulando por meu sangue.Virás comigo,

e nessa hora te espero, nessa hora e em todas as horas,

em todas as horas te espero.

E quando venha a tristeza que odeio a golpear a tua porta,

diz a ela que te espero, e quando a solidão queira que mudes esse anel em que está

meu nome escrito,

diz pra solidão falar comigo, que eu precisei partir porque sou um soldado,

e que ali onde eu estou, sob a chuva ou sob o fogo, amor meu, te espero.

Te espero no deserto mais duro e junto do limoeiro florescido,

em qualquer lugar onde esteja a vida, onde esteja nascendo a primavera, amor meu,

te espero.

Quando digam: "Esse homem não te quer", recorda que meus pés estão sós

nessa noite e procuram os doces e pequenos pés que adoro. Amor, quando te digam

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que eu já te esqueci, e quando seja eu mesmo quem diga, e quando eu te disser, não

me creias, quem e como poderiam te cortar do meu peito e quem receberia meu

sangue quando em teu ser me fosse dessangrando? Porém tampouco posso esquecer o

meu povo. Vou lutar em cada rua, atrás de cada pedra. O teu amor me ajuda: és uma

flor fechada que me enche cada vez com seu aroma e que súbita se abre dentro de

mim como uma grande estrela. Amor meu, é de noite. Essa água negra, o mundo

dormindo, me rodeiam. Já está chegando a aurora, enquanto vem, te escrevo para

dizer que te amo. Para dizer: "te amo", cuida, limpa, levanta, defende nosso amor,

alma minha. Aqui te deixo como se deixasse um punhado de terra com sementes. Do

nosso amor nascerão vidas.

Em nosso amor beberão água. Talvez chegará um dia em que um homem e uma

mulher, iguais a nós dois, tocarão este amor, que ainda terá força para queimar as

mãos que o toquem. Quem fomos? O que importa? Tocarão este fogo e o fogo, doce

minha, dirá teu simples nome e o meu, o nome que só tu soubeste porque só tu sobre a

terra sabes quem sou, e porque ninguém me conheceu como uma, como só uma de

tuas mãos, porque ninguém soube como, nem quando meu coração esteve ardendo:

tão só teus olhos grandes pardos o souberam, tua vasta boca, tua pele, teus peitos, teu

ventre, tuas entranhas e essa alma que eu despertei só para que ficasse cantando até

o fim da vida. Amor, te espero.

Adeus, amor, te espero.

Amor, amor, te espero. E assim termina esta carta sem nenhuma tristeza: sobre a

terra estão firmes os meus pés, minha mão escreve esta carta no caminho, e no meio

da vida estarei sempre junto ao amigo, frente ao inimigo, com teu nome na boca e um

beijo que jamais se separou da tua.

Pablo Neruda - ( Thiago de Mello) - Versos do Capitão -

Page 20: Pablo Neruda - Coletanea

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Angela Adonica

Hoje deitei-me junto a uma jovem pura

como se na margem de um oceano branco,

como se no centro de uma ardente estrela

de lento espaço.

Do seu olhar largamente verde

a luz caía como uma água seca,

em transparentes e profundos círculos

de fresca força.

Seu peito como um fogo de duas chamas

ardia em duas regiões levantado,

e num duplo rio chegava a seus pés,

grandes e claros.

Um clima de ouro madrugava apenas

as diurnas longitudes do seu corpo

enchendo-o de frutas estendidas

e oculto fogo. Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,

do meu cabelo e até da minha sombra.

Acontece que me canso de ser homem.

Todavia, seria delicioso

assustar um notário com um lírio cortado

ou matar uma freira com um soco na orelha.

Seria belo

ir pelas ruas com uma faca verde

e aos gritos até morrer de frio.

Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,

com fúria e esquecimento,

passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,

e pátios onde há roupa pendurada num arame:

cuecas, toalhas e camisas que choram

lentas lágrimas sórdidas. É assim que te quero, amor,

assim, amor, é que eu gosto de ti,

tal como te vestes

e como arranjas

os cabelos e como

a tua boca sorri,

Page 21: Pablo Neruda - Coletanea

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ágil como a água

da fonte sobre as pedras puras,

é assim que te quero, amada,

Ao pão não peço que me ensine,

mas antes que não me falte

em cada dia que passa.

Da luz nada sei, nem donde

vem nem para onde vai,

apenas quero que a luz alumie,

e também não peço à noite explicações,

espero-a e envolve-me,

e assim tu pão e luz

e sombra és.

Chegastes à minha vida

com o que trazias,

feita

de luz e pão e sombra, eu te esperava,

e é assim que preciso de ti,

assim que te amo,

e os que amanhã quiserem ouvir

o que não lhes direi, que o leiam aqui

e retrocedam hoje porque é cedo

para tais argumentos.

Amanhã dar-lhes-emos apenas

uma folha da árvore do nosso amor, uma folha

que há-de cair sobre a terra

como se a tivessem produzido os nosso lábios,

como um beijo caído

das nossas alturas invencíveis

para mostrar o fogo e a ternura

de um amor verdadeiro. Tu eras também uma pequena folha

que tremia no meu peito.

O vento da vida pôs-te ali.

A princípio não te vi: não soube

que ias comigo,

até que as tuas raízes

atravessaram o meu peito,

se uniram aos fios do meu sangue,

falaram pela minha boca,

floresceram comigo. Dois amantes felizes não têm fim nem morte,

nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,

são eternos como é a natureza.

* * * * *

Page 22: Pablo Neruda - Coletanea

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Não te quero senão porque te quero,

e de querer-te a não te querer chego,

e de esperar-te quando não te espero,

passa o meu coração do frio ao fogo.

Quero-te só porque a ti te quero,

Odeio-te sem fim e odiando te rogo,

e a medida do meu amor viajante,

é não te ver e amar-te,

como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,

seu raio cruel meu coração inteiro,

roubando-me a chave do sossego,

nesta história só eu me morro,

e morrerei de amor porque te quero,

porque te quero amor,

a sangue e fogo. Nega-me o pão, o ar,

a luz, a primavera,

mas nunca o teu riso,

porque então morreria.

* * * * *

Suave é a bela como se música e madeira,

ágata, telas, trigo, pêssegos transparentes,

tivessem erigido a fugitiva estátua.

Para a onda dirige seu contrário frescor.

O mar molha polidos pés copiados

à forma recém-trabalhada na areia

e é agora seu fogo feminino de rosa

uma borbulha só que o sol e o mar combatem.

Ai, que nada te toque senão o sal do frio!

Que nem o amor destrua a primavera intacta.

Formosa, revérbero da indelével espuma,

Page 23: Pablo Neruda - Coletanea

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deixa que teus quadris imponham na água

uma medida nova de cisne ou de nenúfar

e navegue tua estátua pelo cristal eterno.

* * * * *

Se eu morrer, sobrevive a mim com tamanha força

que acordarás as fúrias do pálido e do frio,

de sul a sul, ergue teus olhos indeléveis,

de sol a sol sonha através de tua boca cantante.

Não quero que tua risada ou teus passos hesitem.

Não quero que minha herança de alegria morra.

Não me chames. Estou ausente.

Vive em minha ausência como em uma casa.

A ausência é uma casa tão rápida

que dentro passarás pelas paredes

e pendurarás quadros no ar.

A ausência é uma casa tão transparente

que eu, morto, te verei, vivendo,

e se sofreres, meu amor, eu morrerei novamente.

* * * * *

Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.

Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.

Gira a noite sobra suas invisíveis rodas

e junto a mim és pura como âmbar dormido.

Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.

Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.

Nenhuma mais viajará pela sombra comigo,

só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.

Já tuas mãos abriram os punhos delicados

e deixaram cair suaves sinais sem rumo,

teus olhos se fecharam como duas asas cinzas.

Enquanto eu sigo a água que levas e me leva:

a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,

e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.

Page 24: Pablo Neruda - Coletanea

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ODE AO GATO

tradução: Eliane Zagury

Os animais foram

imperfeitos,

compridos de rabo, tristes

de cabeça.

Pouco a pouco se foram

compondo,

fazendo-se paisagem,

adquirindo pintas, graça vôo.

O gato,

só o gato apareceu completo

e orgulhoso:

nasceu completamente terminado,

anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro,

a serpente quisera ter asas,

o cachorro é um leão desorientado,

o engenheiro quer ser poeta,

a mosca estuda para andorinha,

o poeta trata de imitar a mosca,

mas o gato

quer ser só gato

e todo gato é gato do bigode ao rabo,

do pressentimento à ratazana viva,

da noite até os seus olhos de ouro.

Não há unidade

como ele,

não tem

a lua nem a flor

tal contextura:

é uma coisa

só como o sol ou o topázio,

e a elástica linha em seu contorno

firme e sutil é como

a linha da proa de uma nave.

Os seus olhos amarelos

deixaram uma só

ranhura

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para jogar as moedas da noite .

Oh pequeno imperador sem orbe,

conquistador sem pátria,

mínimo tigre de salão, nupcial

sultão do céu

das telhas eróticas,

o vento do amor

na intempérie

reclamas

quando passas

e pousas

quatro pés delicados

no solo,

cheirando,

desconfiando

de todo o terrestre,

porque tudo

é imundo

para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente

da casa, arrogante

vestígio da noite,

preguiçoso, ginástico

e alheio,

profundíssimo gato,

polícia secreta

dos quartos,

insígnia

de um

desaparecido veludo,

certamente não há

enigma na tua maneira,

talvez não sejas mistério,

todo o mundo sabe de ti e pertences

ao habitante menos misterioso

talvez todos acreditem,

todos se acreditem donos,

proprietários, tios

de gato, companheiros,

colegas,

discípulos ou amigos do seu gato.

Eu não.

Eu não subscrevo.

Eu não conheço o gato.

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Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,

o mar e a cidade incalculável,

a botânica

o gineceu com os seus extravios,

o pôr e o menos da matemática,

os funis vulcânicos do mundo,

a casca irreal do crocodilo,

a bondade ignorada do bombeiro,

o atavismo azul do sacerdote,

mas não posso decifrar um gato.

Minha razão resvalou na sua indiferença,

os seus olhos têm números de ouro.

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POEMA XVIII

Os dias não se descartam nem se somam, são abelhas

que arderam de doçura ou enfureceram

o aguilhão: o certame continua,

vão e vêm as viagens do mel à dor.

Não, não se desfia a rede dos anos: não há rede.

não caem gota a gota de um rio: não há rio.

O sonho não divide a vida em duas metades,

nem a ação, nem o silêncio, nem a virtude:

a vida foi como uma pedra, um só movimento,

uma única fogueira que reverberou na folhagem,

uma flecha, uma só, lenta ou ativa, um metal

que subiu e desceu queimando em teus ossos.

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Cem Sonetos de Amor - XLVI

Das estrelas que admirei,

molhadas

por rios e rocios diferentes,

eu não escolhi senão

a que eu amava

e desde então durmo

com a noite.

Da onda, uma onda e outra

onda,

verde mar, verde frio, ramo

verde,

eu não escolhi senão

uma só onda:

a onda indivisível

de teu corpo.

Todas as gotas, todas as

raízes,

todos os fios da luz vieram,

vieram-me ver tarde ou cedo.

Eu quis para mim tua cabeleira.

E de todos os dons de minha

pátria

só escolhi teu coração

selvagem.

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Soneto XXV

Antes de amar-te, amor, nada era meu:

vacilei pelas ruas e as coisas:

nada contava nem tinha nome:

o mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,

túneis habitados pela lua,

hangares cruéis que se despediam,

perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,

caído, abandonado e decaído,

tudo era inalienavelmente alheio,

tudo era dos outros e de ninguém,

até que tua beleza e tua pobreza

de dádivas encheram o outono.

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AQUI TE AMO

Aqui te amo.

Nos sombrios pinheiros desenreda-se o vento.

A lua fosforesce sobre as águas errantes.

Andam dias iguais a perseguir-se.

Desperta-se a névoa em dançantes figuras.

Uma gaivota de prata desprende-se do ocaso.

Às vezes uma vela.

Altas, altas estrelas.

Ou a cruz negra de um barco.

Sozinho. Às vezes amanheço, e até a alma está úmida.

Soa, ressoa o mar ao longe.

Este é um porto.

Aqui te amo.

Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte.

Eu continuo a amar-te entre estas frias coisas.

Às vezes vão meus beijos nesses navios graves que correm pelo mar aonde nunca

chegam.

Já me vejo esquecido como estas velhas âncoras.

São mais tristes os cais quando fundeia a tarde.

A minha vida cansa-se inutilmente faminta.

Eu amo o que não tenho.

E tu estás tão distante.

O meu tédio forceja com os lentos crepúsculos.

Mas a noite aparece e começa a cantar-me.

A lua faz girar a sua rodagem de sonho.

Olham-me com teus as estrelas maiores.

E como eu te amo,

os pinheiros no vento querem cantar o teu nome com as folhas de arame.

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Eu aqui me despeço

Eu me despeço.

Volto à minha casa, em meus sonhos.

Volto à Patagônia, aonde o vento golpeia os estábulos e salpica de frescor o Oceano.

Sou nada mais que um poeta: amo a todos, ando errante pelo mundo que amo.

Em minha pátria, prende-se mineiros e os soldados mandam mais que os juízes.

Entretanto, amo até mesmo as raízes de meu pequeno país frio.

Se tivesse que morrer mil vezes, ali quero morrer.

Se tivesse que nascer mil vezes, ali quero nascer.

Perto da araucária selvagem, do vendaval que vem do sul,

das campanas recém compradas.

Que ninguém pense em mim.

Pensemos em toda a terra, golpeando com amor a mesa.

Não quero que volte o sangue...

a molhar o pão, os feijões, a música:

quero que venha comigo o mineiro,

a criança, o advogado, o marinheiro, o fabricantede bonecas.

Que entremos no cinema e bebamos o vinho mais tinto.

Eu não vim para resolver nada.

Vim aqui para cantar e quero que cantes comigo.

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Um cogito

Qual é o trabalho forçado

de Adolf Hitler no inferno?

Pinta paredes? Cadáveres?

Fareja o gás de suas vítimas?

Terá que ingerir as cinzas

dos meninos calcinados?

Ou desde sua morte há de

beber sangue num funil?

Ou lhe martelam na boca

os dentes de ouro arrancados?

Ou sobre arames farpados

lhe concederão dormir?

Vão ver sua pele tatuada

nos abajures de adorno?

Ou negros mastins de fogo

dele se incumbem no inferno?

Deve de noite e de dia

em trégua andar com seus presos?

Ou morrerá pouco a pouco

sob o mesmo gás eterno?

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O inseto

Das tuas ancas aos teus pés

quero fazer uma longa viagem.

Sou mais pequeno que um inseto.

Percorro estas colinas,

são da cor da aveia,

têm trilhos estreitos

que só eu conheço,

centímetros queimados,

pálidas perspectivas.

Há aqui um monte.

Nunca dele sairei.

Oh que musgo gigante!

E uma cratera, uma rosa

de fogo umedecido!

Pelas tuas pernas desço

tecendo uma espiral

ou adormecendo na viagem

e alcanço os teus joelhos

duma dureza redonda

como os ásperos cumes

dum claro continente.

Para teus pés resvalo

para as oito aberturas

dos teus dedos agudos,

lentos, peninsulares,

e deles para o vazio

do lençol branco

caio, procurando cego

e faminto teu contorno

de vaso escaldante!

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Soneto XI

Tenho fome de tua boca, de tua voz, de teu pelo,

e pelas ruas vou sem nutrir-me, calado,

não me sustenta o pão, a aurora me desequilibra,

busco o som líquido de teus pés no dia.

Estou faminto de teu riso resvalado,

de tuas mãos cor de furioso celeiro,

tenho fome da pálida pedra de tuas unhas,

quero comer tua pele como uma intacta amêndoa.

Quero comer o raio queimado de tua beleza,

o nariz soberano do arrogante rosto,

quero comer a sombra fugaz de tuas pestanas

e faminto venho e vou olfateando o crepúsculo

buscando-te, buscando teu coração ardente

como um puma na solidão de Quitratúe.

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Livro das Perguntas

Tem coisa mais boba na vida

que chamar-se Pablo Neruda?

Que vim fazer neste planeta?

A quem dirijo esta pergunta?

E que importância tenho eu

no tribunal do esquecimento?

Não era verdade que Deus

vivia no mundo da lua?

Minha poesia desgarrada

abr'olhos com estes olhos meus?

Por que me picam as pulgas e os

sargentos da literatura?

Que dirão da minha poesia

os que não tocaram meu sangue?

Posso perguntar ao meu livro

se eu mesmo o escrevi? Desde quando?

Por que nas épocas obscuras

se escreve com uma tinta extinta?

E por que detesto as cidades

com cheiro de mulher e urina?

Quem devorou rente aos meus olhos

um tubarão cheio de pústulas?

Por que andam as ondas me indagando

sobre as mesmíssimas perguntas?

Por que não nasci misterioso?

Por que cresci sem companhia?

Das tais virtudes que esqueci

dá pra fazer um terno novo?

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Onde está o menino que fui:

anda comigo ou evaporou-se?

Sabe que nunca fui com ele

nem ele comigo tampouco?

Por que estivemos tanto tempo

crescendo para essa ruptura?

Quando minha infância se foi

por que nós dois não fomos junto?

Ainda ontem disse aos meus olhos:

quando de novo nos veremos?

Não é melhor nunca que tarde

dentro de listões amarelos?

Em que janela me quedei

em busca do tempo, se pulcro?

Ou o que diviso destes ermos

ainda não passa de futuro?

Que me esperava em Ilha Negra:

verdades verdes? compostura?

Se morri e não me dei conta

morto, a'hora, a quem me pergunto?

Quem me mandou desvencilhar-me

das portas do meu amor-próprio?

É verdade que um condor negro

sobrevoa minha pátria noite?

Que há de pesar mais na cintura:

padecimentos? memórias?

Que deu em mim de transmigrar

se vivem no Chile meus ossos?

Por que me movo sem querer?

Por que estou sempre desinquieto?

E se minh'alma desabou

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por que meu esqueleto prossegue?

Por que vou girando sem rodas

e voando sem asas nem penas?

Por que minha roupa desbotada

se agita como uma bandeira?

E que bandeira tremulou

no espaço em que não me esqueceram?

Pois não foi onde me perderam

que eu me dei, enfim, por achado?

Esse onde onde termina o espaço

se chama de morte ou infinito?

Por que voltei à indiferença

do mar oceano desmedido?

Achas que o luto te antecipa

à bandeira do teu destino?

Se caí no laço do mar

por que fechei os meus caminhos?

Que significa persistir

no beco da morte-sem-saída?

E no mar do não-passa-nada

mortalha faz algum sentido?

Por que trabalham sal e açúcar

construindo-se uma torre branca?

Onde fica o umbigo do mar?

Por que até ali não chegam as ondas?

Foi das costas do mar que eu vim:

para onde vou quando me atalha?

Não sentes também o perigo

na gargalhada do mar alto ?

Onde terminará o arco-íris:

dentro da alma ou no horizonte?

Page 38: Pablo Neruda - Coletanea

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Vejo de novo o mar ab ovo:

o mar me viu ou botou banca?

Não choras rodeado de risos

- só - com as garrafas do vazio?

Quanto media o polvo negro

que obscureceu a paz do dia?

Não será nossa vida um túnel

entre duas vagas claridades?

Ou não será uma claridade

entre dois triângulos escuros?

E não achas que a morte vinga

dentro do sol de uma cereja?

Ou que em perigosas substâncias

do não ser, a morte lateja?

Devo escolher esta manhã

entre o céu e o mar, tudo ou nada?

Quem sabe lá de onde é que vem

a morte: de cima ou de baixo?

A morte não seria enfim

uma cozinha interminável?

Ou não seria a vida um peixe

preparado para ser pássaro?

Tradução Maria do Carmo Ferreira

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Virás comigo,

disse sem que ninguém soubesse onde e

como pulsava meu estado doloroso

e para mim

não havia cravo nem barcarola,

nada senão

uma ferida pelo amor aberta.

Repeti:

vem comigo, como se morresse,

e ninguém viu em minha boca a lua que sangrava,

ninguém

viu aquele sangue que subia ao silêncio.

Oh, amor,

agora esqueçamos a estrela com pontas!

Por isso

quando ouvi que tua voz repetia

"Virás

comigo", foi como se desatasses

dor, amor,

a fúria do vinho encarcerado

que da sua

cantina submergida soubesse

e outra

vez em minha boca senti um sabor de chama,

de sangue

e cravos, de pedra e queimadura.

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SE TU ME ESQUECES

Quero que saibas uma coisa.

Tu já sabes o que é:

Se olho a lua de cristal,

o ramo rubro do lento outono

em minha janela,

se toco junto ao fogo

a implacável cinza ou

o enrugado corpo da madeira,

tudo me leva a ti,

como se tudo o que existe,

aromas, luz , metais,

fossem pequenos barcos

que navegam para estas tuas ilhas

que me aguardam.

Pois, ora, se pouco a pouco

deixas de me amar, de te amar, pouco a pouco, deixarei.

Se de repente me esqueces, não me procures,

já te esqueci também.

Se consideras longe e louco

o vento de bandeiras que canta minha vida

e te decides a me deixar na margem do coração

no qual tenho raízes, pensa que nesse dia

a essa hora levantarei os braços

me nascerão raízes procurando outra terra.

Porém, se cada dia,

cada hora, sentes que a mim estás destinada com doçura implacável,

se cada dia se ergue uma flor

a teus lábios me buscando,

ai, amor meu, ai minha,

em mim todo esse fogo se repete,

em mim nada se apaga

nem se esquece, do teu amor, amada,

o meu se nutre,

e enquanto vivas estará em teus braços

e sem sair

Fonte http://geocities.yahoo.com.br/jerusalem_13/neruda.html

Page 41: Pablo Neruda - Coletanea

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Walking Around

Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,

do meu cabelo e até da minha sombra.

Acontece que me canso de ser homem.

Todavia, seria delicioso

assustar um notário com um lírio cortado

ou matar uma freira com um soco na orelha.

Seria belo

ir pelas ruas com uma faca verde

e aos gritos até morrer de frio.

Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,

com fúria e esquecimento,

passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,

e pátios onde há roupa pendurada num arame:

cuecas, toalhas e camisas que choram

lentas lágrimas sórdidas.

É assim que te quero, amor,

assim, amor, é que eu gosto de ti,

tal como te vestes

e como arranjas

os cabelos e como

a tua boca sorri,

ágil como a água

da fonte sobre as pedras puras,

é assim que te quero, amada,

Ao pão não peço que me ensine,

mas antes que não me falte

em cada dia que passa.

Da luz nada sei, nem donde

vem nem para onde vai,

apenas quero que a luz alumie,

e também não peço à noite explicações,

espero-a e envolve-me,

e assim tu pão e luz

e sombra és.

Chegastes à minha vida

com o que trazias,

feita

de luz e pão e sombra, eu te esperava,

e é assim que preciso de ti,

Page 42: Pablo Neruda - Coletanea

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assim que te amo,

e os que amanhã quiserem ouvir

o que não lhes direi, que o leiam aqui

e retrocedam hoje porque é cedo

para tais argumentos.

Amanhã dar-lhes-emos apenas

uma folha da árvore do nosso amor, uma folha

que há-de cair sobre a terra

como se a tivessem produzido os nosso lábios,

como um beijo caído

das nossas alturas invencíveis

para mostrar o fogo e a ternura

de um amor verdadeiro.

Tu eras também uma pequena folha

que tremia no meu peito.

O vento da vida pôs-te ali.

A princípio não te vi: não soube

que ias comigo,

até que as tuas raízes

atravessaram o meu peito,

se uniram aos fios do meu sangue,

falaram pela minha boca,

floresceram comigo.

Dois amantes felizes não têm fim nem morte,

nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,

são eternos como é a natureza.

Não te quero senão porque te quero,

e de querer-te a não te querer chego,

e de esperar-te quando não te espero,

passa o meu coração do frio ao fogo.

Quero-te só porque a ti te quero,

Odeio-te sem fim e odiando te rogo,

e a medida do meu amor viajante,

é não te ver e amar-te,

como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,

seu raio cruel meu coração inteiro,

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roubando-me a chave do sossego,

nesta história só eu me morro,

e morrerei de amor porque te quero,

porque te quero amor,

a sangue e fogo.

Nega-me o pão, o ar,

a luz, a primavera,

mas nunca o teu riso,

porque então morreria.

Page 44: Pablo Neruda - Coletanea

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Os teus pés

Quando não te posso contemplar

Contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,

Teus pequenos pés duros,

Eu sei que te sustentam

E que teu doce peso

Sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,

A duplicada púrpura

Dos teus mamilos,

A caixa dos teus olhos

Que há pouco levantaram vôo,

A larga boca de fruta,

Tua rubra cabeleira,

Pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés

É só porque andaram

Sobre a terra e sobre

O vento e sobre a água,

Até me encontrarem.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,

e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Eu amei-a e por vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a em meus braços.

Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.

Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.

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E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.

A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.

A minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.

O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.

Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.

Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.

A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.

É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,

a minha alma não se contenta por havê-la perdido.

Embora seja a última dor que ela me causa,

e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Page 46: Pablo Neruda - Coletanea

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Quem morre?

Morre lentamente

quem se transforma em escravo do hábito,

repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca

Não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente

quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente

quem evita uma paixão,

quem prefere o negro sobre o branco

e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções,

justamente as que resgatam o brilho dos olhos,

sorrisos dos bocejos,

corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente

quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,

quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,

quem não se permite pelo menos uma vez na vida,

fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente

quem não viaja,

quem não lê,

quem não ouve música,

quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente

quem destrói o seu amor-próprio,

quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente,

quem passa os dias queixando-se da sua má sorte

ou da chuva incessante.

Morre lentamente,

quem abandona um projeto antes de iniciá-lo,

não pergunta sobre um assunto que desconhece

ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,

recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior

que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos

um estágio esplêndido de felicidade.

Page 47: Pablo Neruda - Coletanea

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A tartaruga

A tartaruga que

andou

tanto tempo

e tanto viu

com

seus

antigos

olhos,

a tartaruga

que comeu

azeitonas

do mais profundo

mar,

a tartaruga que nadou

sete séculos

e conheceu

sete

mil

primaveras,

a tartaruga

blindada

contra

o calor

e o frio,

contra

os raios e as ondas,

a tartaruga

amarela

e prateada

com severos

lunares

ambarinos

e pés de rapina,

a tartaruga

ficou

aqui

dormindo

e não sabe

De tão velha

se foi

pondo dura,

Page 48: Pablo Neruda - Coletanea

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deixou

de amar as ondas

e foi rígida

como o ferro de passar

Fechou

os olhos que

tanto

mar, céu, tempo e terra

desafiaram,

e dormiu

entre as outras

pedras.

Page 49: Pablo Neruda - Coletanea

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CAVALHEIRO SÓ

Os jovens homossexuais e as mocinhas amorosas,

e as longas viúvas que sofrem de insônia delirante,

e as jovens senhoras há trinta horas emprenhadas,

e os gatos roufenhos que atravessam meu jardim em trevas,

como um colar de palpitantes ostras sexuais

rodeiam minha casa solitária,

inimigos jurados de minha alma,

conspiradores em traje de dormir,

que trocaram por senha grandes beijos espessos.

O verão radiante conduz os namorados

em uniformes regimentos melancólicos

de pares gordos magros e alegres tristes pares:

sob os coqueiros elegantes, junto ao mar e à lua,

há uma vida contínua de calças e galinhas,

um rumor de meias de seda acariciadas,

e seios femininos a brilhar como dois olhos.

O pequeno empregado, depois de tanta coisa,

depois do tédio semanal e das novelas lidas na cama toda noite,

seduziu sua vizinha inapelavelmente

e a leva agora a cinemas miseráveis

onde os heróis são potros ou são príncipes apaixonados,

e lhe acaricia as pernas, véu macio,

com suas mãos ardentes, úmidas que cheiram a cigarro

As tardes do sedutor e as noites dos esposos

se unem, dois lençóis que me sepultam,

e as horas de após almoço em que os jovens estudantes

e as jovens estudantes, e os padres se masturbam,

e os animais fornicam sem rodeios

e as abelhas cheiram a sangue e zumbem coléricas as moscas,

e os primos brincam de estranho jeito com as primas,

e os médicos olham com fúria o marido da jovem paciente,

e as horas da manhã nas quais, como que por descuido, o professor

cumpre os seus deveres conjugais e desjejua,

e inda mais os adúlteros, que com amor verdadeiro se amam

sobre leitos altos, amplos como embarcações;

seguramente, eternamente me rodeia

este respiratório e enredado grande bosque

com grandes flores e com dentaduras

e raízes negras em forma de unhas e sapatos.

Tradução de José Paulo Paes

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Dois amantes felizes não têm fim nem morte,

nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,

são eternos como é a natureza.

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É assim que te quero, amor,

assim, amor, é que eu gosto de ti,

tal como te vestes

e como arranjas

os cabelos e como

a tua boca sorri,

ágil como a água

da fonte sobre as pedras puras,

é assim que te quero, amada,

Ao pão não peço que me ensine,

mas antes que não me falte

em cada dia que passa.

Da luz nada sei, nem donde

vem nem para onde vai,

apenas quero que a luz alumie,

e também não peço à noite explicações,

espero-a e envolve-me,

e assim tu pão e luz

e sombra és.

Chegastes à minha vida

com o que trazias,

feita

de luz e pão e sombra, eu te esperava,

e é assim que preciso de ti,

assim que te amo,

e os que amanhã quiserem ouvir

o que não lhes direi, que o leiam aqui

e retrocedam hoje porque é cedo

para tais argumentos.

Amanhã dar-lhes-emos apenas

uma folha da árvore do nosso amor, uma folha

que há-de cair sobre a terra

como se a tivessem produzido os nosso lábios,

como um beijo caído

das nossas alturas invencíveis

para mostrar o fogo e a ternura

de um amor verdadeiro.

Page 52: Pablo Neruda - Coletanea

52

Inicial

O dia não é hora por hora.

É dor por dor,

o tempo não se dobra,

não se gasta,

mar, diz o mar,

sem trégua,

terra, diz a terra,

o homem espera.

E só

seu sino

está ali entre os outros

guardando em seu vazio

um silêncio implacável

que se repartirá

quando levante sua língua de metal

onda após onda.

De tantas coisas que tive,

andando de joelhos pelo mundo,

aqui, despido,

não tenho mais que o duro meio-dia

do mar, e um sino.

Eles me dão sua voz para sofrer

e sua advertência para deter-me.

Isto acontece para todo o mundo,

continua o espaço.

E vive o mar.

Existem os sinos.