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Curso de Distúrbios de Aprendizagem MÓDULO IV Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada, é proibida qualquer forma de comercialização do mesmo. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos na Referência Consultada.

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Curso de

Distúrbios de Aprendizagem

MÓDULO IV

Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada, é proibida qualquer forma de comercialização do mesmo. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos na Referência Consultada.

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MÓDULO IV

Transtorno de déficit de atenção: Hiperatividade

Fisiopatologia do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade De acordo com a literatura atual, os sintomas do transtorno de déficit de

atenção/hiperatividade (TDAH) são originados por disfunções no funcionamento

cerebral. A variação nas manifestações clínicas do TDAH reflete, possivelmente, a

complexidade dos processos biológicos implicados na origem de seus sintomas,

supondo-se que alterações em diferentes sistemas de neurotransmissores (NT) devam

estar envolvidas. Embora os resultados ainda não sejam definitivos, uma série de

estudos de neuroimagem, neuropsicologia e bioquímica vem comprovando essa idéia

(Faraone e cols., 1998).

Diferentes teorias já foram propostas para explicar a fisiopatologia do TDAH. Uma

das primeiras foi a da disfunção frontolímbica, considerando que o TDAH não seria, em

essência, um distúrbio da atenção, mas o resultado de uma falha no desenvolvimento

dos circuitos cerebrais que possibilitam a inibição e o autocontrole. Um fraco controle

inibitório da região cortical frontal sobre as funções límbicas seria a origem dos sintomas

desse transtorno. Essa hipótese foi posteriormente testada e modificada por uma série

de investigações. Dados de estudos neuropsicológicos mostraram que crianças com

TDAH têm uma perfomance prejudicada em tarefas que demandam funções cognitivas

tais como atenção, percepção, planejamento e organização, além de falhas na inibição

comportamental, processos esses relacionados com o lobo frontal e com as áreas

subcorticais. O envolvimento de circuitos frontossubcorticais na fisiopatologia do TDAH

também foi sugerido pelos estudos de neuroimagem.

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Quadro clínico do transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade

Daremos ênfase na descrição sintomatológica das crianças e dos adolescentes

acometidos por esse transtorno, sobretudo no que se refere a seus comportamentos

mais comuns em casa, na escola e na sociedade. Serão discutidos os critérios

diagnósticos do DSM-IV e seu tipo, dessa forma, ficará mais fácil o entendimento da

apresentação de algumas peculiaridades decorrentes de cada tipo de TDAH.

Em relação aos sintomas do transtorno, logo nos primeiros anos de vida, notam-se

alterações no processo de desenvolvimento neurológico e emocional. Segundo alguns

estudos, as mães de crianças com TDAH relatam que seus filhos se mexiam muito,

mesmo antes do nascimento (vida intra-uterina). Algumas crianças, desde cedo,

mostram-se mais irritadiças, chorando muito nos primeiros meses de vida, movendo-se

durante o sono e acordando várias vezes durante a noite (Andrada, 1998).

Nos primeiros passos, alguns pais podem perceber que a criança com TDAH é mais

agitada do que outras de sua idade, necessitando constantemente de vigilância, já que

pode cometer alguma “arte”, em geral, é mais grave do que o esperado para a idade.

Por exemplo, quebrar com freqüência seus brinquedos, perder rapidamente o interesse

por brinquedos ou situações, necessitando sempre de novos estímulos, ou até

machucar-se com muita freqüência. Nesse sentido, um estudo recente demonstrou que

crianças e adolescentes com TDAH são passiveis de sofrer acidentes, precisando muito

mais de atendimento ambulatorial, de emergência e mesmo de interações médicas do

que os jovens que não o apresentam. O custo médico anual médio de jovens com TDAH

é cerca de duas vezes maior do que o de crianças e adolescentes sem o transtorno

(Leibson e cols., 2001).

Em geral o comportamento da criança com TDAH pode passar despercebido pelos

pais, mas, quando ela ingressa na escola, mesmo os casos mais leves tendem a se

tornar mais evidentes, uma vez que na escola existe a possibilidade de se comparar

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várias crianças com a mesma faixa etária, além do fato de se exigir mais atenção e da

necessidade de ficar parado em um mesmo local por mais tempo (Scahill e Schwab-

Stone, 2000).

As crianças com TDAH podem apresentar algumas alterações na aquisição de

habilidades lingüísticas. Elas também podem apresentar um desenvolvimento

inadequado em relação à noção de espaço, o que geralmente é evidenciado por meio

de seus desenhos ou pela dificuldade de reconhecer símbolos gráficos semelhantes

entre si, mas que se diferenciam por sua disposição espacial, por exemplo: o número 3

e a letra E, ou as letras b,d, q, p e as letras M e W (Andrade, 1998 e 2002; Andrade e

cols., 2000; Gherpelli, 2001).

Outra manifestação que pode estar presente nas crianças com TDAH é a pouca

coordenação motora, sendo que muitas vezes os pais as rotulam de “desajeitadas” ou

“desastradas”. Essas diferenças ficam mais nítidas dependendo da capacidade de

observação dos pais e, principalmente, se eles têm contato com outras crianças da

mesma idade.

Crianças com TDAH vivenciam dificuldades para ficar sentada na sala de aula e

prestar atenção. Muitas vezes são rejeitadas pelos colegas por sua inquietude, o que

também pode ser agravado pelos comportamentos diruptivos. Suas dificuldades

acadêmicas e sociais poderão ter conseqüências futuras adversas quando não houver

intervenção. Por outro lado, os adolescentes com TDAH passam mais tempo sós ou

com crianças mais novas. Ao problema de comportamento escolar, somam-se as

dificuldades de completar as tarefas escolares na classe ou em casa, ao menos no

tempo planejado pelos professores (American Psychiatric Association, 1994; Andrade,

1998; Rohde e cls., 1998 e 2000; Carlson e Mann. 2000; Andrade e cols., 2000).

Os sintomas de hiperatividade nas crianças com TDAH geralmente se manifestam

por uma tendência de estar sempre se movimentando, o que constitui um dos sinais

clínicos mais freqüentes e exuberantes. Na maioria das vezes, os adultos passam a

maior parte do tempo reprimindo, chamando a atenção da criança, ou solicitando que

ela permaneça quieta por um certo tempo. Isso gera com freqüência diversos conflitos

nas relações familiares (Andrade, 1998; Rohde e cols., 1998 e 2000; National Institute of

Health, 2000).

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Os sintomas de hiperatividade se manifestam por intermédio dos seguintes

comportamentos: agitar as mãos ou os pés ou se remexer na cadeira, abandonar sua

cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça

sentada; correr ou escalar em demasia (sobretudo em situações nas quais isso é

inapropriado); falar demais; ter dificuldade para brincar ou envolver-se silenciosamente

em atividades de lazer; parecer estar “a mil por hora” ou “a todo vapor”. Os sintomas de

impulsividade, que, em geral, são observados em coexistência com os de

hiperatividade, são a dificuldade em aguardar a vez (por exemplo, em filas), a emissão

de resposta sem que o interlocutor tenha terminado a pergunta e a interrupção das

conversas dos outros.

Observam-se também os sintomas de desatenção em várias atividades comuns:

dificuldade de prestar atenção a detalhes ou cometer erros por descuido em atividades

escolares; não conseguir acompanhar instruções longas e/ou não terminar as tarefas

escolares ou domésticas; apresentar grandes dificuldades em organizar as tarefas;

evitar ou relutar em envolver-se em tarefas que exijam esforço mental por um longo

período (tais como ler textos longos ou livros sem gravuras); perder com facilidade

coisas importantes para a realização de tarefas; distrair-se com facilidade com estímulos

alheios á tarefa e esquecer as tarefas ou atividades diárias. A dificuldade para se

organizar, um sintoma de disfunção executiva é classificada com grande equivoco como

um sintoma de desatenção.

A tudo isso, adiciona-se o rendimento escolar abaixo do esperado e que, não raro,

desencadeará problemas nas esferas afetiva e emocional. Todos esses fatores

colaboram para que o indivíduo, no futuro, apresente graus variáveis de

comprometimento funcional e social. Falaremos mais sobre hiperatividade no curso de

hiperatividade, logo disponível no portal educação.

Dificuldades de aprendizagem caracterizada, primariamente, por transtornos do

funcionamento não-verbal:

-A síndrome NLD

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Habilidades Neuropsicológicas

“A percepção auditiva-verbal, a atenção e a memória chegam a ser desenvolvida

corretamente. Realizam bem as tarefas motoras simples que são aprendidas de forma

mecânica. No inicio do desenvolvimento, observam-se boas habilidades fonológicas.

Desde os primeiros anos escolares são evidentes a recepção verbal, a repetição, o

armazenamento e as associações. Esse subtipo caracteriza-se por um alto volume de

output verbal”.

Déficits Neuropsicológicos

“No desenvolvimento precoce, são evidentes os déficits na percepção táctil e visual;

estes incluem a atenção e a memória para os materiais proporcionados através dessas

modalidades. Realizam-se de forma pobre as tarefas psicomotoras complexas, exceto

aquelas que possam ser aprendidas através da repetição extensiva. Este subtipo

caracteriza-se por uma aversão às experiências novas, com conseqüente impacto

negativo na conduta exploratória. São especialmente evidentes os problemas na

formação de conceitos apropriados à idade e na solução de problemas. Os déficits

principais nas habilidades lingüísticas relacionam-se com as dimensões pragmáticas e

de conteúdo da linguagem. Além disso, a linguagem muitas vezes é usada para

propósitos impróprios.”

PSICOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Seguindo as proposições de Rosa e Ochaíta (1993) com respeito à cegueira, é

possível construir uma psicologia das dificuldades de aprendizagem? Existem

elementos teóricos suficientes e firmes para estabelecer o estudo das dificuldades de

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aprendizagem desde a psicologia? Poderemos compreender melhor as dificuldades de

aprendizagem se refletirmos sobre diversas variáveis psicológicas com um peso

importante na tarefa e acervo da psicologia, tais como a inteligência (Siegel, 1993),

variáveis da personalidade e psicossociais, a interação pessoa-situação, a ansiedade, a

motivação de êxitos, a personalidade tipo A (Fierro, 1991), as habilidades de

afrontamento e socialização, as atitudes e as atitudes para a integração, a modificação

de conduta, os efeitos das dificuldades de aprendizagem em alterações

psicopatológicas, etc. Parece pertinente a busca de uma integração necessária, ou de,

ao menos, uma tentativa de colocar um pouco de ordem em tantas e tão complexas

variáveis. Se conseguirmos apenas recolher alguns elementos e refletir sobre eles em

relação às dificuldades de aprendizagem, consideramos que possa ser um bom

começo. Algumas questões estão sendo pesquisadas por nós há vários anos, como o

tema das atitudes e sua modificação.

Uma ilustração disso são as contribuições que a avaliação psicológica realiza no

campo das dificuldades de aprendizagem. Por exemplo, Leong (1993) tenta construir um

quadro para o diagnóstico das dificuldades de aprendizagem da leitura. Neste quadro,

entende-se que o diagnóstico consiste num processo de refinamento que parte da

identificação, passa pela classificação e termina na avaliação. O diagnóstico passaria

por duas etapas, e nelas deveria incluir-se o quadro da discrepância aptidão-

aproveitamento e o papel da inteligência, a eficácia da leitura de pseudopalavras,

palavras irregulares e processamento morfológico e morfêmico dos itens léxicos, as

tarefas de compreensão auditiva e a aplicação de sistemas computacionais de textos

para falar. Para isso, a lógica de conjuntos confusos pode contribuir para o diagnóstico.

Do mesmo modo a intervenção será baseada nos princípios de compensação, prática e

aprendizagem mediada por computador (Leong, 1993).

Outra ilustração é a pesquisa da inteligência em relação às dificuldades de

aprendizagem e, concretamente, o estudo das implicações neuropsicológicas da

inteligência e do déficit acadêmico (Batchelor e Deon, 1981). O papel da inteligência é

um tema em pleno auge no debate científico no campo das dificuldades de

aprendizagem. O fato de ter sido feita uma crítica tão exacerbada ao QI tradicional não

significa que a inteligência não tenha um papel fundamental nas dificuldades de

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aprendizagem, tal como mostram, por exemplo, Naglieri e Reardon (1993). Pelechano

(1991) comenta que a inteligência atua como um bom previsor do rendimento

acadêmico em todos os níveis educativos, ainda que a questão esteja em saber o que é

inteligência, sendo, provavelmente, a mais útil em relação com a integração das

pessoas com dificuldades de aprendizagem, ao longo do ciclo vital entre a que

Pelechano denomina inteligência social, e que teria mais a ver com o êxito social.

Outra questão tem a ver com as relações entre a psicologia e as dificuldades de

aprendizagem. Ainda que, em outras partes desta apostila, tenhamos feito reflexões a

respeito, por exemplo, em relação ao diagnóstico diferencial dos TDAH ou no modelo de

Rourke e suas concepções para o NLD, é uma questão que exigiria um maior

aprofundamento, que ultrapassa as pretensões desta apostila. Como exemplo recente,

podemos citar o estudo de Saxby e Morgan (1993) sobre a presença de problemas de

conduta em crianças com dificuldades de aprendizagem. Saxby e Morgan (1993)

entrevistaram os pais de 68 crianças com dificuldades de aprendizagem para a

avaliação do número e do tipo de problemas de conduta que percebiam que seus filhos

apresentavam. A média de problemas de conduta percebidos pelos pais de cada

criança foi de 7,4, sendo os problemas de concentração e relacionados com o sono os

predominantes. Cinqüenta e sete por cento dos pais que percebiam que seu filho

apresentava um problema de auto-agressão viam-se incapazes de afrontar essas

condutas. Encontrou-se uma associação entre as habilidades de afrontamento

percebidas pelos pais, o mal-estar que experimentavam e o número de problemas de

conduta. A percepção dos pais de que seu filho se auto-agredia, agredia a outros ou

apresentava problemas de sono estava associada a uma maior probabilidade de que as

pontuações em nível de mal-estar fossem altas. A questão é diferenciar essas

dificuldades condutuais das que as crianças normais podem apresentar ao longo de seu

desenvolvimento e que parecem ser bastante freqüentes (Saxby e Morgan, 1993), tendo

sido descritas até em 67% das crianças normais de dois anos. Se fossem utilizados os

controles pertinentes de crianças normais, isso poderia evidenciar-se. Isto traz à tona

um tema importantíssimo em qualquer pesquisa psicológica e cientifica em geral: o rigor

metodológico e o rigor científico. Caso contrário, não podemos estar seguros da

validade e confiabilidade das conclusões.

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CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO Uma questão importante das dificuldades de aprendizagem, e também de outros

transtornos, é sua relação com idade e com os diferentes caminhos que segue o

desenvolvimento, numa concepção do ciclo vital. Um dos âmbitos de preocupações

atuais tem a ver com a questão da continuidade do desenvolvimento, e, nesse sentido,

estão sendo realizadas inúmeras pesquisas com normais (Sugarman, 1987; Sroufe e

Jacobvitz, 1989) e com desenvolvimentos alterados (Rutter, 1989).

Para Rutter, os princípios e conceitos do desenvolvimento devam ser revisados em

relação aos problemas do ciclo vital, devendo-se considerar o desenvolvimento em seu

contexto social, a duração de experiências, os fatores intrínsecos e de experiência, as

continuidades e descontinuidades, as semelhanças e diferenças entre o

desenvolvimento normal e anormal, as continuidades homotípicas e heterotípicas, as

transições-chave da vida, os fatores de risco e protetores, as cadeias de influencias

indiretas e os mecanismos de mediação e a idade como um índice de fatores de

maturidade e experiências.

Da revisão dos estudos longitudinais, desde a infância até a fase adulta, são

sugeridos, como possíveis fatores mediadores, os mecanismos genéticos, o substrato

biológico não genético, a conformação do entorno, as habilidades sociais e cognitivas, a

auto-estima e a auto-eficácia, os hábitos, os estilos cognitivos e as conexões entre

experiências.

Sugarman (1987) analisa a importância da descrição no desenvolvimento, fazendo

um critica aos enfoques anteriores e propondo seis diretrizes para a pesquisa futura

sobre o desenvolvimento, diretrizes que obtém de uma análise muito rigorosa dos

enfoques precedentes e clássicos da psicologia do desenvolvimento:

1. Tratar o desenvolvimento como uma primeira premissa e não como um

postulado que deva ser provado ou não.

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2. Tratar as especificações dos estados finais do desenvolvimento como um

resultado da pesquisa, e não como sua premissa.

3. Tentar especificar o curso atual do desenvolvimento, e não suas causas.

4. Procurar especificar o que a criança faz, não o que possa fazer.

5. Utilizar como dados que variam ao longo do tempo o que as crianças fazem

concretamente e não sua execução em diferentes tarefas que permitiriam

operacionalizar a mesma “competência”.

6. Chegar ao resultado de como pensam as crianças por um procedimento com

mínimas inferências dos dados, onde este resultado seja consistente com o

fato de que as crianças maiores são maiores e que as crianças menores são

menores. Essas inferências devem ser baseadas numa explicação racional.

Atualmente, parece amplamente assumido o fato de que as dificuldades de

aprendizagem variam em relação á idade (Rourke e Del Dotto, 1992), o

mesmo que ocorre com as pessoas sem dificuldades de aprendizagem. A

idade nunca é causa de desenvolvimento. As causas do desenvolvimento são,

em última instância, a herança e o meio de forma interativa. Contudo, a idade

assinala, como balizas do caminho, por onde vai o desenvolvimento, daí seu

interesse no estudo dos transtornos em relação à idade (cf. Pelechano, 1987;

Veja 1987b). Como acontece que se dêem umas séries de acontecimentos,

tanto no meio social e cultural como no organismo, em relação à idade, às

vezes se lhe tem atribuído um papel causal que não possui.

Um aspecto de sumo interesse é a análise dos possíveis riscos associados a

determinadas trajetórias do desenvolvimento e a idades determinadas, o que permitiria a

identificação precoce dos transtornos e a conseqüente elaboração de programas

preventivos. É neste sentido que comentamos diversos tópicos que se relacionam às

dificuldades de aprendizagem e a psicologia.

Segundo esse enfoque de análise dos riscos psicossociais, todos os períodos do

desenvolvimento são importantes. Isso se ilustra, claramente, com o aparecimento de

transtornos mentais na idade adulta ante situações de risco psicossocial pronunciado ou

problemas de drogadição na adolescência ante o predomínio de conjuntos de valores

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distintos aos da família ou de problemas anti-sociais. E mais, pode acontecer que a

intervenção seja ineficaz ou, inclusive, contraproducente nos casos em que se atua não

existindo um problema, “para que não exista no futuro”. Segundo Bell, R.Q., a

intervenção correta deve estar associada a um conhecimento correto do transtorno.

ADOLESCENTES COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Dificuldades de adaptação social

Uma indicação dessa problemática pode ser ilustrada pelas taxas de suicídio nos

adolescentes que produzem grande consternação e impacto social por sua “aparente

compreensão” por parte dos adultos, pais, professores, etc. (cf Berman e Jobes, 1991).

A adaptação e o funcionamento social das pessoas com dificuldades de aprendizagem

depende das aptidões que possuam e do tipo de dificuldades de aprendizagem.

Não são igualmente incapacitantes, no funcionamento social, as dificuldades de

aprendizagem da leitura e escrita ou da matemática do que as da linguagem, posto que

a interação social exige um domínio das habilidades comunicativas e da linguagem, e

essas são requeridas nas habilidades sociais. As pessoas com dificuldades de

aprendizagem da linguagem seriam as mais propensas, pelo menos teoricamente, em

princípio, a apresentar algum déficit nas habilidades sociais.

Realmente a adolescência é difícil para pessoas com dificuldades de aprendizagem,

uma vez que a transição para a vida adulta exige habilidades cada vez mais complexas,

muitas delas do tipo acadêmico, o que influi na adaptação. Se a isso unimos diversas

dificuldades cognitivas, tal como temos apresentado nesta apostila, parece

compreensível a existência de dificuldades na sensibilidade e efetividade social, o que

pode ter como conseqüência o rechaço dos iguais, dificuldades na vida social e

implicações para sua personalidade em aspectos como a autoconfiança e a auto-estima

(Bergman, 1987).

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Indícios que assumem amplamente a existência de dificuldades de aprendizagem

heterogêneas e variadas, tanto no tipo quanto na profundidade do transtorno, isso afeta

previsivelmente a adaptação social e, conseqüentemente, a respectiva intervenção.

Quando se trata de adolescentes com dificuldades de aprendizagem da linguagem,

as dificuldades não são somente acadêmicas, mas afetam também a adaptação social.

As dificuldades comunicativas interferem numa expressão adequada socialmente da

frustração, da agressividade ou dos conflitos, podendo ter manifestações emocionais e

condutuais. Posto que uma dificuldade de aprendizagem da linguagem costuma

caracterizar-se por atraso no desenvolvimento da fala, erros nas expressões verbais,

déficits no estabelecimento e captação de frases, no seguimento de instruções e em

diversos aspectos pragmáticos da comunicação, com frases simples, diretas, isso pode

afetar todos os processos de interação social e de adaptação, que se baseiam em

processos de natureza comunicativa. As dificuldades de comunicação complexas

afastarão o adolescente com dificuldades de aprendizagem dos outros, desenvolvendo-

se nele um sentimento de solidão e incompreensão. Ao apresentar dificuldades no uso

e/ ou compreensão das metáforas, duplos sentidos, ironias, esses jovens parecerão ser

anti-sociais, às vezes ofensivos e mal-educados, sendo uma conseqüência do não

cumprimento das máximas comunicativas de Grice. Isso pode provocar reações

emocionais como ansiedade, rigidez, frustração, compulsões, agressividade,

isolamento, hostilidade e apatia. A intervenção neste tipo de adolescente deverá ser

dirigida tanto para promoção de um maior desenvolvimento nas habilidades

comunicativas e lingüísticas como atuando sobre as conseqüências sociais e em sua

personalidade, com o que algum tipo de intervenção psicoterapêutica pode ser

necessária. Enfocar a intervenção no desenvolvimento de estratégias compensatórias

para a comunicação pode, em geral, ser um bom caminho tanto em crianças quanto em

adolescentes ou adultos com dificuldades de aprendizagem de linguagem.

Transtorno não-verbal O transtorno de aprendizagem não-verbal é suscetível especialmente de apresentar

dificuldades de adaptação social principalmente na adolescência. Trata-se das

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denominadas dificuldades de aprendizagem não-verbais, estudadas nos últimos anos,

em profundidade, por Rourke e colaboradores (Harnadek e Rourke, 1994; Rourke, 1989)

e em sua relação com fatores de personalidade. Trata-se de uma dificuldade de

aprendizagem com problemas espaciais e organizativos, com os marcos do

desenvolvimento retardados, lentidão motora, com déficits específicos lateralizados,

segundo as evidencias da avaliação neuropsicológica, pode ser confundida, às vezes,

com a deficiência mental ou pode ser detectada tardiamente ao final da adolescência,

com desenvolvimento adequado da fala e da sintaxe. Dada a lentidão motora que

apresenta, pode haver retardamento nas habilidades de interação com os iguais. A

intervenção deveria enfatizar os aspectos motores e visomotores, posto que, ao iniciar-

se a leitura, pode apresentar dificuldades devido aos déficits nas habilidades de analise

da informação, mas é superável rapidamente pelo efeito da linguagem e das habilidades

no campo fonológico, que estariam conservadas. Contudo, suas dificuldades serão

manifestadas logo após na compreensão leitora e verbal, na memória contextual e no

raciocínio abstrato, tudo isso devido aos problemas do tipo organizativo. Quando

chegam à adolescência, essas pessoas com NLD ou transtorno visoespacial específico

manifestam uma fala e um afeto deprimidos e estereotipados. A pragmática é deficitária,

loquaz, superficial, inadequada fugindo do tema e do significado da conversação, com

entonação ausente e dificuldades sérias de interpretação da comunicação não-verbal.

Seu modo de se relacionar com as pessoas é similar a sua pragmática, estereotipada,

automática, perseverativa, sem significado, sem captar os gestos nem as expressões

visuais dos outros. Isso é também um reflexo de suas dificuldades com a informação

visual e espacial, que incidirá nas situações novas e estressantes.

Um transtorno com essas características (NLD), na adolescência, apresentará

alterações na adaptação social e nas relações interpessoais, inconsistência social,

interações estereotipadas. Como não pode interpretar corretamente os códigos e

demandas dos outros, não compreenderá o entorno social, não compreenderá as

emoções e sentimentos dos outros, não preverá as intenções dos outros, não

apresentará códigos não-verbais ou terá dificuldades no uso do raciocínio lógico não-

verbal. Em outros lugares, denominou-se a esta habilidade o desenvolvimento de uma

teoria da mente, e parece ser o transtorno nuclear das pessoas com autismo. Como,

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nos extremos, às vezes é difícil diagnosticar de maneira diferencial as pessoas com

autismo de alto nível das síndromes de Asperger (um tipo de autismo de alto nível) das

dificuldades de aprendizagem com NLD mais graves, Schopler inclusive chegou a falar

de um certo contínuo dos transtornos. Como as situações sociais são complexas, será

difícil avaliar as conseqüências de sua conduta, de suas expressões ou de sua

linguagem, que serão inapropriadas, parecendo fora de lugar, insensíveis e grosseiras,

o que lhes transforma no alvo ideal em que possam “nutrir-se” os outros e converte-lhes

em objeto de rechaço. Como conseqüência, se produzem reações emocionais sérias ou

se convertem em pessoas isoladas, ansiosas e deprimidas, com o que vão parecendo,

progressivamente, mais transtornadas e, inclusive, psicóticas. Uma análise recente

dessas problemáticas, transtornos pragmáticos no continuo autista, foi apresentada por

Mecedes Belinchón (1993), no qual se estabelece, com grande profundidade, o debate

sobre se as alterações pragmáticas são uma característica autista ou mais uma

característica psicótica que formaria um contínuo com a esquizofrenia e, talvez, com as

dificuldades de aprendizagem. Como se pode ver, a pesquisa no diagnóstico diferencial,

que pode ser potencializada com programas de intervenção diferencial, nesses

transtornos limítrofes é sumamente atraente e deverá potencializar-se no futuro. A

personalidade daqueles que sofrem um NLD é muito vulnerável, com pobre auto-

imagem, não captação de mensagens não-verbais, ausência de segurança emocional,

etc. Nessas condições, torna-se difícil uma vida independente, requerendo-se alta

estruturação e ajuda, devendo-se desenvolver, sobretudo, habilidades de sobrevivência,

através de situações reais, por exemplo, no qual se ensinam habilidades sociais e auto-

instrução verbal, utilizando-se muitos ensaios altamente estruturados e incluindo-se

também o treinamento em estratégias cognitivas de adaptação como as auto-instruções,

sendo mais eficazes os enfoques condutuais do que os psicoterapêuticos clássicos.

Provavelmente, uma das explicações pelas quais os enfoques condutuais são mais

eficazes é que se baseiam mais nas capacidades que as pessoas têm do que nos

déficits. Quando se diagnostica uma dificuldade de aprendizagem, estão sendo criadas

expectativas sobre essa pessoa da qual se espera que aja de uma maneira

determinada. Igualmente, os efeitos da rotulação têm sido nefastos, chegando a refletir-

se na idade adulta, quando se inicia a busca de emprego. Daí que a rotulação de

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dificuldades de aprendizagem possa ter efeitos negativos, o que não ocorre com os

enfoques condutuais. No caso dos adolescentes, que são tão influenciáveis pelo

entorno, já que irão entrar no mundo dos adultos, esses efeitos são muito negativos. Um

enfoque condutual haverá de superar esses efeitos, centrando-se mais nas capacidades

que permanecem ou estão presentes do que nos déficits.

Adultos com dificuldades de aprendizagem Alguns tipos de dificuldades de aprendizagem manifestam-se, com a idade,

desenvolvem transtornos sócio-emocionais e ansiedade excessiva. Este seria o caso

das dificuldades de aprendizagem da matemática em adultos, que desenvolveriam uma

espécie de condicionamento aversivo frente às tarefas relacionadas com a matemática,

o que se transformaria em excessiva “ansiedade matemática” e em outros transtornos

sócio-emocionais. A pesquisa dessa questão, no futuro, será provavelmente reveladora

a respeito.

Uma das frentes nas quais a psicologia está fazendo incursões com implicações

para as dificuldades de aprendizagem é a da prevenção ou da psicologia comunitária,

enfatizando a intervenção em várias áreas, como a da família, além de tratar o

transtorno. Se concebermos que as pessoas se desenvolvem em contextos específicos

e que seus transtornos, tal como suas consecuções originam-se em processos

interativos e de intercambio e negociação, parece razoável supor que os diferentes

fatores psicossociais possam contribuir para a origem do transtorno e, portanto, ser

utilizados para focalizar a intervenção mediante o desenvolvimento de programas mais

ou menos específicos ou gerais. Temas como a colaboração com os trabalhadores

sociais, como o da prevenção, o da compreensão e a mudança nas organizações, o da

auto-ajuda e ajuda dos paraprofissionais e não profissionais ou o reforço da comunidade

são essenciais e podem ser aplicados e considerados em relação às dificuldades de

aprendizagem.

Aprendizagem e Memória

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As concepções que se utilizam da aprendizagem e da memória – o núcleo da

cognição humana – determinarão a forma como se entendem suas alterações e

transtornos. As dificuldades de aprendizagem referem-se a dificuldades nas

aprendizagens da linguagem e acadêmicas, da leitura e escrita e do cálculo.

Compreender algumas questões da pesquisa básica, sobretudo no desenvolvimento de

modelos teóricos formais e na forma de responder ante tarefas especificas da memória,

parece relevante para as dificuldades de aprendizagem. A pesquisa básica pode servir

de guia para o desenvolvimento da pesquisa mais aplicada, seja com fins de

compreensão teórica das dificuldades de aprendizagem ou com fins de intervenção.

Nesse sentido, fazemos algumas reflexões como:

1. As tentativas de desenvolver modelos teóricos formais.

2. A comparação de tarefas sobre a memória, em trabalhos empíricos.

Esses dois traços principais caracterizam-se por serem conexionistas, no caso dos

modelos formais, e dissocionistas no caso das pesquisas empíricas. Apresentamos, em

Garcia (1993ª, pp. 146-150), uma síntese dos enfoques conexionistas ou

processamento distribuído e paralelo. Os enfoques conexionistas supõem os avanços

mais recentes, que alguns consideram a alternativa aos enfoques do processamento da

informação.

O uso de diversos paradigmas de pesquisa sugere sua aplicabilidade em todos os

âmbitos da aprendizagem escolar e, concretamente, das dificuldades de aprendizagem

da leitura e escrita e da matemática.

As tentativas de explicar compreensivamente os distintos aspectos são manifestadas

pelos modelos teóricos que entendem e apóiam a existência de conexões entre as

diversas condutas relacionadas com a aprendizagem e a memória, ênfase que se vê

apoiada pelas pesquisas, dado que, ao utilizar tarefas diferentes, produzem resultados

diferentes, mesmo que, supostamente, se esteja investigando a mesma habilidade ou

conduta.

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O conexionismo foi colocado ultimamente em moda e foram propostos, inclusive,

terapias conexionistas. O problema é por qual modelo formal optar, dado que foram

desenvolvidos inúmeros modelos. A opção por um modelo ou outro não é indiferente e

tem implicações diversas tanto em nível teórico como aplicado (por exemplo, no campo

da educação e, concretamente, nas dificuldades de aprendizagem). Isso levou à

necessidade do estudo das semelhanças entre os modelos propostos, sobretudo os que

foram contrastados empiricamente.

Apesar de o dissociacionismo não ter tanta publicidade, o certo é que exerceu uma

grande influência (Hintzman, 1990). Durante o século, os avanços nos estudos sobre a

memória humana estiveram ligados à utilização de tarefas diversas, tarefas que

inclusive, há alguns anos não se consideravam referentes à memória, como medidas da

percepção e da execução. Isso obrigou a análise das semelhanças e diferenças entre

as tarefas. Esse enfoque foi apoiado por dados fascinantes provenientes:

1. De pacientes amnésicos.

2. E sobre os níveis de consciência.

Hoje, conceitualiza-se dissocionismo no campo dos estudos da memória como a

constatação de que diferentes tarefas produzem diferentes resultados.

De um lado, os enfoques dissocionistas carecem de rigor teórico, o que pode ser

solucionado, em parte, utilizando-se modelos formais (conexionistas).

A importância do estudo da linguagem

A linguagem interessa à psicologia como conduta. No entanto, a linguagem, sendo

uma conduta a mais, apresenta duas características importantes: a linguagem é

comunicação e a linguagem é representação. A linguagem traz possibilidades novas à

conduta direta, permitindo níveis simbólicos e de representação, ocupando um papel-

chave em toda conduta cognitiva. Entretanto, o interesse da linguagem como conduta

existe enquanto conduta comunicativa. Inicialmente, a criança desenvolve um duplo

processo, que pode ser conceitualizado numa dupla teoria: uma teoria da mente e uma

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teoria instrumental. A criança pode atuar diretamente sobre os objetos (conduta

instrumental) ou pode usar intermediários sociais ou condutas comunicativas, seja com

fins instrumentais ou imperativos (teoria instrumental), seja com fins informativos ou de

declarar ou comentar algo com o interlocutor (teoria da mente). Esse duplo

desenvolvimento avança e prolonga-se ao longo dos anos em múltiplas formas

condutuais. As condutas que têm a ver com a teoria da mente implicam captar as

intenções dos outros, os desejos, os pensamentos, as mensagens não-verbais, os

duplos sentidos, a ironia, as metáforas, etc. Ao contrário, as condutas que têm a ver

com a teoria instrumental não implicam atribuir intenções aos outros, mas simplesmente

considerar o valor ou conteúdo instrumental. O que ocorre é que, muito precocemente,

esse duplo desenvolvimento se entrelaça, sobrepõe e interage, potencializando-se

mutuamente. Nas crianças normais, ou inclusive em crianças com atraso no

desenvolvimento, observam-se ambos, paralelamente. Existem, não obstante, algumas

patologias em que esses desenvolvimentos se separam, continuando o

desenvolvimento da teoria instrumental, mas não o da teoria da mente. Existem os

denominados transtornos invasivos do desenvolvimento, como o autismo que

apresentariam essas características (cf. García, 1992b). As condutas comunicativas

instrumentais, como os imperativos, estão presentes, mas é mais raro observar

declarativos ou comentários ou conduta de informar.

Essa dupla distinção permite abordar a conduta da linguagem de uma maneira nova,

superando o interesse puramente estrutural da lingüística, e abordar a linguagem de

uma perspectiva psicológica (Belinchón et al., 1992; Valle, 1992).

Piaget e Vygotsky propõem o estudo da linguagem em relação ao pensamento e

ilustram muito bem a importância que concedem à linguagem no resto do

desenvolvimento. Para Piaget, e de maneira sintética, a inteligência sensorimotora

antecede e possibilita o desenvolvimento da linguagem, que aparecerá e se afirmará no

período pré-operacional, mas a linguagem continua sendo dependente dos avanços no

desenvolvimento da inteligência. Com a idade escolar e o advento do período

operacional concreto, a linguagem e a inteligência potencializam-se e interligam-se,

permitindo um desenvolvimento geral em nível psicológico. Durante o período das

operações formais, por volta dos 12 anos, a linguagem vai ocupar um papel central e

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superior ao do pensamento. O pensamento formal e hipotético-dedutivo torna-se

possível graças ao uso da lógica formal, tornando a linguagem formal imprescindível

para o desenvolvimento cognitivo. Fazendo uma simplificação, Piaget considera que,

durante os dois primeiros anos, o pensamento prático antecede a linguagem, e que,

durante o período pré-operacional ou até os 6 ou 7 anos, a linguagem vai ter um papel

cada vez mais decisivo, mas continua havendo um predomínio do pensamento

representacional, para chegar ao período operacional concreto, em que a linguagem e o

pensamento são simultâneos, concluindo o desenvolvimento na etapa formal, com a

primazia da linguagem sobre o pensamento.

Vygotsky coloca a situação de um modo diferente. Inicialmente, a conduta infantil é

guiada pela fala do adulto, depois começa a ser guiada pela fala externa da própria

criança, até converter-se em fala interna para si em forma de fala subvocal, e passar a

ser pensamento ou linguagem externa. O pensamento não é senão a linguagem

interiorizada, e, portanto, de natureza social em essência.

Para Piaget, a linguagem é, primeiro, egocêntrico e não socializada para, posteriormente,

socializar-se. Vygotsky entende que o pensamento não seja o prioritário, ainda que seja

em forma de ação, mas que o prioritário é a natureza social e externa do pensamento,

precedente da fala ou linguagem interiorizada.

------ FIM DO MÓDULO IV ------