dissertação a construção de sentido
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Dissertação - fala sobre a construção de sentidosTRANSCRIPT
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E Ida Gomes Arajo
A CONSTRUO DE SENTIDO NA LEITURA POR CRIANAS DE MEIOS DE LETRAMENTO DIFERENCIADOS
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Dissertao apresentada ao Curso de Lingstica Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para a obteno do ttulo de mestre em Lingstica Aplicada, rea de concentrao Ensino-Aprendizagem de Lngua Materna.
Orientador: Prof. Dr. John Robert Schmitz
UNICAMP Instituto de Estudos da linguagem - IEL
2001
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FICHA CAT ALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA IEL- UNICAMP
! Arl5c Arajo, Elda Gomes A con..qn1r~ de sentido na leitura por cn~n.~c;. de me1os de letramento diferenciados / Elda Gomes Arajo. - - Campinas, SP: [s.n.), 2001.
Orientador: Jonh Robert Schmitz Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Estudos da Linguagem.
1. Leitura. 2. Sentido (Filosofia). 3. Epistemologia social. 4. Experincia de vida. I. Schmitz, Jonh Robert. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Ttulo.
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BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. John Robert Schmitz
Presidente
Profa. Dra. Matilde Virgnia Rcard Scaramucci
Membro
Profa. Dra. Maria Ins Mateus Dota
Membro
Profa. Dra. Marilda Couto Cavalcanti
Suplente
3
tese
em
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s minhas paixes, Mrio, Cludia, Alrio Lis e Marcelo, pelo muito que
souberam compreender minhas
ausncias, minhas falhas, minhas inquietudes.
O meu carinho.
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Agradecimentos
A Deus, a fonte de todo c.onl:!ecime:nto, por iluminar o meu c.aminho1
A John Robert Schmtz, meu orientador, pelo trabalho seguro, oompetente e incansvel
durante essa minha trajetria;
Prof". Dr". Matilde Scaramucci, pela leitura criteriosa e pelas sugestes no momeuto do
exame de qualificao e tambm pelas reformulaes sugeridas no momento da defesa
pblica;
Prof". Dr". Marilda Cavalcanti, pelas contribuies advindas da leitura no exame de
qualificao;
Prof". Dr". Marta Sardifas Vargas, minha co-orientadora, amiga e incentivadora, pelas
discusses valiosas;
A todos os professores do Programa de Ps-Graduao em Lingstica Aplicada da
t;'NICAMP que participaram do Curso de Mestrado Interinstitucional UNICAMPIUNIFAP;
Aos professores e diretores das escolas (particular e pblica), pelo consentimento de poder
freqentar suas salas de aulas;
As minhas colegas do curso de Ps-Graduao, pelo apoio e incentivo;
Aos funcionrios do IEL e da Biblioteca pela ateno oom que me aoolheram sempre;
Aos colegas professores-juizes que, de maneira especial colaboraram com este trabalho;
A minha famlia, pelo amor e compreenso;
Aos meus pais Raimundo e Rute, por tudo que fizeram por mim;
CAPES, pelo incentivo financeiro.
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O fracasso escolar remete a essa distncia
existente entre a escola e a sociedade; a origem
da repercusso provm do fato de crianas
vindas de grupos sociais diferentes se
encontrarem a distncias desiguais da escola.
As prticas familiares da escrita esto, segundo
os casos, muito perto, bastante perto ou longe,
ou mesmo muito longe das exigncias e dos
hbitos escolares.
(Anne-A1arie Chartier)
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SUMRIO INTRODUO GERAL ........................................................................................................ 15 CAPTULO 1- TRAJETRIA DE PESQUISA 1.0- Introduo ......................................................................................................................... 21
1.1 - J ustficativa ....................................................................................................................... 22
1.2- A metodologia de investigao ...................................................................................... 23
1.3 - Coleta de dados das entrevistas e procedimentos de anlise ........................................... 25
1.4- Procedimentos de anlise dos dados da tarefa de leitura dos alunos-sujeitos ................... 29
1.5- Grupos A e B ................................................................................................................. 30
1.5.1 -Grupo A ...................................... . . ... .30
1.5.2- Grupo B ............................................................................................................. 32
CAPTULO 2- LEITURA E LETRAMENTO 2. O - Introduo.. . .. .. . .. .. . .. .. . .. .. .. .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. .. . . .. . .. .. .. .. .. .. .. .. .. . . .. . . .. . .. . .. . .. .. . .. . .. . .. . .. . . .............. 3 5
2.1 -Leitura- da decodificao construo de sentido ....................................................... 35
2.2- Leitura na escola e na sociedade ..................................................................................... 41
2.3 -Experincia com letramento e desempenho em letura .................................................. .48
CAPTULO 3- ANALISE E DISCUSSO DOS DADOS DAS ENTREVISTAS
3.0- !ntroduo ........................................................................................................................ 57
3.1 - Os quatro casos estudados ............................................................................................... 58
3.2- Entrevistas ................................................... . ................................................. .59
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CAPTULO 4 - ANALISE E DISCUSSO DOS DADOS DAS ATIVIDADES DE LEITURA
4.0- Introduo ...................................................................................................................... 69
4. 1 - Interveno em sala de aula: algumas observaes. .. .. .. .. .. .. .. .. ..................................... 70
4.2- Anlise dos dados: Interveno em sala de aula .. . ............................................ 74
4.2.1 -Crnica "Boto" .............................................. . . ...................................... 75
4.2.2- Crnica "Na escurido miservel" .... . ..................................... 81
4.2.3 - Crnica 'Relato de ocorrncia em que qualquer semelhana no mera
coincidncia" ......................................................... . . .......................................... 89
4.3- Discusso dos resultados .............................................................................................. 96
4.3.1- Leitura orientada pelo modelo escolar. .................................................... 97
4.3.2- Leitura como processo inferencial... ......................... . . .................................. 100
4.3 .3 - Construo de sentido na leitura: crianas com experincia de leitura X crianas
com experincia vi vencia!... .................................................................................................... 1 O 1
CONCLUSES E IMPLICAES PAR4. O ENSINO E PESQUISA DE LEITIJRA 107
REFERNCIAS BIBLIOGRAFICAS ..... . ............................................................ 117
ABSTRACT ...................................... . . .............................. 123
ANEXOS ...................................................... . .................................................................. 125
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RESlJMO
Norteado por uma concepo de leitura como um processo de construo de sentido, este trabalho de pesquisa tem como objetivo investigar o papel do conhecimento de mundo e da experincia vivencial na construo de sentido na leitura de dois grupos de alunos iniciantes ( s srie) do ensino fundamental em duas escolas, sendo uma particular e outra pblica.
Os dados foram obtidos durante as atividades de leitura realizadas em sala de aula e atravs das entrevistas que visavam a caracterizar os grupos focalizados, alm de observar os fatores que poderiam interferir no processo de construo de sentidos na leitura. Posteriormente, procedi anlise dos dados na qual pude perceber modos diferenciados de construir sentido na leitura de um mesmo texto, de um lado alunos com experincia em leitura, por outro lado, alunos com experincia vivencial sobre o contedo temtico abordado pelo
texto.
Os resultados permitem concluir que o conhecimento de mundo e a experincia vivencial ampliam a competncia em leitura, mesmo em sujeitos que no tenham contato constante com texto escrito. Entretanto, na escola as prticas de leitura so homogeneizadas e distanciadas da realidade social do aluno, principalmente daquele aluno oriundo de lares de famlias de classe baixa, e a resistncia por parte de alguns professores de no aproveitar a criatividade de seus alunos que advm de suas histrias, de suas experincias acaba por no formar alunos-leitores, na realidade forma decodificadores.
Dessa forma, os resultados desta pesquisa evidenciam a importncia de se utilizar nas prticas de leitura em sala de aula textos ligados s atividades discursivas e as prticas sociais dos alunos com o objetivo de propiciar a formao do aluno-leitor.
Palavras-chave: Leitura; Sentido; Conhecimento de mundo; Experincia
vi vencia!.
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INTRODUO GERAL
... Ora, as maneiras tradicionais de ler parecem
condenar muitas crianas ao fracasso, como
poderiam elas adquirir, como que se faz em sala
de aula, uma competncia necessria para a
leitura de textos do meio em que vivem?
(Anne- Marie Chartier)
A idia de analisar e questionar o ensino de leitura em nossas escolas, sobretudo
em nvel de 1 o grau, surgiu por ter percebido o desinteresse dos alunos pela prtica de leitura
adotada pela instituio escolar, mas tambm por ter percebido a dificuldade desses alunos de
construir sentido sabendo distinguir idias principais de informaes de detalhes.
O problema no se confina apenas em minha sala de aula, inquietaes
semelhantes so encontradas em outras realidades, basta examinar a literatura especializada
(Chartier 1994; Leite 1995; Osakabe. 1995; Soares 1995) para perceber que todos se mostram
preocupados com essa situao.
Na instituio escolar a leitura comea com a funo de oferecer textos ou
fragrnentos 1 de textos que visam o ajustamento social do aluno, isto , literatura de celebrao
de datas, comemoraes cvicas, biografias, etc. Na realidade, os textos utilizados pela escola
1 A utilizao de fragmentos ou pequenos trechos no ensino/aprendizagem de leitura por no apresentar a totalidade de uma obra ou de um texto especfico dificulta a compreenso e, conseqentemente forma um leitor fragmentado. Este outro problema fora do escopo desta dissertao.
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na maioria das vezes nada dizem s experincias, aos desejos e s aspiraes de seus alunos,
por focalizar temas condizentes aos comportamentos socialmente privilegiados, que no so,
pois, a mesma viso de mundo, os valores e os comportamentos, sobretudo dos alunos
provenientes de famlias de baixa renda.
Penso que a escola precisa superar a concepo de que ler simplesmente
decodificar, converter letras em sons, sendo a compreenso conseqncia natural dessa ao.
Dessa forma, a escola produz o aluno decodificador, enquanto deveria formar o leitor
competente capaz de compreender e at questionar o que l. Na minha opinio, essa uma
questo grave e preocupante: o insucesso da escola em preparar leitores proficientes.
Uma vez definida a escolha do objeto de investigao de estudo (leitura), dediquei-me a desenvolver um trabalho de pesquisa qualitativa sobre a construo de sentido
na leitura de duas turmas de alunos iniciantes da etapa fundamental do ensino escolar ( s srie)
de duas escolas, sendo uma particular outra pblica, tendo como principal objetivo investigar a importncia do conhecimento de mundo e da experincia vivencial para a compreenso de
textos.
A lei brasileira diz que a escola a mesma para todos. Mas, na realidade,
conforme pude observar atravs deste estudo, existem diferenas entre elas: a escola particular
oferece melhores condies de ensino/aprendizagem, bem equipada, h um nmero menor de
alunos por turma (28 alunos); na escola pblica existem dificuldades tais como, sal de aulas
super lotadas ( 45 alunos), instalaes fsicas precrias, os textos utilizados nas aulas de Lngua
Portuguesa so inadequados por no fazer sentido e utilidade para maioria de seus alunos
vindos de lares de classe baixa.
importante ainda tecer comentrios a respeitos dos grupos focalizados. Posso dizer que so dois mundos, duas realidades. As crianas da escola particular so provenientes
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de famlias de classe mdia/alta, vivem num ambiente privilegiado em todos os aspectos. Por
outro lado, as crianas da escola pblica so oriundas de famlias de classe baixa, vivem em
situao precria e enfrentam problemas diversos, como fome, falta de moradia, desemprego
dos pais, dentre outros.
Sustentando-me em estudos de autores como Freire (1985), para quem a
leitura do mundo precede a leitura da palavra, da que a posterior leitura desta no possa
prescindir da continuidade da leitura daquele, ou Foucambert(l994), para quem
imprescindvel estabelecer relao entre o conhecimento prvio do leitor e o texto, tomei como
hiptese que o sujeito dotado de conhecimento de mundo e de experincia vivencial amplia a competncia em leitura mesmo nos casos de pouca familiaridade com textos escrito.
Desse modo, para atingir o objetivo de demonstrar a importncia do conhecimento de mundo e da experincia vivencial na construo de sentidos na leitura, fazia-
se necessrio intervir na prtica pedaggica dos alunos-sujeitos, apresentando uma proposta alternativa de leitura, em forma de uma pesquisa-ao.
Optei pela leitura de crnicas cujo contedo temtico focalizava problemas
sociais vinculados s atividades discursivas e s prticas sociais das crianas oriundas de
famlias de baixa renda. Essa opo atuaria como uma estratgia compensatria de
aproximao entre essas crianas e a escola, pois, ao ativar o conhecimento de mundo e a
experincia vivencial, elas teriam a possibilidade de interagir na construo de sentido na
leitura.
Para observar os fatores que interferiam no processo de construo de sentido
na leitura, tornava-se necessrio conhecer as condies de letramento, a exposio escrita, as
noes de texto escrito e leitura adquiridas durante a escolarizao. Para tanto, realizei
entrevistas com as crianas dos dois grupos observados e a anlise de suas respostas foram
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fundamentais para a hiptese que resultou na pergunta de pesquisa que procurei responder
neste trabalho.
Limitando meu campo de observao construo de sentido na leitura,
procurei responder seguinte pergunta de pesquisa:
organizao:
Em que sentido a diferena entre o conhecimento prvio dos alunos dos dois
grupos influi no desempenho nas tarefas de leitura?
Com esta pergunta, dei incio pesquisa, que tem a seguinte forma de
No Captulo 1 - intitulado Trajetria de Pesquisa, descreverei a justificativa
da pesquisa, a metodologia de investigao, os procedimentos de coleta e anlise dos dados
das entrevistas e das tarefas de leitura dos alunos-sujeitos, alm de traar o perfil dos grupos
observados, cuja finalidade a de expor ao leitor a disposio do trabalho e apresentar a viso
geral do estudo.
No Captulo 2 - Leitura e Letramento, apresento as concepes tericas que
iluminam esta dissertao; discuto os diversos conceitos existentes na literatura de leitura;
aponto as principais diferenas entre a leitura escolar e a leitura como prtica social; focalizo
algumas experincias com letramento e suas contribuies para o desempenho em leitura.
No Captulo 3 - Anlise e Discusso dos Dados das Entrevistas, analiso e
discuto os dados referentes s entrevistas com o objetivo geral de conhecer a realidade dos
alunos-sujeitos sobre leitura e escrita.
No Captulo 4 - Anlise e Discusso dos Dados das Atividades de Leitura,
analiso os modos como as crianas de diferentes meios de letramento constroem sentido em
leitura. Essa anlise tem o objetivo de confirmar a minha hiptese da importncia do
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conhecimento de mundo e da experincia vivencial no sentido de favorecer a construo de
sentido em leitura.
Encerro o trabalho com Concluses e Implicaes Para o Ensino e Pesquisa
de Leitura. No entanto, julgo pertinente ressaltar, nesta apresentao, que reconheo que
quatro sujeitos uma amostra pequena para se pretender tirar concluses de longo alcance; ao
mesmo tempo, por outro lado, esta amostra poder ser indicadora de tendncias relevantes e
motivadora de trabalhos mais abrangentes na rea.
Os Anexos, subdivididos em cinco partes, incluem: I - trazem s perguntas
orientadoras de entrevistas (Anexo 1); n - o formulrio (Anexo2); m- as trs crnicas
usadas nas tarefas de leitura, sendo respectivamente, Anexos 3, 4 e 5; IV- carta-convite aos
professores-juizes (Anexo 6) com s orientaes dos itens que deveriam observar nas
respostas escritas dos quatro alunos-sujeitos; V - apresento quadros que mostram a
escolaridade dos pais dos dois grupos e suas respectivas profisses (Anexos 7 e 8).
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1.0 Introduo
CAPTULO 1
TRAJETRIA DE PESQUISA
A eficcia de um pesquisador est no que ele
procura transformar, no no que ele pesquisa.
(Jean Foucambert)
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O objetivo deste captulo consiste em descrever os passos da pesquisa, os
princpios metodolgicos que orientam a coleta de dados e os instrumentos utilizados, assim
como os procedimentos de anlise dos dados referentes aos depoimentos obtidos atravs de
entrevistas e da tarefa de leitura das crnicas em sala de aula pelos sujeitos de pesquisa.
Este captulo, dividido em cinco sees, apresenta no item 1.1 - a trajetria da
pesquisa, a justificativa para a escolha do tpico de investigao e escolha dos sujeitos; no
item 1.2 - discuto a metodologia de investigao utilizada para o desenvolvimento da
pesquisa; no item 1.3 -trato das atividades executadas para coletar dados e os procedimentos
de anlise dos dados referentes aos depoimentos dos alunos-sujeitos s perguntas colocadas
por mim durante as entrevistas; no item 1.4- discuto os procedimentos de anlise dos dados a
respeito das respostas construdas pelos alunos-sujeitos a partir da leitura das crnicas; no tem
1.5 - trao o perfil dos sujeitos dos grupos A e B focalizando a histria de letramento, a
condio scio-econmica, grau de escolaridade, profisso dos pais das crianas, dentre outros
aspectos. Essas observaes permitiro uma caracterizao dos sujeitos de pesquisa e a
identificao de diferenas entre os grupos observados.
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1.1 - Justificativa
A escolha do tpico de investigao deste estudo foi impulsionada pelas minhas
inquietudes como professora de Lngua Portuguesa em escola pblica (Ensino Fundamental e
Mdio) e mais recentemente na Universidade Federal do Amap, UNIFAP, no exerccio da
atividade relacionada leitura, ao observar que os textos utilizados para as prticas de leitura
so desvinculados da realidade do aluno, na maioria das vezes, so artificiais e nada dizem s
experincias, aos anseios e desejos do aluno, principalmente daquele oriundo de classes sociais populares e com pouca exposio escrita, pois, so textos que contribuem
negativamente para a formao de um leitor proficiente.
A escola, ao privilegiar temas em geral condizentes com a prtica social do
grupo dominante, opta por textos que focalizam os valores e os comportamentos socialmente
privilegiados, no levando em conta a pluralidade e a diferena de cada comunidade e/ou as
diferenas entre alunos. Dessa forma, h contradio entre o acervo cultural das crianas de
classes sociais populares e o contedo dos textos priorizado pela instituio escolar.
No contexto escolar, a leitura lamentavelmente em muitos casos no fonte de
prazer nem se reveste de significncia para o universo do educando e, na relao
professor/aluno, ela reproduz a atitude autoritria e de dominao existente na sociedade
(Indursky & Zinn 1985). O que se v um tratamento homogeneizante: leitura oral, cpias,
resumos e exerccios gramaticais constituem tarefas para as quais a leitura serve de pretexto. A
escola, o professor ou o livro didtico definem de antemo o sentido que deve ser fornecido
aos alunos a partir da leitura de um texto.
Nessa atividade cabe ao aluno produzir urna resposta nica e universal de
acordo com o padro escolar - na escola para a escola - (Orlandi 1995), ou seja, repetir as mesmas idias que estavam no texto, assim a escola forma alunos que no conhecem a sua
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realidade, no lem, nem sabem ler, no redigem e ainda quando o fazem, a escola no
valoriza a avaliao que o aluno faz do mundo, que , na realidade, uma perspectiva criativa.
Essa preocupao levou-me a observar dois grupos de crianas de 5" srie do
ensino fundamental de duas escolas da rede de ensino da cidade de Macap - Estado do
Amap, pertencentes a meios de letramento diferenciados e com diferentes experincias de
vida, sendo uma particular (doravante grupo A) e outra pblica (doravante grupo Bf, pblico-alvo de minhas preocupaes iniciais.
Um outro aspecto que motivou a escolha desse grupo de sujeitos era o fato de tratar-se de alunos iniciantes da segunda etapa bsica de escolarizao (5" a 8" srie), fato que
permitiria observar os resultados da ao pedaggica efetuada pela escola ao longo das sries
iniciais- 1" a 4" srie- no que diz respeito formao do sujeito-leitor.
1.2- A Metodologia de Investigao
A proposta foi desenvolvida com base na abordagem qualitativa de pesquisa, que
nos ltimos anos vem sendo adotada cada vez mais como estratgia para uma compreenso
mais efetiva dos problemas educacionais.
Inscreve-se dentro dessa linha a pesquisa-ao, na qual o pesquisador tem
participao no ambiente pesquisado que, conforme Thollent (1994) caracteriza-se por
promover formas de investigao auto-reflexiva e requer uma ao planejada que visa a
solucionar e/ou transformar prticas sociais e educacionais em contextos especficos como o
de sala de aula.
2 Estarei utilizando P para professora-pesquisadora e A ou B para os alunos-sujeitos.
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Assim, de acordo com os propsitos de uma pesquisa-ao, procurei associar o
valor cientfico ao valor didtico deste estudo, ao investigar as dificuldades dos alunos
oriundos de classe social baixa em atividades de leitura escolar, e traar um plano de ao
pedaggica para interferir em sua prtica de leitura, uma proposta alternativa, objetivando
promover uma ao transformadora de ordem educacional que atuasse no sentido de levar
esses alunos a se tornarem leitores.
A meta era propor atividades para verificar a compreenso em leitura dos
alunos-sujeitos dos grupos A e B, diante crnicas que focalizavam questes sociais prximas
da realidade vivencial das crianas do grupo B. Assim, os alunos-sujeitos do grupo A defrontaram-se com textos "novos" por focalizar temas que no faziam parte do universo que
eles estavam acostumados. Por outro lado, os alunos-sujeitos do grupo B tambm se
defrontaram com textos "novos", mas no no sentido de desconhecer o contedo temtico
textual, mas no sentido poder interagir, estabelecer conexes entre texto e mundo real, em
outras palavras, eles teriam a oportunidade de utilizar o conhecimento de mundo e a
experincia vivencial em prol da construo de sentido na leitura.
preciso salientar que a escolha de crnicas justifica-se pelo fato de esse gnero permitir a seleo de temas que tivessem um significado no contexto scio-cultural apenas s
crianas de classe social baixa (grupo B), tambm por estar vinculada minha viso de leitura
como uma prtica social, considerando que o contato com esse tipo de texto seria essencial
para o desenvolvimento do sujeito ao situ-lo como participante ativo da sociedade letrada em
que est inserido.
Foram usadas crnicas que versavam sobre temas de conflitos ideolgicos nos
quais os protagonistas podiam ser as crianas do grupo B, tais como: a desigualdade social, a
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explorao do trabalho infantil e a falta de solidariedade entre os homens. As crnicas
selecionadas recriavam o panorama real vivido por essas crianas brasileiras.
1.3 - Coleta de dados das entrevistas e procedimentos de anlise
A pesquisa-ao examina o "significado" que as pessoas do s coisas e as suas
vidas so focos de ateno especial para o pesquisador. Desse modo, tornava-se necessrio
obter dados visando conhecer a realidade dos sujeitos, para saber mais sobre a sua vida fora da
escola e dentro dela, o grau de satisfao/rejeio pela leitura e escrita, captar seus interesses,
o que permitiria traar o perfil dos grupos A e B. Para tanto, propus uma entrevista individual
audiogravada para que pudesse refletir sobre aspectos que se incluem no rol de interesse para
meu trabalho.
Assim sendo, elaborei um roteiro de perguntas orientadoras (Anexo 1 ), a partir
das quais os alunos foram sendo estimulados a falar sobre questes tais como: o que gostaria
que a escola lhes ensinasse; quais suas dificuldades e expectativas em relao escola; qual
disciplina mais gostam de estudar; quais as suas atribuies enquanto alunos; o que pensam
sobre determinadas questes ligadas ao seu dia-a-dia.
As entrevistas foram desenvolvidas paralelamente s outras atividades
executadas em sala de aula. Foram dez encontros marcados com certa antecedncia dos quais
participaram 30 alunos voluntrios das duas escolas, sendo 14 da particular e 16 da pblica, de
ambos os sexos e de diversos nveis scio-econmicos.
Os alunos-sujeitos participantes das entrevistas sentiram que seus depoimentos
seriam valorizados. No economizaram palavras e no se limitaram a responder apenas sobre
0 que se perguntava. Ao contrrio, teceram comentrios importantes com relao escola, ao
bairro e contaram histrias familiares, evidenciando aspectos do seu modo de vida.
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Finalmente, de posse dos vrios tipos de respostas, comecei o processo de
anlise. Inicialmente transcrevi as respostas; em seguida, selecionei os tipos de respostas que
foram comuns a todas as crianas; posteriormente, procurei levantar os aspectos mais
diferenciados; e finalmente, atravs da anlise das respostas pude descrever o perfil dos grupos
A e B (ver item 1.5 neste Captulo), isto , apresentar aspectos relativos ao meio social no qual
a criana est inserida, tanto escolar corno domstico, suas condies de vida e o grau de
letrarnento.
Alm das entrevistas, utilizei formulrios (Anexo 2) como instrumento de
coleta de dados contendo os seguintes itens: nome, idade, endereo, filiao, profisso dos
pais, horrio disponvel para entrevista, alm de um espao destinado a observaes.
A coleta de dados teve a durao de 6 meses, estendeu-se durante o segundo
semestre do ano letivo de 1999. J conhecia as duas escolas, pois, havia, como estudante de
Letras, visitado diversas vezes para desenvolver atividades acadmicas.
Com o objetivo de conhecer a realidade das aulas de Lngua Portuguesa dos
sujeitos observados, comecei a freqentar as salas de aulas. As prticas de ensino da escola
particular envolviam atividades com leitura silenciosa e oral; discusso do texto pela
professora/alunos e aluno/aluno; utilizao de questionrios para verificao de entendimento
e a explorao vocabular; era permitida a construo de sentido de acordo com entendimento e
compreenso do aluno; os textos usados no se limitavam apenas aos do livro didtico,
envolviam paradidticos e no escolares.
Por sua vez, observei que a prtica de ensino na escola pblica seguia o modelo
proposto pelo manual didtico. As aulas de leitura apresentavam s seguintes orientaes:
leitura oral; estudo vocabular/grarnatical; questionrios de compreenso; predominava a noo
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de que toda e qualquer resposta deveria ser transcrio de fragmentos do texto deixando de
lado o levantamento de idias.
No perodo combinado com as professoras e direo, ficou estabelecido que nos
dois ltimos horrios, duas vezes por semana, eu poderia desenvolver as atividades planejadas
para a sala de aula. Na escola particular minhas atividades foram acompanhadas pela
professora da turma3 que, entretanto, no interferiu na conduo dos trabalhos. Na escola
pblica, no fui acompanhada pela professora da turma.
Realizei sete encontros com cada turma, totalizando 28 hora/aula. No primeiro,
explquei os objetivos da pesquisa. No segundo, solicitei o preenchimento do formulrio acima
citado. O terceiro, utilizei para verificar o conceito que faziam de crnica (ver Captulo 4,
seo 4.1 ). Do quarto ao stimo encontro desenvolvi as atividades com as crnicas.
Foram utilizadas trs crnicas, fotocopiadas e distribudas para serem lidas em
encontros com durao de duas aulas de 50 minutos cada, seguindo os mesmos procedimentos
tanto para os alunos-sujeitos do grupo A como para os alunos-sujeitos do grupo B,
explicitados a seguir:
1 -A leitura deveria ser individual e silenciosa;
2 - Aps a leitura, os alunos deveriam responder por escrito s duas perguntas a
seguir, sendo-lhes permitido utilizar o texto para a realizao da tarefa:
a- O que voc entendeu da crnica?
b - Que mensagem o autor est querendo passar?
3 Por orientao da direo da eswla, a professora permaneceu em sala de aula apenas como observadora.
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As perguntas foram elaboradas de acordo com a terminologia que os sujeitos estavam acostumados nas atividades dedicadas prtica de leitura em sala de aula. Esclareo
que, dentro do contexto escolar, todos os textos recebem um tratamento homogeneizante,
repetem-se sempre os mesmos procedimentos leitura oral, estudo do vocabulrio, gramtica e
perguntas de compreenso do texto; mesmo no realizando todos os procedimentos citados
considerei que, qualquer atitude inovadora quanto a formulao das perguntas poderia
comprometer a coleta de dados.
O texto usado na primeira atividade foi Boto, de Ganymdes Jos (Anexo 3).
Essa crnica tratava da vida de um menino pobre chamado Boto que enfrentava, juntamente com sua famlia, diversos problemas como ausncia de moradia condigna, sade, falta de
higiene e violncia familiar. A tese da crnica a desigualdade social, exemplificando o que
uma sociedade capitalista, ou seja, uma sociedade dividida em classes sociais, onde as pessoas
so avaliadas pelo que possuem, sendo ricas ou pobres.
O segundo texto utilizado foi Na escurido miservel, de Fernando Sabino
(Anexo 4). Nessa crnica, o narrador relata a histria de uma menina de apenas dez anos de
idade que trabalha treze horas por dia como domstica. Alm de receber um baixo salrio, a
patroa ainda desconta a alimentao consumida pela menina. A crnica aborda a explorao
do menor carente.
O texto escolhido para a terceira atividade de leitura foi Relato de ocorrncia
em que qualquer semelhana no mera coincidncia, de autoria de Rubem Fonseca
(Anexo 5). A crnica apresenta como emedo um nibus de passageiros que se precipita no rio
depois de atropelar e matar uma vaca que se encontrava na ponte. Ocorre a morte de vrios
passageiros e a vaca fica em cima da ponte. As pessoas que moravam prximo do local onde
ocorreu o acidente comeam a dividir a carne no se preocupando em prestar assistncia s
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vtimas. A temtica do texto a falta de solidariedade entre os homens fazendo prevalecer a lei
da sobrevivncia.
1.4 - Procedimentos de anlise dos dados da tarefa de leitura dos alunos-
sujeitos
A anlise dos dados referentes construo das respostas dos alunos-sujeitos
s perguntas de compreenso, obedeceu aos seguintes procedimentos:
Para no contar somente com a viso da pesquisadora, optei por formar um
painel de juizes, composto por quatro ps-graduandos de universidades brasileiras. Cada juiz
recebeu uma carta-convite (Anexo 6), explicando o objetivo da pesquisa e os itens que
deveriam observar nas respostas dos alunos-sujeitos. Para evitar preconceitos no julgamento
considerei pertinente no informar aos juizes qual a classe social a que pertenciam os sujeitos.
Coube aos juizes 1 e 2 analisar as respostas dos alunos-sujeitos A5 e B5; por
sua vez, os juizes 3 e 4 analisaram as respostas dos sujeitos A8 e B8. Cada juiz deveria
observar se a resposta construda pelo aluno-sujeito:
texto;
1 - correspondia tese apresentada pelo autor;
2- apresentava argumentao e questionamento;
3- apresentava conhecimento e/ou experincia sobre o assunto abordado pelo
4- posicionava diante da temtica focalizada pelo texto.
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30
Entre os alunos4 que p;uticipam como sujeitos de pesquisa, foram selecionados
quatro para serem acompanhados em todas s atividades planejadas para coleta de dados deste
estudo, sendo dois de cada grupo. A opo por formar duplas de sujeitos partiu da necessidade
de realizar um estudo comparativo das respostas produzidas por eles s perguntas de
compreenso.
A seleo desses sujeitos adotou como referncia contradio existente entre
os dois grupos, bem como entre os sujeitos de um mesmo grupo, quer seja no aspecto social,
econmico, cultural, grau de escolaridade da famlia, tempo de estudo em determinada rede de
ensino e de letramento.
1.5 - Grupos A e B
Atravs dos dados resultantes das respostas fornecidas s perguntas colocadas
durante as entrevistas com os alunos-sujeitos dos grupos A e B, foi possvel traar um perfil
dos grupos pesquisados.
1.5.1 -Grupo A
O grupo A formado por alunos de uma instituio particular conceituada,
considerada uma das melhores da cidade, que oferece cursos desde o pr-escolar at o ensino
mdio e encontra-se em fase de implantao de cursos de nvel superior. Fica localizada num
bairro prximo ao centro da cidade, habitado predominantemente por famlias de classe mdia.
A escola proporciona conforto para sua clientela, com salas de aulas amplas e
4 Maiores informaes a respeito dos alunos-sujeitos selecionados para este estudo encontram-se no Captulo 3 -Anlise e Discusso dos Dados das Entrevistas, no qual, alm de caracterizar os sujeitos individualmente, transcrevo seus depoimentos s perguntas por mim colocadas durante as entrevistas.
-
31
climatizadas, dispondo de salas de informtica, ginstica, reforo, quadra para prtica de
esportes, piscina, parque, lanchonete e biblioteca. A prtica de eventos culturais so
constantes. Bimestralmente acontece na quadra da escola a apresentao de danas, teatro,
recital de poesias, msicas e exposio de trabalhos produzidos em sala de aula pelos alunos.
A professora de Lngua Portuguesa da turma observada licenciada em Letras, ministra cinco
aulas semanais, sendo duas dedicadas prtica de leitura e redao; os alunos lem
normalmente dois livros por bimestre.
Esse grupo era composto por 28 alunos com idade entre 11 e 12 anos (a maioria
com 11 anos), pertencentes a famlias de classe mdia/alta, cujos pais apresentavam, de modo
geral, grau de escolaridade superior (ver no Anexo 7- Quadros I e 2 ), categorizado como
grupo altamente letrado. A maioria dos alunos estuda nessa escola desde a pr-escola ou
freqentaram uma outra escola particular; somente um aluno revelou estudar pela primeira vez
em escola particular.
Buscando informaes com relao participao dos alunos em eventos de
letramento, entendendo-se nesse estudo por eventos de letramento as experincias discursivas
e sociais relacionadas ao uso da escrita, sem restringir -se necessariamente s atividades de ler
e escrever (Heath, 1982), constatei que a grande maioria do grupo A recebe incentivo para a
prtica da leitura desde pequenos; afirmaram ser comum ouvirem histrias de dormir na
infncia; interagirem com adultos na leitura de folhetos instrucionais para montagem de
brinquedos de armar ou jogos; ou possurem dirios de anotaes; lerem gjbis, dentre os quais
A turma da Mnica, Mickey, Tio Patinhas, Super Man, Casco, Cebolinha; gostarem de
Lngua Portuguesa como disciplina e de ler e escrever, mesmo fora da escola; possurem
biblioteca em casa com livros de literatura infanto-juvenil, enciclopdias e dicionrios, dentre
outros.
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32
Esses alunos tm como lazer passeios no nico shopping center existente em
Macap, clubes, praas, brincadeiras com jogos eletrnicos e no computador, navegar na
internet, assistir a TV ou a filmes em fitas de vdeo, escutar msicas e freqentar cinema e
teatro.
1.5.2 - Grupo B
O grupo B formado por alunos de uma instituio pblica. Essa instituio
oferece cursos do ensino fundamental ao mdio e fica localizada num bairro de periferia da
cidade. A populao do bairro constituda predominantemente por pessoas de pouco ou
nenhum poder aquisitivo.
A escola no oferece conforto para sua clientela. As salas de aulas no
possuem portas nem janelas; os alunos que chegam atrasados tm que dividir carteiras, ou
seja, cada assento ocupado por duas crianas; existe uma quadra para prtica de esportes; os
livros utilizados so emprestados pela escola e devolvidos ao trmino do ano letivo; no existe
biblioteca, apenas uma sala onde so guardados os livros didticos no utilizados; a professora
de Lngua Portuguesa da turma observada tem apenas o curso de magistrio, ministra cinco
aulas por semana orientadas pelo livro didtico, no sendo indicado pela professora outro tipo
de contato com texto escrito dentro ou fora do contexto escolar.
A turma era composta por 45 alunos em idades que variam entre 10 e 14 anos (a
maioria com 12 anos), sendo que 17 deixaram de freqentar a escola porque mudaram de
bairro e outros por causa no conhecida; a maioria dos alunos estuda nessa escola desde a 1 a
srie. So oriundos de famlias de classe baixa e com exposio bastante limitada escrita;
seus pais apresentam baixa escolaridade, sendo que a maioria cursou at a 4 srie do 1 grau
(apenas um pai cursa Universidade). Profissionalmente, os pas dessas crianas desenvolvem
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33
atividades braais como carpinteiros, pedreiros, empregadas domsticas, alm de alguns sem
trabalho especfico e/ou desempregados. (ver no Anexo 8 - Quadros 3 e 4)
Constatei que a grande maioria dessas crianas havia tido alguma
participao em eventos de letramento, como anotaes de material para compras ou receitas
de culinria. Entretanto, a leitura no figurava como prtica cultural significativa em sua vida
social ou familiar, poucas possuam contato com texto escrito fora do ambiente escolar. Estes,
em geral, eram revistas em quadrinhos, jornais ou livros didticos usados, doados por terceiros
e raramente comprados.
Algumas dessas crianas assumem responsabilidades corno trabalhadores, do
conta das lidas domsticas, cuidam de irmos menores, permitindo, assim, que os pais se
afastem para o trabalho fora de casa. Outras j desenvolvem pequenos servios para ajudar no
oramento familiar, tais como vender picol, amassar aa, bab, varrer caladas e quintais,
lavar carros e vigiar veculos em estacionamentos de lojas e reparties pblicas.
Corno crianas que so, brincam, sonham (gostaria de ganhar uma bicicleta .. .
vdeo game ... boneca Barbie ... CD da dupla Sandy e Junior, conhecer o shopping center ... ),
fazem planos (quando crescer quero ser jogador de futebol... mdico ... advogado .. .
professora ... manequim ... ). Suas horas de lazer so constitudas por reunies e passeios na casa
de parentes e amigos; gostam de televiso, msica, dana; jogam bola e jogos eletrnicos;
participam de festas profanas Gunina, estudante, professores) na escola e de festas religiosas
na Igreja catlica do bairro. No Captulo que segue, discuto as perspectivas tericas que embasam o estudo
sobre leitura como construo de sentido, a partir das quais ser analisado o corpus desta
pesquiSa.
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CAPTUL02 LEITURA E LETRAMENTO
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... seja popular ou erudita, ou letrada, a
leitura sempre produo de sentido.
(Jean Marie Goulemot)
2.0 -Introduo
Este Captulo, estruturado em trs sees, tem como objetivo discutir noes
tericas sobre a leitura e o letramento.
No primeiro item 2.1 - trato dos diversos conceitos de leitura e dos processos
que favorecem a construo de sentido. No segundo item 2.2 - examino as principais
divergncias entre a leitura praticada na instituio escolar e a leitura como prtica social. No
terceiro item 2.3 - discuto alguns princpios tericos do letramento e suas contribuies para
o ensino de leitura.
2.1 -Leitura- da decodificao construo de sentido
A leitura um fenmeno muito complexo, que se presta a vrios tipos de
indagaes e abordagens (Kato, 1998). A primeira impresso que se tem de leitura de que ela
feita com os olhos. Na realidade, ler requer raciocnio, concentrao e conhecimento
anterior. O que os olhos contam, no tudo. Ler requer outros sentidos. A leitura tem sido
descrita ou explicada de diferentes formas, atravs de diversas abordagens, teorias e
concepes.
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36
Em sua acepo tradicional a leitura pode ser compreendida com ato de decifrar
signos lingsticos realizado a partir do conhecimento que o falante tem do sistema de uma
lngua, conforme a crena dos estruturalistas. Nessa acepo, a ato de ler se reduz, a saber,
decodificar letras e palavras escritas, crena ainda presente em nossas escolas que rotulam
como "leitor" o sujeito capaz de conhecer a ortografia, o vocabulrio e as regras gramaticais
da frase (Barbosa, 1994; Silveira, 1998).
Contemporaneamente, a leitura pode ser entendida no sentido de gerar ou de
formar idias e neste sentido que ela usada quando se fala de "leitura do mundo", como
aparece no trabalho de Freire (1985), que se refere ao fato de que a leitura do mundo precede a
leitura da palavra, isto , a leitura da palavra no significa a ruptura do contexto scio-cultural
e lingstico.
Segundo Matencio (1998), a leitura um processo de (re)atribuio de sentido,
que nasce, em grande parte, tanto das experincias de vida do leitor quanto do prprio texto -
interao texto-leitor. O sentido nico, individual e a cada leitura, o que j foi lido muda de
sentido, toma-se outro (Goulemot, 1996; Zilberman, 1995). Nesse processo, pode-se constatar
a importncia do leitor, cujo papel no simplesmente o de um decodificador, uma vez que,
ao entregar-se atividade de leitura, ele convidado a participar da construo do sentido.
Dessa forma, o leitor procura estabelecer uma relao entre os conhecimentos veiculados no
texto e os conhecimentos armazenados na memria.
Essa relao, isto , a interao que se estabelece no momento da leitura,
depende de uma srie de elementos centrados no leitor como o seu conhecimento de mundo,
suas crenas, opinies e interesses. O texto faz sentido ao leitor quando existe uma
continuidade de sentidos entre o conhecimento prvio do leitor, ativado durante o ato de
leitura atravs do contedo textual. Esse ponto de vista, refora a idia de que o texto faz
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sentido, graas relao ... entre dois sujeitos - leitor e autor - que interagem entre si,
obedecendo a objetivos e necessidades socialmente determinados (Kleiman, 1995a: 1 0), que se
estabelece durante o processo de leitura.
Para Goulemot (1996:113), os sentidos na leitura nascem tanto do prprio texto
quanto do seu exterior cultural e dos sentidos j adquiridos que nasce o sentido a ser
adquirido. Este autor constri uma noo de biblioteca para explicar que no existe
compreenso autnoma, mas integrao em tomo do conjunto de textos lidos, uma biblioteca
composta pelos textos que formam uma cultura coletiva. Ler .. .fazer emergir a biblioteca
vivida, quer dizer, a memria de leituras anteriores e de dados culturais. raro que leiamos o
desconhecido.
O texto j no pode mais ser considerado como um mero artefato lingstico,
cujos sentidos existem fora de um contexto scio-histrico e discursivo. Considero elucidativa a observao de Koch (1997: 25) para explicar uma concepo de texto que vai alm de sua
materialidade lingstica, de que todo texto parece um iceberg, partindo do postulado bsico
de que ... todo texto: possui apenas uma pequena superficie exposta e uma imensa rea imersa
subjacente. Para se chegar s profundezas do implcito e dele extrair um sentido, faz-se
necessrio o recurso a vrios sistemas de conhecimento e a ativao de processos e
estratgias cognitivas e interacionais.
Diante de um texto, a ativao do conhecimento prvio, aquele adquirido ao
longo da vida, no ocorre apenas a pa1tir de um item lexical, mas depende da inferncia dos
conhecimentos individuais armazenados na memria do leitor, isto , todo leitor tem um
repertrio de conhecimentos acumulados e organizados no decorrer de sua experincia de
vida, fator de relevncia capaz de captar o sentido dos enunciados que compem o texto, de
modo fundamental, pois sem ele no haver compreenso.
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38
Quando o leitor se depara com um texto, para que se inicie o processo de
compreenso, necessrio que ele ative o conhecimento prvio a respeito. Como a leitura
um processo interativo, torna-se necessrio o envolvimento dos nveis de conhecimento,
como:
a - Conhecimento lingstico: o conhecimento que o falante tem de sua
lngua. Este nvel de conhecimento desempenha um papel central no processamento do texto e
sem o qual a compreenso no possvel.
b - Conhecimento textual: o conjunto de conhecimentos elementares e
conceitos sobre o texto. Neste nvel de conhecimento observa-se a classificao do texto do
ponto de vista da estrutura, isto , narrativo, expositivo ou descritivo, cada estrutura apresenta
suas caractersticas prprias. A estrutura narrativa se caracteriza pela marcao temporal
cronolgica e pela casualidade, tambm pelo destaque atribudo aos agentes das aes,
materializado na introduo de personagens. Apresenta como componentes essenciais o
cenrio ou orientao, a compilao e a resoluo. A nfase dada pela estrutura expositiva
liga-se temtica, isto , est nas idias e no nas aes como na estrutura narrativa. Seus
componentes esto ligados entre si por diversas relaes lgicas: premissa e soluo, tese e
evidncia, causa e efeito, analogia, comparao, definio e exemplo. J a estrutura
descritiva caracteriza-se pela presena de certos efeitos descritivos, como um efeito ou
listagem, num efeito de qualificao ou por um efeito de particularizao de objeto
tematizado. Quando existe a necessidade de particularizar ou individualizar um objeto, a
descrio interioriza-se tanto na narrao como na exposio.
c - Conhecimento de mundo ou conhecimento enciclopdico: O conhecimento
de mundo pode ser adquirido tanto formalmente como informalmente. O primeiro se reporta
ativao do conhecimento prvio que o leitor possui em sua memria (fonte de dados de
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determinado assunto), no est explcito no texto, extralingstico. Em outras palavras, so
os conhecimentos de determinado assunto armazenados na memria e quando solicitados na
busca de compreenso so ativados. O segundo adquirido atravs de experincia e convvio
numa sociedade. Apresenta-se ... como conhecimento estruturado (porque est ordenado),
parcial (porque inclui apenas o mais genrico e previsvel das situaes) sobre um assunto,
escrito ou situao tpicas (Kieiman, !995b:22). Sua ativao importante para a
compreenso de texto, pois seu modo estruturado viabiliza economia e seletividade de
informaes e atravs do conhecimento parcial, isto , do esquema - deixa implcito aquilo
que tpico de uma situao.
Assim sendo, o leitor, ao ativar o conhecimento prvio, habilita-se a realizar
inferncias necessrias na busca da compreenso do texto, relacionando fragmentos num todo
coerente na tentativa de recuperar os implcitos, de preencher as lacunas, para construir o
sentido do texto.
A inferncia um processo incipiente decorrido do conhecimento de mundo
que o leitor dotado; a conexo realizada a partir dos elementos formais fornecidos pelo
texto. Interfere muito na compreenso, fortalecendo a idia de que a construo do sentido
dependente da interao leitor/texto.
Muitos tericos tm-se manifestado a respeito das inferncias. Para Koch e
Travaglia (1990: 65), ... inferncia a operao pela qual, utilizando seu conhecimento de
mundo, o receptor (leitor/ouvinte) de um texto estabelece uma relao no explcita entre dois
elementos (normalmente frases ou trechos) deste texto que ele busca compreender e
interpretar. Numa perspectiva de leitura como processo inferencial, Marcuschi (1985 : 25),
considera inferncia ... uma operao cognitiva que permite ao leitor construir novas
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proposies a partir de outras j dadas. Esses autores vem inferncias como conexes que o
leitor e/ou ouvinte realizam quando tentam interpretar o que lem ou ouvem.
O processo inferencial exerce papel importante na compreenso de textos.
Entretanto, necessrio observar a questo dos limites para a sua realizao. As lacunas
existentes no texto permitem ao leitor abertura, assim sendo, dificil prever as inferncias que
cada leitor far de um mesmo texto, pois, fatores como as intenes do autor, os implcitos e o
prprio contexto de enunciao interferem na construo do sentido, que fazem o leitor
realizar inferncias no-autorizadas, quer dizer, h um limite alm do qual no podem ocorrer
inferncias, sob pena de distoro5 de sentido. Alm desses fatores, o conhecimento prvio do
leitor pode fazer com que ocorram diferentes leituras de um mesmo texto por diferentes
leitores.
relevante observar o papel do contexto6 para o processo inferencial. Muitos textos no podem ser compreendidos sem que se considere o contexto geral em que esto
situados. Diante de um texto, no se leva em considerao apenas itens lexicais, mas os
conhecimentos do sujeito, suas crenas, as circunstncias em que o texto lido. A leitura no pode se vista apenas como um ato de interao do leitor com o
texto, mas como uma prtica de interao autor/leitor, mediada pelo texto, todos -
autor/leitor/texto- constitudos em um contexto scio-histrico-ideolgico (Leal 1999).
Dessa forma, o contexto e a leitura mantm uma intrnseca relao. necessrio informar que para haver leitura preciso haver uma compreenso dinmica e
abrangente do leitor com o texto, um encontro vivo de histrias de um com outro, que envolve
Segundo Marcuschi (!985}, as proposies dadas e as inferirias devem manter relaes passvei;; de identificao. 6 O sentido de contexto neste trabalho bastante abrangente, envolve o contexto scio-histrico e o ntertextua que a relao de um texto com outros existentes, possveis ou imaginrios.
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componentes sensoriais, emocionais, perceptivos, intelectuais ou cognitivos, scio-culturais,
econmicos e polticos. Durante a construo de sentido na leitura, o leitor interage com as
formas dadas pela sociedade, em um determinado tempo e espao, pode-se dizer que se
apropria da cultura que vive.
Entretanto, as prticas da leitura escolar apresentam-se dissociadas do contexto
social do aluno, que acaba desenvolvendo uma atitude de reverncia diante do texto,
considerando-o um verdadeiro repositrio inquestionvel de conhecimentos. Alm disso, na
leitura escolar os textos, de modo geral, so apresentados individual e isoladamente, sem
estmulo produo de relaes intertextuais durante a construo de sentidos.
A viso de leitura como decodificao, ainda to presente em nossas escolas
contribui para a formao de um leitor passivo. no-critico, condicionado apenas a receber
informaes transmitidas sem condies de participao ativa e reflexiva diante ao texto,
apoiada numa concepo estruturalista da linguagem, responsvel por prticas de leitura
mecnicas, a escola a instituio que tem determinado o modo de fazer sentido na leitura -
instauradora da univocidade de sentidos - estabelecendo uma leitura didtica e homognea,
como sendo a nica vlida.
2.2 - Leitura na escola e na sociedade
A escola uma instituio qual a sociedade delega a responsabilidade de
introduzir novas geraes no mundo da leitura e da escrita, proporcionando-lhes as habilidades
necessrias compreenso e produo de mensagens produzidas em um cdigo especfico,
reunindo condies para aprender a ler e a escrever. Cabe, ainda, mencionar que atribuda
tambm escola a responsabilidade de prover conhecimentos, valores e atitudes consideradas
fundamentais para formar o cidado.
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Para cumprir essa responsabilidade, a escola "elabora", mesmo sem conhecer os
efetivos alunos, um plano de curso selecionando contedos que devem ser aprendidos,
estabelece a durao de tempo (bimestre, semestre, ano letivo, srie, grau de ensino), avalia
seus alunos em momentos pr-estabelecidos envolvendo atividades dentro ou fora do
ambiente escolar. Ao limitar informaes, codificar conhecimentos, selecionar determinados
aspectos culturais priorizando os hbitos e costumes das classes sociais privilegiadas, ela se
distancia das prticas sociais cotidianas, principalmente daquele aluno oriundo de classes
sociais populares.
Uma das causas do fracasso escolar, principalmente dos alunos de classes
sociais populares, remete a essa distncia existente entre a escola e a sociedade. O ponto de
partida provm do fato de crianas oriundas de classes sociais diferentes se encontrarem perto
ou longe das exigncias e dos hbitos escolares, pois, este ensino direcionado para um aluno
ideal, no h preocupao com as reais necessidades dos alunos.
Segundo Indursky & Zinn (1985: 17), a leitura proposta pela escola ... uma
leitura mecnica, padronizada, linear; realizada apenas em nvel de identificao ... o aluno l
apenas para reter conhecimentos, sem conferir sentido ao que l, sem questionar e sem
posicionar-se. Nesse mbito, as autoras criticam a postura de grande parte das escolas
pblicas, por apresentar um ensino desvinculado da realidade do aluno que dissimula as
diferenas sociais, ou seja, os temas utilizados para a prtica de leitura no apresentam ligao
com o mundo vivencial do aluno.
Kleiman (1989: 174), ao refletir sobre as condies de leitura dos textos
didticos, verificou efeitos negativos produzidos no aluno-leitor devido funo exercida por
esses textos na instituio escolar, ao produzir atitudes condicionadoras e inflexveis, de
apenas receber informaes transmitidas sem favorecer possibilidades para um envolvimento
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43
ativo e lugar para reflexo: o texto didtico no lido: no processo no h seletividade
mediante a reconstruo de relaes implcitas, no h inferncias, no h integrao: h
apenas a identificao de explcito e o estabelecimento de correspondncias formais.
A omisso da escola no ensino de leitura, aps a fase inicial de aquisio de
habilidades bsicas elementares passa a uma fase de avaliao de leitura em que priorizadas
a capacidade de reteno de contedo informacional e a anlise de elementos lingsticos
formais. Essa prtica de leitura excessivamente didatizada acaba por afastar o aluno de uma
leitura reflexiva. Assim, comum perceber essa situao ainda nos dias de hoje, o aluno
preocupado em reter o contedo informacional dos textos mediante observao dos elementos
explcitos na superficie textual.
Nas leituras escolares existe uma uniformizao, evidentemente, se multiplicam
as variedades nas leituras no escolares. Tm-se diferentes categorias e grupos: revistas para a
mulher e revistas para homem, revistas para crianas e revistas para adolescentes, revistas
especiais de jardinagem, informtica, decorao e livros para adolescentes, livros para
crianas, livros para adultos.
Chartier ( 1994 ), expe e analisa as principais diferenas entre a leitura escolar e
a leitura social. A autora descreve a leitura escolar como artificial, arcaica, congelada,
repetitiva, ritualizada, representativa, homogenizante, imposta, enquanto que a leitura social
autntica, utilizada para fins prticos em funo dos prprios interesses e do prazer pessoal do
leitor.
A referida autora (p.l61) acrescenta que a distncia entre a sociedade e a escola
no pode ser abolida, porque esta distncia que a legitima como instituio; entretanto,
considera dois pontos: a escola deve ... mostrar com muita regularidade s crianas de que
maneira aquilo que elas aprendem em sala de aula pode ser reinvestido na vida, e no lhes
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44
pedir para manifostar em sala de aula conhecimentos ou savoir - faire que no lhes
ensinamos, mesmo que eles tenham se tornado "socialmente" freqentes.
Sendo a leitura escolar um produto das classes sociais privilegiadas, sua
apropriao pelos alunos das classes sociais populares se apresenta como uma necessidade
pragmtica, ou seja, ela vista como um meio de ascenso social e para atender s exigncias
da cultura dominante. Para os alunos das classes sociais privilegiadas, a leitura tem finalidade
construtiva, ou seja, obter informaes, lazer e socializao.
Entretanto, essa apropriao da leitura pelas classes sociais populares apresenta
um leque de problemas, .. . alguns de natureza tcnica, outros de natureza ideolgica, que tm
de ser enfrentados no momento e no espao em que essa apropriao sistematicamente
promovida: no momento em que se ensina leitura no espao da escola (Soares, 1995: 48).
De fato, uma questo que precisa ser discutida como fazer com que o aluno
proveniente de classes sociais populares leia melhor num ambiente marcado pelas diferenas
sociais, culturais e ideolgicas como na escola? Uma soluo modificar as prticas escolares
de leitura, desescolariz-las para aproxim-las das prticas existentes na sociedade. Dessa
forma, esse aluno poderia adquirir em sala de aula uma competncia necessria atravs da
leitura de textos do meio em que vive, ligando a atividade do texto com suas crenas e suas
experincias.
Dentro desta perspectiva, Foucambert (1994:116), em suas consideraes
sobre o texto escrito e leitura, reivindica a importncia do aspecto social do texto escrito e a
leitura inserida no meio real dos sujeitos, valorizando-se as prticas scio-culturais, familiares
e comunitrias, no que denominou de desescolarizao da leitura. O autor posiciona-se diante
de dois pontos: ... se a alfabetizao era, por bons motivos, um aprendizado escolar, a leitura
um aprendizado social, da mesma natureza que o aprendizado da comunicao oral, ( .. .) o
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45
mais urgente suscitar novas prticas de leitura nas camadas sociais que at aqui foram
apenas alfabetizadas.
Kleiman (1997) tambm aponta a importncia de se desescolarizar a
compreenso escrita, sugerindo que se deva trazer para a escola .. . aquilo que constitutivo das
prticas de escrita, seus usos e suas funes no meramente escolares .... Assim, adota uma
concepo de texto escrito como evento discursivo, inextricavelmente vinculado ao contexto
scio-cultural em que produzido; reivindica, ainda, a necessidade de se legitimar outras
formas de ler, livres do padro priorizado pela instituio escolar, os quais se constituem em
funo do contexto em que os sujeitos esto inseridos.
Segundo Foucambert (1994), para aprender a ler preciso oferecer ao sujeito-
aprendiz diversos textos escritos como se ele j tivesse domnio daquilo que deve aprender.
Tambm refora a necessidade de fornecer textos autnticos mesmo na fase inicial, pois no se
deve fragmentar a aprendizagem da leitura em palavras, seguida de frases, depois texto, at
realmente chegar nos textos dos quais se precisa.
Jolibert (1994) comenta uma experincia alternativa de leitura executada em
curso elementar de educao infantil na Frana, baseada em uma concepo social da leitura,
de acordo com as idias de F oucambert e seguindo os princpios pedaggicos de Freinet,
criador de um projeto de educao popular, caracterizado por socializar as prticas escolares
s prticas reais de vida e trabalho cooperativo em comunidades pobres na Frana no incio do
sculo.
Essa experincia concebe leitura como levantamento de hipteses a partir de
uma expectativa real, social. Prope a leitura de textos autnticos, em situaes reais que
atenda s necessidades sociais concretas, prticas de escrita expressivas para os grupos sociais
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46
envolvidos e a rejeio do ensino da leitura oralizada concebida como decifrao de signos
lingsticos.
Duas grandes pretenses da leitura contempornea, infonnar e distrair,
tornaram-se pretenses da escola: por um lado, leituras funcionais, por outro, leituras
ficcionais. No primeiro caso, o texto fornece dados especficos para uma rea de estudo do
currculo ou informaes generalizadas sobre os fatos da atualidade. A leitura ficcional no
objetiva aquisio imediata de conhecimentos, o importante a recreao, a "viagem" pela
imaginao; o exerccio desse tipo de leitura possibilitar ao aluno urna fonna habitual de
lazer, ao mesmo tempo em que estimular seu lado de anlise e crtica; entretanto, as coisas
no definidas dessa fonna.
Na realidade, o que a escola ensina aos alunos que o prazer forosamente
motiva a leitura, enquanto deveria orientar que o prazer se descobre quando se torna capaz de
atravessar um longo texto, de compreend-lo sozinho, enquanto alguns meses mais cedo, este
teria sido abandonado.
Penso que, a escola (principalmente a pblica) pouco tem feito para tomar o ato
de ler um ato de prazer. Basta observar que, a maioria dos textos utilizados pela escola para
prtica de leitura, considerados como indispensveis, so estranhos s crianas, por apresentar
maneiras de ver e de pensar distante do universo vivencial que esto acostumadas, alm de no
apresentar utilidade prtica no cotidiano das crianas.
Creio que para a escola superar seu modelo de leitura que ainda
predominantemente estruturalista, ou seja, a leitura escolar impe a todo o mundo as mesmas maneiras de se ler, palavra por palavra, sob a conduta do professor, apoiada em textos
sacralizados que devem ser admirados, como produtos acabados, concebidos como portadores
de verdades a serem apreendidas, cujos modos de fazer sentido so autorizados e impostos
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47
pela escola, seria necessrio repensar as concepes que essa instituio persiste em manter
com relao linguagem, texto e sujeito-leitor.
A meu ver a escola apresenta dificuldades em adotar uma abordagem que
propicie um contato real entre texto e leitor; basta observar que a leitura no contexto escolar
contnua tomando o texto como pretexto para o desenvolvimento de atividades
metalngsticas que priorizam a forma ou ainda o texto como pretexto para conversas sobre o
tema por ele suscitado (Miranda, 1998).
Nessas atividades, geralmente desenvolvidas aps uma leitura rpida do texto,
s vezes seguida de leitura oral e estudo do vocabulrio ou outro contedo que esteja
programado, passa-se ento, para o procedimento de "debate": "O que voc acha?". Os alunos
vo "achando", cada um por sua vez, ou todos ao mesmo tempo, enquanto o texto permanece
como pano-de-fundo, intacto em seu potencial formal, semntico e comunicativo.
Atividades em sala de aula como essas do "debate" so apreciadas pelos alunos
exatamente porque representam um momento em que os alunos podem deixar emergir suas
experincias de vida. Entretanto, tais .. . experincias no so confrontadas para o aprendizado,
(..) essas aulas acabam por ter apenas a validade de "desabafo ", mas no ensinam a ler e a
escrever (grifo da autora), e nem mesmo a viver melhor (Miranda, 1998: 300).
Refletindo a respeito de tais consideraes e partindo do mesmo ponto de vista
da autora, penso que a escola deveria rever dentre outras coisas sua metodologia e critrios de
seleo de contedos, pois, ao valorizar a experincia de vida e o conhecimento de mundo de
seus alunos estaria possibilitando estabelecer conexes entre o ensino da escola e a escola da
vida, assim sendo, o ensino escolar teria sentido concreto para essas crianas.
Segundo Foucambert (1994), no h qualquer acontecimento da realidade social
que possa ser compreendido isoladamente, considerada em sua extenso e durao. As
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relaes dos individuos com a lngua escrita no fogem a essa regra: para discernir o que est
em jogo quando se trata de leitura, seria absolutamente insuficiente limitar-se a consideraes
tecnicistas centradas na escola.
O ensino da leitura escapa aos limites do terreno escolar e no se esgota em
seus bancos, estende-se a toda prtica social como na famlia, nos meios de comunicao de
massa, no trabalho e no lazer. Da "leitura de mundo" leitura da palavra h um percurso a
considerar (Lajolo, 1999). No se pode fazer deste processo algo separado do mundo, uma
juno apenas de letras que formam palavras.
Ao ler um livro, ao ver um filme, ao assistir uma pea teatral, ao ver uma
exposio de quadros, de esculturas, o sujeito estar desenvolvendo a verdadeira leitura. O
sujeito d sentido imagem que est vendo a partir dos seus sub-textos inscritos pela vida, ou
seja, ao ler/ver/ouvir imagens por vrias formas de linguagem, o sujeito participa e interage,
criando um espao simblico que se recria na interpretao de cada um.
Devo mencionar ainda que as prticas da leitura escolar normalmente
caracterizam-se pela ausncia de contextualizao e questionamento. So leituras centradas no
entendimento de um nico texto, isolado, como se cada leitura tivesse um ponto final,
independente de outras experincias prvias de vida e leitura.
2.3- Experincia com Ietramento e desempenho em leitura
O termo letramento reapareceu no vocabulrio da lngua portuguesa na segunda
metade da dcada de 80. Digo "reapareceu" porque ao examinar os antigos dicionrios,
Dicionrio Contemporneo da Lngua Portuguesa de Caldas Aulete ( 1948: 226)7 e Dicionrio
7 Soares (1998), salienta que examinou o Dicionrio Contemporneo de Lngua Portuguesa de Caldas Aulete, no qual o vocbulo letramento significa escrita.
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de Sinnimos e Locues da Lngua Portuguesa de Agenor Costa (1967: 1425), essa palavra
consta significando escrita. O referido vocbulo no consta da nova edio do Dicionrio
Aurlio de Lngua Portuguesa, por ser um novo termo recm-chegado ao campo da Educao,
das Cincias Sociais, da Histria e das Cincias Lingsticas e que vem recebendo ateno
especial de alguns estudiosos na tentativa de defini-lo ou mesmo delimit-lo.
Coube a Kato8 em 1986 mencionar pela primeira vez, no contexto brasileiro, o
termo letramento, uma verso para o portugus da palavra da lngua inglesa "literacy" de
etimologia latina "littera" (letra), com o sufixo- mento, que denota o resultado de uma ao.
A definio de letramento complexa, dada a variao dos estudos pertencentes
a este campo; embora relacionado com o de alfabetizao, possui uma dimenso mais ampla.
Seu surgimento deu-se pela necessidade de distinguir entre o processo de aquisio do cdigo
escrito (pertencente tradicionalmente s concepes de alfabetizao) e apropriao da
escrita enquanto objeto cultural de forma mais ampla, compreendida como processo de
letramento (Leal 1999).
Compreender as diversas definies de letramento no uma tarefa fcil. Para
Scribner e Cole (1981), letramento um conjunto de prticas sociais em que se usa a escrita,
enquanto sistema simblico e enquanto tecnologia, com finalidades e propsitos especficos.
O ponto de vista que me parece mais compatvel com a perspectiva de
letramento e que adoto em meu trabalho, ... prticas e eventos relacionados ao uso, funo e
impacto da escrita na sociedade (Kleiman, 1990: 3 ). Adoto essa definio por pensar que o
aluno no recebe somente a orientao escolar para o desenvolvimento das atividades de
leitura e escrita, mas acumula experincias ao longo da vida que interagem na construo dos
8 Kleman (1995) atribu a Kato ter cunhado o termo letramento.
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processos, em outras palavras, leitura e escrita devem ser vistas como fenmenos sociais, que
ultrapassam os limites dos bancos escolares.
O Ietramento uma atividade social e pode ser descrito em termos dos eventos
e prticas que as pessoas usam em suas atividades cotidianas. Entende-se por eventos de
letramento todas as ocasies da vida cotidiana em que a palavra escrita ocupa um papel,
incluindo qualquer atividade que envolve a palavra escrita. Um exemplo de letramento
quando um adulto l uma histria noite para uma criana; alm de estar participando de um
evento de letramento, ela tambm est assimilando uma prtica discursiva letrada. Ilustro com
outros exemplos: as pessoas que discutem um artigo de jornal, organizam a lista de compras
ou anotam um recado telefnico.
Entende-se por prticas de letramento as atividades sociais associadas com a
palavra escrita, ou seja, as pessoas trazem o seu conhecimento cultural (situao particular)
para uma atividade que envolve escrita ou leitura (situao semelhante).
Barton ( 1995) situa eventos e prticas como duas unidades bsicas de anlise da
atividade social de letramento. Eventos de letramento so atividades particulares que ocorrem
regularmente. Por outro lado, prticas so os modos culturais das pessoas utilizarem a escrita.
Por exemplo, duas pessoas discutem o contedo de um jornal e planejam escrever uma carta
ao redator (evento de letramento ). Decidindo o que fazer, juntamente associado com o modo
de falar e de escrever, fazem uso de prticas de letramento.
Para compreender a conceituao de letramento necessrio esclarecer que o
mesmo no alfabetizao9, uma vez que esta geralmente promovida pela instituio
escolar. Para marcar as diferenas entre alfabetizao e letramento, Tfouni (1995: 20) afirma
9 Consta no Dicionrio Aurlio de Lngua Portuguesa. P.82- Alfabetizao: Ao de alfabetizar, de propagar o ensino da leitura.
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que enquanto a primeira ... se ocupa da aquisio da escrita por um indivduo, o letramento
focaliza os aspectos scio-histricos da aquisio de um sistema escrito por uma sociedade.
Assim sendo, a condio de alfabetizado/no alfabetizado no ocupa a mesma
posio de letrado/no letrado. Ento, de certa forma, ser letrado o sujeito que . .faz uso da
escrita, envolve-se em prticas sociais de leitura e de escrita (Soares, 1998 : 24), por sua vez,
alfabetizado o sujeito que adquiri as habilidades de ler e escrever, ainda assim, mesmo
estando alfabetizado, o sujeito pode continuar margem das prticas de leitura e escrita, o que
comum em pases de grandes contrastes sociais, como o Brasil, portanto, sendo rotulado de
no letrado.
Desse modo, considero oportuno estabelecer a distino entre leitor e
alfabetizado. Na perspectiva do letramento, leitor o sujeito que atribui significado, ou seja,
constri os significados pelo objeto de leitura a eles incorporando seus prprios sentidos; por
sua vez, a escola considera leitor o sujeito que ocupa a posio de alfabetizado, ou seja, saber
"ler" desempenhar um processo mecnico de decifrao de signos lingsticos.
Essas reflexes mostram, portanto, que o letramento no est exclusivamente
ligado ao campo da escrita como concebido pela escola, instituio responsvel pela
introduo do sujeito no mundo da escrita. Sendo a escola a principal agncia de letramento,
valoriza uma prtica voltada para o processo da aquisio das habilidades da leitura e da
escrita, no se preocupa com as prticas desenvolvidas pelos alunos em seu contexto social.
A escola valoriza a escrita atribuindo "status" ... o seu domnio se tornou um
passaporte para a civilizao e para o conhecimento(Marcuschi,1997:!22). Essa valorizao
da escrita "funciona" como um "trampolim" para o xito. A escola refora a crena de que o
sujeito s "vencer" na vida se obtiver sucesso no processo de letramento do tipo valorizado
pela instituio escolar. Essa crena compe o que Graff ( 1979) denominou o "mito" do
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letramento referindo-se ao conjunto hegemnico de crenas sobre os efeitos da escrita no
indivduo, efeitos que variam desde a ascenso e promoo social at o desenvolvimento
cognitivo superior do escolarizado.
No estudo de Carrington & Luke (1997), os autores reforam a idia de que o
Ietramento, como aquisio de habilidades, na tica das classes populares, visto como
possibilidade para assegurar o acesso riqueza e a mobilidade social.
No que concerne s concepes sobre o Ietramento, as discusses se
estabeleceram basicamente orientadas por duas correntes denominadas por Street (1984) de
modelo autnomo e modelo ideolgico.
O modelo autnomo pressupe uma diviso entre grupos ou povos que usam a
escrita e aqueles que no a usam, resultante de diferenas cognitivas advindas do uso da
escrita, como o desenvolvimento do pensamento lgico e a capacidade para compreender e
produzir silogismos10 Essa a concepo que privilegia a escrita como um produto completo
em si mesmo, independente do contexto, e a capacidade de produzir e entender a linguagem
abstrata. O modelo autnomo associa letramento ao progresso, civilizao, mobilidade
social, tecnologia, liberdade individual, conforme mostram Street (1984), Kleiman (1995a)
e Tfouni (1995).
As prticas escolares so orientadas pelo modelo autnomo de letramento,
muito embora o discurso escolar defenda a criticidade e a criatividade; o que se percebe um
ensino que .. .transmite uma concepo de que a escrita transcrio da oralidade (Matencio,
10 O silogismo um tipo de raciocinio dedutivo lgico-verbal composto por uma premissa maior, uma premissa menor e uma concluso. Existe uma necessidade lgica entre o contedo da concluso e o das premissas. Do ponto de vista da compreenso, o silogismo exige que o individuo seja capaz de descentrar seu raciocinio, ignorando seu conhecimento emprico e sua experincia pessoal, atendo-se apenas ao contedo lingstico, o qual pode negar aquele outro conhecimento, sem deixar de ter uma estrutura lgico-dedutiva (Tfouni, !995: 25).
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1998: 16), concebendo que o sujeito aprenda somente a estrutura da lngua escrita distanciada
da lngua oral e ainda sem qualquer relao com o contexto social. Nessa prtica, os sujeitos
so homogeneizados sem levar em conta as diferenas entre sociedades e indivduos.
Essa homogeneizao ignora o fato de que os sujeitos so oriundos de meios
culturalmente distintos e com diferentes orientaes de letramento, o que acarreta efeitos
sociais e estilos cognitivos tambm diversificados (Matencio, 1998).
No modelo ideolgico, as prticas de letramento so socialmente e
culturalmente determinadas. Esse modelo privilegia tanto a escrita quanto a oralidade e no
est, necessariamente, ligado s prticas escolares, embora no lhes negue o valor na
constituio histrica do desenvolvimento cultural da sociedade. Nesse modelo, a culpa do
fracasso no atribuda ao indivduo, mas emergncia de situaes desfavorveis dentro das
estruturas sociais; o processo de aprendizagem de habilidades de leitura e escrita contribuem
para integrar o sujeito na sociedade tal como ela funciona e, assim criar condies para o
sujeito questionar as prticas sociais no favorveis participao efetiva na transformao da
sociedade.
No modelo ideolgico, a escrita marcada pelas diferenas entre grupos
dependendo do contexto, pois, em qualquer comunidade, seja de classe mdia ou grupos de
baixa escolarizao, as crianas esto expostas a eventos e prticas de letramento. Esse o
modelo de letramento que deveria adotar a escola e a partir do qual desenvolvo a anlise dos
dados de minha pesquisa.
Nos ltimos anos, a literatura especializada mostra que tem crescido
sensivelmente a produo de trabalhos que tematizam a questo do apagamento do contexto
social, histrico, cultural e ideolgico dentro da prtica de ensino adotada pela escola, o que
acaba distanciando o aluno de se tornar um leitor efetivo. Cabe ento questionar que tipo de
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leitura ensinado na escola, pois ao ensinar decodificar palavras, frases e perodos no
possibilita ao aluno conferir sentido ao que l.
Heath (1982) realizou um longo estudo etnogrfico com trs comunidades
norte-americanas que apresentavam diferentes orientaes e eventos de letramento: Maintown,
uma comunidade de brancos e negros com formao universitria, rica em eventos de
letramento, como a leitura de histrias de dormir. Nessa comunidade, as crianas aprendem
desde de cedo que a escrita no apenas a transcrio de eventos reais, aprendem tambm a
comentar sobre o que lem, relacionando com seu conhecimento de mundo. As crianas dessa
comunidade so bem sucedidas na escola, pois existe reproduo no ambiente domstico das
normas padronizadas pela instituio escolar.
A segunda comunidade, denominada de Roadville, uma comunidade de
operrios brancos, com mdia escolaridade. Nessa comunidade h eventos de letramento como
a leitura de histrias de dormir, mas no existe estmulo para que a criana fale sobre o que
aprendeu nos livros ou relacionar o contedo lido com sua realidade. Essa comunidade
reproduz parcialmente o modelo privilegiado pela escola e, conseqentemente, suas crianas
apresentam sucesso relativo, limitado s sries iniciais.
A terceira comunidade, Trackton., formada por operrios negros de origem
rural, com baixa escolaridade. O acesso palavra escrita bastante restrita, a leitura no
uma atividade rotineira, mas existem atividades que estimulam as crianas a contar histrias
sobre sua vida ou sobre eventos que presenciaram, embora a maneira como estruturam suas
narrativas no seja aquela adotada pela escola. Dessa forma, mesmo desenvolvendo uma
relao com a linguagem metafrica e ficcional, no conseguiam se adaptar s normas
adotadas pelo ambiente escolar.
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Heath relaciona cada orientao com o desempenho escolar das crianas,
demonstrando haver uma transmisso de pais para filhos das maneiras de atribuir sentido na
leitura. Muitas vezes essa orientao similar ao ensino realizado pela escola, outras vezes, o
que a escola ensina sobrepe-se ao que a criana aprendeu em casa e na comunidade. Entre as
comunidades observadas, as crianas da comunidade de Trackton eram as que apresentavam
histria de fracasso escolar, cujos modos de fazer sentido no correspondiam aos modos da camada culturalmente hegemnica dentro da sociedade letrada.
Essa situao no ocorre simplesmente por uma mera coincidncia Osakabe
(1982: 149) observa que ... a escrita guarda em si as marcas de sua apropriao histrica, sua
assimilao e manipulao em condies de absoluto privilgio por segmentos sociais das
classes dominantes, que determinaram o prprio sistema de referncias para sua
aprendizagem.
Em seus estudos crticos sobre a questo do letramento, Street (1995), comenta
que a adoo de um modelo de letramento autnomo pela escola, que despreza os diferentes
significados que a escrita pode ocupar para grupos sociais distintos, de acordo com os diversos
contextos scio-culturais em que ela se enquadra, produz uma reificao da linguagem que
objetiva reproduzir e perpetuar a ordem hierrquica da estratificao social atravs do controle
institucional escolar, o que no caso dos sujeitos de minha pesquisa (principalmente os do grupo B), significaria excluir as classes populares da possibilidade de ascenso social atravs
da educao.
Esse processo de reificao apresenta como resultado uma concepo de
linguagem artificial, que distancia o texto das experincias significativas do real,
estabelecendo um rompimento comunicativo e impossibilitando o texto de instituir-se como
objeto significativo em fases iniciais de aprendizagem, conforme demonstrado por Terzi
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(1995) em seu amplo estudo para analisar o processo de construo da leitura por crianas de
meios no letrados.
A autora utilizou como sujeitos de pesquisa trs crianas de uma favela que, no
momento, cursavam a segunda srie do primeiro grau. Para investigar a construo da leitura
por essas crianas que tinham orientao de letramento oposta da escola, a pesquisadora
realizou encontros semanais durante nove meses, fora do ambiente escolar. Antes de comear
o trabalho com textos e interaes com as crianas, fez um estudo prvio do letramento e dos
sistemas axiolgicos das crianas e da comunidade. A atividade de leitura buscou respeitar a
trajetria de aprendizagem indicada pelas crianas e no segmentada em habilidades como
comum na prtica escolar.
Penso que no caso dos sujeitos focalizados em minha pesquisa esta viso
didtica da linguagem, reificada, distanciada da vida e da realidade, imposta ao longo dos anos
pela escola, levou o aluno a formar um conceito de texto como objeto portador de verdade
absoluta, dificultando que este perceba a intencional idade do texto e de assumir urna postura
critica.
No prximo Captulo, apresento a anlise dos dados obtidos atravs das
entrevistas objetivando conhecer a realidade das crianas dos grupos A e B sobre leitura e
escrita.
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CAPTUL03
ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS DAS ENTREVISTAS
3.0- Introduo
... s se pode compreender o que se pode
transformar; uma compreenso que se constri
pela prpria ao de transformao e pela anlise
dos processos e resultado dessa transformao.
(Jean Foucambert)
Este terceiro Captulo encontra-se organizado em duas sees, em que analiso
os dados obtidos atravs de entrevistas, constitudos de depoimentos que selecionei por
responder perguntas que se destinam a conhecer a realidade das crianas dos grupos A e B
sobre leitura e, em menor escala, a escrita.
Na primeira seo (item 3.1 ), descrevo o perfil dos sujeitos selecionados; so
informaes que permitem uma caracterizao dos grupos observados. Na segunda seo
(3.2), desenvolvo a anlise dos dados referentes aos depoimentos dos sujeitos selecionados, com objetivo de conhecer e entender a realidade dessas crianas sobre leitura e escrita , quer
seja no ambiente escolar ou domstico.
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3.1 -Os quatro casos estudados
Apresento, a seguir, o perfil dos quatro sujeitos selecionados elaborado a partir
dos dados coletados nas entrevistas.
Os sujeitos por mim focalizados foram, pois, os seguintes:
AS- Tem 12 anos, estuda pela primeira vez em escola particular. A opo pelo
ensino privado deveu-se ao fato de procurar, segundo ele, ensino de qualidade, este no
ofertado pela escola pblica; de famlia com escolarizao mdia (2 grau completo) e padro
scio-econmico mdio-baixon Faz pequenos servios para ajudar no oramento familiar, por
exemplo, molhar plantas em jardins, retirar gravetos de madeireiras utilizando carro-de-mo,
varrer e lavar caladas.
B5- Tem 11 anos, sempre estudou em escola pblica, entretanto, informou que
cursar as sries seguintes em escola particular. De famlia com escolarizao mdia a
superior (pai universitrio e me 2 grau completo) e padro scio-econmico mdio.
A8 - Tem 11 anos, sempre estudou em escola particular; de famlia com
escolarizao superior (3 grau com especializao) e padro scio-econmico alto.
B8- Tem 12 anos, sempre estudou em escola pblica; de famlia de pouca
11 Os nveis scio-econmicos foram definidos a partir das informaes constantes nos formulrio de cada aluno entrevistado, onde os dados profisso do pai, profisso da me, endereo, forneceram-me condies de estabelecer, grosso modo, os nveis scio-econmicos, que chamei alto, mdio-alto, mdio, mdio-baixo e baixo. Reconheo que uma simplificao a classificao estabelecid"' pois a diviso em classes muito complexa. Mas para fins deste estudo, julgo que as classificaes usadas so suficientes.
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escolarizao (4 srie do 1 grau) e padro scio-econmico baixo (mdia de dois e meio
salrios mnimos12 por ms). Trabalha em casa de famlia como bab, recebendo como
pagamento roupas e material escolar.
3.2 - Entrevistas
As perguntas utilizadas nas entrevistas enfocam diversos aspectos referentes
leitura e escrita, tais como: se essas crianas gostam ou no de ler e por qu; a utilidade
atribuda leitura; suas preferncias e rejeies diante textos a serem lidos; o que gostariam de
ler na escola; se escrevem ou no, quando e como o fazem, sobre que escrevem; entre outros,
aspectos que visam entender e conhecer a realidade dessas crianas sobre leitura e escrita.
Na primeira questo, referente ao aspecto gosto pela leitura, os alunos do
grupo A afirmaram gostar de ler. Lem na escola ou em casa, apreciando ou cumprindo
obrigaes. As crianas do grupo B, no gostam de ler e os motivos que apresentam para
justificar tal posio so os mais variados. Esse aspecto poder ser observado pelas prprias
respostas obtidas que sero transcritas mais adiante, ainda neste Captulo.
Um dado que considerei importante foi o carter utilidade atribuda leitura. A
grande preocupao mostrada pelos sujeitos do grupo A com certas aquisies que, no