vera capilÉ

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VERA CAPILÉ

Cuiabá, 2021

Das fronteiras paraguaias ao centro geodésico da América do Sul: a trajetória de um caminhante

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© 2021. Capilé, Vera. Direitos desta edição reservados para Entrelinhas Editora.

Reprodução proibida Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Nenhuma parte desta edição pode ser reproduzida ou utilizada – em quaisquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia ou gravação, etc, – nem apropriada ou estocada

em sistema de banco de dados sem expressa autorização.

ENTRELINHAS EDITORA Av. Senador Metelo, 3.773, Jardim Cuiabá • CEP 78.030-005 – Cuiabá, MT, Brasil

Distribuição e Vendas: (65) 3624 5294 • e-mail: [email protected] www.entrelinhaseditora.com.br

Edição e projeto gráfico Maria Teresa Carrión Carracedo

Revisão Gustavo Dumas

Restauração de imagens Calebe Borralho

Arte-finalização | Arte da capa Maike Vanni

Reprodução de fotos antigas Ricardo Miguel Carrión Carracedo

Foto da capa Pierre Marret | Arquivo de família [ Distribuição de lotes na Colônia de Rio Branco, 1963 (detalhe) ]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático: 1. Homens : Memórias : Biografia 920.71

Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

Capilé, Vera De Matto-Grosso a Mato Grosso : das fronteiras paraguaias ao centro geodésico da América do Sul : a trajetória de um caminhante / Vera Capilé. -- Cuiabá, MT : Entrelinhas Editora, 2021.

ISBN 978-65-86328-14-1

1. Capilé Júnior, João Augusto, 1916-2015 2. Histórias de vida 3. Homens - Biografia 4. Mato Grosso (MT) - História 5. Memórias 6. Prefeito - Dourados (MS) I. Título.

21-58267 CDD-920.71

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Às vésperas dos 100 anos, o que posso desejar?

Eu desejo força, coragem, lucidez. Precisamos viver em pequenos oásis de vida e de fraternidade.

— Edgar Morin,

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Apresentação

João Carlos Vicente Ferreira1

Apresentar à sociedade mato-grossense este livro de memórias escrito por Vera Capilé, em homenagem ao seu pai, João Augusto Capi-lé Júnior – o Sinjão Capilé, é tarefa de sincero prazer e honra imerecida.

É difícil não se lembrar de Sinjão com alegria, igual àquela que ele espargia quando adentrava em qualquer ambiente que fosse. Era um gigante na empatia e no carisma. Muita coisa existiu na construção de nossa nem tão longa assim, mas, muito sincera, amizade. A primeira delas é a afinidade pela cidade de Dourados, onde Sinjão fez história e foi, de Mato Grosso, a primeira que residi. Isso foi em 1969. Nessa épo-ca Sinjão estava ocupando o cargo de Chefe de Gabinete da presidência da Câmara Municipal de Cuiabá. No entanto, o fator de maior relevân-cia que veio a fortalecer uma benquerença mútua, foi o amor à músi-ca. Sinjão foi um seresteiro dos mais vigorosos, pois, não se envergava à canseira e, muito menos, à variedade de sons, tons e ritmos. Versos, gostava de criá-los.

Mas de Sinjão sua filha Vera é quem sabe falar melhor. Além de vivenciar o dia-a-dia de seu pai amado, ainda compartilhava com ele as afinidades culturais, especialmente a música. Teve tempo, em vida, gra-ças à longeva e grata permanência de Sinjão entre nós, de anotar remi-niscências e memorar tudo isso em folhas de papel que, guardadas com carinho, vem à lume na hora certa. Sempre existe a hora certa prá tudo, não é mesmo? Pois é Vera, você fez a coisa certa e, agora, oferece alguns

1 Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e autor de diversos livros. Pesquisador nas áreas da História, Memória e Cultura.

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contornos da personalidade ímpar de seu pai aos familiares, amigos e, também, aos que o conhecerão, bem melhor, depois de lerem este mara-vilhoso compêndio biográ�co.

Em nossas famílias existem tesouros de incalculável valor, que não depreciam nem deterioram com o passar dos anos. É a nossa memória.

Vera Capilé nos leva nesta obra à trajetória de vida de Sinjão, com quilates de esforço, brilhantes horas felizes e preciosos exemplos de vida.

Me chamou muita atenção na composição do projeto editorial des-se livro, o envolvimento histórico que Vera Capilé nos oferece com rela-tos cronológicos de acontecimentos, desde o nascimento de Sinjão, em 1916, até fatos recentes de nossa história. Ao concluir a leitura desse livro, me vi conhecedor de circunstâncias e eventos políticos que não estão em nossos livros de escola. Nomes de personalidades que hoje estão em placas de praças, ruas e avenidas, que conviveram com Sin-jão, estão ali, descritas em feitos e fatos, com datas e horas a con�rma-rem esse dito. Não tão somente isso, mas, também, nos põe a lembrar de que em 1958, quando foi candidato a prefeito de Dourados, veio a fale-cer o herói mato-grossense Cândido Rondon; e por aí vai, nos levando, ao ano de 1986, ao acidente nuclear de Chernobyl, na Ucrânia. En�m, esta obra é não apenas biográ�ca, mas um livro sobre a história de Mato Grosso. Esse propósito literário cabe bem dentro do quão grande foi Sinjão Capilé, um homem que ocupou os mais variados cargos públicos e muito fez por nossa terra. Sinjão sempre será lembrado com carinho pelos amigos e com quem conviveu, por pouco que fosse. Aos que não o conheceram, de tão perto, �ca aqui a dica de leitura, da primeira à últi-ma página deste livro.

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História singular

Waldir Bertúlio 2

Foi um mundo denso e encantador adentrar e conviver solida-ria e afetuosamente com a já cuiabana família Capilé. Aprendi muito sobre os conflitos da vida e solidariedade nesse espaço de família. Sin-jão Capilé, verdadeiro intelectual e um articulador político competente, dos melhores que conheci. Sobretudo, um amante da música, do violão e das rodas de serestas. Além do bom português, dominava o guarani retinto e disse-me em suas ricas e agradáveis conversas, que sentia fal-ta de interlocutor para esta língua autóctone de referência no seu terri-tório de vida. Esta obra literária registra uma verdadeira saga da famí-lia Capilé, vinda do sul de Mato Grosso para o norte. Mais do que isso, uma historiografia não registrada formalmente, que vem contribuir com fatos importantes desde o Mato Grosso uno, até os dois estados em que foi dividido. O protagonista Sinjão Capilé, desde os idos da grande região de Dourados, reconhecido como uma grande liderança política, percorrendo tempos de muito trabalho e enfrentamentos, especialmen-te após seu enlace com Roma Milan Capilé. Caminhou na gestão públi-ca onde sua criatividade e competência foram intensamente solicitadas e aprovadas desde a gestão da Prefeitura de Dourados, onde inclusive concebeu a criação de colônias para cultivo agrícola, trazendo levas de agricultores vindos de várias regiões do país para este novo e promis-sor “el Dorado”. O que foi repetido nos projetos de colônias ao norte de Mato Grosso, especialmente na grande região de Cáceres. O bojo políti-co era do enfrentamento das contendas políticas entre UDN, PSD, PTB e PSP. Foi nesse bojo que Sinjão tomou a decisão de vir de mudança

2 Professor titular da Universidade Federal de Mato Grosso, no Departamento de Medicina, na disciplina Saúde Coletiva.

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com a família para Cuiabá, onde percorreu funções estratégicas de ges-tão pública. A narradora desta relevante história é sua filha Vera Capi-lé, com quem partilhou desde tenra idade o gosto pela música. Aca-lantos ao som das músicas daquele tempo, especialmente referidos na musicalidade das fronteiras paraguaias, além das valsas e outros gêne-ros. Esta coleta de depoimentos e referências aqui registradas começa-ram em 2008. Sonho desta já cantora renomada que abraçou a cultu-ra cuiabana e também cedeu sua voz para cantar a nossa terra, além de trazer suas memórias do guarani-espanhol do território musical para-guaio. Tendo começado as entrevistas e depoimentos com o pai a partir de seus 91 anos, muita paciência e revisões, apresentou a ele a primeira versão em 2014. Ele teve tempo para ler e reler, e quando Vera conver-sou com ele sobre a produção, ele simples e amorosamente falou: “Está muito bom, com sínteses certeiras. Quem foi que escreveu isto minha filha?”. Vera respondeu: “Fui eu pai, a partir das entrevistas que fize-mos todo este tempo.” Ele falou: “Você é quem tem que escrever este livro!”. “Assim considero completa esta obra.” Falou para filhos e filhas que Vera não deveria submeter a nenhum escritor este trabalho, que considerou completo. Fiel a realidade de vida. Vera faz aqui a síntese de vida de um homem de luta e coragem, em uma trajetória eminentemen-te na gestão pública e ligação expressiva com a cultura musical. Ele fez questão de deixar para Vera, sua canora cantora, o seu violão, com 60 anos de existência. Além do livro sobre suas memórias. Quem acessar esta obra vai adentrar em uma história singular e não registrada sobre os dois Mato Grosso.

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Nascedouro ........................................................................17

Antecedentes e conjuntura política ........................25

U� ���� ����� ...................................................................33

De Dourados à Cuiabá ....................................................37

D� D������� � C�������� Matte Larangeira............................................................43

C����� � �������� ..........................................................55

D� ����� � D������� ......................................................63

Do Território Federal de Ponta Porã à Colônia de Dourados ..................................................81

D� ������ ����� / ������� /������� .......................103

As contendas políticas .................................................107

De Dourados à Cuiabá ..................................................119

Articulador político ....................................................143

Aposenta. Mas não! ........................................................ 155

O seresteiro ...................................................................... 159

C���� ���������� � ������� �� ������� ....................167

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Roma e Sinjão, com os filhos Osmar, Denize, Gizelda, Marina, Vera e Lélia, em Dourados, Mato Grosso do Sul (14 de julho de 1958)

s/a | 1958 | Arquivo de família

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D� M����-G����� � M��� G����� • 17

Nascedouro

Nasci em Dourados – na época Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul –, em uma família muito especial, com um pai muito extroverti-do, generoso, grande contador de histórias – além de ser político, músi-co e compositor –, e uma mãe enérgica, mão de ferro, mas muito dócil, responsável, inventora e mágica... Eram o aporte, poita e porto. Ambos tinham em comum o fato de serem naturalmente desbravadores, pio-neiros e muito, muito honestos – qualidade que veio rareando dos seus primeiros tempos para cá.

Entre os oito filhos dessa incrível família, lá estava eu! Sempre inquieta, impaciente, precoce, inventadora de moda! Mamãe dizia: “na família, todos têm boa voz, mas a única metida é a Vera Lucia!”. Eu detestava quando ela citava o meu nome assim. Até hoje fico esperando a surra quando ouço “Vera Lúcia!”. É, levava muita surra, pois raramen-te rezava. Enquanto meus irmãos ficavam ali, perto dela, brincando, lendo, ajudando nos afazeres da casa, eu estava pela vizinhança fazen-do arte! Saía sempre do tom da orquestra da família – constituída pelos meus irmãos Iris, Osmar, Lélia, Denize, Marina, Gizelda e Alexis.

Tinha seis ou sete anos quando papai comprou uma fazenda e saí-mos todos da cidade para morar lá. Casa grande, com plantação de mandioca, milho, cana e árvores frutíferas para o consumo da famí-lia. Para lá foi levada uma professora que ministrava aulas do 1º ao 4º ano. Os menores ficavam na flauta. Era muito gostoso quando está-vamos em aula, na sala de refeições, com mesa grande onde cabíamos todos nós e mais os filhos dos empregados da fazenda e as crianças da vizinhança. Olhávamos para fora e lá, no pasto, víamos passar bandos de seriemas – com fome, depois de quatro horas de aula, pensávamos numa coxa daquelas para o almoço. Tudo não passava de elocubrações. As seriemas eram intocáveis, imexíveis, com seu porte garboso, canto dolente, lindo!