dissertacao autoria arte contemporânea
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Dissertação de mestrado onde o tema da autoria na arte contemporânea é trabalhadoTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC
CENTRO DE ARTES – CEART
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS – PPGAV
AMANDA CIFUENTE
EMBATES, NUANCES E DESDOBRAMENTOS:
questões para pensar a autoria na obra de arte
FLORIANÓPOLIS
2011
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AMANDA CIFUENTE
EMBATES, NUANCES E DESDOBRAMENTOS:
questões para pensar a autoria na obra de arte
Dissertação de Mestrado elaborada junto ao
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do
CEART/UDESC, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosângela Miranda
Cherem.
FLORIANÓPOLIS
2011
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AMANDA CIFUENTE
EMBATES, NUANCES E DESDOBRAMENTOS:
questões para pensar a autoria na obra de arte
Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do
CEART/ UDESC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais,
na linha de pesquisa Teoria e História das Artes Visuais.
Banca examinadora
Orientador: _____________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rosângela Miranda Cherem
CEART/UDESC
Membro: ______________________________________________________________
Prof. Dr.ª Anita Prado Koneski
CEART/UDESC
Membro: ______________________________________________________________
Prof. Dr.ª Daniela Pinheiro Machado Kern
IA/UFRGS
Florianópolis, 05 de agosto de 2011.
3
Aos meus pais.
A todos os autores.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais pelo apoio incondicional durante todo o meu percurso
acadêmico. Aos meus queridos amigos do mestrado, que atravessaram o mesmo pesar deste
percurso. Agradecimento em especial ao Wagner, Carolina e Ana Lúcia, por nossas longas
conversas elucidativas. Certamente devo a vocês parte das minhas reflexões, respostas e
soluções encontradas. Conhecê-los foi um enorme presente que este mestrado me
proporcionou.
À minha grande amiga Ana, por todas as vezes que me acolheu em São Paulo
possibilitando a realização de alguns estudos nesta cidade. À Jaqueline, Maria, Ana e
Guilherme pelos momentos de alegria e pelos anos de amizade cultivados. Ao Marcelo por
demonstrar interesse no campo das artes instigando uma vontade incansável de
esclarecimento da minha parte. À querida Kenya, pela amizade e pela ajuda de suas palavras
nos momentos tensos que passei. Ao Yuri, pelos e-mails trocados, pela generosidade nos
materiais cedidos e pela constante ajuda.
À minha orientadora Prof.ª Dr.ª Rosângela, que esteve presente neste percurso
importante da minha vida, por suas palavras e pela enorme biblioteca que sempre esteve à
minha disposição. Ao Programa de Pós-Graduação de Artes Visuais da Universidade do
Estado de Santa Catarina, por me acolher e possibilitar a realização desta pesquisa. À Prof.ª
Dr.ª Anita Prado Koneski e Prof.ª Dr.ª Daniela Pinheiro Machado Kern por aceitarem a
participação em minha banca de qualificação e de defesa, assim como, por suas observações e
leituras. À Márcia e Doroti, secretárias do programa, por sempre esclarecerem as minhas
dúvidas. Ao programa de bolsa Promop, por ter auxiliado financeiramente esta pesquisa a
partir do segundo ano acadêmico. A todos os professores do mestrado que estiveram presentes
na minha jornada.
Ao Diogo, um verdadeiro companheiro. Sem você eu não teria forças suficientes para
concluir esta etapa da minha vida. Obrigada pela compreensão, paciência, incontáveis auxílios
e pelas leituras do meu trabalho.
5
RESUMO
Esta dissertação trata da autoria na obra das artes visuais, tendo como ponto de partida
a análise de certos embates, nuances e desdobramentos em torno da mesma. Utiliza-se como
referências que estruturam o pensamento desta pesquisa o texto O que é um autor?, de Michel
Foucault; e A morte do autor, de Roland Barthes. Considera-se a interlocução com algumas
questões levantadas pela literatura do escritor Enrique Vila-Matas. Neste trabalho são
delineados alguns embates no século XX e XXI, como, por exemplo: o (não)lugar da autoria e
o diálogo com historiadores da arte; nuances a partir do Readymade, Fluxus, Dadaísmo e Arte
Conceitual; e desdobramentos de três casos exemplificadores na arte contemporânea da
autoria por reconhecimento, articulada e institucionalizada.
Palavras-chave: Autoria, Função autor, Sujeito autor.
6
ABSTRACT
This dissertation approach the authorship in the work of visual art, taking as its
starting point the analysis of some clashes, nuances and developments around it. Used as
reference to structure the thought of this research is the text What is an author?, by Michel
Foucault; and The death of the author, by Roland Barthes. Is considering the dialogue with
some of the issues raised by the literature writer Enrique Vila-Matas. This work outlined
some arguments in XX and XXI century, for example: the (non) place of authorship and
dialogue with art historians; nuances from Readymade, Fluxus, Dada and Conceptual Art, and
developments of three cases exemplified of authorship in contemporary art by recognized,
articulated and institutionalized.
Keywords: Authorship, Author function, Author subject.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
BLOCO I 14
SOBRE CERTOS EMBATES DA AUTORIA
1.1. O (não)lugar da autoria 15
1.2. Historiografia abreviada da autoria 21
BLOCO II
SOBRE CERTAS NUANCES ACERCA DA AUTORIA 32
2.1. Readymade 33
2.2. Dadaísmo e Fluxus 43
2.3. Arte Conceitual 59
BLOCO III
SOBRE CERTOS DESDOBRAMENTOS ACERCA DA AUTORIA 68
3.1. Autoria por reconhecimento: Acary Margarida e Eduardo Dias 69
3.2. Autoria articulada: Carla Zaccagnini 79
3.3. Autoria institucionalizada: Yuri Firmeza 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 99
REFERÊNCIA DE IMAGENS 106
8
LISTAS DE ILUSTRAÇÕES
Marcelo do Campo: Situ-ação 24
Vincent Van Gogh: Self-Portrait with Bandaged Ear 29
Pablo Picasso: Dora Maar au Chat 29
Marcel Duchamp: In Advance of the Broken Arm 35
Foto de Man Ray: Marcel Duchamp travestido de Rrose Sélavy 39
Foto de Man Ray: Marcel Duchamp travestido de Rrose Sélavy 39
Marcel Duchamp: fotografia do readymade realizada pela irmã de Duchamp 40
Suzanne Duchamp: Le Readymade malheureux de Marcel 41
Francis Picabia: Movimento DADA 46
Manifesto Fluxus 50
Cartaz do Festival Internacional de Música Novíssima 53
George Maciunas: Diagrama n. 2 54
Ben Vautier: Art is only a question of signature & date 57
Ben Vautier: Total Art Match-Box 58
Robert Barry: All things I know but of which I am not at the moment
thinking – 13:36; June 15 61
Lawrence Weiner: Two Minutes of Spray Paint Directly Upon the Floor
From a Standard Aerosol Spray Can 64
Robert Barry: Inert Gas Series. Helium, Neon, Argon, Krypton, Xenon:
From a Measured Volume to Indefinite Expansion 66
Eduardo Dias: Ponte Hercílio Luz 73
Acary Margarida: Ponte Hercílio Luz 76
Carla Zaccagnini: Museu das vistas 82
Carla Zaccagnini: Museu das vistas 83
Carla Zaccagnini: Museu das vistas 88
Dalwton Moura: Arte, natureza e tecnologia 92
Felipe Araujo: Arte e molecagem 95
9
INTRODUÇÃO
Esta dissertação é fruto de questionamentos a respeito da prática de heteronímia e
pseudonimia nas artes visuais, um tema que suscitou conjecturas na realização de um
Trabalho de Conclusão de Curso, empreendido nesta mesma instituição. O desdobramento
desta pesquisa avançou sobre o pensamento autoral de modo mais amplo, viabilizando, assim,
a investigação sobre certos regimes de verdade da autoria. Para tanto, optou-se por balizar
alguns possíveis embates, nuances e desdobramentos, com intuito de problematizar o
pensamento autoral e sua relação com a história da arte. Esta pesquisa visa analisar pontos em
torno da autoria artística, problematizando a função e o sujeito autor e suas implicações
particularmente nas artes visuais.
Objetiva-se no decorrer desta pesquisa elaborar um cruzamento entre o material
teórico utilizado para a abordagem de questões sobre o sujeito autor e sua função. E, deste
modo, busca-se compor uma investigação de possíveis problematizações sobre o assunto
traçadas no século XX e XXI. A questão da autoria parece ter sido estudada insuficientemente
pela teoria e crítica da história da arte, pois a simples relação entre vida e obra dos artistas
parece convergir freqüentemente. No entanto, considera-se extremamente pertinente tratar de
tais confluências tangenciadas no âmbito da arte visual moderna e contemporânea. Tais
pontos e objetos elencados representam um amplo campo de pesquisa, capaz de suscitar
interessantes debates nesse entremeio. Diante desse quadro, é possível formular os seguintes
problemas: Como investigar determinadas questões intrínsecas que parecem fazer parte da
abordagem da teoria e história das artes visuais, tais como a aproximação da vida e obra do
autor? Como tomar a questão da autoria como um problema relevante para o repertório da
teoria e história das artes visuais?
Esta dissertação toma como ponto de partida a denominação “autor” de acordo com
que o dicionário Houaiss cita: o indivíduo que origina, que causa algo ou que é agente. Mais
ainda: “(...) indivíduo responsável pela criação de algo; inventor, descobridor; o responsável
pela fundação ou instituição de algo; pessoa que produz ou compõe obra literária, artística ou
10
científica; (...)”1. Nesta compreensão, a autoria é investigada em dois módulos
problematizadores: a função autoral e o sujeito autor.
Na investigação desenvolvida no primeiro bloco, demonstram-se reflexões para o
início da pesquisa acerca da autoria da obra nas artes visuais, tratando de sua função,
problematização e tangenciamentos. Para delinear a reflexão, traça-se um percurso para
demonstrar os diferentes modos de construção do sujeito autor. As características e as
especificidades deste indivíduo são atribuídas brevemente, de acordo com as variações
temporais, desde a antiguidade à contemporaneidade. Finalmente, delimita-se o percurso
erigido por historiadores da arte, na tentativa de estudar os diferentes modos de abordagens da
autoria pelos mesmos.
Para a discussão no segundo bloco assinala-se o modo como se encarou, no século
XX, a função autoral e a apresentação do sujeito autor em sua obra. Tais questões são
abordadas especialmente na proposição de determinados artistas e como suas articulações
foram colocadas através de suas obras. A partir deste referencial, supõem-se a omissão das
marcas autorais no momento da realização da obra à manufatura do objeto artístico. Como
ponto de investigação para estas reflexões aparecem, em primeiro lugar, estão: o readymade
de Marcel Duchamp por se tratar de um conceito que utiliza o gesto autoral da apropriação.
Em um segundo momento, reflete-se sobre o grupo Fluxus e as propostas dadaísta, no que diz
respeito à produção da arte por todos e ao pensamento antiarte. Por fim, aborda-se a Arte
Conceitual, no que se refere à desmaterialização do objeto artístico e a atenção voltada para a
ação do autor. Tais colocações afetam o pensamento autoral e os modos de criação e,
portanto, são necessárias em virtude do posicionamento de desconstrução dos critérios
tradicionais de arte desenvolvidos previamente.
O terceiro bloco da pesquisa, por sua vez, debruça-se sobre os desdobramentos da
autoria a partir da análise de obras de arte. Nesta perspectiva, aprofunda-se nas questões da
legitimação do artista, objetivando-se refletir sobre os sujeitos que produziram e que, no
entanto, não se fizeram reconhecidos como autores. Para elucidar a discussão, são
apresentados outros dois artistas, Acary Margarida e Eduardo Dias, ambos pouco conhecidos
até mesmo na cidade onde nasceram e viveram. Deste modo, é importante ressaltar que, no
entremeio das discussões geradas por este bloco da pesquisa, evidencia-se a possibilidade de
tratar de inúmeros outros sujeitos, cujas biografias e narrativas se imiscuem com as ideias
1 HOUAISS, 2009, p.226.
11
aqui tratadas. Faz-se necessário, por conseguinte, restringir a alguns poucos artistas o assunto
estudado, pois se teme a extensão incalculável do tema. A escolha de sujeitos como
Margarida e Dias, artistas da cidade de Florianópolis, problematizar indivíduos pouco
reconhecidos e que possuem poucos dados e referências a respeito.
Ainda dentro dessa discussão autoral, incorporou-se a obra Museu das Vistas, de Carla
Zaccagnini, evidenciando a relação artista-executor-idealizador e questões referentes à
sugerida articulação da autoria. Com o intuito de construir solidamente esta outra faceta da
pesquisa, aproxima-se da obra de Yuri Firmeza, intitulada Souzousareta Geijutsuka, também
título de seu livro, que apresenta a exposição de um artista ficcional, experiência que gerou
conflitos entre a crítica institucional e a vinculação da mídia. Problematizam-se, neste caso, os
modos de legitimação de artistas e suas instâncias.
Não são contempladas relações de co-autoria, de acordo com parâmetros tradicionais
(um ou mais autores na mesma obra). Isso porque não se objetiva a discussão sobre a
propriedade autoral, continuamente bancada por uma propriedade coletiva – da mesma forma
como o são as atuações de coletivos de artistas anonimatos, pseudonimias e heteronímias. O
anonimato, por outro lado, tem por intenção a ausência total de identificação do autor. A
pseudonimia, por conseguinte, apresenta um autor sob nome fictício, ocultando a sua
verdadeira identidade. Do mesmo modo, abdicando do nome próprio do autor está a
heteronímia, na qual se apresenta também um nome fictício (ou mais de um) com
características próprias e autonomia, entretanto diversas à personalidade real do autor.
O ponto de partida desta pesquisa advém de duas leituras importantes: uma de
inspiração conceitual, com o ensaio O que é um autor?, de 1969, de Michel Foucault (1926 –
1984); e outra de inspiração poética, com algumas literaturas de Enrique Vila-Matas, onde se
delineia uma cartografia literária. Toma-se emprestada a pergunta central da obra deste
pensador francês no propósito de abordar os modos de constituição da função autor e a
diferença entre o nome próprio e o nome do autor. Em primeiro lugar, são analisados alguns
prováveis questionamentos e distinções sobre a autoria da obra nas artes visuais. Foucault foi
um pensador que demonstrou bastante atenção sobre o tema da autoria e acabou por
conceituar de maneira característica o assunto. Neste livro, o filósofo averigua e esquematiza
a função-autor. Para desenvolver a abordagem, é necessário discorrer sobre o sujeito, e
Foucault levanta quatro pontos em seu livro: I – O nome do autor: trata das semelhanças e
singularidades paradoxais entre o nome do autor e o nome próprio; II – A relação de
12
apropriação: abrange a função-autor como um indivíduo que não é dono de um discurso; III
– A relação de atribuição: discute a posição do autor e os vários eus pertencentes aos
diferentes tipos de discurso; IV – A posição do autor: analisa as diversas funções do autor no
discurso, como, por exemplo, no prefácio, na narração, o ser copista, entre outros.
Segundo Foucault, estabelecer uma relação da obra de arte com seu autor exibe, sim,
propriedade. No entanto, o analista deve sempre ir além:
(...) analisar a obra em sua estrutura, em sua arquitetura, em sua forma intrínseca e
no jogo de suas relações internas. Ora, é preciso imediatamente colocar um
problema: „O que é uma obra? O que é pois essa curiosa unidade que se designa com
o nome obra? De quais elementos ela se compõe? Uma obra não é aquilo que é
escrito por aquele que é um autor?‟ Vemos as dificuldades surgirem. Se um
indivíduo não fosse um autor, será que se poderia dizer que o que ele escreveu, ou
disse, o que ele deixou em seus papeis, o que se pode relatar de suas exposições,
poderia ser chamado de „obra‟?2
No caso tratado, é interessante ampliar tal conceito para o campo da obra e autor.
Afinal, o filósofo francês não pretendia abordar na sua apresentação a instituição da
valorização do herói autor. Assim, conceitua o desaparecimento do “eu” na experiência do
Fora, no qual se mantém exterior a toda e qualquer subjetividade. Este desaparecimento é
gerado em virtude de dois fatores: o apagamento do sujeito na obra e o (re)surgimento do ser
da linguagem.
Outro referencial teórico fundamental para a elaboração desta pesquisa é Roland
Barthes (1915 – 1980), com A morte do autor, texto publicado na revista Aspern em 1967.3
Neste, Barthes ajuíza sobre o ato da leitura/escritura, o qual é entendido como necessário a
produção do desligamento do autor e sua origem. Ele teoriza sobre a perda da identidade na
escritura, o neutro que esvai o sujeito, começando pelo seu corpo. Enquanto a escritura é
iniciada, o escritor entra na sua própria morte. Portanto, o autor em sua obra não é mais
eternizado. Ao contrário, há a promoção de seu assassinato. Deste modo, muitos escritores
tentam desconstruir o império do autor. Para Barthes, o poder conferido aos escritores surgem
de longa data. O pensador aponta o lugar da própria escrita como a escritura de si mesma, é a
linguagem que aborda sobre si, não o autor. Barthes aponta o lugar da própria escrita como
escritor de si mesma, é a linguagem que aborda sobre si, não o autor.
2 FOUCAULT, 2006, p.269.
3 Enquanto que Foucault apresenta seu texto O que é um autor? em conferência no ano de 1969.
13
Mas há outra coisa: essa relação da escrita com a morte também se manifesta no
desaparecimento das características individuais do sujeito que escreve; através de
todas as chicanas que ele estabelece entre ele e o que ele escreve, o sujeito que
escreve despista todos os signos de sua individualidade particular; a marca de
escritor não é mais do que a singularidade de sua ausência; é preciso que ele faça o
papel do morto no jogo da escrita.4
Por tratar-se de um tema bastante teórico, optou-se menos por uma estrutura de
encadeamento e mais por uma estrutura modular de raciocínio, onde a relação de causa e
conseqüência dão lugar a faces ou ângulos que dizem respeito a uma mesma temática. Essa
característica tem, também, a finalidade de problematizar distintamente os exemplos que se
pretendem avaliar. Os temas analisados surgem como uma proposta que se aproxima da
literatura, transitando na fronteira existente entre conjuntos de raciocínio da teoria das artes
visuais e contos literários. A apresentação em blocos repercute em um estado em movimento
perante tal problematização da autoria nas artes visuais, e que se encontram em eterno modo
de deslocamento. Este estudo parte de um tema em processo de transformação e que, por si
só, é inconstante, pois se entende a constituição da função autoral como modo variável de
acordo com as circunstâncias temporais.
Diante da falta de referências bibliográficas capazes de enfrentar criticamente o
problema da autoria nas artes visuais, optou-se por contornar este empecilho através da busca
de diálogos em campos de pesquisa aproximados, como, por exemplo, na filosofia e na
literatura. Desenvolveu-se, por meio destes, reflexões aptas a serem desdobradas para a
pesquisa em artes visuais, embora nem sempre as aproximações aconteçam de modo direto e
conclusivo, sendo necessário projetar pontes de raciocínios que auxiliem no exame de
interesse. Por este motivo também a presente abordagem pode ser reconhecida mais como um
mapeamento ou prospecção destinada a uma abertura para novos desdobramentos.
4 Id.
14
SOBRE CERTOS EMBATES DA AUTORIA
BLOCO I
Este bloco, por ser o conjunto introdutório de uma dissertação, traça alguns
apontamentos acerca da autoria da obra de arte, construídos por historiadores e filósofos. E,
norteada por estes apontamentos, tal investigação procura pensar como se compreendeu e
localizou o pensamento autoral, em alguns momentos da história da arte, tal como abordado
por filósofos e teóricos. Compreende-se que, desde que a história da arte surge como alguns
regimes de verdades para entender a obra de arte, a autoria é vinculada de modo natural, ainda
que esta questão não se torne um questionamento para os historiadores.
Para atender a estas premissas, optou-se por dividir o presente bloco em dois
subtítulos. O primeiro destes, intitulado O (não)lugar da autoria, trata dos aspectos
concernentes à atribuição de dados biográficos em estudos de historiadores, do mesmo modo
apresentam-se obras que ironizam tais construções. E, finalmente, tece considerações
filosóficas sobre a autoria, considerando os apontamentos de Michel Foucault e Roland
Barthes – pensadores que, certamente, iluminam o tema. O segundo subcapítulo, História
abreviada da autoria, inspira-se no título da obra História abreviada da literatura portátil, do
escritor catalão Enrique Vila-Matas. Enquanto Vila-Matas cria uma teia de relações entre a
literatura e as artes visuais com narrativas ficcionais, este subtítulo da dissertação trata de uma
15
condução sintetizada com historiadores acerca da abordagem da arte, construindo um texto
que narra a compreensão da autoria por parte desses historiadores. A seleção de tais
pesquisadores não implica em abordar de uma forma ampla o pensamento de cada um, mas
parte-se de obras específicas e casos particulares, destinados a contemplar o foco desta
pesquisa em particular.
1.1. O (não)lugar da autoria
A história da arte, como um regime de verdades necessário à compreensão da obra
de arte, surge da possibilidade de construir uma narrativa de acordo com obras de arte e a vida
do artista. Atribuiu-se à autoria uma naturalidade inerente ao sujeito artista, sem, contudo,
problematizar esta relação. As noções que tangenciam a natureza do que é ser um artista
parece não terem sido estudadas suficientemente neste período histórico. A existência de um
sentido de singularização diante da imagem do artista é, sob a concepção de outros indivíduos
(ditos comuns), a afirmação sociológica de diferença pelo ato da criação. As conexões entre a
vida e a produção do artista surgiram a partir do momento que se começou a relacionar a obra
com o sujeito autor.
Observa-se, portanto, que, em grande parte das vezes, quando se pensa em alguma
obra, constrói-se uma a relação com o seu criador - o autor. Porém, sabe-se que no período
que se estende da Antiguidade à Idade Média, não se estabelecia a autoria das obras. Todas
elas estavam abertas, em processo contínuo de produção. Preocupava-se em melhorar e
modificar o que se escrevia nos textos, epopéias, teatros, entre outros modos de expressão.
Este possível anonimato permitia a autonomia completa dos textos que circulavam
livremente. As narrativas gregas aproximavam-se a tentativa de eternizar a imortalidade do
herói. Ou seja, as narrativas tratavam de reaver a morte aceita dos heróis. Mais ainda, falava-
se para afastar a morte, adiando o aforamento que emudeceria o autor.
Constituiu-se, nesse entremeio, uma proximidade entre a escrita e a morte. A
narrativa, ou ainda, a epopéia grega, direcionava-se na perpetuação da imortalidade do seu
autor. Tal exercício fundamentava-se como método de continuidade do discurso de seu
narrador, à medida que se narrava para afastar a perspectiva de morrer brevemente. A obra,
16
neste período, imortalizava o autor, através do seu discurso, metamorfoseando a narrativa em
sacrifício. O autor manteve-se em estado de permanência enquanto seu discurso era
reproduzido. Aqui se insere o pensamento de Michel Foucault e sua compreensão acerca da
função autor5, sobre o qual tratar-se-á nas páginas seguintes.
Tradicionalmente, há anos se destaca o interesse em estudar a existência dos artistas
vinculando-a à sua produção, fato este evidenciado na obra do pintor e arquiteto italiano
Giorgio Vasari (1511 – 1574), que se tornou conhecido como o primeiro historiador da arte,
ou ainda, um biógrafo de artistas. Com a obra intitulada Le Vite de' più Eccellenti Pittori,
Scultori e Architettori, escrita em 1550, Vasari tentou catalogar a vida dos mais importantes
artistas italianos. Nesta ambição, o autor registrou a biografia de trinta e um sujeitos,
abordando detalhadamente as técnicas utilizadas pelos mesmos. Provavelmente, foi este
historiador italiano quem primeiramente empregou o termo Renascimento. O termo viria,
posteriormente, a determinar o período no qual surgiram maiores quantidades de estudos
sobre as práticas artísticas. A história da arte contada por Vasari entende que cada obra
corresponde ao seu autor.6
Em 1568, se publicou uma segunda edição da sua obra, ampliada e revisada pelo
próprio autor, no qual pôde incluir alguns artistas dos quais tomou conhecimento após a
primeira publicação do seu livro, como, por exemplo, Ticiano Vecellio (c.1485 – 1576).
Vasari realizou uma catalogação de artistas, onde previa uma determinada “seleção” de
artistas a serem incluídos enquanto outros ficavam incógnitos. Ele se ocupou das
personalidades ilustres, ou seja, dos grandes nomes da pintura italiana do século XIII em
diante.
O historiador italiano acreditava que, ao inseri-los em sua catalogação, estes artistas
estariam livres de cair no esquecimento do público, fixando-os na história da arte. Ao que
parece, Vasari possuía a convicção de que, ao se adentrar no rol de artistas excelentes
(conforme cita o título da obra), estaria concretizando um desejo: de que aquelas vidas nunca
fossem esquecidas. Esta foi, provavelmente, uma preocupação que atingiu os critérios de
seleção: um artista ser apto a ser reconhecido, em virtude de seu livro, enquanto que outro –
incapaz disso – estaria suscetível ao esquecimento. Embora se observe que Vasari não estava
realmente interessado a pensar os critérios de avaliação desta “seleção”. “Con el propósito de
5 FOUCAULT, 2006, p.274.
6 No entanto, não é esta afirmação que se percebe em determinados autores, tais como o filósofo francês Maurice
Blanchot, conforme discutiremos adiante.
17
defenderlos en lo posible de esta segunda muerte, y mantenerlos el mayor tiempo posible en
la memoria de los vivos (…)”7.
Vasari realiza uma determinada “seleção” de artistas na sua obra – qualificando
pintores, escultores e arquitetos -, enquanto propõe algumas críticas ou juízos a respeito dos
seus critérios de catalogação. Ele utiliza a biografia, ao dedicar atenção sobre o indivíduo
artista. Busca a articulação de alguns casos particulares da vida do autor para evidenciar
algumas características pessoais do mesmo, demonstrando, deste modo, um maior interesse na
sua construção de vida. Analisando um caso particular, Vasari retratou Leonardo da Vinci
como uma figura de dom transcendente.
In arithmetic, for example, he made such rapid progress in the short time during
which he gave his attention to it, that he often confounded the master who was
teaching him, by the perpetual doubts he started, and by the difficulty of the
questions he proposed.8
Este autor italiano propõe uma história da arte aproximando o artista a uma divindade,
dotado de qualidades especiais. Ao produzir tal modelo de análise, Vasari procurava
vangloriar a arte do seu tempo, tecendo elogios e deslocando a atenção para o período
renascentista (contemporâneo ao autor). O historiador, diante dessa desejosa significação da
arte, promoveu estudos biográficos sobre autores e, neste intuito, ele percorreu dados
particulares e teceu elogios e declarações aos investigados, bastante próximos a ele. O método
de Vasari, por estes aspectos, ultrapassou o simples estudo histórico, assemelhando-se
significativamente a estudos diretamente biográficos.
Caminhando em sentido oposto às propostas da relação de vida e obra de artistas,
aparece o romancista inglês William Beckford (1760 – 1844). Beckford conta a história de
artistas admiráveis, catalogados na obra Memórias biográficas de pintores extraordinários -
possivelmente escrito em 1777 e publicado em 17809. De acordo com o título da obra, a
investigação tem por objetivo focar a vida de pintores de grande reconhecimento. A respeito
disto, curiosamente, as vidas/obras são tratadas em uma relação de verdade e ficção. São
artistas importantes para o período abordado e, no entanto, estão longe de terem suas
biografias relacionadas à sua obra, pois são artistas ficcionais.
7 VASARI, 1996, p.30.
8 VASARI, s/d, p.367.
9 BECKFORD, 2001, p.10.
18
Tal modelo de literatura, conseqüentemente, gera provocações aos tradicionais
escritores biógrafos de artistas. Segundo Beckford: “O mais interessante, contudo, (...) é
justamente através da ambigüidade, da dúvida pairando sobre nossas certezas, que o texto
adquire seu caráter provocativo”10
. Trata-se de uma sátira aos modelos criados por
historiadores e colecionadores de arte, pois julga-se ser necessária a atenção particular à
conduta de vida dos artistas. Interessava a Beckford suscitar a dúvida e gerar declarações de
vidas incertas. Sua obra ilumina o pensamento em torno dos nomes incógnitos de possíveis
vidas e de prováveis sujeitos.
É desta dúvida, criada nas biografias apresentadas, que se edifica o estilo provocativo
de Beckford. De sua ação derivam questionamentos acerca da veracidade das vidas retratadas
e os critérios estabelecidos na averiguação destas. Mais ainda, desafirma a crença nas
biografias, tecendo declarações com elementos de descrições reais, citando fontes que diz ter
consultado, insinuando a realização de uma pesquisa de caráter realista. Por exemplo, se
explicita nas abordagens de técnicas artísticas utilizadas pelos biografados:
Esses jovens, que já haviam adquirido considerável reputação por seu singular estilo
de pintura, (...) tentaram depreciar através de uma baixeza notável em diversos
grandes artistas (...). Eles a consideravam absurdas e sem significado, viam grande
defeito no peculiar verniz de Aldronandus, condenavam os óleos em geral e, com
ardor, recomendavam a clara de ovo.11
Correlacionado esta biografia incerta, introduz-se, também, a literatura do francês
Marcel Schwob (1867 – 1905). Em seu livro Vidas imaginárias, publicado em 1896, Schwob
desenvolveu textos biográficos acerca de existências reais, ainda que com feitos inventivos e
até mesmo fantásticos. O escritor faz um relato de personagens diversos, que alcançaram a
fama através de atos infames. São personagens reais, retirados de biografias já existentes, mas
que fazem parte de uma ficção, contendo referenciais e detalhes inventados na vida destes
sujeitos.
De modo singular, este escritor francês satiriza com os antigos historiadores, os quais,
segundo o mesmo, só revelam os dados que melhor couberem sobre os indivíduos, para
confirmar o relato que desejam. O escritor afirmava que a arte do biógrafo consiste na escolha
de fatos a serem abordados sobre a vida investigada. “Ele não tem que se preocupar em ser
10
BECKFORD, 2001, p.11. 11
Ibid., p.43.
19
verdadeiro; deve criar dentro de um caos de traços humanos”12
. Schwob lamenta a prática dos
antigos biógrafos, que se consideravam historiadores e, logo, avaliavam somente a vida dos
grandes homens, deixando a existência de sujeitos medíocres, ou menos interessantes, cair no
esquecimento. Portanto, obliquam, marginalizam a vida dos indivíduos não aceitos (ao menos
até o determinado momento), dos medíocres e infames.
São estas vidas que, também, merecem a atenção desta dissertação. Para tratar da
autoria não basta enfocar somente no feito dos grandes homens, mas também de todos os que
ousaram desta função autor nas artes visuais. Os diferentes modos de autoria demandam zelo,
além de uma investigação por dados acerca desta atuação. Portanto, raciocinar sobre a autoria
não é investigar somente as biografias, fato este exposto e repensado por Beckford e Schwob.
Há muito que se decifrar neste exame conflituoso entre o indivíduo autor e sua ação nas artes
visuais, começando por períodos férteis do século XX, quando muitos critérios estabelecidos
anteriormente foram interrogados.
Seguindo no estudo da autoria, é possível remeter-se ao pensamento filosófico
pertinente e elucidante dos franceses Michel Foucault e Roland Barthes. Foucault
problematiza o desaparecimento da função autor ao longo do século XX, questão que persiste
até os dias atuais. Ele observa que, antes a obra trazia a imortalidade e permanência do autor
através das narrativas, porém, a partir da modernidade obtém o direito de matá-lo. É preciso
exorcizar a morte na escrita. Relaciona-se, deste modo, com a sua individualidade
manifestada em obra. Ou seja, é necessária a promoção de sua morte no ato da escrita para
que a leitura seja possível. Para Foucault, “(...) o sujeito que escreve despista todos os signos
de sua individualidade particular; a marca do escritor não é mais do que a singularidade de
sua ausência; é preciso que ele faça o papel de morto no jogo da escrita”.13
Auxiliando nesta reflexão, aparece Barthes, o qual entende que tal assassinato seja
necessário, para que o espaço da obra seja ampliado, fazendo com que ela mesma fale, em
uma dobra sobre si. Segundo o filósofo, impor um autor ao texto é fechar a escritura. A
definição de um autor à obra provoca a sua “explicação”, impregnando uma dimensão
biográfica do percurso traçado pelo autor. Conforme Barthes propõe o pensamento em torno
do autor, “A explicação da obra é sempre buscada do lado de quem a produziu, como se
12
SCHWOB, 1997, p.22-23. 13
FOUCAULT, 2006, p.269.
20
através da alegoria mais ou menos transparente da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só
pessoa, o autor, a entregar a sua „confidência‟”14
.
Para compor a construção desse raciocínio, utiliza-se o conceito do Fora do filósofo
francês Maurice Blanchot (1907 – 2003). Esta concepção aponta para a própria realidade da
literatura e, portanto, suprime o seu sujeito e a sua realidade, bastando-se na criação de um
próprio “eu” da linguagem. Neste movimento, a intimidade do sujeito é voltada para fora da
linguagem, decretando-se a sua impessoalidade. Em seu livro intitulado A conversa infinita: a
palavra plural, Blanchot assinala: “- A ausência de obra, um outro nome para a loucura. – A
ausência de obra onde cessa o discurso, para que venha, fora da palavra, fora da linguagem, o
movimento de escrever atraído pelo exterior”15
. Em sentido contrário à idéia proposta por
Blanchot, pode-se admitir a possível e contínua presença do artista em sua arte no momento
de idealização e constituição. A obra de arte contém parte do seu autor, embora tenha vida
própria e autonomia para sustentar-se por si só.
Parte-se para as contribuições de Blanchot, deslocando o seu pensamento literário para
as artes visuais, no qual se pretende encontrar as aproximações e diferenças entre estas áreas.
Isso ocorre em um momento particular: quando o filósofo aborda o ser da linguagem, que só
aparece enquanto há o desaparecimento do sujeito escritor. Transgredindo a morte, o sujeito
desaparece na própria escrita, na própria obra, fingindo sua ausência permanente. “O que fala
no escritor é que „ele não é mais ele mesmo, ele já não é ninguém‟: não o universal, mas o
anônimo, o neutro, o fora”.16 A relação de abandono do próprio sujeito pode ocorrer quando
se está no mais íntimo e, no entanto, no mais exterior.
A autoria se apresenta como um procedimento de verdade. É ela que atribui uma
veracidade garantida através da voz do seu autor. A origem do discurso promove o
julgamento da realidade sobre aquilo que se lê. Não há o requerimento da anulação do sujeito
autor por Foucault e Barthes. No entanto, os filósofos entendem a reserva que o nome do
autor provoca na obra, fechando-a a através da subjetivação do mesmo. É preciso desligar-se
da origem de voz para o eu da linguagem emergir.
O autor é compreendido, a partir do século XX, como alguém provido de
consistência e possuidor de uma linha de raciocínio única. Observa-se, a presente diferença: a
contínua presença do nome do autor enquanto o nome próprio obliqua-se. Em referência à
14
BARTHES, 1988, p.66 15
BLANCHOT, 2001, p.72. 16
PELBART, 2009, p.52.
21
maneira de desvinculação do relacionamento entre sujeito autor e sua biografia, passam a ser
considerados o nome de autor e o nome próprio. Nos termos de Foucault, o nome do autor
labora na classificação de um ser do discurso, enquanto o nome próprio anuncia o ser
nomeado.17
É desta nomeação que os artistas buscam infringir.
Comumente acredita-se que o nome do autor seja seu nome próprio, e é possível criar
conexões entre estas designações, porém esta questão apresenta algumas dificuldades, de
acordo com Foucault: “(...) a ligação do nome próprio com o indivíduo nomeado e a ligação
do nome do autor com o que ele nomeia não são isomorfas nem funcionam da mesma
maneira”.18
Caso se perceba que a história de vida do autor não é verídica, este fato não
alterará a sua produção artística ou literária. No entanto, caso se descubra que este autor não é
de fato o criador desta obra, ocorrerá uma mudança drástica no percurso da recepção de
outros, mesmo não afetando o funcionamento do nome do autor. Acredita-se, portanto, na
singularização da designação deste sujeito. Claramente é possível observar que o nome do
autor não se aproxima igualmente do nome próprio.
A condição de autor instaura um determinado status. A possibilidade de determinar
que o livro escolhido seja escrito por este sujeito, ou ainda, indicar o autor responsável pela
sua publicação, dedica ao produtor um maior peso. A partir destas manifestações, o nome do
autor aproxima-se em certa medida do nome próprio, indicando sua singularidade, seu
discurso, seu modo de conduta interior. No entanto, a relação estabelecida entre a função
autor e sua conduta de vida deve-se à tentativa de explicação da obra, buscando uma verdade
sobre aquilo que se lê.
1.2. Historiografia abreviada da autoria
Pensar a autoria é, também, remeter-se à forma como se concebeu a abordagem acerca
da mesma. Neste caso, em particular, averigua-se o modo como esta foi conduzida por
historiadores da arte em determinados períodos. Por tratar-se, a princípio, de uma proposta de
grandes dimensões, é preciso direcionar o recorte a alguns referenciais significativos, capazes
17
FOUCAULT, 2006, p.272. 18
Id.
22
de contribuir nesta pesquisa. Do mesmo modo, não se subestima o mérito dos demais
historiadores da arte, nem mesmo seus possíveis reforços neste raciocínio. Trata-se de um
método de construção por vezes opostos, problematizados de acordo com o alcance desta
pesquisa e demanda de tempo suficiente. Por esse mesmo motivo optou-se por uma pequena
seleção de exemplos.
A partir da Idade Média, em virtude da forte censura e possível condenação da
Igreja, tornou-se imprescindível a elaboração de um regime de propriedade. Necessitava-se
reconhecer a identidade da autoria e determinar, dessa maneira, a responsabilidade dos
possíveis transgressores de leis religiosas ou políticas. Seguindo este posicionamento de
norma diante da punição, os textos e obras passaram a incluir assinaturas, sujeitos que,
identificados, poderiam responder pelos mesmos. Mais ainda, eram estas assinaturas que
firmavam a verdade do discurso que estava sendo lido, fato que, posteriormente, foi diluído na
importância da atribuição do sujeito idealizador do pensamento.
No fim do século XVIII e início do século XIX, o autor, obrigatoriamente colocado
como proprietário de discurso, utilizava seu novo status com o intuito de obter benefícios da
propriedade. Surge a relação dos direitos autorais, o copyright. Tal regime de propriedade foi
iniciado por Felipe e Maria Tudor, na Inglaterra do século XVI. Os dois escritores decretaram
livre a comercialização dos seus textos a uma associação de livreiros e papelarias. Tal ação
transformou-se em um catalisador para a realização de uma campanha de controle de
imprensa pelo governo. O termo copyright – denominação inglesa – decorre da concessão da
execução de cópias. Ele originou-se do direito de domínio de obras literárias pelos livreiros e
somente séculos depois passou a designar propriedade do autor.
O campo da arte veio a alcançar seu espaço apenas em meados do século XVIII,
enquanto que, no século XVI, o artista já ocupava um status social definido, em virtude de
seu fazer.19
Essa posição não pertencia mais ao campo dos simples artesãos (que possuíam
habilidades manuais, tais como marceneiros ou construtores). Ao contrário, iniciou-se um
período de valorização de um sujeito, cujos valores eram supostamente supremos e
decorrentes de estudos aprofundados de matemática e anatomia (inclusive humana). A
execução das obras ampliou-se na precisão das leis da perspectiva, assim como no
detalhamento da apresentação do corpo humano.
19
GOMBRICH, 2009, p.287.
23
O artista deixou de ser um artífice entre artífices, pronto a executar encomendar de
sapatos, armários ou pinturas, conforme fosse o caso. Era agora um mestre dotado
de autonomia, não podendo alcançar fama e glória sem explorar os mistérios da
natureza e sondar as leis secretas do universo20
.
A sociedade do período moderno foi além: ela sentiu a necessidade do conhecimento
da biografia do sujeito que assina a obra, queria saber detalhes da sua vida, buscando
compreender a obra através do autor. A noção de artista atribuído de valores supremos, um
ser genial, criou uma esfera de valorização e interesse biográfico. Com a Renascença, foram
desenvolvidos distintos fatores que colaboraram para a consagração do indivíduo e sua
imagem de autor. O desejo exacerbado de conhecimento da biografia dos artistas, dos autores,
teve o seu grande ápice na Renascença, em decorrência do interesse surgido na época e
também, da extrema valorização destinada aos mesmos. Buscava-se compreender o sujeito
detentor de habilidades manuais capaz de criar uma obra de arte e descrito como “gênio”.21
Na Modernidade do fim do século XIX e início do século XX, a desaparição do
autor foi problematizada a partir da transgressão do status de proprietário do discurso.
Produziu-se uma instância de desvinculação da obra e do autor, a partir de um possível desejo
de desligamento da produção artística e literária, para uma análise biográfica. Renovaram-se,
então, as práticas de reinvenção pelo anonimato, pseudonímia, heteronímia, entre outras
ordens de complexidade. É possível pensar os pontos cegos da autoria através da literatura.
Exemplo disto é o poeta português Fernando Pessoa (1888 – 1935) e seus fiéis companheiros,
os heterônimos: Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro; e o semi-heterônimo,
conforme ele mesmo gostava de chamar: Bernardo Soares.
A prática de transgressão da propriedade da fala autoral é apresentada na
contemporaneidade por interessantes modos de articulação. Para o artista norte-americano
Joseph Kosuth (1945 - ), com seu pseudônimo Arthur R. Rose, o interesse não era fugir
totalmente de sua identidade, mas criar outra. Desta relação, Kosuth chega a ser entrevistado
por Rose em Cuatro entrevistas22
.
20
Id. 21
A respeito disto, a crítica de arte brasileira Glória Ferreira observa o emprego da lei de direitos autorais na
modernidade: “A esses deslocamentos da concepção de artista e de sua função não correspondem, contudo,
modificações essenciais na lei que define os direitos do autor. (...) Em traços gerais sobre os direitos do autor,
vale destacar dois fatores: a distinção do autor dos demais trabalhadores, bem como do trabalho cultural do
industrial; e o fato de o direito de autor reger a economia do mercado da cultura separando-a da economia
normal”. In: FERREIRA, 2009, p.1-10. 22
In: BATTCOCK, Gregory. (Ed.) La idea como arte: documentos sobre el arte conceptual. Barcelona:
Gustavo Gili, 1977.
24
Outro caso pertinente a ser apresentado é o da artista brasileira Dora Longo Bahia com
seu heterônimo Marcelo do Campo23
, um artista brasileiro atuante na década de 70. Seu
abalizado posicionamento torna-se evidente, quando Bahia é solicitada a vender alguma das
obras de Do Campo para instituições de arte: a sua designação no termo de contrato de venda
é assinada como colecionadora, anulando, então, seu lugar de autora e proprietária do
discurso. Tal ato de distanciamento do arrolamento entre Bahia e Do Campo é essencial para
a articulação de uma subjetividade outra.
Marcelo do Campo - Situ-ação, MAC-SP, 1972.
Em referência às colocações acima expostas, pode-se dizer que, na literatura da
modernidade, a figura imprescindível do autor – como sujeito capaz de criar algo inovador –
foi desconstruída durante a mudança do século XIX para o XX. Emergia aí o sujeito da
23
BAHIA, Dora Longo. Do Campo a Cidade. São Paulo, 2010. 284 p. Tese (Doutorado em Artes Visuais) –
Departamento de Artes Visuais, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.
25
linguagem, o eu que não carrega identidade de si, mas a própria linguagem. Neste aspecto,
partia-se da ruptura determinada com o realismo literário, propondo, então, a ênfase no ato de
criação e na própria literatura. Em decorrência do ressurgimento do ser da linguagem, a obra
volta-se a si mesma, forçando o desaparecimento do eu. Nesta perspectiva, a literatura
moderna ocorre somente com a saída do eu.
Ernst Hans Joel Gombrich (1909 – 2001), nascido em Viena, foi um dos historiadores
da arte mais conhecidos do século XX. Sua obra mais exemplar, A história da arte, é aqui
estudada em virtude de sua característica pessoal de análise aos indivíduos artistas. Tamanho
foi seu reconhecimento, e tantas foram as pesquisas nele embasadas, que o livro (publicado
em Londres, 1950), foi reeditado diversas vezes e traduzido para várias línguas. Gombrich é
proveniente de uma escola formalista da sua cidade natal, Viena. Entretanto, em 1936,
ingressou no Instituto Warburg, em Londres, enquanto fugia da ascensão ao nazismo.
Em outra vertente, introduz-se Arnold Hauser (1892 – 1978), historiador de arte
nascido na Hungria. Sua obra mais difundida, História social da arte e da literatura, foi
publicada em Munique três anos após a obra de Gombrich, em 1953. No período de sua
publicação, a obra causou grande repercussão devido ao seu teor político imbuído na história
da arte e literatura. Hauser foi aluno de Henri Bérgson, no período que estudou em Paris. Em
seguida, desenvolveu pesquisas na Itália, em Berlim, em Viena, até mudar-se para Londres
em 1938. Foi na capital inglesa que Hauser iniciou a produção de História social da arte e da
literatura, obra que, até a conclusão, consumiu dez anos de sua vida.
Trata-se de abordagens dispares acerca da história da arte. Gombrich propõe uma
avaliação singular do sujeito autor e de sua obra, direcionando a sua pesquisa para um novo
público carente de informações. O historiador elege um artista significativo e já consolidado
pela história da arte, ao tratar de um período e estilo artístico, observando peculiares obras
deste indivíduo. Tal método é descrito no seu prefácio, ao mesmo tempo em que explana o
desejo de evitar abordagens genéricas em amplos contextos. Gombrich relata alguma de suas
regras auto-impostas para o desenvolvimento de sua pesquisa:
A primeira dessas regras foi que não escreveria sobre obras que não pudesse mostrar
com ilustrações; não queria que o texto degenerasse em listas de nomes pouco ou
nada significativos para aqueles que não conhecem de visu as obras em questão, (...).
Isso me levou a adoção de uma segunda regra, que consistiu em ater-me a
26
verdadeiras obras de arte e em suprimir tudo o que pudesse ser apenas interessante,
espécimes de gosto efêmero ou moda passageira.24
É possível diagnosticar a sua tentativa de abster-se da legitimação de obras a partir de suas
colocações. Ou seja, cai no convencionalismo da história da arte, o qual prefere não arriscar
em obras que posteriormente possam ter o caráter artístico questionado. Hauser, por sua vez,
propõe uma ampla história da cultura ocidental - da arte e da literatura - enquanto preocupa-se
com o status social do autor e o modo como a sociedade afeta as ideologias artísticas. Para
ele, o artista não representa a alienação da sociedade refugiando-se em suas obras, conforme
se poderia cogitar na época. Interessa-se, também, pela produção econômica da arte. Hauser
opta por uma abordagem coletiva da história da arte, na qual é possível compreender a não
identificação individual do sujeito nas forças sociais. Tal posicionamento é elucidado pelo
historiador:
O ateliê do artista no começo da Renascença ainda é dominado pelo espírito
comunitário da loja dos pedreiros e da oficina da guilda; a obra de arte ainda não é a
expressão de uma personalidade independente, que realça a individualidade do
artista e o exclui de todas as influências externas. (...)
Até o final do século XV, o processo de elaboração artística ainda ocorre
inteiramente em formas coletivas.25
A respeito do novo status do artista, adquirido no início da Idade Moderna, Hauser
enuncia a constituição de um mercado de artes e expõe a relação entre a aristocracia e o artista
em condição de ascensão. No Renascimento, ocorreu o aumento de requisições da manufatura
de obras de arte, o que causou a elevação do nível social do artesão, figura que passou a
pertencer a uma nova classe. Para Hauser, é necessária a compreensão do contexto
mercadológico para abordar o indivíduo artista. Neste período o artista surge como um
trabalhador intelectual livre. O historiador ainda afirma: “(...) uma classe que anteriormente
nunca tivera raízes, mas que começou agora a constituir-se num grupo economicamente
seguro e socialmente consolidado, embora longe de ser uniforme”.26
Do mesmo modo, as observações particulares de Gombrich expõem a nova categoria
do artista no início do século XVI. Segundo este historiador, o artista deixou de ser
reconhecido como um mero artesão, em conseqüência da apresentação de suas qualidades
24
GOMBRICH, 2009, p.7. 25
HAUSER, 1998, p.324. 26
Ibid., p.322.
27
técnicas, explorando os estudos na matemática, regras de perspectiva e anatomia humana. Eis
uma pontuação contraditória à analise de Hauser. Para Gombrich, a luta pela valia de um novo
status social para os artistas não é abordado especificamente a partir da relação com o
mercado. Houve um processo no qual o artista não teve êxito imediato, suportando
preconceitos, pois estavam subordinados à aristocracia. Gombrich ainda confirma:
É difícil decidir se esse novo poder foi, a longo prazo, uma pura benção para a arte.
Mas no início, de qualquer modo teve o efeito de uma libertação que soltou uma
quantidade tremenda de energia represada. Finalmente, o artista se tornara uma
criatura livre.27
Enquanto Hauser entende a autoria como uma manifestação social, Gombrich a avalia
com certa proximidade de um ato elevado e único, necessitando, contudo, desenvolver a
distinção entre arte e Arte.28
Para Hauser, o autor e sua obra estão lúcidos dos acontecimentos
na sociedade, e são capazes de participarem da esfera de produção relativa à realidade que se
encontram. Em outra face, Gombrich descreve o autor e a sua obra correlacionando-os à
biografia do indivíduo. Ele entende os eventos da vida do artista como fator constituinte para
a realização de suas produções, distante de uma condição social.
Ambos os livros aqui referidos foram publicados no mesmo período, em 1950 e em
1953 - por Gombrich e Hauser respectivamente. Conclui-se, portanto, que ambos poderiam ter
abordagens semelhantes acerca da arte do seu tempo. Tratando-se de meados do século XX, é
possível supor que estes pesquisadores estivessem interessados nos novos caminhos que a arte
tomara. Cogita-se que ambos tenham tomado conhecimento das manifestações dadaístas, do
expressionismo abstrato, assim como dos readymade de Duchamp. No entanto, todas estas
atuações estão ausentes nas duas obras - exceto no último capítulo adicionado por Gombrich
em sua 11ª edição, publicado em 1966. Neste período posterior a primeira publicação, alguns
novos exemplos já haviam se consolidado pela crítica de arte, possibilitando, assim uma
melhor recepção e tratamento. Ainda sim, Gombrich abordou muito brevemente os casos
citados acima.
Em sua primeira edição, Gombrich segue analisando o século XX, citando exemplos
a partir de determinados artistas e de suas inserções em movimentos artísticos. Porém, não
percorre o raciocínio do movimento em um plano amplo ou trazendo uma condução
27
GOMBRICH, 2009, p.288. 28
Ibid., p.15.
28
panorâmica. A autoria foi tratada por Gombrich de modo singular, buscando traços
biográficos do indivíduo no exercício da autoria. Ele deixou em segundo plano as propostas e
aspectos dos novos horizontes da arte. Nesta perspectiva, a autoria fica restrita ao sujeito, nos
desejos e pensamentos que o levaram a produzir determinada obra. Gombrich elucida:
As pessoas que adquiriram algum conhecimento de história da arte arriscam-se,
algumas vezes, a cair numa armadilha semelhante. Quando vêem uma obra de arte
não param para olhá-la, preferindo sondar a memória em busca de um rótulo
apropriado29
.
O interesse pela biografia dos autores demonstra um olhar particular direcionado aos
episódios que caracterizam a existência destes sujeitos, assim como os de suas produções
artísticas. Mais ainda, muitas vezes se procura justificar obras a partir da conduta de suas
existências, gerando, assim, um determinado automatismo. Um exemplo desta prática é a
constante relação pessoal atribuída às obras do pintor holandês Vincent Van Gogh, alistando-
as à sua constituição de vida. E, para citar outro caso, a análise biográfica do pintor espanhol
Pablo Picasso, condicionada à produção das telas nas quais retratava suas esposas. A razão da
busca por uma compreensão biográfica do autor em seus trabalhos contribui para o
esvaziamento da obra de arte.
Para aqueles que se debruçaram sobre artistas e suas obras, torna-se complexo
distanciar-se e elaborar um olhar “isento” - caso seja possível considerar um eventual olhar
“isento”. Ao se depararem com objetos que, por um motivo ou outro, estão carregados de
significados e elementos biográficos de seus autores, os estudiosos precisam exercitar a
“apreciação” da obra, distanciando-a de rotulações e preconceitos, construídos anteriormente.
29
Ibid., p.37.
29
Vincent Van Gogh - Self-Portrait
with Bandaged Ear
1889. Óleo sobre tela, 60 x 49 cm.
Pablo Picasso - Dora Maar au
Chat, 1941. Óleo sobre tela, 128
x 95 cm.
De acordo com os estudos biográficos acerca do artista seria necessário compreender
o enigma que se ocupa do sujeito artista e do seu fazer. Investigar a capacidade natural do ser
humano de criar obras de arte admiráveis, assim como avaliar o modo pelo qual um homem
pode ser respeitado e valorizado por seus próprios contemporâneos, a partir de uma produção
considerada de grande qualidade. Para tanto, é necessário estabelecer uma especial condição
ao papel do artista, pois a existência de análises subentendem a presença de um enigma sobre
o sujeito autor de obras de arte. Tal concepção pode ser compreendida – como fruto de uma
herança histórica – através do domínio da técnica. Ele advém, ainda, da avaliação do grupo
social, admirador do talento, “dom” ou estudo. Ou seja, por intermédio de habilidades
pessoais exercidas no ato de criação/execução da obra de arte.
Todas essas ordens de estudo persistem no olhar voltado ao sujeito criador e,
consequentemente, diminui-se a apreciação da obra. Elas tendem a buscar explicações da
produção acompanhada de quem a produziu, gerando a garantia irreal que neste objeto
averiguado apresenta-se a voz e subjetividade do autor - aproximando-o de um relato pessoal.
Ao longo do século XX perdura o entendimento de que pensar o sujeito artista é, também,
remeter à biografia do mesmo. No entanto, é possível ressaltar prováveis divergências entre a
vida e a obra de tal indivíduo, seja este um artista visual, literário, cênico, músico, entre
outros. Corre-se o risco de cair nas armadilhas do automatismo e, portanto, determinar a
produção artística – através do seu percurso biográfico – enquanto busca-se entender o seu
fazer a partir da sua história de vida.
30
Gombrich opta pela não problematização da função autoral e do seu discurso,
movendo argumentos de caráter subjetivo em relação à produção. O historiador contextualiza,
brevemente, mas volta seu foco principalmente no sujeito e em sua obra. Gombrich almejava
produzir um guia/manual da história da arte. Embora tenha publicado em um período de
intensas construções nas artes visuais, preferiu abordar a arte de um modo habitual,
ausentando-se do risco de inserir obras de arte não consagradas pela história e crítica. Talvez
seja este o motivo pela opção de não inserir estudos sobre as manifestações artísticas
contemporâneas à publicação do livro, em 1950.
Nada existe realmente a que se possa dar o nome Arte. O que existe são os artistas –
isto é, homens e mulheres favorecidas pelo maravilhoso dom de equilibrar formas e
cores até ficarem “corretas” e, mais raro ainda, que possuem aquela integridade de
caráter que jamais se contenta com meias soluções, (...).30
Mais ainda, no seu capítulo adicionado posteriormente, Gombrich justifica o seu modo de
abordagem acerca da arte contemporânea:
Quanto mais próximos chegamos de nosso tempo, mais difícil, inevitavelmente, se
torna distinguir modos passageiros de realizações duradouras (...). Foi por esta razão
que me senti pouco à vontade a ideia de se poder escrever a história da arte “até os
dias de hoje”. É verdade que se pode documentar e analisar as modas mais recentes,
as figuras que se destacam na época mesmo em que se escreve, mas só um profeta
poderá dizer se esses artistas realmente “farão história” – e, de um modo geral, os
críticos têm, comprovadamente, sido maus profetas.31
Contrapõe-se, neste caso, com o método de Giulio Carlo Argan (1909 – 1992),
também historiador italiano. Aproxima-se do seu texto Preâmbulo ao estudo da história da
arte, disponível na obra Guia de história da arte, em 1977 - publicado em conjunto com o
crítico de arte e conterrâneo Maurizio Fagiolo. Neste livro, Argan construiu pequenos textos
elucidativos a respeito do campo das artes, citando, entre outros: a função da história da arte, a
autenticidade da obra de arte, os instrumentos do historiador de arte e a crítica de arte. Nesta
publicação, é possível examinar, em um contexto mais recente, o posicionamento de um
historiador diante das avaliações da autoria. Como resultado dessa posição, - e considerando
os objetivos desta pesquisa, impera criar um deslocamento de interesse nesses dois últimos
autores, os quais não dedicaram atenção aos sujeitos idealizadores e às suas funções.
30
GOMBRICH, 2009, p.596. 31
Ibid., p.600.
31
Pelo meio do século XVI surge, com o desenvolvimento orgânico dos factos
artísticos por um período de cerca de três séculos, ilustrando os contributos originais
das personalidades emergentes, de Cimabue a Miguel Ângelo.
Na literatura sobre arte, ocupa um lugar importantíssimo a tratadística, que fixa
normas e dá instruções segundo as quais os artistas evitariam erros e aproximar-se-
iam da arte que constantemente é mencionada como a ideal, a perfeita.32
Talvez por ter presenciado um período de efervescência, de questionamentos, na arte
do século XX, Argan pôde ponderar a aceitação do objeto artístico e do seu valor de modo
mais preciso. Segundo este, a história da arte trata seguramente da história das obras de arte.
Ressalta que, em todos os períodos artísticos, o juízo crítico acerca das obras operou de
acordo com os parâmetros do seu contexto. No entanto, dificilmente encontra-se alguma
afirmação ou investigação acerca do seu autor. Neste caso, opta-se pelo exame da obra e sua
verificação histórica sem problematizar a ação de seu ato autoral, ainda que se compreenda
que através de toda obra persiste um ato autoral. Argan problematizou alguns exemplos de
literaturas artísticas, suas determinações e valores artísticos, através da inclusão de verdades
sobre artistas importantes na história.
Ainda no posicionamento de Argan:
Se o trabalho do historiador de arte consistisse simplesmente em andar à caça de
inéditos e em colar nas obras etiquetas com nomes e datas, os estudiosos não teriam
motivo para se ocupar de obras de que se sabe com segurança serem obras-primas,
quando e por quem e em que exactas circunstâncias foram feitas. Ou, quando muito,
essas obras seriam estudadas como pontos de referência para a atribuição e datação
de outras. Pelo contrário, é justamente nessas obras incontestáveis e famosas que se
concentra a atenção dos estudiosos interessados nos grandes problemas da história
da arte.33
Neste trecho, Argan afirma a importância do pensamento em torno da atribuição de valores às
obras, propondo uma atenção àquelas ainda não legitimadas. Ou seja, não trabalha somente
com o sistema de verdades. Aplica-se, contudo, o mesmo questionamento acerca do sujeito
autor e sua função. São reflexões coerentes ao período estudado e demasiadamente
importantes. Trata-se da segunda metade do século XX, quando artistas já não são somente
artistas, quando a origem do discurso é repensada. E, por isso, as atenções se voltam para a
figura do autor.
32
ARGAN, In: ARGAN; FAGIOLO, 1994, p.15. 33
Ibid., p.28.
32
SOBRE CERTAS NUANCES ACERCA DA AUTORIA
BLOCO II
Neste bloco, abordar-se-á a maneira pela qual a história da arte encarou a questão da
autoria em relação à produção artística ao longo do século XX. Isso porque este foi o
momento em que essa relação acabou problematizada pelos próprios artistas e se assentou na
obra de arte. Neste sentido, era parte dos propósitos vanguardistas romper com os cânones e a
tradição da arte, problematizando novos objetos e ultrapassando as fronteiras e limites
precedentes. Assim, são lançadas as seguintes proposições: a suposta omissão de marcas
autorais; a ausência de manufatura do objeto artístico por conta do sujeito autor; as propostas
dadaístas de antiarte que sugeriam a possibilidade de tudo ser arte; as indicações Fluxus no
que diz respeito à aproximação da arte e vida, distanciando-se da fabricação de objetos e
coisas, além da promoção da realização da arte por todos, não necessitando - e/ou ampliando -
uma função autor; e, também, as atividades da arte conceitual na perspectiva da
desmaterialização total do objeto artístico, intervindo, deste modo, na compreensão
tradicional do sujeito autoral.
Diante dessas perspectivas, optou-se por abordar este período a partir de três ênfases:
Readymade, Dadaísmo e Fluxus, e Arte Conceitual. Este conjunto foi escolhido por tratar-se
33
de manifesta-ações de importância na relação artista-obra e que geraram amplos
desdobramentos para a arte.
2.1. Readymade
Pode alguém fazer obras
que não sejam obras de “arte”?34
Neste estudo, a investigação procura delinear aspectos acerca da compreensão da
autoria a partir da obra de arte. Conforme se indicou anteriormente, um dos conceitos que
orienta o processo é o desenvolvido pelo artista francês Marcel Duchamp (1887 – 1968), o
readymade. Nessa perspectiva, pode-se cogitar a provável ausência/presença da subjetividade
do autor em sua obra, utilizando como articulação norteadora duas obras de Duchamp: In
advance of a broken arm (Em antecipação ao braço quebrado), de 1915, e Unhappy
Readymade (Readymade infeliz), de 1919.
Duchamp foi um artista de poucas obras, contudo abundante na capacidade de gerar
reflexões sobre o próprio objeto artístico. Passou anos executando relevantes obras como, por
exemplo, O grande Vidro, também conhecido como A noiva despida por seus celibatários
(La mariée mise à nu par sés célibataires, même), iniciada aproximadamente em 1912 até ser
abandonada em 1923, considerando-a incompleta. Desejava romper com a pintura por ele
descrita retiniana35, buscando uma concepção de arte ligada ao exercício do pensamento,
almejando “(...) pôr a pintura „a serviço da mente‟”.36
A reflexão acerca da identidade da autoria na sua obra de arte é analisada no terceiro
readymade de Duchamp, In advance of a broken arm, de 1915. O objeto, uma pá de neve, foi
comprado em uma loja de utensílios domésticos, empilhado junto a diversos outros idênticos.
Em sua lateral, o artista pintou o título da obra e assinou [from] Duchamp. A indicação from
junto à sua assinatura constitui enlaço de importância ao conceito da obra. O procedimento
sugere que a mesma não é feita “por”, mas procede “de”. Esta ação significativa retira todo
34
TOMKINS, 2004, p.135. 35
Utiliza-se do termo retiniana de acordo com a lógica da pintura endereçada somente à retina. 36
TOMKINS, 2004, p.75.
34
possível julgamento de confecção deste objeto pelo artista. Mais ainda, permite lançar a ideia
da não presença de subjetividade do seu idealizador através do ato de produção. Do mesmo
modo que sugere a não manufatura do objeto, reforça a figura presente do artista como sujeito
responsável pela cri-ação da obra.
Nesta perspectiva, o crítico de arte norte-americano Calvin Tomkins (1925 - ) cita
determinadas ações de Duchamp levam a crer que ele, o artista, aspirava descolar-se de si
mesmo: sua prática de criação de pseudônimos, vestir-se como uma figura feminina, suas
várias viagens e trocas de moradia entre Paris e Nova York, sua abdicação da arte pelo
xadrez, a invenção do readymade, entre outros exemplos.37 Segundo Tomkins, a autoria de
Duchamp, na tentativa de resgatar o foco mental acerca do olhar sobre o artista, engajava-se
no distanciamento, aspirando a ausência de sua subjetividade.38
De acordo com Rosalind E. Krauss (1941 - ), crítica de arte norte-americana, - na sua
obra intitulada Caminhos da Escultura Moderna, de 1977 – a história da arte pontuou a
crença de que a autenticidade do autor é conferida pelas marcas apresentadas em sua obra,
completando-se com a sua assinatura. “É nesse sentido que parece haver uma correspondência
entre o espaço da imagem que podemos enxergar e o espaço interior, psicológico e, portanto,
invisível, do autor da imagem”39. O autor, neste sentido, faz-se presente na elaboração de
imagens. Contrário a isto, a apropriação de objetos proposto por Duchamp não carregaria suas
marcas subjetivas do ato criativo.
Ainda segundo Krauss, “(...) o objeto não surgia como algo proveniente do manancial
de ideias e emoções pessoais do artista”40. Ainda que ausente de marcas autorais, a ação do
readymade não se desconstrói com a função autoral de Duchamp. Pelo contrário, o autor é
evidenciado, pois não se examina mais o objeto apresentado como obra, mas o ato de
nomeação criativo.41 Por este motivo, deixa-se de se ater às questões formais da obra de arte e
debruça-se sobre as implicações nela contidas pelo seu autor.
37
Ibid., p.8. 38
Ibid., p.7. 39
KRAUSS, 1998, p.87. 40
Ibid., p.90-91. 41
Ibid., p.98.
35
Na análise aqui proposta, a possibilidade da ausência de subjetividade do autor em sua
obra é considerada do ponto de vista do readymande, como se destacou de antemão. Em uma
carta destinada à sua irmã Suzanne Duchamp, em torno de 15 de janeiro de 1916, o artista
utilizou pela primeira vez o termo. Ele, na epístola, explica o episódio: “Aqui, em N.Y.,
comprei alguns objetos com esse mesmo espírito e tratei-os como readymade. Você sabe
bastante inglês para compreender o sentido de readymade que dou a esses objetos. Eu os
assino e dou-lhes um título em inglês”42. Em sua carta, a ação é comparada ao encontro com
esculturas já prontas, deslocando-as de sua função e, por conseguinte, nomeando-as como
objeto artístico. Seu gesto gerou polêmicas até hoje não resolvidas completamente. O ensaísta
e crítico literário alemão, Peter Bürguer (1936 - ), examina tais manifestações extremas da
vanguarda e aponta, também, a categoria individual do sujeito da criação. Para Bürger,
42
Ibid., p.179.
Marcel Duchamp: In Advance of the Broken Arm, 1964. Pá de neve
de ferro galvanizado e madeira, 132cm de altura.
36
A assinatura – que justamente retém o individual da obra, ou seja, o fato de que ela
se deva àquele artista -, impressa num produto de massas qualquer, transforma-se
em signo de desprezo frente a todas as pretensões de criatividade individual43
.
Considerando que um dos objetivos é investigar os possíveis modos de diluição e/ou
presença das marcas autorais na obra de arte visual, inicia-se do pressuposto da subjetividade
como parte integrante do autor inserida em sua produção. No contexto deste trabalho, a
expressão “subjetividade” é entendida como aquela pertencente ao “eu” ou ao sujeito,
contendo aproximações da própria identidade em relação com o mundo.
No texto endereçado à sua irmã Suzanne, Duchamp passou uma instrução para a
construção de um readymade por ele desenvolvido, demonstrando uma determinada
problematização de autoria e possível ausência da sua subjetividade na confecção da obra.
Entende-se, contudo, que a obra continua sendo de autoria de quem a concebeu como formato
de instrução e, por isso, prossegue com as propriedades do seu idealizador. Porém, é
observado o precedente instituído por este ato de criação artística através da apropriação de
objetos já existentes. Avalia-se o papel do participador ao realizar a obra-instrução44, cabendo
a este sujeito uma possível classificação, talvez erroneamente, de co-autoria45.
Duchamp observa: “O curioso sobre o readymade é que eu nunca arrumei uma
definição ou explicação que me deixasse totalmente satisfeito”46. No mesmo sentido, o
escritor mexicano Octavio Paz (1914 – 998) também se arriscou a definir o conceito:
O ready-made não postula um valor novo: é um dardo contra o que chamamos de
valioso. E crítica ativa: um pontapé contra a obra de arte sentada em seu pedestal de
adjetivos. A ação crítica se desdobra em dois momentos. O primeiro é de ordem
higiênica, um asseio intelectual: o ready-made é uma crítica do gosto; o segundo é
um ataque à noção de obra de arte.47
Mais ainda:
Os ready-mades são objetos anônimos que o gesto gratuito do artista, pelo único
fato de escolhê-los, converte em obra de arte. Ao mesmo tempo este gesto dissolve
a noção de obra. A contradição é a essência do ato; é o equivalente plástico do
43
BURGER, 2008, p.109-110. 44
Termo que utilizo para designar obras que operam por meio de instruções ou proposições a ser realizada pelo
espectador. 45
As questões de co-autoria e colaboração serão investigadas no bloco seguinte desta dissertação. De modo geral
o co-autor é designado ao indivíduo que assina a propriedade autoral em conjunto com outro. 46
TOMKINS, 2004, p.181 47
PAZ, 2008, p.23.
37
jogo de palavras: este destrói o significado, aquele a idéia de valor. Os ready-made
não são antiarte, como tantas criações do expressionismo, mas a-Rtísticos.48
O pensamento de Paz, em relação à Duchamp, reforça a ideia da autoria como modelo
de unicidade, individualidade. Paz afirma não saber o significado da designação “melhor”
atribuída a um artista. “O caso de Duchamp – com os de Max Ernst, Klee, Chirico,
Kandinsky, e outros, poucos mais -, me apaixona não por ser “melhor” mas por ser único.
Esta última palavra é a que lhe convém e o define”49. Ou seja, a autoria de Duchamp é
qualificada positivamente, segundo a análise de Paz, de acordo com seu caráter único e
inexplorado. Tal visão modernista é contestada em um período múltiplo como a
contemporaneidade, onde tudo é recriado.
Após a ação dos readymades duchampianos, são reavaliados os critérios de definição
das obras de arte. A intenção deste ato é implodir com a necessidade de haver habilidades
manuais para a concepção de obras. Sua ironia apresenta o dilaceramento na acepção da arte,
apontando seu entendimento artístico através do objeto apropriado e, mais ainda,
demonstrando que nem o produziu. Duchamp perturba a função-autor nomeando um objeto
qualquer como obra através do gesto artístico de sua assinatura. Da mesma maneira que se
pode observar a intenção artística impingida no próprio ato conceitual, também é destruída a
intenção do autor quando se propõe o acaso50 na escolha de um elemento utilitário. Surge,
aqui, um questionamento:
Pode alguém fazer obras que não sejam obras de arte?, perguntava-se Duchamp
numa nota de 1913, que ele incluiu na Caixa Verde. É uma pergunta insidiosa que,
implicando qualquer coisa feita pelo homem, de machados de pedra a saxofones,
engloba as mesmas atividades mentais (disciplina, habilidade, intenção etc.)
necessárias à criação de uma obra estética. Duchamp já havia arrumado um jeito de
subverter o fator habilidade ao permitir que o desenho de mecanismos tomasse o
lugar da patte. Agora, já perto do final de 1913, ele, servindo-se do acaso,
provocava um curto-circuito na intenção consciente.51
As proposições artísticas que se utilizavam do acaso foram amplamente desdobradas
no Fluxus, Dadaísmo, Surrealismo e Arte Conceitual, e ainda são notadamente empregadas na
48
Id. 49
Ibid., p.9. 50
O acaso, segundo Bürger, vem sendo experimentado na literatura desde a Idade Média. Para o crítico, “O
acaso objetivo baseia-se na seleção de elementos semânticos congruentes (...) em acontecimentos independentes
um do outro. A congruência é constatada pelos surrealistas; ela aponta para um sentido impossível de ser
compreendido”. BURGER, 2008, p.133. 51
TOMKINS, 2004, p.151.
38
Arte Contemporânea. Em 1920, Tristan Tzara, artista dadaísta, compôs uma fórmula de
elaboração de poesias servindo-se do acaso.52 Na perspectiva de Tzara, ainda que não
racional, a utilização do acaso faz com que “O poema se pare[ça] com você”53.
Neste ínterim, a licença de Duchamp permite avaliar a possível desconstrução da
inscrição de subjetividade do autor em sua obra, pois se consente com a ausência total da sua
existência no ato da construção do objeto artístico. No entanto, esta aproximação surge nos
conceitos abordados no campo da linguagem e, possivelmente, não se enquadram com
propriedade nas artes visuais. Por isso, volta-se a ressaltar que nesse momento é estabelecido
um recorte às obras de arte enquanto produto material, objeto artístico, fabricado pelo próprio
artista. São entendidas, também, as aberturas construídas no século XX e XXI que
possibilitaram a elaboração artística desvinculada do ato produtor em si.
Em entrevista concedida ao escritor francês Pierre Cabanne (1921 – 2007), Duchamp
relata como determinava a escolha dos readymade, variando para cada objeto e tomando
cuidado com sua visualidade. Ele preocupava-se com o fato de, após algumas semanas,
começar a gostar ou detestar o elemento escolhido. Portanto, para o artista, seria necessário
chegar a uma determinada neutralidade, tratando com indiferença e omissão de emoção
estética. “A escolha do ready-made é sempre baseada na indiferença visual, e ao mesmo
tempo, numa ausência total de bom ou mau gosto”54. Adverte-se que é uma indiferença
causada por intermédio do olhar do próprio Duchamp. Portanto, sua escolha singular não está
muito longe de causar efeito, mesmo que tentando ausentar-se do gosto pessoal.55
52
KRAUSS, 1998, p.127. 53
Poema de Tzara publicado na revista Litterature em julho de 1920. 54
CABANNE, 2008, p.80 55
Na mesma entrevista, Cabanne pergunta a Duchamp: “O que é gosto para você?”. O artista afirma ser um
hábito: “A repetição de uma coisa já aceita. Se você recomeça uma coisa muitas vezes, ela fica sendo o gosto.
Bom ou mau, é sempre a mesma coisa, é sempre gosto”. Ibid., p.80.
39
Foto de Man Ray, 1921. Marcel
Duchamp travestido de Rrose Sélavy.
Foto de Man Ray, 1921. Marcel Duchamp
travestido de Rrose Sélavy. 5-7/8" x 3"-7/8.
Outro exemplo interessante é o caso da obra Unhappy Readymade (Readymade
infeliz), de 1919. Durante sua passagem por Buenos Aires, Duchamp recebeu a notícia do
casamento de sua irmã Suzanne com Jean Crotti, grande amigo seu. Na ocasião, o artista
enviou uma carta com instruções para a realização da obra, que consistia em um livro de
geometria que deveria ser pendurado por barbantes na sacada de seu apartamento. Desta
maneira, o vento folhearia os problemas, escolhendo as páginas até despedaçá-las.56 A obra
foi destruída pelo passar do tempo, contudo, Suzanne realizou posteriormente um quadro
intitulado Le Readymade malheureux de Marcel (Readymade infeliz de Marcel), na qual pinta
a atuação do tempo sobre o objeto.
56
Ibid., p.103.
40
Marcel Duchamp: fotografia do readymade realizada
por Suzanne Duchamp em 1920.
Observando as ações duchampianas, entende-se a pretensão do autor de ausentar-se,
buscando um provável distanciamento de sua subjetividade.57 O Readymade infeliz é
destituído dos traços e da presença física do seu criador. Trata-se de um livro de geometria,
pendurado por sua irmã, privado de sua função de leitura e destinado à destruição temporal.
Duchamp esclarece: “Minha intenção sempre foi a de fugir de mim, embora soubesse
perfeitamente que eu estava me usando. Chame isso de um pequeno jogo entre o „eu‟ e o
„mim‟”.58 Aqui ele afirma, seu ato de nomear um objeto confeccionado industrialmente, sem
passar pelo manuseio do artista, é também um modo de ausentar-se, mesmo que esta ação seja
também um meio de pronunciar-se, enfrentando e colocando inquietações ao sistema das
artes.
O desejo de Duchamp pela ausência é igualmente mencionado por Tomkins, pois este
manifestava a vontade de abandonar a “vida de artista”59. Todavia, embora ensaiasse pela não
subjetividade contida em sua obra, a função autoral era mantida. De acordo com o
pensamento de Tomkins, “Duchamp sabia perfeitamente que havia aqui uma contradição.
Pelo simples fato de escolher determinado objeto e não outro, por mais que fizesse para evitá-
57
TOMKINS, 2004, p.7 e 8. 58
Ibid., p.181. 59
Ibid., p.162.
41
lo ele já estava exercendo o seu gosto (...)”60. Ou seja, por mais que desejasse sua fuga da vida
de artista, ele não se distanciava da sua função autoral.
Suzanne Duchamp: Le Readymade malheureux de Marcel
(Readymade infeliz de Marcel).
Krauss, buscando elucidar o contraposto dessas afirmações, cita que se produzem
crenças de que tudo o que compõe a imagem de uma obra, mesmo as estratégias de sua
produção, expressam os sentimentos e pensamentos pessoais de seu criador. Portanto, cada
marca de pincelada ou os gestos imbuídos na fisionomia do objeto artístico levam a
identidade do seu autor. Acredita-se que carregam o autógrafo do seu indivíduo criador,
conferindo à obra, uma veracidade sobre o seu ser, a autenticidade de sua marca.61 Este
posicionamento passa a ser interrogado com o advento do readymade.
Krauss prossegue em suas afirmações, citando que o envolvimento artístico de
Duchamp com os objetos industrializados produziu uma pergunta que se faz constante: “(...) o
que „faz‟ uma obra de arte?”62 O caráter de objeto não fabricado pelo artista criador garante a
ausência do porte das marcas individuais no ato pelo seu autor. Somente pode compreender a
escolha pelo objeto industrial, mesmo que esta preferência seja pelo critério da ausência de
gosto pessoal, ou seja, a escolha pela neutralidade de Duchamp, e não pela neutralidade de 60
Ibid., p.181. 61
KRAUSS, 1998, p.87. 62
Ibid., p.88.
42
outro sujeito. Deste modo, percebe-se ainda a sua presença na obra. De acordo com a teórica:
“(...) a „obra‟ de Duchamp era simplesmente um ato de seleção”63. Ou seja, o artista propõe a
cri-ação artística através de um processo de impessoalidade. Este processo ausente de marcas
pessoais resulta em um retorno à própria figura de Duchamp.
Em seu livro La originalidad de la vanguardia y otros mitos, de 1985, Krauss discute,
a partir da análise de Picasso, a constante equiparação da vida e obra de autores. Conduz-se,
muitas vezes, a ideia da arte como uma abordagem autobiográfica. De acordo com a teórica,
trata-se de uma história da arte convertida em história do nome próprio. Ela afirma “(...) el
nombre proprio juega un papel específico en el marco de las nociones críticas e histórico-
artísticos sobre la relación entre la imagen y el significado”64. Ou seja, tenta-se justificar as
imagens artísticas através do nome próprio. Krauss propõe uma analogia com a história de
detetives, concluindo que o significado se reduz unicamente a uma questão de identidade.65
Finalmente, depois de elencadas as definições acima expostas, é possível concluir que
a tentativa de desvencilhar a identidade autoral pode ser sugerida como uma prática nas artes
visuais, do mesmo modo como é freqüentemente conceituada no campo da linguagem. Nada
impede, porém, que após as ações limites impostas pelos artistas produzam-se obras que ainda
carregam consigo parte de suas presenças. Este é um impasse que se enfrenta ao apresentar
possíveis paradoxos, como a ausência/presença da subjetividade autoral, na análise de
algumas obras de Marcel Duchamp. Ainda assim, a figura do artista – em sua obra – acaba
por se sobressair. Esse aspecto é relatado por Duchamp, pois este afirma interessar-se mais
pelo indivíduo do que por sua obra66. Trata-se de um exercício de ampliação das reflexões
produzidas no âmbito das artes visuais e que repetidamente põe a prova os limites da
compreensão67.
63
Ibid, p.91. 64
KRAUSS, 1996, p.43. 65
Ibid., p.45. 66
CABANNE, 2008, 166. 67
Segundo o historiador italiano Renato De Fusco (1929 - ), algumas das obras de Duchamp anteciparam o
surgimento do movimento Dadaísta, como o Nu descendo as escadas, de 1912; Broyeuse de chocolat, de 1913 e
1914; Roda de bicicleta, de 1913; Grand séchoir à bouteilles, de 1914; La mariée mise à nu par sés célibataines,
même, de c. 1923. In: DE FUSCO, 1988, p.299.
43
2.2. Dadaísmo e Fluxus
As convenções da arte são
alteradas por trabalhos de arte68
.
Como foi mencionado no início deste bloco, as relações entre o Dadaísmo e o grupo
Fluxus possuem importantes posicionamentos conceituais em torno da autoria. Esta seção, por
sua vez, se debruça sobre estes posicionamentos. Conforme as propostas Fluxus, a arte pode
ser desenvolvida por todo e qualquer sujeito, ainda que tais declarações contestem a função
autoral. Mais ainda, declaram a indeterminação desta função no momento em que se propõe a
realização da arte por todos, e sem a preocupação de haver uma assinatura autoral. Para o
movimento dadaísta, as ações eram realizadas com o intuito de provocar a destruição das
atividades e das noções tradicionais da arte. Suas atitudes anti-arte eram símbolo da libertação
de regras e princípios e, consequentemente, a busca por uma nova arte. O Dadaísmo entendia
que a autoria não era um foco basal transferido para todo sujeito que desejasse realizar uma
obra. Neste sentido, a vanguarda parecia persistir com a identificação individual por meio da
assinatura. E, ao contrário dos dadaístas, os fluxartistas desejavam a criação livre da
propriedade autoral, ou ainda, a destruição de si próprios com status de artista.
Em 1916, na cidade de Zurique - Suíça, se reuniu um grupo de artistas para discutirem
suas futuras propostas. Para a realização deste encontro, escolheu-se um bar que acolhesse
suas divagações, o chamado Cabaré Voltaire. Inicialmente o grupo buscava a apresentação e
publicação de suas produções literárias, por exemplo, poesias, canções e histórias. Entre estes,
o alemão Hugo Ball era o artista reconhecidamente responsável pela idealização e marcava
presença freqüente nas reuniões agendadas. Era ele também que respondia pelo acerto com o
proprietário do cabaré literário, tornando o estabelecimento um palco de grandes
manifestações artísticas. O dono do Cabaré, por sua vez, possuía o intuito de gerar um
aumento nas vendas de cervejas e salgados.
Este grupo denominava-se Dadá, uma ordem que fugia às características tradicionais.
Ansiava-se pela realização da antiarte, inovando o modo de pensar e de produzir arte. O Dadá
não continha formas particulares e uniformes, nem mesmo era estritamente literário ou
68
LEWITT, Sol. Sentenças sobre Arte Conceitual. In: FERREIRA; COTRIM, 2006, p.206.
44
estético. Não havia estilo próprio, mas definia-se pela condução de suas idéias e de suas
produções. Dadá decorria de ingredientes de outras ordens, ainda que dispares das suas. Eram
contrários ao Cubismo, Futurismo e ao Abstracionismo e, do mesmo modo, apresentavam
desdobramentos procedidos destes movimentos de vanguarda. Devido a este posicionamento
sem caracterizações uniformes, os artistas perpassaram por variados processos e técnicas.
De acordo com Hans Richter (1888-1976) - artista dadaísta, teórico e cineasta
experimental alemão -, a multiplicidade de procedimentos se deve a ausência de restrições da
arte condizente com suas propostas. Portanto, a autoria aqui não se apresenta problematizada
em virtude do vasto campo de atuações. A respeito disto Richter afirma:
(...) fomos muito além dos limites das diversas artes: da pintura para a escultura, da
imagem para a tipografia, a colagem, a fotografia e a montagem fotográfica, da
forma abstrata para a imagem simbólica, da imagem simbólica para o filme, o
relevo, o objet trouvé, o readymade.69
O contexto histórico deste período não era o mais aprazível, embora tenha colaborado
em partes para a formação do Dadaísmo. Encontravam-se no período da Primeira Guerra
Mundial, iniciada em 1914. Os dadaístas lutavam por uma arte libertadora, conforme descreve
Richter: “Enquanto ao longe troavam os canhões, nós cantávamos, pintávamos, colávamos e
fazíamos poesia a mais não poder. Buscávamos uma arte elementar, que pudesse curar o ser
humano da loucura de sua época, (...)”70.
Já antecipando suas contradições, o manifesto Dadaísta, escrito em 1916 por Hugo
Ball e em 1918 por Tristan Tzara, abordava suas intenções e posicionamentos antiarte com
doses de non-sense e agressividade. Entre algumas afirmações do segundo manifesto, cita-se:
“Eu redijo um manifesto e não quero nada, ainda digo certas coisas, e por princípios sou
contra manifestos (...). Eu redijo este manifesto para mostrar que é possível fazer as ações
opostas enquanto toma-se uma respiração de ar fresco (...)"71. Ou ainda “Dada não significa
nada”72, e mais adiante “A obra de arte não deve ser beleza em si mesma, pois a beleza está
morta”73.
69
RICHTER, 1993, p.70. 70 Ibid., p.23. 71
Tradução livre. Disponível em:
<http://www.mariabuszek.com/kcai/DadaSurrealism/DadaSurrReadings/TzaraD1.pdf> Acesso em 02 abr. 2011. 72
Id. 73
Id.
45
A denominação Dadá até hoje é controversa e alvo de discussões a respeito de sua
invenção e denotação. Segundo Richter, a palavra já existia em 1916, ano em que se deu o
surgimento do grupo, e não havia preocupações em torno do seu significado. O mesmo
pontua: “É verdade que ouvia que os dois romenos Tzara e Janco confirmando com “da, da”,
(...). Naquela época pensei (...) que o nome Dadá de nosso movimento tivesse algum
parentesco com a alegre fórmula eslava de assentimento, (...)”74.Outra versão afirmada é a
descoberta da palavra decorrente do ato de abrir o dicionário aleatoriamente. Mesmo diante de
histórias variantes, todas continuam a remeter a sua função de nada significar. Entretanto, um
fato é marcadamente indiscutível: a palavra Dadá somente veio a se tornar pública em 15 de
junho de 1916, quando foi impressa no Cabaré Voltaire.
O dadaísmo divergia entre arte e antiarte. Tais designações e intenções de suas práticas
eram pontos cruciais para questionamentos. No entanto, suas atribuições como sujeito autores
passavam inalteradas, pois se assentavam independentemente de ser arte ou anti-arte. Por
vezes foi visto como movimento artístico, e mesmo entre os próprios participantes havia
divergências conceituais. Sua direção artística foi definida apenas no ano de 1917, momento
que compreenderam o acaso como um importante componente estimulador. Utilizavam não
exclusivamente o imprevisto, como também ataques e provocações ao público. Estes fatos se
fizeram reconhecidos e, ocasionalmente, rejeitados pela prática. A respeito disto, Richter
declarou:
Nossas exposições não bastavam. Porque não era a cidade de Zurique inteira que
vinha para ser os nossos quadros, que vinha para assistir aos nossos espetáculos, que
lia os nossos poemas e manifestos. Portanto, a invenção e provocação de escândalos
públicos fazia parte de todos os manifestos dada, quer visassem à pró-arte, à a-arte
ou à anti-arte.75
74
RICHTER, 1993, p.34-35. 75
Ibid., p.84.
46
Francis Picabia: Movimento DADA, 1919.
O artista francês Francis Picabia (1879 – 1953) foi um personagem bastante ativo nas
atividades dadaístas. Para todos os efeitos, era evidente o seu desejo de antiarte, independente
do seu exercício como escritor, pintor ou o que estivesse realizando. Picabia era motivado
pelo seu anseio de contestação. Possuía “(...) meios de destruição, negações, contradições e
paradoxos de toda sorte. Este arsenal ia da ridicularização até a calunia”76. Sua obsessão pela
negação da arte era, por vezes, incongruente. De certo modo, Picabia lutava obstinadamente
contra a arte mas não conseguia se distanciar dela. Tal contradição é impar para este estudo.
Não somente Picabia, mas grande parte dos dadaístas, ao que se pode deduzir,
proclamavam a antiarte e, no entanto, buscavam uma nova arte, ainda que designações
tradicionais de arte. O fato é que este almejo tornou-se assunto para determinadas disputas
autorais. Reivindicavam a autoria de novos métodos artísticos, afirmando a responsabilidade
pela criação do gênero. Embora estas contestações sejam inexpressivas e provavelmente
totalmente incoerentes, elas comprovam o quanto o movimento ainda era tradicionalmente
artístico. Tendo em vista que, somente há luta autoral por métodos artísticos quando há
76
Ibid., p.96.
47
objeto-obra ou, mais ainda, quando há também o papel de artista. A busca pela autoria dos
atos era constante, como observa Richter:
A fim de homenagear o seu amigo Baader, Haussmann menciona que ele foi o
primeiro a produzir enormes colagens, feitas de cartazes em tamanho natural, que
arrancava das colunas para cartazes e montava em seu apartamento, já em fins de
1920 (portanto “antes de Schwitters”).77
A respeito destas discussões autorais entre os artistas Fluxus, é indispensável ressaltar
a conveniente desvinculação com definições de propriedade inventiva. Afinal, trata-se de
ações artísticas que planejam a implosão da compreensão tradicional de arte e delineiam a
desconstrução por excelência da obra de arte que desempenhavam. Richter declara o
posicionamento sobre a propriedade inventiva da fotomontagem por George Grosz (1893 –
1959) e John Heartfield (1891 – 1968):
(...) esta reivindicação da autoria de uma nova forma de arte é contestada por Grosz
e Heartfiled, e hoje, após quarenta anos, realmente não é possível afirmar se o
inventor foi este ou aquele. Aqui, mais uma vez, começa a luta heróica em torno da
questão a quem deve ser atribuída a honra de ter descoberto este método artístico.78
Segundo o posicionamento de De Fusco, os dadaístas não almejavam a fabricação de
obras de arte, mas miravam a fabricação de objetos.79 Contudo, diante das atribuições
sugeridas, apresentam-se ínfimas as divergências no papel autoral entre obra e objeto. Ambos
eram vistos como produtos provenientes de um autor, um sujeito proprietário. Portanto,
buscavam em seus posicionamentos as atitudes e propostas antiarte, embora suas práticas
demonstrassem, também, afirmações artísticas por excelência. Quanto mais antiarte
pretendiam, mais acabavam por afirmar a propriedade autoral.
Assim, não obstante a intenção de subversão, de eliminação, de morte da arte, de
impulso antiestético e antiartístico, é necessário reconhecer que a linha gerada pelo
Dadaísmo acabou por fornecer contributos significativos para o problema do
conhecimento da arte e da cultura do nosso tempo; e que esse lado visceral da
vanguarda se mostrou, em definitivo, mais construtivo que o lado racional (...)80
.
77
Ibid., p.168. 78
Ibid., p.157. 79
DE FUSCO, 1988, p.295. 80
Id.
48
Sob esta análise, o dadaísmo que se mostrou radical, com conduta antiartística, interrogou a
obra de arte e não voltou sua atenção subversiva à figura do artista. Tal comportamento define
a persistência de um sujeito possuidor de propriedade autoral. No início da década de
1960 realizaram-se as primeiras atividades Fluxus que contaram com um programa
interessado na indissociação entre arte e vida. Igualmente como o Dadá, Fluxus era marginal
ao caráter artístico imperativo. Os diversos participantes buscavam, também, a construção de
uma nova “forma” de arte que se colocasse contrária à tradição e à legitimação trazidas pela
história da arte. Fluxus teve como gênese duas principais atitudes: a primeira constatada
foram as afirmações antiarte trazidas por Marcel Duchamp, enquanto a segunda incidia do
pensamento do compositor norte-americano John Cage (1912 - 1992). Contava também com
outras referências importantes como as leituras Zen, trazidas por Cage, e o construtivismo
soviético, inserido pelo poeta russo Vladimir Maiakóvski. Buscava a fusão entre arte e vida,
influência direta do pensamento Fluxus, que alimentava a crença na realização da arte por
todos e para todos. Conforme aponta a definição de seu próprio nome, a palavra Fluxus é
variante de Flow, que em latim significa fluir, ir movimento com a água, em escoamento.
O texto do curador alemão René Block (1942 - ), no catálogo-livro, A long tale with
many knots: Fluxus in Germany 1962-1994, de 1997, elucida a visão de Fluxus como um não-
grupo, e, sobretudo, não artístico. Block pontua:
Fluxus is really not an art movement, but an attitude of mind, not a conspiratorial
group of artists, but an extremely loose association of loners and outsiders, who, far
from the art market, thought up forms of behavior and creations that today we may
perfectly well describe as art.81
Surge um apontamento discutível em relação à função autoral destes participantes Fluxus, de
acordo com a afirmação de Block, ausentes de intenções artísticas.
George Maciunas (1931 - 1978), um artista lituânio, foi o responsável pela proposição
das ideias Fluxus estabelecidas, além do desenvolvimento do primeiro evento Fluxus
realizado, em 1961, na Galeria AG em Nova York. Este concerto conhecido como Festum
Fluxorum, posteriormente foi ampliado para uma série de acontecimentos nos anos
81 “Fluxus não é realmente um movimento de arte, mas uma atitude mental, não um grupo de artistas
conspiradores, mas uma associação extremamente frouxa de solitários e estranhos, que, longe do mercado de
arte, pensam formas de comportamento e criações que hoje podem perfeitamente serem descritas como arte”.
Tradução livre. BLOCK, René. Fluxus music: an everyday event. In: INSTITUT FUR
AUSLANDSBEZIEHUNGEN, 2002, p.32.
49
decorrentes e teve papel fundamental para afirmação Fluxus. Em seguida, houve ainda o
Festival Internacional de Música Novíssima efetuado, em 1962 na cidade de Wiesbaden, onde
desenvolveram-se diferentes modos de questionar o significado convencional da arte,
independente de quaisquer fossem suas formas e ações.
Estes artistas posicionavam-se contra os modos legitimadores de arte, tentando
implodir com tais estabelecimentos e diferenciações, portanto, continham expressas objeções
às instituições de arte.82 As concepções Fluxus se colocavam alheias ao circuito das artes, e
eram constituídas fora destes locais notários. Suas elaborações de objetos, ou coisas, que não
fundamentalmente continham a intenção de ser arte. Segundo a curadora Ina Conzen pontua:
“Claim to „authorship‟ was subverted, since everyone collaborated on each other‟s works”83.
Todavia, o advento da colaboração somente dispersa a função autoral, ou a dilui entre
variados sujeitos, com a condição de um trabalho colaborativo sem coordenações
individualistas. Não se trata de uma participação no fazer da obra, mas no “laborar com”
desde a sua idealização.84
Os ideais Fluxus mostram-se intensos, como é possível captar através do manifesto
escrito por Maciunas em 1963. Neste, observam-se as suas principais colocações, como, por
exemplo: “Purificar o mundo da doença burguesa, da cultura „intelectual‟, profissional e
comercializada, PURIFICAR o mundo da arte morta, da imitação, da arte artificial, arte
abstrata, arte ilusionista, arte matemática, - purgar o mundo do „EUROPISMO‟!”85 Mais
ainda: “PROMOVER UMA ENCHENTE E MARÉ REVOLUCIONÁRIA NA ARTE,
Promover a arte de viver, anti-arte, promover UMA NÃO ARTE DE REALIDADE a ser
totalmente aproveitada por todas as pessoas, não só os críticos, diletantes e profissionais”86.
Decretavam a eliminação da autoria individual, numa luta contra o ego do artista. Deste
modo, o anonimato dos trabalhos denotaria uma autoria coletiva e assinatura Fluxus.
82
No Brasil, o Fluxus se apresentou através da figura do artista Arthur Barrio. Este realizou obras de grande
importância como é o caso de Confirmado é arte, de 1977, ou O que é arte?Para que serve?, de 1978. Bruscky
também é proprietário de um grande acervo Fluxus, o qual é reunido de modo aproximado ao de um arquivo. 83 “A reivindicação da „autoria‟ foi subvertida, uma vez que todos colaboravam no trabalho dos outros”.
Tradução Livre. CONZEN, Ina. From manager of the avant-garde to fluxus conductor. George Maciunas in
Germany. In: INSTITUT FUR AUSLANDSBEZIEHUNGEN, 2002, p.25. 84
A análise sobre a colaboração é realizada no bloco seguinte desta dissertação. 85
Tradução livre. Disponível em: <http://www.artnotart.com/fluxus/gmaciunas-manifesto.html> Acesso em: 13
mar. 2011. 86
Id.
50
Manifesto Fluxus – Realizado por George Maciunas. Cópia de versão jogada para a audiência
no Festum Fluxorum Fluxus, em Dusseldorf, 1963.
As ações Fluxus tinham como processo determinante o acaso e a indeterminação.
Condiziam com a promoção da relação com pessoas e a participação dos mesmos. Os locais
para a realização destes atos eram escolhidos na tentativa de abolir a necessidade de haver
instituições de arte e centros oficiais de arte. Além da promoção de encontros, outras práticas
51
usuais eram a Mail Art e os cartões de eventos. Este último foi experimentado primeiramente
por Maciunas, em eventos ocorridos a partir do final dos anos 50. Entretanto, foi o fluxartista
francês Ben Vautier (1935 - ) quem reinventou à seu modo os cartões eventos Fluxus,
ampliando-os para filmes, fotografias, entre outros.
A outra forma, a Mail Art, aproximava-se de um modo de instrução e colocava-se
totalmente aberta a atuação de outros, criando propostas que transitavam em um novo circuito
alheio ao oficial. As instruções seriam provenientes da influência de Duchamp, aproximando-
se das ações cotidianas. O fluxartista norte-americano George Brecht (1926 - 2008)
costumava encarar as instruções como um “readymade temporário”. Block esclarece o
surgimento desta prática entre os fluxartistas: “The mails were the vehicle for a worldwide
exchange of ideas, manifestos and utopias: What was later called MAILL ART and
CONCEPT ART was developed and tested in this pre-Fluxus period”87.
Como um dos meios de criar um distanciamento, para evitar a formulação destes
problemas, Fluxus tomou a iniciativa de desenvolver ações contra as amarras do sistema e da
circulação de suas obras. Uma destas foi a Mail Art.88 Almejava cuidar de suas próprias
produções, ideias e inclusive da sua exposição ao público. A Mail Art89 abriu novos caminhos
e horizontes, habilitando o fluxo de trabalhos de forma livre, autônoma e até mesmo anônima.
Tudo isto utilizando apenas a caixa de correio como porta do mundo. Além deste lado
subversor com o qual percorriam como nômades, suas produções inicialmente não
significavam valores ao mercado, contribuindo para o seu ideal aberto e sem qualquer
restrição mercadológica e institucional.
Fluxus permanentemente é designado como um movimento artístico por historiadores,
críticos e, até mesmo, alguns de seus próprios participantes. Contudo, colocava-se contrário a
esta definição, que se demonstrava incoerente aos seus ideais. Tal denominação decorre de
uma herança advinda da vanguarda artística, o que corroboraria com a alteração do termo para
Fluxismo. O sufixo ismo abarcaria a sua relação com os demais movimentos modernos,
demonstrando a domesticação da produção Fluxus retida em acervos e em exposições de arte.
87
“Os e-mails eram o veículo para um intercâmbio mundial de ideias, manifestos e utopias: o que mais tarde foi
chamado MAILL ART e ARTE CONCEITUAL foi desenvolvido e testado neste período pré-Fluxus”. BLOCK,
In: INSTITUT FUR AUSLANDSBEZIEHUNGEN, 2002, p.31. 88
Segundo Friedman, a Mail Art despontou no começo dos anos 60, na Europa, em Nova York e no Japão. In:
FRIEDMAN, Ken. The Early Days of Mail Art: An Historical Overview. Disponível em:
<http://www.terra.es/personal3/tartarug/library/ref011.htm> Acesso em 15 mar. 2011.
89 A Mail Art também é usualmente chamada como Arte Postal e Correspondence Art. A primeira reforça a
conotação de fluxo postal, enquanto a segunda entende uma possível correspondência, aguardando por uma
resposta.
52
Da mesma forma que iria ao encontro do desejo de alguns membros Fluxus serem
reconhecidos pela história das artes.
Este fator de reconhecimento histórico apresentou-se com o próprio Maciunas. Isso
ocorreu quando ele inseriu o grupo em um diagrama sobre a expansão artística, em Expanded
arts diagram, de 1966. Neste é explicitado, o contraposto entre a identificação como
movimento artístico e como procedimento antiarte. Esta ressonância demonstra-se, contudo,
amigada a propriedade autoral das obras, ainda que não compreendidas como obras de arte. A
legitimação contrasenso fez o Fluxus ser absorvido pelo sistema que criticava. Ainda assim,
tomando fôlegos de sobrevivência, o grupo continuou a atuar subversivamente, eventualmente
atacando, tal qual um vírus infiltrado.90
Qualquer mostra ou exposição Fluxus, mesmo que realizada atualmente, acaba por
afirmá-lo no mundo da arte, oficializando-o e consagrando-o. Pensar suas produções
incorporadas a um museu é entender esta transgressão que, naturalmente, com o passar do
tempo, acabou sendo injetada ao sistema tradicional das artes visuais. Trata-se, de uma
determinada valorização histórica que ocorre sem freios, e que foi incorporada até mesmo por
seus próprios membros do grupo. É o caso de Jon Hendricks, atuante Fluxus que veio,
posteriormente, em 1978, a operar como curador de exposições. O convite foi efetuado pelo
casal Silverman, no mesmo ano, após constituírem um acervo consistente em sua coleção
Fluxus iniciada na década de 70. Uma de suas curadorias chegou ao Brasil com a mostra O
que é Fluxus? O que não é! O porquê, realizada no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio
de Janeiro e em Brasília, ambos no ano de 2002. Embora a coleção tenha sido apresentada de
modo de arquivo, diverso daquele tradicionalmente utilizado em museus, o modelo tornou-se
distante da “produção” Fluxus. Dessa forma, ele prestou-se de maneira incongruente por
tratar-se de objetos/coisas que não foram cunhados para serem obras artísticas.
90
HENDRICKS, 2002, p.249.
53
Cartaz do Festival Internacional de Música Novíssima: Local onde ocorreu o
primeiro uso do nome Fluxus, 1962.
De acordo com as idealizações Fluxus, seus participantes não adotavam o status de
artistas - devido às concepções adotadas para suas atuações e produções de “coisas”, e não
obras de arte. Mais ainda, reforçavam o direito por todo e qualquer sujeito a realizar suas
próprias ideias, de acordo com o pensamento: “every person in an artist”91. Ou seja, não era
preciso um reconhecimento autoral e artístico para que se produzissem “obras”. A autoria era
abolida, uma vez que não havia mais o encargo de propriedade. Por outro lado, se aspirava a
possibilidade de todos se transformarem em produtores de arte, ligada à vida e presente no
cotidiano. Estas realizações estavam ausentes da incumbência de assinaturas, estavam livres
de identificações individuais. Posteriormente, estes desenvolveram uma nomenclatura própria,
91
In: INSTITUT FUR AUSLANDSBEZIEHUNGEN, 2002,p.32
54
os fluxartistas, no qual se demonstra a característica individual do grupo, do mesmo modo
como o aproxima de uma designação tradicional.
George Maciunas: Expanded Art Diagram n. 2. Detalhe. Relação Fluxus entre outros movimentos e
55
artistas de vanguarda.
A fusão entre arte e vida proporcionaria, também, o rompimento com o valor e a
apreciação tradicional da materialização de objetos artísticos. Neste conjunto, constituía-se
operante a desmaterialização do objeto artístico como modo de enfraquecimento da prática e
fortalecimento na própria idéia.92 Fluxus tinha claro que sua produção não poderia ser vista
como objeto-arte, pois isto remeteria a classificação como mercadoria à venda. Tal
posicionamento vai ao encontro com o que o filósofo americano Arthur Danto (1924 - )
pontua: “O Fluxus estava certo com relação ao fato de que a questão não é quais são as obras
de arte, mas qual é a nossa percepção de algo se o vemos como arte”93. Vale lembrar, ainda
segundo Danto, que Fluxus não propunha a ausência de definições de arte, mas que todas as
definições existentes devessem lidar com estes objetos, obras e ações. Para o grupo, uma
grande característica seria a de que boa parte das pessoas orientadas pela história da arte
compreenderia suas produções como uma não-arte e também realizadas por não-artistas.
A constante vigilância e controle impostos por Maciunas prejudicavam o programa
dos fluxartistas. Crente de tal incumbência, Maciunas buscou delimitações para qualificar o
que era Fluxus e o que não era. Tais regras não eram seguidas a rigor, conforme o princípio
essencial do Fluxus. Basicamente, seus integrantes não careceriam de normas, delimitações,
ou qualquer forma de rótulo e distinção entre o que é e o que não é Fluxus. Entretanto,
subverter e sabotar já eram práticas estabelecidas primordialmente pelo próprio conceito do
coletivo. Maciunas preocupava-se com a progressão do grupo e buscava lentamente a
regência deste para si, como meio de reforçar o interesse de todos. Embora, muitas vezes, o
interesse coletivo transpassava a singularização de seu controlador. Maciunas chegou até
mesmo a elaborar uma classificação de fluxartistas, criando quatro categorias distintas, como,
por exemplo: os artistas ativos, os atuantes desde a formação do Fluxus, entre outras.
Em 01 de janeiro de 1963, no Boletim Fluxus de número 5, Maciunas teve uma
determinação que se enquadrava muito distante dos ideais Fluxus. Decorrente de suas
observações em torno da aceitação de Fluxus pelo circuito artístico, propôs um contrato a
todos que se colocassem em concordância com os termos previstos. Neste acordo, apresentava
a determinação de uma identidade própria além do pedido de direitos autorais Fluxus. Em
suas cláusulas, constavam os direitos exclusivos de publicação de trabalhos Fluxus, além de
92
A desmaterialização do objeto artístico será abordada a seguir nesta dissertação. 93
DANTO, Arthur C. O mundo como armazém: Fluxus e Filosofia. In: HENDRICKS, 2002, p.31.
56
pedidos de consentimento, liberação para publicação de obras e outras questões contrasenso
ao pensamento antiarte.
O resultado deste contrato é desconhecido, uma vez que, não há registros se algum
fluxartista aceitou suas condições. No entanto, não há como negar o caráter de autenticidade
imposto a Fluxus por Maciunas. Ainda no mesmo ano, 1963, o suposto líder do grupo acusou
o artista Wolf Vostell por suposto plágio de algumas de suas propostas Fluxus. Entende-se,
deste modo, que as atuações Fluxus como um grupo contra cultura de antiarte envolviam
então um esquema extremamente conservador e mercadológico. Tais ações são fundamentais
para compreender a tradicional noção de propriedade e autoria imbuída em práticas de
extrema ousadia, capazes de desconstruir tais preceitos.
Dentre variadas discordâncias entre os propositores Fluxus, Ben Vautier ousou
questionar algumas, como, por exemplo, a vontade individual de reconhecimento artístico,
que iria contra os pressupostos iniciais já expostos anteriormente. Em sua obra Exercício do
Ego n. 3, na abertura da 17ª Bienal Internacional de São Paulo, no ano de 1983, sua
performance consistia em apresentar-se deitado em uma cama diante do público da exposição.
A pesquisadora brasileira Ana Paula F. C. Lima descreve mais a obra: Ao seu redor, uma
marca divisória definia o limite da sua (não)-ação, dentro do qual também se lia um texto
escrito na parede com a seguinte afirmação do artista:
Produtos, produtos por toda a parte. Produtos de arte, que posso fazer? Por que
fazer, pela glória? Por que glória? Pelas meninas? Fluxus talvez preferisse (não
arte), (antiarte), (vida arte), mas talvez sejamos todos corruptos também. Por isso
estou dormindo hoje, dia 14 de outubro. Exercício do Ego n. 3. Ben.94
Vautier dizia acreditar no ego, mesmo enquanto inserido em arte coletiva. O artista
chegou a declarar em entrevista exclusiva para Lima: “Você sabe que quando eu era jovem e
decidi ser artista, eu só pensava em mim mesmo”95. O problema da assinatura, que aquiesce à
propriedade da obra e que carrega o ego do artista, foi sabiamente jogado por Vautier. Ele
utilizou como alvo colidente, em seu programa artístico, a assinatura como elemento de
identificação do sistema das artes - Vautier deseja assinar tudo. De acordo com o que se diz
sobre a assinatura, como meio de propriedade, o ato de assinar em tudo corrobora com a
conversão de produtos banais, ou mesmo não-produtos, a tomarem a condição de propriedade
94
LIMA, 2009, p.37. 95
LIMA; VAUTIER, 2009, p.21
57
do artista pelo ato de sua assinatura. Seu interesse pela noção e promoção de autoria
individual já era assinalada desde 1972, quando realizou seu trabalho intitulado It’s only a
question of signature & date.
Ben Vautier: Art is only a question of signature &
date. Silkscreen, 1972.96
O sujeito autor passaria, então, desde o Dadaísmo e Fluxus, a ser mais interessante que
a própria obra. A partir destes grupos, sugeriram-se limites antes não questionados pela obra
de arte, almejando a antiarte e reforçando-a ao mesmo tempo. Contrariando isto, o crítico de
arte brasileiro Frederico Morais (1936 - ) escreve a respeito das práticas artistas brasileiras de
vanguarda: “(...) o importante no „caminhando‟, é o fazer a obra, e não ela mesma. O
espectador, agora é o autor, o artista perdeu a importância, voltou àquele anonimato
medieval”97. Naturalmente alguns pontos são cruciais, pois a obra artística é exaltada no
decorrer da sua concepção, e em alguns momentos, o seu idealizador torna-se o centro das
atenções em sua atuação.
É plausível tecer relações a partir da obra de Vautier, Exercício do Ego n.3, com o
pensamento de Duchamp, no momento em que o mesmo afirmou em entrevista à Cabanne:
“O indivíduo, como tal, como cabeça, se você quiser, me interessa mais do que o que ele faz,
96
Mais imagens disponíveis em: <http://farticulate.wordpress.com/2011/03/05/5-march-2011-post-ben-vautier-
selected-works-text/> 97
MORAIS, 1975, p.23.
58
(...)”98. O contexto adequado ao que Duchamp pode ter se referido é o da importância da ação
e intenção do artista. Portanto, o que lhe ressalta é o pensamento do artista em forma de
ato/ação, mais isto não vale dizer que o francês idealizador de Fountain tinha sua atenção
voltada ao sujeito artista de modo biográfico, em torno de sua conduta de vida. O que
equivaleria pensar, também, que os olhos estariam voltando-se para o sujeito em ação, e não
apenas - ou não mais – para a sua produção.
Ben Vautier: Total Art Match-Box. A box of matches with label, 1966.
Ao que se sabe, o término de Fluxus é incerto e isto também parece fazer parte da sua
própria essência. Há, também, críticos de arte e artistas que compreendem a continuação de
Fluxus em variadas obras presentes na arte contemporânea. Entre o dilema de ser reconhecido
como movimento artístico ou não e, ainda, entender-se pertencente ao sistema das artes ou
não, este encerramento pode ter sido ocasionado até mesmo devido ao cerne de suas
problematizações. Sem dúvida, seus desdobramentos estão presentes na contemporaneidade,
independente da sua continua permanência.
Desmaterializando deste modo a arte, ao fundi-la à vida, estes artistas alquimistas
romperiam com o valor estabelecido pela condição material dos objetos artísticos até
então destinados a cristalizarem-se pela via do museu e da história. Herdeiros
também de Duchamp, e libertos da manufatura artística, estes artistas ancorariam
suas práticas não mais no fazer, mas sim na própria ideia, materializada através da
noção de ação e acontecimento99
.
98
CABANNE, 2008, 166. 99
LIMA, 2009, p.40-41
59
Finalmente, pode-se dizer que as atividades Fluxus romperam com as tradições e
visões em torno do sujeito artista, enquanto gênio individual, à frente do seu tempo. Qualquer
pessoa poderia ser um realizador, um artista Fluxus. O grupo propôs a realização da arte por
todos, independentemente da sua designação comum, por qualquer pessoa, com quaisquer
elementos e em quaisquer lugar. O seu desenvolvimento poderia até mesmo estar conectado
às práticas rotineiras, atrelando arte à vida, indissociada do cotidiano. Para Fluxus, a obra
passa a ser o ato, a ação, a performance, a vida. Nada mais apropriado do que a
desmaterialização completa da obra de arte.
2.3. Arte Conceitual
Idéias em si podem ser trabalhos de arte;
estão em uma cadeia de desenvolvimento que
eventualmente pode achar alguma forma. Nem todas
as idéias precisam ser transformadas em algo físico.100
Em decorrência das discussões levantadas pelo readymade, pelo Fluxus e pelos
dadaístas, é mister analisar o objeto artístico e, em especial, a omissão ou ausência de sua
materialização. Afinal, após a expansão dos horizontes artísticos no século XX, a
compreensão da obra de arte se torna intricada. Se nos dois estudos anteriores a questão é
liberar o peso existente do artista em sua obra, seja através da suas marcas autorais, este item
trata de liberar o peso da própria obra de arte, voltando-se novamente a figura do artista. Além
disso, debruça-se acerca da necessidade de se apresentar tal objeto fisicamente, em todas as
instâncias de sua produção. Sobretudo diante da complexidade desenvolvida, conforme
pontua a crítica de arte brasileira Cristina Freire: “As certezas, já arraigadas, causam
dificuldades para a compreensão do que os artistas realizaram, sobretudo a partir da segunda
metade do século XX”101.
Diante dessa perspectiva, optou-se pela análise de artistas conceituais e por suas
propostas de desmaterialização do objeto artístico, pois trata-se de um momento de mudanças
100
LEWITT, Sol. Sentenças sobre arte conceitual. In: FERREIRA; COTRIM, 2006, p.206. 101
FREIRE, 2006, p.7.
60
cruciais no século XX e que corresponde - junto ao Dadaísmo, Fluxus e Readymade - à
tentativa da problematização limiar da relação autor-obra. Neste sentido, o modo de
constituição da obra de arte passa a existir no mundo das idéias, ou ainda, existe em sua
plenitude conceitualmente. Portanto, amplia-se a compreensão tradicional do autor como
sujeito inventor, criador e responsável por uma obra ou objeto. De igual maneira, defende-se a
permanência da função autor mesmo que o artista não materialize a sua obra, ou não possua
obra alguma. Sua função autoral é resguardada. Em virtude dessas características, a presente
pesquisa representa um meio de aproximação às possíveis implosões da autoria e da obra de
arte, especificamente neste contexto histórico.
As colocações de Bürger a respeito da vanguarda artística mostram-se pertinentes,
aqui. O crítico alemão argumenta sobre o problema em aplicar conceitos de obra de arte aos
produtos de vanguarda. Segundo ele,
(...) nos movimentos históricos de vanguarda foram desenvolvidas formas de
atividade que não podem mais ser adequadamente compreendidas sob a categoria de
obra: por exemplo, as manifestações dadaístas, que faziam da provocação do público
seu objetivo declarado. Em tais manifestações, no entanto, trata-se muito mais do
que a liquidação da categoria de obra, a saber da liquidação da arte como atividade
dissociada da práxis vital.102
Tal crise da obra provoca, conseqüentemente, uma reflexão em torno do autor. É importante,
por isso, retornar a este sujeito e à sua função – elementos por vezes ignorados. Todavia, esta
aproximação não remete a uma pesquisa biográfica, na qual se leva em consideração a
conduta pessoal do autor.
A expressão Arte Conceitual foi primeiramente utilizada em 1961 pelo fluxartista
norte-americano Henry Flynt (1940 – ), por ocasião de atividades Fluxus em Nova York, nas
quais estava envolvido. Contudo, poucos foram os artistas que tomaram conhecimento deste
termo na época e que vieram, posteriormente, a se envolver com a Arte Conceitual. A
designação de Flynt tratava de forma menos subversiva e despreocupada a arte tradicional.
Não obstante, ostentava uma postura desafiadora a este campo - um aspecto bem diverso
daquele que se apresentava nos anos 1960. Foi em 1967, na revista Artforum, que o artista,
também norte-americano, Sol LeWitt (1928 – 2007) publicou seus Tópicos sobre a Arte
Conceitual, utilizando o termo em um debate preciso sobre a arte que tem como aspecto de
supra importância a ideia e o conceito.
102
BURGER, 2002, p.110.
61
Robert Barry: All things I know but of which I am not at the moment thinking – 13:36; June
15. 1969.
A crítica de arte norte-americana Lucy R. Lippard (1937 - ) abordou este período com
intimidade em seu livro Seis anos: a desmaterialização do objeto artístico de 1966 a 1972,
publicado em 1973. Lippard acompanhou, com grande parte dos artistas originários, a
formação da Arte Conceitual e a compreendeu como um momento de desmaterialização da
obra de arte. No entanto, ela ainda ressaltou as versões conflitantes entre historiadores, artistas
e teóricos que estavam presentes, desconfiando de sua memória e suspeitando, mais ainda, das
revisões construídas pelos que não presenciaram a estruturação da Arte Conceitual – a
exemplo da que aqui se apresenta. Trata-se de uma análise histórica com grandes divergências
e, portanto, complexa para designar-se com precisão.
De acordo com o que Lippard pontuou em sua ordenação de pensamentos dispostos
em Six Years: “Conceptual art, for me, means work in which the idea is paramount and the
material form is secondary, lightweight, ephemeral, cheap, unpretentious and/or
„dematerialized‟103. O elemento estético havia se tornado insignificante, oprimido pela
ascensão do conceitualismo na obra de arte e pela tomada de posição na desconstrução da
realização do trabalho. Aboliu-se a necessidade da visualização física do objeto artístico. O
processo criativo do artista foi colocado em primeiro plano, se definindo como elemento
103
LIPPARD, 1997, p.vii. Tradução livre: “Arte conceitual, para mim, significa uma obra em que a ideia tem
suma importância e a forma material é secundária, de pouco peso, efêmera, barata, despretensiosa e/ou
„desmaterializada‟”.
62
crucial da obra. Neste aspecto, a sua materialização torna-se genuinamente dispensável. A
respeito desta virada para a história da arte, Freire afirma:
A Arte Conceitual problematiza justamente essa concepção de arte, seus sistemas de
legitimação, e opera não com objetos ou formas, mas com idéias e conceitos. (...) a
Arte Conceitual, de modo geral, opera na contramão dos princípios que norteiam o
que seja uma obra de arte e por isso representa um momento tão significante na
história da arte contemporânea.104
Mais ainda, não há mais a necessidade de distinção entre os modos de artes que o
artista opera. São excluídas nomenclaturas tais como “pintor”, “escultor” ou mesmo
“desenhista”. Deste momento em diante, os artistas são, simplesmente - e não somente -
artistas. Complementando este pensamento, o teórico norte-americano Alexander Alberro
(19?? – ) esclarece que, com a negação de uma expressão artística, não é mais possível que se
tracem relações entre o artista e sua obra, ou seja, o observador não consegue identificar
reminiscências subjetivas do criador da obra.105
A arte conceitual surgiu nos anos 1960, resultando de aproximações com o
Minimalismo e com a Land Art, apropriando-se dos seus princípios essencialmente cerebrais.
Além disto, bebeu na fonte de Marcel Duchamp, que inaugurava em 1912, com a construção
de sua Caixa Verde, a ausência da obra em materialidade, o surgimento de projetos e a
conversa com a linguagem/imagem. Com esta obra, Duchamp operou com a reunião de
idéias, desenhos e projetos para a realização de suas obras. Desenvolveu-se o caráter de
documentação entre a distância do ato de idealização e da construção da obra. Neste ínterim,
entre a idéia e a ação, a utilização do processo de documentação por desenhos e instruções foi
necessária na Arte Conceitual, tendo em vista o caráter temporário de muitas obras.
Diante deste quadro, denota-se a necessidade de uma investigação: como o público e o
sistema de artes compreendem o artista que não apresenta obras de arte materializadas. Este é
um caso ímpar e conflituoso. Para a arte conceitual, a função autoral tem condições para o seu
reconhecimento, pois, ainda que desmaterializada, a obra é apresentada. Por volta de 1966, o
norte-americano Joseph Kosuth (1945 - ) iniciou suas primeiras obras puramente conceituais
na série intitulada Art as Idea as Idea. Em seu ensaio Arte depois da filosofia, de 1969, com
três partes de debates sobre o pensamento em arte, o próprio artista supõe que sua primeira
obra com propostas conceituais foi Leaning Glass, de 1965. No final deste mesmo ano, ele
104
FREIRE, 2006, p.8. 105
ALBERRO, 2003, p.39.
63
realizou uma cópia fotostática com a definição de dicionário da palavra Água, dando início a
um projeto que se desdobrou em um grande número de produções por Kosuth. Segundo o
artista, a investigação com definições de dicionário, começou como “(...) uma maneira de
simplesmente apresentar a idéia de água”106. Foi então que passou a investigar a relação com
objetos e suas definições, tecendo relações entre coisas e palavras e o que elas aludiam.
Kosuth, em conjunto com o grupo Art&Language, Mel Bochner (1940 - ), Robert Barry
(1936 - ), Lawrence Weiner (1942 - ) e outros, apresentaram a relação da arte com a
linguagem, assumindo o caráter teórico do pensamento da arte na obra conceitual. Destas
afirmações Kosuth pontua:
A definição “mais pura” da Arte Conceitual seria a de que se trata de uma
investigação sobre os fundamentos do conceito de “arte”, no sentido que ele acabou
adquirindo. Como a maioria dos termos com significados bastante específicos
aplicados genericamente, a “Arte Conceitual” é considerada freqüentemente uma
tendência. Em certo sentido ela é evidentemente uma tendência, porque a
“definição” de “Arte Conceitual” é muito próxima dos sentidos da própria arte.107
Ainda no seu ensaio, Kosuth entende que a presença de objetos é desnecessária para a
condição da arte108, assim como compreende que ela somente existe conceitualmente depois
do campo aberto por Duchamp. Igualmente importante, no contexto acima explicitado, está o
apêndice Statement of intent, de 1969, que Lawrence Weiner apresentava junto a suas obras,
com a seguinte tripla sentença: “1. O artista pode arquitetar a peça. 2. A peça pode ser
fabricada. 3. A peça não precisa ser construída”109. Ou seja, alguns limites foram
ultrapassados para a designação comum da autoria da obra. Afinal, torna-se complexa a
compreensão de um autor, caso este não apresente alguma obra material. Tais propostas
conceituais podem ser constituídas, mesmo que de modo irrealizável, utópico. Ainda assim,
denotam conteúdo na intenção artística intrínseca à obra.
Segundo Kosuth, a obra de Barry e de Weiner veio a ser considerada conceitual
devido à escolha de materiais e processos. Para Weiner, que abandonou definitivamente a
pintura em 1968, não há a preocupação de aparência na obra, portanto o processo de
fabricação da obra é a sua própria constituição. Neste mesmo ano, Weiner iniciou uma série
de projetos com ações conceituais, onde o próprio título se encarregava de descrever a
106
KOSUTH, Joseph. Arte depois da filosofia. In: FERREIRA; COTRIM, 2006, p.233. 107
Ibid., p.227. 108
Id. 109
ARCHER, 2001, p.78.
64
proposta artística, as chamadas Statements. Tal característica pode ser observada em Two
minutes os spray paint directly upon the floor from a standart aerosol can (Dois minutos de
tinta de spray aplicada diretamente sobre o chão com uma lata comum de tinta aerosol), de
1968, ou A 36x36 removal to the lathing or support wall of plaster or wallboard (Uma
remoção de 1mx1m do reboco ou do estuque ou do revestimento de uma parede), também de
1968.
Lawrence Weiner: Two Minutes of Spray Paint Directly
Upon the Floor From a Standard Aerosol Spray Can,
1968. Primeira ação.
A descrição da ação realizada – contida na sentença do título da obra – apresenta o
esvaziamento do domínio de técnicas e do processo de idealização da sua construção. Sem a
necessidade de talento e execução especializada, reduz-se a maneira como se interpretavam as
decisões e criações artísticas. Tais sentenças funcionam, também, como instruções para sua
construção, como modo de multiplicação e dessubjetivação do trabalho. Não se trata de uma
simples participação, mas na ação da própria obra pelo seu receptor. Ou seja, o artista abstém-
se na elaboração da obra, embora seja dele o planejamento. Também se modifica a visão para
o autor da obra. Ele já não é mais visto como um sujeito divinizado, com capacidades técnicas
especializadas. O autor deixa de ser proprietário de uma sensibilidade transcendente.
Segundo o pensamento de Weiner, a obra relaciona-se com o processo do fazer
artístico, compreendendo-a como arte antes mesmo da sua completa visualização; como é o
65
caso, por exemplo, de Two minutes... Do mesmo modo, ela pode existir apenas como projeto
em seu caderno, como Weiner definiu que faria em 1968:
(...) ele decidiu que faria a sua obra existir apenas como uma proposta em seu
caderno de anotações – isto é, até que uma “razão” (museu, galeria ou colecionador)
ou, como ele os chamava, um “receptor” tivesse necessidade de que sua obra fosse
feita. Foi no final do mesmo ao que Weiner deu um passo adiante na decisão de que
não importava se a obra fosse feita ou não110
.
De acordo com Alberro, é passível de se compreender tais obras de arte como Arte não
experiêncional, pois trazem consigo somente o seu conceito. São obras que consistem em seu
pensamento arte por si, e não carregam identificações autorais subjetivas. E abrangem ações
que se realizam, e caso isso ocorra, é de modo não- único. Portanto, são livres da carga de
unicidade advinda do toque de expressão do artista idealizador.111
Para aprofunda este raciocínio, aborda-se a obra desenvolvida por Robert Barry para a
exposição Perspectiva 69, realizada em Dusseldorf112. Nesta ação, o artista afirmou que sua
obra de arte estaria na mente de cada pessoa e somente cada sujeito poderia realmente saber
apenas a parte que estaria na sua própria mente. Desta abstração total do objeto artístico, -
afinal nunca será possível captar a obra em sua totalidade – Barry lança o conceito como
órgão atuante a se vestir em obra. Deste mesmo modo, o artista operou em sua obra Inert Gas
Series. Helium, Neon, Argon, Krypton, Xenon: From a Measured Volume to Indefinite
Expansion113, de 1969, no qual libera gases na atmosfera em ação realizada no deserto
Mohave, na Califórnia, e documentada por fotografia.
110
KOSUTH, In: FERREIRA; COTRIM, 2006, p.229. 111
ALBERRO, 2003, p.51. 112
ARCHER, 2001, p.78. 113
ALBERRO, 2003, p.118.
66
Robert Barry: Inert Gas Series. Helium, Neon, Argon, Krypton, Xenon: From a
Measured Volume to Indefinite Expansion, 1969.
De acordo com Freire, a arte conceitual articulou-se com diversos procedimentos, por
exemplo: instalação, performance, ações, Body-art, Mail Art, Instruções, Videoart, livro de
artista, publicação de artista, entre outros. Na América Latina, teve conotações sociais e
políticas, acentuadas pelo contexto histórico no qual se vivia. Entre seus artistas, destacam-se:
Hélio Oiticica (1937 – 1980), Artur Barrio (1945 - ) e Cildo Meireles (1948 – ), para citar
alguns.
Para finalizar, obras com estes procedimentos citados, sem confecção, sem
materialidade, acabam libertando o status mercadológico fixado ao objeto artístico. Acredita-
se na inviabilidade do seu pertencimento em coleções, museus e galerias, conforme pontua
Lippard.114 E intencionalmente dificulta a comercialização de suas obras. Afinal, como se
pode colecionar um conceito ou uma idéia? Como afirmado anteriormente, são obras, por
vezes, imateriais e talvez não possessíveis. Contudo, não foi isto que a história da arte nos
apresentou ao incorporá-las como propriedades em contratos institucionais. Mas como um
movimento de contra cultura, a Arte Conceitual falhou.
Isso porque aí a criação não supõe uma atividade manual (artesanal) do artista, mas
uma escolha que está sempre na palavra do artista. Essas escolhas não estão
conectadas ao fazer manual, mas a uma ideia, um saber mental que o artista detém
sobre sua criação, e o limite de sua opção é seu mundo circundante.115
114
LIPPARD, 1997, p.11. 115
FREIRE, 2006, p.33.
67
Desde o conceito do readymade, a obra deixou de ser necessariamente uma atividade
manufaturada, com as marcas expressivas e subjetivas do seu autor. O princípio da escolha do
objeto do mundo comum pautado pela indiferença Duchampiana, relevando a escolha pelo
gosto e desgosto, ainda reafirma a atuação da função autoral. Na antiarte, a quebra de
parâmetros da visão de arte foi singular, embora ainda tenha persistido em assinaturas de
propriedade ou, ainda, em créditos de invenção de técnicas e de reproduções. Enquanto na
Arte Conceitual, quanto mais se produz questionamentos acerca da obra e da prática artística,
mais se revigora a autoria. Mais ainda, a ligação da arte com o contexto político e social ou a
apresentação de uma visão própria acerca da arte, abarca posicionamentos pessoais dos seus
respectivos artistas idealizadores.
Deste modo, observa-se que a autoria foi questionada diante das apropriações de
objetos, das conjeturas da antiarte, e é problematizada, também, com a ausência total de
materialidade. Apesar de todas as ações aqui citadas, a função autor continua sendo efetuada,
ainda que no campo das ideias e da elaboração de obras conceituais. Elabora-se, então, um
problema de designação deste autor que nem mesmo executa a sua obra e, mais ainda, pode
não as apresentar ao mundo. Diante destas propostas de esmaecimento, o que acaba sendo
fortalecido é a própria figura do artista. Com a obra desmaterializada, voltam-se as atenções
para o sujeito autor, para o realizador de idéias e agente criador. Constata-se a contradição que
chegou o século XX: do desejo de desvincular o artista de sua obra, refazer outros vínculos,
ainda que em outras adjacências. Nesta perspectiva, delinearam-se outros limites e práticas, as
quais persistem na presença da figura autoral.
68
SOBRE CERTOS DESDOBRAMENTOS ACERCA DA
AUTORIA
BLOCO III
No decorrer deste bloco de raciocínio, se desenvolve um exame acerca dos
desdobramentos da autoria. Observa-se, ainda, como que os limites (ou não limites) do tema
problematizam o reconhecimento das funções autorais. Diante das diversas abordagens aptas
a discorrer sobre o assunto, é mister estabelecer algumas fronteiras, acerca das obras a serem
mencionadas. Tal estruturação possibilitará direcionar o estudo, com maior precisão, em
busca dos objetivos propostos. E, diante dessa perspectiva, a opção se faz por três ordens
problematizantes, em vista das dificuldades, inerentes a estudos no âmbito da
contemporaneidade. São três casos exemplificadores de persistências e consistências da
autoria na contemporaneidade, que se apresentam em um campo amplo de atuações. Trata-se
de um período, como já mencionado anteriormente, onde os limites artísticos foram dilatados,
possibilitando o encontro com inumeráveis obras passíveis de repensar a função autoral e o
sujeito autor aqui propostos.
Todavia, pensar o limiar da autoria na contemporaneidade não é um exercício de
simples degustação, pois se trata de um tema polêmico e de ordens díspares: de um lado os
69
“proprietários” (como concepção tradicionalista) e de outro os “libertadores”. Das três linhas
de condução desenvolvidas para este estudo, a primeira aborda a relação do desejo de adquirir
fama e tornar-se artista – um dos pressupostos da autoria. Além, pretende-se analisar a função
autor de indivíduos que não alçaram a notoriedade, exemplos representativos deste caso:
Acary Margarida e Eduardo Dias. O segundo tópico, por sua vez, é o da artista Carla
Zaccagnini, que abrange a articulação da autoria na realização da obra de arte. Por
conseguinte, no terceiro módulo de análise deste bloco, está a autoria institucionalizada, como
condição para a legitimação do artista e de sua função. Para este último debate, introduz-se a
obra de Yuri Firmeza, que contempla a exposição destes fatores, implícitos no sistema das
artes.
Considerando o conjunto em sua totalidade, os dois últimos tópicos – com obras de
Carla Zaccagnini e Yuri Firmeza – estão inseridos na contemporaneidade, e comportam
questões pertinentes às múltiplas questões impostas pela arte no pensamento autoral, que
vigorou na época pós-moderna. No entanto, o primeiro item abrange a mudança de século,
pois Acary Margarida e Eduardo Dias nasceram, respectivamente, em 1908 e 1872. Tal fato
não permite afirmar que este bloco, último da dissertação, esteja estruturado apenas em
elementos da arte contemporânea. Essa constatação empresta características ao primeiro
subtítulo, pois se trata de uma ordem de problematização que beira o esquecimento dos
estudiosos da arte. Nesse ínterim repercute os debates acerca dos artistas não aceitos, não
contemplados pela crítica – elementos que se desdobram em outro tema – a legitimação –
tratado neste mesmo bloco.
3.1. Autoria por reconhecimento: Acary Margarida e Eduardo Dias
Ao se debruçar sobre as questões da autoria, é inevitável investigar as condições de
reconhecimento. E, para desenvolver este assunto, a opção dá-se pela via reversa: sujeitos que
não foram introduzidos, ou que não se introduziram, no rol do reconhecimento da crítica e da
história da arte. Sobretudo desde Giorgio Vasari as questões da fama e reconhecimento foram
tratadas de modo naturalizado, de acordo com o pressuposto da aceitação da obra por via do
reconhecimento do artista idealizador. Nesta perspectiva, a autoria perpassa por uma
70
sensibilidade que sobrevive e/ou persiste em duas esferas: a do desejo de reconhecimento
diante do público e sistema das artes; e a da obstinada criação, ainda que seja maior a chance
de cair na ignomínia.
Tal reflexão aplica-se ao sujeito autor, provocando inquietações acerca do seu
indivíduo, por considerar a legitimação uma questão indissociável do sistema de artes. Neste
sentido, como se deve atuar diante de indivíduos realizadores de arte e que, no entanto, não se
fizeram legitimamente como autores? Existem critérios capazes de avaliar o ser ou não ser um
autor? Estas são indagações que dificilmente seriam respondidas de forma satisfatória, pois
percorrem inúmeros caminhos dentro do campo das artes. Em virtude disso, não se pretende
buscar respostas para elas. Tal persecução resultaria em um esforço hercúleo, cujos resultados
seriam medíocres e que, certamente, destoariam dos caminhos que norteiam o presente
trabalho.
Constantemente são lembrados os sujeitos que, de alguma forma, fazem-se presentes
através de seus legados até a contemporaneidade. Certamente, se deve considerar a importante
existência dos mesmos, tenham eles realizado grandes proezas, instituído heranças, inovado
no modo de pensar, inventado fórmulas revolucionárias, ou produzido grandes obras para a
posterioridade. Entretanto, certas existências produzem vestígios de modo mais discreto, e são
capazes de ser brutalmente esvaídos pela espessura do tempo devorador, atropelando todas e
quaisquer marcas possíveis de admiração. Torna-se pertinente ampliar os instrumentos desta
investigação para não cair no abismo autômato da autoria já compreendida e aceita.
Diante desse quadro, surgem dúvidas. Um exemplo provém daqueles sujeitos que
projetaram obras, mas não chegaram a materializá-las. É o caso, talvez, do artista sem obra.
Como reconhecê-lo? A problemática da autoria sem obra é refletida a partir do estudo das
literaturas de Maurice Blanchot. O critico literário apresenta um curioso apontamento sobre
Joseph Joubert, em um capítulo intitulado O escritor sem livro, texto presente na obra O livro
por vir, de 1959. Nesse capítulo, Blanchot apresenta Joubert, um escritor que soube
negligenciar a luta por seus livros. Segundo Blanchot, Joubert tinha um grande dom e, no
entanto, nunca publicou um livro. Depois de ter encontrado o seu propósito, escrever,
pesquisar e ter domínio do assunto, resolveu que não precisaria mais escrevê-los
propriamente. Sua busca havia chegado ao fim. Blanchot ainda relata a ausência de razões
para que o escritor escrevesse e publicasse sua obra após a completa imaginação e solução em
71
sua mente. “(...) [E]sse homem extremamente capaz e que tem sempre, junto a si, um carnê
em que escreve, não publica nada e não deixa nada para ser publicado”116.
A partir destes apontamentos sobre as vidas esquecidas, ou que se desejaram esquecer,
o pensamento de Blanchot adquire importância: “O homem não pode escapar da desgraça,
porque não pode escapar da existência, e é em vão que ele se dirige para a morte, que dela
enfrenta a angustia e a injustiça, pois ele só morre para sobreviver”117. Nesta passagem,
Blanchot tece uma relação entre a morte e a vida apresentadas nos escritos de Franz Kafka
(1883 – 1924). Ele afirma a busca de Kafka por sua existência em seus livros, contudo, o que
o escritor realmente desejava era o silêncio, ao contrário da glória almejada pela maioria dos
agentes produtores. O crítico literário ainda pontua:
O que devemos ver é que esse próprio desacordo, o que existe de embaraçoso no
triunfo que coroa uma vida infinitamente miserável, a sobrevida quase indefinida
que a posteridade lhe promete, esse fracasso no sucesso, essa mentira da desgraça
que só resulta no brilho da fama, uma contradição dessas, irônica, faz parte do
sentido da obra e foi pressentida em sua pesquisa.118
Diante disto, analisa-se o modo de reconhecimento de determinadas existências,
sujeitos que muitas vezes adquiriram fama e, contudo, em virtude de acontecimentos
imprevisíveis, hoje são escassamente lembrados. É nessas identidades pouco estudadas que
se busca lançar as lentes deste estudo, ou ainda, arrisca-se tratar de artistas de ralo
reconhecimento, pouco valorizados. No entanto, em virtude da insuficiente quantidade de
pesquisas acerca do assunto, faltam dados para abordar as obras desses peculiares artistas com
maiores profundidades. Isso, contudo, não é motivo para o abandono desses sujeitos,
praticamente envolvidos pelo desconhecimento. Afinal, a história também se constrói dessas
biografias – e não somente de biografias - esquecidas.
Partindo deste pressuposto, se torna necessário abordar do mesmo modo os sujeitos
que estão à margem do reconhecimento. Trata-se aqui de abordar os artistas reconhecidos e,
também, os não reconhecidos. Para que seja possível catalogar alguns destes casos, é preciso,
conforme cita Foucault, que um raio de luz chegue a estas vidas, ao menos por um breve
instante, para refletir acerca delas. O mesmo relata em sua obra Vida dos homens infames:
116
BLANCHOT, 2005, p.74. 117
BLANCHOT, 1997, p.85. 118
Ibid., p.84.
72
He querido que estos personajes fuesen ellos mismos obscuros, que no estuviesen
destinados a ningún tipo de gloria, que no estuviesen dotados de ninguna de esas
grandezas instituidas y valoradas – nacimiento, fortuna, santidad, heroísmo o
genialidad –, que perteneciesen a esos millones de existencias destinadas a no dejar
rastro, (...).119
Compartilhando essa maneira de pensar, adentra-se no rol de artistas pouco
valorizados, das vidas artísticas pouco lembradas. Cuida-se de sujeitos de pouca fama que não
adquiriram grande reconhecimento por determinados eventos no decorrer de suas vidas, mas
que, ao mesmo tempo, não se aproximam da desonra. Dentre inúmeros casos que se poderia
citar nesta pesquisa, observa-se com mais cuidado a prática e a biografia de dois sujeitos
esquecidos, Eduardo Dias e Acary Margarida. Faz-se necessário a abordagem biográfica
diante de tais condutas de vida na procura de nuances capazes de saltar suas existências. No
entanto, mais interessante seria a investigação de suas obras, fato este impossibilitado por
serem indivíduos ausentes em números de pesquisas teóricas e históricas. Evidencia-se a
ausência de seus nomes nos catálogos de artistas modernistas de Santa Catarina, fato este que
tornou um empecilho ao tratar de obras, e até mesmo das biografias, destes artistas neste
presente estudo.
Eduardo Dias de Oliveira nasceu em 19 de fevereiro de 1872 em Florianópolis, antiga
cidade de Nossa Senhora do Desterro. De família humilde, era filho de Francisco Dias de
Oliveira e Maria Cristina de Oliveira. Desde menino, ele iniciou no mercado de trabalho
como sapateiro, no qual cursou uma oficina e adquiriu certo reconhecimento por suas
habilidades. Em seguida, ingressou nas aulas de desenho e pintura com o artista Manoel
Maneca, ou Maneca Margarida, abandonando o ofício de sapateiro e passando a se dedicar à
sua crente vocação artística.
Dias não alcançou forte destaque nacional como artista, possivelmente, também, como
resultado de sua pouca formação acadêmica. Seu reconhecimento restringiu-se à sua cidade
natal e localidades vizinhas e, ainda assim, somente ao circuito pertencente ao âmbito das
artes. Da mesma maneira que outros artistas, como Victor Meirelles e Martinho de Haro, Dias
teve sua oportunidade de seguir carreira através de uma bolsa de estudos na Escola Nacional
de Belas Artes120, no Rio de Janeiro – que, na época, ocupava o lugar de capital federal e
centro de estudos em artes. A oferta realizada em 1896, pelo então governador do estado de
Santa Catarina Hercílio Luz, foi recusada. O motivo da negação é impreciso, porém, todos
119
FOUCAULT, 1977, p.180. 120
Antiga Academia Imperial de Belas Artes, antes da mudança para o período republicano brasileiro.
73
reconhecem a profunda ligação que o artista tinha com sua terra natal, o que impossibilitaria,
assim, a sua partida.121
Além de, provavelmente, não desejar abandonar sua cidade e, por isso, negando o
convite de estudos, cogita-se também outro motivo: a proposta advinda do governador era
proveniente de um partido oposicionista e, portanto, não foi aprovada pela Assembléia
Legislativa do estado catarinense122. No entanto, a primeira suposição (não deixar a cidade)
pôde ser afirmada: posteriormente, Dias refutou uma vultosa proposta para trabalhar em Porto
Alegre, com grandes retornos financeiros feita por Ângelo Galiani.
Pai de uma grande família, o artista muitas vezes recorreu ao exercício de “caiador de
paredes”, atividade que garantia sua sobrevivência nos períodos de dificuldades financeiras.
Ele também desempenhou diversas atividades artísticas, dentre estas, a de escultor de
fachadas e responsável pela ornamentação de carros alegóricos para algumas sociedades
carnavalescas locais. Atuou como muralista, e produziu as pinturas sacras no teto da Igreja de
Nossa Senhora do Rosário.123
Eduardo Dias: Ponte Hercílio Luz, 1930. Óleo sobre tela, 109 x 152 cm.
Acervo do MASC, tombo nº 298.
Dias atuou, ainda, como cenógrafo para alguns autores da região e restaurador nas
pinturas da Igreja Ortodoxa da cidade. Contudo, foi com suas pinturas que teve sua breve
repercussão local, embora tenha realizado apenas duas exposições em vida. A primeira, em
121
De acordo com ARAUJO, 1977, p.68. 122
Id. 123
Id.
74
agosto de 1916, no hall do Teatro Álvaro de Carvalho e a segunda, em 16 de fevereiro de
1919, no Salão Beck.124 Com o intuito de auxiliar o artista que passava por grandes crises
financeiras, em 19 de outubro de 1918, seus amigos e admiradores organizaram um festival
no Teatro Álvaro de Carvalho. Escreveu Ildefonso Juvenal sobre o dia:
[U]ma comissão composta por cavalheiros acompanhou Eduardo Dias até o palco,
onde José Boiteux, então Secretário do Interior e Justiça, lhe colocou no peito uma
medalha de ouro, oferecida pela Comissão de Festejos do Jubileu de Rui
Barbosa.125
Em conseqüência de sua contribuição à arte catarinense, em 1958, o Grupo de
Artistas Plásticos de Florianópolis, GAPF, realizou uma exposição em sua homenagem.
Sobre esse aspecto, Luciene Lehmkuhl ressalta o porquê do interesse em Eduardo Dias
àqueles artistas:
É através das poucas referências a ele, num e noutro trabalho, e das obras existentes
no acervo do Museu de Arte de Santa Catarina que é possível perceber o interesse
do artista pela temática referente à paisagem local. Ele pinta a Ilha e a cidade vistas,
em geral, do alto como num cartão-postal. Atem-se ao meio natural e às
modificações causadas pela ação humana.126
Embora Dias tenha alcançado relativa fama em Florianópolis, não foi amplamente
reconhecido pela cidade que tantas vezes representou em suas telas. Eduardo Dias faleceu em
27 de outubro de 1945 em Florianópolis, e desde então apenas é lembrado eventualmente por
alguns membros do circuito de artes em sua cidade. No dia seguinte de sua morte, o jornal O
Estado noticiou seu falecimento, demonstrando preocupação com seu possível e futuro
esquecimento:
Aos 73 anos, ei-lo desaparecido para sempre. Não pintará mais quem tantas belezas
deixou, sem pretensões de artista, e com as necessidades de operário. (...) Fez por
vocação, aquilo que, nem a força de estudos, muitos conseguem fazer. Não tinha a
mínima presunção. Andou até caiando paredes, no granjeiro da vida. Paz à sua alma,
que bem merece quem nada pretendeu ser no mundo.127
124
CHEREM, In: Revista Ágora, 1996, p. 14. 125
Juvenal, Ildefonso: Eduardo Dias, o Mágico do Pincel. Conferência realizada no Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina. Editada em Libreto do IHGSC, Florianópolis: 1948, p.1. Apud Eduardo Dias:
Resgate de um artista. Florianópolis: Museu de Arte de Santa Catarina, s/d, s/p. 126
LEHMKUHL, In: A casa do baile, 2006, p.84. 127
Jornal O estado, apud EDUARDO Dias: Resgate de um artista, s/d, s/p.
75
Por necessidade econômica, muitos artistas deixam de criar suas obras e buscam por
novos meios de sustento. A respeito disto, Ronaldo Brito publicou, em 1975 - portanto
posterior ao período aqui tratado -, sua Analise do circuito. Neste texto, Brito pensa na
contemporaneidade e tece relações entre o sustento econômico dos artistas. Para ele, “O
mercado significa apenas e precisamente, em termos de produção, a garantia econômica da
continuidade do trabalho. O que não anula a seguinte verdade: produção e mercado
encontram-se em posições antagônicas”128. Compreende-se as urgências que levam o artista a
criar estratégias que promovam o desbloqueio e formação de instrumentos que ultrapassem os
nervos do sistema de artes.
A respeito disto, Brito afirma a existência de duas linhas adversas que os artistas
podem se colocar em relação ao circuito: “(...) a dos que pretendem transformá-lo e a dos que
pretendem acompanhá-lo em suas mudanças”129. Sem poder escolher entre estas opções, há
aqueles que se colocam, ou são colocados, à margem da decisão. Este pode ser considerado o
caso pertinente neste estudo sobre Eduardo Dias e o artista investigado a seguir: Acary
Margarida.
Também nascido em Florianópolis, em 1908, Acary Margarida desde muito jovem
sonhou junto dos seus pincéis. Com o auxílio de seu pai, o professor Joaquim Antonio das
Oliveiras Margarida, o garoto se familiarizou com as tintas. Acary desenvolveu as técnicas de
tinta a óleo e acrílica sobre tela durante seu período de aprendizado autodidata. Passou sua
vida inteira no continente de Florianópolis, razão para o qual o tema mais freqüentemente
abordado em suas pinturas foi a paisagem local130. Dentro desta temática, podemos citar:
casarios, naturezas-mortas, florais e demais costumes da região.
Acary sonhou em ser artista e tinha o grande desejo de ser reconhecido por sua arte.
Enquanto as grandes chances para prosseguir com sua profissão não chegavam, o aspirante a
artista criava dezesseis filhos e tinha que buscar renda para prover uma boa educação a todos.
Acary utilizou o carnaval a seu favor na criação de carros alegóricos na busca pela fama.
Partiu para áreas distintas procurando o reconhecimento público. Acary executou diversas
atividades durante sua vida para garantir o sustento de sua grande família. Trabalhar como
128
BRITO, Ronaldo. Análise do circuito. In: MOREIRA, Roberto (Org.) Caderno e.i – 1 (espaço impresso –
parte 1): análises e desdobramentos – A Revista Malasartes e o circuito de arte brasileira dos anos de 1970. Rio
de Janeiro: Traplev Orçamentos, 2011, p.25. 129
Ibid., p.22. 130
Segundo a reportagem de jornal local publicada em 2007. In: LIZ, Izabela. Pintura: O talento de Acary. A
notícia, Florianópolis, 12 nov. 2007. Disponível em: <http://www.an.com.br/anexo/2007/nov/12/0ane.jsp>
Acesso em: 20 fev. 2010.
76
criador de carros alegóricos no carnaval de Florianópolis tornou-se mais uma opção. Dentre
estas ocupações citamos algumas: desenhista, cenógrafo, engenheiro de plantas do
departamento de portos e decorador de carros alegóricos para o carnaval.131
Contudo, seu empenho em relação à produção artística não lhe foi desperdiçado. Por
intermédio de um de seus quadros mais difundidos, Pai Jacó (19??), o artista realizou
algumas exposições no país (São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia) e no exterior (Montevidéu –
Uruguai). Com esse mesmo quadro, foi ganhador da medalha de ouro da Associação Paulista
de Belas Artes.132
Acary Margarida: Ponte Hercílio Luz, 19??. Óleo sobre tela.
A proximidade de Acary com o reconhecimento em vida havia chegado ao fim. O
artista permaneceu grande parte da sua vida no esquecimento, até a morte, em 1982. Esse é,
portanto, um dos grandes motivos da ausência de informações sobre sua vida e obra. A sorte
de ser lembrado e homenageado em exposição post-mortem ocorreu com Acary Margarida em
virtude da organização por parte de sua família em 2007. Outra rara homenagem prestada ao
seu nome foi a nomeação de uma rua no bairro de Canasvieiras, no norte da ilha de
Florianópolis. Contudo, pareceria difícil que grande parte dos moradores locais saberiam
contar sua biografia e obra.
131
Conforme página da internet da Frente em Defesa da Cultura Catarinense. In: IENSEN, Jacqueline. Mostra
presta uma homenagem ao artista Acary Margarida. Frente em defesa da cultura catarinense. Disponível em:
<http://frentedaculturasc.blogspot.com/2007/11/mostra-presta-uma-homenagem-ao-artista.html> Acesso em: 20
fev. 2010. 132
Id.
77
De algum modo, a expectativa de fama criada por estes artistas citados acima - ou
sonho pelo reconhecimento - não é privilégio apenas das identidades pouco lembradas, mas
também ato constante de muitos artistas, poetas e escritores. A grande maioria dos artistas
produz desejando o reconhecimento por sua arte. De certo modo, todos os indivíduos
esquecidos sonham, ou já sonharam algum dia, em viver a vida de outro alguém. Esta é uma
prática comum aos que desejam a vida de um ser idealizado, almejando o reconhecimento, a
fama. Surge esta inquietação: O que faz o artista sonhar em se tornar um ser outro? É
admissível entender que um dos grandes fatores para esta preocupação é o surgimento do
medo de não ser citado post mortem. Permanecer no esquecimento é, certamente, um dos
catalisadores para o sentimento de busca pela fama e pânico pelo ofuscamento.
O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899 – 1986) se dedicou muito ao assunto dos
sonhos, e o entendia também como uma metáfora das artes133. Em seu conto intitulado As
ruínas circulares134, o contista propõe a obrigação de sonhar. Seu personagem, um mago
destinado “(...) à única tarefa de dormir e sonhar”135, passa sua vida na tarefa de sonhar um
homem inteiro, noite após noite, criando um simulacro de um ser humano capaz de ser aceito
pelo mundo como ser real. Aos poucos, porém, o mago passa a temer que sua criação, um ser
que é ao mesmo tempo um fantasma e seu filho, descubra que não passa de um homem
projetado pelo sonho de outro homem. Ao fim do conto, o mago descobre com certo alívio, a
partir da chegada de sua morte, que ele próprio também é sonho de outro que o estava
sonhando. Nesta história circular, o almejo pela criação de outro é levantada. Embora se
questione, dentro desse entremeio, a própria existência.
Ainda em outro conto, Everything and nothing, Borges relata um personagem que
brinca e simula ser outro alguém, para que não fosse descoberta a sua condição de ninguém.
Este parece ser o evidente ato de um sujeito sonhador de pouca valorização, conjectura
confirmada pela afirmação do personagem: “Ninguém foi tantos homens como aquele
homem”136. Diante de sua predestinada profissão de ator, o sujeito afirma não ser ele mesmo.
Entretanto, na sua ambição de se tornar novamente o seu próprio eu, o mesmo é surpreendido:
A história agrega que, antes ou depois de morrer, se soube diante de Deus e lhe
disse: Eu, que tantos homens fui em vão, quero ser um e eu. A voz de Deus lhe
133
No conto intitulado História dos dois que sonharam, Borges entende o sonho possível de ser compartilhado e
realizável, tal qual podemos considerar ser uma obra de arte. In: BORGES, 1993, p.81. 134
BORGES, In: Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 135
Ibid., p.47. 136
BORGES, 1995, p. 41.
78
respondeu de um torvelinho: Eu, tampouco sou; sonhei o mundo como sonhaste a
tua obra, meu Shakespeare e entre as formas de meu sonho estás tu, que como eu
és muitos e ninguém.137
De fato, todos são partes de outros e parte de ninguém ao mesmo tempo, e sonham
cotidianamente. Observam-se, nos contos supracitados, práticas constantes de sonhar, a saber,
o desejo de viver a vida de outros. Neste aspecto vai-se ao encontro do escritor irlandês
Samuel Beckett (1906 - 1989) quando afirmou que “(...) ser não é outra coisa que o ser
percebido”138. Isso levanta uma curiosa questão: como seria desejar continuar a ser a si
mesmo? Principalmente, sem ser lembrado pelos outros, sem obter prestígio ou cair no
terrível esquecimento? Se Eduardo Dias e Acary Margarida desejassem não serem lembrados
na posterioridade, o que estariam produzindo ao pesquisar suas biografias?
A realização de uma obra artística não é, necessariamente, um ato livre de angústias.
O fracasso é um dos possíveis sentimentos que afligem a produção, pois mesmo obtendo
sucesso o autor pode sentir-se ausente de satisfação íntima. Neste caso, o reconhecimento
não é nada. É admissível considerar que uma obra, mesmo que bem sucedida, exista longe do
seu autor, tem vida própria. A respeito disto pode-se examinar o escritor suíço Robert Walser
(1878 – 1956) que, com sua escrita micrograma, relatava sua busca pela insignificância. O
mesmo escreve:
Se alguma vez qualquer mão, qualquer oportunidade, qualquer onda me levantasse
e me levasse para o alto, lá onde imperam o poder e o prestígio, faria em pedaços as
circunstâncias que me tivessem levado até lá e me lançaria eu mesmo para baixo,
para as íntimas e insignificantes trevas. Só nas regiões inferiores consigo
respirar.139
Também contrário à busca pela fama está o personagem do escritor catalão Enrique
Vila-Matas (1948 - ). Em A arte de desaparecer, conto do seu livro intitulado Suicídios
Exemplares, Vila-Matas apresenta Anatol, um personagem que afirma a “recusa pelo
sentimento de protagonismo” e que sempre gostou de perder. Assim, nesta pequena história,
encontra-se um simbólico exemplo de um escritor anônimo, amante do esquecimento. Deste
desejo, nasce a certeza de um possível diálogo com as afirmações de Blanchot: Escrever é
uma prática da impessoalidade.
137
Ibid., p.42. 138
BECKETT, apud VILA-MATAS, 2009a, p.124. 139
WALSER, apud VILA-MATAS, 2009a, p.130.
79
Escrever é se fazer eco do que não pode cessar de falar. (...) Eu me torno sensível
por minha meditação silenciosa, pela afirmação ininterrupta, o murmúrio gigante
pelo qual a linguagem abrindo-se torna-se imaginária, profundidade falante,
indistinta plenitude que é vazia.140
A impessoalidade de Anatol se constitui além da escrita, mas, também, na preferência
por passar despercebido. Enquanto alguns sonham pelo reconhecimento, em protagonizar,
este personagem deseja o anonimato, viver como escritor secreto. Contudo, no conto de Vila-
Matas, seu segredo não perdura: Lampher Hvulac, poeta e editor, suspeita de seu potencial,
quando por ventura Anatol aceita elaborar uma introdução para a exposição de fotografias de
um amigo. Lampher afirma para o escritor secreto: “- Aqui, atrás destas linhas, se esconde um
autor – sinalizou Hvulac quando terminou de ler a introdução”141.
O personagem de Anatol decide resolver este problema e escolhe o anonimato. Lega
para um amigo todos os escritos, guardados em um baú e desaparece. Em sua última ligação
telefônica, Anatol e o amigo dialogam:
- O que disse? Ainda está aí, Anatol? Sim, mas por pouco tempo. Porque o autor
vai embora. Deixo-lhes o baú, a única coisa que interessa. Anatol desligou o
telefone. Pensou: a obrigação do autor é desaparecer.142
Nestes casos apresentados, a angústia é decorrência da busca pelo reconhecimento ou
preferência pelo anonimato. Diante de tais relatos, temos a certeza que todos são, de certo
modo, sujeitos à beira do esquecimento e que a procura pelo reconhecimento ou
desconhecimento faz parte do ser. De qualquer maneira, só termina-se este anseio com a
chegada da morte.
3.2. Autoria articulada: Carla Zaccagnini
A pesquisa da artista argentina Carla Zaccagnini (1973 - ) perpassa pelo interesse em
torno de elementos que se assemelham, mas que, sob um olhar mais cuidadoso, acabam
140
BLANCHOT, 1987, p.18. 141
VILA-MATAS, 2009b, p.80. 142
Ibid., p.88.
80
distanciando-se. Ou ainda o caminho inverso, quando elementos que a princípio julgam-se
díspares e que, no entanto, apresentam similaridades. O foco da artista segue em direção das
percepções atravessadas, da rasteira que ao atilamento é causado, e pode ser deslocado para o
assunto caro a esta análise: o (des)limite da autoria. Zaccagnini acaba por testar o julgamento
livre da propriedade da obra de arte em seu projeto Museu das vistas, realizado de 2002 a
2007. Trata-se da proposta de desenhos de vistas realizados por retratistas policiais,
executados a partir da descrição de participantes voluntários. O retratista não é o artista desta
obra, nem mesmo é o responsável pela vista descrita (inventada ou por meio de lembrança).
Entretanto, o policial de retratos falados consente com o encargo de transpor a comunicação
através do desenho. É ele quem proporciona a “tradução” do discurso para o papel em forma
de imagem.
São imagens lembradas, ou ainda imaginadas, que se tornam imagens mentais e, por
sua vez, são interpretadas por meio da palavra através do discurso do relator. Prontamente
repassada ao papel, de modo a transformar-se novamente em imagem, ela torna-se visível. O
desenho é realizado em duas vias, uma versão primária e uma cópia em carbono. O “original”
destina-se ao sujeito que descreve a vista, enquanto a cópia passa a pertencer à coleção Museu
das vistas. Eis que surge um ponto crucial: a versão primária pode ser compreendida como
esta desenhada sobre a cópia em carbono, ou, também, ser aplicada à vista real, a paisagem
lembrada. Nesse entremeio, é impossível averiguar o que se perde, na tradução e interpretação
de imagens; tampouco se pode saber o que se mantém dessas imagens. E, durante esse
processo, podemos incluir o que se conhece como traição da tradução143. Conforme o release
do Museu Victor Meirelles – que acolheu o projeto em 2006 – descreve que trata-se “[m]ais
que um conjunto de desenhos de vistas, o MdV é uma coleção de maneiras de olhar, lembrar,
descrever, compreender e registrar”144.
Neste exame sobre a autoria articulada, busca-se uma investigação acerca da possível
ampliação de alguns dos limites da arte, impostos no século XXI, e que se apresentam no
estudo da obra Museu das vistas, de Zaccagnini. E da mesma maneira se pretende averiguar a
articulação da autoria da obra supracitada e analisar seus aspectos problematizantes na arte
contemporânea. Isso porque esta pesquisa aborda alguns dos contornos autorais excedidos na
143
A designação da tradução como traição se deve ao modelo que afirma a impossibilidade de uma exatidão na
equivalência dos idiomas. 144
Release divulgado para a exposição em 2005 no Museu Victor Meirelles, em Florianópolis/SC. Disponível
em: <http://www.museuvictormeirelles.org.br/exposicoes/arquivo.htm> Acesso em: 23 mar. 2011.
81
história da arte, de maneira a indagar certas modificações no juízo do sujeito autor. Tal
relação evidencia-se no bojo da relação artista-executor-idealizador de arte, campo no qual é
possível indagar a diluição da autoria ou, ainda, o provável esvaziamento da referente
autoridade. Neste ínterim, elabora-se um cruzamento entre as questões teóricas do sujeito
autor e a ampliação deste campo, após os movimentos de vanguarda. Para tanto, é preciso
percorrer, brevemente, por questões históricas da arte.
Como se sabe, as fissuras no julgamento da autoria provocam, ainda hoje, produções
artísticas que exigem do espectador uma maior cautela para se efetivar o acesso à obra e ao
entendimento comum. Por conseguinte, testam o limite da existência da própria autoria.
Interroga-se, diante do limite desta constituição, se a sua legítima propriedade, hoje,
conquista-se da mesma maneira pela qual foi caracterizada em outros períodos: por
intermédio de uma simples assinatura. Ou seja, talvez não seja mais suficiente ater-se somente
ao sujeito da assinatura. No intuito de dirimir tais dúvidas, a investigação centra-se na obra
intitulada Museu das vistas, pois se trata de um projeto capaz de abordar questões
significativas e pertinentes a este estudo.
Nos desenhos elaborados, também são identificados o nome do responsável pela
descrição, o nome do profissional que registra, o local e a data. Tal catalogação é fator
constituinte na formação deste arquivo do Museu que, no entanto, não é propriedade do
relator, do desenhista, ou mesmo da instituição que a apresenta. A autoria aqui tende a se
apresentar de modo articulado, mas, ainda, esta coleção de vistas torna-se propriedade de
Zaccagnini. Um coletivo de desenhos que repercutem em uma diversidade de olhares e
interpretações de vistas, agrupadas num arquivo sem autores “legítimos”. É Zaccagnini que
volta ao jogo novamente, encenando a possessão da vista, da organização e de toda a ação.
82
Carla Zaccagnini: Museu das vistas, 2004. Dimensões variáveis.
Seu hábito de pedir assessoria e participação de outros para a realização de suas obras
gera a passividade para uma suposta diluição/repartição de autoria. Ainda, em alguns casos,
acaba por provocar uma atribuição do status de coordenadora para si própria, no qual propõe
ações a serem executadas por outros artistas, especialistas ou participantes da obra.145 Este
procedimento é freqüentemente observado em suas obras, como é o caso de Duas margens
[Atlântico], de 2003. Zaccagnini solicitou a dois artistas, familiarizados com a produção em
vídeo arte, que realizassem uma produção para este projeto. Wagner Morales, do Brasil, e
Sofia Ponte, de Portugal, foram os escolhidos para o encargo de filmar a sua respectiva costa
do Oceano Atlântico. Os vídeos exibem a água do mar lambendo a areia da praia, um
capturado no extremo oposto geográfico do outro. A instrução de montagem da obra ordena
que o díptico deve ser projetado sobre paredes vizinhas e no mesmo período de tempo.146 Fato
similar acontece na obra Duas margens [Pacífico], de 2005, tratando-se obviamente de uma
nova instrução voltada ao Oceano Pacífico.
Metodologia semelhante também é demonstrada em Sobre la igualdad y las
diferencias II: a casa ao lado, de 2006. Duas arqueólogas, Liesbet Sablon e Sofie Geelen,
145
Participações realizadas desde 2001, pelo menos, de acordo com o seu trabalho Restauro, no qual conta com a
colaboração de um restaurador em conjunto com o Centro Cultural São Paulo. Ou ainda, 2002, através da sua
obra Assentos, desenvolvida com o auxilio da arquiteta Keila Costa. 146
Conforme o portfólio da artista disponível no site:
<http://www.galeriavermelho.com.br/sites/default/files/artistas/pdf_portfolio/ZACCAGNINI_2010.pdf> Acesso
em 23 mar. 2011.
83
foram convidadas a realizarem uma investigação em duas residências sem habitação de uma
mesma rua em Assenede, na Bélgica. Foram feitas escavações arqueológicas, nas quais se
buscavam elementos semelhantes presentes em ambas as casas. Voltando para a sua pesquisa
de um modo mais amplo, observam-se os interesses de Zaccagnini percorrendo o caminho da
aproximação e da separação, entre o que se coloca sobre a mesma vista e encontra-se em
locais opostos. Por conseguinte, vale-se daquilo que, pelo olhar de diferentes pessoas, pode se
assemelhar. A tradução, ou ainda a mediação, através da visão de um terceiro junto ao seu
recorte, o emprego deste olhar e o que o sujeito faz com isto, são questões pertinentes aos
projetos de Zaccagnini.
Carla Zaccagnini: Museu das vistas, 2005. Dimensões variáveis.
Museu Victor Meirelles. Florianópolis/SC.
O tema da participação do espectador foi compreendida de dois modos distintos pelo
artista brasileiro Hélio Oiticica (1937 – 1980): a de “manipulação, que acarreta na
„manipulação sensorial‟; e a „semântica‟. A participação, que deriva de uma simples ação
contemplativa do espectador, converte-se em um envolvimento total.147 Onde antes continha-
se em uma atitude passiva, transforma-se em atitude ativa, participando, tocando, sentindo,
vestindo, entre outros. “Seria a procura interna fora e dentro do objeto, objetivada pela
proposição da participação ativa do espectador nesse processo: o indivíduo a quem chega a
obra é solicitado à contemplação dos significados propostos na mesma – esta é pois uma obra
aberta”148.
147
OITICICA, 1986, p.91. 148
Id.
84
Ilumina-se, portanto, o procedimento utilizado por Zaccagnini. As proposições,
segundo Oiticica, seguem cada vez mais na ordem da obra aberta, sejam estas provenientes de
experiências individualizadas ou coletivas. Ainda assim, possibilita-se que o indivíduo
invente a mesma.149 Observa-se que o espectador tem a oportunidade de incorporar-se na obra,
fazendo parte da invenção, da “materialização”, “construção” da mesma. Embora esta
atribuição não envolva a função autoral, pois ainda quem responde pela idealização da obra é
o seu propositor, no caso aqui estudado, Zaccagnini. Remete-se, portanto, ao conceito propor
propor de Oiticica.
(...) propor ao indivíduo que êste crie suas vivências, que consiga ele liberar seus
contrários, seus temores e anseios reprimidos. O psicanalista faz algo semelhante
com seu paciente, mas sua proposição é exclusiva ao paciente que o procura. Para o
artista propositor o paciente não é aquele mas sim o mundo das individualidades ou
seja, o homem.150
Esses processos de colaboração, às vezes, são responsáveis por praticamente toda a
execução da obra e, para muitos, estes são indícios daquilo que se entende por
diluição/repartição da autoria de obras. E esse é um fato bastante freqüente quando se trata da
arte contemporânea. Diante dessas constatações, é interessante citar a Lei Brasileira de
Direitos Autorais (Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998), em particular o art. 11 desta lei, que
esclarece: “Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica”151. Ao que
parece, esta delimitação feita pelo art. 11 da Lei 9.610 não é capaz de cercear os caminhos
percorridos da instabilidade contemporânea. Por conta da multiplicidade de ações e práticas
artísticas, fica cada vez mais complexa a definição autoral, por vezes mostrando-se
completamente indefinível. A respeito disto Glória Ferreira, crítica de arte brasileira, pontua:
Na realidade parece haver um paradoxo, pois conhecemos os “autores” (ou conhecê-
los não é tão difícil), sem, contudo, dominar as condições dos direitos que regem a
autoria, enquanto as leis continuam atualizando-se e vigorando de fato. Esses
direitos são de certa forma velados, ao mesmo tempo em que a prática artística
questiona a própria ideia de autor.152
149
Id. 150
OITICICA, Hélio. À busca do suprasensorial. Programa Hélio Oiticica, 192/67, 10 out 1967, p.3.
Disponível em: < http://www.itaucultural.org.br/> Acesso em maio 2011. 151
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/02/lei_9610-direito-autoral.pdf>
Acesso em: 23 mar. 2011. 152
FERREIRA, 2009, p.3.
85
É neste questionamento acerca do autor que se apropria este estudo. Afinal, não se
consente com a imposição da função de co-autoria às praticas de colaboração, pois esta se
coloca distante de um pensar junto, que condiz com a derivação co-laborar, ou seja, laborar
com. Também desta afirmação de Ferreira surge a designação do ato criativo por Marcel
Duchamp, artista que compreendia claramente o necessário papel exercido pelo participador
da obra de arte: “(...) o público estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior,
decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, desta forma, acrescenta sua
contribuição ao ato criador”153. Tais relações de compartilhamento autoral são amplamente
discutidos na contemporaneidade em virtude da própria ideia de cri-ação. Esses modelos,
ampliados no início da Idade Moderna, entendem a maior imposição na inscrição de uma
assinatura. “De certo modo, é possível fazer uma narrativa historiográfica sobre a arte pela
simples assinatura, de sua presença a seu desaparecimento, e, assim, do papel do autor”154.
Diante desses argumentos, sobreleva-se a importância fundamental na concepção da
obra destinada a um retratista policial. Seu cargo não se distancia do de um tradutor de
discursos para imagens, um conversor de palavras em desenhos. Claramente é lembrado o
fator de perda neste caminho entre o que se escuta e o que se exterioriza, e entre o que se
perde nas palavras e figuras mentais. Afinal, toda tradução traz consigo uma perda. O
tradutor, conforme afirma o teórico Marcio Seligman155, é um escritor da sombra, e não será
um escritor da verdade, apenas da esquiagrafia156. De acordo com Seligmann seriam dois os
módulos da teoria da tradução:
1) O modelo que defende a possibilidade de tradução e enfatiza a adaptação do
original ao “gosto” do público de chegada.
2) O modelo que afirma a impossibilidade da tradução, a intraduzibilidade:
a) quer porque se valoriza no texto (e sobretudo na escrita dita poética) justamente
os seus aspectos mais sensuais e, portanto, indissociáveis da língua de partida;
b) quer porque se afirma o relativismo cultural e a intraduzibilidade entre as
culturas;
c) quer porque, como no caso dos românticos alemães Friedrich Schlegel e Novalis,
se afirma não apenas a impossibilidade de separação entre os significados e os
significantes, mas se define o próprio significante e as identidades de um modo geral
como sendo um resultado de um jogo diferencial.157
153
Marcel Duchamp em seu texto intitulado O ato criador, apresentado à Convenção da Federação Americana
de Artes, em 1957. In: BATTCOK, 2008. 154
FERREIRA, 2009, p.6 155
Em sua palestra Um tradutor é um escritor da sombra: variações sobre a teologia da tradução, na
Universidade Federal de Santa Catarina em 14 mar. 2011. 156
Do grego, escrita das sombras. 157
SELIGMANN, 2003, p.176-177.
86
Em Museu das vistas discute-se a impossibilidade da tradução, que desta tentativa traz
consigo a sua sombra. Por treinamento profissional, o retratista policial atua com descrições
físicas de pessoas, utilizando técnicas adequadas e específicas para este fim. Então, por qual
motivo convidar-se-ia um policial retratista a exercer esta função? Talvez Zaccagnini procure
um tradutor neste momento de ultrapassagem dos limites do discurso falado e imaginado.
Neste caso, este profissional sente-se confortável por estar certamente habituado a aprisionar
as imagens descritas por outros. Ainda assim, o fato de uma pessoa sem habilidades artísticas
voltar-se à produção de arte parece ser decisiva. Ou seja, não se refere aqui a um artista, ou
desenhista se preferir: a diferença está na descrição da vista, e como esta captação de palavras
é convertida em imagem.
Eis uma nova ocorrência notável: insere-se um sujeito não-artista para desenhar dentro
de uma instituição oficializadora de arte. Há, portanto, um confronto de contextos. Colocar
um retratista dentro de uma instituição legitimadora de arte, não o tornaria um artista? Este é
um dos limites da provocação causada por Zaccagnini. O desenhista não é um artista, e nem
mesmo tem a pretensão de se tornar um e, para que esta vontade fosse realizável, outras
ordens integrantes seriam necessárias. Do mesmo modo que o desenho não é completamente
propriedade do seu realizador, pois advém de um segundo sujeito compartilhador. Constrói-
se uma tensão em torno da identificação autoral da obra de arte.
Esta crise de identificação do autor advém dos herdeiros do período mimético,
sobrevindos da obrigatoriedade na apresentação de assinaturas. O rompimento destas
estruturas possibilitou o engano, a criação ficcional e o questionamento do sujeito autor.
Proveniente destas aberturas está o pensamento de Blanchot, quando afirma o apagamento do
sujeito na literatura, enfatizando a linguagem como ser da sua própria realidade. Segundo
essas aproximações, chega-se a um ponto: não é preciso fixar os estudos sobre o sujeito em
uma linguagem, mas ir além e abrir caminhos pra o ser que está em eterno modo de
suspensão. O que fala, agora, não é mais a sua subjetividade, é a própria obra em sua dobra
sobre si mesma.158
Auxiliando neste raciocínio também está Foucault e Barthes, ambos voltados para as
investigações na linguagem, mas que assessoram este processo reflexivo autoral. Para
158
BLANCHOT, 2005, p.285.
87
Foucault, em O que é um autor?159, o conceito de autor é tirano e restringe o pensamento do
leitor, enquanto o anonimato na literatura não é suportável aos leitores. Também é analisada a
função autor, no que tange ao fundamento de discursividades160. Barthes, em A morte do
autor161, teoriza sobre a perda de voz, o desligamento do autor quando a escritura é iniciada,
dando início à sua própria morte. Ele busca explicar a presença de biografias de autores nos
manuais de história literária, que exaltam este indivíduo na Idade Moderna. Contudo,
apresenta a linguagem ausente de “pessoa”, bastando apenas um sujeito para exauri-la,
fornecendo assim a destruição autoral. Para tanto não se deve impor um autor ao texto, é
preciso ausentar-se dele para abrir a obra.
Os anos 60 parecem ter contribuído para o pensamento de Foucault e Barthes, através
de artistas que utilizavam a apropriação como meio de criação. A apropriação de obras de arte
e o questionamento acerca da identidade do autor vão de encontro às colocações de Foucault,
quando este interroga a importância da identificação do autor. “Que importa quem fala,
alguém disse que importa quem fala”162, diria o escritor Samuel Beckett. No primeiro trecho, é
possível pensar em um autor. Na segunda parte, alguém disse, que importa quem fala, trata-se
do ser de uma fala. Em todo caso, quem seria este sujeito? Não importa. O sujeito está fadado
a este retorno circular sobre si mesmo. Um exemplo desta prática seria o poeta Stéphane
Mallarmé (1842-1898) que afirma: “(...) suprimir o sujeito autor em proveito da escritura (o
que vem a ser, como se verá, devolver ao leitor o seu lugar)”163. A desaparição do escritor é
um acontecimento infinito para o poeta, para o qual a linguagem – e não o autor – fala por si.
De acordo com Mallarmé, o surgimento do ser da linguagem abriu uma fenda para o
apagamento visível do sujeito que fala.
159
FOUCAULT, 2006, p.264-298. 160
Ibid., p.280. 161
BARTHES, 1988, p. 65-70. 162
BECKETT, 2006, s/p. 163
Apud. BARTHES, 1988, p.66.
88
Carla Zaccagnini: Museu das vistas, 2002-2007. Folder de exposição.
Dimensões variáveis.
Em contrapartida, a identificação do sujeito autor, decorrente do ato de apropriação de
uma obra de arte, traz também a sua importante afirmação. Isso porque, se a ação artística é
fundada na apropriação de algo - tomá-la apresentando-a como sua - é fato determinante para
sua constituição, isto não lhe confere o juízo de não-autor. Embora a suposta obra apropriada
não tenha diferenças entre a obra “originária”, a declaração de toda a ação artística está na
identificação deste ato realizador. Esta afirmação será exposta somente com a viabilidade da
identidade do autor “usurpador”. Portanto, neste caso importa saber quem é o autor da obra,
ressaltando ser este o ponto chave para a compreensão e acesso da obra.
É na ação agenciada que a autoria de Zaccagnini se atém. Conforme o conceito de
Escultura Social defendido pelo artista alemão Joseph Beuys (1921 – 1986), a invenção se
abrolha em pensamento, é a prática de esculpir em pensamento que começa a realização de
uma escultura. Cabe ao artista a ideia da escultura social, com a função de estabelecer uma
aproximação entre arte e vida, capaz de oferecer instrumentos suficientes aos outros. Desta
forma, a obra de arte torna-se o centro da ação, deixa de ser o objeto artístico. E é pertinente
tecer estas afirmações, pois novamente o foco volta-se ao sujeito que promove – um
propositor – o debate, como uma espécie de coordenador e ordenador de mudanças e eventos.
Neste sentido, a diferença existente entre o nome do autor e o nome próprio – de
acordo com a teorização de Foucault – é um ponto fundamental para a averiguação. Ainda
conforme Foucault: “O nome do autor não é, pois, exatamente um nome próprio como os
89
outros”164. O filósofo assinala, além disso, uma função e um modo de discurso. Em contrapeso
a isto, para toda uma nova geração moderna, o nome próprio continua a afirmar a
autenticidade da obra. É ele que corrobora a sua garantia de origem. Embora os policiais
retratistas envolvidos no projeto supracitado, em várias ocasiões, apresentem-se como nomes
próprios, há de se pensar nesta alteração diante da presente função autor. Até onde se sabe, no
caso da obra O Museu das Vistas, o nome autoral continua a configurar-se somente com o de
Carla Zaccagnini.
Para entender os limites calcados pela autoria, é necessário explorar até onde a vista
alcança, como sugere o próprio título da exposição de Zaccagnini Até onde a vista alcança -
realizada em 2004, na Galeria Vermelho. Contudo é sábio entender que na arte
contemporânea não há como prever a instituição de limites, do mesmo modo como a própria
compreensão e conceito de arte se estabelecem para todos. É neste ponto de instabilidades,
talvez, que se deva tentar apalpar a autoria da obra de arte.
3.3. Autoria institucionalizada: Yuri Firmeza
O editor me escreveu que é a favor
de evitar “a noção de que o artista é
uma espécie de macaco que tem que ser
explicado pelo crítico civilizado”.
Isso devia ser uma boa notícia tanto
para os artistas quanto para os macacos.165
Como se delimita quem seja um artista/autor de obras hoje? Quem é um artista? Quem
pode criar? De acordo com o posicionamento do artista alemão Joseph Beuys (1921 – 1986),
relatado no livro de Alain Borer, “toda pessoa é um artista”. Enquanto para uns o artista é
habilitado a criar sob a condição de desenvolver algum signo próprio, para Beuys basta
164
FOUCAULT, 2006, p.272. 165
LEWITT, Sol. Parágrafos sobre arte conceitual. In: FERREIRA; COTRIM, 2006, p.176.
90
“conhecer a linguagem do mundo”. Logo, todos estão aptos a isto.166 Frente a estas
afirmações, entende-se a razão das contradições entre teóricos e historiadores da arte. A
delimitação do artista é caso de intensos estudos e constantes (des)afirmações ao longo dos
anos. Diante dessa perspectiva, denota-se essencial analisar com minúcias essas questões,
cruciais, no campo das artes. Neste bloco não há interesse em estudar as fronteiras do que se
considera um artista. O problema da autoria se dissolve em diversos caminhos alternativos, tal
qual a própria determinação do sujeito artista – de onde se constata existir uma teia de
problemas e indagações, a serem sanadas em estudos diversos.
O artista paulista Yuri Firmeza (1982 - ) toca em um ponto peculiar da arte
contemporânea: questiona o método crítico do circuito das artes e a absorção de artistas,
empregando uma estratégia de ação-invenção peculiar. A obra título, neste caso, é
Souzousareta Geijutsuka, que participou do projeto Artista Invasor durante a gestão do diretor
Ricardo Resende, em 2006. O projeto foi desenvolvido no Museu de Arte Contemporânea do
Dragão do Mar de Arte e Cultura, no Ceará, com a exposição Geijitsu Kakuu, que em japonês
significa Arte Ficção – da mesma forma que Souzousareta Geijutsuka traduz-se para Artista
Inventado. Surgiu o artista-obra, Souzousareta, um japonês que estaria vindo ao Brasil expor
sua produção e também as relações entre a arte, ciência e tecnologia. Yuri afirma: “(...)
deveria ser inerente à „Invasão‟ uma análise crítica ao mundo da arte; a concepção de Artista-
Hacker, assim, pareceu-me apropriada” 167.
A estratégia consistiu em uma ampla divulgação em mídias locais, jornais que
necessariamente cumpriram (sem conhecimento prévio) com o papel de complementação do
trabalho, legitimando a vinda e existência do artista japonês. Uma assessora fictícia foi criada,
com o pseudônimo Ana Monteja – papel exercido pela então namorada de Yuri –, para
representar o artista japonês e repassar os dados biográficos e curriculares necessários para
complementar a ação. Tal fato é surpreendente devido ao fácil desvende da farsa, bastaria que
fosse realizada uma simples pesquisa na internet. A exposição foi aberta em 10 de janeiro de
2006, dia em que jornais locais veicularam a notícia da vinda de Souzousareta à cidade. Neste
ínterim, na sala de exposição, foi montado um ambiente repleto de e-mails trocados com
Tiago Themudo, seu orientador, relatando todo o processo do pensamento do trabalho.
166
BORER, 2001, p. 17. 167
FIRMEZA, 2007, p.10.
91
Exposta na mídia como uma grande exposição internacional, se efetivou a aceitação
do público e a espera pelo momento de abertura da exposição. A farsa foi descoberta. No dia
seguinte à abertura da exposição, os jornais atacaram Firmeza, mesclando agressividade e
críticas. Essa postura, adotada pela mídia, denotou despreparo ao abordar elementos
intrínsecos ao campo das artes. Versaram a utilização da imprensa no Souzousareta como uma
mera função divulgadora, somente na ambição de promover a obra a ser exposta. Sem, na
verdade, buscar compreender que tal ato era, na verdade, elemento constituinte da obra
proposta.
Esta possível validação da mídia fez gerar um processo de reflexão sobre os
mecanismos de legitimação que extrapolam as fronteiras institucionais da arte. Pois repensar a
aceitação de artistas pelos corpos legitimadores é repensar a autoria institucionalizada.
Desnudada a “farsa, os mesmos veículos de informação que antes noticiaram com importância
o artista estrangeiro, passaram a repudiá-lo, em conjunto com seu autor. Várias matérias,
incluindo algumas de capa, alarmaram sobre a ficção. Yuri teve sua confirmação: Para um
artista, não basta uma boa produção para gerar o reconhecimento. O que seria necessário
então? Ele mesmo responde: “De forma bem simplista eu diria que um artista, um museu,
uma crítica, matérias nos jornais e o público. Reconhecer esses elementos implica
conseqüentemente pensar o que move o campo da arte”168. A obra de Firmeza, no caso em
tela, ratifica sua presença na problemática e evidenciação das amarras do sistema exposto. O
artista é, enfim, um agenciador desta análise crítica.
168
FIRMEZA, 2007, p.10.
92
Dalwton Moura: Arte, natureza e tecnologia. Diário
do Nordeste. Fortaleza, 10 jan. 2006. Caderno 3, p.4.
A respeito disto, a atenção voltada à institucionalização por meio da arte foi
largamente trabalhada na Arte Conceitual, conforme exposto no bloco anterior. Tratava-se da
obra com uma volta da obra que circunda a si mesma, abordando a relação do seu próprio
sentido, a instituição que lhe abriga, o circuito a qual pertence, entre outras construções e
deslocamentos. Percebe-se, também, uma estreita ligação ao pensamento institucional da obra
a partir de Marcel Duchamp, também investigado no bloco predecessor. Com o readymade, a
noção de obra aceita pela instituição legitimadora foi declarada como um problema a ser
pensado por todos. Sua ação de inscrever um objeto do mundo comum em um salão de arte
repercutiu até as gerações posteriores, como uma pesada crítica aos agentes, dos agentes
legitimadores. O vestígio institucional, pertencente ao readymade, não pôde mais ser apagado,
desde o seu surgimento na metade do século XX. Esses artistas depositaram uma grande atenção nestas relações e fizeram
Inicialmente, o desejo de Firmeza era o de não ser mencionado, pelos organizadores
do museu, como participante do projeto. Sua vontade era a de se descolar de Souzousareta,
93
sem referências ao seu nome próprio.169 O interesse de Firmeza vai além da polêmica criada,
aproximando-se mais dos desdobramentos produzidos, das ações e reflexões que vieram a
seguir: “E-mails de toda procedência, blogs, sites, participações em aulas em cursos de
jornalismo, monografias de graduação tendo como tema o artista japonês fictício, palestras
desencadeadas pelo trabalho (...)”170. Não é o personagem que o instiga, mas a produção de
ações que brotam do seu surgimento. A sua função autoral é articulada como a de um
agenciador.
Souzousareta torna-se um artista “real”, no momento em que muitos passaram a crer
na sua existência. Portanto, a crença neste ser artista (a partir do público), torna-o um artista
reconhecido. A concepção de reconhecimento, aqui, se fez necessária de antemão, com o
objetivo de atingir a credibilidade por parte do público e jornalistas, e ingressar no jogo, se
fazer conhecido para, talvez, existir como artista. Todavia, não há como estabelecer um
vínculo entre o ato criativo do artista e os mecanismos de validação da sua obra. Portanto,
como o público tornar-se-ia capaz de compreender um artista reconhecido? Para o sociólogo
francês Pierre Bourdieu (1930 – 2002), estes conflitos são de ordem dos valores estéticos,
políticos, econômicos e sociais. Ou seja, a vida artística intelectual está ligada com a história
onde ocorre as transformações de produção dos bens simbólicos.
Depois da Idade Média e do Renascimento, momento no qual a produção mantinha-se
sob ordens da Igreja, o processo de autonomização de uma produção intelectual passou a
buscar pela liberdade e desvinculação de ordens herdadas.171 Para Bourdieu, a indústria
cultural segue as regras da lei da concorrência, enquanto que na área de produção erudita,
quem produz as normas estabelecidas para a aceitação e avaliação do produto é o próprio
sistema das artes. O campo de produção erudita, conforme Bourdieu, é um sistema de
produção de bens culturais e seus instrumentos que se destinam basicamente ao público de
produtores de bens culturais. Enquanto o campo da indústria cultural é precisamente
desenvolvida com foco na produção de bens culturais voltados aos não-produtores de bens
culturais, ou seja, o “grande público”.172 Ou seja, no campo da produção erudita os critérios
utilizados para a legitimação dos produtos são responsabilidade do artista e do crítico que,
segundo o sociólogo, se fecham em uma arena distante do público.
169
Ibid., p.12. Também afirmado durante conversas em encontro realizado na cidade de São Paulo em 23 de
maio de 2011. 170
Ibid., p.14. 171
BOURDIEU, 2007, p.100. 172
Ibid., p.105.
94
É a partir deste princípio que se pode compreender não somente as relações entre o
campo de produção erudita e o “grande público” e a representação que os
intelectuais ou os artistas possuem desta relação, mas também o funcionamento do
campo, a lógica de suas transformações, estrutura das obras que produz e a lógica de
sua sucessão.173
Retorna-se, então, ao caso proposto por Firmeza. Souzousareta constrói ferramentas
iluminadoras dos mecanismos de agenciamento da arte, que transcorrem não somente da
constituição da própria obra. Com a criação de um artista proveniente do Japão, Firmeza
desvenda um esquema de importâncias na construção de um autor legitimado. O artista parece
representar menos que o seu currículo, quando deveria se valer mais o indivíduo por meio do
seu trabalho. Esta ação, contudo, revela os aspectos legitimadores de obras que habitualmente
estão interessados em consolidar uns enquanto descuram outros. É preciso repensar a
qualidade daquilo que é aceito e quais são seus modos de eleição. A curadora Clarissa Diniz e
o sociólogo João Paulo Lima e Silva Filho iluminam este posicionamento: “Yuri fez ver que
nós, produtores de legitimidades, somos mais manipulados por tais legitimidades do que de
fato as manipulamos”174.
Para auxiliar neste pensamento, utiliza-se a teoria institucional da arte, indicada pelo
filósofo britânico Richard Wollheim (1923 – 2003). O autor oferece definições da arte de
acordo com o que é aceito pelos representantes do mundo artístico. Segundo este, é necessário
demonstrar boas razões na outorga do status de obra de arte a algum objeto. Mais ainda, o
isolamento dos objetos comuns das obras depende exclusivamente da condição que lhes é
outorgada, direta ou indiretamente. Enquanto que a precisão de qualidade entre uma obra de
arte boa e outra não boa depende do acolhimento de razões suficientes. A dificuldade de
estabelecer esses parâmetros está no discernimento destas boas razões e quais seriam. Firmeza
foi legitimado por intermédio de sua construção de
173
Id. 174
DINIZ, Clarissa; FILHO, João Paulo Lima e Silva. Firmeza: historieta da contradição legitimadora. In:
FIRMEZA, 2007, p.125.
95
96
Felipe Araujo: Arte e molecagem. O povo. Fortaleza, 11 jan. 2011. Caderno
Opinião, p.6.
uma crítica institucional e legitimadora, por questionar as forças de legitimação, tecendo um
posicionamento contrário à fragilidade do sistema ao qual se está subordinado. Contudo, caso
a imprensa – que é fator constituinte deste círculo de reconhecimento artístico – não se
apresentasse de forma tão frágil, Firmeza tornar-se-ia incapaz de agenciar com tamanha
sustentação tais apontamentos e instaurações.
É evidente que a questão não pode ser decidida sem uma explicação do que sejam
ou provavelmente sejam essas razões, mas é difícil ver como poderia haver supostas
razões para se fazer de um produto de trabalho humano uma obra de arte que não
pudessem ser melhor definidas como razões para que esse objeto seja uma obra de
arte.175
Como seria, então, pensar uma autoria não institucionalizada? Quais instâncias seriam
capazes de distinguir um produtor “comum” de um artista legitimado? É passível de
compreensão a existência de autorias, independentemente de estas serem aceitas por órgãos
legitimadores. Nestes casos, evidencia-se a árdua tarefa de assentimento da autoria e do
sujeito autor por parte do público. Esta é uma tarefa realizável que diz respeito à presença da
obra de um autor. A simples compleição de uma obra não é, por si só, o suficiente para
diagnosticar esse tipo de episódio. E isso ocorre quando se levam em conta as possibilidades
abertas pela desmaterialização (ou total ausência) da obra – tal qual o caso de Joseph Joubert,
relatado por Blanchot e citado anteriormente.
Corroborando com estas perturbações, aparece, mais uma vez, Michel Foucault,
abordando a noção de obra, e considerada de grande importância. Aqui, o pensador reitera a
citação, já elencada no início deste trabalho:
„O que é uma obra? O que é pois essa curiosa unidade que se designa com o nome
obra? De quais elementos ela se compõe? Uma obra não é aquilo que é escrito por
aquele que é um autor?‟ Vemos as dificuldades surgirem. Se um indivíduo não fosse
um autor será que se poderia dizer que o que ele escreveu ou disse o que ele deixou
em seus papéis, o que se pode relatar de suas exposições, poderia ser chamado de
“obra”?176
175
WOLLHEIM, 1993, p.139. 176
FOUCAULT, 2006, p.269
97
Foucault enfrenta novas dificuldades: Como diferenciar os escritos comuns de um
autor dos seus escritos em obra? Como diferenciar os rascunhos dos projetos-obra
pertencentes de um autor já morto? De que maneira é possível distinguir, entre toda a
produção de um artista, os projetos não finalizados dos projetos finalizados, e, ainda, como
saber caracterizá-los na definição projeto-obra? “(...) será que tudo o que ele escreveu ou
disse, tudo o que ele deixou atrás de si faz parte de sua obra? (...)”177. E, para reiterar suas
considerações, Foucault prossegue citando as publicações a respeito das obras de Nietzsche:
É preciso publicar tudo, certamente, mas o que quer dizer esse “tudo”? Tudo o que o
próprio Nietzsche publicou, certamente. Os rascunhos de suas obras?
Evidentemente. Os projetos dos aforismos? Sim. Da mesma forma as rasuras, as
notas nas cadernetas? Sim. Mas quando, no interior de uma caderneta repleta de
aforismos, encontra-se uma referência, a indicação de um encontro ou de um
endereço, uma nota de lavanderia: obra, ou não? Mas, por que não? E isso
infinitamente. Dentre os milhões de traços deixados por alguém após sua morte,
como se pode definir uma obra?178
Ainda segundo Foucault, deve-se deixar de lado a teoria da obra, pois ela será insuficiente. A
questão da obra e o que ela abarca é tão complexa quanto o pensamento em torno do sujeito
autor e o que ele representa.179
Volta-se para o problema das instâncias legitimadoras da obra de arte, em particular,
aquela que se acerca da obra de Firmeza aqui tratada. O artista afirma que desejou promover a
discussão das “forças que regem a arte”180. Mais ainda, tece questionamentos sobre as
instituições e sobre a própria arte. Ele conseguiu promover um debate a respeito do que,
afinal, é a arte contemporânea, no âmbito da mídia popular local, que, na maioria das vezes,
aborda a arte de modo raso. Toda esta ação foi capaz de expor a fragilidade de alguns meios
de comunicação, ao tratarem da arte sem a instrução necessária e sem qualquer embasamento
teórico.
Da mesma maneira, revelou-se a volubilidade da opinião pública: esta seguiu
cegamente uma das instâncias legitimadoras, sem esboçar muitas reações. Esta última
situação indica a inexistência de ferramentas capazes de formar juízo crítico acerca de autores
não reconhecidos pelo mercado por parte do público em geral. É possível que o objeto
artístico seja continuamente ditado por “proprietários” do saber, privando a capacidade de
177
Id. 178
Ibid., 2006, p.270. 179
Id. 180
FIRMEZA, 2007, p.51.
98
discernimento do observador, caso continue a se outorgar o status de obra de arte somente de
acordo com o que os representantes do mundo artístico compreendem ser.
Seguindo, ainda, na função autoral exercida por Firmeza, na proposição Souzousareta.
Esta ação põe em xeque o próprio autor. O artista apresenta-se como um ludibriador, criando
farsas sobre a sua prática artística, revelando furos no seu campo de atuações e minando a
capacidade de distinção e solidez no discurso crítico. A idealização de Souzousareta efetua
ataques contra aquilo que o faz permanecer em circulação: o mercado, o público, a crítica e as
instituições oficializadoras de arte.
O artista de hoje funciona cada vez mais como um diretor. (...) O artista trabalha
exatamente como um diretor que seleciona, de fato, o que vai se passar na frente da
câmera. E a exposição é isto: um filme sem câmera, uma película sobre a qual
registramos uma ação, uma forma. Em troca, o espectador pode de algum modo
organizar sua própria seqüência da exposição181
.
Neste aspecto compartilhado pelo crítico de arte francês, Nicolas Bourriaud (1965 - ),
não se separa a autoria das articulações criadas pelo indivíduo no campo das artes. Ele está tão
inserido na sua função autoral quanto é a correspondência e significado de sua assinatura em
uma tela renascentista. Assim, reafirma-se que as questões da autoria estão longe de serem
concluídas em uma pesquisa de dois anos. Também se reforçam inconclusos os problemas
que continuamente são gerados na contemporaneidade. Nesta perspectiva, esta dissertação
não tem como objetivo encerrar o tema da autoria, pelo contrário, almeja-se a contínua
exploração do tema para novos caminhos.
Deve-se ressaltar que não foram encontradas outras pesquisas no campo das artes
visuais no Brasil que apresentem investigações sobre a autoria, especialmente do modo como
se optou nesta pesquisa – através do foco no sujeito autor e em sua função autoral. Deste
modo, ainda há inúmeros aspectos a serem examinados. Considera-se, também, a extrema
dificuldade na obtenção de fontes bibliográficas na realização da pesquisa. No decorrer de
todo o trabalho aproximou-se de reflexões na filosofia e práticas literárias, como modo de
contorno desta carência. Este fato possibilitou, de certo modo, a expansão da compreensão
acerca do autor, orientando a pesquisa em um processo enriquecedor.
181
BOURRIAUD, Nicolas. O que é um artista (hoje)? Arte & Ensaios. ano X. n. 10. Rio de Janeiro: EBA,
UFRJ, 2003.
99
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