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 X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                            p.1         História em quadrinhos: proposta de construção de infância     Resumo Obras da literatura infantil do Programa Nacional Biblioteca da Escola ‐ PNBE estão presentes em bibliotecas de escolas públicas brasileiras, mas são restritos os estudos sobre elas visando a contribuir para o letramento literário. Nesse sentido, esta comunicação  reflete sobre articulações entre educação, cultura, linguagem e práticas leitoras, analisando Grande Junim, de Ziraldo, uma história em quadrinhos pertencente ao acervo do Programa. Pretendese contribuir para discutir a noção de criança que subjaz ao título e ainda, pelo sincretismo de linguagens, apontar procedimentos empregados na construção do leitor presente na estrutura textual apresentada ao leitor real. O caráter descritivoanalítico predomina, contemplando aspectos visuais e verbais presentes em uma das histórias do título. A análise fundamentase, entre outros, em estudos de Eisner (2001), Ramos e Panozzo (2011, 2012a, 2012b), Costa (2012).  Palavraschave: Leitura, infância, história em quadrinhos, PNBE, letramento   Flavia Brocchetto Ramos Universidade de Caxias do Sul [email protected]   Eliana Cristina Buffon Universidade de Caxias do Sul [email protected]            

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X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.1 

 

 

 

 

    História em quadrinhos: proposta de construção de infância    

 

Resumo Obras da literatura infantil do Programa Nacional Biblioteca da Escola ‐ PNBE estão presentes em bibliotecas de escolas públicas brasileiras, mas são restritos os estudos sobre elas visando  a  contribuir  para  o  letramento  literário.  Nesse sentido, esta comunicação  reflete sobre articulações entre educação, cultura, linguagem e práticas leitoras, analisando Grande  Junim,  de  Ziraldo,  uma  história  em  quadrinhos pertencente ao acervo do Programa. Pretende‐se contribuir para discutir a noção de criança que subjaz ao título e ainda, pelo  sincretismo  de  linguagens,  apontar  procedimentos empregados na construção do  leitor presente na estrutura textual  apresentada  ao  leitor  real.  O  caráter  descritivo‐analítico  predomina,  contemplando  aspectos  visuais  e verbais presentes em uma das histórias do título. A análise fundamenta‐se, entre outros, em estudos de Eisner (2001), Ramos e Panozzo (2011, 2012a, 2012b), Costa (2012).  Palavras‐chave: Leitura, infância, história em quadrinhos, PNBE, letramento  

 Flavia Brocchetto Ramos 

Universidade de Caxias do Sul [email protected] 

  

Eliana Cristina Buffon Universidade de Caxias do Sul [email protected] 

    

 

 

 

 

 

 

 

 História em quadrinhos: proposta de construção de infância  Flavia Brocchetto Ramos ‐ Eliana Cristina Buffon 

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Na  atualidade,  a  formação  de  leitores  competentes  exige  a  interação  com 

diferentes  códigos  e  deveria  iniciar  na  infância.  As  crianças  convivem  com  diversos 

objetos culturais constituídos por mais de uma  linguagem, como a verbal e a visual, por 

exemplo, em livros de literatura infantil, na propaganda, no desenho animado, no jornal, 

na  revista  infantil,  na  internet,  entre  outros  exemplos. Ou  seja,  o  estudante  dos  anos 

iniciais está em contato com uma série de materiais de leitura formados por mais de uma 

linguagem  e,  para  entendê‐los,  precisa  interagir  com  todos  os  códigos  presentes  no 

produto em questão.   No  que  tange  à  leitura  da  literatura  infantil,  há  outras 

demandas pontuais que  implicam desafios para a construção de sentido de cada  texto, 

como: a densidade da linguagem verbal; a cultura representada nas obras, muitas vezes, 

diversa  daquela  do  leitor;  a  integração  entre  as  linguagens  verbal  e  visual;  o  ludismo 

presente  nas  duas  linguagens  e  também  no modo  de  abordar  determinados  temas;  a 

diversidade de forma (ou subgêneros) em que são veiculadas as manifestações literárias, 

sugerindo pactos distintos entre obra e leitor.  

Frente ao exposto, o projeto de pesquisa “Desafios e acolhimentos da  literatura 

infantil:  a  mediação  de  leitura  literária”  elege  como  objeto  de  estudo  obras  que  já 

passaram pela  seleção do Programa Nacional Biblioteca da Escola1  ‐ PNBE,  respeitando 

critérios  postos  no  Edital,  e  que  estão  alocadas  em  bibliotecas  de  escolas  públicas.  A 

pesquisa é desdobramento de estudos2  já realizados em  investigações anteriores. Entre 

as  várias  questões  abordadas  neste  projeto,  cabe  a  este  artigo  analisar  a  composição 

discursiva de uma história em quadrinhos e discutir concepções de infância presentes no 

enredo. O texto eleito, Grande Junim, de Ziraldo, pertence ao acervo dos anos iniciais do 

Ensino Fundamental do PNBE 2010.  

Para  realizar  o  estudo,  discutimos  inicialmente  a  construção  do  sentimento  de 

infância  na  sociedade,  aspectos  composicionais  da  história  em  quadrinhos  e,  por  fim, 

                                                            1O Programa Nacional Biblioteca da Escola ‐ PNBE foi criado em 1997 e desde então vem selecionando e 

distribuindo obras, predominantemente, literárias aos diversos níveis de ensino das escolas públicas brasileiras. Esses títulos são destinados a compor um acervo alocado na biblioteca escolar. O Programa almeja incentivar a leitura e democratizar o acesso aos livros. Desde 2006, nos anos pares, envia às bibliotecas escolares obras para estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. 

2 Reflexões acerca da natureza da literatura infantil contemporânea podem ser consultados, entre outros estudos, em RAMOS; PANOZZO (2011), RAMOS; PANOZZO (2012a e 2012b) 

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analisamos  a  obra  escolhida,  a  fim  de  discutir  o  processo  de  construção  de  sentido  e 

ainda a visão de infãncia que subjaz à narrativa. 

 

Infância – conceito produzido culturalmente 

A  infância é um conceito produzido culturalmente, e os modos de  representá‐la 

vão  se alterando à medida que o entendimento acerca dessa  fase da vida  também vai 

mudando. Conforme Philippe Ariès (1981), apenas durante a Idade Média, as fases da vida 

passam  a  ocupar  destaque  nos  tratados  pseudocientíficos.  Naquela  época,  as  etapas 

eram  denominadas:  "infância  e  puerilidade,  juventude  e  adolescência,  velhice  e 

senilidade" (p. 33). Aries lembra que, na Idade Média, as fases da vida são classificas em: 

infância até os 7 anos; pueritia até os 14 anos; adolescência, para Constantino, até 21, para 

Isidoro,  até  28, podendo  estender‐se  até os  30 ou  33  anos;  juventude  até os 45  anos, 

conforme Isidoro, ou até 50, segundo os outros; senectude, de acordo com Isidoro, está 

no meio caminho entre a  juventude e a velhice;  já a velhice, para alguns, dura até os 70 

anos e, para outros, até a morte (1981, p. 36). A divisão da vida não corresponde a etapas 

biológicas, mas  a  um  "sentimento  popular  e  comum"  que  a  sociedade  possui  sobre  a 

mesma,  e  naquele  contexto,  como  se  pode  constatar,  a  infância  designa  um  longo 

período  da  existência  humana,  ligado  à  noção  de  dependência  e  não  a  fenômenos 

biológicos: 

 (...)  a  longa  duração  da  infância,  tal  como  aparecia  na  língua  comum, provinha  da  indiferença  que  se  sentia  então  pelos  fenômenos propriamente biológicos: ninguém teria a  idéia (sic) de  limitar a  infância pela  puberdade.  A  idéia  (sic)  de  infância  estava  ligada  à  idéia  (sic)  de dependência: as palavras 'fils', 'valets' e 'garçons' eram também palavras do vocabulário das relações feudais ou senhoriais de dependência. Só se saía da infância ao se sair da dependência, ou, ao menos, dos graus mais baixos da dependência (ARIÈS, 1981, p. 42).  

Infância é, pois, um conceito elaborado pela sociedade a partir de peculiaridades 

dessa fase da vida. Se o conceito é produzido, certamente vai se modificando de acordo 

com  o  entendimento  das  pessoas.  Nas  últimas  décadas,  por  exemplo,  ocorre  uma 

alteração  profunda  no  entendimento  acerca  dessa  fase  da  vida  em  virtude  da 

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globalização. Stearns  (2006) argumenta que a  televisão e a  Internet  foram  fatores que 

impactaram diretamente nas crianças e na juventude. Além disso, toda a economia passa 

a ser globalizada. Vivemos uma era de contatos e interações intensas entre as sociedades 

de  todo  o mundo  (p.  183). O  autor  alerta  que  o  consumismo  global  foi  a  faceta mais 

importante da globalização, afetando valores e comportamentos das crianças (STEARNS, 

2006, p. 192‐195). 

A globalização, por volta dos anos 2000, agrega vários fatores de rápida mudança 

na  infância e a aldeia global abraça tipos diferentes de  infância (STEARNS, 2006, p. 198), 

sendo  possível,  na  atualidade,  encontrar  crianças  em  diversas  regiões  do  mundo 

interagindo  com  brinquedos  similares. Meninas  brincam  com  bonecas  barbie  no  Peru, 

Brasil,  Estados  Unidos,  China,  ou  seja,  as  peculiaridades  regionais  e  culturais  não 

impedem  que  as  crianças  acessem  aos  modelos  globais  que  lhe  são  destinados, 

independentemente de onde vivam.  

 

História em quadrinhos – produto cultural para criança 

Desde  o  surgimento  da  noção  de  criança,  há  um  investimento  na  produção  de 

livros  destinados  a  esse  público.  Primeiramente,  os  livros  para  os  infantes  tinham  a 

intenção  de  educá‐los,  estando  mais  a  serviço  das  intenções  do  adulto  do  que  dos 

interesses do destinatário. 

Entre os  impressos produzidos para a criança, uma modalidade narrativa tende a 

se  destacar  pela  preferência  dos pequenos.  Trata‐se  da  história  em  quadrinhos  (HQs), 

que,  como  gênero  textual3,  caracteriza‐se  em  especial  por:  (a)  “interação  dinâmica, 

criativa  e harmoniosa entre história  (v.), palavras  e  imagens/desenhos/ilustrações”;  (b) 

                                                            3Entende‐se que gêneros são “eventos textuais altamente maleáveis e plásticos. Surgem emparelhados a 

necessidades e atividades sócio‐culturais (sic), bem como na relação com inovações tecnológicas (...).” (MARCUSCHI, 2003, p. 19). Nesse sentido, a publicidade infantil é tomada neste texto como um gênero discursivo. A atualização de Marcuschi fundamenta‐se em Bakhtin (2003), para quem os gêneros do discurso resultam em formas‐padrão “relativamente estáveis” de um enunciado, determinadas sócio‐historicamente. O autor alerta que interagimos por meio de gêneros do discurso. Os sujeitos têm um infindável repertório de gêneros os quais são cosntruidos, conforme Bakhtin (2003, p. 282), “quase da mesma forma com que nos é nos é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até começarmos o estudo da gramática”. 

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forte  presença  da  modalidade  narrativa  na  sua  composição;  e,  ainda,  (c)  suporte 

manuseável, portátil e, em geral, impresso em papel (COSTA, 2012, p. 144). 

No  Brasil,  a  revista  “O  Tico‐tico”,  publicada  pela  editora  “O Malho”,  em  1905, 

marca  o  nascimento  do  gênero  por  ser  a  primeira  revista  dedicada  inteiramente  ao 

público  mirim  e  que  se  manteve  até  o  ano  de  1962  (DE  MOYA,  1993).  O  periódico 

contribuiu muito para a disseminação do hábito de leitura e também para o interesse na 

produção  da  literatura  infantil  nacional.  As  HQs  brasileiras  são  incrementadas  pelas 

produções de Ziraldo (1960), com a Turma do Pererê, e Maurício de Sousa, que publica, 

na  década  de  70,  a  Revista  da Mônica,  seguida  de  novas  personagens  que,  até  hoje, 

integram a sua Turma. O mercado atual dos quadrinhos é diversificado e, dentre tantos, 

apontam‐se ainda as personagens da Disney, que se mantêm atuais. 

Entendemos, a partir de Will Eisner (2001, p. 38), que HQs formam‐se por meio de 

uma arte sequencial. A função fundamental da arte dos quadrinhos (tiras ou revistas) é 

comunicar ideias e/ou histórias por meio de palavras e figuras, envolvendo movimento de 

certas  imagens  (tais  como  pessoas  e  coisas)  no  espaço.  Para  lidar  com  a  captura  ou 

encapsulamento  desses  eventos  no  fluxo  da  narrativa,  eles  são  decompostos  em 

segmentos  sequenciados,  chamados  quadrinhos,  os  quais,  no  ato  da  leitura,  são 

articulados pela ação do leitor, para que o texto adquira sentido.  

Conforme Vergueiro e Ramos  (2009), na segunda metade do século passado, as 

HQs foram consideradas apenas como fonte de entretenimento e lazer para os alunos, o 

que os distanciava de leituras consideradas adequadas para a formação do leitor. A partir 

da  criação  da  Lei  de Diretrizes  e  Bases  da  Educação Nacional  (LDB),  de  1996,  as HQs 

começaram a  ser valorizadas no  contexto escolar. A oficialização do uso desse gênero 

aconteceu  de  forma  mais  sistemática  apenas  com  a  concepção  dos  Parâmetros 

Curriculares Nacionais4 (PCNs). Os PCNs orientam que o docente deve trabalhar as várias 

linguagens  existentes  no  universo  cultural,  não  se  restringindo  a  um  único  tipo  de 

linguagem, no caso, a verbal. Por meio da utilização das HQs em sala de aula, o docente 

                                                            4Os PCNs preconizam o ensino de língua materna a partir de gêneros textuais, uma vez que  eles estão 

presentes na interação sociocomunicativa. Os gêneros noteariam o ensino da língua, especialmente o trabalho com análise, interpretação e produção de textos e, para tanto, seriam contemplados também aqueles gêneros presentes no cortidiano infantil, no caso, a história em quadrinhos.  

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proporcionaria aos alunos o contato com a linguagem verbal e visual imbricadas e, ainda, 

o  acesso  a  diferentes modalidades  narrativas.  Conforme  Ramos  e  Panozzo  (2012b,  p. 

360), os quadrinhos: 

 [...] se mostram como um recurso para a compreensão do texto que se apresenta de modo híbrido na  articulação  entre palavras  e  ilustrações, neste caso, com ênfase nas imagens e nos seus elementos gráficos, pelo seu importante papel no gênero. Trata‐se de uma parceria que promove modos  de  apropriação  de  natureza  diferenciada,  ativando  dimensões cognitivas,  linguísticas,  visuais  e  socioculturais,  tanto  de  leitores iniciantes  quanto  daqueles  proficientes.  Ao  apostar  no  acesso  a diferentes  modalidades  narrativas,  os  dinamizadores  da  leitura concorrem para promover uma inserção mais pertinente ao processo de abordagem  da  multiplicidade  de  objetos  de  leitura  que  compõe  as práticas  comunicativas  na  cultura  contemporânea,  sem  perder  seus elementos fundantes, mas valorizando‐os em novos contextos.  

As HQs  têm  a mesma  importância de outras obras  classificadas  como  literatura 

infantil. Além de elas facilitarem a aproximação dos alunos ao mundo da leitura, devido às 

ilustrações e ao formato narrativo quadro a quadro, ampliam a capacidade de observação 

e de expressão criativa das crianças, propiciando a vivência da fantasia e transformando o 

ato de ler em atividade prazerosa. Ramos e Panozzo (2012b) argumentam que história em 

quadrinhos  reúne  elementos  artísticos  e  técnicos  para  compor  uma  forma  de 

comunicação diferenciada, enquanto se constitui como produto da indústria cultural, cuja 

linguagem específica se manifesta pela narrativa quadrinizada, pelo uso de balões de fala 

ou  de  pensamento,  legendas  (no  caso  do  narrador),  onomatopeias,  enquadramentos, 

tudo em um conjunto articulado. 

Como  textos  sincréticos,  a  leitura do gênero exige do  leitor  a  interação  com  as 

duas linguagens que o constituem para que ocorra a significação da proposta textual. Em 

geral, são narrativas consideradas fáceis de serem lidas e quase não há orientação para a 

leitura, pois  se pressupõe que  a  crianças  leia de modo  autônomo. Além disso,  as HQs 

estão muito  associadas  à  infância,  em  virtude  da  forte  presença  da  visualidade  e  do 

dinamismo, aspectos que tendem a mobilizar os pequenos. 

A visualidade é um elemento  fundamental na construção do  livro como produto 

cultural dedicado à  infância (RAMOS; PANOZZO, 2011). No caso das HQs, a visualidade é 

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fator constitutivo. Assim, dos quadrinhos presentes no acervo de anos  iniciais do Ensino 

Fundamental/PNBE  2010,  selecionamos  para  discutir  neste  artigo  Grande  Junim,  título 

publicado por Ziraldo, já que o autor é precursor dessa modalidade narrativa no País. 

 

A criança em Grande Junim 

  Quem é a criança representada em Grande Junim? O conceito de infância vai 

se  alterando  com  o  passar  do  tempo  e,  consequentemente,  os  produtos  culturais 

destinados a esse período da vida e os modos de representar os infantes. Cabe‐nos, nesse 

sentido, entrar em uma história em quadrinhos produzida no Brasil, buscando estabelecer 

diálogo,  primeiramente,  com  a  criança  brasileira.  O  livro  escolhido  para  análise  narra 

episódios de histórias da Turma do Menino Maluquinho, personagens criados por Ziraldo. 

Essa  turma é constituída pelo Menino Maluquinho, Junim, Bocão, Carolina, Lúcio, entre 

outros,  crianças  com  idades  que  variam  entre  5  e  10  anos.  Junim  ocupa  o  papel  do 

pequeno entre os maiores, sofre por ser o menor e tenta ocultar ações que reiterem essa 

sua condição. 

Ziraldo5, o autor, é um reconhecido escritor brasileiro que, entre outros, valoriza 

temas  da  cultura  popular.  Sua  carreira  começou  na  revista  Era  Uma  Vez...,  com 

colaborações mensais. Em  1954,  começou  a  trabalhar no  Jornal A  Folha de Minas,  com 

uma  página  de  humor.  Em  1957,    publicou  trabalhos  na  revista  A  Cigarra  e, 

posteriormente, em O Cruzeiro. Na década de 60,  tornou‐se autor de HQs e publicou a 

primeira revista brasileira do gênero feita por um só autor, reunindo uma turma chefiada 

pelo Saci‐pererê, figura mais  importante do  imaginário brasileiro. Os personagens dessa 

Turma  eram  um  pequeno  índio  e  vários  animais  que  formam  o  universo  folclórico 

brasileiro, como a onça, o  jabuti, o tatu, o coelho e a coruja. A Turma do Pererê marcou 

época na trajetória das HQs no Brasil.  

O  projeto  gráfico  do  exemplar  selecionado  favorece  ao manuseio  por  parte  do 

público  infantil ao qual se destina (alunos do Ensino Fundamental), devido ao formato e 

dimensões  27,5cm  x  18,5cm. A  capa da HQ  também é  resistente  ao manuseio e utiliza                                                             5Dados obtidos no site http://www.educacional.com.br/ziraldo/biografia/detalhada.asp. Acesso em: 15 marc 

2014. 

 História em quadrinhos: proposta de construção de infância  Flavia Brocchetto Ramos ‐ Eliana Cristina Buffon 

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.8 

 

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cores alegres e fortes em contraste – vermelho de fundo na parte superior da capa e na 

camiseta do protagonista; título grafado em azul celeste na parte superior e o amarelo do 

cabelo do protagonista e na camiseta de Maluquinho – mobilizam o olhar do observador 

para a capa do livro. 

O  exemplar  é  formado  por  15  histórias  intercaladas  por  planos  do  menino 

Maluquinho  para  aumentar  o  tamanho  de  Junim.  As  histórias  narram  situações 

corriqueiras para a idade: “Banguela” (p. 5‐10), “Quatro olho” (p. 12‐17), “A distraída” (p. 

19‐22), “O homem  invisível”  (p. 24‐31), “Fantasmices”  (p. 33‐37), “Batatinha”  (p. 39‐45), 

“Calúnia”  (p. 47‐52), “Vai de biscoitinho?”  (p. 54‐59), “Um beijim pro Junim”  (p. 61‐66), 

“Abaixo a barriga” (p. 68‐72), “Paquera arriscada” (p. 74‐79), “Num piscar de óculos” (p. 

81‐86), “Novela das nove” (p. 88‐95), “Cuidado que quebra!” (p. 97‐102), “Xi... Xiiii...” (p. 

104‐112).  

Os enredos revelam tanto 

conflitos  das  crianças  entre  si 

como  delas  com  o  adulto.  Em 

“Calúnia Junim faz”, Maluquinho 

escreve  num  muro  “Junim  faz 

xixi na  cama”,  fato que provoca 

grande aflição em Junim por ser 

calúnia,  como  é  anunciado  no 

título  da  história.  Em  “A 

distraída”, Junim, a partir da  fala da amiga da mãe diz‐lhe: “E você é a primeira pessoa 

que  eu  conheço  que  tem  olhos mentirosos.”  (p.  19).  Nessa  história,  a  expressão  do 

menino  acerca  do  diálogo  entre dois  adultos  provoca  confusão. No mesmo  exemplar, 

outras  narrativas  discutem  questões  ligadas  à  infância,  como  a  perda  de  dentes,  a 

franqueza infantil, o uso de óculos, entre outras. A história escolhida para a reflexão foi a 

última  ‐  “Junim    em  Xi...Xiiii...”,  que  narra,  em  42  quadrinhos,  o  conflito  em  que  o 

protagonista faz xixi na cama e tenta ocultar o fato. 

  A narrativa “Junim  em Xi...Xiiii...”  tem viés humorístico, devido à proposta 

veiculada. A história começa a  ser contada  já no quadro de abertura, em que consta o 

Fig. 1: Abertura da história. 

 Fonte: Ziraldo (2009, p. 104) 

 História em quadrinhos: proposta de construção de infância  Flavia Brocchetto Ramos ‐ Eliana Cristina Buffon 

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.9 

 

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título (Fig. 1), e segue por 8 quadros mostrando a angústia do protagonista que precisa 

urinar  e  não  encontra  um  espaço  adequado  –  o  banheiro  está  ocupado.  Apenas  no 

quadro 9, o  leitor constata que o conflito ocorria no sonho de Junim. Ao mesmo tempo 

em que o  leitor  solidariza‐se  com o protagonista,  constata  –  se observar  atentamente 

pela cor mais escura no lençol ‐ que o menino fez xixi. No quadro seguinte, o menino sorri 

e diz:  “Que  alívio  ...  Foi  só  um  sonho!”.  Entretanto,  seguindo o quadrinho, o olhar de 

Junim, acompanhado do “Glup...” e novamente da cor mais escura em parte do  lençol, 

confirma que o menino fez xixi na cama. 

  A  história  é  construída,  aparentemente,  a  partir  de  duas  histórias  com 

temporalidades e enredos distintos: o sonho do menino e a sua vida concreta. Entretanto, 

à medida que o enredo avança, percebemos que há uma fusão entre os dois conflitos, já 

que o desejo de fazer xixi, expresso no sonho, era real e efetiva‐se por meio do fato de 

urinar  na  cama.  O  alívio  sentido  pelo  menino,  ao  constatar  que  estava  sonhando, 

acontece também porque ele não sentia mais vontade de urinar, haja vista  já tinha feito 

xixi.  

Discursivamente, há um recurso que tende a mobilizar ainda mais o leitor quando 

constata que  Junim percebe  ter urinado na cama. O quadro que mostra essa cena é o 

último da folha, de modo que o leitor não consegue ver o que vai acontecer. É necessário 

o movimento de virar a folha para descortinar o que acontece na sequência da história. 

A  vergonha  toma  conta  de  Junim,  entretanto  dois  fatos  se  impõem 

imediatamente. Primeiro, a mãe o chama porque Bocão quer lhe falar (por telefone, que 

alívio), o que lhe permite ir secando o colchão com secador de cabelos. A criança é ativa, 

subverte  a  função  de  um  aparelho  e  atribui‐lhe  outra. Na  sequência,  a mãe  o  chama 

novamente, porque Maluquinho quer lhe falar – está na porta do seu quarto. Na pressa, 

esconde  o  secador  embaixo  da  coberta  o  que  provoca  fogo. Maluquinho  controla  o 

incêndio  jogando água. Tudo  foi  resolvido, os pais  trazem outra cama e colchão para o 

filho, que descansa sobre o novo leito numa noite de tempestade. Para surpresa do leitor 

e  do  protagonista,  o  vento  forte  abre  a  janela  e  a  chuva  cai  sobre  a  cama  e  sobre  o 

menino, molhando‐a  novamente. A  história  é  circular,  porque  –  por  outro motivo  –  o 

problema inicial se apresenta novamente: o leito do menino fica molhado.  

 História em quadrinhos: proposta de construção de infância  Flavia Brocchetto Ramos ‐ Eliana Cristina Buffon 

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.10 

 

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A criança aqui é mostrada como um anti‐herói:  Junim é mais baixo do que seus 

amigos, usa óculos,  tem  cabelos amarelos  curtos e  sempre busca  se afirmar,  tentando 

ocultar  as  ações  que  denunciam  o  fato  de  ainda  ser  pequeno.  Os  conflitos  infantis 

constituem a história não delimitada temporalmente, embora a passagem do tempo seja 

marcada  por  elementos  verbais  e  visuais.  Apenas  no  nono  quadro,  observamos  o 

protagonista  deitado,  o  que  nos  leva  a  pensar  que  a  ação  está  ocorrendo  à  noite, 

enquanto  dormia  e  que  pode  ser  um  sonho  do  menino.  Outro  dado  que  mostra  a 

passagem do tempo relaciona‐se à troca de roupa. Junim, no início da trama, usa pijama 

amarelo,  depois,  blusa  vermelha  e  preta  e  calça marrom  e,  por  fim,  pijama  roxo  com 

bolinhas. Há, ainda, dados do clima que são mostrados pela visualidade e  também pela 

palavra.  O  clima,  entretanto,  é  apresentado  apenas  quando  interfere  no  enredo.  O 

deslocamento  espacial  também  contribui  para  compor  a  temporalidade  da  história  e 

algumas  palavras  como  “depois”  e  “à  noite”,  em  tira posta  no  quadro maior  (p.  110), 

orientam o leitor acerca da passagem do tempo. 

A história alocada dentro de quadros vai sendo constituída. Observa‐se que, em 

cada  página,  a  regularidade  é  mantida  quanto  ao  número  de  quadros  –  de  4  a  6, 

propondo uniformidade quanto aos seus tamanhos. Essa simetria é um fator importante 

para  que  o  leitor  iniciante mantenha  seu  fluxo  de  leitura.  Além  disso,  a  cada  final  de 

página  ímpar,  é  apresenta  uma  cena  que  instiga  o  leitor  a  saber  o  que  vai  acontecer: 

descobre que a cama está molhada de xixi (p. 105), usa o secador para enxugar a urina (p. 

107), as chamas  tomam conta da cena e, possivelmente, da cama  (p.  109) e, por  fim, o 

desfecho, quando a água do temporal invade o quarto e a cama do menino. 

A ênfase nas cenas é dada pela expressão  facial dos personagens, de modo que 

eles  são mostrados, predominantemente, da  cintura para  cima. A palavra não  informa 

sobre o estado emocional dos mesmos, são os  traços da  face que sugerem: o olhar de 

Junim, por exemplo, revela seu pânico de ser descoberto que fez xixi na cama (p. 105 e 

106).  

 História em quadrinhos: proposta de construção de infância  Flavia Brocchetto Ramos ‐ Eliana Cristina Buffon 

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.11 

 

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O  personagem  constitui‐se 

e  age,  no  geral,  pela  visualidade 

(Fig.  2).  A  expressão  facial  e 

corporal  vai  configurando  o 

enredo  e  mostrando  como  o 

protagonista se sente no decorrer 

do  conflito.  A  figura  de  Junim  é 

detalhada,  e  as  características 

infantis  postas  no  personagem 

podem  agradar  aos  leitores.  O 

personagem  principal,  Junim,  é  um  menino  simpático,  usa  óculos  e  veste  roupas 

adequadas à  idade. A  imagem do personagem referenda, pela sua expressão facial, que 

está  em  apuros,  assim  como  a  forma  como  cruza os braços  em  frente  às pernas, que 

estão  com  os  joelhos  unidos,  demonstra  que  o  mesmo  está  “apurado”  para  ir  ao 

banheiro. Também predomina na história a figura inteira, de modo que o leitor mirim tem 

mais elementos para configurar o conflito. Tomadas em clouse‐up são usadas apenas para 

aqueles momentos em que o detalhe, fundamental para o conflito, é privilegiado.   

Os  sinais  visuais 

utilizados, por traços ao redor do 

corpo  do  menino  (Fig.  3), 

permitem‐nos  interpretar  que 

está  tremendo ou  se  sacudindo, 

em  situação  de  desespero  ou 

algo  que  remeta  à  aflição.  Os 

diversos  balões  característicos 

das  histórias  em  quadrinhos, 

com os dizeres:  “tá ocupado”,  “tem  gente”,  “aguenta”,  “espera  aí...”,  caracterizam o 

estado emocional do personagem, que está aguardando para utilizar o banheiro, e que 

todos estão ocupados, devido à imagem das diversas portas fechadas. A narrativa mostra 

que  o  personagem  está  tentando  utilizar  o  banheiro,  e  o modo  como  o  cenário  e  o 

Fig. 2 – Posturas de Junim. 

        

Fonte: Ziraldo (2009, p. 104 e 105). 

Fig. 3 – Primeira aparição de Junim na história. 

 Fonte: Zitaldo (2009, p. 104) 

 História em quadrinhos: proposta de construção de infância  Flavia Brocchetto Ramos ‐ Eliana Cristina Buffon 

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.12 

 

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personagem compõem o quadro reiteram a noção de encurralamento vivido por Junim. 

Esses dados são depreendidos sem que o protagonista enuncie nenhuma palavra. 

As imagens surgem com traços simples, uniformes e completos, enfatizando mais 

o personagem e a situação narrada, sem  tirar o  foco do  leitor para outras  informações 

visuais que  formam o  contexto da  cena. A própria  sequência dos quadros,  com pouco 

conteúdo verbal,  instiga a curiosidade do  leitor, mobilizando‐o a continuar a  leitura para 

conhecer o desfecho. Nesse ponto, entendemos que a simplicidade de  traços e  formas 

postas nas cenas estão de acordo com o repertório visual e também narrativo do  leitor 

mirim. 

No âmbito da  linguagem, o emprego de onomatopeias é um  recurso que auxilia 

tanto na expressão dos personagens como na recepção da narrativa pelos leitores mirins: 

“vruuu...” imita o ruído do secador, “zap”, o movimento rápido do protagonista, “glup”, 

ao  engolir  em  seco  o  pânico  por  ter  descoberto  que  urinou  na  cama.  O  sentido  da 

onomatopeia tende a chegar mais rápido no  leitor, porque o som se aproxima muito do 

produzido pela situação a ser enunciada. Entretanto, no caso dessa HQ, há aspectos do 

universo visual que potencializam a significação: “pop” no balão que sinaliza pensamento 

e “Glup”, dito por Junim, estão emoldurados por complemento visual, contribuindo para 

a formação do sentido. No caso do “Ploc”, há  imagens de pequenas nuvens ou pipocas 

aliadas a uma mancha em tom mais escuro, que alertam para o corrido, mas é “glup”, o 

fundo vermelho da cena e duas gostas  (de  suor) que pulam do  rosto do protagonista, 

confirmam o ocorrido. 

As  linhas  também  são  elemento  fundamental  na  constituição  do  sentido.  Na 

página de abertura da história, no segundo quadro, há predominância de linhas verticais, 

que  parecem  que  vão  aprisionando,  restringindo  o  espaço  usado  pelo  protagonista, 

pressionado  pelo  desejo  de  urinar. O  quadro  seguinte  revela  o  desespero  e  as  linhas 

verticais desaparecem e têm‐se traços retos, diagonais, que simbolizam uma explosão.  

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X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.13 

 

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A  leitura  torna‐se  mais 

dinâmica  pela  alternância  de 

planos e ângulos, fazendo com 

que  um  plano  geral  preceda 

um  médio  ou,  ainda,  que  um 

detalhe  introduza um clima de 

suspense  na  narrativa  (RAMA, 

2005,  p.  45).  Na  história 

focalizada,  a  mobilização  do 

leitor  ocorre  também  pela  alternância  de  planos,  como  se  percebe  no  primeiro  e  no 

segundo quadro da história. Há encadeamento, mas há rompimento nesses quadros de 

abertura. O encadeamento ocorre pela mão que está presente nas duas tomadas (Fig. 4); 

a alternância, pela mudança da cor de fundo e ainda pelo fato de o som espalhar‐se no 

primeiro quadro por meio de ondas  semicirculares e, no  segundo, por pequenas  linhas 

seminclinadas. 

No caso desta narrativa, retomando Rama (2005), os três primeiros quadros criam 

a progressão, partindo do detalhe  (no  caso a mão) até  chegar ao “menino apertado”, 

cujo quadro ocupa o mesmo espaço dos dois primeiros, que fizeram a ambientação. 

Eisner (2001) alerta que o quadro atua como um contêiner que contém a visão do 

leitor (p. 43). Acrescentamos que a perspectiva com que a cena é mostrada torna‐se um 

aspecto que interfere na relação que 

a  imagem  propõe  ao  leitor.  A 

aproximação  do  rosto  do 

protagonista  no  primeiro  e  o 

distanciamento  no  segundo  quadro 

da  figura  6  propõem  a  relação  de 

tensão posta pela cena de modo que 

o  leitor  é  convidado  a  integrar  o 

Fig. 4: Ondas sonoras 

      Fonte: Ziraldo (2009, p. 104) 

Fig. 5: Aproximação e distanciamento de Junim. 

 Fonte: Ziraldo (2009, p. 105). 

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X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.14 

 

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problema vivido pelo menino. A perspectiva é um elemento que deve ser conhecido pelo 

leitor, pois ao contribuir para a mobilidade das cenas, cria espaço de atuação do leitor na 

concretização da narrativa.  

O  estilo  dos  balões  é  um  elemento  que  deve  ser  aprendido  pelo  leitor  de 

quadrinhos. No quarto e quinto quadros (Figura 3), outros estilos de balões são utilizados 

para  significar  e  dar  sentido  aos  acontecimentos  da  narrativa. Quando  o  personagem 

grita, é utilizado o “balão‐berro”  (extremidades para  fora; como uma explosão, sugere 

tom de voz alto), quando o personagem está pensando, o formato do balão muda para 

“balão‐pensamento”  (contorno  ondulado  e  apêndice  formado  por  bolhas;  possui  o 

formato  de  uma  nuvem;  indica  pensamento).  Enfim,  vários  são  os  estilos  de  balões 

utilizados nas HQs e denominados de modos distintos, conforme nomeou Cagnin (1975). 

Da mesma forma, a oralidade presente nas falas implica alternância no tamanho e no tipo 

de letras, dependendo da intencionalidade do autor. Quando, na figura 6, Junim grita, as 

letras  utilizadas  são  maiores  do  que  as  utilizadas  nos  demais  balões:  “AAAAI!  NÃO 

AGUENTO MAIS!”  (ZIRALDO, 2009, p.  105). Linhas do balão ultrapassam o  limite posto 

pelo  quadro,  contribuindo  para  dar  intensidade  ao  grito  e,  consequentemente,  ao 

desespero do protagonista. 

O tom humorístico presente na história (Fig. 6) vale‐se do diálogo com o folclore 

ocorrido,  por  exemplo,  quando,  impelido  pelo  desejo  de  urinar,  Junim  grita:  “Cadê  o 

matinho mais próximo?” e outro personagem, não conhecido, juntamente com uma vaca 

de olhos fechados e com restos de capim na boca, responde: “A vaca comeu!!!” (p. 105). 

A significação desse trecho potencializa‐se ao dialogar com a cultura popular. 

Na  história  analisada,  a  narrativa  envolve 

aspectos  visuais  como  verbais  em  perfeita 

sintonia,  facilitando  a  compreensão  do  leitor, 

mesmo  que  este  ainda  não  esteja  plenamente 

alfabetizado. A comunhão de  linguagens faz com 

que  a  ilustração  desempenhe  vários  papéis. 

Muitas  vezes  ela  antecipa  ou  confirma 

Fig. 6: O pesadelo de Junim... (p. 105) 

 Fonte: Ziraldo (2009, p. 105) 

 História em quadrinhos: proposta de construção de infância  Flavia Brocchetto Ramos ‐ Eliana Cristina Buffon 

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.15 

 

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significados propostos pela palavra, mas também pode apresentar‐se como um desafio a 

ser vencido pelo leitor, a fim de relacioná‐la à palavra (RAMOS, 2011, p. 66).   

 

Conclusão 

Conforme proposto no  início da análise da HQ, o objetivo do estudo é discutir a 

criança  representada e o modo como a narrativa se constitui para enunciar. Na história 

analisada, a criança é personagem e interlocutora. Como personagem, trata‐se de um ser 

que vive conflitos próprios da sua  idade – a vergonha de a urina ter escapado na cama. 

Frente ao problema posto, o menino é ativo e se debate na busca de alternativas para 

resolver o problema, nesse caso, ocultando‐o com elementos de que dispõe. Como leitor, 

é um sujeito com  repertório ainda  restrito para a  leitura das  linguagens verbal e visual, 

posto que a narrativa mantém regularidade quanto ao tamanho dos quadros, à postura 

do protagonista, à simplicidade do conflito. A criança configurada na narrativa está em 

consonância com o sentimento de infância da sociedade contemporânea. 

Histórias  em  quadrinhos  como  Grande  Junim,  ao  mesmo  tempo  em  que  são 

produzidas para as crianças  também vão produzindo modos de  ser nessa  fase da vida. 

Essa modalidade narrativa proporciona ao  leitor mirim um objeto de  leitura que oferece 

diversas  formas  de  compreensão  da  narrativa,  pois,  dentro  de  cada  quadro,  vários 

elementos se apresentam e são articulados pelo  leitor, a fim de construir sentido para a 

narrativa.  A  diversidade  de  aspectos  visuais  tanto  que  auxilia  na  compreensão  da 

narrativa  como  desafia  o  leitor  a  perceber  as  sutilezas  e  agregá‐las  na  proposta  de 

sentido da narrativa. 

Alertamos ainda que pelas  sutilezas presentes nas Hq, embora o gênero  circule 

livremente entre as crianças, há sutilezas que poderiam ser aprendidas na escola, visando 

ao letramento dos infantes. 

 

 

 

 História em quadrinhos: proposta de construção de infância  Flavia Brocchetto Ramos ‐ Eliana Cristina Buffon 

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.16 

 

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nped Sul

Referências 

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 ______. Modalidades narrativas: cantos lusitanos em quadrinhos. Educação, Porto Alegre, v. 35, n. 12, p. p. 352‐361, set./dez. 2012b. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/11766/8392 Acesso em: 10 fev. 2014.  RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.  STEARNS, Peter N. A infância. São Paulo: Contexto, 2006.  

 História em quadrinhos: proposta de construção de infância  Flavia Brocchetto Ramos ‐ Eliana Cristina Buffon 

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.17 

 

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VERGUEIRO, Waldomiro. RAMOS, Paulo. Quadrinhos na educação. São Paulo: Contexto, 2009.  ZIRALDO, Alves Pinto. Grande Junim – Histórias do maior baixinho da Turma do Menino Maluquinho. São Paulo: Globo, 2009.