dissertaÇÃo_inovações agroecológicas para a agricultura familiar

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  • 7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar

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    INOVAES AGROECOLGICAS PARA AAGRICULTURA FAMILIAR: UM ESTUDO DE

    CASO SOBRE SISTEMASAGROFLORESTAIS NO ALTO

    JEQUITINHONHA-MG

    EDUARDO CHARLES BARBOSA AYRES

    2008

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    EDUARDO CHARLES BARBOSA AYRES

    INOVAES AGROECOLGICAS PARA A AGRICULTURAFAMILIAR: UM ESTUDO DE CASO SOBRE SISTEMAS

    AGROFLORESTAIS NO ALTO JEQUITINHONHA-MG.

    Dissertao apresentada Universidade Federal deLavras, como parte das exigncias do Curso deMestrado em Administrao, rea de concentrao emGesto Social, Ambiente e Desenvolvimento, paraobteno do ttulo de Mestre.

    OrientadorProf. Dr. ureo Eduardo Magalhes Ribeiro

    LAVRASMINAS GERAIS BRASIL

    2008

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    Ayres, Eduardo Charles Barbosa.Inovaes agroecolgicas para a agricultura familiar: um estudo de

    caso sobre sistemas agroflorestais no Alto Jequitinhonha-MG / EduardoCharles Barbosa Ayres. Lavras : UFLA, 2008.

    107 p. : il.

    Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Lavras, 2008.Orientador: ureo Eduardo Magalhes Ribeiro.Bibliografia.

    1. Sistemas agroflorestais. 2. Alto Jequitinhonha. 3. Agriculturafamiliar. I. Universidade Federal de Lavras. II. Ttulo.

    CDD 307.72

    Ficha Catalogrfica Preparada pela Diviso de Processos Tcnicos daBiblioteca Central da UFLA

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    EDUARDO CHARLES BARBOSA AYRES

    INOVAES AGROECOLGICAS PARA A AGRICULTURAFAMILIAR: UM ESTUDO DE CASO SOBRE SISTEMASAGROFLORESTAIS NO ALTO JEQUITINHONHA-MG.

    Dissertao apresentada Universidade Federal deLavras, como parte das exigncias do Curso deMestrado em Administrao, rea de concentrao emGesto Social, Ambiente e Desenvolvimento, paraobteno do ttulo de Mestre.

    APROVADA em

    Prof. Luiz Antnio Augusto Gomes UFLA

    Prof. Luiz Carlos Dias Rocha EAFI

    Prof. Dr. ureo Eduardo Magalhes RibeiroUFLA

    (Orientador)

    LAVRASMINAS GERAIS BRASIL

    2008

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    DEDICO

    minha famlia, em especial ao meu pai Francisco Miranda Ayres e minha meEdna do Vale Barbosa Ayres. Ao meu irmo Franklin, s minhas irms Ceclia,

    Edjane e Adriana, e aos meus queridos sobrinhos: Jnior, Hugo, Carol,Eduarda, Saulinho, Eduardo Samuel, Sofia e Letcia. Dedico tambm a todos

    que, ligados por laos sanguneos ou de amizade, acreditaram na realizaodeste trabalho.

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente, agradeo a Deus pelo dom da vida e pela concretizao

    de mais uma tarefa na nossa jornada humana, e que bons frutos sejam colhidos

    em benefcio do prximo.

    Aos agricultores monitores de sistema agroflorestal, da base do CAV, no

    Alto Jequitinhonha, pela recepo em suas moradias, deixando suas atividades

    dirias e dispondo do seu precioso tempo para contribuir com essa pesquisa.

    Permanece o sentimento de amizade e o respeito aos ensinamentos prestados.

    Agradeo equipe tcnica do CAV, em especial Joo Antnio, ZMurilo, Gelson e Anderson pela dedicao e acompanhamento nas comunidades

    rurais durante a realizao de entrevistas e levantamentos de campo.

    Agradeo aos colegas do Ncleo PPJ, no Departamento de

    Administrao e Economia da UFLA, pelo convvio e amizade. Aos colegas que

    participaram diretamente da pesquisa, agradeo pelo compromisso no

    desempenho das tarefas e pelos bons momentos em campo.

    A Flvia Galizoni pelo importante apoio inicial, pelas preocupaes e

    orientaes prestadas concluso desta etapa acadmica.A Helder dos Anjos pelo interesse e ajuda na modelagem entre os

    resultados e a teoria desta pesquisa.

    Aos colegas Vico Mendes, Gislene (Gigi), Rafael Chiodi (Pira) e Luiz

    (Juramento) pelo apoio na interpretao e anlise dos resultados de solos,

    florsticos e entomolgicos.

    Aos meus colegas baianos e norte mineiros, do grupo caatingueiros,

    pela camaradagem.

    Ao professor ureo Eduardo Magalhes Ribeiro pela orientaoacadmica e pela contribuio na formao pessoal e profissional.

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    A CAPES Coordenadoria de Aperfeioamento de Pessoal de NvelSuperior pela concesso de bolsa de estudo, e ao CNPq (Projeto 553367/2005-6)

    pelo financiamento das atividades de pesquisa.

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    SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS............................................................................................i

    LISTA DE QUADROS ........................................................................................ii

    LISTA DE TABELAS.........................................................................................iii

    RESUMO..............................................................................................................v

    ABSTRACT ........................................................................................................vi

    1 INTRODUO.................................................................................................1

    2 OBJETIVOS......................................................................................................4

    3 METODOLOGIA..............................................................................................5

    3.1 Delineamento metodolgico...........................................................................5

    3.2 A coleta de dados............................................................................................6

    3.2.1 Levantamento fitossociolgico - ndice de diversidade de Shannon (H) e

    ndice de equabilidade Pielou (J)..........................................................................9

    3.2.2 Levantamento entomolgico diversidade de ordens entomolgicas e

    indicadores de qualidade ambiental (ambiente preservado e ambiente degradado)

    ............................................................................................................................10

    3.2.3 Levantamento edfico (solos) - fertilidade do solo, estrutura fsica do solo

    (densidade e resistncia do solo penetrao - compactao) ........................... 11

    4 REFERENCIAL TERICO...........................................................................16

    4.1 O Alto Jequitinhonha....................................................................................16

    4.1.1 Caracterizao............................................................................................16

    4.1.2 Os sistemas agrcolas familiares................................................................19

    4.2 Saber e estratgias da agricultura familiar....................................................23

    4.3 Desenvolvimento e agricultura ..................................................................... 29

    4.4 Os sistemas agroflorestais (SAFs) ................................................................ 34

    5 RESULTADOS ............................................................................................... 40

    5.1 Os monitores, o manejo e a produo nos SAFs...........................................40

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    9

    5.1.1 Os monitores..............................................................................................40

    5.1.2 O terreno dos monitores.............................................................................445.1.3 As reas de SAFs.......................................................................................47

    5.1.4 O manejo dos SAFs ................................................................................... 52

    5.1.5 Cronograma de atividades nos SAFs.........................................................56

    5.1.6 Dificuldades e vantagens dos SAFs...........................................................59

    5.1.7 A produo nos SAFs ................................................................................ 63

    5.2 Os SAFs e a flora..........................................................................................69

    5.3 Os SAFs e o levantamento entomolgico.....................................................72

    5.4 Os solos sob SAFs ........................................................................................ 77

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    5.4.1 Anlise da fertilidade de solo.....................................................................78

    5.4.2 Densidade e resistncia do solo penetrao ............................................ 816 CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................84

    7 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.............................................................86

    ANEXOS............................................................................................................93

    ANEXO A ..........................................................................................................95

    ANEXO B...........................................................................................................97

    ANEXO C.........................................................................................................100

    ANEXO D ........................................................................................................105

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    i

    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 Regio e municpios onde o CAV atua diretamente, Vale do

    Jequitinhonha, 2007..............................................................................................5

    FIGURA 2 Nmero mdio de ordens de insetos presentes nos SAFs e demais

    ambientes no Alto Jequitinhonha, Vale do Jequitinhonha, 2007........................73

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    ii

    LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1 Vantagens dos SAFs apresentados pelos agricultores do Alto

    Jequitinhonha, sob diferentes aspectos, Vale do Jequitinhonha, 2007. .............. 61

    QUADRO 2 Produtividade e ocupao nos SAFs velhos e novos, Vale do

    Jequitinhonha, 2007............................................................................................63

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    iii

    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Resumo das reas estudadas e o tipo de levantamento realizado em

    cada rea na segunda e terceira etapa da pesquisa, Vale do Jequitinhonha, 2007.

    ............................................................................................................................13

    TABELA 2 Distribuio percentual da renda entre a PEA*, via massa salarial,

    nas dcadas de 1960, 1970 e 1980, no Brasil. .................................................... 30

    TABELA 3 Aumento da populao favelada em algumas capitais brasileiras

    entre as dcadas de 1960 a 1980.........................................................................31

    TABELA 4 Distribuio dos monitores entre os cinco municpios de atuaodireta do CAV, Vale do Jequitinhonha, 2007.....................................................41

    TABELA 5 Participao dos agricultores monitores em organizaes presentes

    na regio, Vale do Jequitinhonha, 2007..............................................................42

    TABELA 6 Motivos apontados pelos agricultores monitores para iniciar o SAF

    em seus terrenos, Vale do Jequitinhonha, 2007..................................................47

    TABELA 7 Manejo adotado nas reas de SAFs antes da sua implantao pelos

    agricultores, Vale do Jequitinhonha, 2007..........................................................48

    TABELA 8 Cultivos realizados anteriores nas reas onde hoje se encontraminstalados os SAFs, Vale do Jequitinhonha, 2007..............................................50

    TABELA 9 Freqncia de cultivos nos SAFs e destino entre consumo humano e

    animal, Vale do Jequitinhonha, 2007..................................................................67

    TABELA 10 Dados florsticos e fitossociolgicos encontrados nos SAFs e

    demais ambientes analisados no Alto Jequitinhonha, Vale do Jequitinhonha,

    2007. ..................................................................................................................70

    TABELA 11 Comparao de resultados florsticos e fitossociolgico

    (Densidade) entre SAFs velhos e novos analisados no Alto Jequitinhonha, Valedo Jequitinhonha, 2007.......................................................................................71

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    TABELA 12 Principais ordens de insetos encontradas nas reas pesquisadas,

    Vale do Jequitinhonha, 2007. ............................................................................. 76TABELA 13 Teores mdios de nutrientes e atributos de fertilidade dos solos, na

    camada de 0-20 cm de profundidade, em SAFs e outros ambientes no Alto

    Jequitinhonha. Ver normas no ANEXO B......................................................... 78

    TABELA 14 Densidade de solo (Ds) e ndices de resistncia do solo

    penetrao em SAFs e outros ambientes no Alto Jequitinhonha, Vale do

    Jequitinhonha, 2007............................................................................................82

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    RESUMO

    AYRES, E. C. B. Inovaes agroecolgicas para a agricultura familiar: umestudo de caso sobre sistemas agroflorestais no Alto Jequitinhonha MG. 2008.107 p. Dissertao (Mestrado em Administrao) Universidade Federal deLavras, Lavras, MG.

    O processo de modernizao da agricultura ocasionou significativastransformaes no meio rural brasileiro. A revoluo verde foi consideradapor muitos autores um modelo prejudicial ao meio ambiente, e socialmenteexcludente. Caracterizou-se pela padronizao dos processos de produoagrcola, desconsiderando as especificidades regionais do pas. Dentre as

    expresses regionais de sistemas agrcolas compatveis com as condiesambientais e a tradicionalidade rural est a experincia dos sistemasagroflorestais SAFs no Alto Jequitinhonha, regio nordeste de Minas Gerais.Estes sistemas permitem aos agricultores unir numa mesma rea plantasadubadeiras, frutferas e outras, favorecendo o processo natural de recuperaodo solo, a conservao da biodiversidade, e gerando produo. No AltoJequitinhonha, o SAF foi uma iniciativa construda por organizaes vinculadasa agricultores familiares da regio, agregando aspectos ligados gesto coletivae ao saber local da populao rural como alicerces da proposta. Esta dissertaoteve por objetivos dimensionar os resultados e impactos dos SAFs, analisandoaspectos relacionados organizao familiar e produo, os efeitos sobre oambiente florstico, entomolgico e edfico. Foi realizada em comunidades

    rurais de cinco municpios do Alto Jequitinhonha, em SAFs manejados poragricultores familiares, denominados monitores, da base de atuao do Centrode Agricultura Alternativa Vicente Nica CAV organizao nogovernamental da regio que atua em programas de desenvolvimento rural. Osresultados ambientais foram comparados entre as reas de SAFs e outrossistemas de cultivo e ambientes comuns na regio, como pastagem, monoculturade eucalipto, rea de pousio, sistema de cultivo convencional e rea degradada,denominada pelador. Como resultado, percebeu-se que os SAFs tmcontribudo para a produo, a capacitao dos agricultores e conservao dosrecursos naturais. Verificou-se que so favorveis aos desempenhos produtivos eque existem limitaes tcnicas, financeiras e organizacionais para a expansoda proposta.

    Palavras-chave: sistemas agroflorestais, Alto Jequitinhonha, agricultura familiar.

    Orientador: Prof. Dr. ureo Eduardo Magalhes Ribeiro UFLA

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    ABSTRACT

    AYRES, E. C. B. Agroecological innovations for household farming: a casestudy on the agroforest systems in Upper Jequitinhonha (Alto Jequitinhonha) MG. 2008. 107 p. Dissertation (Master in Administration) Federal Universityof Lavras, Lavras, MG.

    The process of modernization of farming brought about significanttransformations in Brazilian rural milieu. The green revolution was consideredby many authors a harmful model in environment and socially excluding. It wascharacterized by the standardization of the agricultural production processes,disregarding the countrys regional particularities. Out of the regionalexpressions of agricultural systems compatible with environmental conditions

    and rural traditionality lies the experience of the agroforest systems SAFs inUpper Jequitinhonha (Alto Jequitinhonha), northeastern region of Minas Gerais.These systems allow to the farmers put together in the same area fertilizing,fruit-bearing plants and others, supporting the natural process of soil recovery,biodiversity conservation and generating product. In Upper Jequitinhonha (AltoJequitinhonha), SAF was an enterprise constructed by organizations entailed tohousehold farmers in the region, aggregating together aspects linked tocollective management and to the local folk of the local rural population asfoundation of the proposal. That dissertation was aimed to size the results andimpacts of SAFs, investigating aspects related to the familiar organization andproduction, the effects on floristic, entomological and edaphic environment. Itwas undertaken in rural communities of five towns of Upper Jequitinhonha (Alto

    Jequitinhonha) in SAFs managed by household farmers, named monitors,from the actuation base of the Vicente Nica Center of Alternative Agriculture(Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica CAV) non-governmentalorganization of the region which acts in rural development programs. Theenvironmental results were compared with between areas of SAFs and othergrowing systems and common environments in the region, as grassland,eucalyptus plantation, fallow area, conventional growing system and degradedarea, named pelador. As a result, it was felt that SAFs have contributedtowards production, the improvement of the farmers and conservation of naturalresources. It was found that they area favorable to the productive performancesand that there are technical, financial and organizational limitations forexpansion of the proposal.

    Key words: agroforest systems, Upper Jequitinhonha, household farming.

    Adviser: Prof. Dr. ureo Eduardo Magalhes Ribeiro UFLA

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    1

    1 INTRODUO

    O processo de modernizao da agricultura a partir da dcada de 1960

    trouxe significativas transformaes sobre os meios de produo na agricultura

    brasileira. A introduo de novas tecnologias proporcionando o aumento da

    produtividade ficou conhecida como revoluo verde, cujo conjunto de

    insumos de origem industrial responsvel pelos significativos ndices de

    produtividade foi denominado de pacote tecnolgico, que impunha um modelo

    de produo baseado na utilizao de veneno/adubo/trator/sementes melhoradas.

    Este modelo agrcola difundido no pas como padro ideal de agricultura,comeou a encontrar obstculos a partir dos anos 1980, em funo da

    mobilizao de agricultores organizados, pesquisadores e tcnicos que

    denunciaram as conseqncias sociais e ambientais ocasionadas. Alm disso, a

    mudana na poltica de crdito rural tornou o modelo tecnolgico produtivista

    cada vez mais frgil.

    Sendo considerado, por muitos autores, um processo excludente, a

    modernizao da agricultura no atingiu de forma eqitativa as regies

    brasileiras e, tampouco, os mais de 4 milhes de estabelecimentos ruraisexistentes no Brasil. Para as regies consideradas estagnadas, que ficaram fora

    desse processo, foram destinados programas de desenvolvimento com intuito de

    promover a dinamizao econmica.

    Este foi o caso do Alto Jequitinhonha, localizado na regio nordeste de

    Minas Gerais, onde, a partir da dcada de 1970, com incentivos do Estado, teve

    as reas de chapada ocupadas com os produtos da revoluo verde e pela

    monocultura de eucalipto, que deixou muitos danos na regio. As chapadas

    partes elevadas do relevo - que antes eram reas de extrao e solta do gado,onde famlias de agricultores faziam coletas de frutos, plantas medicinais,

    madeiras e lenha foram quase todas monopolizadas. Com isso, comunidades de

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    agricultores familiares tiveram que restringir suas reas em uso, desencadeando

    situaes de super explorao dos recursos naturais nas grotas, que trouxedegradao da terra, diminuio das guas e outras conseqncias.

    Em 1994, por meio do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Turmalina,

    no Alto Jequitinhonha, fundou-se o CAV (Centro de Agricultura Alternativa

    Vicente Nica) - organizao no governamental que tem como propsito o

    desenvolvimento de tcnicas agrcolas adaptadas regio, levando-se em conta a

    estrutura fundiria, clima, vegetao, relevo, disponibilidade de gua, sistemas

    locais de produo e valorizando o saber local sobre o ambiente.1

    Atuando diretamente em cinco municpios, o CAV desenvolve ossistemas agroflorestais (SAFs) em 18 comunidades rurais, por meio de um grupo

    de 33 agricultores denominados monitores. 2

    Entretanto, os resultados e impactos dessa proposta para a regio no

    esto dimensionados e analisados. Isto : possvel pensar nos SAFs como uma

    proposta de desenvolvimento para agricultores familiares desta regio? Quais os

    seus potenciais e limites organizacionais, produtivos e ambientais? E o que esta

    proposta representa do ponto de vista de gesto social de programas de

    desenvolvimento?Portanto, pretende-se avaliar neste estudo aspectos relacionados

    percepo das famlias de agricultores monitores em torno do SAFs, o

    aprendizado com relao ao manejo agroflorestal, a produo oriunda dos SAFs

    e a influncia que as prticas agroflorestais exercem sobre as condies

    ambientais da vegetao, solo e diversidade de insetos. Trata-se de um estudo

    1 As aes do CAV so organizadas por meio de cinco programas: Proteo e Conservao deNascentes; Difuso de SAFs; Relaes Sociais de Gnero; Economia Popular Solidria (EPS); e o

    Programa de Formao e Mobilizao Social para Convivncia com o Semi-rido: Um Milho deCisternas Rurais - P1MC.2O termo monitores ou agricultores monitores refere-se aos agricultores familiares assessoradospelo CAV que instalaram os SAFs em suas unidades de produo, experimentando edesenvolvendo tcnicas ajustadas s condies locais . Atuam como incentivadores da proposta erepresentam o elo de trabalho entre o CAV e as comunidades rurais.

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    que busca dispor de informaes qualitativas e quantitativas na tentativa de

    abranger uma amplitude multidisciplinar para a compreenso a respeito dosSAFs no Alto Jequitinhonha.

    Esta avaliao e anlise dos SAFs permitir s organizaes locais se

    instrumentalizar para sensibilizaes que partam, simultaneamente, dos pontos

    crticos e potencializadores dos SAFs. Alm disso, oferecer mais densidade ao

    debate sobre os programas de desenvolvimento para o meio rural desta regio.

    Esta dissertao faz parte de um conjunto de estudos e aes na regio

    do Vale do Jequitinhonha desenvolvidos pelo Ncleo de Pesquisa e Apoio a

    Agricultura Familiar Justino Obers (Ncleo PPJ) da Universidade Federal deLavras e pelo CAV, apoiado pelo CNPq por meio do projeto 553356/05-6

    (Projeto de Apoio aos Sistemas Agroflorestais da Agricultura Familiar da

    base do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica, no Alto

    Jequitinhonha), colaborando, a partir das populaes locais, para o melhor

    entendimento das dinmicas sociais, econmicas e ambientais desta regio.

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    2 OBJETIVOS

    Os SAFs no Alto Jequitinhonha so marcados pelo seu carter coletivo e

    flexvel no manejo e na gesto sobre os resultados. coletivo, pois o saber

    construdo fruto da partilha entre o saber tradicional dos agricultores monitores

    e o saber acadmico dos tcnicos assessores. E flexvel, pois leva em conta a

    heterogeneidade ambiental dos terrenos, e a dinmica social e econmica da

    famlia dos agricultores monitores.

    Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar os resultados da prtica dos

    SAFs por agricultores familiares do Alto Jequitinhonha, analisando aspectosrelacionados organizao familiar, produo de alimentos e os efeitos sobre o

    ambiente (vegetao, solo e diversidade de insetos).

    Valorizando a trajetria e a experincia das populaes rurais em seus

    meios de produo, e visando a dimensionar os resultados dos SAFs, pretende-se

    mais detalhadamente.

    i) Identificar e analisar resultados dos SAFs associados organizao

    familiar, produo e produtividade em unidades de agriculturafamiliar;

    ii) Analisar a influncia da implantao e manejo dos SAFs sobre o

    ambiente, considerando parmetros florsticos, edficos e

    entomolgicos, comparando os resultados dos SAFs com outros

    sistemas de produo e ambientes da regio;

    iii)

    Analisar, a partir do estudo sobre os SAFs, as condies de

    aprimoramento para constituio de programas produtivos de

    desenvolvimento e extenso rural em reas de agricultura familiar.

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    3 METODOLOGIA

    3.1 Delineamento metodolgico

    O estudo foi realizado nos municpios de Turmalina, Minas Novas,

    Chapada do Norte, Veredinha e Leme do Prado, situados na Microrregio

    Homognea de Capelinha MRH 31011, segundo IBGE3, no Alto Jequitinhonha,

    nordeste de Minas Gerais, onde o CAV atua diretamente (FIGURA 1).

    FIGURA 1 Regio e municpios onde o CAV atua diretamente, Vale doJequitinhonha, 2007.(A) Minas Gerais e em destaque a Microrregio Homognea de Capelinha;(B) Microrregio de Capelinha e em destaque os municpios da base de ao doCAV: Turmalina (1), Leme do Prado (2), Chapada do Norte (3), Minas Novas(4), Veredinha (5).Fonte: PNUD (2004). Extrado do Atlas do Desenvolvimento Humano noBrasil, com modificaes de Noronha (2008).

    A unidade de anlise desse estudo foram os SAFs assessorados peloCAV no Alto Jequitinhonha, abrangendo seus aspectos produtivos e ambientais,

    3Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, IBGE (2008a).

    A B

    1

    2 3

    45

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    comparados tambm a outros sistemas de cultivo, reas degradadas e mata

    nativa.A pesquisa foi um estudo de caso, e adotou-se o procedimento tcnico de

    coleta e anlise de dados sobre o grupo de agricultores monitores de SAFs e suas

    unidades demonstrativas de produo agroflorestal.

    No procedimento de investigao adotando o estudo de caso, o caso a ser

    examinado pode ser um nico indivduo, um conjunto de indivduos, um

    programa ou projeto de desenvolvimento, experimentos, ou at balanos de

    empresas. Esse modo de pesquisa permite um estudo aprofundado do objeto a

    ser pesquisado, possibilitando o conhecimento amplo e detalhado do mesmo(Alencar, 2000; Gil, 1991).

    3.2 A coleta de dados

    O procedimento de coleta de dados foi dividido em trs etapas. A

    primeira e a segunda buscaram informaes quantitativas e qualitativas,

    realizando entrevistas com os agricultores monitores de SAFs; e a terceira etapa

    buscou informaes estritamente quantitativas, a fim de dimensionar os

    impactos de conservao da biodiversidade proporcionados pelo manejoagroflorestal, envolvendo coleta de solo para anlise em laboratrio,

    levantamento de insetos bioindicadores e inventrio da vegetao.

    A primeira etapa foi realizada por meio de entrevistas com todos os

    agricultores monitores que compem a base do CAV (ANEXO A), utilizando

    questionrios semi-estruturados, buscando-se coletar informaes gerais sobre

    sua caracterizao, o histrico das aes, a relao dos SAFs com a organizao

    familiar do monitor, o aprendizado, bem como as vantagens e dificuldades no

    manejo agroflorestal, visando ao entendimento e contextualizao dos sistemasagroflorestais a partir da percepo e experincia dos monitores.

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    7

    Na segunda etapa foram entrevistados 8 dos 33 monitores por meio de

    questionrios semi-estruturados, buscando investigar aspectos scio-econmicosrelacionados especificamente produo, ocupao de mo de obra e manejo

    nas unidades de SAFs.

    A seleo dos 8 monitores de SAF, na segunda etapa, foi feita

    observando dois critrios:

    a)

    Distribuio das unidades de SAFs abrangendo os cinco municpios

    de atuao direta do CAV;

    b)

    Tempo de implantao dos SAFs, contemplando monitores comunidades agroflorestais mais novas e monitores com unidades

    agroflorestais mais velhas. Os SAFs assessorados pelo CAV tm

    idade de implantao entre 2 e 11 anos. Para efeito de comparao

    convencionou-se denominar SAFs novos aqueles com menos de 7

    anos de implantao, e SAFs velhos aqueles com mais de 7 anos de

    implantao. E, consequentemente, monitores mais novos e mais

    velhos pelo tempo de manejo agroflorestal.

    Foram escolhidos 4 monitores de SAFs novos nos municpios de

    Veredinha, Leme do Prado, Chapada do Norte e Minas Novas, sendo um em

    cada municpio.

    Por no haver monitores de SAFs velhos nos outros municpios, em

    Turmalina foram selecionados outros 4 monitores com esta caracterstica,

    equilibrando este critrio de seleo.

    Na terceira etapa foram realizados levantamentos sobre vegetao

    (florstico), solos (edfico) e insetos (entomolgico). Pretendeu-se contemplar osdiversos ambientes agrcolas da regio possibilitando comparaes que

    permitissem o melhor entendimento da influncia ambiental exercida pelos

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    sistemas agrcolas presentes na regio, e que fazem parte do cotidiano dessas

    populaes rurais.Nessa terceira etapa, o levantamento abrangeu 10 unidades

    demonstrativas de SAFs, sendo 8 pertencentes aos monitores entrevistados na

    segunda etapa, e mais 2 unidades de SAFs conduzidas pelo CAV; abrangeu 3

    sistemas de cultivos comuns na regio, sendo 1 rea de pastagem (PAS), 1 rea

    de eucalipto (EUC) e 1 rea de sistema de cultivo convencional (SCC) - preparo

    mecnico do solo e adubao qumica; e por ltimo abrangeu 3 reas de

    ambientes presentes na regio, sendo 1 rea de mata constituda por meio de

    pousio florestal (AP), e 2 reas degradadas (AD1) e (AD2), denominadas pelapopulao local comopeladores. Ao todo somaram 16 reas.

    As seis reas (pastagem, eucalipto, cultivo convencional, duas reas

    degradadas e mata/rea de pousio) foram selecionadas em funo da

    proximidade com as reas de SAFs.

    As duas unidades de SAFs conduzidas pelo CAV foram incorporadas na

    amostragem por serem reas antigas sob o manejo agroflorestal. Alm disso, era

    de interesse desta organizao ter dimensionados os resultados ambientais das

    suas reas de SAFs.4

    Os levantamentos dessa etapa possibilitaram os seguintes ndices:

    4O CAV possui um Centro de Formao e Experimentao, com 13 hectares (ha), onde os SAFsso desenvolvidos desde de 1996.

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    3.2.1 Levantamento fitossociolgico - ndice de diversidade de Shannon (H)

    e ndice de equabilidade Pielou (J)5Este levantamento foi realizado em nove SAFs, em duas reas de

    pelador (AD1) e (AD2), uma rea de pousio (AP), e em duas reas de

    monocultura,sendo uma de eucalipto (EUC) e outra de pastagem (PAS), com o

    propsito de dimensionar ndices de diversidade vegetal nos SAFs e compar-los

    com ndices de outros ambientes agrcolas e degradados comuns na regio, a fim

    de verificar o potencial conservacionista, e de recuperao ambiental, deste

    manejo agrcola.6

    A composio florstica das reas e os ndices de diversidade eequabilidade permitiram verificar a qualidade ambiental do local, podendo

    inferir na disponibilizao e conservao dos recursos naturais vegetais a partir

    da adoo do manejo agroflorestal nas unidades de produo familiar do Alto

    Jequitinhonha, pois compartilhar produo agrcola e conservao da

    biodiversidade vegetal fundamental para o xito de programas de

    desenvolvimento rural que primam pelo equilbrio entre populao e ambiente

    na adoo de novas tecnologias.

    5 O ndice de diversidade de Shannon expressa a riqueza e abundncia de espcies de plantasexistentes numa determinada rea. Para este ndice, os valores normalmente encontrados situam-seentre 1,3 e 3,5. O ambiente florestal alcana ndice em torno de 4,5. O ndice de equabilidadereflete o nvel de equilbrio na relao de distribuio entre o nmero de indivduos e o nmero deespcies presentes numa rea. um componente do ndice de diversidade (H). Este ndice podechegar ao valor mximo de 1 (um), quando expressa o mximo de equabilidade (Felfili, 2003;Zanzini, 2005).6

    Foi utilizada a amostragem sistemtica, sendo lanadas 9 parcelas circulares com raio de 1,5mem cada rea pesquisada. Foram identificadas e quantificadas as plantas (indivduos) a partir deuma altura de 50 cm. As plantas no identificadas em campo foram encaminhadas paraidentificao no Departamento de Biologia da UFLA. Entre as reas, no foi possvel realizar olevantamento na rea de SCC, pois o terreno estava gradeado e no havia plantas na reaamostrada. O levantamento foi realizado em outubro de 2006.

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    3.2.2 Levantamento entomolgico diversidade de ordens entomolgicas e

    indicadores de qualidade ambiental (ambiente preservado e ambientedegradado)

    A paisagem do Alto Jequitinhonha marcada pela monocultura de

    eucalipto, pastagens, reas com fertilidade natural deterioradas e solos

    compactados conhecidos como peladores resultados de intensa atividade

    antrpica. Esses ambientes agrcolas alteraram a paisagem natural, gerando

    escassez de recursos: terra, gua, vegetao e animais.

    Os insetos tm-se mostrado como indicadores apropriados para a

    avaliao de alteraes ambientais, por se tratar de um grupo de organismos dereproduo rpida, e por responderem de maneira rpida s alteraes de

    paisagens.

    Assim, os bioindicadores so seres vivos sensveis o bastante para se

    manifestarem, alterando suas funes biticas, diversidade e quantidade.

    Portanto, ambientes agrcolas alterados podem ser avaliados em funo de

    populaes de insetos presentes na rea, ou seja, o levantamento entomolgico.7

    Este levantamento foi realizado em nove reas de SAFs, em duas reas

    de pelador (AD1) e (AD2), em uma rea de pousio (AP), uma rea sob sistemade cultivo convencional (SCC), uma rea de pastagem (PAS) e uma rea de

    eucalipto (EUC), com o intuito de avaliar os efeitos das atividades antrpicas

    sobre a populao de insetos.

    Para a coleta de insetos, instalaram-se armadilhas tipo bandeja dgua,

    contendo uma tela de interceptao de vo para insetos de vo baixo. A tela

    compe-se de sombrite (65%) de colorao escura, e medindo 50x30 cm. Cada

    armadilha foi instalada em campo por dois dias, compondo-se de 200 mL de

    7Sobre bioindicadores consultar Klumpp (2001).

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    lcool 70%, 2 mL de formol, 2 mL de detergente neutro e 2 L de gua, no

    interior da bandeja. 8Com intuito de avaliar a resposta conservao e recuperao ambiental

    obtida pelos SAFs, optou-se por analisar a diversidade de insetos para

    determinar ambientes preservados e degradados. A coleta de insetos nos SAFs,

    em outros sistemas de cultivo e outros ambientes na regio do Alto

    Jequitinhonha, permitiu comparar a presena de insetos como resultado de

    conservao ou no da biodiversidade dos SAFs com relao a outras formas de

    uso do solo.

    3.2.3 Levantamento edfico (solos) - fertilidade do solo, estrutura fsica do

    solo (densidade e resistncia do solo penetrao - compactao)9

    As anlises sobre a fertilidade e estrutura fsica permitiram a verificao

    das respostas dos solos ao manejo agroflorestal, cujo propsito est na

    fertilizao natural dos solos pela conservao da vegetao nativa, introduo

    de leguminosas para adubao verde e plantas com alta capacidade de produo

    de massa verde para cobertura do solo.

    As anlises foram realizadas em dez SAFs, duas reas depelador(AD1)e (AD2), uma rea de pousio florestal (AP), uma rea sob sistema de cultivo

    8 Foram montadas duas armadilhas em cada rea, realizando cinco coletas de insetos em cadaarmadilha, em intervalos de dois dias, totalizando 10 coletas por rea. O material coletado foilevado para o laboratrio de entomologia da Escola Agrotcnica Federal de Inconfidentes - MGpara triagem e identificao das espcies capturadas. Este levantamento foi realizado em abril de2007.9Para determinar os atributos de fertilidade, foram coletadas, em funo do pequeno tamanho dasreas pesquisadas (ANEXO A), apenas cinco amostras simples de solo para formar uma amostracomposta por rea, na profundidade de 0 20 cm. Para determinar densidade do solo foramcoletadas amostras indeformadas na camada de 0-10 cm de profundidade do solo, em trs

    repeties, para cada rea, utilizando o amostrador de Uhland, em cilindros com dimenses mdiasde 8,26 cm de altura e 6,95 cm de dimetro interno (volume de 313,36 cm 3). O teste de resistnciado solo penetrao foi realizado em campo, na profundidade de 0-60 cm, utilizando-se openetrmetro de impacto modelo IAA/PLANALSUCAR STOLF, com 15 repeties para cadasistema de manejo estudado. Este levantamento foi realizado em junho de 2007. As anliseslaboratoriais foram realizadas no Departamento de Cincia dos Solos da UFLA.

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    convencional (SCC), uma rea de pastagem (PAS) e uma rea de eucalipto

    (EUC).A terra constitui um recurso natural fundamental para as condies de

    reproduo fsica e cultural da agricultura familiar. No Alto Jequitinhonha os

    SAFs foram propostos com o intuito de conservao e recuperao de reas onde

    os cultivos familiares so freqentes e essenciais tanto para o abastecimento

    familiar, quanto para a produo comercial.

    Para os novos programas de desenvolvimento rural necessrio que se

    levem em conta as formas de interveno e tcnicas adotadas no uso do solo, de

    forma a garantir o equilbrio produtivo, social e ambiental das terras, evitando aexpulso de famlias do campo, a reduo da produo pelo empobrecimento da

    terra, o assoreamento de crregos e nascentes, reduo da biodiversidade vegetal

    e animal, entre outros.

    O resumo das reas com os levantamentos realizados est apresentado na

    Tabela 1. As reas esto agrupadas por comunidade, seguida do municpio.

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    TABELA 1 Resumo das reas estudadas e o tipo de levantamento realizado em cada rea na segund

    pesquisa, Vale do Jequitinhonha, 2007.REA LEVANTAMENTOS

    Municpio/comunidade ruralTipo de unidade

    Scio-econmico10 Fertilidade e fsica do solo Entomolgic

    Turmalina/Alto LourenoSistema agroflorestal (SAF 1)VSistema agroflorestal (SAF 2)VPastagem (PAS)Eucaliptal (EUC)Turmalina/ GentioSistema agroflorestal (SAF 5)VSistema agroflorestal (SAF 6)N

    Turmalina/Poo DantasSistema agroflorestal (SAF 8)VTurmalina/LagoaSistema agroflorestal (SAF 1011)N

    XX

    X

    X

    XXXX

    XX

    X

    X

    XXXX

    XX

    X

    XMinas Novas/PinheiroSistema agroflorestal (SAF 3)Nrea degradada (AD1)Mata/rea de pousio (AP)

    X XXX

    XXX

    Chapada do Norte/Morro BrancoSistema agroflorestal (SAF 412)N X X Continua...

    10Este levantamento foi realizado entre outubro de 2006 e maro de 2007.11 Optou-se por excluir o SAF 10 desta anlise fitossociolgica, pelo fato do mesmo apresentar-se infestado de plantresultados fora do padro observado nas outras reas amostradas.12Os dados do levantamento entomolgico referentes ao SAF 4 foram suprimidos, devido a problemas na coleta dos insetos

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    TABELA 1 Continuao.

    REA LEVANTAMENTOSMunicpio/comunidade ruralTipo de unidade

    Scio-econmico13 Fertilidade e fsica do solo Entomolgic

    Veredinha/MacabasSistema agroflorestal (SAF 7)rea degradada (AD2)rea convencional (SCC)14

    X XXX

    XXX

    Leme do Prado/PalmitalSistema agroflorestal (SAF 9)N X X X NSAFs novos - com menos de sete anosVSAFs velhos - com mais de sete anosFonte: elaborada pelo autor

    13Este levantamento foi realizado entre outubro de 2006 e maro de 2007.14Trata-se de um sistema de cultivo onde se utiliza anualmente o trator no preparo do solo, adubo NPK 4-14-8, e semente h

    se, principalmente, milho, feijo de corda (tambm conhecido por feijo catador ou feijo caupi) e feijo andu (tambguandu). No foi possvel fazer o levantamento fitossociolgico nesta rea, pois a mesma estava com o solo gradeado eplantas.

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    Este estudo contou com a participao de equipe multidisciplinar do

    Ncleo de Pesquisa e Apoio Agricultura Familiar Justino Obers Ncleo PPJ,da UFLA.15

    Os resultados quantitativos permitiram comparar a eficincia

    conservacionista entre os ambientes agrcolas no Alto Jequitinhonha e os SAFs.

    15

    Mais informaes sobre a metodologia dos levantamentos podem ser verificadas no relatriotcnico do projeto de pesquisa CNPq553367/05-6 Projeto de Apoio aos Sistemas Agroflorestaisda Agricultura Familiar da base do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica, no AltoJequitinhonha, concludo em 2007. Cpia do relatrio tcnico encontra-se nos arquivos doNcleo PPJ, no Departamento de Administrao e Economia da UFLA, e no CAV, com sede nomunicpio de Turmalina, Alto Jequitinhonha-MG.

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    4 REFERENCIAL TERICO

    4.1 O Alto Jequitinhonha

    4.1.1 Caracterizao

    Assim como Minas Gerais, o Vale do Rio Jequitinhonha se caracteriza

    por um mosaico de culturas, marcado pelo processo de ocupao, pelas

    diferentes caractersticas ambientais ao longo curso do rio, ofertando e regrando

    recursos naturais que moldaram estilos de vida peculiares das populaes locais,

    recheados por uma riqueza de saberes e estratgias no convvio com a natureza.

    Situado na regio nordeste de Minas Gerais, o Vale do Jequitinhonhapode ser dividido em trs sub-regies: alto, mdio e baixo, em funo da

    localizao ao longo do rio. O Alto Jequitinhonha compreende a regio

    localizada na poro alta do rio, com vegetao tpica de cerrado; o Mdio

    Jequitinhonha compreende a poro mdia do rio, com predominncia de clima

    semi-rido; e o Baixo Jequitinhonha compreende a poro final do rio, cujo

    ambiente adquire influncia do clima tropical de mata atlntica, mido e sub-

    mido, limitando-se com o sul do Estado da Bahia.

    Tratando-se especificamente do Alto Jequitinhonha, quando se adentrana regio do Vale pela poro alta do rio, na sua cabeceira, fica evidente o

    relevo acidentado, formado por um conjunto de montanhas, guardis das

    nascentes que vo alimentar crregos, ribeires e rios afluentes do

    Jequitinhonha.

    As reas planas no alto dos morros, conhecidas por chapadas, tm

    funo importante como rea de recarga para abastecimento do lenol fretico e

    sustentao de inmeras nascentes presentes nesta regio. Sua vegetao nativa

    aparentemente frgil e, s vezes, pouco volumosa, converge para interpretaesequivocadas, atribuindo-se pouca importncia a este ambiente. Entre uma

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    chapadae outra, surge um novo ambiente: a grota.Esse relevo descrito por

    Ribeiro (1996) da seguinte forma:

    Os terrenos planos das chapadas tm pouca fertilidade natural. Nasgrotas, pelo contrrio, quanto mais prximo das guas mais frteis soas terras, principalmente aquelas que tm bosques, chamados capes(Ribeiro, 1996: 29).

    A baixa fertilidade natural das reas de chapada fez com que as

    populaes rurais direcionassem os cultivos agrcolas para terrenos situados nas

    reas de grota, atrados por melhores condies de umidade e fertilidade da

    terra. Quando se deixa as chapadase se desce para as grotas, encontram-se as

    moradias das populaes rurais instaladas sob condies de proximidade e

    facilidade de acesso aos recursos naturais como gua, solo frtil e vegetao que

    vo determinar a organizao da famlia em seus sistemas de produo agrcola

    e uso do ambiente.

    Compreender a regio como um todo, com um olhar apurado sobre as

    reas de grota, permite aproximar-se de interpretaes menos equivocadas a

    respeito do ambiente e das populaes que vivem no Jequitinhonha.

    As unidades de produo do Alto Jequitinhonha so marcadas pela

    agricultura familiar. O primeiro grau de organizao ocorre na famlia, que

    caracteriza a agricultura da regio. Em seguida, os ncleos de produo familiar

    se agregam a outras famlias em funo do grau de parentesco, do convvio

    solidrio, da proximidade das casas, da semelhana de ambientes, do uso comum

    entre as mesmas fontes de recursos naturais e mais uma srie de fatores que vai

    confluir para o maior grau de identidade entre as famlias rurais que se vo

    agregar em grupos maiores, constituindo as comunidades rurais.

    Os agricultores do Alto Jequitinhonha se identificam e se organizam por

    comunidades rurais, promovendo encontros educacionais, festas, leiles,

    celebraes religiosas, reunies sindicais, execuo e divulgao de programas

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    pblicos e outras aes. So nas comunidades rurais tambm que as experincias

    dos agricultores so socializadas e o conhecimento sobre os recursos naturais sistematizado, determinando a relao da populao com o meio ambiente.

    Galizoni (2007), analisando a dinmica entre as populaes rurais do

    Alto Jequitinhonha e manejo dos recursos naturais, distinguiu trs tipos de

    ambiente (cultura, caatinga e campo/carrasco) nas grotas, levando-se em conta a

    vegetao e localizao:

    As terras definidas como cultura so caracterizadas por terrenosfrescos, midos e frteis, prximo a cursos d'gua, e consideradas asmelhores para cultivo das roas de mantimentos. Normalmente soterras onde predominam madeiras como angicos, aroeiras, cips-tatu etimb, aroeirinha, pereira, vara-de-canoa, ing, marmelinho e mutamba(...) As terras denominadas de caatingas, geralmente se localizadasnas cabeceiras dos crregos, nas vertentes, e so utilizadas paracultivos de plantas rsticas como a mandioca, abacaxi e, s vezes, caf;as rvores nativas da catinga possuem grande porte: pau terra, paud'leo, marmelada. Nas terras identificadas pelos lavradores comocampo ou carrasco predominam capins nativos, arbustos e rvorescomo o muambe, cagaita, monjolo e maria-mulata, no so reaspropcias para lavoura sendo utilizadas somente para pastoreio eextrao de madeira, lenha, frutas e plantas medicinais (Galizoni,2007: 23).

    Esses ambientes so ocupados pelas populaes rurais do Alto

    Jequitinhonha sob uma lgica de uso e conservao dos recursos, respeitando os

    limites e usufruindo dos potenciais que cada ambiente oferece.

    Apesar da moradia dos agricultores se localizarem nas grotas, as reas

    de chapadaforam historicamente utilizadas pelas populaes rurais como reas

    de coleta e solta de gado, cumprindo importante papel na reproduo fsica e

    social das comunidades que se instalaram ao seu redor. Porm, este ambiente foialterado a partir da dcada de 1970 com a implantao da monocultura de

    eucalipto para a produo de carvo. Contrastando com as unidades de produo

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    familiar situadas nas grotas, a monocultura substituiu a vegetao natural e

    alterou o equilbrio ambiental de uso que as populaes construram ao longodos anos.

    Calixto (2006), analisando o processo de reflorestamento na regio

    percebeu que:

    A poltica de incentivos ao reflorestamento trouxe profundas mudanasno rural do Alto Jequitinhonha. A nova forma de apropriao doambiente das chapadas, que imps a propriedade privada sobre o usoda terra em comum, inibiu o extrativismo e o pastoreio extensivopraticado pelas populaes rurais. A forma de utilizao das terras dechapada pelos agricultores familiares foi substituda pela cadeiaprodutiva do carvo, numa viso desenvolvimentista que desconsideroua possibilidade das prprias populaes rurais terem condies decontribuir para traar o desenvolvimento da regio (Calixto, 2006:112).

    E assim, configura-se o Alto Jequitinhonha envolvendo produo

    agrcola, manejo dos recursos naturais, famlias, comunidades, costumes,

    projetos desenvolvimentistas, paisagem e relevo, como elementos evidentes no

    cenrio desta regio.

    4.1.2 Os sistemas agrcolas familiares

    Chapadase grotas, terra, gua e vegetao fazem parte da lgica de uso

    e ocupao agrcola pelas populaes rurais no Alto Jequitinhonha.

    Ribeiro (1996) e Galizoni (2007) notaram que o sistema de lavoura

    praticado nas grotas ao longo dos anos pelas populaes rurais do Alto

    Jequitinhonha era baseado no sistema de coivara, tambm chamado de roa de

    toco, que repe a fertilidade da terra por meio do pousio florestal16

    . SegundoGalizoni (2007), neste sistema de cultivar a terra a famlia lavradora prepara

    16Sobre pousio florestal consultar Boserup (1987), Dubois (1996).

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    um terreno para roar e realiza o plantio nessa rea por 2 a 3 anos; aps esse

    tempo o terreno posto em descanso para enfaxinar, e a famlia ento preparanova gleba para nova roa, e assim ciclicamente17Galizoni (2007:31),

    O conhecimento sobre as terras e o sistema agrcola praticada pelos

    lavradores do Jequitinhonha ressaltado como uma arte por Ribeiro (1996):

    A combinao de todo este conhecimento de meio ambiente umatcnica, ajustada terra e planta de formar um produto cultural: a roade toco. Examinando com cuidado e respeito que merece, pode-se verque ela no uma ignorncia; conhecimento, uma pesquisa, umasabedoria: uma arte. As tcnicas de roa criadas pelos lavradores fazemparte do seu notvel patrimnio cultural, ao lado do artesanato,folclore, histrias. So produtos mais nobres dessas grotas doJequitinhonha(Ribeiro, 1996: 31).

    Portanto, alm do aspecto produtivo, as chapadase grotasso elementos

    culturais na vida dos agricultores do Alto Jequitinhonha. Sua importncia

    enquanto fator produtivo que tudo aquilo que no se produz na grota, a

    chapadaoferece, e vice versa. E a relevncia cultural que o conhecimento e a

    ocupao desses ambientes se transformam numa arte de lidar com a natureza,

    construindo especificidades entre esta populao e o ambiente.

    Porm, a partir da dcada de 1970, com os projetos de reflorestamento

    em larga escala na regio, ocorreu um processo de tomada das terras de

    chapadas das comunidades rurais. Esses projetos apresentaram resultados

    econmicos insignificantes do ponto vista de gerao de emprego e renda para

    populao local (Calixto, 2006).

    A tradicional forma de produo agrcola do Alto Jequitinhonha, baseada

    na roa de toco e no aproveitamento dos diversos ambientes, viu-se em crise.

    17 Os periodos de pousio e uso dos terrenos por lavradores podem variar em funo dadisponibilidade de reas com fertilidade natural e o estado de conservao dessas reas requerendoperodos mais longos ou curtos de pousio (Ribeiro, 1996); Buserup (1987).

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    Primeiro, pela necessidade de reduzir os perodos de pousio; segundo, por ter

    que dividir as poucas terras frteis das grotas com o gado que descia daschapadas, expulso pelos eucaliptais, ocupando reas que antes eram para

    produo de alimentos, e agora para o cultivo de pastagem, ocasionando pisoteio

    e degradao do solo; e terceiro, por perder as chapadas que foram

    historicamente utilizadas como reas de coleta extrativista (Ribeiro, 1996;

    Calixto 2006; Galizoni, 2007).

    Alm disso, o aumento e a presso populacional nas reas de grota

    exigiam sistemas de cultivos mais intensivos em reas repartidas, e cada vez

    menores. Esse processo, ao longo dos anos, provocou conseqncias produtivassobre a terra agravando a produo de alimentos para abastecimento familiar e

    comrcio.

    Nos terrenos dos agricultores familiares do Alto Jequitinhonha as

    atividades produtivas so minuciosamente pensadas e alocadas na organizao

    produtiva. Galinhas e porcos tm lugar garantido nos quintais das famlias, pois

    so atividades que merecem ateno constante e se atm principalmente aos

    cuidados da mulher e dos filhos, assim como os pomares. Prximo a casa

    tambm est situada a horta caseira que complementa a alimentao dasfamlias, e est sob a responsabilidade da mulher que determina em aumentar ou

    no o nmero de canteiros e a variedade de hortalias conforme a

    disponibilidade de gua no terreno (Noronha, 2003).

    Plantaes de milho e feijo so cultivos de reas mais frteis, terrenos

    planos ou no, mas geralmente localizados prximos s margens dos crregos. A

    mandioca, a cana e o abacaxi so plantados em reas predeterminadas pela sua

    aridez e fertilidade intermediria. Estas so atividades de maior volume de

    produo e trabalho que ocupam maiores reas e demanda mo-de-obra de todaa famlia.

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    O gado, geralmente mais rstico, tambm faz parte das atividades

    agrcolas, como fornecedor de leite, ou comumente encontrado como elementoestratgico de reserva monetria e comercializao nos momentos de

    necessidade da famlia, seja para fazer um tratamento de sade, para fazer uma

    viagem ou para aumentar o patrimnio; enfim, o gado tambm compe o

    repertrio de estratgias de reproduo da agricultura familiar no Alto

    Jequitinhonha (Noronha, 2003).

    As reas de pastagens geralmente localizadas em terras de boa a

    intermediria fertilidade, determina a quantidade de gado possvel de ser criada.

    Alm disso, a escassez de gua por aproximadamente oito meses do ano, demaro a outubro, que representa o perodo de seca, crucial na deciso de ter ou

    no o gado, e qual a quantidade.

    A poca da seca marcada pela moagem da cana-de-acar e pela

    produo de farinha de mandioca. O processamento dos produtos agrcolas,

    como, por exemplo, cana, mandioca e milho, feito em estrutura particular ou

    de uso comunitrio, gerenciada pela prpria comunidade e mantidas com

    recursos advindos de percentagem de produo, retida para consertos na

    estrutura e no maquinrio que processa os produtos.A farta produo de cachaa, rapadura, farinhas, doces, fub de milho e

    outros produtos atribuem jornadas de trabalho e ocupao s populaes do

    meio rural no perodo de entressafra; alm disso, esta produo compe as feiras

    livres municipais abastecendo tanto as famlias urbanas quanto as rurais.

    As feiras livres fazem parte da cultura local do Alto Jequitinhonha,

    realizadas principalmente aos sbados; so pontos de convergncia e

    socializao entre a populao rural e urbana. Alm disso, as feiras livres

    constituem uma importante alternativa de renda para as famlias rurais.Ribeiro et al. (2007), analisando as dimenses das feiras livres no

    Jequitinhonha, percebem que elas tm importe papel na gerao de ocupao

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    para as populaes rurais e respondem em mdia por 70% do abastecimento da

    populao urbana. Tambm influenciam diretamente as vendas no comrciolocal, que em alguns setores chegam a aumentar entre 25% e 30% na

    movimentao financeira, pois as receitas conseguidas pelos feirantes so

    utilizadas na compra de outros produtos no comrcio urbano.

    Esse cenrio de diversidade e fartura que se tem nas grotasdo Alto do

    Jequitinhonha tem estimulado a sociedade e as organizaes locais a pensarem

    em propostas viveis para o meio rural, valorizando o saber tradicional das

    populaes rurais, respeitando a dinmica de uso e manejo dos recursos naturais

    pelos agricultores familiares, conservando a biodiversidade e desenvolvendotecnologias adequadas s condies locais, alm de preservar estilos de vida,

    aliando produo e conservao ambiental.

    4.2 Saber e estratgias da agricultura familiar

    A explorao familiar segundo Lamarche (1993) corresponde a uma

    unidade de produo agrcola onde propriedade e trabalho esto intimamente

    ligados famlia (Lamarche, 1993: 15).

    Ou seja, uma unidade de trabalho na qual a famlia participa naproduo. Chayanov (1974), em sua anlise sobre a organizao da unidade

    domstica de explorao camponesa, atribui a capacidade de trabalho da famlia

    como fator definidor do grau de explorao dos demais fatores de produo:

    terra e capital.

    Algumas peculiaridades sobre a organizao da unidade econmica

    campesina so descritas por Chayanov (1974: 30-32):

    1.

    no h distino entre trabalhador e empresrio, que se combinamnuma s pessoa;

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    2.

    o interesse do campons como trabalhador prevalece sobre seus

    interesses como empresrio, na hora de arrendar ou vender suasterras;

    3.

    apesar de apresentar baixas rendas de produo em relao s

    propriedades privadas e de grande extenso, as unidades

    camponesas absorvem maior quantidade de fora de trabalho e

    reduzem o desemprego sazonal;

    4.

    percebe-se uma relao de quanto menor a rea de terra disponvel,

    maior o volume de atividades artesanais para o comrcio.

    Dois aspectos so considerados por Chayanov (1974) como

    estimuladores para que o campons busque outras atividades fora da agricultura:

    o primeiro trata-se da liberao da fora de trabalho familiar em perodos de

    inatividade no trabalho agrcola, e o segundo so as situaes de mercado mais

    favorveis em termo de remunerao para atividades no agrcolas em

    comparao com atividades agrcolas que levam os camponeses a aproveitarem

    de tal situao.

    As estratgias familiares representam as aes desenvolvidas por cadafamlia para assegurar a reproduo e a explorao de suas unidades de

    produo. Segundo Schultz (1965), alm de terra, trabalho e capital, incluem aos

    fatores de produo o estado de conhecimento ou tcnicas de produo que so

    parte integrante do capital material, da experincia e dos conhecimentos tcnicos

    de uma comunidade.

    Quanto ao saber, Schultz (1965) classifica de trs maneiras diferentes a

    forma como novos conhecimentos e novas habilidades podem ser adquiridos. A

    primeira por meio de tentativa e erro, que um ensinamento consagrado pelotempo e adquirido pela experincia; a segunda forma pelo treinamento no

    trabalho, em que o aprendizado pode acontecer por meio de firmas, entidades

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    pblicas ou pelos prprios agricultores; e o terceiro mtodo de aprendizado a

    instruo,considerada pelo autor como mais eficiente a longo prazo, e acima detudo trata-se de um investimento em capital humano.

    Estratgias de aprendizado, reproduo e organizao interna, por meio

    da combinao das atividades entre membros da unidade familiar, so analisadas

    e descritas por Heredia (1979) da seguinte forma:

    As crianas comeam a trabalhar no roado a partir dos 10 anos. De 6ou 7 anos at os 10 participam de atividades ligadas a casa (...) O pai quem organiza as atividades a serem feitas no roado, enquanto a me

    a encarregada da organizao das tarefas que se relacionam com acasa(Heredia, 1979: 39).

    Segundo Heredia (1979), o terreno est dividido entre casa e roado18. A

    casa inclui o terreiro, e ambos so destinados a atividades especficas das

    mulheres, como lavar loua, cuidar de aves, porcos e cabras, fazer a higiene das

    crianas, plantar algumas frutferas como bananeiras e mamoeiros. A produo

    de farinha atividade dos homens e das mulheres; porm, negociar e vender

    produtos na feira so tarefas do homem.

    O aprendizado constante na trajetria de vida das populaes rurais,

    tendo incio desde que se assumem as primeiras incumbncias no ambiente

    domstico passando-se gradativamente a incorporar atividades de todo o terreno,

    afinando-se com o ambiente natural em que se vive, relacionando-se o mbito

    familiar com o comunitrio, passando a exercer atividades de venda e

    negociao, conhecendo-se, enfim, os recursos naturais de que dispem e

    decidindo sobre os cultivos e criaes.

    18 O termo roado serve para designar o conjunto de cultivos, adotado pelos agricultores comouma estratgia em funo da pequena quantidade de terra disponvel, e que, adaptado s condieslocais, permite realizar vrias colheitas para consumo direto ou venda durante maior perodo doano (Heredia, 1979).

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    Este mundo de observao e prtica refina a sabedoria de populaes que

    vivem no campo e desenvolvem significados ajustados sua realidade, dandocincia s atividades do ciclo rural.

    Trata-se de um sistema de conhecimento que, para Brando (1986), se

    revela num estilo de significao apropriada, que no padro, mas equivale

    relao em torno da produo do saber popular, na filtragem e incorporao de

    conhecimentos que modelam as prticas dos lavradores numa lgica especfica

    que geram sistemas de conduta em dimenses sociais, culturais e polticas

    estabelecendo dinmicas populares de sabedoria e modos de vida peculiares.

    No Alto Jequitinhonha, a classificao popular sobre os tipos de solo fazdos agricultores que vivem ali, grandes conhecedores na definio sobre os

    cultivos que melhor se adaptam a seus terrenos. As plantas nativas so

    excelentes indicadores de fertilidade da terra para os agricultores, alm de serem

    fornecedoras de frutos, lenha, recursos medicinais, madeira para construes

    rurais, e outras funes19.

    Alm do aspecto vegetal, as populaes rurais do Alto Jequitinhonha

    aprenderam a avaliar o estado de conservao das terras antes de decidir sobre o

    uso. Uma terra pelada uma terra cansada, uma terra que no sai mato, umaterra que no tem vegetao, mesmo sendo uma terra de cultura, uma terra

    fraca, onde no convm o plantio.

    Decidir sobre as reas onde se vai plantar cana, milho, mandioca,

    abacaxi exige apurado conhecimento sobre o ambiente em que as famlias rurais

    do Alto Jequitinhonha aprenderam a conviver diante da diversidade em suas

    unidades de produo. Assim, Ribeiro et al. (2005) relatam que para ser

    completo um terreno familiar carece de muitos tipos de terras - alta, baixa,

    quente, fria, dura, mole, mais barrenta ou arenosa, mais brava ou mais mansa -

    19 Sobre classificao e uso de plantas no Alto Jequitinhonha, consultar Calixto (2002), Chiodi(2006), Santos (2006).

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    que so usadas tanto para produzir alimentos diferentes num mesmo ambiente

    quanto para produzir o mesmo alimento em ambientes diferentes (...)Consorciam plantas adaptadas e resistentes, como mandioca e batata-doce no

    subsolo, feijo-de-arranque, abbora e feijo-catador no primeiro andar, milho,

    andu e quiabo no segundo andar(Ribeiro et al., 2005: 87).

    nesse contexto de ambiente e populao que se inserem novos olhares

    sobre o saber local no exerccio da compreenso da lgica cotidiana dos

    agricultores, que se exigem interpretaes cada vez mais cautelosas acerca de

    intervenes no meio rural.

    As migraes tambm fazem parte do cotidiano dos agricultores do AltoJequitinhonha, cujo destino diverso. Alguns migram para a regio noroeste de

    Minas, conhecida por serto, onde se ocupam em atividades carvoeiras. Outros

    tm como destino o sul de Minas para trabalharem nas colheitas de caf. Outros

    migram para Belo Horizonte, e outros at para o litoral do Esprito Santo, para

    trabalharem como vendedores ambulantes. Mas o principal destino desses

    agricultores so para as lavouras de cana-de-acar no Estado de So Paulo,

    onde se ocupam durante os meses de abril a dezembro.

    Segundo Ribeiro (1993), a terra um fator que determina as sadas e apermanncia dos lavradores. Porm, o autor destaca a astcia e o jogo de

    combinaes familiares nas decises de seus membros sobre a migrao:

    Ao final de um perodo, no comeo da idade adulta, a soluo de umasrie de tramas leva o rapaz a uma deciso. As tramas da terra, daherana, do casamento, do assalariamento, da famlia, vo sendoresolvidas pelo tempo e circunstncias. Da vem a deciso: ir para ocorte de cana ou ficar no Jequitinhonha(Ribeiro, 1993: 29).

    Heredia (1979), Woortmann (1990) e Ribeiro (1993) percebem a

    migrao como parte integrante das prticas de reproduo dos agricultores

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    familiares, e analisaram a migrao sazonal20, comum entre alguns membros

    masculinos das famlias rurais, como uma atividade cuidadosamente planejada,pois ocorre geralmente nos perodos de menos trabalho nas lavouras, permitindo

    a sada dos membros sem comprometer as atividades produtivas.

    A migrao definitiva ocorre em funo do atual estado de fragmentao

    em que se encontram os terrenos, no suportando mais serem repartidos. Para os

    filhos que ficam a migrao sazonal cumpre papel importante no processo de

    patrimonializao e permanncia do agricultor familiar, seja para aquisio de

    gado, novos terrenos, equipamentos, construo de casa, unidades de

    beneficiamento e outros (Ribeiro, 1993).Woortmann (1990) atribui migrao o aprendizado dos trabalhadores

    rurais sobre inovaes agrcolas apreendidas que podero ou no ser usadas,

    experimentadas ou adaptadas s suas necessidades quando os trabalhadores

    retornarem s unidades de produo familiar. Refora a tradio da posio

    hierrquica do chefe da famlia ao introduzir a inovao, porque quase sempre

    ele ou foi migrante. Portanto, com relao aos processos tcnicos, o autor

    descreve que a migrao um aprendizado de processos de trabalho

    modernos, incorporados, sempre que possvel, s prticas produtivas dositiante(Woortmann, 1990:51).

    Assim, a experincia da migrao, seja como aprendizado, descobrindo

    novas tcnicas, ou como patrimonializao, buscando novas fontes de recursos

    financeiros, faz parte das histrias dos trabalhadores rurais do Alto

    Jequitinhonha que aproveitam essas oportunidades, a partir de uma srie de

    combinaes, para potencializar e prosperar as atividades em suas unidades de

    explorao familiar.

    20Quanto aos tipos de migraes que ocorrem no Jequitinhonha, elas podem ser sazonais- quandoos agricultores viajam e retornam todos os anos para sua famlia, ou podem ser definitivas quando os trabalhadores mudam para outra regio e deixam de ir e vir todos os anos. ConsultarRibeiro (1993).

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    Alm da agricultura e da migrao, acrescentam-se os negcios ao

    mundo dos agricultores.Os negcios realizados pelos sitiantes mineiros so descritos como

    catirapor Ribeiro & Galizoni (2007), tratando-se da forma de gesto de bens e

    recursos familiares como uma estratgia significativa na sua patrimonializao:

    uma das instituies mais slidas do meio rural mineiro. Trata-se datroca de animais por bens de consumo, produtos agrcolas, dinheiro oupouco de cada e vice-versa (...) em Minas Gerais serve para dispor benssem serventia, trocar o mido pelo remediado e este pelo grado, paraencorpar, aos poucos, os bens que compem o patrimnio familiar (Ribeiro & Galizoni, 2007: 69).

    A catira revelada como uma arte particular, de saberes e habilidades

    especficas nas transaes de compra, venda ou troca de produtos, consolidando

    relaes sociais no meio rural.

    Percebe-se que vrios so os cenrios, alicerces e caminhos que reforam

    a tradicionalidade das aes dos agricultores no ambiente social, econmico e

    natural ao qual esto inseridos e construram estratgias para se estabelecerem.

    Portanto, a compreenso das estratgias e organizao dos grupos sociaisno meio rural exige a ruptura de preconceitos em relao s comunidades. Achar

    que a rusticidade significa atraso, se manter alheio compreenso sobre a

    prtica do agricultor. A aparente simplicidade na prtica agrcola e na vida das

    populaes rurais guarda um conjunto de saberes que devem ser levados em

    conta na proposio de programas de desenvolvimento para o meio rural.

    4.3 Desenvolvimento e agricultura

    A idia de desenvolvimento sempre esteve atrelada ao crescimentoeconmico, ligada difuso do progresso tcnico, medida exclusivamente pelos

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    aumentos de produtividade. Baseado na difuso de novas tcnicas, esse processo

    conhecido como desenvolvimento econmico (Furtado, 1992).Furtado (1992), em sua anlise sobre modernizao, identifica o

    processo de subdesenvolvimento que surge em conseqncia de um

    desequilbrio na assimilao dos avanos tecnolgicos produzidos pelo

    capitalismo industrial a favor das inovaes que incidem diretamente sobre o

    estilo de vida (Furtado, 1992: 08).

    A acumulao no setor produtivo cria excedentes sociais, que vo dar

    incio a processos reivindicatrios de homogeneizao social, que segundo

    Furtado (1992) no se refere a uniformizao dos padres de vida, e sim a quemembros de uma sociedade satisfaam de forma apropriada as necessidades de

    alimentao, vesturio, moradia, acesso educao, ao lazer e a um mnimo de

    bens culturais (Furtado, 1992: 06).

    No Brasil, Rezende (1999) considera o perodo entre as dcadas de 1960

    a 1980 marcado por uma brutal concentrao de renda, com elevao da

    porcentagem destinada populao mais rica do pas, e reduo entre a

    populao mais pobre (Tabela 2).

    TABELA 2 Distribuio percentual da renda entre a PEA*, via massa salarial,

    nas dcadas de 1960, 1970 e 1980, no Brasil.

    PEA 1960 1970 198020% mais pobres 3,9 3,4 2,850% mais pobres 17,4 14,9 12,680% mais pobres 44,8 38,2 33,710% intermedirios 15,6 15,1 15,410% mais ricos 39,6 46,7 50,95% mais ricos 28,3 34,1 37,91% mais ricos 11,9 14,7 16,9

    * Populao economicamente ativaFonte: Rezende (1999: 140).

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    Nesse mesmo perodo a populao brasileira sofreu um empobrecimento

    crescente, aumentando a quantidade de pessoas marginalizadas e miserveis.Trabalhadores atrados para os grandes centros urbanos contriburam para o

    aumento das favelas (Tabela 3).

    TABELA 3 Aumento da populao favelada em algumas capitais brasileiras

    entre as dcadas de 1960 a 1980.

    Capitais Populao Ano Populao AnoPorto Alegre 30 mil 1968 300 mil 1980Rio de Janeiro 240 mil 1965 1,8 milho 1980

    So Paulo 42 mil 1972 Mais de 1 milho 1980Fonte: Rezende (1999: 140)

    Furtado (1992) aponta como alternativas para a superao do

    subdesenvolvimento o acesso terra ou moradia como meios de incluso

    social de populaes rurais e urbanas; a capacitao poltica de grupos sociais

    organizados; investimento na alfabetizao e capacitao profissional;

    autonomia para o desenvolvimento de tecnologias que contemplem tanto

    demandas especficas e gerais dentro de uma sociedade; e a formulao de um

    projeto poltico amparado por ampla base social, e compatvel com a realidade.

    Para Sachs (1994) todo o planejamento de desenvolvimento precisa levar

    em conta, simultaneamente, cinco dimenses de sustentabilidade:

    i) social;

    ii) econmica;

    iii) ecolgica;

    iv) espacial;

    v) cultural.

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    Na agricultura, os impactos sociais provocados pela concentrao de

    terra e renda, e os impactos ambientais provocados pela destruio econtaminao dos recursos naturais tm sido constantemente debatidos.

    A modernizao conduziu a agricultura ao ingresso na industrializao,

    com reconhecidos aumentos de produtividade, porm contribuindo para

    aumentar o dualismo social (Furtado, 1992).

    Este modelo tambm denominado como revoluo verde foi definido por

    Ehlers (1999) como: o processo pelo qual o padro agrcola qumico,

    motomecnico e gentico, gestado pelos EUA e na Europa, foi disseminado

    para vrias partes do planeta(Ehlers, 1999: 16).Sachs (1986) afirma que o campo de aplicao da revoluo verde se

    mostra bastante limitado e com alto custo social e ecolgico, apresentando

    quatro questes inerentes aos limites na adoo tecnolgica baseado na

    revoluo verde:

    1. Inexistncia de condies na maioria dos pases de terceiro mundo,

    pela carncia de facilidades de irrigao e de capital para supri-las, e

    no disponibilidade de fertilizantes do tipo certo e nas quantidadesexatas, e outras;

    2. Gerao de impactos ecolgicos com conseqncias diretas e

    indiretas sobre o meio ambiente e as populaes;

    3. Novas variedades de cereais nem sempre so aceitas por populaes

    por questes de paladar ou qualidade nutricional;

    4.

    Aumento da polarizao social no campo.

    A fragilidade da agricultura tecnificada evidenciada pela ineficinciaenergtica e impactos ambientais, como a eroso e salinizao dos solos,

    contaminao das guas e dos solos por nitratos e agrotxicos, contaminao do

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    homem do campo e dos alimentos, desmatamento, diminuio da biodiversidade

    e dissipao dos recursos naturais no renovveis. Esses fatores tornam osmodelos convencionais de produo agrcola insustentveis (Ehlers, 1999;

    Gliessman, 2001).

    A preocupao com os problemas sociais e ambientais globais, no incio

    da dcada de 1980, fez emergir a agroecologia, influenciada por sistemas

    tradicionais de cultivo, de pases em desenvolvimento, que comearam a ser

    reconhecidos por muitos pesquisadores como exemplos importantes de manejo

    de agroecossistemas (Gliessman, 2001).

    Esta proposta denominada agroecologia surgiu com enfoque analticomais complexo numa juno entre produo rural, conservao ambiental e

    relaes sociais. No se limita s questes reducionistas, tomando-se os

    agroecossistemas como referencia de anlise.

    Caporal & Costabeber (2004) definem agroecolgia da seguinte forma:

    A Agroecologia entendida como um enfoque cientfico destinado aapoiar a transio dos atuais modelos de desenvolvimento rural e deagricultura convencionais para estilos de desenvolvimento e de

    agricultura sustentveis(Caporal & Costabeber, 2004: 95).

    Segundo Hecht (1989) e Norgaard (1989), citados por Dayrell (2000), os

    agroecossistemas:

    refletem estratgias produtivas de um determinado produtor, de umacomunidade ou de uma sociedade que vai alm de relaes biticas eabiticas, mas que abrange a organizao social, sistemas de valores,conhecimentos e tecnologias(Dayrell, 2000:210).

    Nessa trajetria sobre modelos de desenvolvimento com relevncia aos

    contextos locais, Sachs (1994) apresenta que:

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    a promoo do meio de vida sustentvel deve se tornar parte da linhamestra da estratgia de desenvolvimento e no pode ter sucesso sem aparticipao dos grupos e das comunidades locais(Sachs, 1994: 39).

    Assim, a valorizao do saber e da participao local ganham fora

    diante do desafio de construir novas relaes entre populao e ambiente, numa

    sociedade que reconhece os limites ambientais e sociais do modelo produtivista

    de desenvolvimento, necessitando que as inovaes tcnicas se ajustem s

    caractersticas peculiares dos agroecossistemas como os tipos de solo, regime

    hdrico, fauna, flora, forma de acesso aos mercados, hbitos alimentares e

    outros, a fim de construir novas possibilidades de produo.Neste contexto surgem os sistemas agroflorestais como experincia

    agroecolgica de base coletiva, de valorizao do saber tradicional e otimizao

    das dinmicas locais de desenvolvimento, pautados por uma abordagem

    holstica.

    4.4 Os sistemas agroflorestais (SAFs)

    Os SAFs comumente referidos como combinao de cultivos entre

    rvores e culturas agrcolas, e s vezes consorciados com a criao de animais,guardam importantes relaes sociais s populaes que os praticam.

    Dubois (1996) define que os SAFs so formas de uso e manejo da

    terra, nas quais rvores ou arbusto so utilizados em associao com cultivos

    agrcolas e/ou com animais, numa mesma rea, de maneira simultnea ou numa

    seqncia temporal(Dubois, 1996: 03).

    Com relao funcionalidade e estruturao dos SAFs, Macedo (2000)

    e Dubois (1996) fazem a classificao de trs formas:

    Silvi-agrcola ou agrossilvicultura: aqueles que combinam rvores

    com espcies agrcolas;

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    Silvipastoril: aqueles que combinam rvores com pastos e/ou

    animais; Agrossilvipastoril: aqueles que combinam o consrcio de animais

    com o manejo silviagrcola.

    Do ponto de vista dos propsitos, se comerciais ou de auto-consumo, os

    SAFs podem ser denominados comerciais ou tradicionais, conforme Smith et al.

    (1998), citado por Santos et al. (2004: 252):

    Comerciais: apresentam baixa diversidade especfica e gentica,

    menor uso de regenerao, grande nmero de espcies para fins de

    comercializao e maior uso de insumos e fora de trabalho;

    Tradicionais: possuem alta diversidade especfica e gentica e maior

    uso de regenerao natural, grande nmero de espcies para auto-

    consumo e menor nmero de insumos e fora de trabalho.

    Os Sistemas agroflorestais podem apresentar uma srie de vantagens

    para os lavradores que os praticam, assim como desvantagens (Dubois, 1996).

    As vantagens so:

    os custos de implantao e manuteno dos SAFs podem ser

    mantidos entre limites aceitveis para o pequeno produtor,

    principalmente em SAFs com menor demanda de mo-de-obra;

    podem contribuir para aumentar a renda familiar;

    podem contribuir para melhoria da alimentao;

    melhoram a capacidade produtiva da terra;

    oferecem menor nvel de risco que as lavouras convencionais;

    proporcionam melhor distribuio do trabalho ao longo do ano;

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    propiciam recuperao de reas degradadas ou em incio de

    degradao; garantem a proteo ao meio ambiente.

    Apresentam tambm algumas desvantagens:

    os conhecimentos sobre o assunto ainda so limitados;

    um sistema mais complexo que a lavoura convencional;

    o custo de implantao pode ser elevado, se, por exemplo, a

    aquisio de mudas for em viveiros comerciais;

    o componente florestal pode reduzir o rendimento dos cultivos

    agrcolas;

    a mecanizao difcil;

    muitos produtos gerados pelos SAFs ainda tm mercados limitados.

    O amadurecimento do debate a cerca da agroecologia incorpora aos

    SAFs fatores relevantes para a construo de sistemas agrcolas que vo alm

    das questes produtivas.

    Segundo Tavares et al. (2003), os SAFs tm potencial para a recuperao

    de reas degradadas por inclurem rvores no sistema de produo agropecuria

    e por utilizarem recursos existentes no prprio local e prticas de manejo que

    aperfeioam a produo combinada.

    Peneireiro (1999) tambm enfatiza a utilidade dos SAFs para

    conservao ambiental, associada recuperao de reas degradadas, melhoria

    da fertilidade e estrutura do solo, e manuteno da biodiversidade.

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    Em seu estudo numa rea conduzida pelo manejo agroflorestal por

    Ernest Gotsch21, Peneireiro (1999) revela que a agricultura agroflorestalpossibilitou os seguintes benefcios na conservao dos solos:

    i) aumento do teor de nutrientes disponveis;

    ii) contribuio para uma ciclagem mais eficiente de nutrientes;

    iii)

    eficiente na recuperao de solos degradados;

    iv)

    elevao do nvel dos nutrientes na serrapilheira e nas camadas

    superficiais do solo, principalmente, fsforo.

    Os SAFs tambm esto associados segurana alimentar das famlias

    rurais medida que proporcionam produo diversificada de alimentos; respeito

    aos hbitos alimentares regionais; produo de alimentos em vrias pocas do

    ano, reduzindo efeitos da sazonalidade alimentar; produo alimentar associada

    conservao da natureza e gerao de renda.

    Essa associao feita por Dubois (1996) quando retrata os quintais

    agroflorestais:

    uma rea de produo localizada perto da casa, onde cultivadauma mistura de espcies agrcolas e florestais, envolvendo, tambm, acriao de pequenos animais domsticos ou animais domesticados(...)Os quintais agroflorestais permitem que as populaes locais obtenhamuma complementao importante de alimentos e outros recursos parasua subsistncia. Com freqncia, o quintal permite aumentar a rendafamiliar(Dubois, 1996: 53).

    21Ernst Gtsch agricultor e pesquisador, nasceu na Sua e iniciou seu trabalho noBrasil em 1982. Reside no municpio de Pira do Norte, no Sul da Bahia, ondedesenvolve, desde 1984, uma experincia pioneira em agroflorestao. Prestaassessoria a organizaes no governamentais, universidades e rgos de assistnciatcnica rural em quase todas as regies do Brasil. (Gtsch, 1997).

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    Ospina (2006) aborda, em sua concepo sobre SAFs, o saber advindo

    da cultura milenar das populaes tropicais que agrega elementos da tradio edo fortalecimento da identidade cultural:

    uma tradio e inovao produtiva e de conservao da natureza,desenvolvida fundamentalmente por culturas agroflorestais em terrastropicais(...) para obter produo diversificada, livre de agroqumicos ecom predomnio e desenvolvimento de saberes tradicionais einovadores, fortalecimento da identidade cultural, interao depaisagem, aproveitamento racional dos recursos naturais, privilegio detrabalho humano, uso de tecnologias de baixo impacto ambiental e comrelaes sociais e econmicas de bem estar, equidade e justia(Ospina, 2006: 194).

    Na mesma linha, somado aos aspectos produtivos e ambientais, Altieri

    (1989) reala a importncia do saber local no manejo dos SAFs, pois o

    conhecimento etnobotnico conduz a interaes que podem aperfeioar os

    sistemas:

    As policulturas e os modelos agroflorestais no so desenvolvidos aoacaso: pelo contrrio, so baseados em profunda compreenso dasinteraes agrcolas, guiados por um complexo sistema de classificaoetnobotnica. Estes sistemas de classificao permitiram aoscamponeses associar cada unidade topogrfica a uma determinadaprtica produtiva, obtendo, assim, uma diversidade de produtosagrcolas atravs de estratgias de mltiplos usos. (Altieri, 1989: 105).

    As caractersticas de flexibilidade e adaptabilidade dos SAFs aos

    manejos tradicionais da terra conseguem ajustar-se com bastante facilidade aos

    sistemas de produo de diversos lavradores, alm de agregar valores culturais.

    O reconhecimento das peculiaridades locais tende

    interdisciplinaridade, em que processos de trocas de saberes entre lavradores e

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    tcnicos so importantes para a viabilidade de aes, conforme analisa Sabourin

    (2001):

    Para a ao de desenvolvimento e o manejo da inovaoagropecuria, a identificao do sistema local de conhecimentorepresenta um passo prvio a uma experimentao dialogada ounegociada entre agricultores, tcnicos e tomadores de deciso. Taldilogo s pode ser construdo a partir de uma representao comum,base dos processos de aprendizagem coletiva (Sabourin, 2001: 54).

    No Alto Jequitinhonha, a inovao agrcola por meio dos SAFs

    desenvolveu-se pela legitimao das pessoas nativas, num processo de adoo eajuste disposio ambiental e cultural, fortalecendo o leque de propostas para

    formulao de polticas agrcolas menos excludentes.

    A anlise sobre os SAFs assessorados pelo CAV, no Alto Jequitinhonha,

    busca dimensionar tal experincia como resultado de ao conjunta de

    agricultores familiares que optaram pela coletividade como estratgia de atuao

    e pela biodiversidade como estilo de agricultura.

    Em seguida so apresentados resultados sobre a organizao familiar em

    torno dos SAFs, e os efeitos ambientais nas reas submetidas a esse tipo demanejo, comparando-o com outros sistemas de cultivo e ambientes comuns na

    regio.

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    5 RESULTADOS

    5.1 Os monitores, o manejo e a produo nos SAFs

    5.1.1 Os monitores

    O programa de Difuso de SAFs do CAV possui duas esferas de

    atuao: uma o SAFs praticado em seu Centro de Formao e Experimentao,

    que considerada um laboratrio para testar as intervenes e os consrcios

    agroflorestais, funcionando como uma unidade central de observaes para os

    agricultores que pretendem manejar suas unidades de produo sob os princpios

    agroflorestais. Para aqueles que j desenvolvem o SAF em seu terreno, a reaexperimental do CAV tornou-se um local de aprimoramento e troca de

    experincia entre os que freqentam.

    A outra e