dissertacao una pedro h o figueiredo marco de 20112

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL Pedro Henrique de Oliveira Figueiredo O trabalho de campo na Geografia Escolar como estratégia para a percepção da dimensão socioespacial do real. Belo Horizonte Março 2011

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O trabalho de campo na Geografia Escolar como estratégia para a percepção da dimensão socioespacial do real

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  • CENTRO UNIVERSITRIO UNA

    DIRETORIA DE EDUCAO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSO

    MESTRADO EM GESTO SOCIAL,

    EDUCAO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

    Pedro Henrique de Oliveira Figueiredo

    O trabalho de campo na Geografia Escolar como estratgia

    para a percepo da dimenso socioespacial do real.

    Belo Horizonte

    Maro 2011

  • Pedro Henrique de Oliveira Figueiredo

    O trabalho de campo na Geografia Escolar como estratgia

    para a percepo da dimenso socioespacial do real.

    Belo Horizonte

    Maro de 2011

    Dissertao e proposta de interveno apresentadas

    ao Mestrado em Gesto Social, Educao e Desenvolvimento Local do Centro Universitrio UNA, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre

    rea de concentrao: Inovaes Sociais Educao e

    Desenvolvimento Local

    Linha de pesquisa: Processos Educacionais: Tecnologias Sociais e Gesto do Desenvolvimento Local

    Orientadora: Prof

    a. Dr

    a. Rosalina Batista Braga

  • Ficha catalogrfica desenvolvida pela Biblioteca UNA campus Guajajaras

    F476t Figueiredo, Pedro Henrique de Oliveira

    O trabalho de campo na geografia escolar como estratgia para a

    percepo da dimenso socioespacial do real / Pedro Henrique de Oliveira

    Figueiredo. 2011.

    108f.: il.

    Orientador: Profa. Dr

    a. Rosalina Batista Braga.

    Dissertao (Mestrado) - Centro Universitrio UNA 2011. Programa de

    Mestrado em Gesto Social, Educao e Desenvolvimento Local.

    Bibliografia f. 90 93.

    1. Geografia estudo e ensino Trabalho cientfico de campo. I. Braga,

    Rosalina Batista . II. Centro Universitrio UNA. III. Ttulo.

    CDU: 658.114.8

  • CENTRO UNIVERSITRIO UNA

    DIRETORIA DE EDUCAO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSO

    MESTRADO EM GESTO SOCIAL, EDUCAO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

    Dissertao intitulada O trabalho de campo na Geografia Escolar como estratgia

    para a percepo da dimenso socioespacial do real, de autoria do mestrando

    Pedro Henrique de Oliveira Figueiredo, aprovada pela banca examinadora,

    constituda pelos seguintes professores:

    _____________________________________________________

    Prof. Dra. Rosalina Batista Braga (Orientadora) UNA

    ____________________________________________________

    Prof. Dra. Valeria de Oliveira Roque Asceno UFMG

    __________________________________________________

    Prof. Dra. urea Regina Guimares Thomazi UNA

    ______________________________________________________

    Prof. Dra. Luclia Regina de Souza Machado

    Coordenadora do Mestrado em Gesto

    Social, Educao e Desenvolvimento Local

    Belo Horizonte, 16 de maro de 2011

  • A solido da escrita foi uma conquista.

    Por isso, reconheo o carinho de duas pessoas em

    especial: minha orientadora Rosalina

    pela persistncia e competncia

    e minha esposa Caroline

    pela pacincia e compreenso.

    Agradeo sempre a presena dos meus pais

    e de todos que de certa forma

    contriburam para a realizao desta pesquisa.

  • RESUMO

    A ampliao da leitura de mundo dos alunos um dos objetivos propostos para a educao bsica. A

    Geografia Escolar busca desenvolver essa leitura, promovendo uma ressignificao da dimenso

    socioespacial do real. Partiu-se da hiptese de que uma das formas para se atingir essa leitura seria

    por meio de uma apropriao adequada do trabalho de campo escolar. Esta pesquisa se props

    investigar a potencialidade dessa estratgia pedaggica para a construo de percepes da

    dimenso socioespacial da realidade dentro do universo da educao geogrfica. Para isso, foi

    desenvolvido um projeto de trabalho de campo em um assentamento de sem terra onde,

    hipoteticamente, o grupo de assentados havia desenvolvido Tecnologias Sociais. Trabalhou-se com a

    hiptese de que o contato com essas Tecnologias Sociais de produo e apropriao do espao e

    com o cotidiano do assentamento fomentaria novas leituras de mundo. Foram identificadas algumas

    mudanas nas percepes dos alunos sobre a dimenso socioespacial dos processos de produo e

    apropriao do espao geogrfico. A metodologia da pesquisa foi, essencialmente, qualitativa e a

    coleta de dados foi organizada em trs perodos: uma parte antes do trabalho de campo, para

    identificar as percepes iniciais dos alunos; outra durante a execuo do trabalho de campo, aps

    uma preparao metodolgica e terico-conceitual dos alunos e por fim uma aps a realizao do

    trabalho de campo, para o processo de sistematizao da atividade, quando foram identificadas

    algumas mudanas ocorridas nas percepes dos alunos.

    PALAVRAS-CHAVE: Educao geogrfica. Trabalho de campo. Geografia escolar. Tecnologia social.

    ABSTRACT

    The expansion of students' reading of reality is one of the goals espoused for elementary and high

    school in Brazil. The Geography taught in those levels tries to develop this approach, promoting a

    redefinition of sociospatial dimension of reality. This research had the hypothesis which working with

    outdoors classes would improve this redefinition. This study intended to investigate the potential this

    strategy to develop new perceptions of the sociospatial dimension of reality. Furthermore, it was

    developed a project in a settlement where, hypothetically, the group of landless had developed Social

    Technologies. This research also worked with the hypothesis that the contact with these Social

    Technologies of production and appropriation of space and with the daily work in the settlement would

    encourage new readings of the world. We identified some changes in students' perceptions about the

    sociospatial processes of production and appropriation of the geographical space. The research

    methodology was essentially qualitative and the data collection was divided into three parts: the

    previous one was to identify the initial perceptions of students; the second one happened during the

    execution of project with a theoretical and methodological preparation of the students and the last one

    was after the project with the process of systematization of the activity, when it was identified some

    changes in the perceptions of students.

    KEYWORDS: Geographic education. Outdoor class. School geography. Social technology.

  • LISTA DE GRFICOS

    1. Depoimentos sobre as habitaes populares entre e depois do trabalho

    de campo ........................................................................................................37

    2. Percepes sobre as condies de vida em aglomerados urbanos e no

    assentamento..................................................................................................43

    3. As percepes sobre a ocupao do espao urbano e do espao rural ........48

    4. A percepo sobre a gerao de renda antes e depois do trabalho de campo

    em reas de agroindstria..............................................................................56

    5. A percepo sobre a gerao de renda antes e depois do trabalho de campo

    em reas com agricultura de subsistncia......................................................58

    6. As percepes sobre a urbanizao do Brasil................................................62

    7. As percepes sobre as atribuies do poder pblico no meio urbano .........66

    8. As percepes sobre a organizao do espao agrrio antes e depois do

    trabalho de campo ..........................................................................................70

    9. As percepes sobre as atribuies do poder pblico no meio rural .............74

    10. Tcnicas e saberes percebidos pelos alunos no assentamento ....................77

    11. As relaes entre os assentados e o poder pblico .......................................78

    12. Elementos percebidos pelos alunos para construo de tcnicas e estratgias

    para o equacionamento dos problemas do cotidiano......................................79

    13. Depoimentos sobre as mudanas de percepo sobre o meio rural ocupados

    por assentados ...............................................................................................80

  • LISTA DE QUADROS

    1. Percepo sobre as habitaes populares.................................................................35

    2. Percepo aps o trabalho de campo sobre as habitaes

    populares....................................................................................................................36

    3. Percepo sobre as moradias de alto luxo.................................................................39

    4. Percepo inicial sobre a condio de vida em reas pobres....................................41

    5. Percepo aps o trabalho de campo sobre a condio de vida em reas

    pobres.........................................................................................................................42

    6. Percepo inicial da ocupao do espao rural e do espao urbano.........................45

    7. Percepo aps o trabalho de campo da ocupao do espao rural e

    do espao urbano........................................................................................................47

    8. Percepo inicial sobre a agricultura de subsistncia................................................50

    9. Percepo inicial sobre as agroindstrias...................................................................51

    10. Percepo inicial sobre a condio de vida no meio rural..........................................52

    11. Percepo inicial sobre a ocupao do meio rural.....................................................54

    12. Percepo aps o trabalho de campo sobre as agroindstrias..................................55

    13. Percepo aps o trabalho de campo sobre a agricultura de

    subsistncia ...............................................................................................................57

    14. Percepo inicial sobre o processo de urbanizao...................................................60

    15. Percepo aps o trabalho de campo sobre a urbanizao brasileira.......................61

    16. Percepo inicial sobre as atribuies do poder pblico no meio urbano..................64

    17. Percepo aps o trabalho de campo sobre as atribuies do poder pblico

    no meio urbano.................................................................................................................65

    18. Percepo sobre a organizao do espao agrrio brasileiro....................................68

    19. Percepo aps o trabalho de campo sobre a organizao do espao

    agrrio brasileiro...............................................................................................................69

    20. Percepo sobre as atribuies do poder pblico no meio rural................................72

    21. Percepo aps o trabalho de campo sobre as atribuies do poder pblico

    no meio rural.....................................................................................................................73

    22. Anlise das percepes dos alunos sobre o mundo agrrio brasileiro antes e depois

    do trabalho de campo.......................................................................................................81

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ....................................................................................................................................8

    2 REVISO DA LITERATURA.............................................................................................................14

    2.1 A Geografia Acadmica e a Escolar e a aproximao da educao geogrfica com a dimenso socioespacial do real.............................................................................................................14 2.2 O Trabalho de campo escolar ........................................................................................................21 2.3 As Tecnologias Sociais e o Ensino de Geografia...........................................................................25

    3 METODOLOGIA E PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS.....................................................27

    4. APRESENTAO E ANLISE DOS DADOS .................................................................................33

    4.1 Sobre as habitaes.......................................................................................................................33 4.2 Sobre as condies de vida num aglomerado urbano e no Assentamento Pastorinha......................................................................................................................40 4.3 Sobre a ocupao do espao rural e do espao urbano................................................................44 4.4 A agricultura de subsistncia e a agroindstria..............................................................................49 4.5 As condies de vida no espao Rural Brasileiro (agricultura de subsistncia e agroindstrias)...................................................................................................................................51 4.6 O processo de ocupao no espao Rural Brasileiro (agricultura de subsistncia e agroindstrias).......................................................................................................................................53 4.7 A gerao de renda no meio rural (a agroindstria e a agricultura de subsistncia.......................54 4.8 Sobre o processo de urbanizao..................................................................................................59 4.9 Sobre as atribuies do poder pblico na organizao do espao urbano ....................................63 4.10 Sobre a organizao do espao agrrio........................................................................................67 4.11 Sobre as atribuies do poder pblico na organizao do espao rural ......................................71

    5. A PERCEPO DOS ALUNOS NO ASSENTAMENTO PASTORINHA E A

    (RE) SIGNIFICAO DA DIMENSO SOCIOESPACIAL DO REAL..................................................75

    5.1 Sobre as negociaes comunitrias e a comercializao dos produtos agrcolas.........................75 5.2 Sobre os saberes e as tcnicas comunitrias.................................................................................76 5.3 Sobre as lideranas comunitrias e poder pblico..........................................................................77 5.4 Sobre as estratgias de desenvolvimento da comunidade.............................................................78

    6. AS MUDANAS NAS PERCEPES DOS ALUNOS SOBRE O

    ASSENTAMENTO PASTORINHA .......................................................................................................80

    7. CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................................83

    8. PROPOSTA DE INTERVENO ...................................................................................................87

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................................................90

    10. APNDICES ...................................................................................................................................94

    10.1 - Roteiro para o diagnstico antes do trabalho de campo.............................................................94 10.2 - Roteiro para a instrumentalizao...............................................................................................96 10.3 - Roteiro para as entrevistas com os assentados.......................................... .............................101 10.4 - Roteiro para o diagnstico depois do trabalho de campo.........................................................105

  • 1. Introduo

    Este trabalho parte da perspectiva de que a educao bsica procura desenvolver

    diversas formas de ampliao da leitura de mundo dos alunos por meio de diferentes

    procedimentos pedaggicos. Frequentemente so desenvolvidas vrias estratgias

    didtico-pedaggicas para a realizao desse objetivo: visitas tcnicas, pesquisas

    em bibliotecas e na Internet, apresentaes cnicas, exposies, mostras culturais e

    atividades em ambientes fora da escola com destaque para o trabalho de campo.

    Esse ltimo, embora seja bastante utilizado, ainda carece de uma maior

    sistematizao, pois em seu planejamento, execuo e na anlise dos resultados,

    ainda possvel verificar muitas insuficincias. Como professor de Geografia, o

    autor dessa pesquisa vem tentando aprimor-lo a cada sada a campo, contudo h

    ainda limitaes a serem superadas para se desenvolver um aprofundamento dessa

    estratgia.

    As discusses sobre o trabalho de campo no so recentes. Em diversas cincias,

    ele tem sido um procedimento muito utilizado para a coleta de dados. Acredita-se

    que o trabalho de campo organizado e sistematizado tenha sido um dos

    procedimentos centrais e fundantes das atividades cientficas do alemo Alexander

    Von Humboldt, no sculo XIX. Grande parte da literatura sobre a construo do

    pensamento geogrfico identifica a publicao da coletnea Cosmos (1848) de

    autoria de Alexander Von Humboldt (1769-1859) como marco inicial da cincia

    geogrfica. Humboldt, como Charles Darwin (1809-82), realizou longas viagens,

    percorrendo grandes pores das reas continentais e insulares, coletando dados

    empricos que, posteriormente, sustentaram suas formulaes cientficas.

    A cincia geogrfica, assim como as demais disciplinas cientficas, convive e se

    apropria das diversas alternativas metodolgicas disponveis para a produo do

    conhecimento. A Geografia, como a maior parte das disciplinas ligadas s cincias

    sociais e humanas, insere-se, historicamente, na produo do conhecimento

    sistemtico a partir do final da primeira metade do sculo XIX. As escolhas

    8

  • metodolgicas na produo do conhecimento geogrfico deram origem s diversas

    correntes no interior da Geografia e pode-se dizer que, hoje, existam Geografias.

    Desde meados do sculo XIX, a Geografia, inscrita no universo acadmico como

    disciplina cientfica, passa a ser tomada como cincia de referncia para o ensino dos

    contedos geogrficos nos processos de escolarizao. Os recentes estudos que

    consideram as especificidades das disciplinas escolares em relao s suas cincias

    de referncias destacam a necessidade de considerar a distino de objetivos, funo

    e finalidades dessas prticas. (BRAGA, 2011. Prelo)1

    Mesmo com essa tradio que remonta ao incio do sculo XIX, o trabalho de campo

    ainda alvo de discusses e indagaes no universo acadmico e no universo

    escolar. Qual seria a melhor forma de execut-lo? Que relaes ele pode propiciar

    entre teoria e prtica? Quais as semelhanas e as diferenas com outras atividades

    de campo? Como realiz-lo na educao bsica para que ele se torne um

    instrumento til ressignificao do espao socialmente produzido? Por que ele, s

    vezes, gera desconfianas quando s suas potencialidades pedaggicas nas

    escolas? H diferenas entre as prticas de trabalho de campo realizado na

    Geografia Acadmica e na Escolar?

    Essas indagaes se relacionam com a aprendizagem da dimenso socioespacial

    do real na educao bsica. Como o trabalho de campo tem um papel histrico e a

    produo da Geografia cientfica o inscreveu em suas estratgias como instrumento

    de coleta de dados, desde as suas origens em meados do sculo XIX, nessa

    pesquisa se investigou a sua eficcia para a educao geogrfica.

    Como a geografia trabalhada no universo escolar e no acadmico e em ambos o

    trabalho de campo utilizado como estratgia de coleta de dados e de (re)

    significao do espao socialmente produzido, torna-se necessrio distingui-las. A

    Geografia Escolar no pode ser considerada como uma miniatura da Geografia

    Acadmica, ou seja, a Geografia na escola no tem a funo de formar gegrafos

    1 BRAGA, Rosalina Batista. A (re) significao do conceito de natureza e ambiente no ensino bsico:

    uma reflexo sobre as heranas iluministas e o trabalho de campo como mediao pedaggica.

    Trabalho a ser apresentado e publicado em livro, contendo coletnea dos textos dos palestrantes do

    XI Encontro Nacional de Prtica de Ensino de Geografia 11ENPEG (Prelo)

    9

  • menores. desejvel que a primeira construa, com os alunos, conceitos espaciais

    bsicos, respeitando as possibilidades cognitivas, socioafetivas dos educandos. O

    objetivo principal da geografia escolar seria, ento, possibilitar o desenvolvimento de

    um raciocnio geogrfico voltado para a compreenso da realidade socioespacial

    que mutvel e historicamente construda.

    a partir das questes anteriormente que esta pesquisa foi construda. Seu

    problema central est vinculado s dificuldades que os alunos tm apresentado para

    perceberem a dimenso socioespacial do espao, mesmo quando ocorre o

    tratamento de contedos relacionados com a questo em sala de aula. Ela nasceu

    da anlise de alguns dados iniciais da prtica pedaggica do pesquisador como

    professor de Geografia. A pesquisa teve como objetivo identificar, em que medida, o

    trabalho de campo escolar poderia ser uma ferramenta metodolgica para superar a

    tradio didtica que refora a memorizao e afasta a possibilidade de uma

    interpretao da espacialidade que possibilite uma percepo concreta e sistemtica

    da dimenso socioespacial do real pelos alunos.

    A proposta desta pesquisa foi investigar a potencialidade do trabalho de campo para

    a construo de novas leituras da dimenso socioespacial da realidade dentro do

    universo da Geografia Escolar. O intuito foi verificar se o trabalho de campo

    contribuiria para superar as caractersticas mnemnicas e enciclopedistas dessa

    Geografia, construindo uma percepo do espao mais significativa e real.

    Considerando-se que as realidades sociais e econmicas so diversificadas e, alm

    disso, que o espao vivido de cada aluno nico, a construo de significados no

    processo de ensino/aprendizagem diferenciado e por isso, no aconselhvel

    trabalhar com anlises hermticas do espao.

    A experincia do pesquisador como docente mostrou que na Geografia Escolar, os

    alunos precisam construir conceitos e significados de forma autnoma, com o intuito

    de elaborarem entendimentos e refletirem sobre as relaes sociais e naturais. Para

    isso, torna-se necessrio, aliar o contedo da disciplina com as informaes e

    significados oriundos do espao vivido pelos alunos para reduzir o distanciamento

    do real em relao aos contedos dados em sala.

    10

  • Por isso, prticas pedaggicas desenvolvidas em ambientes fora da sala de aula

    podem, alm de amenizar a tradio da geografia escolar, propiciar um contato

    direto com as realidades em construo e ampliar o interesse do aluno pela

    disciplina.

    No entanto, a consolidao de novos significados sobre a dimenso socioespacial

    do real que estruturam o espao geogrfico demanda um dilogo constante com a

    teoria em sala de aula. Essa relao entre teoria e prtica ainda muito discutida

    nas escolas sob o nome de contextualizao e, at hoje, h muitas dificuldades para

    a aproximao do que est dentro e fora dos muros da escola.

    A partir da visualizao dos processos de produo, organizao e apropriao do

    espao geogrfico a relao sociedade/natureza pode ganhar um significado ainda

    no vivenciado pelos estudantes da escola bsica. Por isso o trabalho de campo

    pode favorecer a consolidao de prticas pedaggicas mais instigantes e

    investigadoras na escola bsica ao fomentar a (re) significao da dimenso

    socioespacial do real

    O trabalho de campo escolar pode se tornar uma atividade que auxilia o professor a

    construir com os alunos uma interpretao sobre a complexidade da

    produo/apropriao do espao geogrfico. Esse espao que o objeto de estudo

    da cincia geogrfica necessita de uma abordagem mais atenta da Geografia

    Escolar, pois ele no pode ser estudado pelos gegrafos como uma categoria

    independente uma vez que ele nada mais que um dos elementos do sistema

    social. (KAISER, 2006, p. 97). Desta forma, a abordagem do espao geogrfico

    sugere a busca de prticas interdisciplinares que integrem os vrios campos

    disciplinares.

    Para verificar essa abordagem e a necessidade de compreenso do dinmico

    processo de produo/apropriao do espao geogrfico, os alunos realizaram um

    trabalho de campo no Assentamento Pastorinha localizado no municpio de

    Brumadinho (MG). Partiu-se da hiptese de que a produo de tecnologias sociais

    nesse espao e a gesto do desenvolvimento local poderiam oferecer maior

    11

  • visibilidade para a dimenso social do espao. A dinmica do assentamento

    explicitaria os processos conflituosos e contraditrios existentes, o que estimularia a

    (re) significao da dimenso socioespacial por parte dos alunos.

    A discusso sobre as Tecnologias Sociais ainda pouco realizada no ambiente

    escolar. O campo de estudo desse conceito recente e traz-lo para a sala de aula

    abre novos caminhos para a interao da escola com a dinmica social. Nesse

    trabalho foi considerado como Tecnologias Sociais o conjunto

    [...] de tcnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interao com a populao e apropriadas por ela, que representam solues para incluso social e melhoria das condies de vida (PASSONI, 2007, p. 29)

    Desde a redemocratizao do pas no final da dcada de 80, discute-se que as

    escolas precisam dialogar mais com a comunidade do entorno. Desenvolver novos

    conceitos e opes pedaggicas, dentre elas a identificao e percepo de

    Tecnologias Sociais, pode trazer novos caminhos para a escolarizao bsica,

    sobretudo, para os estudos ligados s disciplinas vinculadas s Cincias Humanas

    nas escolas.

    Os alunos, ao compartilharem informaes com a comunidade do entorno e ao

    construrem novos significados aps um trabalho de campo em reas que

    hipoteticamente desenvolveram Tecnologias Sociais, poderiam ressignificar o

    processo de produo e apropriao social desse espao. Porm, h outro desafio:

    as articulaes comunitrias e a prpria escola esto diante de cenrios novos e

    mutantes no sculo XXI. Os alunos de escolas da rede privada, em sua maioria,

    apropriam-se pouco dessas transformaes. Muitos esto desconectados das novas

    realidades sociais onde a supresso da desigualdade e a necessidade de gerao

    de renda ainda so aspirados.

    Desta maneira, o objetivo geral dessa pesquisa foi verificar se o trabalho de campo

    escolar em reas em que a comunidade, hipoteticamente, tenha desenvolvido

    Tecnologias Sociais, contribuiria para que os estudantes incorporassem a dimenso

    social do espao geogrfico. Isto significaria novas leituras do mundo, (re)

    significao da dimenso socioespacial do real.

    12

  • Na coleta de dados, inicialmente, foi necessrio identificar como os estudantes

    significavam a dimenso social do espao atravs de um diagnstico em sala de

    aula. Aps esse diagnstico, houve realizao de um trabalho de campo escolar,

    com um grupo de alunos do 1 ano do ensino mdio. Nesse houve uma coleta de

    dados por meio da observao da realidade e entrevistas junto comunidade

    investigada sobre os processos de produo, comercializao e organizao no

    interior do assentamento em Brumadinho.

    Aps o trabalho de campo, os dados foram analisados com esses alunos, sendo

    produzidas snteses para identificar novos possveis significados construdos por

    eles sobre a dimenso social do espao geogrfico. Por fim, foram elaborados dois

    canais para o fomento de discusses e divulgao de trabalhos de campo entre

    escolas, professores e alunos: um encarte cujo modelo est disponvel neste

    trabalho e uma comunidade virtual em um site de relacionamento.

    13

  • 2. Reviso da literatura

    Eu perguntei se no aprendiam nada de Geografia. No

    precisa, disse um deles, isso a gente aprende no p. Os

    igaraps vo pro Tocantins. O Tocantins desce pro mar, s

    olh, n? No topo daquele monte no serve pra plant. A terra

    ruim. No baixo boa. no p mesmo, andando e olhando.

    (Maria Regina C. T. Sader Espao e Luta no Bico do

    Papagaio)

    A reviso da literatura nesta pesquisa foi arquitetada para sistematizar produes

    conceituais significativas a respeito da Geografia Escolar e da Acadmica e tambm

    sobre o trabalho de campo escolar e bem como as Tecnologias Sociais.

    Por isso, esse captulo, foi dividido em trs partes. A primeira aborda as

    especificidades da Geografia Escolar e a complementaridade entre a Geografia

    Escolar e a Acadmica. A segunda parte focaliza as observaes e as percepes

    sobre o trabalho de escolar. Finalmente, a ltima parte faz um levantamento sobre o

    conceito de Tecnologia Social.

    2.1. A Geografia Acadmica e a Escolar e a aproximao da educao geogrfica

    com a dimenso socioespacial do real.

    O ensino de Geografia na educao bsica alvo de diversas discusses tericas.

    Entre essas se destaca a relao teoria/prtica materializada no tratamento dado ao

    contedo desenvolvido em sala de aula e suas interaes com a dimenso

    socioespacial do real. Isso, de acordo com alguns autores, pode levar o ensino da

    Geografia Escolar a uma reduo aos contedos da Geografia Acadmica ou a um

    14

  • formato enciclopedista e mnemnico. Entretanto, pensar sobre essa questo requer

    pensar nas diferenciaes da Geografia como cincia e disciplina escolar.

    O pesquisador Andr Chervel (1990) fundamentou, em seus estudos, a distino

    entre as disciplinas escolares e as disciplinas cientficas que lhes servem de

    referncia. Segundo Braga (2003), no caso da Geografia, essa distino ocorre,

    inclusive, com a separao dessas prticas no tempo. Segundo afirma a autora, a

    Geografia, como um conjunto de contedos escolares, existiu muito antes da

    Geografia se tornar uma disciplina cientfica. Alimentada por um conjunto de

    informaes e dados espaciais a Geografia Escolar apresenta uma histria prpria

    que se constri mediante objetivos, funes, estruturas e caractersticas ligadas e

    constitudas, historicamente, nas prticas de escolarizao.

    Ainda segundo a mesma autora, a prtica de confundir ou fundir a Geografia

    Acadmica com a Geografia Escolar, como frequentemente feito no cotidiano da

    sala de aula e at mesmo nas universidades, tem prestado um grande desservio,

    sobretudo ltima. No se trata de afirmar que a Geografia Acadmica e a Escolar

    so prticas isoladas e nem de pens-las como distintas. A primeira tem sido aps

    meados do sculo XIX, a cincia de referncia para a segunda.

    Para os estudos sobre a educao geogrfica bsica, a fuso das duas prticas (escolar e acadmica) tem significado, principalmente, uma secundarizao, seno a prpria eliminao das questes especficas sobre o ensino, na educao geogrfica. (BRAGA, 2003,p.76)

    Para Braga (1997), a predominncia da prtica de memorizao na Geografia

    Escolar no Brasil ainda um trao importante da tradio didtica escolar. Esse

    trao da Geografia Escolar ainda perdura nas escolas at hoje e, no raro, torna

    essa disciplina desinteressante para grande parte dos educandos. A memorizao

    na educao geogrfica tem levado ao esvaziamento da construo de significados

    e das habilidades geogrficas.

    [...] com freqncia, trabalhamos um contedo de determinada forma porque j vimos algum fazendo assim ou pensamos que esta uma forma possvel e desejvel de ensinar aquele contedo. freqente trabalharmos um contedo sem, verdadeiramente, nos perguntarmos: por que este contedo e no outro? Por que assim e no de outra forma? Enfim, por que trabalhar isto, desta forma, nesta disciplina? (BRAGA, 2003, p. 64)

    15

  • Na educao geogrfica os alunos precisam construir conceitos para elaborarem

    entendimentos e refletirem sobre as relaes entre a sociedade e a natureza, ou

    seja, sobre a dimenso socioespacial do real. Isso significa que aliar teoria e prtica

    fundamental para a estruturao dessa disciplina escolar. E, essa perspectiva

    que precisa ser projetada pelo professor em seus planejamentos. A necessidade de

    reduo do apelo memorizao na Geografia Escolar pode ser favorecida por

    prticas pedaggicas desenvolvidas em ambientes fora da sala de aula que

    propiciem um contato direto com as realidades em construo. Braga (2003) refora

    a ideia de que os alunos precisam acessar, processar e interpretar as informaes e

    os dados geogrficos e no apenas memoriz-los e repeti-los. A educao

    geogrfica pautada na memorizao pode enfraquecer a apropriao do contedo e

    gerar uma desmotivao no ambiente de sala de aula. As relaes espaciais,

    essenciais para o desenvolvimento do raciocnio geogrfico, precisam ser

    construdas nos processos pedaggicos. Elas no podem ser tratadas

    como se fossem uma aquisio natural e/ou automtica. So tomadas como se fossem apenas resultantes de automatismos, sem se vincularem subjetividade dos sujeitos envolvidos, sem necessitar de um processo pedaggico que considere os significados espaciais dos educandos. Destacamos que a aquisio das relaes espaciais uma necessidade para o desenvolvimento do raciocnio geogrfico e para a construo de estruturas mentais ligadas ao pensamento lgico, mas raramente so tratadas no ensino. (BRAGA, 2003, p. 78)

    O francs Jean Michel Brabant questionou, em 1976, as prticas mnemnicas e

    enciclopedistas no ensino da Geografia. Para ele, essas afastam a Geografia do real

    e maximizam a desmotivao dos alunos frente a essa disciplina. O autor destaca

    situaes na Geografia Escolar onde o enciclopedismo prevalece em sala de aula.

    Para ele,

    [...] o enciclopedismo contribuiu para a abstrao crescente do discurso geogrfico, ao mesmo tempo que alimentou o tdio das geraes de alunos que classificaram a geografia entre as matrias a memorizar. (BRABANT, 1976, p.19).

    Entretanto, necessrio destacar que nem sempre a realidade visvel esclarece

    completamente o que de fato acontece no espao. (SERPA, 2006, p. 16). Fazer um

    trabalho de campo representa, portanto, um

    16

  • [...] momento de reconstruo do conhecimento que no pode prescindir da teoria, sob pena de tornar-se vazio de contedo, incapaz de contribuir para revelar a essncia dos fenmenos geogrficos. (ALENTEJANO e ROCHA-LEO, 2006, p. 57)

    Contudo, levar os alunos a campo para essa (re) significao da dimenso social do

    espao poderia ser feito por qualquer disciplina escolar e em qualquer srie. Porm,

    trata-se dessa dimenso social produzida e reproduzida no espao geogrfico e

    ento, a Geografia Escolar a disciplina que deve possuir competncia construda

    para realizar esta atividade j que o mesmo o seu objeto de estudo. Contudo, fazer

    essa afirmao no pode significar uma secundarizao da necessidade das

    prticas multi e interdisciplinares e sim deixar clara a necessidade de precisar o

    campo de produo original dessa abordagem.

    A Geografia trabalhada dentro da sala de aula no pode ter objetivos semelhantes

    aos da formao dos gegrafos, mas deve servir para construir os significados que

    possibilitem uma releitura do mundo pelos alunos. Braga (2003) ressalta que

    necessrio ultrapassar prticas pedaggicas da educao geogrfica que

    configuram como uma mera repetio da Geografia Acadmica, pois a Geografia

    como disciplina escolar tem caractersticas prprias, principalmente no que tange ao

    desenvolvimento da percepo da dimenso socioespacial do real. Moraes (1986)

    tambm problematiza essa questo entre a Geografia Acadmica e a Escolar,

    ressaltando a necessidade de uma reviso dos processos desenvolvidos na

    formao inicial dos professores com o que ser trabalhado em sala de aula ao

    pontuar que as

    [...] prticas questionadas na discusso universitria acabam estranhas ao cotidiano do professor. O abismo da linguagem, numa poca de rpida renovao, avana exponencialmente. Na mesma circularidade tem-se a defasagem do currculo universitrio, que coloca o ingressante no magistrio despreparado para a situao de aula. (MORAES, 1986, p.120).

    Outros autores tambm ressaltam o enfraquecimento da Geografia Escolar quando

    h uma reproduo da Geografia Acadmica.

    [...] ainda h bem pouco tempo a geografia praticada nas escolas no ia alm de uma diluio da geografia universitria, enciclopdica e com os conhecimentos organizados por gavetas. Este problema, associado a muitos outros, nomeadamente, a crise geral do ensino e da identidade da geografia, que junto do grande pblico se afigura como uma cincia menor, de interesse limitado e, ao nvel da educao, como

    17

  • uma disciplina fastidiosa e intil, voltada para a simples memorizao de factos sem importncia. (HERCULANO, 2000, p.74)

    Herculano (2000) ainda pontua em seu artigo que o ensino de Geografia na escola

    bsica deve ser oriundo de uma problemtica real. Por duas razes:

    1) Em vez de tudo querer conhecer, devem-se selecionar os principais problemas que realmente se colocam s comunidades humanas inseridas nos distintos contextos scio-espaciais 2) ()a resoluo de problemas alimenta a curiosidade (HERCULANO, 2000, p.75)

    Alm dessa distino, Oliveira (1987) mostra um problema da Geografia Escolar ao

    criticar os livros didticos. Para ele, a geografia que se ensina definida pelos

    contedos encontrados nesses livros e isso pode criar uma ameaa autonomia do

    professor e distanciar os contedos tratados em sala de aula da realidade local.

    Nesse processo o professor foi perdendo ou, ento, nem teve a oportunidade de formar a sua condio de produtor de conhecimentos. Ele se tornou ou foi transformado em um mero repetidor dos contedos dos livros didticos. As editoras chegaram inclusive a publicar o livro do professor, uma espcie de cartilha na suposio de lhe facilitar o trabalho. (OLIVEIRA, 1987, p. 138)

    Essa Geografia Escolar estagnada ou repetidora da Geografia Acadmica desmotiva

    os alunos. A Geografia foi perdendo aquilo que de especial ela sempre teve, discutir

    a realidade presente dos povos, particularmente no que se refere a seu contexto

    espacial. (OLIVEIRA, 1987, p. 138). Esse mesmo autor ainda aprofunda essa

    discusso ao mostrar que para

    [...] entender esse espao produzido, necessrio entender as relaes entre os homens, pois dependendo da forma como eles se organizam para a produo e distribuio dos bens materiais, os espaos que produzem vo adquirindo determinadas formas que materializam essa organizao social. (OLIVEIRA, 1987, p. 142)

    Brabant (1976) destaca que a Geografia como disciplina escolar alm de trabalhar o

    espao que o seu objeto de estudo, precisa enfatizar a realidade vivida pelo aluno,

    tornando-a compreensvel e significativa.

    Esse mesmo autor escreveu que, j em 1822, se lia que tudo aquilo de que a

    cincia se ocupa tem uma existncia atual. Para ele, a

    18

  • A geografia escolar, apesar de uma predisposio aparente a tratar do mundo que nos rodeia, acabou se desenvolvendo no mesmo plano das outras disciplinas, um plano antes de tudo marcado pela abstrao. Esta contradio to mais surpreendente na medida em que por mais longe que se remontar a histria da instituio escolar contempornea em geral e da geografia na escola em particular, encontra-se esta preocupao permanente da ligao privilegiada da geografia com o real. (BRABANT, 1976, p.15)

    Verifica-se que esse questionamento sobre a relao entre a Geografia e o real

    ainda precisa se concretizar. Essa disciplina ainda trabalhada de uma forma muito

    descritiva em algumas escolas e isso pode torn-la desinteressante.

    Para Brabant (1976), a nfase na descrio implica em uma despolitizao do aluno,

    ou seja, ela se distancia de possveis crticas e intervenes no seu respectivo

    cotidiano. Ao trabalhar a Geografia Escolar em contedos encaixotados e de forma

    enciclopdica oriunda de conhecimentos produzidos pela Geografia Acadmica, o

    aluno acaba se distanciando do real.

    No entanto, h um paradoxo. Segundo Brabant (1976), ao mesmo tempo em que a

    Geografia se prope a ser a cincia do espao, o mesmo, no ambiente escolar,

    barrado nos portes da escola. Isso reafirma o problema da pesquisa e por isso, o

    incentivo ao trabalho de campo na educao geogrfica pode favorecer uma

    aproximao com o real e uma melhor compreenso da distino entre a Geografia

    Escolar e Acadmica que possuem objetivos prprios.

    A pesquisadora Callai (1986) sinaliza essa necessidade de aproximao com o real

    ao escrever que o mundo tem mudado rapidamente e com ele devem mudar

    tambm a escola e o ensino que nela se faz. (CALLAI, 1986, p.134)

    Essa mudana no ensino de Geografia deve acontecer tambm para Cavalcanti

    (2005) ao ressaltar que o aluno o sujeito ativo de seu processo de formao e de

    desenvolvimento intelectual, afetivo e social; o professor tem o papel de mediador no

    processo de formao do aluno. (CAVALCANTI, 2005, p.67),

    Callai (1986) tambm trabalha sob essa perspectiva. De acordo com a autora, para

    minimizar a mesmice da educao atual e transformar o aluno em um sujeito ativo

    no processo de ensino aprendizagem, preciso desenvolver

    19

  • [...] uma prtica que seja aberta possibilidade de questionar o que se faz, de incorporar de fato os interesses dos alunos e de ser capaz de produzir a capacidade de pensar, agindo com criatividade e com autoria de seu pensamento. (CALLAI 1986, p.134)

    Trazer a problemtica do real para o ensino de Geografia implica em modificaes

    no planejamento dessa disciplina escolar. Vesentini (1984) mostra que o contedo

    programtico deveria ser adequado realidade social e existencial do aluno

    tornando-o co-autor do saber. Para esse autor uma renovao na Geografia

    permeia-se pela mutao constante dos temas, afinal, tudo muda ao mesmo tempo:

    os conceitos, as categorias e os mtodos. (VESENTINI, 1984, p. 112)

    Moraes (1986) tambm mostra essa necessidade de um aluno co-autor. Para ele,

    mister tentar aproximar a teoria e a prtica no plano do ensino de Geografia. Para

    isso preciso uma reflexo pedaggica alm do planejamento e do mtodo que

    assimile os avanos tericos da cincia geogrfica nas ltimas dcadas.

    Contudo, essa assimilao da cincia geogrfica no pode ser feita por meio da

    aplicao direta, mas sim por processos de construo endgenos desenvolvidos

    pela Geografia Escolar.

    Alm dessa reflexo, uma luta por modificaes na conduta pedaggica do ensino

    de Geografia presumvel. Wettstein (1982) comunga com Moraes (1986) a ideia de

    que o aluno precisa enxergar as transformaes do cotidiano. Ele ressalta que

    necessrio um compromisso com um trabalho menos distante do real, por parte do

    professor.

    Desta maneira, a relao aluno/professor/realidade tende a ser mais slida e

    produtora de um ambiente mais propcio para a educao geogrfica. Assim, o

    ensino de geografia na educao bsica poderia fomentar o interesse do aluno ao

    trabalhar essa perspectiva de significao e aproximao do real que ainda est em

    construo, deixando mais claro para professores e alunos os objetivos da

    Geografia Escolar.

    20

  • 2.2 O trabalho de campo escolar

    Ao conhecer a trajetria histrica do trabalho de campo, o professor de Geografia

    pode no perceber outra intencionalidade para o mesmo na escola, pois falar sobre

    [...] a importncia do trabalho de campo para a produo do conhecimento geogrfico, creio seja desnecessrio. Penso que a maior parte dos gegrafos concorde com o fato de que a ida a campo seja um instrumento didtico e de pesquisa de fundamental importncia para o ensino e pesquisa da/ na Geografia. Enquanto recurso didtico, o trabalho de campo o momento em que podemos visualizar tudo o que foi discutido em sala de aula, em que a teoria se torna realidade, se materializa diante dos olhos estarrecidos dos estudantes, da a importncia de planej-lo o mximo possvel, de modo a que ele no se transforme numa excurso recreativa sobre o territrio, e possa ser um momento a mais no processo ensino/aprendizagem/produo do conhecimento. (MARCOS. 2006. p. 106)

    Ao mesmo tempo em que a autora Marcos (2006) ressalta a importncia do trabalho

    de campo, Alentejano e Rocha-leo (2006) mostram que ainda h um desconforto

    na escola bsica em relao s sadas a campo.

    A utilizao do trabalho de campo como instrumento didtico no tem sido alvo de muitas reflexes. No deveria ser assim, afinal, todo professor de Geografia principalmente dos ensinos mdio e fundamental j deve ter se irritado quando ouviu de seus alunos ou dos professores de outras disciplinas que no dia tal no haveria aula porque tinha passeio, marcado pelo professor de Geografia... Ser que de fato promovemos passeios? (ALENTEJANO e ROCHA-LEO, 2006, p. 62)

    Discute-se muito o local a ser visitado e como ser feita a organizao do mesmo.

    Porm, muitas vezes nos esquecemos de relatar o processo que permitiu a

    realizao do produto. (DUARTE, 2002, p. 140)

    Esse processo citado por Duarte (2002) vagaroso e demanda uma organizao e

    disponibilidade do corpo docente. Realizar um pr-campo, discutir com os alunos as

    possibilidades de reas a serem visitadas e trabalhadas so etapas essenciais de

    um trabalho de campo, mas que s vezes, no so realizadas pelos professores.

    aconselhvel que o corpo docente discuta com os alunos os objetivos do trabalho,

    converse sobre a importncia da atividade, mostre aos alunos as potencialidades e

    as fragilidades do local e realizem reflexes sobre o que ser visto em campo. Os

    alunos precisam perceber que um trabalho de campo estudar em um ambiente

    21

  • fora da sala de aula e no apenas um momento de descontrao onde buscaro

    informaes desconectadas de um contexto terico.

    As reflexes sobre o trabalho de campo na universidade ainda apresentam limites e

    na escola bsica as discusses ainda so muito embrionrias. A sua importncia

    pedaggica real, mas, Alentejano e Rocha-leo (2006) afirmam que se realizado

    desarticulado do mtodo e da teoria, torna-se banal. Mesmo assim, o trabalho de

    campo apesar dos riscos e dificuldades que impe, revela-se sempre um

    empreendimento profundamente instigante, agradvel e sedutor. (DUARTE, 2002,

    p. 140)

    A afirmao de Duarte (2002), ao dizer que uma atividade em campo pode ser

    instigante, agradvel e sedutora levanta discusses, pois os trabalhos de campo

    escolares podem ter especificidades, potencialidades e interesses diversos. Desta

    forma, seu planejamento e preparao merecem uma ateno, principalmente, no

    ensino bsico, pois ainda h divergncias conceituais e discordncias metodolgicas

    no processo de elaborao do mesmo.

    Os prprios autores Alentejano e Rocha-leo (2006) cometeram impropriedades

    conceituais ao escrevem excurses referindo-se ao trabalho de campo que bem

    mais sistematizado que uma simples excurso, com uma organizao prvia e

    posterior dos dados ..

    A nosso ver, se estas excurses forem previamente preparadas, instigando-se os alunos a problematizar o que vo ver, a preparar o que vo perguntar e refletir acerca do que vo observar, podem representar uma importante contribuio para o processo de formao destes alunos como pesquisadores. (ALENTEJANO e ROCHA- LEO, 2006, p. 63).

    Alm dessas limitaes, h alguns professores que acreditam na execuo do

    trabalho de campo como suficiente para gerar respostas s algumas questes

    postas em sala de aula. Esse tipo de viso pode resultar em pouca credibilidade

    para a atividade pedaggica em campo, com a possibilidade de esgot-la na

    superficialidade, pois simplifica a relao teoria/prtica, que, por natureza, apresenta

    grande complexidade. Alentejano e Rocha-Leo (2006, p.56) ressaltam que o

    trabalho de campo no deve se reduzir ao mundo do emprico, mas ser um

    22

  • momento de articulao teoria-prtica e, dessa forma, necessrio planej-lo

    desde a teorizao da atividade em si, para que ele possa se tornar efetivamente

    uma inovao educacional no ensino bsico.

    Afinal, imaginar que a execuo e a sistematizao do trabalho de campo so

    suficientes para acessar o conhecimento da dimenso socioespacial do real j foi

    superado e isso faz parte da crtica ao empirismo positivista. Alm disso, houve

    situaes na histria da Geografia que a importncia dessa atividade foi minimizada

    pela ideia de que apenas a quantificao dos fenmenos conseguiria responder as

    questes sociais. Na

    [...] Geografia Teortico-Quantitativa, os trabalhos de campo passaram a ser execrados e praticamente riscados do mapa das prticas dos gegrafos, sob o argumento de que as tecnologias da informao e os modelos matemticos seriam instrumentos mais adequados para a investigao da realidade. (ALENTEJANO e ROCHA- LEO, 2006, p. 55)

    Para que o trabalho de campo escolar, como processo mediador para a produo do

    conhecimento na escola sobre os problemas sociais e ambientais do espao tenha

    sucesso, seu planejamento e desenvolvimento precisam seguir um caminho

    metdico criterioso e ocorrer de forma articulada entre professores, alunos e

    superviso da escola, bem como expressar uma rica relao entre teoria e prtica

    Rodrigues e Otaviano (2001) justificaram a importncia do trabalho de campo em

    geografia em um guia metodolgico ao afirmarem que o

    [...] contato com a realidade dar ao aluno uma nova dimenso dos assuntos tratados nas aulas o que, se bem programado e orientado, servir entre tantas finalidades para estimular o estudo articulado com as diferentes disciplinas. (RODRIGUES e OTAVIANO, 2001, p.36)

    Diferentemente de uma visita tcnica ou de uma excurso, o trabalho de campo

    pressupe uma relao mais ativa dos alunos. Os alunos precisam ser vistos como

    os protagonistas do trabalho de campo escolar, pois o mesmo, como uma

    ferramenta de (re) significao da dimenso social do real, torna o aluno um sujeito

    ativo em seu processo de formao e desenvolvimento intelectual, pois cabe aos

    alunos a tarefa de coleta de dados e materiais, entrevista, observao e anotao

    dos aspectos naturais e culturais [...]. (TOMITA, 1999, p.14). E, posteriormente,

    23

  • cabe tambm aos alunos a discusso e a produo de snteses das informaes

    coletadas.

    Assim, o espao geogrfico que constantemente mudado pelas intervenes

    antrpicas e pela dinmica natural pode ser interpretado pelos alunos por meio do

    trabalho de campo que serviria como uma ponte para a percepo dessas mutaes

    em cada ecossistema ou em cada comunidade onde h articulaes e conflitos,

    aproximando o aluno de uma forma mais significativa da realidade.

    Por isso, a utilizao do trabalho de campo pode ser favorvel construo de

    novos significados sobre a realidade encontrada no espao e reduzir o

    distanciamento da realidade concreta em que vivem os alunos, ou seja, essa

    estratgia pedaggica pode ampliar as possibilidades de ressignificao da

    dimenso social do espao, contribuindo para uma renovao da educao

    geogrfica.

    Para que haja uma possvel consolidao dessa estratgia de ensino-aprendizagem

    necessrio sensibilizar os alunos para que eles tomem conscincia de possveis

    mudanas no espao a partir da construo de um saber integrado realidade e

    possivelmente atrelado ao conhecimento e difuso de Tecnologias Sociais.

    Contudo, no possvel creditar ao trabalho de campo, por si s, a construo dos

    significados desejados para a compreenso da realidade, principalmente se

    articulado com as questes socioambientais ou com as tecnologias criadas de forma

    endgena em uma comunidade. Alentejano e Rocha-leo (2006) afirmam que se o

    trabalho de campo escolar, como uma prtica pedaggica para o ensino de

    Geografia gerar um retorno ao saber integrado se ancorando em um discurso

    ambiental, o mesmo pode se perder em discusses vagas e sem a gnese de

    novos significados. Desta forma, o trabalho de campo necessita de um planejamento

    adequado, pois, ele no resolve os limites da educao geogrfica como um passe

    de mgica. A imerso no contexto, de forma sistematizada e organizada, pode ento

    ser um estmulo aprendizagem.

    24

  • Gohn (2006) sinalizou que h vrios espaos de aprendizagem. Para ela, a escola

    no o nico local de gerao de conhecimentos. H espaos externos sala de

    aula (tecnicamente denominados no-formais de ensino-aprendizagem) que so

    sustentados por saberes locais, mas que tambm so geradores de modificaes

    concretas da realidade. Por isso, esta pesquisa partiu da hiptese de que o trabalho

    de campo, quando articulado metodologicamente de forma adequada, poderia se

    tornar um suporte pedaggico para a superao dos limites existentes na tradio

    didtica da Geografia Escolar.

    2.3. As Tecnologias Sociais e o ensino de Geografia Escolar

    Como a hiptese dessa pesquisa envolve a discusso das Tecnologias Sociais,

    houve a necessidade de uma conceituao desse termo.

    Para Rodrigues e Barbieri (2008),

    [...] a tecnologia social implica a construo de solues de modo coletivo pelos que iro se beneficiar dessas solues e que atuam com autonomia, ou seja, no so apenas usurios de solues importadas ou produzidas por equipes especialistas, a exemplo de muitas propostas das diferentes correntes da tecnologia apropriada. (RODRIGUES e BARBIERI, 2008, p.1075)

    A proposta de se utilizar o trabalho de campo em reas que supostamente tenham

    desenvolvido Tecnologias Sociais pode ser um caminho para que os alunos

    identifiquem, por intermdio desta estratgia, o modo como uma tecnologia se torna

    social gerando benefcios individuais ou coletivos no processo de produo e

    apropriao do espao geogrfico. Afinal,

    [...] as TSs so tcnicas e metodologias, produtos e processos, como quaisquer tecnologias, elas tambm envolvem de maneira intrnseca um modo prprio de pensar e agir. Muitas vezes, no modo de aplicao que uma tecnologia torna-se social. Este modo ento compreendido como uma abordagem sistmica que leva em conta todo um conjunto de fatores, desde o reconhecimento das necessidades e da mobilizao para a mudana, at os mtodos de gesto e a eficcia da soluo tecnolgica desenvolvida, passando pela avaliao de impactos socioambientais e a busca direta de impactos positivos para o conjunto da sociedade. (PASSONI, 2007, p. 30)

    25

  • Para Novaes e Dias (2009) o conceito de Tecnologias Sociais surge em

    contraposio lgica capitalista, j que ela precisa ser orientada para a satisfao

    das necessidades humanas sem promover um tipo de controle capitalista, como por

    exemplo, de dominao dos trabalhadores. Nesse contexto possvel trabalhar com

    os alunos uma perspectiva diferenciada da dominante sobre a produo e

    apropriao do espao geogrfico. O conhecimento de reas que desenvolvem

    Tecnologias Sociais pode estimular novas perspectivas pedaggicas para o ensino

    de Geografia, pois os alunos vivenciariam alternativas mais justas e solidrias de

    construo e produo do espao. Afinal, essas tecnologias transitam pela incluso

    cidad, pela acessibilidade, pela sustentabilidade, pela organizao, pela promoo

    do bem-estar e pela inovao (PASSONI, 2007, p.40). Por isso nessa pesquisa foi

    escolhido um assentamento de sem terra na regio metropolitana de Belo Horizonte,

    pois se trabalhava tambm com a hiptese de que naquele espao estariam sendo

    desenvolvidas Tecnologias Sociais que pudessem possibilitar aos alunos visualizar

    as contribuies expostas acima com o intuito de potencializar seus respectivos

    significados dados dimenso socioespacial do real.

    26

  • 3. Metodologia e procedimento de coleta de dados

    Esta pesquisa trabalha, principalmente, com a articulao de duas temticas: a

    educao geogrfica e o trabalho de campo como estratgia pedaggica. Ao fazer

    essa delimitao, foi possvel identificar o problema dessa investigao que se refere dificuldade que os alunos tm de elaborarem significados e interpretaes

    sobre a dimenso socioespacial da realidade. A identificao desse problema foi

    essencial, pois o que determina como trabalhar o problema que se quer trabalhar:

    s se escolhe o caminho quando se sabe aonde se quer chegar (GOLDENBERG,

    1999, p.14).

    A partir desse pressuposto foi possvel escolher a metodologia, as tcnicas de coleta

    de dados, as fontes dos dados e os mtodos de interpretao e anlise dos

    resultados.

    No caso desta investigao, cujo tema foi as dificuldades de apropriao da

    dimenso socioespacial do real pelos alunos e cujo objeto de estudo foram as

    potencialidades do trabalho de campo escolar como estratgia para potencializar

    uma melhor percepo da dimenso socioespacial do real, a metodologia traada

    insere-se dentro do paradigma qualitativo. Essa perspectiva de investigao

    responde s necessidades desta pesquisa, pois, segundo Chizzotti (2003), a

    [...] pesquisa qualitativa recobre, hoje, um campo transdisciplinar, envolvendo as cincias humanas e sociais, assumindo tradies ou multiparadigmas de anlises (...) e adotando multimtodos de investigao para o estudo de um fenmeno situado no local em que ocorre, e enfim, procurando tanto encontrar o sentido desse fenmeno quanto interpretar os significados que as pessoas do a eles. (CHIZZOTTI, 2003, p. 221)

    O referencial terico metodolgico que orientou a coleta e anlise dos dados foi a

    Anlise de Contedo trabalhada por Bardin (1976). Silva, Gobbi e Simo (2005, p.

    73) destacam que a anlise de contedo uma tcnica de investigao que tem por

    finalidade a descrio objetiva, sistemtica e quantitativa do contedo manifesto da

    comunicao. No caso desta pesquisa, a descrio quantitativa aconteceu no

    27

  • levantamento de depoimentos dos alunos sobre as percepes in loco a partir das

    orientaes disponveis no material levado a campo.

    Silva, Gobbi e Simo (2005) ainda sinalizam que a anlise de contedo aparece

    como uma ferramenta para a compreenso da construo de significados que os

    atores sociais exteriorizam no discurso.

    Anlise de Contedo costuma ser feita atravs do mtodo de deduo frequencial ou anlise por categorias temticas. A deduo frequencial consiste em enumerar a ocorrncia de um mesmo signo lingstico (palavra) que se repete com freqncia, visando constatar a pura existncia de tal ou tal material lingstico, no preocupando-se com o sentido contido no texto, nem diferena de sentido entre um texto e outro, culminando em descries numricas e no tratamento estatstico. A anlise por categorias temticas tenta encontrar uma srie de significaes que o codificador detecta por meio de indicadores que lhe esto ligados; [...] codificar ou caracterizar um segmento coloc-lo em uma das classes de equivalncias definidas, a partir das significaes, [...] em funo do julgamento do codificador. (CAREGNATO e MUTTI, 2006, p.683)

    Esse referencial terico-metodolgico de anlise foi utilizado para a anlise dos

    dados coletados aps uma categorizao e um registro de frequncia de diversas

    percepes dentro dessas categorias. Essa frequncia extrada das percepes dos

    alunos permitiu a construo de tabelas e grficos.

    Godoy (1995) destaca que qualquer comunicao que vincule um conjunto de

    significaes de um emissor para um receptor pode, em princpio, ser traduzida

    pelas tcnicas de anlise de contedo. Parte-se do pressuposto de que por trs do

    discurso encontra-se um sentido que deve ser desvendado e descoberto pelo

    pesquisador.

    O mtodo de anlise de contedo aparece como um instrumento para a percepo

    da elaborao de significados que os atores sociais expressam no discurso. Esses

    significados so o foco da investigao para desvendar os sentidos dos discursos

    elaborados. A partir deles foi possvel averiguar se o trabalho de campo realmente

    modificou ou no a interpretao e a sensibilizao dos alunos sobre a dimenso

    social do espao.

    No que tange coleta de dados no assentamento estudado, o recurso utilizado foi a

    entrevista. Os alunos, aps a explanao da lder do assentamento, caminharam em

    28

  • direo s moradias e entrevistaram os assentados. Fraser e Gondim (2004)

    mostram a importncia desse recurso ao pontuarem que a

    [...] entrevista na pesquisa qualitativa, ao privilegiar a fala dos atores sociais, permite atingir um nvel de compreenso da realidade humana que se torna acessvel por meio de discursos, sendo apropriada para investigaes cujo objetivo conhecer como as pessoas percebem o mundo. Em outras palavras, a forma especfica de conversao que se estabelece em uma entrevista para fins de pesquisa favorece o acesso direto ou indireto s opinies, s crenas, aos valores e aos significados que as pessoas atribuem a si, aos outros e ao mundo circundante. (FRASER e GONDIM, 2004, p.140)

    Foi levantada a percepo dos alunos sobre a dimenso socioespacial do real em

    dois momentos e locais. Um deles ocorreu durante as aulas onde foi feito um

    diagnstico sobre os conceitos e significados j construdos pelos discentes sobre

    articulaes comunitrias e sobre as caractersticas e o processo de produo e

    apropriao do espao rural e do espao urbano, antes do trabalho de campo,

    realizado no Assentamento Pastorinha.

    A teorizao em sala de aula aconteceu antes da sada a campo. Os alunos, alm

    de estudarem os conceitos necessrios para a coleta de dados, trabalharam com os

    mesmos articulando-os com o contedo da srie, por meio de um diagnstico

    (apndice 10.1) aplicado em sala de aula. Todo o trabalho foi feito de forma

    individual e depois houve momento de debates para a socializao das ideias e

    percepes.

    O segundo momento de coleta de dados ocorreu no assentamento Pastorinha no

    municpio de Brumadinho (MG) onde os alunos, por meio de entrevistas realizadas

    com os assentados, tiveram uma maior aproximao da realidade socioespacial do

    assentamento. Havia um roteiro previamente trabalhado com os alunos, mas eles

    tinham autonomia para perguntar outras questes que julgassem pertinente no

    momento. Os alunos investigaram, principalmente, questes ligadas apropriao

    do territrio e sobre as tcnicas elaboradas pela comunidade para se manter no

    assentamento.

    Em relao sada a campo, uma empresa de Turismo Pedaggico organizou o

    nibus e o seguro dos alunos, juntamente com o professor de Geografia da turma e

    29

  • a orientadora da escola. A contratao da empresa foi uma exigncia da escola,

    mas foi solicitado que no houvesse uma interferncia da mesma na coleta de

    dados dos alunos. A funo da empresa era transportar, com segurana, os alunos

    at o assentamento. O trabalho de campo foi tambm acompanhado pela

    orientadora da pesquisa em questo e pela orientadora pedaggica do colgio.

    A turma escolhida poderia ser do ensino fundamental ou mdio. A exigncia para a

    escolha da turma centrou-se na adequao do contedo programtico da srie com

    as temticas abordadas na pesquisa que estavam relacionadas com as questes

    sociais e econmicas do espao geogrfico. Como a 1 srie do Ensino Mdio

    estuda o territrio brasileiro e as modificaes antrpicas ocorridas no mesmo, seus

    alunos/as foram escolhidos como os sujeitos de investigao. Alm disso, cabe

    ressaltar que esses alunos selecionados pertenciam a uma escola de elite da rede

    privada e isso, de certa forma, influenciou alguns depoimentos.

    Em sntese, toda a investigao e seus procedimentos foram feitos em quatro

    etapas. Primeiramente, a aplicao do diagnstico em sala de aula antes do trabalho

    de campo. Depois, a teorizao (apndice 10.2) com os alunos sobre a questo

    agrria no pas. A terceira etapa foi composta pela sada a campo e pelas

    entrevistas feitas pelos alunos com os assentados (apndice 10.3) e por fim, a

    quarta etapa contemplou a sistematizao em sala de aula das novas percepes

    por meio do diagnstico ps trabalho de campo (apndice 10.4).

    A primeira etapa, ento, aconteceu por meio da realizao de um diagnstico, em

    sala de aula, com os alunos, antes das primeiras iniciativas ligadas ao planejamento

    do trabalho de campo. O objetivo desse diagnstico foi verificar os significados j

    construdos pelos alunos sobre a dimenso socioespacial do real, abordando as

    caractersticas e o processo de produo/apropriao do espao rural e do espao

    urbano. O instrumento de coleta de dados utilizado nessa parte (apndice 10.1) foi

    elaborado associando imagens e textos e questes construdas sobre os espaos

    citados.

    Na segunda etapa (Apndice 10.2), houve uma teorizao em sala de aula sobre os

    conceitos estruturantes da temtica e a contextualizao da rea que seria

    30

  • investigada. Em seguida, foi feito o planejamento e a organizao do trabalho de

    campo no municpio de Brumadinho (MG). Nesse momento os alunos observaram,

    por meio de slides digitais, o espao que seria investigado e discutiram textos em

    sala de aula sobre a temtica, como por exemplo, sobre a Reforma Agrria.

    A terceira etapa foi a realizao do trabalho de campo propriamente dito. No dia de

    sua execuo, os alunos participaram de algumas atividades no assentamento

    Pastorinha que visavam o mximo conhecimento do local. Primeiramente, foi servido

    um caf da manh para os alunos e depois a lder do assentamento conversou em

    torno de uma hora com eles. Depois dessa atividade, houve uma caminhada para

    conhecer toda a rea ocupada pela comunidade. Isso durou at a hora do almoo.

    Aps a refeio, os alunos foram liberados para entrevistar os assentados e

    perceber tcnicas e saberes que eram utilizados pelos mesmos para equacionar

    questes do cotidiano. O roteiro da entrevista foi elaborado pelo pesquisador, com a

    participao dos alunos. Ressalta-se que no assentamento em questo, algumas

    pessoas acessaram a terra por meio de uma ocupao ilegal e tentam, at hoje, se

    manterem na localidade de forma autnoma. O motivo desse ato foi a escassa

    oportunidade de acessar o mercado de terras legal. A partir dessa situao, os

    alunos, in loco, tentaram identificar quais eram os laos de domnio do territrio bem

    como o papel dos lderes locais. Alm disso, eles coletaram informaes se havia ou

    no Tecnologias Sociais produzidas no local que causariam formas de gerao de

    renda, que possibilitariam a incluso social de membros da comunidade e o fomento

    da qualidade de vida.

    Em sntese, os alunos, alm de participarem de uma longa exposio dialogada com

    a principal liderana local e da observao do espao, coletaram informaes com

    os assentados, por meio de entrevistas, que serviram de norte para a sistematizao

    das percepes em categorias e para identificar se houve ou no a produo de

    Tecnologias Sociais. A quarta etapa foi o processo de sistematizao das

    percepes que comeou ainda no espao do assentamento (FIG 1), com um rpido

    debate e com a participao de alguns assentados. Esse dilogo foi sustentado pela

    seguinte questo colocada pelo pesquisador: o que mudou na percepo de vocs

    aps a visita no assentamento Pastorinha?

    31

  • FIGURA 1 Socializao das percepes sobre o Assentamento

    Pastorinha

    Fonte: Produo da pesquisa

    A sistematizao continuou e terminou, no espao da escola, quando os alunos

    desenvolveram, individualmente, uma sntese retomando o roteiro do primeiro

    diagnstico (Apndice 10.1) no qual foi feita uma adaptao, agora convertido num

    instrumento para a elaborao da sntese (Apndice 10.3). Esse instrumento de

    coleta de dados recuperava a questes do primeiro instrumento com o objetivo de

    permitir a verificao das mudanas nas percepes dos alunos. Deste modo, foi

    possvel sistematizar e categorizar os dados coletados a partir dessa organizao

    que captou as vises dos alunos antes do contato com os contedos em sala de

    aula, durante o contato dos mesmos em campo e depois do contato com a realidade

    emprica, no assentamento. Uma anlise das percepes dos alunos foi organizada

    em antes e depois do trabalho de campo. Buscou-se perceber a (re) significao

    ocorrida na percepo dos alunos sobre da dimenso socioespacial do real.

    Como proposta de interveno decorrente dos resultados desta pesquisa, foi

    elaborada uma comunidade no site de relacionamentos e de troca de informaes

    denominado ORKUT cujo link est disposto no encarte que ser enviado por email

    para escolas que desejarem realizar trabalhos de campo em reas onde,

    potencialmente, tenham desenvolvido Tecnologias Sociais em sua ocupao.

    Busca-se um intercmbio de experincias entre professores sobre ao trabalhos de

    campo, sobre a conceituao e a importncia desse recurso pedaggico e sobre a

    discusso da importncia da abordagem das Tecnologias Sociais na educao

    geogrfica para que os alunos percebam a dinmica social do processo de

    produo/apropriao do espao geogrfico.

    32

  • 4. Apresentao e anlise dos dados

    Para a apresentao e anlise dos dados foi traado um caminho para que

    houvesse um confronto de informaes e dados sobre a percepo dos alunos

    anterior ao planejamento e realizao do trabalho de campo, sobre a dimenso

    socioespacial da realidade e as alteraes, se houvessem, das percepes dos

    mesmos alunos, posteriores ao trabalho de campo.

    Afinal, se houvesse uma real mudana de leitura de mundo, aps o o trabalho de

    campo o mesmo poderia ser, ento, visto como uma ferramenta para tornar a

    educao geogrfica mais prxima da realidade.

    Os instrumentos de coleta de dados utilizado esto disponveis nos apndices 10.1,

    10.2 e 10.3 desse trabalho.

    As diversas percepes dos dezessete alunos sobre a dimenso socioespacial do

    real foram organizadas em subtemas oriundos dos instrumentos de coleta de dados

    e dos textos dos alunos.

    4.1. Subtema 1- Sobre as habitaes

    Os alunos se depararam nos diagnsticos com imagens de habitaes do

    assentamento visitado e de algumas moradias localizadas em um aglomerado

    (favela) tpico do municpio de Belo Horizonte (Apndice 10.1). No primeiro

    diagnstico, os alunos descreveram sobre as casas existentes num aglomerado e no

    diagnstico aps o trabalho de campo, eles confrontaram as descries com o que

    foi visto no assentamento no que tange a questo da moradia.

    Na percepo inicial, um aluno pontuou que a falta de organizao nos aglomerados

    foi causada pela atrao descontrolada de pessoas para o meio urbano, ou seja,

    pelo xodo rural.

    33

  • Cinco alunos disseram que a situao precria dos aglomerados era fruto da falta de

    higiene no local. Isso foi extrado de exemplos como: falta de saneamento, esgoto a

    cu aberto e sujeira generalizada nas ruas. Um aluno escreveu que a localizao

    era o fator determinante da existncia de moradias precrias. Para ele, o fato das

    moradias estarem numa favela, j determinava uma qualidade ruim de construo e

    acabamento. Outro aluno ressaltou que o fraco investimento nessas reas por parte

    do poder pblico era a razo das dificuldades e da falta de estrutura locais. Nove

    alunos no escreveram as possveis causas da precariedade das moradias dessas

    reas e apenas sinalizaram que havia uma baixa qualidade construtiva ou que as

    casas eram feias. A percepo da origem do problema social foi, ento, pouco

    discutida pelos alunos. Foi detectada apenas uma percepo simplista de causa e

    consequncia ao analisarem a questo da moradia em reas mais pobres. Deixou

    entender que construir moradias feias, morar em locais feios, era uma escolha do

    pobre e que apenas os mais afortunados possuem bom gosto.

    A seguir, h a categorizao das percepes dos alunos antes do trabalho de

    campo sobre as habitaes populares.

    34

  • QUADRO 1

    PERCEPO SOBRE AS HABITAES POPULARES

    Categorias Nmero de

    depoimentos

    Alguns depoimentos antes do

    trabalho de campo

    Qualidade construtiva

    das habitaes

    populares

    9 (...) casas de um aglomerado em

    situaes precrias, sem saneamento

    bsico (...) Aluno S

    (...) onde cada um constri o que quer

    (...) Aluno E

    Higiene 5 (...)em condies precrias, sem

    higiene e esgoto onde pessoas de

    baixo nvel e com menor renda vivem

    (...) Aluno V

    (...) higiene precria do local, casas e

    barraces em pssimo estado.

    Aluno T

    Localizao 1 as casas esto muito mal localizadas,

    em cima de uma montanha (...)

    Aluno R

    Relao com o poder

    pblico

    1 (...) as consequncias [...] do mau

    investimento do governo. Aluno L

    Origem do xodo rural 1 Esses aglomerados surgiram devido

    ao xodo rural (...) Aluno L

    Fonte: Dados e elaborao da pesquisa

    No quadro a seguir que mostra os resultados aps o trabalho de campo realizado,

    foi possvel identificar que quatorze alunos perceberam uma melhoria da qualidade

    construtiva das casas do assentamento em relao s do aglomerado, mesmo

    sendo uma rea com habitaes populares.

    Trs alunos destacaram que a relao com o poder pblico foi determinante para

    que houvesse casas melhores no Assentamento Pastorinha, pois o governo federal

    disponibilizou o material de construo. Isso foi relatado pelos assentados. Um aluno

    apenas descreveu que esteticamente as casas dos assentados eram mais atraentes

    35

  • e confortveis, sem se preocupar em relatar as causas desse depoimento. No

    houve observaes sobre xodo rural, localizao e higiene no segundo diagnstico.

    No quadro a seguir, h a categorizao das percepes dos alunos aps o trabalho

    de campo, tanto no grfico quanto na tabela, sobre as habitaes populares em

    reas de aglomerados e do assentamento Pastorinha.

    QUADRO 2:

    PERCEPO APS O TRABALHO DE CAMPO

    SOBRE AS HABITAES POPULARES

    Categorias Nmero de

    depoimentos

    PERCEPO

    INICIAL

    Nmero de

    depoimentos

    PERCEPO

    PS-

    TRABALHO

    DE CAMPO

    Alguns depoimentos aps do

    trabalho de campo

    Qualidade

    construtiva

    9

    14 (...) com telhado e infraestrutura

    no meio da zona rural. Aluno L

    (...) a rea bem feita e h

    bastante vegetao ao redor.

    Aluno R

    Higiene 5 0

    Localizao 1 0

    Relao com

    o poder

    pblico

    1

    3

    A ocupao dos assentados

    ocorreu com a ajuda do governo

    que paga ao proprietrio a terra

    (...) Aluno P

    O nmero de moradores

    delimitado pelo governo. Aluno

    F

    Origem rural

    (xodo)

    1 0

    Fonte: Dados e elaborao da pesquisa

    36

  • Grfico 1: Depoimentos sobre as habitaes populares antes e depois

    do trabalho de campo

    Fonte: Dados e elaborao da pesquisa

    As respostas elaboradas pelos alunos no segundo diagnstico apresentaram

    diversas abordagens sobre as condies estruturais e sociais de moradias

    populares. Ao tratarem sobre os aglomerados, os alunos pontuaram, principalmente,

    questes vinculadas precariedade das construes e a m organizao do

    espao. O saneamento bsico tambm foi um problema citado em cinco

    diagnsticos e a observao que h um escasso apoio do governo surgiu em

    apenas um.

    Percepes cotidianas dos aglomerados fazem parte da rotina dos alunos

    investigados, pois a grande maioria mora em Belo Horizonte. Foi possvel identificar

    que h uma relao de segregao entre essas realidades, justificada pelo alto

    nmero de depoimentos dos alunos que retrataram a precria condio de vida em

    rea de aglomerao urbana mais popular.

    Por outro lado, ao escreverem sobre o assentamento, os alunos destacaram a

    diferena na organizao do espao em relao aos aglomerados. Em quatorze

    depoimentos, os alunos pontuaram que h uma variao na qualidade estrutural e

    organizacional do espao, sendo melhor no assentamento que no aglomerado. Isso

    indicou que o trabalho de campo no assentamento Pastorinha mostrou uma nova

    leitura sobre as habitaes populares. Isso confirma a fala de Marcos (2003) ao

    dizer que o trabalho de campo

    37

  • [...] um instrumento didtico e de pesquisa de fundamental importncia para o ensino e pesquisa da/ na Geografia. Enquanto recurso didtico, o trabalho de campo o momento em que podemos visualizar tudo o que foi discutido em sala de aula, em que a teoria se torna realidade, se materializa diante dos olhos estarrecidos dos estudantes, da a importncia de planej-lo o mximo possvel, de modo a que ele no se transforme numa excurso recreativa sobre o territrio, e possa ser um momento a mais no processo ensino/aprendizagem/produo do conhecimento. (MARCOS. 2006. p. 106)

    Durante as abordagens com os assentados, os alunos foram informados de que a

    comunidade local desenvolveu mutires e acordos para que todos pudessem

    melhorar as condies de moradia. Isso provavelmente favoreceu a percepo dos

    alunos sobre a questo da moradia, mesmo sendo uma rea cuja renda per capita

    se assemelha de reas de favelizao.

    A organizao do espao no assentamento pode ter sido outro motivo da

    identificao que a moradia no local era melhor. Afinal, foi possvel extrair do

    primeiro diagnstico uma percepo da relao entre as moradias em locais

    imprprios com a falta de espao e com as altas densidades demogrficas. Para os

    alunos, a disponibilidade de espao na rea do assentamento contribuiu para uma

    melhor qualidade de vida no local.

    Os alunos tambm descreveram, no primeiro diagnstico, sobre habitaes em

    reas cuja populao apresenta uma renda elevada. Essa descrio foi includa,

    pois todos os alunos investigados pertencem s classes sociais mais privilegiadas

    economicamente e uma viso desses espaos seria interessante como critrio de

    anlise e comparao.

    Entre os dezessete depoimentos, onze pontuaram sobre temas vinculados

    esttica, organizao e qualidade do imvel, ou seja, destacaram a beleza dos

    imveis nas reas mais ricas. Isso confirma a percepo que as reas mais pobres

    apresentam uma qualidade esttica inferior, ou seja, para a maioria dos alunos

    investigados h uma relao entre poder aquisitivo e beleza do imvel. Houve

    tambm a caracterizao por meio da meritocracia e pela facilidade de acesso

    renda, ou seja, para os alunos, o acesso moradia vinculado capacidade

    financeira do cidado. Se um indivduo possui uma renda maior, logo ele pode

    acessar uma residncia melhor. Isso para alguns alunos determinou a melhor

    38

  • qualidade construtiva das moradias em reas mais ricas. Alm disso, vale ressaltar

    que os agentes fundirios e imobilirios escolhem as melhores reas urbanas para

    os melhores empreendimentos.

    QUADRO 3

    PERCEPO SOBRE AS MORADIAS DE ALTO LUXO

    Categorias Nmero de

    depoimentos

    Alguns depoimentos antes do trabalho

    de campo

    Qualidade construtiva 11 (...) uma casa de luxo com um espao

    grande ao seu redor e bem planejada.

    Aluno H

    (...) casa grande e bem construda- Aluno

    L

    Higiene 0

    Localizao 0

    Relao com o poder

    pblico

    0

    Origem rural (xodo) 0

    Acesso riqueza 6 (...) moradia das classes mais altas da

    populao brasileira. Aluno P

    (...) ambiente propcio para a vida, com

    uma notvel alta renda Aluno S

    Fonte: dados e elaborao da pesquisa

    Confirmando a ideia exposta no pargrafo anterior, nos depoimentos sobre a

    Qualidade construtiva foi perceptvel uma relao entre a beleza do imvel e a

    renda. Na categoria Acesso riqueza foi possvel notar uma relao entre o mrito

    das classes mais afortunadas de ter os melhores salrios e empregos com o acesso

    aos melhores empreendimentos nas melhores reas do municpio.

    No houve depoimentos sobre as categorias: higiene, localizao, relao com o

    poder pblico e origem rural. Isso pode indicar um distanciamento dos reais

    problemas, causas e caminhos para o acesso moradia. Para os alunos, as

    categorias vinculadas beleza e riqueza eram suficientes para justificar o

    39

  • predomnio dos melhores empreendimentos nas melhores reas da cidade. Talvez,

    isso seja fruto de educao geogrfica pouco investigativa que eles tiveram e que

    proporcionou mais uma memorizao do que uma (re) leitura da dimenso

    socioespacial do real. Cabe aos professores de geografia promover uma abertura

    para que essa disciplina se torne mais investigativa e crtica, tornando os alunos

    pesquisadores da realidade. Reafirmando, ns, professores, trabalhamos um

    contedo de determinada forma porque j vimos algum fazendo assim ou pensamos que esta uma forma possvel e desejvel de ensinar aquele contedo. freqente trabalharmos um contedo sem, verdadeiramente, nos perguntarmos: por que este contedo e no outro? Por que assim e no de outra forma? Enfim, por que trabalhar isto, desta forma, nesta disciplina? (BRAGA, 2003, p. 64).

    4.2. Subtema 2: Sobre as condies de vida num aglomerado urbano e no

    assentamento Pastorinha

    A pergunta solicitou aos alunos que descrevessem sobre as possveis condies de

    vida das populaes que habitavam os dois espaos representados por imagens no

    segundo diagnstico. Eles se depararam com uma imagem de um aglomerado

    oriunda do primeiro diagnstico e tambm analisaram uma imagem capturada in

    loco de uma moradia do assentamento Pastorinha (disponvel apenas no segundo

    diagnstico).

    Oito alunos sinalizaram que, no primeiro caso, antes do trabalho de campo, a

    precria condio de vida nos aglomerados era oriunda do restrito acesso riqueza

    e aos servios bsicos de um municpio. Dois escreveram que havia um precrio

    acesso ao lazer, educao e sade e sete alunos relacionaram a pior condio de

    vida no local com a estrutura fsica existente no aglomerado.

    40

  • QUADRO 4

    PERCEPO INICIAL SOBRE A CONDIO DE VIDA EM REAS POBRES

    Categorias Nmero de

    depoimentos

    Alguns depoimentos antes do

    trabalho de campo

    Acesso renda e aos

    servios pblicos.

    8 A condio de vida da populao

    da primeira imagem no boa, o

    salrio das famlias muitas das

    vezes no d para alimentar (...)

    Aluno H

    (...) so pessoas humildes que

    devem ganhar 1 ou 2 salrios

    mnimos (...) Aluno R

    Lazer, estudo, emprego,

    e sade.

    2 (...) as pessoas no estudam em

    uma boa escola e o contato com o

    crime enorme (...) Aluno L

    Estrutura fsica local 7 (...) As condies de vida

    possivelmente so ruins por no

    ter infraestrutura de modo que

    cubra as necessidades do cidado

    (...) Aluno G

    (...) Eles no tm gua tratada,

    tratamento de esgoto, no tm

    postos de sade e para ter esses

    servios necessrio descer para

    a rea dos ricos. (...) Aluno L

    Fonte: dados e elaborao da pesquisa

    41

  • QUADRO 5

    PERCEPO APS O TRABALHO DE CAMPO

    SOBRE A CONDIO DE VIDA EM REAS POBRES

    Categorias Nmero de

    depoimentos

    PERCEPO

    INICIAL

    Nmero de

    depoimentos

    PERCEPO

    PS

    TRABALHO

    DE CAMPO

    Alguns depoimentos aps o

    trabalho de campo

    Acesso renda

    e aos servios

    pblicos.

    8

    (precrio

    acesso)

    7

    (acesso

    garantido por

    articulaes

    comunitrias)

    (...) pois eles tm uma

    moradia com infraestrutura e

    um possvel saneamento

    bsico (...) Aluno C

    (...) possuem um trabalho fixo,

    uma renda estvel e um bom

    lugar para morar. Aluno F

    Lazer, estudo,

    emprego e

    sade.

    2 9 Uma populao pobre, mas

    que tem uma condio de vida

    melhor, com mais higiene,

    alimentos e at mesmo mais

    dinheiro. Aluno T

    (...) embora precria a

    condio de vida, estes tm

    acesso escola, saneamento

    e alimento (...) Aluno L

    Estrutura fsica

    local

    7 0

    Relao com o

    poder pblico

    0 1 (...) o governo no leva

    melhorias nenhuma para os

    assentados (...) Aluno L

    Fonte: dados e elaborao da pesquisa

    42

  • Grfico 2: Percepes sobre as condies de vida em aglomerados

    urbanos e no assentamento.

    Fonte: dados e elaborao da pesquisa

    Aps a ida ao assentamento, sete alunos destacaram que o planejamento

    comunitrio favoreceu o acesso renda e aos servios numa rea cuja renda per

    capita mdia se assemelhava existente nos aglomerados urbanos. Isso contradiz o

    que foi exposto antes do trabalho de campo, pois os alunos escreveram que as

    reas mais pobres apresentavam uma m qualidade de vida devido ao restrito

    acesso renda e aos servios.

    Nove alunos escreveram que havia melhores condies de vida no assentamento

    devido ao acesso ao lazer, estudo, emprego e sade. Apenas um aluno escreveu

    que o governo ajuda mais os assentados do que os moradores de aglomerados em

    reas urbanas.

    Os alunos identificaram que o assentamento visitado possui algumas articulaes

    sociais que favoreceram uma melhor organizao do local e por consequncia

    melhores condies de vida, fato esse justificado pela categoria lazer, estudo,

    emprego e sade. Os alunos notaram que havia, no assentamento, reas

    diferenciadas para o plantio, para o lazer e para a moradia. Ou seja, para os alunos,

    essas reas, aliadas baixa densidade demogrfica do local, favoreceram uma

    melhor organizao do espao. Isso aprofunda o que foi dito sobre os aglomerados,

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  • pois nos depoimentos iniciais dos alunos foi visvel a relao entre alta densidade

    demogrfica com a precariedade da organizao do espao.

    Houve outros destaques: um depoimento citou uma relao entre o b