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Curso de Distúrbios de Aprendizagem MÓDULO II Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada, é proibida qualquer forma de comercialização do mesmo. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos na bibliografia consultada.

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Curso de Distúrbios de Aprendizagem

MÓDULO II

Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada, é proibida qualquer forma de comercialização do mesmo. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos na bibliografia consultada.

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MÓDULO II

Desenvolvimento Restritivo de Aquisição da Escrita

A intervenção iria desde a automatização sucessiva das primeiras restrições para a

liberação da atenção e da memória até a realização das restrições mais avançadas, das

lingüísticas e das cognitivas, que requereriam processos conscientes. Este modelo

parece receber certo apoio dos dados empíricos.

Esta proposta tem a virtude de “propor” uma certa seqüência evolutiva no modelo da

psicologia da escrita, pois entende que os fatores lingüísticos – por exemplo, processos

léxicos, com suas duas rotas, e sintáticos – e os fatores cognitivos – processos de

planejamento – seriam adquiridos depois, no desenvolvimento da escrita. Ao mesmo

tempo, sugerimos que ela pode dar conta do fato de que seja de natureza lingüística,

fundamentalmente, o núcleo das dificuldades de aprendizagem da escrita, já que

exigem um nível de desenvolvimento intermediário e que é neste nível que se agravam

os problemas das crianças com dificuldades de aprendizagem, ao aumentar as

exigências da liberação da atenção e da memória de trabalho. Não obstante, as

propostas de Berninger e Hart (1993) situam-se mais em nível subsimbólico que

simbólico da representação, posto que se trata de procedimentos que transformam os

estímulos de informação em representações mentais, o que exige a conclusão do

processamento da informação da informação para que as restrições estejam

disponíveis, e não antes. Isso apoiaria a idéia de que esses processos podem operar

sem conhecimento explicito de regras. O fato dos modelos teóricos poder situar-se em

diferentes níveis – microcognição (por exemplo, processamento da informação – PI) e

de hardware (por exemplo, neurologia e neuropsicologia), e, inclusive, de mesocognição

(por exemplo, nível subsimbólico) – permite sugerir a necessidade de integrar os

diversos níveis no futuro.

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Explicação das dificuldades de aprendizagem da matemática (DAM) Grande parte dos avanços no conhecimento e aprofundamento nas diferentes

dificuldades de aprendizagem seja da linguagem, seja da leitura, seja da escrita, ou

seja, da matemática, é proveniente da concepção unitária e homogênea das

dificuldades de aprendizagem, que, historicamente, teve sua utilidade, mas que hoje se

baseia na grande heterogeneidade de pessoas que se incluem neste rótulo. Isso explica

o fato dos diferentes enfoques teóricos e modelos das dificuldades de aprendizagem em

geral se aplicarem também especificamente às dificuldades de aprendizagem da

matemática. Concretamente, os enfoques neuropsicológicos, do déficit educativo e, o

mais recente, dos processos cognitivos, também são aplicáveis às dificuldades de

aprendizagem de matemática. Existem outros enfoques que podem ser úteis aqui, ainda

que estejam por ser melhor elaborados, como o sócio-histórico-cultural, que explicamos

de forma mais detalhada; nessa linha, estaria o enfoque ecológico, antes comentado.

Em certos aspectos, sobretudo pela participação de algumas figuras-chave como Luria,

etc., relaciona-se com o enfoque neuropsicológico, se bem que as conceitualizações do

enfoque sócio-historico-cultural são desejáveis e necessárias. Claro que o ideal é

integrar os três grandes enfoques: o neuropsicológico, do déficit educativo e o atual, dos

processos cognitivos, questão que hoje em dia está muito distante das possibilidades

reais da psicologia. Alguns dados são promissores, todavia. Pensemos, por exemplo, na

construção da recente psicologia cognitiva da linguagem, da leitura, da escrita ou da

matemática; seus postulados e evidências são extraídos de experimentos, de

observações, de simulações e de dados clínicos, no mínimo. Pois bem, os dados

clínicos de lesionados cerebrais (neuropsicologia cognitiva da linguagem) estão

permitindo construir processos envolvidos nessas tarefas (Ellis e Young, 1992).

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Neuropsicologia A primeira explicação histórica das dificuldades de aprendizagem e, mais

concretamente, das dificuldades de aprendizagem da matemática, foi a neuropsicologia,

não nos enfoques atuais.

Morrison e Siegel (1991) fazem a dupla distinção de acalculia, quando se produz

uma dificuldade de aprendizagem da matemática ocasionada por uma lesão cerebral

numa pessoa adulta, e de discalculia, quando não há evidências de lesão cerebral que

ocasione estas dificuldades e se dê numa criança. Evidentemente, se a criança com

discalculia chega à fase adulta e mantém sua dificuldade de aprendizagem da

matemática, também deveríamos falar de acalculia.

A distinção anterior reflete o foco em que esse tipo de explicação se centra: nas

disfunções neurológicas e nos processos internos. Inicialmente, a partir desse enfoque,

fazia-se uma extrapolação da conduta manifestada em adultos com acalculia para a

explicação observada (DAM) em crianças, motivo pelo qual realizava-se uma

“exploração de córtex” na busca de possíveis falhas nos centros corticais das

habilidades matemáticas – corticais, frontais, parientais, temporais? – que se

relacionavam casualmente com as condutas anômalas de aprendizagem da

matemática. Uma exemplificação dessa explicação é a proposta por Luria (Luria, 1974;

1979; 1983), e, por conseguinte, assim se estabeleceriam os princípios da intervenção

(cf. Tsvétkova, 1977, referente à linguagem e à escrita). Luria descreve lesões

ocipitoparietais e frontais na origem de dois tipos de alterações das habilidades

matemáticas. Nas lesões ocipitoparietais produzem-se as seguintes manifestações:

1. Déficits no conceito de número e nas operações matemáticas.

2. Percepção incorreta dos nomes de quantidade.

3. Déficits na estrutura categórica dos números, o que se reflete nos erros ao ler ou

escrever os números.

4. Déficits no reconhecimento das relações entre os números, motivo pelo qual a

capacidade não vai além de referências.

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Nas lesões frontais, as manifestações são: 1. Déficits na habilidade de recodificar a informação no contexto da solução de

problemas.

2. Compreensão adequada de sistemas conceituais e lógico-gramaticais das

relações numéricas.

3. Dificuldades sérias no planejamento da solução.

Foram igualmente descritos erros de cálculo através da estimulação elétrica do lado

direito (descreve o cômputo) e esquerdo (acelera o cômputo) do tálamo (Morrison e

Siegel, 1991). Tudo isso serviria de base para justificar a idéia de que, posto que, atrás

de uma lesão cerebral nos adultos, se observarem alterações nos processos cognitivos

que podem ser medidas por provas psicométricas, seria necessário estudar as crianças

que apresentam dificuldades para verificar a existência de algum tipo de

disfuncionalidade nas áreas cerebrais correspondentes.

Os enfoques neuropsicológicos atuais, como os de Rourke e colaboradores ou de

Bakker e colaboradores, criticaram diretamente essas posturas como inatas, não

influenciáveis pelo entorno, estáticas, por não explicarem o funcionamento do cérebro

ou não levarem em conta o desenvolvimento em relação à aprendizagem (Morrison e

Siegel, 1992).

Explicação Educativa A explicação educativa representou, historicamente, a segunda explicação das

dificuldades de aprendizagem e, concretamente, das dificuldades de aprendizagem da

matemática. Passou-se de uma explicação baseada em processos cognitivos centrais

ou internos a fatores de execução externos. As tarefas educativas seriam as

responsáveis pela dificuldade de aprendizagem. Trata-se das explicações baseadas no

condicionamento clássico ou associativo, no operante ou instrumental e, mais

recentemente, em fatores cognitivo-sociais, que já entrariam na terceira explicação. Os

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fatores que produzem a aprendizagem explicam as dificuldades do mesmo, e,

concretamente, os referentes à aprendizagem da matemática e suas dificuldades.

Os enfoques condutuais e suas aplicações na aprendizagem e na instrução tiveram

e mantêm uma grande influência. Conceitos como a associação entre condições

estimulantes e de resposta, antecedentes e conseqüentes, programas de reforço,

fortalecimento da aprendizagem, condições, taxa e quantidade da prática, habituação,

etc., são centrais.

Dentro das explicações educativas estão os modelos de diagnóstico prescritivo de

ensino ou o programa DISTAR de aritmética (Engelmann e Carnine, 1975).

Do mesmo modo, a utilização de testes de conhecimentos precisos pode medir as

mudanças operadas por efeito da aprendizagem ou os conhecimentos específicos em

diferentes hierarquias de conteúdos matemáticos que é preciso aprender.

As dificuldades de aprendizagem e, concretamente, as dificuldades de aprendizagem

da matemática, são explicadas por questões como as seguintes:

1. Dificuldades nas habilidades pré-requeridas.

2. Escassez ou ausência de instrução.

3. Incorreta apresentação de estímulos.

4. Reforço inadequado ou insuficiente.

5. Escassas oportunidades para a prática, etc.

Como os temas anteriores estão na base das dificuldades de aprendizagem da

matemática, será atuando sobre isso que se haverá de elaborar a intervenção

educativa. Os programas de intervenção utilizarão materiais adequados, estratégias

precisas e eficazes, etc. Esses programas supõem um enfoque baseado em listas de

habilidades cuidadosamente seqüenciadas – um exemplo disso estaria no programa

baseado no modelo de ensino de diagnóstico prescritivo -, nos quais se introduzem

estratégias novas e mais eficazes de instrução – um exemplo disso é o programa

DISTAR de aritmética – reestruturando e manejando os fatores de contingências

externos – como ocorre com os programas baseados na análise de erros, a partir dos

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quais se avaliam as habilidades especificas deficitárias e sobre os quais se desenvolve

a programação educativa e as estratégias de ensino da matemática.

Esse enfoque foi criticado por seu mecanismo, por não considerar o construtivismo

do conhecimento da criança, por ser puramente reativo e ignorar a personalidade global

do aluno com dificuldades de aprendizagem da matemática e seus processos internos,

seus desejos, intenções, planos, etc., o que converteria as aprendizagens em não

significativas e não relevantes para a pessoa que as aprende. Essas críticas procedem

de diversas frentes.

Explicação Cognitiva A explicação das dificuldades de aprendizagem e das dificuldades de aprendizagem

da matemática está no auge nos últimos anos, e o rigor refletido inicialmente em suas

asseverações baseadas em estudos de laboratório (psicologia evolutiva cognitiva) foi

passando à aula e às situações reais de aprendizagem (psicologia da instrução). As

aprendizagens mais suscetíveis de estudar explicar são as acadêmicas – leitura, escrita,

cálculo -, e isto em situações reais, tal como propõe a psicologia da instrução.

Como as pessoas com dificuldades de aprendizagem da matemática processam a

informação? Como processam a informação verbal e não-verbal? Que podemos

aprender dos erros ao realizarmos problemas de cálculos aritméticos? E das pessoas

sem dificuldades de aprendizagem de matemática? Os erros cometidos pelas pessoas,

com ou sem dificuldades de aprendizagem da matemática, ao resolver problemas,

refletem algum sistema, regra, regularidade? Existem diferenças básicas na forma

sistemática de resolver os problemas ou nos erros cometidos entre as pessoas com

dificuldades de aprendizagem da matemática são elas? Questões desse teor são

expostas a partir de enfoques cognitivos como o do processamento da informação (PI),

que contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento de estratégias e programas de

intervenção eficazes e com grande justificação e fundamentações teóricas, baseadas no

ensino direto das tarefas matemáticas, mas enfatizando os processos que se põem em

andamento em cada momento (cf. Reid, 1988, 1989; Reid e Stone, 1991). Angel Riviére

(1990) queixa-se, não sem pesar, da contradição que supõe haver numa parte

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importante da psicologia cognitiva e, concretamente, da instrução atual que se está

construindo mediante a utilização de problemas matemáticos com as contribuições na

explicação teórica e aplicada, e dos poucos estudos em relação às dificuldades de

aprendizagem da matemática.

São diversas as explicações procedentes dos enfoques cognitivos em relação ás

dificuldades de aprendizagem da matemática (Morrison e Siegel, 1991). Pensemos nos

enfoques baseados nas propostas piagetianas que são conhecidos (Piaget e

Szeminska, 1941) ou nos enfoques mais específicos aplicados a aspectos concretos

das tarefas matemáticas, por exemplo, a contagem (Bermejo e Lago, 1991): um enfoque

baseado no estabelecimento de regras inapropriadas, um enfoque baseado na

dependência do contexto e no não conquistar a descontextualização e um enfoque

baseado no paradigma dos tempos de reação para o estabelecimento de modelos

mentais dos problemas aritméticos.

Existem diferentes enfoques que utilizam metodologias diversas, mas que poderiam

agrupar-se na consideração de que os erros cometidos pelas pessoas com dificuldades

de aprendizagem da matemática não são aleatórios, mas, sim, de caráter sistemático e

consistente com o conhecimento matemático que essas pessoas possuem e que está

representado no uso de regras procedimentais ou no uso de algaritmos internos que

teriam certa estabilidade ao aplicar-se a situações instrucionais diversas e a tarefas e

problemas matemáticos específicos. O desenvolvimento e o uso das regras são de

natureza específica e refere-se a problemas-tipo (Brown e VanLehn, 1980, 1982).

Na escola, o professor verbaliza os procedimentos e regras adequadas as seguir na

solução dos problemas matemáticos; essa explicitação possibilita que a criança, durante

o processo de instrução e interação educativa, vá internalizando as regras

procedimentais, vá praticando-as, automatizando-as e colocando-as em funcionamento,

aplicando-as ao lhe serem apresentados os problemas específicos significativos e

relevantes para as regras internalizadas (cf. Reid, 1988; 1989; Reid e Stone, 1991). O

que acontece quando se aprende incorretamente as regras ou quando estas são

aprendidas referentes a tipos de problemas distintos, ou quando não se aplicam bem,

ou quando não são bem internalizadas? Os resultados são os erros que se trata, em

relação às regras procedimentais aplicadas à solução dos problemas matemáticos

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específicos ou problemas-tipo. A intervenção educativa eficaz deverá levar em conta

essas questões e diagnosticar adequadamente o caminho em que a internalização e o

uso das regras procedimentais em relação com a solução dos problemas matemáticos

falha para intervir, modificando a regra aplicável ou a aplicação relevante a problemas-

tipo frente a outros que requeiram outras regras, etc.

Uma ilustração disto, aplicada à explicação dos primeiros conceitos matemáticos

adequados pelas crianças, é a referente ao aprender a contar ou contagem (Bermejo e

Lago, 1991). Um dos modelos de contagem aplicado à criança de cinco anos é o de

Greeno, Riley e Gelman (1984), segundo o qual as crianças utilizam três elementos de

sua competência para compreender a contagem:

1. Um componente conceitual ou compreensão dos princípios do processo,

realização do plano de contagem aplicando esquemas de ação ou sistemas de

produção com resultados específicos.

2. Um segundo componente da competência de contagem refere-se ao do

procedimento relacionando metas, ações e condições a satisfazer, para o qual

devem ser colocadas em ação regras heurísticas de planejamento que

permitem interpretar e conhecer os procedimentos e ações em relação a

metas específicas, regras de comprovação de teoremas e regras heurísticas

de comprovação.

3. Um terceiro componente da competência de contagem ou de uso è referente

aos aspectos diretos da conduta de solução do problema de contagem, como

os aspectos da monitorização e as regras que devem ser colocadas em ação,

tais como a harmonização da demarcação da tarefa, a colocação em

funcionamento das regras de comprovação de teoremas e os heurísticos de

comprovação, etc., na realização concreta.

A aprendizagem matemática exige uma certa desvinculação (Donaldson, 1979) dos

interesses, significados, intenções próximas à criança, o que a converte numa

experiência mental – árdua – antes de poder compreender o desfrute que tal atividade

pode representar de sensação de coerência e rigor, de necessidade lógica, de

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conhecimento elegante e parcimonioso, de beleza, tal como descrevem muitos

matemáticos que já compreenderam tão bem os pitagóricos gregos, que iam

introduzindo-se em seu conhecimento para chegar ao domínio de seus mistérios com o

qual podiam aceder à experiência “mística” que supõe o conhecimento matemático

(Riviére, 1990). Posto que a matemática atua como “filtros seletivos” para a passagem

de níveis educativos aos seguintes, mais avançados, ou, inclusive, “filtro social” (Davis e

Hersh, 1989), aqueles que não conquistam precocemente esta desvinculação ou esta

descontextualização que supõe o conhecimento matemático enfrentam sérias

dificuldades educativas e, inclusive, dificuldades de aprendizagem da matemática. A

“desvinculação” ou “desconexão” refere-se a uma característica do pensamento que tem

a ver com a abstração, com o domínio de regras, com a colocação em prática de

modelos mentais, mas isso não quer dizer que possamos “retornar” e “reinterpretar” a

realidade de uma maneira nova, na qual “se compreenda” sua importância como

instrumento de mediação social e cognitivo, como instrumento construído social e

historicamente e que é preciso “recontextualizar” no sentido que propõem os enfoques

sócio-histórico-culturais.

A solução de problemas matemáticos supõe o uso das regras ou a aplicação de

modelos de solução que estão à margem das condições concretas em que se

produzem. O que ocorre quando a criança se torna “dependente do contexto” na

solução dos problemas matemáticos? Comete erros sistemáticos que refletem o não

uso, “sempre”, das regras pertinentes ante problemas-tipo, ou se guia por chaves do

enunciado da tarefa, sem identificar corretamente o algoritmo pertinente, ou não é capaz

de recuperar de sua memória o algoritmo mais adequado ou, inclusive, carece de êxitos

em situações anteriores, o que lhe vai levar a cometer erros ante as tarefas matemáticas

(Morrison e Siegel, 1991). O conhecimento do contexto, muitas vezes, facilita a

aplicação dos procedimentos adequados para a solução dos problemas matemáticos,

como a aplicação de certas analogias que podem facilitar sua solução apropriada.

Contudo, a criança deve ser capaz de extrair do contexto e da tarefa os elementos

essenciais ou relevantes que estão além dos contextos que, inclusive, estão

desvinculados de suas intenções e desejos, mas que são necessários abstrair e

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construir em forma de regras procedimentais ou em forma de modelos, etc. Se não se

consegue isto, podem acontecer dificuldades na aprendizagem da matemática.

Modelos mentais para as tarefas matemáticas Frente aos enfoques baseados nas regras ou ao papel da desvinculação, são

propostas explicações elaboradas a partir do “paradigma dos tempos de reação”, que

proporcionariam uma via privilegiada para evidenciar os processos mentais

manifestados no cômputo dos problemas aritméticos. Segundo o modelo clássico aditivo

de Sternberg, que modificou o de subtração de Donders (Tudela, 1985ª), podem ser

propostos diversos modelos, e os tempos de reação apoiariam o “melhor modelo”. Se

tomarmos a soma mental, sugeriu-se que as crianças utilizariam um algoritmo de

contagem, que implicaria a “codificação do estímulo”, fazer uma “recontagem interna”,

“incrementar a contagem” e dar a solução ou “resposta”. O tempo de reação entre a

apresentação do estímulo e a emissão da resposta é um composto aditivo no qual

estariam representadas as distintas operações ou passos requeridos. De todos esses

passos, apenas um não teria um tempo de reação constante, e, portanto, o tempo de

reação diferencial repetiria o tempo requerido para um dado passo. O tempo de reação

que exigem as diversas operações é constante, de um ensaio a outro. No exemplo, a

codificação do estímulo, a recontagem interna e a elaboração da resposta, sendo o

tempo de reação diferencial atribuível ao incremento da recontagem, com o qual é

possível achar o melhor modelo que encaixe com os dados mediante o cálculo dos

“mínimos quadrados”. Seguindo este paradigma, tentamos explicar o desenvolvimento

matemático das crianças. Por exemplo, tentou-se explicar a soma simples de um dígito,

apresentada horizontalmente, em crianças, mediante estratégias de contagem, e, em

adultos, por processos de recuperação, a subtração em crianças mediante estratégias

de contagem.

Morrison e Siegel (1991) apresentam os seguintes modelos possíveis do estudo que

propõem Groen e Parkman, do estudo de 1972.

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Modelo 1: o contador é colocado no zero, depois se acrescentam ambas as parcelas,

partindo do acréscimo de uma delas.

Modelo 2: o contador é posto na primeira parcela, o número maior da esquerda,

depois se acrescenta a outra parcela, somando-a à primeira.

Modelo 3: o contador é posto na primeira parcela, o maior número da direita, e a ela

se acrescenta o valor da segunda parcela.

Modelo 4: o contador é fixado na primeira parcela, que seria o número menor,e a ela

se acrescenta a segunda, mediante a soma da primeira.

Modelo 5: o contador é fixado à primeira parcela, que seria o número maior, e a ela

se acrescenta a segunda parcela.

O paradigma aditivo do tempo de reação de Sternberg parece apoiar o modelo 5

como o que melhor explicaria as operações desenvolvidas pelas crianças na solução

dessas somas simples de um dígito. Exceto para as somas simples, ou duplas, o

contador interno se fixa à parcela maior, já que o tempo de reação maior aparece

referente à segunda parcela. Quando se aplica a adultos, estes demoram muito pouco

tempo, aduzindo-se explicações baseadas na recuperação da memória com rapidez, e o

algoritmo de contagem seria utilizado apenas ocasionalmente. Verificou-se que, à

medida que as crianças dominavam o uso de problemas matemáticos, por exemplo, a

partir do terceiro ano primário, iriam passando de um modelo incremental ou baseado na

contagem para um modelo baseado na recuperação da memória, ou seja, iriam

passando de um “conhecimento procedimental” para um “conhecimento declarativo”,

que é o que se observa em adultos. Esta mudança de estratégia – e, se preferirmos, de

um modelo aditivo a um baseado no armazenamento e recuperação da memória – foi

confirmada com modificações do paradigma do tempo de reação, incluindo “verdadeiro

versus falso” (Tudela, 1985b) por Geary, Widaman, Little e Cormier (1987) nas crianças

normais, mudança que se torna difícil nas crianças com dificuldades de aprendizagem

de matemática e que se reflete em tempos de reação mais prolongados. Nas crianças

de quarto e sexto ano do primeiro grau, normais, observava-se a mudança de estratégia

baseada na contagem à recuperação da memória, o que não ocorria em seus iguais

com dificuldades de aprendizagem de matemática. De outra forma, nas crianças de

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quatorze anos com este tipo de dificuldades começava-se a observar a mudança de

estratégia, mas com maior lentidão. Geary et al. (1987) concluem que os alunos com

dificuldades de aprendizagem na matemática apresentam diferenças significativas em

nível acadêmico:

1. No desenvolvimento maturativo dos processos implicados na solução de

problemas.

2. Na duração maior requerida para sua solução.

3. Nas habilidades de automonitorização do processo de solução de problemas.

Posto que não tenham sido “controlados” os níveis de leitura, pode ser que este fator

tenha influído nos resultados. Para subsanar isto, Kirby e Becker (1988) compararam os

resultados com o paradigma do tempo de reação entre uma amostra de crianças com

níveis adequados de aproveitamento, uma amostra de crianças com dificuldades de

aprendizagem de leitura e uma amostra de crianças com dificuldades de aprendizagem

de matemática, no quinto ano do primeiro grau. A amostra total era composta por 48

crianças, 16 crianças em cada amostra. As 48 crianças foram selecionadas a partir de

200 crianças de quinto ano do primeiro grau que assistiam aulas comuns. A seleção foi

feita com base em critérios de discrepância. Os resultados mostraram que as crianças

com dificuldades de aprendizagem na matemática eram deficitárias na eficiência

operacional ou velocidade de processamento, mas não na codificação ou na aplicação

de estratégias, em relação aos controles normais. Nesse estudo não está claro se se

trata de crianças com dificuldades de aprendizagem na matemática realmente ou

apenas de crianças com baixos níveis matemáticos, tal como ocorre com as dificuldades

de aprendizagem da leitura. Esse problema reflete-se no uso exclusivo de critérios de

“discrepância” e não em outros critérios mais amplos. De qualquer modo, os resultados

são ilustrativos das dificuldades que apresentam as pessoas com DAM mediante o uso

do paradigma do tempo de reação. A diferença do estudo anterior, de Geary et al.

(1987), apenas observou-se, nas dificuldades de aprendizagem da matemática, maior

lentidão ou pobre eficiência operacional, e não diferentes estratégias. Como a questão

está por averiguar, devemos esperar outras pesquisas.

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Classificação das dificuldades de aprendizagem Se bem que seja provável que sempre tenha havido pessoas, crianças, adolescentes

ou adultos que tenham sofrido o que hoje se denomina uma dificuldade de

aprendizagem, é só recentemente que se cunha o termo e se conceitualiza tal como o

conhecemos agora. Isso não é nada estranho; outro exemplo disso é a descrição inicial

da Síndrome do Autismo, em 1943, por Leo Kanner, se bem que, ao analisar a literatura

– como o caso narrado em “Florecilhas de S. Francisco”, sobre Frei Jerundio -, a história

– como os casos da Rússia Imperial -, a mitologia – como os meninos – lobos – ou a

história da educação especial, como o caso Victor – educado pelo Dr. Itard -, ela reflete

casos de provável autismo, com os critérios atuais (cf., por exemplo, Schreibman, 1988).

Por exemplo, é possível diagnosticar com os critérios atuais, de forma experimental,

pessoas de importância histórica que supostamente sofreram o que hoje se denomina

uma dificuldade de aprendizagem (DA). Uma ilustração disso é o estudo de Aaron,

Phillips e Larsen (1988), que, baseando-se em informes biográficos, exploram aspectos

cognitivos, biológicos e neuropsicológicos das dificuldades de aprendizagem e a

possibilidade de que quatro homens famosos a tivessem sofrido: Thomas Alva Edison,

Woodrow Wilson, Hans Christian Andersen e Leonardo da Vinci, e, apresentado, em

resumo, características compatíveis com a presença de dificuldades de aprendizagem

da leitura.

Silver (1989) relembra como, antes de 1940, se classificavam as crianças com

dificuldades de aprendizagem como “transtornados emocionalmente”, como “retardos

mentais” ou como “desavantajados culturais”. Esses transtornos podem produzir, e de

fato produzem, dificuldades de aprendizagem, contudo, é somente a partir dos anos 40

que se acolhe a possibilidade de causas neurológicas, sugerindo-se que as dificuldades

ou problemas de aprendizagem fossem ocasionados por um dano cerebral, tal como

sugerem, em 1941, Werner e Strauss ou, em 1947, Strauss e Lehtinen (Mercer, 1991ª).

Ao tratar-se de crianças de “aparência normal”, se sugeria que o dano cerebral deveria

ser reduzido, com o que o termo da lesão cerebral mínima se impôs (Silver, 1989). Ao

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não ser possível à verificação do suposto dano, hipotetizou-se uma disfuncionalidade

cerebral, sobretudo nas conexões cerebrais. É assim que, em 1966, Clements propõe o

termo disfunção cerebral mínima. Realizaram-se múltiplos estudos interdisciplinares a

partir de diversas disciplinas, na busca das possíveis disfunções de base. Afirmava-se

terem sido identificadas essas supostas disfunções, e ressaltava-se a área problema. Se

a dificuldade estivesse centrada na leitura, denominavam-se esses transtornos de

dislexias; se a dificuldade estivesse na linguagem, denominava-se disfasia, enquanto

que, se tratássemos da escrita, denominavam-se disgrafias, assim como, se a área

problema fosse a matemática, chamavam-se discalculias. Inclusive hoje em dia há uma

distinção muito importante com respeito aos nomes com o prefixo a – ou com o prefixo

dis -. Quando se trata de um problema de desenvolvimento ou deficiência do mesmo, ou

de não aprendizagem de uma habilidade ou área de habilidades, utiliza-se o prefixo –

dis. Assim, se fala de disfasia quando uma criança não desenvolve a linguagem

adequadamente ou de dispraxia quando houver alguma dificuldade no

desenvolvimento das praxias. Ao contrário, o prefixo a-refere-se a quando se perde a

função uma vez adquirida ou em processo de aquisição. Assim, falaríamos de afasia

infantil quando uma criança perde a linguagem uma vez iniciado o processo de

desenvolvimento da mesma, ou no adulto que a perde, ambos como fruto de uma lesão

cerebral constatada. Assim, se como conseqüência de um acidente, uma criança ou um

adulto apresenta dificuldades na leitura ou na escrita, por lesão cerebral, falaríamos de

alexia ou de agrafia, respectivamente. Às vezes, em determinados textos, utiliza-se a

expressão afasia para referir-se as disfasias, o que poderia levar a uma certa confusão.

Esta terminologia parece racional e favorece a comunicação, além de acarretar

implicações etiológicas e, inclusive, de tratamento. Esta terminologia continua sendo

utilizada, sobretudo na Europa e, concretamente, na Espanha. Contudo, começa a

surgir um novo tempo, proposto pelo Dr. Samuel Kirk, em 1962: o de dificuldades de

aprendizagem – DA. Este termo generalizou-se sobremaneira e é hoje predominante

nos EUA com base na publicação da Lei Pública de 1975 (PL 94-142), que adotou este

nome e que exige o diagnóstico de dificuldades de aprendizagem para oferecer

educação especial ou determinados serviços ou apoios às crianças que sofrem baixo

atendimento. Este problema não se estabelece assim na Espanha, considerando-se que

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se passou de um modelo baseado no déficit para um modelo baseado nas

necessidades educativas especiais. Se um aluno apresenta necessidades educativas

especiais, poderá ser objeto de educação especial, caso contrário, não poderá, ainda

que necessite de certas adaptações que poderão ser realizadas com o apoio e concurso

dos serviços e recursos de que disponha o centro, seja professor de apoio, seja

psicopedagogo, etc., mas, sempre, ao não se tratar de um aluno com necessidades

educativas especiais, deverá ser o professor ou professores de aula ordinária os que

monitorizarão e realizarão as intervenções.

Dificuldades de aprendizagem frente a outros transtornos Uma das questões que, neste momento, parece assumida de forma geral é a de que

as dificuldades de aprendizagem devem ser diagnosticadas de forma diferencial em

relação a outros transtornos próximos, ainda que, frente a presença em uma pessoa de

uma dificuldade de aprendizagem e de outro transtorno, seja necessário classificar

ambos os transtornos, sabendo que se trata de dois transtornos superpostos. Alguns

destes exemplos são:

- o transtorno por déficit de atenção e hiperatividade;

- os transtornos da fala não classificados em outro lugar, como a gagueira e a

linguagem confusa;

- outros transtornos da infância, meninice ou adolescência, como o mutismo eletivo

ou o transtorno por déficit de atenção indiferenciado;

- a deficiência mental ou os transtornos generalizados do desenvolvimento.

Os ADHD não fazem parte das dificuldades de aprendizagem. Se bem que, como

essas pessoas apresentem, em geral, algum tipo de problema escolar e acadêmico,

esses aspectos poderiam ser encaixados entre as dificuldades de aprendizagem (cf.

Anastopoulos e Barkley, 1992).

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O DSM-IV classifica os transtornos por déficit de atenção e hiperatividade entre os

transtornos por condutas perturbadoras incluídas nos transtornos de início de infância,

meninice ou adolescência. Trata-se de um padrão de conduta que as crianças e

adolescentes apresentam em relação a dificuldades no desenvolvimento da

manutenção da atenção, controle de impulsos, assim como a regulagem da conduta

motriz em resposta ás demandas da situação (Anastopoulos e Barkley, 1992).

Historicamente, este tipo de criança foi classificado em categorias como:

- lesão cerebral mínima;

- crianças com hipercinesia;

- ou, no DSM-IV, transtorno por déficit de atenção com ou sem hiperatividade.

Um exemplo disso, dentro da grande profusão de livros relativos às crianças

hipercinéticas, é a obra de Velasco (1976), que a subtitula As síndromes de disfunção cerebral. Isso reflete a confusão com as dificuldades de aprendizagem, hoje, por sorte,

superada, ao menos no nível conceitual. Os diferentes nomes usados historicamente

não fazem senão refletir mudanças em sua conceitualização.

Anastopoulos e Barkley (1992) apresentam alguns dados históricos a respeito.

Parece haver concordância sobre os primeiros casos do tipo TDAH, na metade do

século passado, ainda que as primeiras tentativas de demarcação teórica não apareçam

até este século, em 1902, com Still, considerando-se problemas de “inibição voluntária”

e originados por “dificuldades do controle moral”. Nos anos trinta, recuperou-se o

interesse com Childers ou Levin, mas centrando-se no componente da hiperatividade

motora, considerando-se originados por alterações neurológicas, segundo apresentam

Strauss e Lehtinen, em 1947. A idéia do componente motor como central ao transtorno,

que persistiu durante os anos 50 e 60, considerava esses transtornos como originados

por alterações neurológicas ou, inclusive, como o extremo ao longo de um contínuo

dentro da variabilidade normal. Isto apontou para uma mudança de nome, de “lesão

cerebral mínima” até a de “distinção cerebral mínima” ou, inclusive, abandonando o

aspecto causal e assumindo o aspecto da conduta de hiperatividade motora, nome que

em 1968 foi apresentado pelo DSM-II (síndrome hipercinética infantil e reação

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hipercinética infantil). Nos anos 70, reconheceu-se que o problema de atenção ou do

controle dos impulsos era ainda mais importante que o de hiperatividade motora. Isso

influiu na mudança operada em 1980 no DSM-III ao propor o transtorno por déficit de

atenção com e sem hiperatividade. Mas, como o debate sobre o fato do déficit de

atenção ser o núcleo do transtorno continuou, sugeriram-se explicações alternativas,

segundo as quais o núcleo do transtorno estava ou em dificuldades na regulação da

conduta às demandas situacionais ou na autodireção de instruções, ou a auto-regulação

do arousal às demandas do entorno ou da conduta governada por regras. Coincidiu, em

geral, na crença de que as funções executivas supõem um problema central, pelo qual a

hiperatividade motora voltou a ser considerada um componente do transtorno, propondo

ao DSM-IV o TDAH, sendo que casos em que não houvesse hiperatividade, seriam

classificados nos transtornos por déficit de atenção indiferenciados. O debate, não

obstante, continua.

Segundo Anastopoulos e Barkley (1992), os sintomas primários seriam a

desatenção, a impulsividade e a hiperatividade, além de outros sintomas, mas que não

seriam tão amplamente aceitos como os déficits na conduta governada por regras ou a

variabilidade nos processos executivos.

A prevalência estimada, com os critérios do DSM-IV, estaria entre 3 e 5%, sendo

estável através de diferentes grupos sócio-econômicos e culturais, ainda que se

costume encontrar seis meninos para cada menina diagnosticada de TDAH; contudo,

em estudos com amostras baseadas em comunidades a média é três meninos para

cada menina.

Igualmente (Anastopoulos e Barkley, 1992) descreveram-se outros problemas

secundários ou co-mórbidos, tais como:

1. De conduta, que parece ser observado entre 40 a 60% dos casos, por

exemplo, de transtornos oposicionais-desafiantes (Barkley et al., 1991), ou

entre 20 e 40% de outras condutas, como vandalismo, etc (Szatmari et al.,

1989).

2. Implicações emocionais, tais como hipersensibilidade, baixa auto-estima, baixa

tolerância à frustração e, inclusive, sintomas de depressão e ansiedade.

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3. Problemas de socialização (Murphy, Pelham e Lang, 1992).

4. Problemas familiares; dificuldades na execução acadêmica, apresentando

rendimentos menores que os esperados pelo seu potencial estimado, sendo

classificáveis entre 20 e 30% também como disléxicos ou com outras

dificuldades de aprendizagem (Barkley, DuPaul e McMurray, 1990), pelo que

muitas das crianças com TDAH deverão receber algum tipo de ajuda de

programas de educação especial.

5. Habilidades cognitivas e lingüísticas, apresentando, muitos deles, dificuldades

nas tarefas de resolução de problemas complexos ou nas habilidades

organizativas, e, inclusive, acontecendo freqüentemente problemas de fala e

linguagem.

6. Dificuldades com a saúde, numa proporção maior do que as crianças normais

ou, inclusive, uma maior incidência dos denominados “sinais neurológicos

menores ou brandos”.

Hoje, assume-se que se trata de um problema diferente das dificuldades de

aprendizagem, ainda que, durante o curso do transtorno, aparecem baixos

aproveitamentos acadêmicos, mas a falta de atenção, a impulsividade e a hiperatividade

motora, ou, inclusive, os problemas nos processos executivos ou nas condutas

governadas por regras permitirão que se faça o diagnóstico diferencial. No caso de

superposição do transtorno com dificuldades de aprendizagem, deverá ser feito o duplo

diagnóstico. Estes problemas, os quais se tem enfrentado amplamente, não perdem sua

intensidade com a adolescência ou idade adulta (Barkley et al., 1991). Contudo, as

dificuldades de aprendizagem que apresentam podem ser abordadas de forma

específica, similarmente às DA, podendo assim beneficiar-se dos avanços na área das

DA, ao menos nos aspectos acadêmicos.

Transtorno da fala: A Gagueira Seria necessário delimitar as dificuldades de aprendizagem, segundo a concepção

do DSM-IV de outros transtornos da fala como a gagueira e a linguagem confusa.

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A gagueira é considerada como um transtorno caracterizado pela presença de

repetições ou prolongamentos freqüentes dos sons ou das silabas, criando dificuldades

na fluidez da fala. Seria necessário diferenciá-la da falta de fluidez verbal em crianças

pequenas de menos de dois ou três anos, da linguagem confusa, posto que esta

apresenta um ritmo rápido e ininteligível e não consciente, e da disfonia epástica, que é

parecida com a gagueira, mas de natureza neuromotora, com respiração anômala.

Ainda que seja diferente das dificuldades de aprendizagem, normalmente relaciona-

se com o transtorno no desenvolvimento da articulação, com o transtorno do

desenvolvimento na linguagem expressiva, com o transtorno por déficit de atenção com

hiperatividade e com os transtornos de ansiedade.

O transtorno inicia como uma manifestação das excessivas repetições, dentro da

normalidade, nas tentativas da criança para adquirir a linguagem expressiva e a

articulação. Ao tornar-se consciente, começa a desenvolver medo de falar e uma grande

ansiedade nas situações que implicam fluidez verbal, o que a leva a mecanismos

compensatórios para não gaguejar, como os mecanismos lingüísticos de modificação do

ritmo da linguagem, a evitar as situações comunicativas, a rodeios ou circunlóquios

verbais ou a evitar palavras ou sons; além disso, aparecem movimentos corporais ante

a falta de fluidez, como piscar tiques, tremores labial ou facial, sacudir a cabeça,

movimentos respiratórios, bater com o punho, etc. O transtorno aparece entre os dois e

os sete anos, e, sobretudo aos cinco anos, apresentando-se, em 98% dos casos, antes

dos dez anos.

Por sorte, 80% dos casos se recuperam (60% de forma espontânea). Pode

acontecer uma alteração da vida social provocada pela ansiedade comunicativa, a

frustração e a baixa auto-estima. Nos adultos, pode limitar a escolha vocacional e a

promoção profissional.

A prevalência é de 50% em crianças, e somente 1% em adultos. Dá-se numa

proporção de três para um em crianças. Além disso, há um forte componente de

incidência familiar (pode chegar até 50% nos familiares de primeiro grau).

O tratamento condutual parece ser o mais eficaz (Santacreu, 1990; Santacreu e

Froján, 1993).

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