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Trabalho apresentado no V Seminário da Pós Graduação em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdade e Desenvolvimento - realizado entre os dias 02, 03 e 04 de dezembro de 2015, em Cachoeira, BA, Brasil. 1 AS PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR DO MUNICÍPIO DE ITORORÓ - BA GT 4 AGRICULTURA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO RURAL Lília Rezende dos Santos Mestranda em Educação Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB Professora efetiva do CETEP Médio Sudoeste da Bahia E-mail: [email protected] José Jackson Reis dos Santos Doutor em Educação Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB Departamento de Filosofia e Ciências Humanas - DFCH E-mail: [email protected] RESUMO O presente resumo insere-se num contexto pela busca do fortalecimento da agricultura familiar do município de Itororó-BA, a partir do relato de algumas práticas desenvolvidas pelos alunos do curso Técnico em Agroecologia do Centro Territorial de Educação Profissional do Médio Sudoeste da Bahia. Dentre estas práticas, destacam-se a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), tendo em vista que estes serviços contribuem para incrementar o nível de informações e melhorar as habilidades do agricultor familiar, orientando-os na tomada de decisões mais sustentáveis e a superarem algumas dificuldades vivenciadas no âmbito de suas unidades de produção. Historicamente, a agricultura familiar foi considerada um setor marginalizado, não sendo alvo de políticas públicas, que priorizavam apenas os latifundiários e as extensivas monoculturas, em detrimento do pequeno agricultor e sua propriedade agrícola. Deste modo, são inúmeros os desafios enfrentados pelos agricultores locais, dentre eles a falta de acompanhamento de um profissional técnico que possa auxiliar o homem do campo a enfrentar as adversidades vivenciadas cotidianamente.

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Page 1: AS PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS E SUAS ...agricultura familiar no Brasil, e especificamente, na Bahia. Posteriormente, realizamos visitas técnicas em dez propriedades rurais que se enquadram

Trabalho apresentado no V Seminário da Pós Graduação em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdade e

Desenvolvimento - realizado entre os dias 02, 03 e 04 de dezembro de 2015, em Cachoeira, BA, Brasil.

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AS PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O

FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR DO MUNICÍPIO DE

ITORORÓ - BA

GT 4 – AGRICULTURA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO RURAL

Lília Rezende dos Santos

Mestranda em Educação

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

Professora efetiva do CETEP Médio Sudoeste da Bahia

E-mail: [email protected]

José Jackson Reis dos Santos

Doutor em Educação

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

Departamento de Filosofia e Ciências Humanas - DFCH

E-mail: [email protected]

RESUMO

O presente resumo insere-se num contexto pela busca do fortalecimento da agricultura

familiar do município de Itororó-BA, a partir do relato de algumas práticas

desenvolvidas pelos alunos do curso Técnico em Agroecologia do Centro Territorial de

Educação Profissional do Médio Sudoeste da Bahia. Dentre estas práticas, destacam-se

a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), tendo em vista que estes serviços

contribuem para incrementar o nível de informações e melhorar as habilidades do

agricultor familiar, orientando-os na tomada de decisões mais sustentáveis e a

superarem algumas dificuldades vivenciadas no âmbito de suas unidades de produção.

Historicamente, a agricultura familiar foi considerada um setor marginalizado, não

sendo alvo de políticas públicas, que priorizavam apenas os latifundiários e as

extensivas monoculturas, em detrimento do pequeno agricultor e sua propriedade

agrícola. Deste modo, são inúmeros os desafios enfrentados pelos agricultores locais,

dentre eles a falta de acompanhamento de um profissional técnico que possa auxiliar o

homem do campo a enfrentar as adversidades vivenciadas cotidianamente.

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Com fins de reverter este cenário e percebendo a realidade local, sentimos a

necessidade de disponibilizarmos estes serviços aos agricultores familiares locais, como

também desenvolver práticas que contribuíssem para articulação entre os saberes teóricos e os

saberes práticos. Nesse contexto, a presente pesquisa justifica-se pela importância dos

serviços de ATER, com fins de contribuir para o fortalecimento da agricultura familiar, uma

vez que 100% das propriedades agrícolas pesquisadas não dispõem de acompanhamento de

um profissional técnico. Sendo assim, o objetivo central deste trabalho é fornecer os serviços

de assistência técnica e extensão rural aos agricultores familiares do município de Itororó-BA,

a partir da utilização das práticas agroecológicas desenvolvidas pelos alunos do curso Técnico

em Agroecologia do CETEP do Médio Sudoeste da Bahia. Com relação ao percurso teórico-

metodológico, a pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa e enquadra-se como uma

pesquisa-ação, partindo do pressuposto que se almeja resolver uma problemática existente, a

partir de uma intervenção na realidade. A primeira etapa consistiu no levantamento

bibliográfico de literaturas correspondentes ao tema, com fins de conhecermos o panorama da

agricultura familiar no Brasil, e especificamente, na Bahia. Posteriormente, realizamos visitas

técnicas em dez propriedades rurais que se enquadram com agricultura familiar, com fins de

nos aproximarmos destes agricultores e conhecermos os principais problemas vivenciados.

Devido à impossibilidade de desenvolvermos os serviços de ATER em todas as propriedades

visitadas, optamos em aplicá-los em apenas três propriedades, tendo como critérios a adesão

do agricultor em relação às propostas apresentadas, assim como maior facilidade de acesso.

As próximas etapas consistiram em levantamento das principais pragas e doenças que

atacavam as plantações, assim como a realização de palestras e oficinas junto aos agricultores

familiares, no sentido de contribuir para o fortalecimento da agricultura familiar, a partir da

aplicação de práticas agroecológicas. Os resultados da pesquisa permitem afirmar que as

orientações técnicas e os serviços de extensão rural prestados contribuíram para fortalecer a

agricultura familiar local, disponibilizando alternativas que contribuíram para maximizar a

produtividade deste setor, e consequentemente, melhorar a qualidade de vida de todos os

envolvidos nesse segmento.

Palavras-chave: Agricultura Familiar; Assistência Técnica; Extensão Rural.

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1. INTRODUÇÃO

Historicamente, a agricultura familiar no Brasil é um setor marginalizado, sendo

considerado mais como um encargo e não como uma atividade essencial para o

desenvolvimento rural brasileiro. Imerso nesse cenário excludente, este ramo do setor agrícola

assumiu uma posição secundária, uma vez que as políticas públicas criadas priorizam apenas

as grandes propriedades - os latifúndios - e sua prática extensiva - a monocultura. Apesar da

referida prioridade, a chamada agricultura familiar sempre fora constituída por pequenos e

médios produtores.

Ao referir-se à importância da agricultura familiar no contexto brasileiro, Portugal

(2002, p. 2) destaca que “são cerca de 4,5 milhões de estabelecimentos, dos quais 50% no

Nordeste. O segmento detêm 20% das terras e responde por 30% da produção global”. Nessa

perspectiva, evidenciamos a importância da prática da agricultura familiar enquanto uma

atividade geradora de renda, contribuindo assim, para o desenvolvimento econômico do

Brasil, especificamente para a região Nordeste, onde estão localizados a metade das

propriedades agrícolas familiares do Brasil.

Nessa conjuntura, observa-se que a história da agricultura familiar no Brasil foi

marcada pelo descaso e pela precariedade, características que ficam evidentes nas palavras de

Brumer et al (1993, p.180) apud Lamarche (1993, p. 90), quando nos afirmam que “a

agricultura de base familiar nasceu no Brasil sob o signo da precariedade, precariedade

jurídica, econômica e social do controle dos meios de trabalho e de produção e,

especialmente, da terra”.

Paralela a essa situação de precariedade, havia também um desprezo pela imagem do

homem do campo, especificamente do pequeno agricultor, figura que estava sempre associada

à condição de miséria e um ser incapaz de promover o desenvolvimento de sua propriedade

agrícola. Esta peculiaridade é evidenciada nas palavras de Netto (1999, p. 03), quando nos

afirma que “[...] o agricultor familiar, era simbolizado pelo Jeca Tatu, doente, subnutrido,

cheio de vermes e, o mais grave, pouco inteligente e incapaz de tomar decisões eficazes no

gerenciamento do seu negócio” (grifo nosso).

Considerando as concepções do autor supracitado, percebe-se que a agricultura

familiar no Brasil era erroneamente associada à ideia de retrocesso, de atraso e o homem do

campo, enquanto personagem central deste segmento, um ser discriminado e despreparado

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para enfrentar as adversidades do cotidiano. Ainda de acordo com Netto (1999, p. 05), “os

próprios instrumentos do Estado, a exemplo da assistência técnica e extensão rural, da

pesquisa e do crédito, eliminavam o agricultor familiar de suas agendas”. Diante desse

contexto, a agricultura caracteriza-se por certa fragilidade, especificamente quando

comparada com outras atividades econômicas. A baixa rotatividade de capital e os altos riscos

eminentes de sua prática são fatores que contribuem para tornar a agricultura um setor

vulnerável. Assim, diante dessas incertezas e dificuldades, reafirma-se a necessidade do

desenvolvimento de políticas públicas que possam capitalizar o homem do campo.

Parafraseado com Netto, os autores Lima et al. (s.d.) destacam a importância dos

serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural enquanto instrumentos que possibilitem ao

agricultor familiar a superação de algumas dificuldades vivenciadas no seu dia a dia. O acesso

ao conhecimento de novas técnicas de produção, assim como o acompanhamento de um

profissional técnico contribui para que os agricultores tenham a possibilidade de maximizar

sua produção, a partir da utilização de práticas sustentáveis que possibilitem enfrentar as

adversidades do seu cotidiano.

Entretanto, devemos ter certa cautela ao analisarmos a importância dos serviços de

Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER - para não incorrermos em erros de

generalização, de modo que estes serviços não sejam considerados como os únicos redentores

da agricultura familiar no Brasil. Atribuir o sucesso ou fracasso da Agricultura Familiar

apenas ao ATER é uma atitude muito simplista, uma vez que tais serviços só terão eficiência

na medida em que os agricultores familiares possam dar continuidade e colocar eficazmente

em prática os conhecimentos que foram obtidos com os técnicos especializados.

2. AGROECOLOGIA: UMA INCURSÃO CONCEITUAL

Antes de iniciarmos um debate sobre as contribuições da Agroecologia no âmbito da

agricultura familiar, concordamos em apresentar algumas definições que perpassam por este

termo, pois muitas vezes seu uso tem sido utilizado de forma inapropriada, gerando

interpretações equivocadas e simplistas.

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1 O conceito de agroecossistema aqui utilizado está inspirado na perspectiva adotada por Pimentel (1996), que

define como “sistemas ecológicos alterados, manejados de forma a aumentar a produtividade de um grupo seleto

de produtores e de consumidores. Plantas e animais nativos são retirados e substituídos por poucas espécies. Ver

também Hart (1978,1980).

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De fato, uma das situações que elucidam este reducionismo conceitual decorre do fato

de que, muitas vezes, o termo Agroecologia aparece associado a um tipo de agricultura. Esta

visão acaba limitando a importância deste campo do conhecimento científico, uma vez que

seus princípios e diretrizes são discutidos com a participação agricultores de várias partes do

mundo e especialistas de várias áreas do conhecimento, assim como para Nessa perspectiva,

Caporal et al.(2009, p. 15-16), nos afirmam que:

[...] Tem-se confundido a Agroecologia com um modelo de agricultura, (alguns

propositadamente e de má fé, outros por não haverem aprofundado no entendimento

epistemológico). Também é comum confundir Agroecologia com a simples adoção

de determinadas práticas ou tecnologias agrícolas ambientalmente mais adequadas

ou com uma agricultura que não usa agrotóxicos.

De fato, estas interpretações equivocadas acabam limitando as potencialidades deste

campo de conhecimento científico, assim como suas contribuições para o desenvolvimento

rural sustentável. Frequentemente, a agroecologia é conceituada como disciplina

agroecológica, transdisciplina agroecológica, agricultura sem agrotóxicos ou abordagem

agrícola sustentável. Desse modo, o que percebemos é que a adjetivação do termo

“agroecológico” acaba limitando a epistemologia da palavra, sendo comumente associada a

um produto ou produção agrícola.

Sevilla e Guzman (2004) apud Caporal et. al (2009) apontam que os elementos

centrais da Agroecologia constituem-se em três dimensões: a) ecológica e técnico-

agronômica; b) socioeconômica e cultural; e c) sociopolítica. Ainda segundo os autores, essas

dimensões não ocorrem de forma isolada, mas sim numa relação de simbiose, que se

entrecruzam, influenciando uma à outra. Desse modo, a compreensão dessas dimensões

requer a superação de um enfoque simplista, uma vez que elas são marcadas pela

complexidade e influências mútuas.

Em síntese, o enfoque agroecológico corresponde à utilização de conhecimentos e

princípios de diferentes campos do conhecimento científico, possibilitando compreender as

relações de complexidades que perpassam pelos agrossistemas1.

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Nessa mesma linha, Theodoro (1996, p. 25) recomendam que “ [...] o desafio de

unir processos ecológicos com estruturas sociais e econômicas faz com que a

agroecologia seja uma ciência interdisciplinar”. Nesse propósito, a compreensão dos

princípios agroecológicos requer uma abordagem holística.

Parafraseando com Caporal (2009), Leff (2002, p. 39) nos afirma que:

A agroecologia surge como um conjunto de conhecimentos que incorporam

princípios ecológicos e valores culturais, conhecimentos ecológicos e

antropológicos, econômicos e tecnológicos, que confluem na dinâmica dos

agroecossistemas.

Assim, a Agroecologia consiste em compreender os agroecossistemas a partir da

integração entre os saberes de diversas áreas do conhecimento, possibilitando a

compreensão e análise de forma mais integrada.

3. A AGRICULTURA FAMILIAR NO CENÁRIO BRASILEIRO: Breves

considerações

Segundo Wanderley (1999), entende-se por agricultura familiar aquela

propriedade em que a família ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de

produção, assume o trabalho na unidade de produção. Desse modo, a agricultura

familiar apresenta uma tríade relação entre a terra, o trabalho e a família, onde a

gerência e o trabalho são realizados pelos membros da família e os meios de produção

lhes pertencem.

A agricultura familiar, segundo Abramovay (1997, p.3) é definida como “aquela

em que a gestão, a propriedade e a maior parte do trabalho, vêm de indivíduos que

mantêm entre si laços de sangue ou de casamento”. Essa relação advém do fato que

agricultura familiar não é simplesmente uma forma de produzir no campo, mas sim um

modo de vida, com tradições e características peculiares.

De acordo, com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura (FAO) e o

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a agricultura familiar se

define com base em três características: a gerência da propriedade rural é feita pela

família; os fatores de produção pertencem à família (exceção, às vezes, à terra) e são

passíveis de sucessão em caso de falecimento ou aposentadoria dos gerentes.

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A delimitação conceitual do que é agricultura familiar têm suscitado profundos

debates e discussões, corroboradas nas palavras de Buainain (2006, p. 17-18), quando

nos afirma que:

Nenhum critério ou metodologia é totalmente satisfatório, e nenhum está

livre de certo grau de arbitrariedade. Em geral, o ‘corte original’ — ser ou

não ser agricultor familiar — é feito tomando-se, como variável básica, a

utilização de mão-de-obra familiar. Que proporção de trabalho familiar

caracteriza um agricultor como familiar? A partir de que quantidade de

trabalho contratado o agricultor deixa de ser familiar e passa a ser patronal?

Qual a importância de fatores como herança cultural, tradições, etc.?

Desse modo, é importante reconhecermos as especificidades que caracterizam a

agricultura familiar, o contexto em que ela ocorre, o tamanho da propriedade, os

equipamentos tecnológicos que utilizam, as tradições que procuram ser mantidas, etc.

Esta complexidade é reforçada nas palavras de Buainain (2006, p. 16), quando nos

propõe o seguinte questionamento: Um agricultor familiar do meio-oeste americano

pode ser comparado a um agricultor familiar francês ou brasileiro só porque ambos

utilizam majoritariamente mão-de-obra familiar no processo de produção?

É consenso que agricultura familiar é uma atividade basilar para o

desenvolvimento econômico de um país. Entretanto, muitas propriedades são

tendenciosamente rotuladas como agricultura familiar, apenas para conseguir subsídios

e incentivos junto ao poder público.

A agricultura familiar no Brasil é marcada pelas heterogeneidades, pois temos

desde a prática de uma agricultura precária, realizada em pequenos lotes de terras, com

insuficientes recursos financeiros e técnicos que limitarão a produção em uma maior

escala, até a prática de uma agricultura que utiliza técnicas modernas e sofisticadas,

contribuindo para elevar a produtividade. Dessa forma, precisamos ter cautela ao

utilizarmos a expressão agricultura familiar, para não incorrermos em erros de

generalização, englobando os agricultores familiares numa mesma categoria de análise

somente pelo fato de utilizarem o trabalho familiar.

No Brasil, especificamente, os agricultores familiares são de fato pequenos

agricultores, que não dispõem de conhecimentos técnicos, terras e recursos financeiros

suficientes para garantir a sustentabilidade econômica deste setor. A priori, a prática

desse tipo de agricultura se restringe aos minifúndios, com uma produção insuficiente e

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insustentável do ponto de vista econômico, uma vez que não oportuniza melhoria nas

condições de vida da própria família.

Apesar das limitações e contradições que perpassam a agricultura familiar,

devemos considerá-la como uma atividade extremamente importante no contexto do

território nacional, com exceção da Região Centro-Oeste, voltada para o agronegócio e

em municípios da Região Norte, cobertos pela floresta tropical. De acordo com

Abramovay, (1992), nas regiões Sul e Nordeste, em regra, os estabelecimentos

familiares ultrapassam 80% do total.

Em Itororó (BA), semelhante a outros lugares do Brasil, a agricultura familiar

passa por inúmeras dificuldades: seja por entraves que dificultam o acesso aos

programas de fortalecimento da agricultura familiar, seja pelo desconhecimento do

próprio homem do campo, que muitas vezes nem chega até eles os programas que os

beneficiam. Associada a essa precariedade, é importante destacar que muitos

agricultores familiares acabam também trabalhando em outras ocupações, sobretudo nas

grandes fazendas, uma vez que a renda com suas propriedades não são suficientes nem

mesmo para sustentar sua família.

Como possuem baixa escolaridade ou até mesmo pela falta de opção em outros

setores da economia, estes agricultores, na maioria das vezes, permanecem

desenvolvendo suas atividades em outras propriedades rurais, sobretudo, nos

latifúndios, destinados à agricultura comercial e a pecuária, onde recebem remunerações

precárias, incapazes de permitir avanços sociais e econômicos.

4. PERCURSOS METODOLÓGICOS

Com relação aos percursos metodológicos, a pesquisa enquadra-se como uma

pesquisa-ação, haja vista que se propõe a promover uma intervenção na realidade social.

A pesquisa-ação caracteriza-se por uma associação com uma ação ou com fins de

resolver uma problemática coletiva (GIL 1999, apud SILVA e MENEZES, 2005).

Entretanto, a pesquisa-ação objetiva não apenas identificar os problemas existentes, mas

também desenvolver estratégias que possibilitem enfrentá-los.

Nessa conjuntura, os sujeitos da nossa pesquisa constituem os alunos do 4º ano

do curso Técnico em Agroecologia, assim como os agricultores familiares do município

de Itororó-BA. A escolha por alunos desta série ocorreu de forma intencional, por

considerarmos que já estão em fase de conclusão de curso e já possuem dispõem de

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maior conhecimento das disciplinas técnicas, assim como pelo fato de contribuir para

uma articulação entre os saberes teóricos e os saberes práticos.

A primeira etapa consistiu no levantamento bibliográfico de literaturas

correspondentes ao tema, com fins de conhecermos o panorama da agricultura familiar

no Brasil, e especificamente, na Bahia. Em seguida foram feitas visitas técnicas em dez

propriedades que se enquadram com agricultura familiar, com fins de aproximarmos

destes agricultores e conhecermos os principais problemas vivenciados. Devido à

impossibilidade de desenvolvermos os serviços de ATER em todas as propriedades

visitadas, optamos em aplicá-los em apenas três propriedades, tendo como critérios a

adesão do agricultor em relação às propostas apresentadas, assim como maior facilidade

de acesso. Seguidamente, foi feito o levantamento das principais pragas e doenças que

atacavam as plantações, em que identificamos: lagartas, pulgões, cochonilhas, formigas,

oídio, dentre outras. De posse destas informações, discutimos em sala de aula sobre as

alternativas mais viáveis para garantir a sustentabilidade daquela propriedade. Após

essas discussões, foram realizadas palestras com os agricultores, buscando orientá-los

quanto aos métodos de controle destas pragas e doenças, apresentando como alternativa

agroecológica a produção de caldas, chamadas também de bioinseticidas. Esta etapa

também contribuiu para conscientizarmos os agricultores quanto aos inúmeros impactos

ambientais e causados pelo uso de agrotóxicos, assim como os riscos para a saúde

humana. Seguidamente, foram feitas oficinas para instrui-los sobre o processo de

fabricação das caldas, identificando aquelas que são mais indicadas de acordo com o

tipo de praga ou doença existente. Pretendemos ainda, retirar amostras de solo das

propriedades rurais selecionadas, visando identificar seu nível de acidez (Ph), para

posteriormente, recomendarmos se a prática da calagem é adequada ou não.

5. RESULTADOS PARCIAIS

Durante a primeira visita técnica, conversamos de forma informal com os

agricultores, visando conhecer seus principais problemas com os cultivos agrícolas,

desafios, explicar o objetivo do projeto, etc, (Figura 1). O que podemos observar em

comum entre as três propriedades selecionadas é o fato de que não possuírem o

acompanhamento de um profissional técnico especializado, de modo que possa auxiliar

o pequeno agricultor a enfrentar as adversidades cotidianas. Segundo os agricultores

pesquisados, embora reconheçam a importância dos serviços de um profissional, os

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mesmos não dispõem de recursos financeiros suficientes para contratar este tipo de

profissional. Expressões como: “não temos dinheiro para isso. Isso é para quem tem

fazenda” foram comumente ouvidas nas falas dos agricultores.

Ainda de acordo com os agricultores, a principal dificuldade é combater as

pragas e doenças, embora concordem que se tivessem o acompanhamento de um técnico

profissional esta situação poderia ser enfrentada de forma mais eficaz. Ressalta-se que

os agricultores entrevistados alegaram não possuírem conhecimento de técnicas

sustentáveis ou outros métodos alternativos para combater as pragas e doenças.

Figura 1 – Primeira visita técnica à propriedade do Sr. Júlio. (Abril, 2014)

Nesse sentido, reforçamos a importância e relevância deste trabalho, tanto para

contribuir para o fortalecimento da agricultura local, como também para disponibilizar

aos agricultores conhecimentos e técnicas de preparo de caldas ecológicas, também

chamados de bioinseticidas.

Após a primeira visita, fizemos o levantamento das principais pragas e doenças

que afetam os cultivos, buscando identificar suas principais causas e consequências

(Figura 2). De maneira geral, as propriedades apresentavam algumas pragas e doenças

em comum, tais como: formigas, lagartas, pulgões, cochonilhas e oídio, sendo em maior

quantidade de pulgões, formigas e cochonilhas, sobretudo nas plantações de olerícolas

(couve e alface), além do quiabo.

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De todas as pragas identificadas e citadas pelos agricultores, o pulgão e as

cochonilhas foram consideradas como às que mais prejuízos trazem à lavoura,

repercutindo consequentemente, na diminuição da produção.

Nessa etapa, identificamos que dos três agricultores, apenas um fazia uso de

agrotóxicos para combater as pragas. Os demais, não faziam uso destes tipos de

produtos químicos, por reconhecerem que são nocivos tanto para a saúde, quanto para o

meio ambiente.

Figura 2 – Levantamento das principais pragas e doenças existentes nos cultivos

agrícolas. (Abril, 2014)

Objetivando a aplicação dos conhecimentos agroecológicos, fizemos a

proposição das caldas ecológicas ou também chamados bioinseticidas, conforme pode

ser visualizado na Tabela 1. Optamos em utilizar cinco tipos de caldas, sendo duas feitas

a partir de extratos vegetais, como por exemplo o nim e o fumo, sendo as demais

provenientes de outras fontes (cebola, pimenta e alho). Em relação à eficiência destas

caldas, sabemos que ainda é muito discutível, uma vez que seus resultados ocorrem à

longo prazo e não de forma imediata, como os agrotóxicos. Entretanto, embora não

tenhamos feito neste trabalho uma avaliação entre o número de aplicações das caldas

com a incidência das pragas e doenças, os agricultores entrevistados declararam

observarem uma menor redução das mesmas em suas lavouras, de modo que

permanecem aplicando as práticas agroecológicas em suas propriedades agrícolas

(Figura 3).

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Nome popular Nome científico Parte empregada Principal

recomendação

Alho Allium sativum Bulbos Pulgões e lagartas

Cebola Allium cepa Bulbos Pulgões e lagartas

Nim Azadirachta indica Planta Todas as pragas

identificadas

Pimenta Capsicum sp. Fruto Pulgões e formigas

Fumo Nicotianina tabacum Folhas Cochonilhas

Tabela 1 – Relação entre as caldas ecológicas e suas principais recomendações.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Figura 3 - Propriedade do Sr. Nelson após as recomendações agroecológicas. (Abril,

2014)

Após o preparo das caldas, iniciamos o período da aplicação, ocorrendo

imediatamente após seu preparo. Visando uma maior absorção das caldas nas

plantações, a recomendação é que elas sejam aplicadas durante o período de ausência de

chuvas.

Devido ao fato de constatarmos a grande incidência de pragas e doenças nos

cultivos, recomendamos aos agricultores que a aplicação das caldas fosse feita

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diariamente, com fins de fazer o tratamento. Conforme íamos identificando a redução

destas pragas, passamos a recomendar sua aplicação quinzenalmente, com fins de

fazermos a prevenção.

Os resultados e conclusões da pesquisa permitem afirmar que as orientações

técnicas e os serviços de extensão rural prestados contribuíram para fortalecer a

agricultura familiar local, disponibilizando alternativas que contribuíram para

maximizar a produtividade deste setor, e consequentemente, melhorar a qualidade de

vida de vida de todos os envolvidos nesse segmento. Este trabalho representa, assim,

um convite para aprofundarmos o debate sobre a importância dos serviços de ATER,

enquanto subsídios para o desenvolvimento da agricultura familiar de Itororó-BA.

Como este projeto ainda está em andamento, seus resultados constituem-se de

forma parcial, tendo em vista que pretendemos ampliá-lo para um número maior de

agricultores familiares. Nesse sentido, intencionamos disponibilizar alternativas que

contribuam para maximizar a agricultura familiar local, e, consequentemente, contribuir

para melhorar a qualidade de vida de todos os envolvidos neste segmento.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização deste projeto foi extremamente relevante, na medida em que

contribuiu não somente para fortalecer o desenvolvimento da agricultura familiar no

município de Itororó-Bahia, como também contribuiu para ressignificar o papel e a

importância do curso Técnico em Agroecologia, na medida proporcionou a interação

entre os saberes teóricos e os saberes práticas. Em outras palavras, a interação efetiva

entre escola e comunidade.

É importante destacar que as caldas ecológicas não combatem diretamente as

pragas e doenças, entretanto, contribuem para afugentar estes elementos que impedem o

desenvolvimento de muitas culturas agrícolas. Reconhecemos que as recomendações

agroecológicas propostas são muito relevantes, entretanto, percebemos a necessidade de

realização de mais estudos que enfoquem estes princípios, visando contribuir assim,

para o fortalecimento da agricultura familiar. Sabemos que os desafios são inúmeros,

mas compartilhamos que são a partir de ações locais que poderemos superar muitos

entraves existentes neste setor.

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REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, R. De volta para o futuro: mudanças recentes na agricultura familiar.

In: Seminário Nacional do Programa de Pesquisa em Agricultura Familiar da

EMBRAPA . Anais... Petrolina, PE, 1997.

ALTIERI, M. A. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. 2. ed.

Rio de Janeiro: PTA- FASE, 1989.

______. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável.

2. ed. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000.

BUAINAIN, A. M. Agricultura Familiar, Agroecologia e Desenvolvimento

Sustentável: questões para debate. Brasília: IICC, 2006. Disponível em:

http://www.iicabr.iica.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Serie-DRS-vol-5-

Agricultura-familiar-agroecologica-e-desenvol-sustentavel.pdf. Acesso em: 02 set.

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