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Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa Ps Graduao em Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia

BRUNO CAPIL

A MAIS SANTA DAS CAUSAS: A REVISTA AGRCOLA DO IMPERIAL INSTITUTO FLUMINENSE DE AGRICULTURA (1869-1891)

RIO DE JANEIRO 2010

Bruno Capil

A MAIS SANTA DAS CAUSAS: A REVISTA AGRCOLA DO IMPERIAL INSTITUTO FLUMINENSE DE AGRICULTURA (1869-1891)

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia da UFRJ como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre.

Orientao: Prof Nadja Paraense dos Santos

RIO DE JANEIRO 2010

FICHA CATALOGRFICA

C243 CAPIL, Bruno A mais santa das causas: a Revista Agrcola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (1869-1891) / Bruno Capil. Rio de Janeiro, 2010. xiii, 260 f.: Dissertao (Mestrado em Histria das Cincias, das Tcnicas e Epistemologia) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Qumica, 2010 Orientadora: Nadja Paraense dos Santos 1. Histria da Cincia - Brasil. 2. Agricultura - Brasil 3. Revista Agrcola do Imperial Instituto de Agricultura I. Santos, Nadja Paraense dos (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Qumica. Ps-Graduao em Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia. III. Ttulo. CDD: 509.81

Bruno Capil

A MAIS SANTA DAS CAUSAS: A REVISTA AGRCOLA DO IMPERIAL INSTITUTO FLUMINENSE DE AGRICULTURA (1869-1891)

Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de PsGraduao de Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Histria das Cincias, das Tcnicas e Epistemologia

Aprovada em:

_____________________________________________________________________ Nadja Paraense dos Santos, D.Sc., Programa de Ps-Graduao Histria das Cincias, das Tcnicas e Epistemologia/UFRJ

_____________________________________________________________________ Heloisa Maria Bertol Domingues, D. Sc., Museu de Astronomia e Cincias Afins

_____________________________________________________________________ Moema de Rezende Vergara, D. Sc., Museu de Astronomia e Cincias Afins

_____________________________________________________________________ Teresa Cristina de Carvalho Piva, D. Sc., Programa de Ps-Graduao em Histria das Cincias, das Tcnicas e Epistemologia/UFRJ

DEDICATRIA

Deixo claro aqui meu interesse e fascnio nas diferentes concepes da formao da nao brasileira. Aprecio todas as expresses retratadas dessa nossa origem, ressaltando ainda mais a miscigenao. Sendo assim, dedico essa dissertao a todos os que tambm compartilham desse interesse e se fascnio, fornecendo a eles mais um tijolo dessa imensa construo inacabvel que a Histria do Brasil. Em particular, aos cientistas brasileiros, dedico essa humilde obra para que possam abrir os olhos para a diversidade cultural cientfica que j existia no Brasil pr-republicano. Que essa leitura seja apenas uma de muitas. E que se inspirem a colaborar com mais estudos e pesquisas. Dedico tambm aos meus amigos e familiares, que dessa forma tambm aprenda um pouco mais sobre minhas angstias e interesses.

AGRADECIMENTOS

Importante aqui ressaltar a importncia das mulheres na elaborao desse trabalho, e que sem elas eu nada sou. Primeiramente agradeo minha orientadora Prof. Nadja Paraense dos Santos pelas conversas e apontamentos acadmicos estritamente necessrios para a realizao de meu mestrado. Em especial pelas correes ortogrficas do tempo presente para o passado, derivadas do meu envolvimento com o tema. E tambm minha banca 100% feminina, compostas pelas Professoras Heloisa Maria Bertol Domingues, Moema de Rezende Vergara e Teresa Cristina de Carvalho Piva. Obrigado pelas colaboraes. Agradeo tambm a presena confortante de minha linda namorada Maria Rita que no s me ajudou academicamente com ricas discusses, mas, principalmente, como meu porto seguro particular. Aproveito e me desculpo um pouco pela minha impacincia e inquietao devido aos esforos desse texto. Por fim, volto ao meu comeo, e agradeo a minha me pela criao de meu carter e pelo carinho investido em mim. E, especialmente, pela compreenso de ter um filho ausente dentro de casa, dedicado ao computador e aos livros.

RESUMO

CAPIL, Bruno. A Mais Santa das Causas: A Revista Agrcola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (1869-1891). Rio de Janeiro, 2010. Dissertao (Mestrado em Histria das Cincias, das Tcnicas e Epistemologia) PGHCTE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

A economia do Brasil no sculo XIX se baseava nas atividades agrrias. No entanto, a ignorncia de tcnicas de restituio da terra evidenciava um comportamento que implicava na deteriorao do solo. Na dcada de 1860, aps o reconhecimento desses problemas, o governo Imperial iniciou um processo de revitalizao da agricultura atravs da criao do Ministrio da Agricultura, do Comrcio e Obras Pblicas (MACOP) e dos Institutos Agrcolas, como o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (IIFA, 1860-1897). O IIFA, que tinha como fim animar, facilitar e dirigir os progressos e desenvolvimento da agricultura brasileira; publicou durante vinte e dois anos o peridico Revista Agrcola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (1869-1891). O presente trabalho teve como objetivo a compreenso dos conhecimentos tcnicos e cientficos coadjuvantes do processo de modernizao da agricultura brasileira no sculo XIX, a partir da pesquisa dos noventa nmeros da Revista Agrcola, onde foi possvel perceber padres de crescente especializao dos conhecimentos cientficos, e decrescente esforo na vulgarizao para o leitor leigo. Sendo assim, concluiu-se que a Revista Agrcola contribuiu para por abaixo o paradigma vigente de fertilidade permanente do solo sem intervenes, atravs da publicao de conhecimentos tcnicos e cientficos, alm de focalizar outros assuntos de interesse do agricultor com a pretenso de animar a produo agrcola e pecuria nacional.

Palavras-Chave: Revista Agrcola do IIFA, Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, Agricultura no Brasil no sculo XIX.

ABSTRACT

CAPIL, Bruno. A Mais Santa das Causas: A Revista Agrcola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (1869-1891). Rio de Janeiro, 2010. Dissertao (Mestrado em Histria das Cincias, das Tcnicas e Epistemologia) PGHCTE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

The Brazilian economy in the nineteenth century was based on agricultural activities; however, the ignorance of the techniques in soil regeneration suggests a behavior that implies in land deterioration. In the 1860`s, after the acknowledge of those problems, the Imperial government begun a process of agricultural revitalization through the creation of the Ministry of Agriculture, Commerce and Public Works, and Agriculture Institutes, such as Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. The IIFA, that had the goal of encourage, facilitate and direct the progress and development of Brazilian agriculture, published through twenty-two years the journal Revista Agricola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (18691891). The present work has the objective of understanding the technical and science knowledge that cooperate in the modernization process of the Brazilian agriculture transformation in nineteenth century. Through the research of the ninety numbers of the Revista Agricola, we can notice the specialization of scientific knowledge and the decrease of the effort in scientific vulgarization. Therefore, I conclude that the Revista Agricola contributed to terminate the paradigm of the everlasting soil fertility without intervention, through the publication of technical and scientific knowledge, and to focus other subjects of the farmers interest, with the pretension of develop the national agriculture production.

Key-words: Revista Agricola do IIFA, Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, Brazilian Agriculture in 19th century

LISTA DE SIGLAS

IIFA IHGB JBRJ MACOP PPGHCTE

Imperial Instituto Fluminense de Agricultura Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro Jardim Botnico do Rio de Janeiro Ministrio da Agricultura, do Comrcio e Obras Pblicas Programa de Ps-Graduao em Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia Revista Agrcola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura Sociedade Auxiliadora da Indstria Nacional Sociedade Latino Americana de Histria das Cincias e da Tecnologia Universidade Federal do Rio de Janeiro

RAIIFA SAIN SLHCT

UFRJ

SUMRIO INTRODUO ........................................................................................................................... XII 1 2 Apresentao do Tema ....................................................................................................xiv Consideraes Conceituais ...............................................................................................xv

2.1 Vises Sobre a Formao do Brasil.................................................................................xvi 2.2 2.3 Nova Historiografia da Cincia. ...................................................................................xviii Divulgao Cientfica vs Vulgarizao Cientfica .........................................................xxi

CAPTULO I ................................................................................................................................1 I.1 Problemas da Lavoura.......................................................................................................5

I.1.1 Falta de mo-de-obra.........................................................................................................6 I.1.2 Falta de crdito agrcola ....................................................................................................9 I.1.3 Falta de instruo ............................................................................................................10 I.1.4 Desgaste do solo..............................................................................................................12 I.1.5 Ineficincia dos transportes.............................................................................................17 I.2 I.3 I.4 Iniciativas governamentais para a promoo da agricultura ...........................................19 Situao cientfica no Brasil e no Mundo .......................................................................24 Inovaes que fomentaram o desenvolvimento da agricultura enquanto cincia ...........32

I.4.1 Surgimento da Qumica Agrcola....................................................................................33 I.4.2 Liebig e o paradigma do solo ..........................................................................................35 I.4.3 Fisiologia Vegetal ...........................................................................................................38 I.4.4 Mquinas e Tcnicas .......................................................................................................40 I.5 Literatura que visava o melhoramento da agricultura.....................................................41

I.5.1 Manual do Agricultor de Taunay (1839)........................................................................42 I.5.2 Memria sobre a Fundao de uma Fazenda do Baro de Pati do Alferes (1847) ........44 I.5.3 Auxiliador da Indstria Nacional (1833-1892) ..............................................................46 I.5.4 Outros Peridicos ...........................................................................................................47

CAPTULO II .............................................................................................................................49 II.2.1 Cultivos da Fazenda Normal...........................................................................................66 II.2.2 O intercmbio de objetos e ideias ...................................................................................77 II.2.3 As mquinas da Oficina da Fazenda Normal..................................................................81

II.2.4 Anlises qumicas do Laboratrio Qumico ...................................................................84 II.2.5 Asilo Agrcola.................................................................................................................87

CAPTULO III ...........................................................................................................................89 III.1 A Revista ......................................................................................................................90

IV.1.1 Surgimento ...................................................................................................................91 III.1.2 Caracterizao ..............................................................................................................93 III.1.3 Os Redatores.................................................................................................................97 III.2 Novas e Velhas Propostas ..........................................................................................102

III.2.1 Cultivos J Estabelecidos ...........................................................................................102 III.2.2 Novas Propostas .........................................................................................................121 III.3.1 Tcnicas Agrcolas .....................................................................................................132 III.3.2 Mecnica Agrcola......................................................................................................136 III.4.1 Solo.............................................................................................................................145 III.4.2 Nutrio Vegetal.........................................................................................................152 III.4.3 Desenvolvimento Vegetal...........................................................................................160 III.4.4 Zootecnia e Zoologia ..................................................................................................170

CONCLUSES ..........................................................................................................................183

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................................189 Abreviaturas............................................................................................................................189 Fontes Primrias .....................................................................................................................190 Fontes Secundrias .................................................................................................................201

ANEXOS ..................................................................................................................................209 Anexo I Decreto n 2.607 de 30 de junho de 1860 Criao do IIFA................................209 Anexo II Decreto n 2.681 de 3 de novembro de 1860 Estatutos do IIFA.......................211 Anexo III Lista dos Scios do IIFA ....................................................................................221 Anexo IV Lista das Associaes a Que Remetida a Revista Agrcola ............................225

NDICE DE TABELAS Tabela 1: Diretores do Jardim Botnico .......................................................................58 Tabela 2: Ocupao do solo da Fazenda Normal .........................................................69 Tabela 3: Levantamento de Artigos por Assunto .........................................................94

NDICE DE FIGURAS Fig. 1 Casamento de negros de uma famlia rica de Debret ...........................................7 Fig. 2 Arroteamento de uma floresta de Rugendas ......................................................13 Fig. 3 Planta Geral das Estradas de Ferro de 1885 ......................................................18 Fig. 4 Viagem Filosfica de Alexandre Rodrigues Ferreira.........................................28 Fig. 5 Selo alemo de 150 anos do nascimento de Liebig ..........................................36 Fig. 6 Capa do Manual do Agricultor Brasileiro de Taunay ........................................42 Fig. 7 Capa do Auxiliador ............................................................................................46 Fig. 8 Planta baixa do Jardim Botnico desenhada por Glasl ......................................66 Fig. 9 Arado para montanha de Glasl ...........................................................................82 Fig. 10 Tabela de Anlise qumica realizada pelo qumico do IFFA Otto Linger. ......85 Fig. 11 Primeira pgina do primeiro nmero (1869) ....................................................90 Fig. 12 Nicolau Joaquim Moreira e seu primeiro nmero da Revista (1879)...............98 Fig. 13 Aparelho a triplice efeito de Mr. Redbouef ...................................................104 Fig. 14 Tabela de quantidade de acar cristalizvel, de acar invertido e de substncia salinas contidas no xarope da cana ......................................................................105 Fig. 15 Tabela das anlises das cinzas dos caldos de diferentes canas de acar ......107 Fig. 16 Equaes de desgastes do solo de Daefert .....................................................112 Fig. 17 Zona afetada pela molstia do cafeeiro ..........................................................114 Fig. 18 Estampa 1 de Goeldi.......................................................................................115 Fig. 19 Balano de um ano numa fazenda de caf .....................................................116 Fig. 20 Descascadores de Jacob e Lombardo ......................................................117 Fig. 21 Anlises das folhas de tabaco .........................................................................120

Fig. 22 Anlise de um p inteiro de Ramie ................................................................122 Fig. 23 Composio Imediata da Batata Inglesa ........................................................130 Fig. 24 Anlise das cinzas de diversas plantas cultivadas por Boussingault..............134 Fig. 25 Mergulhia .......................................................................................................135 Fig. 26 Arrancador de razes de Delahaye..................................................................139 Fig. 27 Desgranador de Milho ....................................................................................141 Fig. 28 Engenho completo para o preparo do caf do Sr. Eduardo Franco ................142 Fig. 29 Anlises feitas sobre as cinzas dessas plantas ................................................155 Fig. 30 Quantidade de Azoto relativas s diversas espcies de forragens..................175 Fig. 31 Estampa de Abelhas .......................................................................................177

INTRODUO

Gravemente estremecida por crises sucessivas, filhas da imprevidncia e da precipitao, a lavoura nacional arrasta uma existncia sem f por um terreno falso, onde a esterilidade rebenta do trabalho e a misria muitas vezes a consequncia dos esforos despendidos na luta (Miguel Antonio da Silva)

xiii

O fascnio que sempre tive pelo Jardim Botnico do Rio de Janeiro no foi a nica razo de desenvolver esse trabalho. O maior foco foi e ainda o interesse no entendimento da formao da nao brasileira e todas as diversidades e adversidades encontradas hoje em dia. Encontrei no tema do trabalho o ponto em comum das duas afirmativas acima, satisfazendo tambm a necessidade de desvendar um pouco sobre a obscura realidade histrica do Jardim enquanto domnio do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (IIFA). Meu primeiro contato com o IIFA ocorreu durante um trabalho apresentado para a disciplina de Histria da Cincia no Brasil do Programa de Ps-Graduao em Histria das Cincias das Tcnicas e Epistemologia (PPG-HCTE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ministrada pelo professor Carlos A. L. Filgueiras. Nesse momento vislumbrei a existncia da Revista Agrcola1 do IIFA, e surgiu o interesse no estudo particular das ideias cientficas veiculadas pela mesma. O presente estudo tem por finalidade investigar de que forma a Revista Agrcola participou do cenrio de desenvolvimento agrrio brasileiro no sculo XIX, e se era eficaz. Meu intuito saber se os artigos publicados na Revista contemplavam o conhecimento cientfico e tcnico necessrio para um leitor leigo compreender e aplicar na agricultura, considerada no primeiro prefcio como a mais santa das causas. E a partir dessa anlise, poder entender a abrangncia das atividades desenvolvidas no IIFA. A partir desses interesses acima citados, resolvi realizar o presente estudo sobre as divulgaes tcnico-cientficas propagadas pela Revista Agrcola, e, em menor grau, sobre a atuao da Fazenda Normal do IIFA. Atravs da anlise dessas atividades, procurar reinterpretar alguns aspectos da histria econmica e cientfica do Brasil.

A coleo completa, 90 nmeros, pode ser encontrada integralmente na seo de Obras Raras da Biblioteca Barbosa Rodrigues do Jardim Botnico do Rio de Janeiro.

1

xiv

1

APRESENTAO DO TEMAAlguns estudos sobre a formao do Brasil (PRADO JR., 1973; FURTADO, 1974;

FREYRE, 1980; HOLANDA, 1995; VIANNA, 2005) apontam que a produo agrcola do sculo XIX foi bastante prejudicada pela insuficincia de mo-de-obra preparada (assim como barata), pela falta de incentivos econmicos (crdito agrcola), pela falta de conhecimento de tcnicas e equipamentos agrcolas, e tambm pelo desconhecimento de novas culturas lucrativas que pudesse suplantar alguma outra que estivesse em queda. Ressalto que pretendi pesquisar o papel da Revista Agrcola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (IIFA), publicada no perodo de 1869 a 1891, na divulgao de conhecimentos tcnico-cientficos que visavam o desenvolvimento a lavoura nacional, diminuindo ou eliminando os problemas considerados acima. Na publicao busquei informaes sobre as propostas de melhoria na produo agrcola e pecuria nacional, analisando-as e procurando perceber se as informaes divulgadas seriam necessrias para tal melhoramento. Alm de procurar avaliar se as publicaes desses conhecimentos ajudaram no desenvolvimento agrcola. Para melhor entender a origem, o funcionamento e a importncia da Revista, o trabalho teve como objetivos secundrios explanar como era o panorama nacional agrcola no sculo XIX e alguns aspectos da estrutura do prprio Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. Dessa forma, foram amplamente utilizados os trabalhos de Maria Fernanda Vieira Martins (1995), sobre o IIFA e seus membros integrantes; e de Heloisa Maria Bertol Domingues (1995), sobre a relao das Cincias com a agricultura.

xv

Minha hiptese que a Revista Agrcola foi um meio eficaz de divulgao de conhecimento agrcola, publicando artigos de tcnicas, equipamentos, novas culturas, mquinas, assim como a vulgarizao de conhecimentos cientficos. Porm, seu alcance foi limitado pela ideologia e cultura agro-industrial vigente, um paradigma de estagnao cultural, cientfica, industrial, e principalmente, agrcola. O trabalho, que no se limitou a uma Histria Institucional, se restringiu ao sculo XIX, em particular o segundo reinado, momento em que funcionou efetivamente o IIFA2 (1860-1897). Em relao ao local de estudo, parece pertinente situar somente a provncia do Rio de Janeiro e a capital do Imprio. Porm, a partir da influncia do prprio Instituto, esse acaba expandindo suas atividades para todo o pas, o qual ser superficialmente contemplado. As fontes primrias estudadas foram as Actas do IIFA, as Leis da poca do Imprio, o Almanak Laemmert, os Relatrios do Ministrio da Agricultura, do Comrcio e das Obras Pblicas (MACOP), e principalmente a Revista Agrcola do Imperial Instituto. Confrontei as afirmaes de diferentes historiadores sobre a estagnao de ideias e iniciativas agrcolas no sculo XIX, com as anlises derivadas das fontes primrias citadas anteriormente. Caso a hiptese se prove verdadeira possvel rever a cultura agrcola na segunda metade do sculo XIX com outras suposies.

2

CONSIDERAES CONCEITUAISNesta seo explicaram-se quais embasamentos tericos foram utilizados na confeco

dos captulos seguintes. Para o captulo II foi utilizada as clssicas vises da formao do Brasil enquanto Nao, elaboradas por historiadores do incio do sculo XX: Oliveira Viana,Embora funcione enquanto instituto at 1897, j no perodo republicano, sua atuao fica severamente limitada devido falta de verba e pouco reconhecimento.2

xvi

Gilberto Freyre, Srgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jnior e Celso Furtado. Esta discusso convergir para a nova historiografia da cincia elaborada trs dcadas atrs, resgatando autores como Juan Jos Saldaa e Fernando de Azevedo, que sero amplamente utilizados no captulo seguinte. E, finalmente, para o captulo IV iremos abordar conceitos de vulgarizao e divulgao da cincia com a finalidade de auxiliar na anlise dos artigos da Revista.

2.1

Vises Sobre a Formao do BrasilA partir da anlise de alguns historiadores (PRADO JR., 1973; FURTADO, 1974;

FREYRE, 1980; HOLANDA, 1995; VIANNA, 2005), podemos averiguar como a historiografia tem situado o desenvolvimento cientfico voltado para o progresso agrcola. Sendo assim, demarcamos a Independncia (1822) como um grande momento de ressignificao histrica no passado brasileiro, tendo como preocupao dominante a criao de referncias nacionais, estabelecendo uma emancipao mental e cultural da antiga metrpole, definindo uma possvel identidade brasileira. O ponto em comum nesses historiadores est na concepo de que a forma que a colonizao foi efetuada um dos pontos principais para o entendimento do presente. A grandiosidade do territrio a ser explorado e a falta de trabalhadores, associada com a mentalidade lusitana explanada por Holanda (1995), foram os fatores-chave para o desenvolvimento do latifndio e da mo escrava. Prado Jr. (1973), resgatando conceitos marxistas, comenta que, para os portugueses, a colonizao nos trpicos uma vasta empresa comercial, exploratria, visando o fornecimento de bens primrios para o mercado europeu. Esse embasamento mercantilista encontra-se mais detalhado em Furtado (1974), que

xvii

reconhece os dois tipos de colonizao que ocorreram nas expanses ultramarinas europias: as colnias de povoamento e as de explorao (RICUPERO, 2008). Ao elaborar uma explicao para a psicologia dos portugueses, Holanda (1995) classificou uma srie de diferenas entre os tipos de colonizao de Portugal e Espanha. Apesar de ambos terem sido influenciados pela invaso moura sculos antes, os lusitanos mantiveram uma relao mais tnue com a colnia, com atos de rotina e desleixo. As cidades eram sinuosas, bagunadas, e se concentraram no litoral. Diferente dos espanhis que desenvolveram as cidades retilineamente a partir de uma grande praa. As colnias foram consideradas extenses do reino, e se voltavam para o interior do continente. Dessa forma, o autor atribuiu ao brasileiro um esprito de aventura, valorizando a audcia, a imprevidncia e a irresponsabilidade (RICUPERO, 2008). As cidades, locais de troca de mercadorias e informaes, eram subordinadas ao campo, onde os senhores possuam imensas fazendas auto-suficientes, um verdadeiro micro cosmo. Oliveira Vianna comenta que(...) essa nova sociedade em formao , e h de ser por muito tempo ainda, uma sociedade de estrutura fundamentalmente rural, assentada por inteiro sobre uma base exclusiva de latifndios agrcolas. Portanto, uma sociedade de hbitos e costumes caracteristicamente rurais (VIANNA, 2005, p. 70).

Nesse cenrio, ainda colonial, a estrutura social se assemelhava muito ao feudalismo. O patriarcalismo, fenmeno social criado pelo latifndio monocultor escravocrata (FREYRE, 1980), desenvolveu relaes entre branco e negro, senhor e escravo, europeu e africano, etc. Podemos observar que esse panorama se associa mobilidade rural, devido ao uso irresponsvel dos recursos, o que dificultou a unificao brasileira e o intercmbio cultural e comercial entre as provncias.

xviii

Somente foi possvel elaborar o Captulo II, sobre o Panorama Geral do Brasil, a partir de uma leitura das interpretaes do Brasil elaboradas por tais autores. Dessa forma, espero apresentar como o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura funcionava nas condies adversas explicitadas por esses autores.

2.2

Nova Historiografia da Cincia.Desde o sculo XIX at meados do sculo XX, as cincias no Brasil possuam uma

viso essencialmente eurocntrica. Esse quadro se repetiu em toda a Amrica Latina, assim como na frica e sia, e, em grande parte, enfatizava a imagem de ilustres cientistas que pontualmente realizavam atividades cientficas. Dentro desse contexto de cincia perifrica temos como exemplo a figura de Jos Bonifcio de Andrada e Silva (1763-1838), e de instituies que exerceram influncias em momentos distintos e que ainda existem hoje em dia, como o Jardim Botnico (1808), o Museu Nacional3 (1818), o Observatrio Nacional (1827). Na realidade, tais exemplificaes apenas distorcem a complexidade da realizao das atividades cientficas em territrio nacional e no resto do mundo. A histria da cincia acabaria por ser considerada uma histria secreta ou ainda no contada (SALDAA, 2000). No Brasil, podemos citar como um marco importante, para a reviso da historiografia da cincia, a publicao de As Cincias no Brasil, em 1955, organizada por Fernando de Azevedo4. Um dos primeiros a relacionar a atividade cientfica brasileira com os fatos sociais significativos de sua histria, Azevedo era a favor do alargamento das oportunidades, deO Museu Real foi renomeado para Museu Imperial e Nacional em 1824, e depois para Museu Nacional em 1890. Para o presente trabalho, ser utilizado o termo Museu Nacional para melhor compreenso perante a atualidade. 4 Essa obra considera as atividades cientficas antes das universidades como uma pr-histria da cincia. Azevedo se encontra numa histria da cincia de grandes teorias com as regies perifricas sendo meros receptculos passivos (DANTES, 2001).3

xix

maneira a reduzir o corte aristocrtico tradicional (CANDIDO, 1994). Em sua introduo esclareceu que o pas, que teve sua colonizao fortemente influenciada pelas atividades dos missionrios, estabelece uma mentalidade que suprimia a existncia de um esprito mais crtico, semelhante sua metrpole. Azevedo reconhece o reforado valor destinado s instituies, e como essas fermentaram o desenvolvimento cientfico brasileiro, parte integral da cultura brasileira (AZEVEDO, 1994). Baseado na concepo de que a cincia surgiu exclusivamente na Europa, sendo incorporada pelos brasileiros, a viso de Fernando de Azevedo no contemplava a existncia de atividade cientfica sem a presena de instituies especficas. Vergara (2004) aponta para o fato de que a obra de Azevedo estava em sintonia com importantes pensadores da poca, que considerava a cincia como parte de projetos voltados para o desenvolvimento econmico (VERGARA, 2004, p. 26). A mesma autora ressalta ainda a necessidade de tentar compreender as ideias de Azevedo como fator importante para as concepes sobre a cincia no Brasil, enfatizando o papel da histria da cincia em entender os processos da modernizao da sociedade brasileira. Anos mais tarde, na dcada de 80, foi revisado o modo de conceber estudos de histria da cincia na Amrica Latina, influenciado por uma corrente de pensadores como Fernando de Azevedo e Shozo Motoyama, no Brasil, e de outros latino-americanos mais recentes como Juan Jose Saldaa e Elias Trabulse. No tocante institucionalizao, podemos destacar o I Encontro Latino-americano de Historiadores das Cincias que ocorreu no Mxico, em 1982, e a consequente fundao da Sociedade Latino-Americana de Histria das Cincias e da Tecnologia (SLHCT) (SALDAA, 2000). Saldaa ressalta que para iniciar essa busca de uma originalidade epistemolgica foi preciso repensar nossa cincia, para depois tentar esclarecer a complexa trama de ideias

xx

acerca do que a prpria histria da cincia (SALDAA, 2000, p. 12). E para evitar o chamado mimetismo historiogrfico5, importante nos concentrar em reconhecer as condies que influenciam ou influenciaram o desenvolvimento cientfico num respectivo cenrio social e histrico.A histria da cincia pode nos mostrar como foram constitudos a cultura cientfica, as comunidades, o ethos cientfico6 particular, as escolas de pensamento, os mecanismos sociais de avaliao do trabalho cientfico, as instituies, as polticas de fomento, os estabelecimentos de ensino; e igualmente os efeitos perversos(...) (SALDAA, 2000, p. 14)

Dantes (1980) comenta que a documentao histrica sobre as instituies cientficas brasileiras est bastante dispersa. Considerados os primeiros centros de pesquisa de alto nvel realizada por equipes de cientistas brasileiros, os institutos, vinculados administrao pblica, enfrentam a constante destruio de suas atividades e o crescente xodo de seus pesquisadores. Estes, ao no possuir o devido reconhecimento social de sua funo desempenhada, possuem salrios baixos e acabam compensando com o acmulo de funes. Tal fato tambm se evidenciou nesta pesquisa, j que diversos scios do IIFA atuavam em outras instituies. Para ressaltar como o IIFA influenciava, e foi influenciado pelo desenvolvimento cientfico no sculo XIX, e, consequentemente, a sua possvel interferncia no desenvolvimento da nao, torna-se imperativo resgatar algumas ideias da sociologia da cincia. O conceito kuhniano de comunidade cientfica, incorporado ao discurso de Robert Merton, evidenciar os valores existentes na construo cientfica (SCHWARTZMAN, 2001). Toda comunidade, qualificada pelo compartilhamento de valores e atitudes cientficas e pela aprovao de um paradigma, se apresenta como receptora de informaes. No entanto, para

Incorporao de mtodos historiogrficos, em particular os utilizados pelos europeus. Merton (1973, p. 258) refere o ethos da cincia como um complexo de regras, prescries, costumes, crenas, valores e pressupostos que esto vinculados ao cientista.6

5

xxi

contribuir para a atividade cientfica necessrio reelaborar o que se recebe, a ponto de desenvolver um resultado prprio, distinto do original (SALDAA, 2000). Dessa forma, reconhecemos que os participantes do Instituto integravam distintas comunidades cientficas, presentes em diversas reas e instituies de pesquisa, sendo que alguns reelaboravam o conhecimento recebido atravs da realizao de pesquisas na Fazenda Normal, por exemplo. Outros apenas atuavam como receptores, adaptando e traduzindo textos brasileiros e estrangeiros para publicao na Revista. A Revista, ao divulgar textos tcnicos e cientficos, abria um dilogo com os scios leitores, que, ao responder por meio de correspondncias, aumentava a troca de informaes necessria a qualquer produo cientfica. Essa difuso literria no podia se realizar num vazio cultural, da vem a importncia da Revista em divulgar artigos com o objetivo de disseminar conhecimentos cientficos aos seus leitores leigos.

2.3

Divulgao Cientfica vs Vulgarizao Cientfica por meio do jornal, meio fecundo e aproveitvel, que os governos e as associaes literrias, polticas, industriais e cientficas, fazem conhecidos, propagam suas doutrinas, vulgarizam os seus conhecimentos, educam os povos, civilizam as massa (Acta da 51 sesso, 1868)

Atualmente j existe um consenso sobre o uso dos termos vulgarizao cientfica e divulgao cientfica. No entanto, ao longo dessa elaborao houveram disputas para a melhor utilizao dos mesmos. Vergara (2003, p. 11-12) comenta que a divulgao cientfica, que significa propagar, publicar, complementar ao laboratrio e ao coletivo cientfico (...), marcada por uma especializao constante. J a vulgarizao tem como objetivo o alcance do maior nmero possvel de indivduos, isto , do vulgo (...) (VERGARA, 2003, p. 9). Para isso, a vulgarizao tinha a necessidade da traduo, da adaptao dos termos.

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O termo vulgarizao cientfica surgiu na Frana no incio do sculo XIX, e j apresentou, em poucas dcadas, uma crtica em relao conotao pejorativa resultada7. Os pases de lngua inglesa apresentaram uma preferncia para o uso de popularizao cientfica. No entanto, talvez devido ao destaque da influncia francesa na cultura brasileira, o termo vulgarizao se mantm presente at o incio do sculo XX. Hoje em dia a divulgao cientfica se apresenta como um termo hegemnico, e a vulgarizao como um termo pejorativo (MASSARANI, 1998). Para o presente trabalho utilizou-se a concepo elaborada por Vergara (2003) que considera o termo vulgarizao cientfica como a criao de textos elaborados para a disseminao de conhecimentos cientficos para leitores leigos no assunto, ou falar de cincia para leigos (VERGARA, 2008, p. 137). Isso ocorre devido utilizao do termo durante o recorte histrico8 utilizado, mesmo que o significado se assemelhe muito ao de divulgao cientfica, em consenso hoje em dia. Atravs da adaptao e traduo da linguagem cientfica, o vulgarizador do sculo XIX tornou-se um personagem-chave para entender o desenvolvimento da atividade cientfica no Brasil e no mundo, fazendo a cincia existir na conscincia do pblico. Vergara afirma que o vulgarizador (...) foi um dos agentes responsveis pela formao de um espao para a cincia e a construo de uma forte confiana junto ao pblico (2008, p. 13). A crtica vulgarizao, presente no sculo XIX, no ocorre somente em discusses de termos especficos, mas tambm na suposta incapacidade de transmitir o rigor do conhecimento cientfico. Em outras palavras, a vulgarizao no possuiu competncia para

Vergara resgata da Roma Antiga os termos vulgus, um grupo inferior que no votava, e populus, os cidados, para serem usados como pista no esclarecimento da conotao pejorativa do termo vulgarizao (VERGARA, 2008). 8 No Dicionrio da lngua portuguesa de Antonio de Morais Silva (1891), a definio de vulgarizao tem uma proximidade com o termo divulgao, usado hoje em dia: tornar alguma coisa geralmente conhecida, sabida, tornar-se geral, vulgar, espalhar-se muito; divulgar-se (Apud VERGARA, 2008, p. 140)

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disseminar o conhecimento corretamente, gerando muitas vezes equvocos conceituais. Essa discusso ainda se mantm presente nos dias de hoje, e fomentada com a discusso da vulgarizao (ou divulgao cientfica) ajudar a desmistificar os conceitos, desenvolvendo no leitor um senso crtico. Thuillier (1989) defende que a simplificao do conhecimento cientfico cria aspectos de dogmatizao na mente do leitor, o que distorce a viso sobre a natureza da cincia. Ser que o leitor busca compreender o conhecimento apresentado de forma crtica, ou ele aceita a informao como fato sem profundas reflexes? De qualquer forma, a vulgarizao cientfica, seja atravs de artigos utilitrios ou considerados espetaculares, viabilizava a ideologia progressista presente em diversos momentos da formao da nao brasileira. Alm de estabelecer um dilogo entre o leitor e o cientista, o que no seria possvel sem a figura do vulgarizador devido diviso do trabalho intelectual e ao alto grau de especializao das disciplinas atuais (VERGARA, 2008, p. 144).

CAPTULO IPANORAMA GERAL DO BRASIL NO SCULO XIX

Fruto de uma organizao colonial imperfeita, sem elementos para uma justa apreciao de suas foras, a lavoura deveria ressentir-se dos vcios e defeitos que subsistiam na ordem social que a tinha acorooado (Miguel Antonio da Silva)

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O Brasil do incio do sculo XIX se encontrava numa situao peculiar ainda sem precedentes. Com a fuga da famlia imperial portuguesa para sua colnia tropical, esta se torna a sede de um governo monrquico europeu. A poltica governamental portuguesa9 encontrou um pas fragmentado e desmantelado pelos sculos de colnia, e atravs de uma srie de atividades, a colnia-sede torna-se uma nao a princpio coesa. Eullia Lobo (1980) escreve que foi no perodo da chegada da famlia real (1808) at a metade do sculo que deuse a extino das corporaes, dos monoplios, permitindo-se a manufatura, a indstria, e qualquer tipo de agricultura (...) abolindo-se sesmarias, e aceitando-se o regime de posse (LOBO, 1980, p. 11). Alm dessas mudanas que foram bastante significativas, o pas se depara com uma srie de iniciativas que prepararam o pas para a modernizao cultural, tcnica e cientfica. Oliveira (1998) afirma que a chegada de Dom Joo marcou o incio da estruturao das atividades relacionadas com a cincia no pas, atravs de uma srie de Alvar, Decretos, Leis, etc. Outro fator marcante que desembarcou em 1808 foi a carga cultural e cientfica por meio da mentalidade das pessoas envolvidas e da imensa quantidade de livros que a corte portuguesa pode carregar. Ao elevar a colnia metrpole surge a necessidade de desenvolver uma estrutura que fornea meios para incrementar o governo portugus, que estava severamente afetado. Dessa forma, os meses que se seguiram a chegada foi marcado pela criao de instituies que auxiliam o desenvolvimento do pas, como a Imprensa Rgia (1808), a Fbrica de Plvora (1808) e depois Jardim de Aclimao (1808), o Banco do Brasil (1808), e diversas outras.

Devido a no obedincia s imposies napolenicas, Dom Joo VI (1767-1826), a famlia real e a corte portuguesa saram em dezenas de embarcaes de Lisboa no dia 29 de novembro de 1807, chegando ao Rio de Janeiro em 7 de maro do ano seguinte (GASPAR, 2008). O Brasil que h pouco era uma colnia de Portugal, foi elevado condio de Reino dentro do Imprio portugus que assumiu a designao de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1825). Dom Joo VI realizou uma srie de medidas polticas para transformar a cidade do Rio de Janeiro na capital do novo Reino.

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O reinado de Dom Pedro I10 manteve uma continuidade das iniciativas que promoviam ideias iluministas, em relao ao reinado de seu pai. A influncia de intelectuais na sua criao pessoal e na de seu filho, estabelecia um elo entre os atos governamentais e os estudos cientficos. A herana cultural dos tempos joaninos garantiria ao jovem pas o surgimento de instituies cientficas que, em paralelo, participaria do movimento de unificao nacional11, como o Museu Nacional (1818), a Sociedade Auxiliadora da Indstria Nacional - SAIN (1825) e o Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro - IHGB (1838)12. A partir da segunda metade do sculo XIX, iniciou-se uma maior liberdade comercial e acmulo de capitais, fortalecendo a burguesia. A poltica de terras propicia sua compra e venda; o trabalho escravo j estava com os dias contados com leis abolicionistas; comea a transio para o trabalho livre e o uso de imigrantes estrangeiros como mo-de-obra. A transio do sistema escravista para o de trabalho livre liberou dinheiro antes utilizado na aquisio de escravos, motivando o investimento em mquinas e equipamentos, melhorando o aumento da produo agrcola; e em atividades que auxiliem a agricultura, como a construo de estradas de ferro. O aumento descontrolado do sistema de monocultura13 potencializou a existncias de pragas e molstias vegetais que desencadearam intensas crises. Com as recorrncias dessas crises dos produtos agrcolas e as quedas dos preos no mercado exterior, o estado sente-se pressionado a tornar-se mais intervencionista em diversas questes como:

Dom Pedro I (1798-1834) chegou ao Brasil ainda jovem, com a Independncia tornou-se Imperador do Brasil, governando no perodo de 7 de setembro de 1822 at 7 de abril de 1831, dia em que retornou a Portugal. 11 A histria do Imprio foi marcada por revoltas separatistas que visavam aproveitar o fato do pas no estar ainda perfeitamente coeso, para a emancipao de pequenas regies. Desde o reinado de Dom Pedro I se viu a necessidade de estabelecer meios de unificar o pas atravs da ocupao da terra, da distribuio do sistema de transporte e de expedies cientficas para conhecer as peculiaridades de cada localidade. Nesse mbito ressalta-se aqui o papel do IHGB que coordenou diversas dessas expedies. 12 As atividades do IHBG ajudaram no delineamento da identidade da nao brasileira, realizando estudos histricos de heris nacionais, e de habitats naturais e suas riquezas. 13 As imensas plantaes de apenas uma espcie (monocultura) inviabilizam os princpios ecolgicos de cadeia alimentar. Com o aumento constante da oferta de alimentos, as populaes de insetos, fungos e bactrias, crescem desenfreadamente e desregulam os mecanismos de equilbrio populacional. Algumas dessas espcies se sobressaem tirando proveito da situao e tornando o seu controle mais difcil, o que prejudica a produo agrcola e muitas vezes a sade humana.

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mo-de-obra, poltica de terras, crdito agrcola, meios de transporte, imigrao e modernizao do trabalho agrcola. O pas se deparou numa circunstncia antagnica ao querer se atualizar e participar dos grupos acadmico-cientficos da Europa, fomentado pelos esforos pessoais do Imperador Dom Pedro II (1825-1891); e, ao mesmo tempo, manter numa situao econmica colonial ao continuar sua poltica de produo agrcola visando o mercado externo, o uso de trabalhadores escravos e grandes extenses de terra. Por um aspecto, parece no haver contradio ao considerarmos a relao de dependncia cultural que o Brasil possua com pases europeus como a Inglaterra e Frana. Mas, mesmo assim, o pas se dividiu entre a modernizao dos conhecimentos e dos mtodos cientficos e o atraso nos setores econmico e tcnico agrcola, alm da falta de interesse em diversas esferas do poder em providenciar investimentos que possam contornar ou reverter a situao. O regime de terras do Brasil Colnia era de concesso por parte do Rei, a terra era considerada seu patrimnio pessoal. O uso da terra sem tal concesso era aceito de maneira implcita, a qual poderia ser legitimada por concesso rgia. A proliferao de posses ps1822 cresceu consideravelmente nas diversas regies de produo agrcola do Brasil. Minas Gerais possua 44% de seu territrio ocupado por posses e ocupaes, Mato Grosso, Gois e Piau tinham a maioria do territrio de posses. A absteno do governo imperial na poltica de terras gerou um mercado ilegal que muitas vezes provocavam conflitos com muitas mortes, e determinou grande parte da distribuio de terras pelo territrio brasileiro (DEAN, 1971). A ingerncia governamental seria percebida anos mais tarde com os incentivos de imigrao europia, o imigrante se deparava com um cenrio agrrio periclitante, com grandes proprietrios, acostumado com a administrao escravocrata, explorando seu trabalho. Andr

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Rebouas14 julgava de muita importncia ocorrer uma reforma agrria concomitante com a abolio da escravatura como meio de criar uma transformao social profunda (LOBO, 1980). As circunstncias em que o Brasil comeava a se formar como nao, no o impediu de desenvolver problemas comumente encontrados em colnias, derivados da falta de uma administrao decente. Apesar dos problemas terem diversas origens e vises, neste trabalho abordou-se os problemas concernentes lavoura, sejam eles econmicos, sociais, ecolgicos, ou de qualquer outro tipo. Esses problemas, os quais sero comentados logo adiante, progrediram de tal forma que se fez necessrio a criao de instituies diretamente voltadas para o melhoramento da agricultura como o Ministrio da Agricultura e os Institutos Agrcolas.

I.1

PROBLEMAS DA LAVOURAA lavoura h muito tempo se mantm precria, improdutiva e beira de diversas crises

de ordem econmica, ambiental e poltica. Os fatores mais apontados como causas para tais afirmaes so: a falta de mo-de-obra, devido poltica anti-escravista a partir de meados do sculo XIX; a falta de crdito agrcola, que impedia o investimento dos produtores e a infraestrutura para um bom funcionamento da agricultura; a falta de instruo dos trabalhadores rurais, ocasionando o total desconhecimento de ferramentas bsicas da lavoura; o desgaste do solo, resultante das constantes queimadas e derrubadas derivadas da falta de instruo; a ineficincia dos meios de transportes, decorrente do sistema nmade de produo agrcola, com destruies e ocupaes sucessivas, cada vez mais longe dos centros exportadores. EssesAndr Pinto Rebouas (1838-1898) e seu irmo de Antonio Pinto Rebouas (1798-1880) formaram-se como engenheiros civis na Escola Politcnica. Aps retornar da Europa, onde fora aperfeioar seus estudos, Andr participou de sociedades como a SAIN, o Instituto Politcnico Brasileiro, e a Sociedade de Aclimao Brasileira. Escreveu e traduziu diversas memrias, que versavam sobre o ensaio de culturas e aclimatao de espcies vegetais como a Erva Mate.14

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problemas foram apontados em relatrios do Ministrio da Agricultura, do Comrcio e das Obras Pblicas (MACOP), em artigos da Revista Agrcola (1869-1891), nos Anais do Congresso Agrcola (1878) e tambm em memrias e manuais da poca. Iremos destacar alguns desses problemas.

I.1.1

Falta de mo-de-obraO pas aceitou a cessao do trfico movido por altas consideraes morais e polticas, que melhor que eu sabeis [sic]. A fora foi impotente para conseguir esse resultado. A maior nao martima do mundo cobriu o oceano de seus vasos, bloqueou as costas dfrica, coalhou nossos mares territoriais de seus cruzadores, atacou nossas costas e fortalezas, praticou atos de jurisdio em nosso territrio, sem nada conseguir (SOUZA, 1866, p. 18).

A falta de mo-de-obra se amplia com a presso abolicionista ao governo brasileiro de origem interna ou externa. A Inglaterra, pas com o qual o Brasil tinha uma grande relao de dependncia comercial e poltica, foi um dos que pressionava pela abolio do trabalho escravo influenciando a iniciativa brasileira. Na segunda metade do sculo XIX, as idias contra a escravido j estavam em pleno funcionamento. As leis abolicionistas como a Lei Eusbio de Queiros de 1850 e da Lei do Ventre Livre de 1871, mostraram o compromisso de se fazer uma transio do regime escravo para o livre em diversas fazendas pelo Brasil (Figura 1). Claro que o trfico interprovincial, das provncias do norte do pas para os cultivos lucrativos como o caf na regio sudeste, ainda mantiveram-se como atividade lucrativa e compensatria ao trfico africano em grande parte do territrio brasileiro, apresentando mais de 26 mil importaes de escravos pela provncia do Rio de Janeiro nos oito anos aps 1850 (SOARES, 1860). Engerman (1983) demonstra que os pases que usam escravos na produo de acar, como o Brasil, tiveram sua produtividade comprometida no final do sculo XIX, em especial aps os anos 70. Em contrapartida, os pases que possuam outro regime de trabalho, como o de contrato, tiveram sua produtividade incrementada.

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Fig. 1 Casamento de negros de uma famlia rica de Debret (FONTE: people.ufpr.br)

Silva (1985) defende que os gastos com a manuteno da escravaria so constantes e pesados demais para serem desconhecidos pelo fazendeiro (SILVA, 1985, p. 23). O autor cita um artigo dO Auxiliador15 que faz uma srie de comentrios e clculos entre o trabalho escravo em comparao com o trabalho livre. Nesse artigo avalia-se uma diferena em favor do trabalho livre de mais de 700 mil ris, considerando 600 mil ris o preo do escravo que possui um custo de manuteno diria de aproximadamente 200 ris, e o trabalhador livre recebendo uma diria de 800 ris em 12 anos de trabalho. O que os intelectuais da SAIN16 no levaram em conta (...) era a inexistncia, no Brasil, de um mercado de trabalho livre (SILVA, 1985, p. 25), pois os colonos tinham acesso a terra para cultivar seus prprios produtos agrcolas, e fora da agricultura existia salrios melhores sendo pagos.

O Auxiliador (1833-1892) foi o peridico mensal da Sociedade Auxiliadora da Indstria Nacional (SAIN). Comparao entre o Custo do Trabalho Escravo e do Trabalho Livre, O Auxiliador da Indstria Nacional, Rio de Janeiro, 5 (9) p. 324-326, fevereiro de 1851. 16 A Sociedade Auxiliadora da Indstria Nacional (1825) foi responsvel pelos melhoramentos da agricultura e na indstria, alm de possuir seu peridico mensal, realizava distribuio de mquinas, mudas e sementes para diversas provncias do Imprio.

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No Congresso Agrcola de 187817 foi proposto para suprir a demanda de braos o incentivo colonizao europia, a importao de trabalhadores chineses (chins), a mecanizao da mo-de-obra18 (CONGRESSO AGRCOLA, 1878). A colonizao europia no era novidade no Brasil, sendo feita desde o incio do sculo XIX. Os colonos muitas vezes se prejudicavam, seja durante o percurso para o pas ou at mesmo nas fazendas. Eles realizavam contratos de importao atravs de companhias que ganhavam por indivduo migrado, e, que visando um aumento no lucro, colaboram para a pssima situao do colono no Brasil, com transporte precrio e alimentao ruim. Nas fazendas muitos se viam numa situao servil derivada de dvidas e juros altos. As colnias, antes nas mos de terceiros, foram incorporadas ao poder imperial que tentou centralizar e regulamentar essa atividade (LOBO, 1980). A importao de trabalhadores asiticos, tambm bastante conhecida atravs da experincia de cultivo de ch no Jardim Botnico, no parecia ser uma situao diferente dos escravos negros explorados aqui. Sua vantagem em relao aos europeus se baseava nas condies inferiores que se submetiam, com menores salrios e nenhum vnculo com a terra.Dcil, paciente, submisso, por demais sbrio, o chim contenta-se com pequeno salrio, que no pode satisfazer as necessidades mais imediatas do europeu, a quem portanto oferece temerosa competncia. (...) O chim unicamente trabalhador a salrio; no se liga terra estranha, no adota segunda ptria, no funda famlia; tornar ao seu pas, cumprido o seu mais ou menos prolongado contrato, o ponto de mira das suas ambies. (itlicos meus) (SILVA, 1879, p. 5)

Apesar da importao dos chins ser um assunto valorizado no Congresso Agrcola de 1878, ela no teve uma repercusso em territrio nacional devido oposio de diversos grupos que viam tal submisso com maus olhos.Evento organizado pelo governo imperial, o primeiro do gnero e que obteve repercusso nacional, foi realizado na cidade do Rio de Janeiro em julho de 1878 e reuniu agricultores das principais regies brasileiras produtoras de caf: Minas Gerais, Rio de Janeiro, So Paulo e Esprito Santo. A razo da convocao de um Congresso Agrcola a realizar-se na sede do Imprio foi, segundo representantes do governo, encontrar formas de auxiliar a lavoura do pas e impulsionar seu desenvolvimento. Isto seria feito atravs de um questionrio a ser respondido pelo conjunto dos participantes (SIMO, 2001). 18 Embora tais ideias surgissem bem antes da existncia do Congresso, este as apresenta de forma a considerar as caractersticas regionais das provncias participantes (RJ, SP, MG e ES).17

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Em 1884, um artigo da Revista Agrcola abordou a proposta de criao de uma sociedade annima responsvel pela imigrao de trabalhadores agrcolas. O autor aconselhava a promoo de propaganda escrita na Europa para incentivar imigrantes a virem ao Brasil, estes ao chegarem seriam hospedados em estabelecimento da prpria sociedade. A constante obteno de terras incultas para o assentamento das famlias era associada a contratos para os imigrantes trabalharem com proprietrios de terras cultivadas, ou aptas a cultivar. Durante os seis meses iniciais a sociedade cederia alimentos, sementes, instrumentos para aragem e animais, mediante reembolso posterior. Ao que parece, tal sociedade nunca saiu do papel (MALAFAIA e MOREIRA, 1884). A soluo mais aceitvel para a falta de mo-de-obra era a mecanizao da produo rural. A qual j vinha sendo divulgada h alguns anos nos trabalhos da Sociedade Auxiliadora da Indstria Nacional, que tinha direitos de importar mquinas sem impostos e repassar para as provncias do pas. Pela falta de maiores esforos, tal iniciativa apenas tomou uma dimenso experimental, sem tornar-se uma atividade com as propores dos problemas que o Brasil havia se inserido (DOMINGUES, 1996).

I.1.2

Falta de crdito agrcolaO segundo grande problema agrcola apontado foi a falta de crdito para grandes e

pequenos produtores. As verbas para o crescimento da indstria agropecuria no Brasil tem sido insuficientes desde o incio do sculo XIX. O fomento, em sua grande maioria, era fornecido pelo prprio lucro do produtor, e, em menor escala, pelos comerciantes locais e Ordens Religiosas. A exceo ocorria em algumas regies produtoras de algodo no Nordeste que tiveram financiamento de casas comerciais da Inglaterra. Na dcada de 40 comearam a aparecer as casas de consignao que emprestavam dinheiro aos agricultores, pedindo como garantia os escravos ou a colheita. O agricultor, que no possua conhecimentos de meios que

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promovessem uma produo maior, estava tambm a merc da natureza. Qualquer distrbio climtico como secas e geadas, ou problemas ambientais como as pragas, deixava-o prejudicado. Sem contar com a inflao, os juros altos, a existncia de vrias moedas, as frequentes falsificaes e as quedas de preos dos produtos no mercado estrangeiro (LOBO, 1980). Em artigo na Revista Agrcola, Miguel Antnio da Silva19 conclui que o pas sofre com a falta de capital. Ele prope que para fundao de um grande estabelecimento que fomente a prosperidade geral, a fim de evitar as tentativas sucessivas de criao de pequenos bancos e a solicitao de apoio financeiro a pases estrangeiros (SILVA, 1879). No Congresso de 1878 houve a proposta da criao de uma caixa de crdito rural atravs da organizao de uma sociedade e de bancos estritamente voltados para o progresso agrcola (CONGRESSO AGRCOLA, 1878). Diversas outras propostas foram sugeridas por presidentes de provncias, parlamentares, fazendeiros, comerciantes e economistas, porm eram baseadas em modelos de pases estrangeiros com caractersticas polticas diferentes das daqui, tornando quase todas as propostas inaplicveis (LOBO, 1980).

I.1.3 Falta de instruoO problema que mais acarretou improdutividade, e problemas ambientais, foi a deficincia tcnica por parte dos lavradores. Grande parte dos produtores, tanto os pequenos quanto os grandes, estava imersa na ignorncia tcnica, conforme podemos observar no relato do Imperador Dom Pedro II ao passar pelo nordeste.

Miguel Antonio da Silva (1832-1879), membro do conselho fiscal do IIFA, foi o primeiro redator da Revista Agrcola.

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J falei a diversos fazendeiros sobre a necessidade de melhorar a agricultura e pedi ao Wanderley, j o tendo feito no Rio ao Saraiva, que examinasse a questo segundo 20 as minhas idias. Conversei com o Egas e o Tosta sobre a agricultura e soube que ainda no empregavam o arado, no cuidando de estrumar a terra por meio de currais formados 21 nos terrenos que deixam descansar.

Os grandes fazendeiros no viam suas vidas como uma extenso de suas atividades, no caso a agrcola. Deixavam de investir numa educao em que seus filhos pudessem tirar um bom proveito quando assumissem as fazendas das famlias. O Baro de Pati do Alferes22 ciente disso dedica a Memria sobre a Fundao de uma Fazenda na Provncia do Rio de Janeiro a seu filho Luis Peixoto de Lacerda Werneck23 que acabara de chegar da Europa sem nenhum conhecimento da agricultura usada entre ns (PATI DO ALFERES, 1985, p. 53). Essa opinio, romanceada por Jos de Alencar em O tronco de Ip (1871), foi comentada pelo Domiciano Leite Ribeiro24, ministro da MACOP em 1863:

Se os nossos abastados fazendeiros em vez de enviarem seus filhos s faculdades jurdicas e mdicas, ou de passeio a velha Europa, os mandassem aos Estados Unidos, ou a outros pases, onde se cultivam gneros similares aos nossos, estudar o melhor sistema de agricultura, pode ser que dentro de poucos anos se desse entre ns uma revoluo econmica das mais felizes (RIBEIRO, 1864, p. 4-5)

Uma das propostas para solucionar tal problema era a fundao de escolas agrcolas de ensino bsico e superior que formassem tcnicos agrcolas, administradores rurais e agrnomos. Essas escolas fariam um trabalho em parceria com fazendas modelo (ou fazendas normais) que serviriam como locais de experimentao de novas culturas, novas tcnicas eDom Pedro II escreve esse trecho ao passar pela Feira de Santana (BA) Dirio do Imperador do dia 6 de outubro de 1859. BEDIAGA, 1999, vol. 2 p. 6 (CD-ROM) 21 Dom Pedro II escreve a poucas lguas de Feira de Santana (BA). Egas Moniz Barreto de Arago (18391898), Baro de Moniz de Arago. Francisco Vieira Tosta (1804-1872): Presidiu a Cmara da cidade de Cachoeira (BA), aps a viagem do imperador recebera o ttulo de Baro de Nag. Dirio do Imperador do dia 6 de novembro de 1859. BEDIAGA, 1999, vol. 2 p. 50 (CD-ROM) 22 Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, 1 Baro de Pati do Alferes (1795-1861), foi scio do IIFA (BLAKE, 1893). 23 Luiz Peixoto de Lacerda Werneck (1824-1886) foi membro do conselho fiscal do IIFA. 24 Domiciano Leite Ribeiro (1812-1881), Visconde de Arax, presidiu as provncias do Rio de Janeiro e So Paulo e atuou como ministro da agricultura em 1863 (BLAKE, 1891).20

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equipamentos, alm de uma vitrine de exposio para visitao de fazendeiros, alunos e interessados conhecerem melhor as maneiras de se fazer agricultura. Mas, no havia ainda no Brasil um nmero suficiente de pessoas informadas que pudessem se dedicar ao ensino da agricultura. O governo somente poderia criar tais estabelecimentos mediante a importao de profissionais competentes para o ensino e administrao dos locais.

I.1.4 Desgaste do soloQuando o homem acha-se em presena de matas virgens e de solo ubrrimo, que exigem apenas nossas mquinas potentes de demolio, e o simples trabalho de confiar terra a semente para ser largamente compensado, intil e imprestvel o arado, dispensvel e inaplicvel o cultivador; bastam-lhe a foice, o machado e a enxada (SOUZA, 1866, p. 8).

Outro problema bastante controversamente comentado foi o desgaste do solo. A imprudncia, e a ignorncia de inmeros fazendeiros no territrio brasileiro geraram um rastro de destruio nos biomas brasileiros, em especial a mata atlntica devido proximidade das atividades econmicas do litoral. A monocultura que vivencia o mito do paraso terrestre de solos frteis se espalha, tendo apenas como limite o investimento de dinheiro e braos na lavoura. A idia colonial de fartura, importada do velho mundo, se mantm, a terra vasta, aqui tudo se planta, tudo se d. Primeiro ocorre a escolha do local pela proximidade de meios de escoar o produto e pela qualidade do solo, depois vem o machado e a foice para limpar o terreno. Planta-se e usa-se o solo por alguns anos, desgastando-o. Domiciano Ribeiro convenientemente escreve que o lavrador entre ns um nmade, que hoje cria e destri aqui, para amanh criar e destruir acol, e ressalta que enquanto no soubermos aproveitar o solo nem a propriedade ter fixidade, nem o pas verdadeira civilizao (RIBEIRO, 1864, p. 4).

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A partir dessa atitude o solo do Brasil vem se deteriorando em elevado grau e quantidade. Cada vez mais a expanso cafeeira destri as florestas, e o solo vai se deteriorando, conforme o quadro de Rugendas na Figura 2. O uso do solo aps a queimada visava somente o gasto dos nutrientes calcinados pelo fogo. A deteriorao da superfcie florestal deixava o terreno mais suscetvel a eroses e lixiviaes. A perda de nutrientes e da camada orgnica era bastante acelerada devido s chuvas torrenciais que ocorriam poucos meses aps as queimadas. No havia iniciativas de regenerao dos solos por parte dos grandes fazendeiros, em especial os produtores de cana e caf. A utilizao de arados, adubos qumicos e orgnicos se limitava a aparecer em peridicos como O Auxiliador e a Revista Agrcola, assim como em memrias, livros e manuais.

Fig. 2 Arroteamento de uma floresta de Rugendas (FONTE:www.icb.ufmg.br)

A degradao ambiental vinha sido retratada com severo pessimismo por diversos polticos, cientistas, fazendeiros e pensadores da poca.

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O que tem sido na verdade at hoje a agricultura no Brasil? Uma profisso aparentemente ingrata e mal definida (...). Ns a temos visto marchar s tontas entre o acaso e o empirismo, trazendo por divisa um trplice aniquilamento a devastao de matas, a calcinao do solo, o enfraquecimento das terras (NETTO, 1870, p. 5).

Em 1858, Guilherme de Capanema25 escreve um livro sobre a Exposio Universal de Paris (1855), onde foi na condio de observador. Na obra criticava a relao da ineficincia tecnolgica com a destruio ambiental. Para ele ainda estvamos seguindo a realidade colonial, e que estaramos a comprometer o futuro da agricultura brasileira, com a expanso das grandes produes para a exportao que dia-a-dia inviabilizavam imensos terrenos (PDUA, 1998). E, a baixa produtividade, associada queda dos preos, crescente escassez da mo-de-obra escrava, e insuficincia tecnolgica, acabaria botando em risco a prpria produtividade alimentar da nao.Em torno da nossa capital no vemos seno colinas cobertas de capoeiras. Os seus matos primitivos desapareceram, e tambm as lavouras que se lhes substituram: hoje est o terreno exausto e improdutivo, e quem quer boas colheitas vai para longe procurar terrenos virgens (CAPANEMA, 1858, p. 4).

Para Capanema a melhor possibilidade de se ver fora dessa situao em que o Brasil se colocara, era uma mudana no modelo agrcola com o aproveitamento das terras atravs de tcnicas de regenerao do solo, uso do arado e mquinas para aumentar a produtividade, entre outras. Pdua (1998) critica a posio de Capanema, pois para este a soluo principal estaria ligada criao de fazendas-modelo26. Na realidade, as fazendas-modelo j foram propostas no final do sculo XVIII por Navarro27, conforme Pdua aponta. O mesmo autor

Guilherme Schch de Capanema (1824-1908), Baro de Capanema, doutor em matemtica e cincias fsicas pela escola militar do Rio de Janeiro, engenheiro pela politcnica de Viena, lecionou fsica e mineralogia na Escola Central (depois Politcnica) e foi diretor da seo de geologia e mineralogia da Comisso Cientfica de explorao do Norte (BLAKE, 1895, p. 199-201). 26 Fazendas-Modelo so voltadas para pesquisas e demonstraes de tcnicas agrcolas, podendo ser associadas com Escolas Agrcolas, como o caso do Asilo Agrcola e a Fazenda Normal do IIFA. 27 Jos Gregrio de Moraes Navarro, magistrado natural do interior de Minas Gerais, escreve em 1799 Discurso sobre melhoramento da economia rstica do Brasil, que consistia em 20 pginas abordando a introduo do arado, reforma das fornalhas e conservao de suas matas (BLAKE, 1898)

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continua afirmando que, mesmo assim, aps dcadas, a mera criao desta "fazenda-modelo" seria capaz de transformar todo o cenrio rural do pas (PDUA,1998, p. 6). Como comentar sobre ignorncia ou falta de conhecimento quando o indivduo reconhece a qualidade do solo atravs das rvores que esto nele? O Baro do Pati de Alferes escreve em um livro, que ser comentado mais detalhadamente depois, de como realizar esse reconhecimento atravs de mais de 30 espcies arbreas, diferenciando a terra boa, mdia ou m. O Baro ciente das prticas agrcolas destrutivas prope ainda, que o governo obrigue os fazendeiros a plantar rvores de lei para a dupla vantagem da utilidade das madeiras e aformoseamento das fazendas (PATI DE ALFERES, 1985). Sua limitada preocupao ambiental o faz escrever apenas sobre o aproveitamento de madeira antes de se queimar completamente a floresta.Grande , sem dvida, a prtica que um hbil fazendeiro deve ter para possuir esse cabal conhecimento, e conhecer ao primeiro golpe de vista toda essa diversidade de madeiras de que enriquecido o nosso solo coberto ainda pelas matas virgens (PATI DE ALFERES, 1985, p. 60)

O primeiro exemplo de reestruturao da cobertura florestal no foi uma iniciativa que visava o melhoramento da produo agrcola, mas sim de elevao do nvel de vida na capital do Imprio. O reflorestamento da Floresta da Tijuca, na poca chamada de Floresta Nacional, foi uma tentativa de melhorar o regime de chuvas cuja frequncia e regularidade elas (as florestas) operam, podendo-se consider-las como o regulador desses fenmenos (SILVA, 1870a). O trabalho foi iniciado em janeiro 1862 pelo Major Manoel Gomes Archer28 de acordo com as instrues do Manoel Felizardo de Souza e Mello29 do MACOP. Nove anos depois Miguel Antnio da Silva (1870a), redator da Revista Agrcola do IIFA, apresenta em breves traos a notcia histrica do incio da atividade de silvicultura na serrania da Tijuca,Nascido no Rio de Janeiro em 1821, Archer trabalha no reflorestamento at 1874 quando se exonera do cargo de administrador da Floresta Nacional devido a insuficincia de recursos. Durante sua administrao planta mais de 80.000 mudas, das quais cerca de 50.000 vingaram. 29 Manoel Felizardo de Souza e Mello (1805-1866), presidente das provncias do Maranho, Alagoas, So Paulo e Pernambuco. Manoel atuou como ministro da agricultura de abril de 1861 a maio de 1862.28

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citando as etapas de roar o mato, preparar o terreno, abrir covas com o espaamento necessrio para as mudas e o plantio delas. A aquisio de mudas entre os anos de 1862 e 1869 foi exclusivamente da retirada de arvoretas das matas vizinhas, totalizando aproximadamente 55 mil mudas plantadas na floresta, tendo vingado mais de 30 mil indivduos. Somente oito anos aps o incio das atividades comea a retirada quinzenal de sementes de Jacarepagu e Guaratiba, para a elaborao de sementeiras. Miguel Antnio exalta a importncia cenogrfica e a relao ao fenmeno meteorolgico das chuvas, cuja frequncia e regularidade elas (florestas) operam. E que o exemplo de reflorestamento deveria ser seguido e aplicado em diversos outros pontos das montanhas que cercam nossa capital. Com esse artigo tentou-se reacender a discusso e importncia do reflorestamento da Floresta da Tijuca que enfrentava problemas de aquisio de verbas para a continuao do projeto. A importncia das florestas j havia sido reconhecida por Taunay30 em 1839. Para ele alm da beleza cenogrfica e da utilidade direta da extrao da madeira e frutos, as florestas esto integradas com o solo, dando origem ao hmus. Elas produzem e conservam as nascentes e fontes, rompem a violncia dos furaces e entretm a salubridade da atmosfera (TAUNAY, 1839, p. 27). Na Europa, as consequencias da destruio das florestas no clima e na quantidade de chuva j estavam sendo discutidas e, em parte, solucionadas. Uma comisso nomeada pelo governo ingls emitiu um relatrio em 1857 que mostra que as florestas estavam sendo destrudas a passos largos e com a maior incria (PATI DO ALFERES, 1985, p. 218). Nesse relatrio, diversos pases tomavam a iniciativa interventiva para assegurar a existncia de florestas em seus territrios e evitar as consequncias ambientais catastrficas como secas prolongadas e inundaes destrutivas. A Sucia possua 42 % do territrio de florestas, e aCarlos Augusto Taunay (1791-1867) veio ao Brasil acompanhando seu pai, o pintor Nicolau Antonio Taunay, na misso artstica francesa de 1816 (BLAKE, 1893).30

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Prssia apresentava a melhor fiscalizao e reflorestamento da Europa, com mapas especiais de quase todas as grandes florestas. A ustria-Hungria possua algumas provncias com mais de 50% de cobertura florestal, e outras com o solo praticamente condenado esterilidade completa (Pati de Alferes, 1985).

I.1.5

Ineficincia dos transportesVi nos confins da Araraquara, em So Paulo, mais de 3.000 alqueires de milho perdidos porque no havia quem os quisesse nem a 240 ris ao alqueire! (...) O transporte era to difcil, e caro que matou todo o esprito de especulao mercantil (...) (SOUZA, 1866, p. 14-15)

Por fim, o problema da escoao da produo agrcola para exportao, decorrente de quase todos os problemas citados anteriormente. A falta de crdito inibiu durante dcadas o investimento em ferrovias; a ignorncia dos lavradores gerou uma devastao ambiental que necessitou, na viso dos fazendeiros, de explorar novas terras mais longnquas. E, a extenso do pas dificultou ainda mais a criao de uma boa malha de transportes. Era necessrio mais uma vez a obteno de crdito estrangeiro para sair da inrcia econmica. Em 1855 organizou-se uma companhia particular brasileira, com capital ingls, para a criao da primeira estrada de ferro. A Ferrovia D. Pedro II era responsvel pela exportao da produo de caf do Vale do Paraba atravs do porto do Rio de Janeiro. A partir desse momento comeou uma poltica de incentivos estrangeiros para a criao de mais ferrovias. Somente aps a criao do Ministrio da Agricultura, em 1860, tiveram incio os investimentos nacionais considerveis e proporcionais s exportaes agrcolas. As ferrovias chegaram a possuir mais de setecentos mil quilmetros de extenso em oito percursos diferentes em 1871 (MONTEIRO, 1872). Observando a Figura 3 nota-se a extenso das ferrovias em 1885.

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Fig. 3 Planta Geral das Estradas de Ferro de 1885 (FONTE: arisp.files.wordpress.com)

O surgimento de estradas de ferro no era visto como uma soluo adequada por alguns. Capanema (1858) achava que se no mudssemos o sistema de agricultura, as ferrovias tornar-se-iam prejudiciais, pois com a constante degradao ambiental as estradas se transformariam em veculos de mais destruio.(...) ser preciso abandonar o solo cansado para buscar uma zona frtil afastada, o que far com que as estradas tenham de atravessar muitas lguas de terras em descanso para s na sua extremidade encontrar carga e ligar centros de populao, os quais ficaro por sua vez desertos quando uma estrada de ferro passar alm e eles deixarem de se os emprios de uma zona cultivada. S com o melhoramento da lavoura podermos evitar que as estradas se tornem um instrumento de devastao (CAPANEMA, 1858, p. 4).

A ocorrncia dos motivos citados est arraigada na cultura colonial: do uso da mo-deobra escrava, dos latifndios e da dependncia do mercado externo. A atividade agrria tinha um vis expansionista de ocupao do territrio nacional, e, com sculos de mau uso do espao rural, os trabalhadores livres brasileiros no se interessavam pelo trabalho no campo com salrios baixos, e um nvel de vida inferior. A idia comumente divulgada retratava a

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falta de interesse dos grandes produtores em abandonar o antigo sistema agrcola, mas ao olhar mais a fundo percebemos que o pas se encontrava chafurdado na prpria lama que criara.

I.2

INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS PARA A PROMOO DA AGRICULTURAEmbora no parea, o governo imperial adotou algumas medidas para melhorar a

situao da agricultura no Brasil, mas no demonstrava haver uma poltica oficial diretamente focada no desenvolvimento da produo agrcola. A constante alegao de falta de verba tornava limitada qualquer investida num pas com dimenses gigantescas. No entanto, podemos ilustrar algumas dessas medidas e as consequncias diretas ou indiretas na produo agrcola. Com a chegada da famlia real no incio do sculo XIX houve iniciativas que indiretamente ajudaram o progresso agrcola, em particular a Abertura dos Portos (1808) e a criao do Jardim Botnico (1808). A Abertura dos Portos s Naes Amigas propiciou a chegada de um grande nmero de naturalistas viajantes que exploraram grande parte do interior do Brasil e adquiriram conhecimento de uma quantidade enorme de plantas teis que possuam um alto valor econmico. Tal conhecimento se intensificou com a aproximao das tribos indgenas que h milhares de anos utilizavam as espcies vegetais para diversos fins. O Jardim Botnico, criado como Jardim Real, tinha a funo de aclimatar espcies exticas, tambm de interesse econmico. Assim, o Brasil iniciava um processo que possibilitaria a explorao sua biodiversidade e a partir da extrarem as riquezas comerciais. Mas apesar do incentivo em explorar uma gama enorme de espcies vegetais, o pas ainda se manteve como o pomar da Europa. A viso empreendedora debilitada dos governantes e grandes produtores gerou apenas latifndios que cultivavam plantas que a

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prpria Europa j comprava. Os maiores itens de consumo da poca, o acar e o caf, j eram comercializados antes do plantio em solo brasileiro. Na realidade, todas as plantas aqui cultivadas tiveram seu incio com o interesse dos consumidores europeus, ou seja, a espcie extica aqui utilizada j tinha um valor comercial reconhecido. Isso era a maior garantia de que o produto seria comprado, sem haver a necessidade de gerar moda, ou convencer consumidores a obter tais mercadorias, como depois foi com o guaran, o mate, o aa, etc. Pode-se ressaltar como uma das maiores incentivadoras da agricultura a Sociedade Auxiliadora da Indstria Nacional (SAIN) que surgiu em 1825, na conjuntura poltica de consolidao da independncia, para promover o melhoramento e prosperidade da indstria nacional (DOMINGUES, 1996, p. 4). A SAIN foi amparada pelo Ministrio dos Negcios do Imprio e tinha como fim a melhoria do processo produtivo atravs da introduo de inovaes tcnicas produzidas pelo conhecimento cientfico (BARRETO, 2008). Era responsvel pela distribuio de sementes e mquinas para diversas provncias de todo o Brasil, e pela publicao do peridico mensal intitulado O Auxiliador da Indstria Nacional (1833-1892) que divulgava diversos artigos.(...) desde o emprego de mquinas na agricultura e da construo de estradas de ferro, perpassando pelas memrias sobre o caf, a fabricao de produtos de origem animal e vegetal, a produo do acar e da farinha da mandioca, navegao a vapor, alm das tradues de artigos, at a resoluo de problemas de carter domstico como praga de ratos ou conservao de livros (BARRETO, 2009, p. 4).

Em relao ao ensino agrcola temos a criao de alguns estabelecimentos antes da fundao do Asilo Agrcola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, como os cursos superiores de agricultura em Salvador (1812) e no Rio de Janeiro (1814), a Escola de Agricultura Terica e Prtica no Real Jardim Botnico da Lagoa Rodrigo de Freitas (1848), e a Escola Agrcola Unio Indstria (1864). Apesar da documentao oficial, grande parte destas instituies s existiu enquanto projeto, sem sair do papel. Somente a ltima teve uma existncia funcional, e tinha objetivo filantrpico: o ensino de tcnicas agrcolas modernas

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para meninos pobres, conforme o Baro de Pati do Alferes aconselhava (LOBO, 1980). No ser melhor educar, forar jornaleiros jovens indolentes regularidade do trabalho e dos costumes, do que possuir tribunais para punir crimes? (PATI DO ALFERES, 1985, p. 220). Outro aspecto importante foi o surgimento das exposies nacionais e regionais, e a convocao do Congresso Agrcola de 187831. Promovidas pelos MACOP, SAIN e o IIFA, as exposies visavam exibir plantas e produtos derivados, mquinas e equipamentos, e memrias sobre cultivos e inovaes agrcolas. O Congresso Agrcola de 1878 foi convocado pelo MACOP para ajudar o governo a solucionar os problemas agrcolas j bastante explanados, contando com a presena de mais de 300 agricultores das provncias do Rio de Janeiro, So Paulo, Minas Gerais e Esprito Santo. O programa convocatrio do Congresso elaborou uma srie perguntas para identificar e esclarecer os problemas rurais mais urgentes, no entanto, necessrio ressaltar que as perguntas do questionrio j induziam a natureza desses problemas. A primeira pergunta era sobre as necessidades mais urgentes e imediatas da lavoura, a trs seguintes questionavam se existia falta de braos e como supri-la, e como reorganizar o trabalho dos filhos das escravas, que nesse momento nasciam livres. As alternativas apresentadas foram o incentivo colonizao europia, a importao de chineses, a mecanizao do trabalho e o ensino agrcola. De um modo geral, muitos se interessavam no retorno direto de seus investimentos e acabaram por aconselhar a importao de chineses que requer menores investimentos do que as outras propostas (CONGRESSO AGRCOLA, 1878). A quinta e a sexta perguntas versavam sobre o crdito agrcola, buscavam reconhecer se havia falta de crdito e as maneiras de se levantar tal capital. A proposta mais recorrente foi o da criao de um banco voltado para o desenvolvimento agrcola que fornecessem crdito aEvento organizado pelo governo imperial realizado na cidade do Rio de Janeiro entre 8 e 12 de julho de 1878, num total de 5 sesses. Como evento restringiu-se regio Sudeste, em protesto, fazendeiros nordestinos resolveram por iniciativa particular, convocar evento semelhante a ser realizado na cidade de Recife, do qual participariam representantes da lavoura local.31

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baixos juros. Apesar de j existirem diversos bancos, esses no aceitavam mais as garantias aceitas em tempos anteriores, como escravos e terra (LOBO, 1980). Por ltimo perguntava-se sobre os melhoramentos nas lavouras, mas tal tema no teve interesse dos participantes devido ao pouco tempo destinado a sua discusso. O Congresso teve diversos debates, e por fim publicou um relatrio com as narrativas desses debates e com as propostas descritas a partir do questionrio respondido (CONGRESSO AGRCOLA, 1878). Pode-se afirmar que os grandes proprietrios acreditavam na continuidade de seu sistema extensivo de produo, desde que continuasse dispondo de crdito barato e mo-de-obra abundante (PDUA, 1998, p. 2). Os participantes que assinaram a lista de presenas em grande parte eram de municpios de regies produtoras de caf como Paraba do Sul (17 fazendeiros), Valena (19 fazendeiros), Barra Mansa (14 fazendeiros). Eles se reuniram ao final do evento para redigirem um relatrio sobre os problemas e as propostas, sendo que a comisso de So Paulo escreveu um relatrio separado daquele que foi apresentado pela comisso das outras provncias participantes, este ltimo era menos descritivo e abrangente (CONGRESSO AGRCOLA, 1878). Temos como presena ativa no Congresso um dos membros diretores do IIFA, Pedro Dias Gordilho Paes Leme32. Ele participou dos debates e do relatrio redigido pela comisso. Paes Leme frequentemente intervinha criticando o sistema de produo extensivo e para defender o ensino agrcola e o uso de mquinas. No entanto, a presena do IIFA no congresso no foi satisfatria. Alm de Paes Leme, estavam presentes alguns poucos scios e o diretor

Pedro Dias Paes Leme nasce em 1839, e abandona a carreira de engenharia para seguir a agricultura, tornando-se um dos mais ilustrados fazendeiros (BLAKE, 1902, p. 31). Membro da comisso brasileira na Exposio Universal de Filadlfia, diretor do Jardim Botnico, e ltimo presidente do IIFA, Paes Leme escreve diversos artigos na Revista.

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do Jardim Botnico, Karl Glasl33, porm ningum se identificou como representante oficial do Instituto, conforme outras instituies fizeram (CONGRESSO AGRCOLA, 1878). A poltica imperial para o auxlio agricultura antes da criao do Imperial Instituto e do Ministrio da Agricultura no era das melhores. A sobretaxao de impostos, a falta de investimentos, a burocracia e o controle dos preos colocavam o governo, em particular o Senado da Cmara, como o maior obstculo para a agricultura nacional (LOBO, 1980). Podemos indicar algumas iniciativas para o desenvolvimento agrcola: as Exposies Nacionais e Regionais e o Congresso Agrcola de 1878. Em contrapartida, a idia de que o governo devia atuar nas iniciativas no era aprovada por todos. A suposio de que o desenvolvimento agrcola necessitava de interveno governamental fora duramente criticada pelo Ministro do MACOP, o Dr. Antonio Francisco de Paula Sousa34, em 1865. Comentando sobre um estudo do francs Lavergne35, o ministro comentava que a interveno direta do governo no s ineficaz, malfica, pois tira a responsabilidade dos interessados, e consequentemente acaba por anular o nico estmulo fecundo, o interesse legtimo. Em contrapartida, a ao indireta do governo era profcua quando inteligentemente praticada, construindo estradas e canais, promovendo as exposies e o ensino agrcola, diminuindo impostos. Paula Sousa compara a agricultura de diferentes naes com e sem a participao governamental, afirmando que as naes centralizadoras, as que mais regulavam a atividade humana eram as menos adiantadas. Para ele, a Frana apresentou mais progresso somente aps a lei de 1791 que declarou livre o territrio francs (SOUZA, 1866, p.8-9).

Karl Glasl (1821-1883) frequentou os cursos da Escola Politcnica de Viena, estudando medicina, agronomia e filosofia. Contratado pelo IIFA em 1863, Glasl foi diretor da Fazenda Normal do IIFA e do Jardim Botnico. 34 bem provvel que a influncia para as crticas de Souza (1843-1917) tenham se originado quando se estudou na Sua ou Alemanha. Grande defensor do ensino pblico, Souza era tambm um republicano e escreve em 1869 A Repblica Federativa do Brazil. 35 Lonce Guilhaud de Lavergne (1809-1880) foi professor de economia no Instituto Agronmico de Versailles e escreveu livros sobre economia rural na Europa.

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Observamos que os gastos do Ministrio da Agricultura corroboram a opinio de Paula Sousa sobre a interveno indireta do governo imperial. No entanto os investimentos no foram compatveis entre si. Na demonstrao de despesa de 1866, efetuada por Bernardo Jos de Castro, vemos que a garantia de juros s estradas de ferro e a subveno s companhias de navegao (somam quase 5,000:000$000) correspondem a 6 vezes o valor do somatrio das verbas para as terras pblicas e colonizao (571:100$000), para o Jardim Botnico (12:000$000), para a SAIN (6:000$000), para o melhoramento da agricultura (100:000$000) e para a Flora Brasiliensis (4:000$000) (CASTRO, 1867). Ou seja, a manuteno e criao de colnias, a produo e divulgao de conhecimentos voltados para agricultura, a distribuio de sementes e o melhoramento da agricultura tiveram um papel secundrio na poltica de repartio de verbas do MACOP. Podemos concluir que o foco do Ministrio em desenvolver os meios de transporte estava mais voltado para a ocupao territorial do que para o escoamento da produo agrcola propriamente dito.

I.3

SITUAO CIENTFICA NO BRASIL E NO MUNDOVimos anteriormente como o governo imperial se prontificou, ou no, para solucionar

os problemas da agricultura brasileira. Agora veremos como as mudanas histricas, culturais e polticas modificaram o panorama cientfico brasileiro e mundial, e de que forma ocorreu sua institucionalizao em decorrncia dessas mudanas. A grande produo agrcola dos sculos XVIII e XIX e o reconhecimento dos produtos originrios do Brasil asseguraram incentivos e iniciativas governamentais no mbito de desenvolver a economia. As instituies ligadas diretamente ou indiretamente ao governo imperial recebiam constantes intervenes para investimentos, como meio de promover uma maior produo e um maior nmero de gneros agrcolas de importncia econmica.

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Proporcionando meios para que a botnica brasileira fosse reconhecida em outros lugares do mundo. Os investimentos em botnica para fins econmicos remontam das idias de Mercantilistas franceses e de Cameralistas alemes e culminam com as idias de Lineu36 para uma botnica econmica. Mercantilistas e Cameralistas tinham como meta melhorar a manufatura e agricultura atravs de leis protecionistas e inovaes tecnolgicas direcionadas pelo estado vigente. Diferentemente dos liberais que visavam uma poltica global e autoreguladora. Lineu afirmava que o papel da economia coletar de outros lugares e cultivar tais coisas que no crescem, mas podem crescer aqui (KOERNER, 1999, p. 2), e de conhecer a natureza da nao para da tirar um proveito econmico. Na sua viso, a botnica teria um papel crucial para proporcionar tal aclimatao, sendo de muita importncia a sua pesquisa e o seu ensino. E na concepo religiosa da natureza como uma ferramenta do homem, Lineu conceitualiza a natureza como um paraso pr-Ado e como um mecanismo auto-regulatrio, com cada nao contendo todos os produtos naturais necessrios para uma economia completa e complexa. Dessa forma o termo econmico era visto como uma cooperao, em vez de lutas e conflitos (KOERNER, 1999). Mesmo que divulgasse e incentivasse a aclimatao de espcies exticas, Lineu promulgava uma economia divina da natureza inspirada pelos telogos naturais britnicos do sculo XVII como Robert Boyle (1627-1691) e John Ray (1627-1705). A idia de botnica transmutacional, de manipulao de espcies a serem cultivadas, parece no ter se infiltrado profundamente na intelectualidade cientfica brasileira. A oposio das monoculturas do caf e da cana era preenchida por difusores de produtos com mercado exterior j estabelecido. O reconhecimento de produtos de origem local no exterior comeavaCarolus Linnaeus (1707-1778), tambm conhecido pelo nome Carl von Linn, atualizou e viabilizou aceitao universal da nomenclatura binomial utilizada na taxonomia dos seres vivos.36

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a ter um destaque com o cacau em meados do sculo XIX. No entanto, a divulgao e a exportao de apenas um gnero agrcola no se equiparavam possibilidade de utilizao das inmeras espcies as quais j se tinham um conhecimento econmico. Ou seja, somente a idia da classificao das espcies visando um sistema natural foi seguida pelas instituies cientficas. Antes da chegada da famlia real, duas breves sociedades se estabeleceram como instituies cientficas: a Academia Cientfica do Rio de Janeiro (1772-1779), e a Sociedade Literria (1786-1794). Ambas tinham por finalidade o cultivo e a disseminao das cincias, sem, no entanto, atingi-los devido as suas curtas existncias (FILGUEIRAS, 1998. p. 351). A Academia Cientfica, patrocinada pelo Vice- Rei Marqus do Lavradio37, se encarregava de pesquisas em histria natural, fsica, qumica, medicina, farmcia e agricultura, mas no possua uma seo especfica para este ltimo tema. Tentou a implementao da c