dissertacao terapia centrada no cliente

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JOO CARLOS CASELLI MESSIAS PSICOTERAPIA CENTRADA NA PESSOA E O IMPACTO DO CONCEITO DE EXPERIENCIAO...........

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JOO CARLOS CASELLI MESSIAS

Psicoterapia Centrada na Pessoae o impacto do conceito de Experienciao

Pontifcia Universidade Catlica de Campinas 2001

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JOO CARLOS CASELLI MESSIAS

Psicoterapia Centrada na Pessoae o impacto do conceito de Experienciao

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia Clnica da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas como exigncia para obteno do grau de Mestre em Psicologia Clnica.

Orientadora:

Dra. Vera Engler Cury

Pontifcia Universidade Catlica de Campinas 2001

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O presente estudo dedicado a todos os trabalhadores que, independente do ofcio que abraam, acreditam no poder das relaes humanas e dedicam seus esforos em prol da construo de um mundo mais harmonioso e mais feliz.

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viver afinar o instrumento de dentro para fora de fora para dentro a toda hora a todo o momento de dentro para fora de fora para dentroSerra do LuarWalter Franco

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Agradecimentos

Tatiana, amiga, esposa, companheira e eterna namorada, por iluminar a minha vida, pela cumplicidade em tudo que h de mais importante para mim e pela capacidade de tolerar rejeio, o que tornou possvel a realizao deste estudo... minha famlia, em especial meus pais Joo e Vera por serem o porto seguro e a base de tudo aquilo que eu sou; Aos amigos, por terem me permitido dividir sonhos e ideais, e por me ensinarem as lies mais preciosas e significativas de minha vida sobre as relaes humanas; Vera, minha orientadora que tem nome de me, por ter me adotado no mundo cientfico, pelos puxes de orelha e pelos ensinamentos; A John Wood, pela disponibilidade em aconselhar-me e ensinar a observar a esttica da vida; Aos professores e colegas do programa de ps graduao da PUC Campinas, bem como as alunas do 5 ano de psicologia do grupo de superviso onde estagiei em 1999, pelas reflexes, discusses e pela oportunidade de vivenciar uma situao de aprendizagem significativa; CAPES, pelo apoio indispensvel para a concretizao deste sonho.

MESSIAS, Joo Carlos Caselli. Psicoterapia Centrada na Pessoa e o impacto do conceito de experienciao. Dissertao (Mestrado). (142pp.) Instituto de

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Psicologia e Fonoaudiologia Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, Campinas, 2001.

ResumoO estudo consiste numa reviso terica das formulaes postuladas por Carl Rogers ao longo do desenvolvimento da Terapia Centrada no Cliente, com nfase no conceito de experienciao como mudana paradigmtica. As publicaes de Eugene Gendlin referentes ao conceito tambm so analisadas. Adota-se o termo Psicoterapia Centrada na Pessoa como indicativo desta evoluo terica. A partir da incorporao do conceito de experienciao, a Terapia Centrada no Cliente passa a ter uma base conceitual mais consistente e coerente com a prtica, havendo uma transio do pensamento positivista para o fenomenolgico. O conceito de experienciao permite uma compreenso processual da subjetividade humana e das relaes

interpessoais, especificamente a psicoterapia. So esclarecidas as relaes funcionais subjacentes criao de significado e analisadas as implicaes da experienciao para da a Psicoterapia relao Centrada na Pessoa, como o do

redimensionamento

teraputica,

maior

expressividade

terapeuta e uma compreenso do processo teraputico como um continuum experiencial vivido a dois, em benefcio do cliente. So analisadas as bases tericas que legitimam a importncia das atitudes facilitadoras do terapeuta para a mudana de personalidade. Palavras chave: Terapia Centrada no Cliente, Psicoterapia, Psicologia Humanista, Psicologia Clnica. MESSIAS, Joo Carlos Caselli. Person Centered Psychotherapy and the impact of the experiencing concept. Masters Dissertation. (142pp.) Instituto de

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Psicologia e Fonoaudiologia Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, Campinas, 2001.

AbstractThe study consists on a theoretical revision of the formulations postulated by Carl Rogers along the development of the Client Centered Therapy, with emphasis in the experiencing concept as a paradigmatic change. Eugene Gendlins publications referring to the concept are also analyzed. The expression Person Centered Psychotherapy is adopted in order to indicate this theoretical evolution. Client Centered Therapy turns to a more consistent and coherent conceptual basis supporting the practice by the incorporation of the experiencing concept, as a transition from the positivism to phenomenology. Experiencing concept allows a process understanding of the human subjectivity and interpersonal relationships, specifically psychotherapy. The underlying functional relationships of the creation of meaning are explained. The implications of experiencing for the Person Centered Psychotherapy are analyzed, such as new dimension of therapeutic relationship, larger expressiveness of the therapist and a comprehension of the therapeutic relationship as a continuum experienced both by the therapist and the client, in behalf of the client. The theoretical basis supporting the importance of the core conditions for therapeutic change are analyzed. Key words: Client Centered Therapy, Psychotherapy, Humanistic Psychology, Clinical Psychology.

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Sumrio

P Introduo _________________________________________________________9 Terapia Centrada no Cliente: origem e desenvolvimento _______________15A gnese de uma perspectiva inovadora: a no diretividade ____________________23 O aperfeioamento de um novo caminho: o Reflexo de Sentimentos ______________31 Algumas consideraes provisrias

_____________________________________53

O advento do conceito de Experienciao ____________________________57Uma forma processual de compreender o ser humano________________________61 O significado sentido (felt meaning)

____________________________________69 ____________83

Focalizao: o acesso ao significado sentido _______________________________75 As relaes funcionais entre significado sentido e smbolos conceituais

As implicaes do conceito de Experienciao para a Terapia Centrada no Cliente ______________________________93O projeto com esquizofrnicos e o impacto na relao teraputica Uma tendncia cada vez maior em enfocar o processo

_______________98

______________________109 _________________122

O impacto de uma viso processual na forma de fazer pesquisa ________________116 Em que pode ser til um continuum de processo teraputico?

Concluso _______________________________________________________125Referncias Bibliogrficas ___________________________________________133 Anexo 1 - Focalizao (Forma Reduzida)

________________________________143 ___________________________146

Anexo 2 - EXP Scale : Escala de Experienciao

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Introduo

A motivao para a realizao do presente estudo surge a partir das inquietaes do autor com relao prtica da Psicologia, em especial da psicoterapia, de acordo com a abordagem de Carl Rogers. A proposta de uma abordagem centrada no cliente, capaz de desenvolver o potencial das pessoas sem direcionar seu comportamento, traz implicaes importantes, tanto numa dimenso social quanto poltica. Tendo como cenrio primeiramente a psicoterapia individual, o trabalho de Rogers ampliou-se com o passar do tempo e encontrou aplicabilidade em diversificados contextos, mantendo sempre a mesma abordagem bsica, que segundo Wood (1995) manteve-se inalterada desde o incio. Variaram as formas atravs das quais essa abordagem revestiu-se para o contato com as diferentes realidades em que foi aplicada como a psicoterapia individual, de grupo, ludoterapia, educao, relaes de trabalho, grupos de encontro, relaes diplomticas e encontros de comunidade. Variaram tambm as hipteses tericas, necessrias para a orientao dos profissionais afinados com essa abordagem.

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Cuidadoso em respeitar a liberdade de cada indivduo, Rogers sempre procurou evitar que seu trabalho viesse a se transformar em alguma espcie de dogma. freqente observar em seus escritos a preocupao em no estagnar o desenvolvimento cientfico, incentivando novas pesquisas e valorizando o trabalho em equipe e as contribuies de seus colaboradores mais prximos. Sua obra mundialmente conhecida. H relatos de profissionais sintonizados com a Abordagem Centrada na Pessoa denominao mais ampla que o trabalho de Rogers adquiriu advindos de culturas bastante diferentes da americana. Hayashi (1998) um exemplo da influncia dos pressupostos rogerianos numa cultura oriental, mais precisamente no Japo. Bondarenko (1999) por sua vez relata o impacto da visita de Rogers e sua equipe Ucrnia, em plena guerra fria. Dentre as diversas publicaes de Rogers, duas acontecem em associao a autores brasileiros: A Pessoa como Centro, com Rachel Rosenberg em 1977 e Em Busca de Vida, contando com a participao de Afonso Fonseca, publicada em 1983. No que se refere psicoterapia, de modo mais especfico, a prtica clnica e o contato com outros profissionais centrados no cliente suscitaram diversos questionamentos. A terapia centrada no cliente, bem como as outras abordagens teraputicas pertencentes terceira fora em psicologia a Psicologia Humanista enfatiza o potencial humano e sua tendncia ao crescimento, desde que supridas as condies para tanto. Frick (1971) e Greening (1975) pontuam a reao dos psiclogos humanistas frente ao determinismo limitador que as escolas psicanaltica e comportamental preconizam como caracterstico da natureza humana.

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Um ponto de vista mais otimista, dotado de uma confiana bsica no ser humano e de uma nfase nos aspectos positivos da personalidade que podem ser desenvolvidos motivo de atrao para alguns profissionais; ao mesmo tempo razo para crtica, por parte de outros mais ortodoxos. Carl Rogers, tendo sido um dos principais expoentes da Psicologia Humanista foi igualmente alvo de admirao e confrontaes. Em um de seus artigos mais conhecidos, Rogers (1957) afirma que trs atitudes do terapeuta congruncia, empatia e considerao positiva incondicional so essenciais para que uma mudana de personalidade possa ocorrer com o cliente. Posteriormente, essas atitudes passariam a servir como alicerce terico quando aplicado a outros tipos de relao interpessoal. O contato que o autor do presente estudo tem a oportunidade de travar com profissionais centrados no cliente e estudantes suscita vrios

questionamentos. Dentre inmeras observaes, uma preocupao torna-se recorrente: como encontrar um fio condutor para a atuao do terapeuta centrado no cliente respeitando a sutileza que uma relao nesses termos pressupe? Em outras palavras, como evitar transformar atitudes em tcnicas, empobrecendo a qualidade do contato humano em um extremo e como no incorrer num romantismo, ao mesmo tempo caloroso, mas ainda assim equivocado e ingnuo, no outro extremo? comum observar, principalmente entre os terapeutas em formao, grande preocupao sobre o que fazer e como agir em terapia. Para eles, parece ficar sempre mais claro o que no fazer diante do cliente. No dirigir o processo teraputico, no diagnosticar o cliente, no julg-lo, no deixar que a teoria atrapalhe a relao... Por outro lado, o que dizer? Como ser

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emptico? Como manifestar aceitao positiva incondicional? Como ser congruente na relao? Ao mesmo tempo, as formulaes tericas propostas por Rogers em 1959 causavam neste mesmo autor a impresso de que as concepes tericas ainda no havia atingido a mesma abrangncia que a prtica da terapia centrada no cliente j demonstrava. Com o advento do conceito de experienciao, desenvolvido por Eugene Gendlin, a terapia centrada no cliente passa para uma nova fase, havendo uma mudana de enfoque tanto terico quanto prtico. Passa a ser enfatizada uma compreenso processual da personalidade e da psicoterapia; a postura do terapeuta redimensionada, havendo a possibilidade de uma participao mais expressiva deste na relao. O pensamento de Rogers, torna-se mais afinado com o existencialismo enquanto filosofia e fenomenologia como mtodo cientfico. O profissional brasileiro interessado em conhecer esta fase da terapia centrada no cliente, encontra algumas limitaes. Ao contrrio da obra de Rogers, amplamente difundida no Brasil, h uma sensvel escassez de publicaes de Gendlin em lngua portuguesa. No possuindo fluncia no idioma ingls, o leitor s poder ter acesso ao conceito de experienciao de maneira indireta, atravs de artigos de outros autores que tenham se interessado em discorrer sobre o assunto. O presente estudo tem por objetivo fazer uma reviso terica dos pressupostos da terapia centrada no cliente, analisando sua trajetria desde as primeiras publicaes de Rogers com nfase na incorporao do conceito de experienciao. Atravs de tal reviso, pretende-se explicitar os conceitos

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fundamentais para a atuao do terapeuta centrado no cliente e as implicaes decorrentes das mudanas de ponto de vista que foram ocorrendo medida em que a experienciao foi assimilada tanto na teoria quanto na prtica da psicoterapia. Como mtodo de pesquisa, o levantamento bibliogrfico necessrio para subsidiar a reviso terica procurou dar prioridade aos textos originais em ingls. Nos textos de Rogers anteriores a sua parceira com Gendlin, experienciar aparece como sinnimo de vivenciar; de fato, tal expresso amplamente utilizada com esse sentido na lngua inglesa de modo geral, sendo tambm empregada em portugus com esse sentido, porm com menos freqncia. Para evitar confuses e visando evidenciar o surgimento do conceito de experienciao, o verbo experienciar s foi utilizado nas tradues e consideraes do presente estudo quando efetivamente estava em relao com o conceito de experienciao. O primeiro captulo Terapia Centrada no Cliente: origem e desenvolvimento - contempla o surgimento de uma nova abordagem em psicoterapia a partir do trabalho de Carl Rogers, simultneo ao nascimento da Psicologia Humanista nos Estados Unidos dos anos 40 e 50. O segundo captulo O advento do conceito de Experienciao dedicado gnese e descrio do conceito de experienciao, fruto do trabalho de Eugene Gendlin. Neste captulo, o foco deslocado da terapia centrada no cliente com o objetivo de tornar possvel uma melhor concentrao na discusso dos pressupostos terico filosficos da experienciao.

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O terceiro captulo As implicaes do conceito de experienciao para a terapia centrada no cliente tem como meta a discusso da influncia recproca que as obras de Rogers e Gendlin exerceram, uma sobre a outra. Nesse captulo so discutidas as mudanas que a psicoterapia centrada no cliente sofreu ao ser levada ao contexto interveno psicolgica a pacientes psiquitricos. Na concluso, alm das consideraes finais so propostas sugestes consideradas pelo autor como importantes para a formao de terapeutas brasileiros centrados no cliente. A Abordagem Centrada na Pessoa, legado de Carl Rogers que Warner (2000) compara a uma grande nao, com vrias tribos, continua em desenvolvimento. Cada tribo, dentro da grande nao corresponde s diferentes atividades realizadas, com seus diferentes enfoques. O presente estudo tem como motivao maior contribuir para o desenvolvimento terico de uma dessas tribos, a Psicoterapia Centrada na Pessoa, levando em considerao os possveis benefcios para o campo da Sade Mental e das Relaes de Ajuda Psicolgica.

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Terapia Centrada no Cliente: Origem e desenvolvimento

There are times when all the world's asleep, The questions run too deep for such a simple man Won't you please, please tell me what we've learned? I know it sounds absurd, Please tell me who I am. The Logical Song (Davies/Hodgson) 1

O trabalho desenvolvido pelo psiclogo americano Carl Ransom Rogers teve diferentes vertentes ao longo de sua vida, sendo que suas idias e sua teoria foram se alterando em virtude de seu prprio amadurecimento profissional e pessoal. Pode-se dizer que uma caracterstica que se manteve constante durante toda essa trajetria foi seu interesse pelo ser humano e pelo seu desenvolvimento, condies que o impeliram pesquisa e investigao cientfica e sistemtica que pudessem vir a comprovar ou refutar suas hipteses acerca do fenmeno humano, uma vez que sua viso de homem distanciava-se cada vez mais das teorias que conhecera no comeo de sua carreira.

1

H momentos, enquanto o mundo est adormecido / Que as questes so por demais profundas / Para um homem assim to simples / Voc poderia, por favor, me dizer o que aprendemos / Eu sei que soa absurdo, mas por favor, / Me diga quem eu sou /

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Tendo iniciado sua atividade profissional em Rochester, atuou em orientao infantil entre 1928 e 1940. Na seqncia, Ohio, Illinois e Wisconsin foram o cenrio de pesquisas e formulaes acerca da psicoterapia de adultos, individual e de grupo, entre 1940 e 1964. Paralelamente, a docncia universitria era uma oportunidade de viver o contraponto: de um lado a academia pujante de reflexes e de teoria e do outro a prtica, o dia a dia, a experincia viva e imediata. Com a aposentadoria, muda-se com a famlia para a Califrnia (La Jolla, mais precisamente) e o foco de atuao passa a ser mais psicossocial, havendo uma maior preocupao com grupos intensivos, encontros de comunidade e facilitao de relaes diplomticas. A psicoterapia nessa ltima fase de 1964 at 1987, ocasio de seu falecimento deixa de ser o principal tema de interesse de Rogers, ao contrrio da primeira metade de sua carreira. Segundo OHara (1995) ele era possuidor da f fundamental de que o universo no se move ao acaso, de forma caprichosa ou arbitrria, mas de fato sob certas leis, ordenadas e compreensveis (p.41). Valorizar o trabalho uma herana que Rogers deve a seus pais, o que o impeliu a sempre manter uma atividade profissional bastante intensa e alm disso, a busca sistemtica por uma teorizao a partir da prtica (Dolliver, 1995). Desde os anos em que trabalhou como psiclogo infantil at a facilitao de grandes grupos, foram dcadas de dedicao compreenso do fenmeno humano e busca de elementos que pudessem propiciar uma melhor maneira de viver. importante lembrar que Rogers, como qualquer pioneiro

desenvolvendo atividades em um determinado campo de conhecimento,

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obviamente no desenvolveu sua formao nos mesmos moldes que as pessoas que se tornaram suas seguidoras tiveram oportunidade de obter. Em outras palavras, antes de Carl Rogers, no havia Terapia Centrada no Cliente; esta foi fruto de seu trabalho, suas pesquisas, questionamentos e reflexes. Sendo assim, sua formao acadmica foi completada em 1928, quando havia duas grandes escolas de pensamento na psicologia: a psicanlise e o behaviorismo, ambas gozando de grande prestgio em perodo de intenso desenvolvimento cientfico nos EUA. Com o passar dos anos, foi gradualmente questionando os princpios e a eficcia do mtodo psicanaltico que orientava sua atuao e percebendo que seu estilo pessoal de atendimento distanciava-se cada vez mais dos pressupostos que at ento guiavam sua prtica. Uma situao irreversvel estava se concretizando: seria necessrio encontrar um caminho prprio no campo da psicoterapia. Convidado para uma palestra na Universidade de Minnesota em dezembro de 1940, Rogers tem a devida noo do impacto de suas observaes: tenha sido de aprovao ou de repdio, a reao da platia foi intensa. Esse era um sinal evidente de que um modo indito de pensar a psicoterapia estava sendo desenvolvido. Suas afirmaes indicavam que uma nova abordagem surgia a partir de suas hipteses, baseada numa confiana na tendncia do indivduo para o crescimento, para a sade e para a maturidade; dava maior nfase aos sentimentos do que compreenso intelectual; situao imediata do que ao passado do indivduo e considerava a relao teraputica em si mesma como uma experincia de crescimento (Rogers, 1977). Nesse contexto emergia uma nova forma de pensar e atuar nas relaes de ajuda em psicologia. Em cada uma das idias e observaes apontadas na

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referida palestra, j se encontravam as sementes do que viria a se tornar a Terapia Centrada no Cliente, uma das abordagens que passaria a compor, nos EUA, a Terceira Fora em psicologia Psicologia Humanista (Greening, 1975; Frick, 1975). Rogers (1977) considerou essa palestra como um marco inicial, afirmando que o ponto de vista que [ele] adiantara to provisoriamente em 1940, tornou-se mais amplo, aprofundado e reforado, tanto pela experincia clnica como pela pesquisa (p.16). John Wood (1995a), um de seus colaboradores dos tempos de La Jolla, Califrnia, faz um retrospecto histrico do desenvolvimento do trabalho de Rogers, indicando a obra que pode ser considerada cone de cada fase. Segundo ele, podem ser indicados dois grandes perodos, cada um com trs subdivises definidas em termos do enfoque que o trabalho assumia. Dessa maneira, os primeiros trinta anos, de 1935 a 1965 correspondem ao desenvolvimento da Abordagem Centrada no Cliente e os trinta anos seguintes, de 1965 a 1995 o perodo de desenvolvimento da Abordagem Centrada na Pessoa, que continua sua trajetria at nossos dias 2. Assim, segundo Wood (1995a), da Terapia Centrada no Cliente Abordagem Centrada na Pessoa, existem as seguintes etapas:

Abordagem Centrada no Cliente (Terapia Centrada no Cliente): 1. nfase na descrio e compreenso das atitudes do terapeuta. Principal publicao: Aconselhamento e Psicoterapia, 1942;

O ano de 1995 usado como referncia apenas pelo fato de ser a data da publicao do livro de Wood que contm tal esquema histrico, porm pode-se considerar que a segunda etapa estende-se at os dias atuais.

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2. Preocupao com mtodos de psicoterapia. Principal publicao: Terapia Centrada no Cliente, 1951; 3. Enfoque na experincia e nos processos internos. Principal publicao: Tornar-se Pessoa, 1961;

Abordagem Centrada na Pessoa (Aplicaes diversas dos princpios rogerianos):

4. Aplicabilidade das idias no campo da educao e aprendizado. Principal publicao: Liberdade Para Aprender, 1969; 5. Enfoque nos trabalhos de relacionamento interpessoal. Principal publicao: Grupos de Encontro, 1970; 6. nfase nos processos sociais e culturais. Principais publicaes: Sobre o Poder Pessoal, 1977 e Um Jeito de Ser, 1980.

A mudana de Terapia Centrada no Cliente para Abordagem Centrada na Pessoa no consiste em uma simples questo de nomenclatura. Tais ttulos representam diferentes etapas de um trabalho que foi se transformando e crescendo ao longo do tempo. A primeira grande fase que Wood (1995a) aponta como Abordagem Centrada no Cliente corresponde gnese e fortalecimento das idias de Rogers a respeito da prtica psicoterpica sob um novo prisma, uma nova maneira de ver o ser humano. Esse novo modelo, chamado de Terapia Centrada no Cliente implica em um tipo de filosofia prpria com sua viso de homem caracterstica e o indispensvel arcabouo terico que pudesse dar estrutura a tal procedimento. Na segunda grande

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fase, perodo de desenvolvimento da Abordagem Centrada na Pessoa, os princpios teraputicos, a filosofia e o posicionamento profissional advindos da prtica da psicoterapia so ampliados para outros contextos, como a educao, as relaes interpessoais em geral e a resoluo de conflitos entre grupos tnicos, por exemplo. As atitudes bsicas eram as mesmas, porm aplicadas a situaes bastante diversificadas. Isso implica dizer que desde o comeo da atividade de Rogers, uma abordagem prpria j lhe era caracterstica, ou seja, uma forma especial de lidar com os fenmenos ao seu redor. Uma perspectiva positiva de vida, a crena numa tendncia ao crescimento, a inteno de ser eficaz em seus prprios objetivos, o respeito pela autonomia e dignidade do indivduo, flexibilidade de pensamento e ao, tolerncia quanto s incertezas ou ambigidades, senso de humor, humildade e curiosidade so elementos que Wood (1995a) aponta como marcantes desse jeito de ser. Tal maneira de abordar os fenmenos sempre foi subjacente ao trabalho de Rogers; as divises e categorias referem-se, portanto, s diferentes aplicaes dessa abordagem. Outra possibilidade de caracterizao do trabalho de Rogers, desta vez tendo como enfoque apenas a psicoterapia, proposta por Hart (1970) em trs etapas:

1. 1935 1950 : Etapa No Diretiva 2. 1950 1957 : Etapa Reflexiva 3. 1957 1965 : Etapa Experiencial

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Cury (1993) prope uma quarta etapa, com nfase nas decorrncias da fase experiencial para a relao teraputica:

4. 1965 at nossos dias : Psicoterapia Centrada na Pessoa

As classificaes de cada um desses autores (Hart, 1970; Cury, 1993 e Wood, 1995a), permitem uma clara compreenso do legado de Carl Rogers. Mantendo o foco no desenvolvimento da psicoterapia, nota-se que as etapas classificadas por Hart correspondem ao perodo que Wood denomina Abordagem Centrada no Cliente, poca em que o trabalho de Rogers estava mais limitado psicoterapia. As etapas no diretiva, reflexo de sentimentos e experiencial (Hart, 1970) correspondem aos itens 1, 2 e 3 do esquema de John Wood (1995a). A partir dos anos 70 a ateno de Rogers voltou-se mais ao trabalho com grupos, workshops e encontros de comunidade. O aprendizado obtido a partir dessas experincias repercutiu na psicoterapia, que continuava em evoluo; por essa razo Cury (1993) prope a quarta etapa psicoterapia centrada na pessoa enfatizando um redimensionamento das atitudes de empatia, aceitao positiva incondicional e congruncia, no sentido de uma fenomenologia da relao psicoterpica enquanto encontro de subjetividades num processo experiencial a dois. Nas palavras da autora:Nossa posio a de que no estamos mais falando do terapeuta como fornecendo apenas uma atmosfera de calor humano, genuinidade e empatia para o cliente quando nos referimos a este modelo psicoterpico em sua fase atual. O terapeuta que incorporou o conceito de experienciao e participa das aplicaes correntes da Abordagem Centrada na Pessoa aos Grupos de Encontro e Workshops Intensivos adquiriu uma perspectiva nova em relao

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terapia individual: passou a consider-la como um grupo didico. Ao faz-lo, redimensionou os elementos envolvidos no processo, passando a conferir igualdade de posio s duas pessoas que se encontram face-a-face, num processo a mdio e longo prazo. (Cury, 1993 p. 233)

H uma estreita afinidade entre as fases experiencial (Hart, 1970) e da psicoterapia centrada na pessoa (Cury, 1993). Ambas derivam de uma compreenso processual da subjetividade do indivduo, baseadas na

concepo experiencial. Por outro lado, a distino entre essas fases deve-se, principalmente, ao fato da psicoterapia centrada na pessoa contemplar as implicaes que tiveram os trabalhos com grupos intensivos na prtica dos terapeutas centrados no cliente. preciso ressaltar as datas de cada classificao: Hart indicou trs fases em 1970, quando as atividades de Rogers com grupos intensivos comeavam a ganhar maior expressividade. Na ocasio da classificao de Cury, 23 anos posterior, j era possvel contemplar essa dimenso mais ampla do desenvolvimento da terapia centrada no cliente, e por essa razo, a alterao para psicoterapia centrada na pessoa no apenas uma reviso de nomenclatura. Wood (1995a) corrobora tal ponto de vista, afirmando que tal alterao no um mero malabarismo de nomes ou realinhamento dos princpios da Terapia Centrada no Cliente, mas uma nova perspectiva global (p267). A opo pelo uso da expresso Psicoterapia Centrada na Pessoa e no de Terapia Centrada no Cliente no ttulo do presente estudo indica a concordncia com o ponto de vista proposto por Cury (1993), embora a autora

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tenha dado nfase s decorrncias dos Workshops e Grupos de Encontro para a prtica psicoterpica.

A gnese de uma perspectiva inovadora: a no diretividade

Uma caracterstica marcante de Carl Rogers era sua abertura observao dos fatos. Essa atitude cientfica presente desde seus tempos de criana refletiu-se no rigor de suas pesquisas. Na palestra proferida na Clnica Menninger (EUA) em 1946, Rogers afirma que a Abordagem Centrada no Cliente possibilitaria melhor compreenso do processo de psicoterapia e o aprimoramento de sua prtica. Esse posicionamento j estava presente em sua mente e dirigia seus esforos profissionais desde o comeo de sua carreira. Ao perceber que seu estilo pessoal o conduzia para uma direo diferente daquela dos padres da psicologia clnica vigente na poca de sua formao (ou seja, a compreenso psicanaltica), Rogers dedicou-se a um extenso trabalho de pesquisa para que pudesse embasar seus pontos de vista. O uso de gravaes de sesses psicoterapia na ntegra foi um recurso amplamente utilizado por Rogers e sua equipe, desde os tempos da Universidade Estadual de Ohio. Com a determinao de encontrar uma forma objetiva para analisar o processo psicoteraputico, a reproduo exata do mesmo tornava-se recurso indispensvel. Assim, a terapia no precisava mais ser vaga, nem a habilidade teraputica precisava ser um dom intuitivo (Rogers, 1942a, p.218).

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A nova forma de psicoterapia que surgia (naquele ponto chamada de Abordagem No Diretiva), apresentava diferenas fundamentais em relao base psicanaltica com a qual rompera. Uma delas a previsibilidade, em linhas gerais, de um processo ordenado e consistente. Rogers (1942b) critica a viso difusa e oportunista que insiste na noo de que cada caso diferente (p.77) ao defender a idia de que h constncia nos processos psicoterpicos e de que seus elementos poderiam ser pesquisados objetivamente. Poucas abordagens contaram com to intensiva e abrangente atividade de pesquisa ao longo de seu desenvolvimento quanto a terapia centrada no cliente, segundo Shlien & Zimring (1970). Muitos modelos de terapia so desenvolvidos fora do contexto acadmico e o intercmbio destes com a pesquisa somente ocorre posterior e indiretamente. Isso no aconteceu com a terapia centrada no cliente; ao contrrio, o fato de Rogers ter estado vinculado a universidades at a ocasio de sua aposentadoria permitiu que o desenvolvimento de suas formulaes tericas ocorresse em ambiente acadmico. A preocupao em tornar clara e objetiva uma estrutura de processo pelo qual o cliente passa em psicoterapia manteve-se presente ao longo das pesquisas e publicaes de Rogers (1942b, 1951, 1957, 1959, 1961), tendo variado em relao forma como foi abordado. Ao longo dos anos, o enfoque vai gradualmente passando da descrio de comportamentos e reaes do cliente em terapia para experincias subjetivas e a forma como vivencia seus sentimentos. Shlien e Zimring (1970) classificam a transio gradual das formulaes de Rogers e do emprego de mtodos de pesquisa condizentes em quatro

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estgios. No primeiro, correspondente ao perodo de 1940 a 1947, h um predomnio do interesse no contexto da terapia e nas conseqncias no cliente, pesquisados atravs do uso de gravao de sesses. No segundo perodo (1947 a 1951) um estilo mais fenomenolgico comea a ganhar fora atravs da nfase na estrutura de self e na percepo do indivduo. A forma de pesquisa, entretanto, calcada em proposies do tipo se ento, e na descrio de resultados. O terceiro perodo, (1951 1957) caracterizado por uma mudana de enfoque, que passou a contemplar mais as atitudes do terapeuta e as condies da terapia. As atividades de pesquisa tinham como objetivo a constatao de tais condies atravs de comparaes de caractersticas dos clientes antes e depois da terapia. No quarto estgio (1957 at os dias atuais) uma viso fenomenolgica solidificada atravs da adoo de uma forma processual de compreender a subjetividade do cliente, no qual a ateno recai novamente. O enfoque terico, e consequentemente a forma de fazer pesquisa, migram definitivamente do positivismo lgico para a fenomenologia. Uma premissa bsica que orienta as atitudes do profissional centrado no cliente a confiana no potencial de cada pessoa. A essa confiana Rogers d o nome de tendncia atualizante. O termo utilizado pela primeira vez dessa forma em sua palestra de 1946 para a platia da Clnica Menninger: na maioria dos indivduos, seno em todos, existem foras de crescimento, tendncias para a auto atualizao, que podem agir como a nica motivao para a terapia (Rogers, 1946, p.25). Tal noo crucial na composio de uma forma diferente de pesar a psicoterapia. O Humanismo em Psicologia se ope s outras duas principais correntes de pensamento a Psicanlise e o

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Behaviorismo por no considerar o ser humano como fruto passivo de foras alheias sua vontade. Toda a prtica adotada em qualquer uma destas propostas em psicoterapia deriva de sua maneira caracterstica de

compreender o fenmeno humano. Por essa razo, as atitudes que fazem parte da prtica dos profissionais centrados na pessoa s fazem sentido quando em prol da liberao das foras do potencial humano, ou seja, da tendncia atualizao. Apesar de no utilizar tal expresso em seus escritos anteriores, Rogers j fazia meno ainda que de maneira menos explcita a esse tipo de potencial. Essa tambm a razo de no se utilizar a palavra paciente para referir-se pessoa em psicoterapia, mas sim cliente. Esta mudana demonstra a preocupao em ressaltar o potencial de uma pessoa que busca ajuda para desenvolv-lo e no uma pessoa doente que depender da interveno de um especialista para que possa ser curada. As pesquisas demonstravam que havia passos caractersticos ao longo do processo teraputico (Rogers, 1942b, 1946), tais como a busca de ajuda por parte do cliente, a expresso de seus sentimentos, sua compreenso de aspectos do prprio eu (ou self), a tomada de decises e uma crescente autonomia e independncia. Rogers acreditava que a funo do terapeuta deveria ser a de liberar o potencial do cliente, e portanto, suas atitudes deveriam ser cuidadosamente analisadas para que o processo pudesse fluir. Se o terapeuta fosse capaz de permitir a livre expresso dos sentimentos do cliente, independente de serem sentimentos negativos ou positivos e se ele pudesse abdicar da direo da terapia fazendo com que o cliente assumisse a responsabilidade pelo seu

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prprio processo de transformao, ento estaria colaborando para o crescimento e transformao de personalidade de seu cliente. Esse ponto de vista tornou-se bastante polmico na poca. Rogers (1946) afirma que:Parece genuinamente perturbador para muitos profissionais concordar com o pensamento de que esse cliente, sobre quem eles tm estado exercitando suas habilidades profissionais, saiba realmente mais sobre o seu prprio self psicolgico, do que eles mesmo possam saber; e que o cliente possua poderes construtivos que fazem com que o esforo do terapeuta parea

insignificante (p.28)

Defender tal ponto de vista tinha decorrncias significativas. Em primeiro lugar, alterava-se completamente a hierarquia da relao

teraputica, que foi completamente revista. No havia mais uma consulta, por parte de um paciente buscando a ajuda de um especialista, na qual o contato entre aquelas duas pessoas restringia-se possibilidade do terapeuta exercer sobre o paciente suas habilidades. Em uma relao de atendimento no diretivo, o terapeuta tinha como objetivo fazer da sua relao com o cliente um ambiente propcio para que ele, cliente, pudesse desenvolver seu potencial e assumir a responsabilidade pelo processo. A dimenso da implicao poltica dessa alterao de papis s ficou clara para o prprio Rogers muitos anos mais tarde, quando ele pode refletir sobre esse aspecto de seu trabalho (Rogers, 1977). A fora da no diretividade ainda tema que suscita reflexes e discusses nos dias de hoje. Brodley (1997) aponta as dificuldades de uma efetiva adoo da postura no diretiva cuja definio bsica a de que o

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terapeuta no tem a inteno de administrar, guiar, conduzir, regular ou controlar o cliente (p.25). A adoo de tal atitude tem um impacto no cliente, no sentido de contribuir para seu auto conhecimento, a expresso de si e para o desenvolvimento de sua autonomia. Outra implicao importante foi o abandono de todo tipo de referencial partindo do terapeuta; este deveria evitar perguntar, sondar, culpar, interpretar, aconselhar, sugerir, persuadir, reassegurar (Rogers, 1946 p.21). Significava tambm, consequentemente, o abandono de todo o conhecimento psicodiagnstico produzido at ento e que norteava a conduta dos psicoterapeutas. Vale lembrar que a psicometria estava sendo amplamente desenvolvida nessa poca, nos EUA. Por essas razes a primeira etapa do trabalho de Rogers em psicoterapia conhecida como fase no diretiva (HART, 1970); pode-se afirmar que sua percepo da prtica diria do atendimento em consultrio levou-o a perceber que a orientao do processo vinha sendo estabelecida em sentido equivocado. Inverter a nfase do mesmo, pressupunha, antes de centr-lo no cliente, tir-lo das mos do terapeuta. Sendo assim, sensibilizar o terapeuta e tornar claras as atitudes que ele deveria adotar foi um desafio abraado por Rogers. O uso de sesses gravadas foi de grande valia para evidenciar o que se passava nas sesses de terapia. Contrastes entre os estilos diretivo e no diretivo foram apontados, bem como a correlao de resultados. Os terapeutas diretivos costumavam ser mais ativos na relao, trabalhar em questes mais especficas e oferecer mais informaes e explicaes, bem como um foco maior nos problemas levantados pelo cliente. Os terapeutas

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no diretivos, por sua vez, costumavam falar menos (em comparao com os diretivos), incentivar seus clientes a falar mais livremente sobre seus problemas e procurar tornar mais claros para o cliente seus sentimentos e padres de reao, ou seja, a forma como estava organizado seu self. Em suma, a nfase dos terapeutas diretivos parecia ser a resoluo dos problemas apresentados pelo cliente, enquanto os no diretivos preocupavam-se mais em enfatizar o prprio cliente, seu modo de ser e de agir (Rogers, 1942c). Um dado interessante obtido a partir das gravaes de sesses que os terapeutas eram muito mais diretivos do que eles supunham (Rogers, 1942a, p.214). Isso pode ser compreendido pelo fato de que a mudana de postura dos primeiros terapeutas a adotar o mtodo no diretivo teve que ser muito grande. Toda a formao do conselheiro nos Estados Unidos estava calcada, at ento, apenas em mtodos diretivos. Sendo assim, tornava-se difcil para eles adotar uma postura diferente e o risco de interpretaes equivocadas ou adoo de atitudes confusas tornava-se considervel. Coerente com a constante preocupao com a objetividade, Rogers adotou o uso das gravaes como forma de buscar a preciso que tanto almejava. Tais gravaes possibilitavam tambm pistas para resistncias, antagonismos, ou quedas sbitas que aconteciam durante a sesso (Rogers, 1942a, p.215). At ento, esse tipo de constatao ficava restrita interpretao do terapeuta, suas anotaes e memria; dessa forma, no lhe era possvel observar nada do que no viesse a condizer com a forma como ele j compreendia o processo e seu cliente. A reproduo da sesso atravs da gravao trazia o fenmeno luz da compreenso com fidedignidade.

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Se por um lado as atitudes do terapeuta eram intensamente pesquisadas, sendo analisadas em tabelas que explicitavam a quantidade de verbalizaes de cada categoria de terapeuta (diretivo ou no diretivo), os tipos de respostas dadas e mesmo os pontos em comum entre os terapeutas diretivos e no diretivos (Rogers, 1942c), havia a preocupao tambm de que essas atitudes fossem vistas como efetivamente atitudes e no como tcnicas. Rogers (1946) enftico ao afirmar que:O aconselhamento centrado no cliente, se quiser ser efetivo, no poder ser um truque ou uma tcnica. No um modo sutil de guiar o cliente, enquanto fingimos deix-lo guiar-se a si prprio. Para ser efetivo, deve ser genuno (p. 33)

Como se pode notar, desde ento j havia a preocupao com a autenticidade do terapeuta na relao com seu cliente. Representar um papel profissional no traria benefcios, mas ao contrrio, tornar-se-ia um elemento a atravancar o fluxo do cliente. Em uma fase posterior do desenvolvimento da Terapia Centrada no Cliente, Rogers, de fato, considerou a autenticidade do terapeuta como uma das condies essenciais para a transformao teraputica de personalidade. Uma afirmao como a supra citada, no contexto da psicologia americana de meados dos anos 40, confronta todo um paradigma de neutralidade e objetividade, que colocava terapeuta e cliente em papis bastante distintos e tambm distantes um do outro. Entretanto, a proposta rogeriana igualmente dotada de neutralidade: o terapeuta no interfere no direcionamento ou na construo de um jeito subjetivo de ver o mundo e reagir a ele. Tambm dotada de objetividade, dado o empirismo e

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o estrito rigor das pesquisas realizadas. A diferena, porm, se d na funo do terapeuta, que colocado face a face com seu cliente e que funcionar como coadjuvante, com a preocupao de criar o ambiente propcio para o desenvolvimento do cliente. O trabalho de Carl Rogers caminhava gradualmente para uma nova etapa. A Abordagem No Diretiva desenvolvida at ento representava uma ruptura com os padres vigentes de psicoterapia praticados nos EUA dos anos 40. As descobertas advindas das pesquisas indicavam uma orientao do trabalho do terapeuta contrria s abordagens anteriormente desenvolvidas, bem como acenava com a possibilidade de uma sistematizao de um processo teraputico ordenado sob algumas leis gerais, o que o tornava mais compreensvel e claro sem deixar de contemplar sua dimenso subjetiva. Os esforos de Rogers e seus colaboradores passaram a se concentrar na estruturao de um modelo terico consistente que permitisse a compreenso dos fenmenos observados em campo.

O aperfeioamento de um novo caminho: o Reflexo de Sentimentos

Dentre as diversas publicaes de Rogers na dcada de 50, h trs dedicadas ao desenvolvimento de uma teoria de personalidade e de mudana teraputica que merecem destaque: em 1951 a publicao de Terapia Centrada no Cliente, contendo a descrio e o funcionamento dessa modalidade de psicoterapia que

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evoluiu a partir do mtodo no diretivo, bem como um captulo dedicado a uma teoria de personalidade; em 1957 a publicao, no Journal of Consulting Psychology de uma artigo denominado As Condies Necessrias e Suficientes para a Mudana Teraputica de Personalidade, onde faz consideraes sobre as condies estabelecidas pelo terapeuta para que haja uma mudana de personalidade em psicoterapia e, em 1959 a publicao do captulo A Theory of Therapy, Personality and Interpersonal Relationships, As Developed in the Client Centered Framework (Uma Teoria de Terapia, Personalidade e Relaes Interpessoais Conforme Desenvolvidas na Abordagem Centrada no Cliente) para a coletnea de S. Koch Psychology: A Study of a Science onde procura definir com maior preciso os conceitos tericos que fundamentavam a Terapia Centrada no Cliente.

A teoria desenvolvida por Rogers sobre a personalidade humana parte do pressuposto de que, em primeiro lugar, todo indivduo existe num mundo de experincias em constante mutao, do qual ele o centro (1951, p.549). A esse mundo de experincias d-se o nome de campo fenomenolgico3 que

Campo Fenomenolgico uma traduo literal de Phenomenological Field, expresso usada por Rogers nos textos originais em ingls, cuja concepo origina-se na Psicologia da Forma ou Gestalt. Tal traduo aparece, por exemplo, na edio brasileira de Terapia Centrada no Cliente. A expresso traduzida, com o mesmo sentido, como Campo Fenomenal em Abordagem Centrada na Pessoa. pertinente ressaltar que no se trata de algum tipo de aluso Fenomenologia, apesar das afinidades entre a mesma e a Abordagem Centrada na Pessoa.

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corresponde totalidade das experincias de uma pessoa. Assim, quando um beb nasce, ele vive plenamente esse campo fenomenolgico, porm sem conseguir organiz-lo de forma coerente. Somente com o passar do tempo e com seu desenvolvimento, o beb comea a fazer diferenciaes importantes em meio s vivncias caticas; ele comea a se perceber como algo destacado do resto do mundo. Nesse momento h o incio lento e gradual do desenvolvimento da conscincia, e com ela, do desenvolvimento do eu (self). Rogers (1951, 1959) mantm sua premissa bsica de que todo ser humano impulsionado por uma tendncia ao crescimento a tendncia atualizante e postula que, dadas certas condies adequadas, o ser humano tende ao mximo desenvolvimento de suas potencialidades. Sendo assim, a possibilidade do desenvolvimento do self uma evidncia da tendncia

atualizante, pois este emerge do campo fenomenolgico tornando-se uma entidade diferenciada, capaz de organizar as percepes e sensaes que uma pessoa experimenta. A estrutura do self corresponde a um padro conceitual, fluido e coerente de percepes de caractersticas e relaes do eu ou do mim, juntamente com valores ligados a esses conceitos (Rogers, 1951, p. 566). Durante o processo de desenvolvimento do self, questes afetivas esto em jogo. O ser humano, segundo Rogers (1951, 1959) possui uma necessidade de considerao positiva. Em outras palavras, a criana experimenta a necessidade de ser amada, bem como experimenta diversas vivncias e sentimentos em seu campo fenomenolgico. Quando suas experincias no entram em conflito com a sua necessidade de afeto, ou seja, quando aquilo que ela vivencia no coloca em risco a afeio das pessoas que lhe so

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importantes (como seus pais, por exemplo),

seus sentimentos podem ser

expressos de maneira direta e sem distores. Porm, quando h o conflito entre aquilo que ela sente e a necessidade de sentir-se estimada, distores comeam a desenvolver-se na estrutura de self. o caso da criana que sente raiva de outra criana, mas no pode expressar seu sentimento, pois este no aceito pelos pais. Ela encontra-se ento diante de um dilema: ou atende ao sentimento de raiva que experimenta e considerada como m, ou atende necessidade de considerao positiva e distorce sua experincia. Assim comea a surgir uma discrepncia entre a vivncia organsmica e a estrutura de self, chamada de incongruncia. Desde o incio de sua teorizao, a reorganizao da estrutura de personalidade era entendida por Rogers como uma decorrncia da alterao na percepo que uma pessoa tem de si prpria. Se o campo perceptual que determina o comportamento, ento o objeto de estudo dos psiclogos seria a pessoa e seu mundo, tais como vistos pela prpria pessoa (Rogers, 1947, p.53). Em outras palavras, partia-se da premissa de que quanto maior o grau de discordncia entre a vivncia organsmica e a assimilao da mesma atravs da estrutura de self, tanto maior o estado de desequilbrio e desajuste psicolgico. A estrutura e funcionamento do self, portanto, ocupa papel central no corpo terico em desenvolvimento da Terapia Centrada no Cliente. No primeiro captulo de Terapia Centrada no Cliente, Rogers afirma que boa parte da construo de nossa teoria girou em torno do construto do self (1951, p.22).

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A importncia atribuda por Rogers a tal construto nesse perodo devese a compreenso de que a estrutura de self de uma pessoa seria

determinante em seu comportamento. A estrutura do self poderia ser comparada a uma espcie de filtro perceptivo, atravs do qual vivncias experimentadas no campo fenomenolgico de uma pessoa teriam maior ou menor acesso sua conscincia, podendo ser distorcidas ou mesmo bloqueadas. Sendo assim, as pessoas no reagem aos fatos em si, mas as suas percepes sobre os fatos. A questo de uma experincia poder ser avaliada como agradvel ou desagradvel no faz diferena no que se refere possibilidade de ser assimilada pela pessoa. O fator que determina se tal experincia pode ser admitida ou no conscincia a estrutura de self. Logo, quaisquer experincias que estejam em sintonia com a estrutura de self podem ser incorporadas, sejam elas prazerosas ou no, ao passo que aquelas que contradizem tal estrutura so negadas ou distorcidas. Rogers (1951) cita, entre outros exemplos, o caso da jovem que no se considerava inteligente. Ao receber uma boa nota em uma prova dado incoerente com sua maneira de ver a si mesma questiona a qualidade da avaliao. Uma situao de incongruncia entre o campo fenomenolgico de uma pessoa e seu self geradora de ansiedade e tenso. Sua energia fica dividida entre a manuteno de uma estrutura distorcida de self e as vivncias

emocionais em seu campo fenomenolgico. O comportamento torna-se dissonante, sendo esse paradoxo muitas vezes verbalizado pelos clientes que buscam psicoterapia como uma sensao de no conseguirem ser eles

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mesmos, ou de uma perplexidade diante das coisas estranhas que se flagram fazendo. Por essa razo, nesta fase da teoria o terapeuta centrado no cliente deveria funcionar como um espelho preciso que possibilitasse pessoa em terapia um espao de reconhecimento de si prpria. Se a origem da incongruncia e de traos distorcidos do self deve-se ao conflito entre as vivncias de uma pessoa e sua necessidade de considerao positiva, caberia ao terapeuta a criao de um ambiente emocionalmente seguro onde essa pessoa pudesse tomar conscincia de suas caractersticas de self e reencontrar-se com as vivncias de seu campo fenomenolgico, sem barreiras. Assim, um estado de congruncia poderia ser alcanado, graas integrao desses plos. A esse esforo do terapeuta visando colocar o cliente em contato com suas emoes e modos peculiares de sentir, Rogers deu o nome de reflexo de sentimentos. O segundo volume de Psicoterapia e Relaes Humanas (Rogers e Kinget, 1959), cuja proposta a discusso da prtica da Terapia Centrada no Cliente composto de uma anlise cuidadosa de diferentes tipos de respostas e exerccios prticos para o aprimoramento das atitudes. Marian Kinget afirma que refletir consiste em resumir, parafrasear ou acentuar a comunicao manifesta ou implcita do cliente (Rogers & Kinget, 1959, p.53). Pode-se notar mais uma vez a tentativa de Rogers e de seus colaboradores em tornar claro e objetivo o processo teraputico. Rogers, h muito insistia na importncia de uma postura genuna por parte do terapeuta em sua relao com o cliente. J em 1946 afirmava que o aconselhamento centrado no cliente, se quiser ser efetivo, no poder ser um

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truque ou uma tcnica (...) Para ser efetivo, tem que ser genuno(p.33). Se o segundo volume de Psicoterapia e Relaes Humanas traz exerccios minuciosos de respostas ao cliente, seu primeiro captulo Alm das Tcnicas novamente uma advertncia ao risco de se transformar atitudes em

tcnicas. Entretanto, tal situao parece ter tomado, em alguns casos, a direo que Rogers queria evitar. A possibilidade de usar o reflexo de sentimentos como uma tcnica talvez tornasse mais fcil a tarefa do terapeuta centrado no cliente. Mergulhar no mundo subjetivo do outro, e procurar enxergar a realidade como se fosse este outro poderia parecer uma tarefa muito difcil de realizar, ao passo que procurar refletir os sentimentos atravs de determinados tipos de respostas constituir-se-ia numa diretriz mais

consistente para a atuao do terapeuta inexperiente. Ao constatar o uso equivocado do reflexo de sentimentos, Rogers publica j no fim de sua vida um artigo intitulado Reflexo de Sentimentos e Transferncia onde afirma: embora eu seja parcialmente responsvel pelo uso deste termo para descrever um certo tipo de resposta do terapeuta, tenho, ao longo dos anos, me tornado muito infeliz com ele (...) Tornei-me mais e mais alrgico ao uso desse termo (1986, p.127). A contundncia com a qual ele critica a forma como o reflexo de sentimentos foi compreendida por muitos terapeutas demonstra sua insatisfao com o desvio do foco da terapia. O reflexo de sentimentos deveria funcionar como uma forma de ajudar o terapeuta a tentar compreender seu cliente empaticamente. No mesmo artigo, Rogers prope que o termo deveria ser alterado para Testando Compreenses ou Checando Percepes, com o intuito de

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incentivar os terapeutas em seu desejo de compreender seus clientes em lugar de se limitar a refletir. Ao propor uma nova direo para o processo teraputico, sustentada por um corpo terico coerente, Rogers enfatiza a importncia da postura pessoal do terapeuta que queira atuar em conformidade com os pressupostos da Terapia Centrada no Cliente. Segundo ele:A pessoa cuja orientao filosfica tende a mover-se em direo a um maior respeito pelo indivduo encontra, na abordagem centrada no cliente, um desafio e uma implementao a seus pontos de vista. Descobre nessa abordagem algo acerca das relaes humanas que tende a lev-lo mais longe filosoficamente do que jamais ousou, alm de lhe possibilitar uma tcnica operacional para colocar em ao esse respeito pelas pessoas, tanto quanto possa estar desenvolvido em suas prprias atitudes (1951, pp. 29-30).

O trecho citado demonstra a preocupao em dar prioridade filosofia de homem que o terapeuta centrado na pessoa deve possuir, sem entretanto, deixar de contemplar a aplicao dessa filosofia de relaes interpessoais atravs de atitudes concretas. Essa hierarquia de fatores pode ser considerada um ponto de sustentao do pensamento rogeriano. A aplicao, na prtica, deve funcionar a servio de uma filosofia subjacente; por esse motivo Rogers insiste em discorrer sobre atitudes do terapeuta e no sobre tcnicas de terapia. Ao analisar o processo de evoluo dos terapeutas que procuram adotar a Terapia Centrada no Cliente como orientao para seu trabalho clnico, Rogers (1951) observa algumas etapas comuns. Em primeiro lugar, uma apreenso por parte do terapeuta que inicia seu trabalho mesclando

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desconfiana e curiosidade. O terapeuta centrado no cliente iniciante consegue confiar no potencial do seu cliente at certo ponto e tende a sentir a necessidade de assumir a direo do processo, caso o cliente no consiga mais ser capaz disso. Conforme se aperfeioa, passa gradualmente a se surpreender com o desenvolvimento de seus clientes e os resultados que vo sendo alcanados em psicoterapia. Os fatos demonstram a eficcia do mtodo. Enfim, diante das evidncias o terapeuta passa a sentir-se mais seguro e a assumir efetivamente a abordagem centrada no cliente como alicerce de seu trabalho. De fato isso pode ser constatado at os dias atuais. O autor do presente estudo tem tido a oportunidade de estar em contato com terapeutas inexperientes ou em formao e que pretendem adotar a Terapia Centrada no Cliente como referencial terico e prtico. No so poucos os que, em algum momento, questionam se o uso de uma determinada tcnica no poderia facilitar o processo vivido pelo cliente. Sentem a necessidade de emprestar de outras abordagens como o Psicodrama ou a Gestalt, por exemplo, dramatizaes que essas escolas utilizam, ou dar sugestes como os Behavioristas, ou mesmo fazer interpretaes como os Psicanalistas. H que se levar em conta que trata-se de terapeutas ainda inexperientes, que no tiveram a oportunidade de experimentar a eficcia do processo teraputico. Por outro lado, seus questionamentos so relevantes como transformar em atitudes concretas essa filosofia de relaes que Rogers indica como essencial terapia? Ou, em outras palavras, o que fazer diante do cliente que deve seguir seu prprio caminho?

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Conforme ponderado anteriormente, o reflexo de sentimentos foi uma forma de tentar transformar a filosofia em atitude concreta. Rogers reconhece que para o cliente suas respostas funcionam como uma clara imagem de espelho dos significados e percepes que compem seu mundo no momento uma imagem que clarifica e produz insight (1986, p.129). Entretanto, no se deve confundir o efeito sentido pelo cliente que o que Rogers descreve nessa passagem com a funo do terapeuta. Com o objetivo de tornar claras as condies para que uma mudana em psicoterapia pudesse acontecer, Rogers publica em 1957 um de seus mais importantes e discutidos artigos As Condies Necessrias e Suficientes para a Mudana Teraputica de Personalidade. Nesse artigo ele afirma que seis condies devem existir para que haja a mudana teraputica; caso elas estejam ocorrendo em um grau mnimo, so suficientes para que o cliente possa mudar numa direo positiva. So elas: 1. Que duas pessoas estejam em contato psicolgico; 2. Que a primeira, a quem chamaremos cliente, esteja num estado de incongruncia, estando vulnervel ou ansiosa; 3. Que a segunda pessoa, a quem chamaremos de terapeuta, esteja congruente ou integrada na relao; 4. Que o terapeuta experiencie considerao positiva incondicional pelo cliente; 5. Que o terapeuta experiencie uma compreenso emptica do esquema de referncia interno do cliente e se esforce por comunicar esta experincia ao cliente;

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6. Que a comunicao ao cliente da compreenso emptica do terapeuta e da considerao positiva incondicional seja efetivada, pelo menos num grau mnimo (Rogers, 1957, p. 221).

Essas condies so um marco no desenvolvimento da Terapia Centrada no Cliente e da Abordagem Centrada na Pessoa. A meno s atitudes propostas de Congruncia, Aceitao Positiva Incondicional e Compreenso Emptica j existia nos escritos anteriores de Rogers de forma mais ou menos direta. Mesmo no perodo no diretivo possvel encontrar as razes dessas colocaes, que foram sendo lapidadas ao longo dos anos. Mas o impacto desse artigo deve-se ao fato de alm de haver uma sistematizao das idias e tendncias que vinham orientando a Terapia Centrada no Cliente Rogers afirmar que tais condies no so apenas necessrias, como suficientes. E mais: ele no circunscreve sua proposio aos limites da Terapia Centrada no Cliente, mas na verdade, prope que, em qualquer relao teraputica seja de que orientao for o que produz efeitos a presena dessas seis condies. Mais uma vez Rogers estava sendo polmico, ousado e coerente. Se antes ele props uma inverso da hierarquia da relao teraputica, desprezando a avaliao diagnstica, agora afirmava que as tcnicas que os terapeutas de diversas abordagens se esmeravam em aprimorar no tinham valor; quando muito poderiam contribuir para a existncia das atitudes facilitadoras de Congruncia, Aceitao Positiva Incondicional e Empatia. O que fazia a diferena, para ele, eram essas atitudes. A repercusso desse artigo no mundo cientfico repetiu um padro que j se manifestara

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anteriormente: uma diviso entre concordncia e rechao. Rogers j tinha adquirido a caracterstica de ser um autor controvertido, porm o que se pretende ressaltar a coerncia no desenvolvimento e sistematizao de suas idias e teoria. O fundamento para tais atitudes a tendncia atualizante. Rogers via o terapeuta como um elemento catalisador desse potencial ao crescimento. Se ele oferecesse as condies ao cliente, este responderia apresentando uma mudana teraputica de personalidade. Para isso, a primeira condio a existncia de contato psicolgico, de forma que o cliente fosse capaz de registrar a presena do terapeuta em seu campo fenomenolgico. Deveria, tambm, estar vivendo um estado de vulnerabilidade que lhe permitisse a abertura a um desejo de mudana. Essa condio importante, pois possvel que uma pessoa viva num estado de grande incongruncia, porm no sinta a necessidade de mudana. Trata-se das pessoas que adotam uma postura to defensiva que tendem a atribuir aos outros e s circunstncias a causa de suas dificuldades. Sendo assim, uma pessoa que no inicia um processo de psicoterapia de bom grado tende a obter pouco ou nenhum resultado, como o caso de pessoas que so encaminhadas contra a sua vontade por instituies, ou como adolescentes que so compelidos psicoterapia por presso dos pais. O terapeuta deve ser capaz de agir de forma congruente e genuna em sua relao com o cliente, evitando a adoo de uma fachada de profissionalismo que no corresponda a sua vivncia emocional. Essa genuinidade no pressupe que o terapeuta deva manifestar todos os seus sentimentos ao estar com o cliente, mas sim, estar atento a eles. Por outro

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lado, uma atitude falsa de aceitao s tenderia a criar barreiras na comunicao, mesmo que aparentemente possa ser agradvel. o caso do terapeuta que tenta mostrar-se acolhedor, quando na verdade sente-se entediado ou aborrecido com seu cliente, por exemplo. Outra condio considerada fundamental por Rogers a Aceitao Positiva Incondicional, conceito desenvolvido por um de seus orientandos, Stanley Standal (1954), em sua dissertao para obteno do ttulo de PhD pela Universidade de Chicago intitulada The need for positive regard: a contribution to client centered theory (A necessidade de aceitao positiva: uma contribuio para a teoria centrada no cliente). Rogers incorpora essa contribuio levando em considerao o fato de que se o conceito for compreendido de forma absoluta como uma condio tudo ou nada, ento trata-se de um infortnio. nesse sentido que a considerao positiva incondicional existe como uma questo de grau em qualquer relao (1957, p.225). A compreenso emptica implica na capacidade, por parte do terapeuta, de perceber o mundo particular do cliente como se fosse o seu prprio, sem entretanto perder a caracterstica como se (1957, p.226). Sendo assim, o terapeuta pode mover-se livremente no mundo subjetivo do cliente, possibilitando a ele perceber coisas sobre as quais tinha antes apenas uma noo vaga. O objetivo o mesmo a que se propunha o reflexo de sentimentos: permitir ao cliente entrar em contato com sua vivncia interna de maneira cuidadosa e protegida. Como Barrett-Lennard (1993) observa, transitar empaticamente pelo mundo subjetivo do cliente muito mais do que repetir com outras palavras - o que ele disse ou refletir algum sentimento

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presente. O autor chama a ateno para o fato de que reflexo um termo traioeiro, pois d margem m interpretao de que os terapeutas centrados no cliente apenas refletem o que o cliente expressa. Dada a condio da empatia como elemento decisivo no processo teraputico, no se pode esquecer a inteno que lhe subjacente. A situao de psicoterapia tem por finalidade bsica o crescimento e desenvolvimento do cliente, e por essa razo, John Shlien (1998) ressalta a importncia da clareza de objetivo que deve acompanhar a atitude emptica, caso contrrio ela pode prestar-se at mesmo a fins destrutivos. Segundo ele, tanto um jogador de tnis que pretende derrotar seu adversrio, quanto uma pessoa sdica que tem como objetivo causar dor em seu parceiro masoquista representam exemplos da habilidade emptica sendo utilizada para um objetivo perverso. Em suas palavras:O credo cartesiano Penso, logo existo, que deu lugar a tantas outras transformaes na psicologia (...) originou um conceito psicolgico errado, isto , eu empatizo, logo sou um terapeuta. Mas que erro infeliz! Um substantivo transformou-se numa tcnica. Como que isto foi possvel? Foi o resultado de uma deturpao e mecanizao dos processos (p.42).

As trs atitudes do terapeuta talvez sejam, na verdade, menos independentes do que paream, quando didaticamente dispostas sob a forma de tpicos. A ateno aos prprios sentimentos, por parte do terapeuta, pode lhe ser um dado importante para a compreenso do mundo do cliente. Os psicanalistas chamariam a isso de contra-transferncia, porm Rogers (1986) afirma que transferncia ou contra-transferncia so critrios externos de avaliao; o que importa so os sentimentos em si. Portanto, ao agir de forma

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congruente e genuna, o terapeuta permite ao cliente a possibilidade de expressar-se como ele , sem o risco de uma avaliao ou de juzo de valor, o que remete necessidade e importncia da aceitao positiva incondicional. O terapeuta deve experimentar uma aceitao positiva incondicional pelo seu cliente como pessoa, o que no significa a concordncia incondicional com seu comportamento. A empatia parece ser o elemento que possibilita essa distino crucial, pois quanto mais o terapeuta capaz de colocar-se no lugar de seu cliente, maior compreenso advm sobre a motivao subjacente aos comportamentos dessa pessoa. Uma anlise simples dos comportamentos, tende a levar a julgamentos de valor e causalidade ao passo que, uma compreenso profunda e isenta de julgamento por parte de uma pessoa autntica produz um impacto transformador no mundo do cliente. Ao falar sobre o que a compreenso e aceitao significam para ele, Rogers (1995) enfatiza a importncia do terapeuta aceitar a si prprio e no apenas ao cliente:Percebo a eficcia, em meus relacionamentos com as pessoas, de aceitar a mim mesmo. (...) Esta pode ser uma direo bastante estranha a se seguir. Para mim parece ter valor pelo curioso paradoxo que indica que quando eu me aceito como sou, ento mudo. Acredito ter aprendido isto com meus clientes, bem como com minha prpria experincia no podemos mudar, nos mover a partir do que somos, enquanto no nos aceitarmos profundamente. Ento a mudana parece acontecer quase sem percebermos. (p.10)

A ltima das seis condies propostas por Rogers pontua que deve haver uma percepo, por parte do cliente, dessas condies. Mais uma vez, o cliente visto como elemento central no processo e cuja avaliao a

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predominante. Se acaso o cliente no se sente compreendido pelo terapeuta, tal situao no vista como resistncia, mas como uma falha do terapeuta em acessar o mudo subjetivo do cliente. Numa relao centrada no cliente, o terapeuta deve ser capaz de ir ao encontro de seu cliente e no de tentar traz-lo, num sentido inverso. O ambiente protegido em que a terapia acontece favorece a emergncia do mundo subjetivo do cliente; um terapeuta centrado no cliente deve ser capaz de adentrar esse mundo sabendo equilibrar, de um lado a delicadeza de no ser invasivo e do outro a habilidade em ajudar o cliente a vislumbrar aspectos de si prprio que lhe eram obscuros at aquele momento. Em pesquisa recente, Hamilton (2000) examina a maneira como o cliente percebe as condies essenciais4 que seu terapeuta capaz de possuir. Os resultados, obtidos atravs do uso da Escala de Avaliao do Conselheiro pelo Cliente5, indicam que a caracterstica principal percebida pelos clientes o bom ajustamento de seus terapeutas. Segundo o autor da pesquisa, o bom ajustamento percebido pelos clientes refere-se a uma espcie de compilao das condies essenciais, e usa como argumento a afirmao de Bozarth (1998) de que as condies essenciais somos ns (Hamilton, 2000 p.46). Com isso, pretende ressaltar o carter de atitude e no de tcnica das condies essenciais. Rogers afirma ainda, nesse artigo, que a psicoterapia no deve ser vista como um tipo de relao interpessoal diferente, em sua essncia, das outras

Condies essenciais a traduo literal de core conditions, expresso utilizada nos meios rogerianos como referncia s atitudes de aceitao positiva incondicional, congruncia e empatia.5

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Client Evaluation of Counselor Scale (CECS), desenvolvida pelo prprio autor.

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da vida quotidiana e que para realiz-la no so necessrias habilidades intelectuais e profissionais especiais, como psicolgicas, psiquitricas, mdicas ou religiosas (1957, p.231). Com isso, pretende enfatizar que as relaes humanas tm, por sua prpria natureza, o poder de serem transformadoras e que mesmo fora do contexto teraputico em alguns momentos as condies mencionadas so atendidas. Isso, porm, no significa que a psicoterapia deixe de ser uma relao interpessoal que possui caractersticas particulares; uma afirmao como essa seria o mesmo que desconsiderar que se trata de um servio de sade sendo prestado com horrios definidos, um local especfico, e pagamento de honorrios. Essa colocao de Rogers motivo de polmica ainda nos dias atuais. Quinn (1993), afirma que a terapia centrada no cliente centrada demais no cliente e excessivamente positiva. Fay & Lazarus (1992) argumentam que se Rogers estivesse certo em suas proposies, um psicoterapeuta no teria razo para um aborrecido aprendizado de tcnicas especficas. Bozarth (1995) discorda de tais colocaes, afirmando que trata-se de uma compreenso equivocada da teoria de Rogers, cujo paradigma difere das outras teorias. O que parece, algumas vezes, de difcil compreenso o fato de que mesmo tendo abandonado a autoridade e o direcionamento do processo psicoterpico em prol da centrao no cliente, o terapeuta rogeriano no deixou de ser um profissional que necessita de formao e de responsabilizarse pela realizao do seu trabalho. Alterar o paradigma do tratamento psicolgico no significa jog-lo no campo aleatrio do senso comum, e isso deve ser claro primeiramente para o prprio terapeuta centrado no cliente, para somente ento ser possvel uma argumentao em defesa do

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rogerianismo frente s crticas recebidas, como o fez Jerold Bozarth (1995). Segundo ele, o terapeuta centrado no cliente no deve ser visto como algum que vai fazer algo pelo cliente, no sentido de um especialista que intervm com a sua tcnica. Sua postura, na verdade, deve ser a de estar com o cliente, buscando facilitar o processo de crescimento particular do mesmo. Ao concluir o artigo citado acima Rogers questiona-se a respeito da utilidade que tais afirmaes poderiam vir a ter. Com o tempo, de fato, sua aplicabilidade foi estendida para alm dos limites da psicoterapia. J na poca de sua publicao havia o interesse pelo trabalho de Rogers em diversos outros campos, como na Educao, nas relaes de trabalho e em instituies comunitrias, entre outros. Para compor sua coletnea Psicologia: Um Estudo sobre uma Cincia, publicada em 1959, S. Koch solicita a contribuio de Rogers para um dos captulos. Este, aproveitando a oportunidade, desenvolve uma formulao terica mais completa e abrangente. O captulo intitulado A Theory of Therapy, Personality and Interpersonal Relationships, As Developed in the Client Centered Framework (Uma Teoria de Terapia, Personalidade e Relaes Interpessoais Conforme Desenvolvidas na Abordagem Centrada no Cliente) e torna-se uma referncia, bem como o artigo de 1957, j comentado. O artigo de 1959, escrito para ser um dos captulos do livro de Koch, o mais completo em termos de sistematizao terica no arcabouo da terapia centrada no cliente. Nele Rogers discorre acerca de: 1. Terapia e mudana de personalidade; 2. Personalidade;

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3. A pessoa em funcionamento pleno; 4. Relaes interpessoais e 5. A aplicabilidade de tais pressupostos, na vida familiar ou na reduo de tenses e conflitos grupais.

A primeira parte do artigo contempla a psicoterapia. Rogers retoma as proposies do Artigo de 1957 mantendo as seis condies como necessrias e suficientes e acrescenta dados de pesquisa que confirmam a teoria. H tambm um resgate do modelo apresentado em 1951 em Terapia Centrada no Cliente, dando nfase ao self como elemento primordial para a compreenso do processo teraputico, e suas implicaes na personalidade e no comportamento. Rogers, de acordo com uma postura que adotara h muito, procura descrever resultados objetivos que podem ser esperados a partir de um processo de terapia. Assim, uma pessoa que tenha passado por um processo teraputico eficaz tenderia a apresentar maior congruncia, abertura experincia e, consequentemente, tornar-se-ia menos defensiva. Uma percepo mais clara e menos distorcida, ou seja, melhor ajustamento tambm seriam caractersticas desenvolvidas por essa pessoa, o que levaria a uma reduo da vulnerabilidade, ameaa e sofrimento. Essa pessoa passaria, gradualmente, a valorizar seu prprio eu e confiar em si mesma como um referencial adequado de avaliao diante das contingncias da vida. Tal indivduo tenderia tambm a uma maior sociabilidade e a adoo de comportamentos mais construtivos.

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Vale ressaltar que para Rogers nessa poca, a possibilidade de uma pessoa alcanar esse tipo de maturidade psquica seria atribuda, em essncia, a uma reduo da dissonncia entre a experincia organsmica e a estrutura do self. Essa concepo de personalidade a base de sustentao da teoria de terapia que Rogers prope em 1951 e reafirma em 1959. Nesse momento do desenvolvimento da terapia centrada no cliente, Rogers considerava que o terapeuta deveria canalizar seus esforos para que seu cliente pudesse alcanar o melhor estado de congruncia possvel. De acordo com a apresentao esquemtica apresentada no captulo Uma Teoria de

Personalidade, que aparece no livro Terapia Centrada no Cliente, pode-se afirmar que a tarefa do terapeuta seria a de ajudar seu cliente a deslocar o maior nmero de elementos possvel das reas pertinentes somente experincia ou somente estrutura de self para a rea de interseo entre as duas. Rogers descreve do as caractersticas enfatizando a da criana quanto de ao

desenvolvimento

self,

necessidade

sentir-se

positivamente considerada pelas pessoas significativas em sua vida. A influncia dessa necessidade na construo do self decisiva e isso aprece claramente descrito na seguinte afirmao:a expresso de aceitao positiva por parte de uma pessoa significativa pode tornar-se mais poderosa do que o processo organsmico de avaliao e o indivduo se torna mais direcionado pela considerao positiva do outro do que por experincias de valor positivo para a atualizao do organismo (1959, pp. 245-246).

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Essa a etiologia da incongruncia. Quanto maior a ruptura entre a experincia e a estrutura de self que vai sendo desenvolvida, maiores a angstia, o sentimento de ameaa e as atitudes defensivas. O comportamento torna-se algo pouco coerente, em alguns momentos sintonizado com a estrutura de self, em outros a servio da experincia. Em casos mais extremos tal situao leva ao surto psictico e a uma desorganizao psquica mais grave. O ajustamento psicolgico segue o caminho inverso. No contexto da psicoterapia, as atitudes de empatia, considerao positiva incondicional e congruncia por parte do terapeuta oferecem ao cliente a oportunidade de um ambiente onde a reintegrao dos elementos da estrutura de self e da experincia pode acontecer. A descrio de uma pessoa hipottica que teria atingido um funcionamento pleno aparece inserida nesse artigo de 1959, como sendo o resultado de um processo psicoterpico extremamente bem sucedido. Esse tema abordado por Rogers em outras publicaes como o artigo Conceito de Pessoa em Funcionamento Pleno, escrito originalmente em 195253, porm somente publicado em 1963 em Psychotherapy: Theory, Research and Practice, bem como no captulo A Viso de um Terapeuta sobre a Vida boa: A Pessoa em Pleno Funcionamento, que compe o livro Tornar-se Pessoa, de 1961. Essa pessoa que Rogers sugere que poderia ser sinnimo de uma meta de evoluo social (1959, p.250) apresenta as caractersticas de abertura experincia e flexibilidade, conforme esperado de algum que teve a oportunidade de vivenciar um processo teraputico eficaz. A tendncia atualizante pode impulsionar seu organismo a um desenvolvimento cada vez

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maior, sem grandes obstculos ou conflitos; tal estado de harmonia possibilita a essa pessoa uma convivncia positiva com as outras. Com caractersticas semelhantes ao modelo de psicoterapia proposto, uma teoria de relaes interpessoais tambm elaborada para compor o artigo de 1959. Nela, Rogers postula que as atitudes de empatia, aceitao positiva incondicional e congruncia conduzem a relaes interpessoais saudveis e mais adequadas. Uma pessoa congruente capaz de perceber-se, bem como ao outro na relao, de forma menos distorcida e defensiva; isso lhe permite uma condio emocional importante para que possa compreender empaticamente seu interlocutor e consider-lo positivamente como pessoa, ainda que discorde de seus pontos de vista e comportamentos. Atitudes genunas, carregadas de aceitao e interesse pelo outro constrem um ambiente propcio para a resoluo de conflitos e a obteno de acordo. Implicaes dessas proposies so analisadas em dois contextos especficos: a vida em famlia e a reduo de tenses e conflitos grupais. No caso familiar, pais que incorporem as atitudes facilitadoras estaro contribuindo para um desenvolvimento saudvel de seus filhos. Tais atitudes tambm so decisivas no relacionamento grupal uma pessoa que assuma o papel de facilitadora em um grupo, ou seja, aquela que assume a responsabilidade de trabalhar em prol do bom funcionamento do mesmo no que se refere ao contato entre seus membros, pode atingir seu objetivo atravs de uma postura imbuda de congruncia, aceitao positiva incondicional e empatia.

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Algumas consideraes provisrias

Ao escrever o artigo de 1959, Rogers parece fazer uma sntese dos principais tpicos desenvolvidos ao longo de seu trabalho at ento, tornandose, tal artigo, uma espcie de cone da terapia centrada no cliente. possvel encontrar referncias mais claras a publicaes anteriores, como o caso do artigo de 1957 e da teoria de personalidade proposta em 1951 em Terapia Centrada no Cliente, mas tambm possvel encontrar ecos de afirmaes que j existiam desde o perodo chamado por Hart de No Diretivo. O leitor de Carl Rogers que fizer um retrospecto poder encontrar, j em suas primeiras publicaes, as razes do pensamento centrado no cliente e os alicerces do artigo escrito em 1959. Talvez essa seja uma das principais razes de sua importncia, pois ele torna claro e de forma sistemtica o embasamento dessa abordagem em psicoterapia se que encontrava, nesse perodo, numa fase de intenso amadurecimento. Por essas razes, refletir sobre o artigo de 1959 implica em refletir sobre a terapia centrada no cliente como um todo at ento, desde suas origens no final dos anos 30, at as pesquisas e formulaes elaboradas ao longo dos anos 40 e 50. Sendo assim, alguns fatos tornam esse perodo notrio. Em primeiro lugar, a valorizao do cliente entendido como uma pessoa com potencial ao crescimento que vem terapia em busca de ajuda para poder desenvolver-se. A tendncia atualizante, fora motriz na qual est

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alicerada toda a teoria desenvolvida por Rogers uma clara alternativa ao pensamento determinista da psicologia americana das dcada de 40 e 50. A nfase na qualidade da relao interpessoal entre terapeuta e cliente, sendo esta em si um fator de mudana teraputica, tambm marcante. A prioridade dada aos sentimentos representa mais uma caracterstica particular da nova forma de psicoterapia que havia sido criada. No que se refere postura do terapeuta, a definio das atitudes facilitadoras tambm um marco que se tornou guia de referncia bsico de todos os terapeutas centrados no cliente, bem como de profissionais que desejassem aplicar a teoria em outras reas, como educao, relaes interpessoais no trabalho, ou atividades sociais. Porm, se por um lado o artigo de 1959 compila as idias principais que tornaram o trabalho de Carl Rogers conhecido e respeitado por profissionais da psicologia e de campos variados do conhecimento, pode-se notar, por outro lado, alguns aspectos que ainda mantm vnculo com outros paradigmas sobre personalidade e psicoterapia. o caso da nfase insistente na assimilao, por parte do self, dos contedos que estivessem fora do seu campo de percepo. Tal

posicionamento terico pode ser comparado estrutura de personalidade proposta por Freud que contempla as dimenses consciente e inconsciente, sendo possvel traar um paralelo entre o self rogeriano e o ego freudiano. Ao mesmo tempo que Rogers (1951, 1957 e 1959) canaliza os esforos do terapeuta, atravs de suas atitudes, em prol da facilitao da tendncia atualizante que em proposta difere consideravelmente das pulses de Freud d um grande peso necessidade de haver uma incorporao, por parte do

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self, de contedos advindos do campo fenomenolgico do indivduo. Esse processo semelhante aquisio do insight na psicanlise freudiana. Tambm podem-se notar influncias da cultura positivista

predominante na poca. At aquele momento, Rogers j havia possibilitado um avano relevante no que se refere investigao e teorizao acerca da subjetividade humana; entretanto, o artigo de 1959 formulado como uma equao matemtica segundo uma estrutura causal de tipo se ento. Os postulados so apresentados sob a forma de itens, correlacionados atravs dessa estrutura. Isso pode ser observado no grfico que abre o artigo. Nele Rogers postula que se determinadas condies A (1-6)6 estiverem presentes, ento B (1-12)7 um processo acontecer. Se um processo B (1-12) acontece, ento C (1-15)8 determinados resultados podem ser esperados. necessrio considerar que pelo menos dois fatores parecem contribuir para que seja adotado esse estilo de construo do esquema proposto no artigo. Em primeiro lugar, o constante interesse de Rogers em encontrar elementos comuns entre os inmeros casos pesquisados que permitissem a definio de um processo previsvel em psicoterapia. Em segundo lugar, o contexto cientfico dos Estados Unidos dos anos 40 e 50, com a predominncia do pensamento positivista. Sendo assim, Rogers teve que se adequar aos padres da poca e a descrio de um processo que parecia mais fluido, na prtica, adquire uma caracterstica mais funcional na teoria.

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As condies necessrias e suficientes para a mudana teraputica.

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Refere-se ao processo de terapia, onde o cliente passa a viver maior abertura em relao aos prprios sentimentos, diminuio da incongruncia e consequentemente da adoo de atitudes defensivas, etc. Resultados na personalidade e comportamento da pessoa, como mudana na estrutura de self e adoo de comportamentos mais civilizados e maduros.

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Ressaltar novamente a importncia e o impacto da nova abordagem em psicoterapia, com suas primeiras razes no final dos anos 30 e tendo sua fundamentao advinda de intensa atividade de pesquisa seria redundante. Contudo, ao analisar o artigo de 1959, pode-se levantar uma questo: a de que a terapia centrada no cliente j havia atingido sua plenitude em termos de inovao, originalidade e consistncia no que se refere sua prtica; a teoria, por sua vez, encontrava-se um passo atrs, pois apesar de indita e muito bem encadeada em sua maior parte, ainda carecia de uma maior consistncia interna que a colocasse no mesmo patamar que a prtica j havia alcanado.

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O advento do conceito de ExperienciaoTudo o que d para sentir Quase que d para pensar Tudo o que d para pensar Quase que d para ouvir Tudo o que d para ouvir Quase que d para ver Tudo o que d para ver Quase que d para pegar Quase Tudo (Pricles Cavalcanti / Arnaldo Antunes)

Talvez uma das caratersticas mais marcantes de Carl Rogers tenha sido a valorizao e o incentivo que ele sempre procurou dar ao trabalho em equipe. Desde os anos em que foi diretor da clnica de Rochester, no incio de sua carreira, at as atividades realizadas no Center for Studies of the Person, em La Jolla - Califrnia, em seus ltimos anos de vida, Rogers sempre manteve-se aberto contribuio de seus colaboradores. Isso se reflete tambm em suas formulaes tericas, pois mesmo tendo sido o principal autor do arcabouo terico da terapia centrada no cliente, Rogers no trabalhou sozinho. Alguns conceitos importantes so fruto da colaborao de pessoas prximas, como o caso, por exemplo, da incorporao do trabalho de Standal referente necessidade de Aceitao Positiva Incondicional, anteriormente citado.

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Essa facilidade que Rogers possua de agregar contribuies possibilitou a incorporao do conceito de Experienciao, desenvolvido por Eugene Gendlin, caracterizando a etapa experiencial, segundo a classific