a construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto

90
Próximo lançamento A Gramática do Decameron Tzvetan Todorov ! eEtes e ates e tes arquitetura U ma edificaç ã o n lOtem ape nlls um sll:nifi cl ldo formlll , es tético, e outro funcion al : nela se ntidos 1i1:'l< los tanto ao po<'ticoquanto ao soc io lógi- co, mo vi dos por val: 0s Impul sos inconscien les ou por um ní tido projeto ideológi co. No entanto , hOIl p"r'" dll arqu itelurll c ontemp0rl,nea tem deix ado escapar esses nex os ou , pior all ulll, manlpulll-os d e man eira in- consciente, cr iando uni n.·luírio ond." u unluilclllrn ni,o fulu nu.is. apenas balbu c ia coisas qu e niio rum Ch"I:"111 110 irls,'nsato, ,,' sulllmdo dl lí o pro- gressivo esmaganlcnto d( '" st·u d••~U n ul{ . rio ('"!'oM"lIt 'tul, () hUI11CIl •. É da cr í ti ca des ta soh", ;i 1O.1 •• · Â (' o' '' lrll , , , o do Se nlido na Âr' l "il el"ra parte para a sua procuru bJtsi4 :ll: n «I r ' 1111111 Ih l~lInJ .:.:nl nu unlllitt"'uru cu-  ja ade quada operuciOIlUlilJ"'UU pw u tnu •... ronnul'" o utuul unll.itcto-téc. ni c o no pro pos í tor de (, sl"',os j{' vlslulllhrndos 1 '1 11 olllms I•. -ríodos mllis perdidos na esteira du R("volu\,uo hl4 llJ ~lrln l t O no d( · t · III · ~()d•. U I I IUi l'0, .. a em que o produto arquih·tuntl ~III -J.:t · ,ohl( ".ucl o 4,'4)1I1U  \'ulor dt o (runl ,. nflo de uso. j. teixeira coelho netto A CONSTRUCÃO DO SENTIDO NA ARQUITETURA

Upload: deborah-t

Post on 17-Jul-2015

1.248 views

Category:

Documents


15 download

TRANSCRIPT

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 1/90

 

Próximo lançamentoA Gramática do DecameronTzvetan Todorov !

eEtese atese tes arquitetura

Uma edificação nf lOtem apenlls um sll:nificlldo formlll, estético, e outrofuncional: há nela sentidos 1i1:'l<lostanto ao po<'ticoquanto ao sociológi-co, movidos por val:0s Impulsos inconscienles ou por um ní tido projetoideológico. No entanto, hOIl p"r'" dll arquitelurll contemp0rl,nea temdeixado escapar esses nexos ou, pior allulll, manlpulll-os de maneira in-consciente, criando uni n.·luírio ond." u unluilclllrn ni,o fulu nu.is. apenas

balbucia coisas que niio rum Ch"I:"111110 irls,'nsato, ,,'sulllmdo dllí o pro-gressivo esmaganlcnto d( '" st·u d••~Unul{.rio('"!'oM"lIt'tul, () hUI11CIl •.

É da crí tica desta soh",;i1O.1•••· Â ('o'''lrll,,,o do Senlido na Âr'l"ilel"raparte para a sua procuru bJtsi4:ll: n «Ir ' 1111111Ihl~lInJ.:.:nl nu unlllitt"'uru cu-

  ja adequada operuciOIlUlilJ"'UU pw u tnu •...ronnul'" o utuul unll.itcto-téc.

nico no proposí tor de (,sl"',os j{' vlslulllhrndos 1'111olllms I•.-ríodos mllisperdidos na esteira du R("volu \ ,uo hl4llJ~lrlnl t O no d(·t·III·~()d•. UIIIUil'0, ..a

em que o produto arquih·tuntl ~III-J.:t· ,ohl(".uclo 4,'4)1I1U \ 'ulordt o

(runl ,. nflode uso.

j. teixeira coelho netto

A CONSTRUCÃODO SENTIDO

NA ARQUITETURA

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 2/90

 

Coleção Debates

Dirigida por J.Guinsburg

 j. teixeira coelho nettoA CONSTRUCÃO

DO SENTIDONA ARQUITETURA

Equipe de realização - Revisão: Jost: Bonifáeio Caldas; Produção: Ricardo

W. Neves e Adriana Garcia.

~\\,/~~ ~ EDITORA PERSPECTIVA

~I\\~

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 3/90

 

Por uma Linguagem da Arquitetura .I. O SENTIDO DO ESPAÇO .

1.1. Uma definição de arquitetura .1.2. Semiologia da arquitetura? .1.3. Eixos organizadores do sentido do

espaço . . .1.3.1. 1.° Eixo do espaço arquitetural: Es-

paço Interior X Espaço Exterior ..1.3.2. 2.° Eixo: Espaço Privado X Espa-

ço. Comum .1.3.3. 3.° Eixo: Espaço Construído X Es-

paço Não-Construído .1.3.4. 4.° Eixo: Espaço Artificial X Espa-

ço Natural : .

Direitos reservados 1 1

EDITORA PERSPECfIVA S.A.

Av. Brigadeiro Luís Antônio. 302501401-000 - São Paulo - SP - Brasil

Fone: (011) 885-8388

Fax: (011) 885-6878

1997

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 4/90

1.3.5. 5.° Eixo: Espaço Amplo X EspaçoRestrito 62

1.3.6. 6.° Eixo: Espaço Vertical X Es-paço Horizontal 70

1.3.7. 7.° Eixo: Espaço Geométrico X Es-paço Não-Geométrico 80

1 . O Imaginário e o Ideológico .2 . Três Casos Particulares do Ideológico

na Arquitetura .2. 1 . O mito " forma e função" .2.2. Teoria d e produção do espaço:

uma formulação .

2 . 3 . Semanti zação e dessemanti za-  zação do espaço .

lI. O DISCURSO ESTÉTICO DA ARQUITE-TURA .lI.L Discurso estético? .lI.2. O ritmo .lI.3. Um eixo estético englobante .

IlI. DESCONSTRUÇÁO DO SENTIDO: AN-TIARQUITETURA? .III.L Arquitetura perecível como antiar-

quitetura .Il1.2. Ar quit et ur a não-racional , ar quitetu-

ra irracional , arquit etura r ad ical ..

·103103

129129

. 133142

167

177Os arquitetos não falam mais: apenas balbuciam

coisas sem sentido. Quantas vezes esta advertênciatem sido feita recentemente, com estas ou com palavrassemelhantes, nesta ou naquela língua? Seria inútil ecansativo proceder a uma contagem: o que parece tersido também totalmente inútil foi essa mesma ad-moestação, pois o panorama à nossa volta continuauma algaravia deprimente e insensata.

Se os arquitetos não falam mais , supõe-se que

alguma vez devam ter-se exprimido de modo não ape-nas coerente como adequado e atraente. Quando foiisso? Por certo, mesmo na atualidade alguns arquite-tos continuam falando conscientemente, continuam apropor um discurso arquitetônico - mas não se cOn-

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 5/90

segue citar mais que um Lloyd Wright aqui, um ou-tro mais além (e isto, cOm reservas). Não parece res-tar dúvidas, no entanto, que os momentos em que aarquitetura constituiu, globalmente considerada, umdiscurso significativo pertencem ao passado. O arqui-teto grego (o da Antigüidade, bem entendido, pois aarquitetura comum das cidades gregas atuais não pas-sa, lamentavelmente, do nível tristemente baixo de um

estilo internacional bastardo de nítidas influências ame-ricanas) sabia o que falava, conhecia aquilo com quef ~lava, e o mesmo se pode dizer do arquiteto do gó-tIco, da renascença - mas não, obviamente. dosarquitetos de todos os neos, o neogótico, o neodás-sico, etc. Que se pretende dizer cOm isso? Que esses homens tinham formulado, ou formulavam, umestoque preciso de conceitos e de signos do qual reti-ravam os elementos para propor uma arquitetura ondecada elemento se define por si só e, ao mesmo tem-po, em relação aos demais, num discurso que res-ponde a determinadas necessidades do homem da épo-ca e que este compreende.

:b fácil prever, aqui, uma objeção: em suma, osgrandes monumentos da história da arquitetura, osgrandes nomes, estes têm uma linguagem específ ica,estes dominam um discurso: mas em volta de cadaNotre-Dame de Paris, de cada palácio dos Doges háuma centena de habitações menOs ou mais pobres queo cronista não registrou e de cuja linguagem não sefala porque simplesmente não existe. E neste caso se

poderia dizer que também nos tempos modernos osarquitetos "f "lam", pois Mendelsohn tem uma lingua-gem, Loos tem uma linguagem, etc.

Esta objeção, em parte, tem sua razão de ser:sem dúvida, o capital sempre favoreceu o desenvol-vimento das artes, e a arquitetura não faz exceção.Por certo é mais f ácil criar um código ou falar àperf eição uma certa língua quando o "cliente" tem todoo dinheiro necessário a tais exerckios. Dinheiro e tem-po: uma catedral gótica é assunto de gerações. Tudoisto é fato. No entanto, a história da arquitetura não

se limita às catedrais ou aos palácios - ou pelo me-nos nã~ deveria se limitar, embora montanhas e mon-tanhas de volumes sobre história da arquitetura repi-tam sempre, incansavelmente, os mesmos nomes, asmesmas obras, e estas são sempre Notre-Dame, São

Pedro, ea' d'Oro, etc. E se de fato, quando se falada arquitetura grega, é preciso ressaltar que se estáfalando da arquitetura dos templos e deixando demencionar a grande maioria de construções inqualifi-cáveis habitadas pelo povo; que quando se elogia acasa pompeana não se diz, freqüentemente, ter sido elaprivilégio de bem poucos, por outro lado não é me-nos verdade que também não se menciona uma série

de fatos (de forma alguma exceções ou em minoria)não relacionados com as "grandes obras" e os "grandesarquitetos" e que não deixam de apresentar-se comoexemplos de domínio perfeito de uma linguagem precisa,clara e conveniente de arquitetura e urbanismo. Pense-seno discurso produzido por um hábil jogo entre ruas epraças que marca a maioria das cidades italianas, desdeuma minúscula San Gimignano que chega até hoje pra-ticamente tal como era nos séculos XIV e XV, atéuma moderna Turim (que mal ou bem, e por uma

série de razões das quais nem todas são a simples cla-rividência urbanística, ainda conserva, pelo menos emseu centro, essa rede antiga). Quem assinou essasobras, essas concepções? Michelângelo e Borromini seocuparam de Roma, mas quem "planejou" San Gimig-nano? O nome não ficou. E no entanto, muitas dessascidades não são simples proposições espontâneas: fo-ram até certo ponto planejadas. E não o foram apennspara as grandes famílias, para os doges e papas: opovo era e é seu grande usuário. E uma linguagem

está presente nessas obras, uma linguagem urba-nística onde o fechado e o aberto se completam, e oprevisí vel cOm o inesperado, o protegido e o exposto,o privado e o comum, o geométrico e o orgânico, emsuma: a unidade e a variedade. Essa é uma lingua-gem completa, onde o indivíduo faz parte da cidadee a cidade, parte f undamental do indiví duo. O homemvive na cidade e da cidade, e a cidade não deixa deviver do homem. Recentemente falaram mais uma vez,absurdo risível não fosse trágico, em transformar Ve-

neza numa espécie de museu a ser visitado: custouconvencer tais "planejadores" que sem os habitan-tes "normais" da cidade, Veneza se transformaria numsimples amontoado de pedras que morreria rapidamentecomo qualquer ser vivo.

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 6/90

Onde se encontra, hoje, essa linguagem que não éessencialmente vista e apontada-como "grande obra daarquitetura ou da urbanística" mas que é sentida fisi-camente, emocionalmente, por aqueles que ainda n:'ío

se deixaram entorpecer totalmente pelo vazio signifi-cativo das "cidades" modernas? Em lugar nenhum.Somente naquelas cidades o homem ainda dialoga cOmo espaço que o circunda: ao final de uma ruela som-

bria, a enorme surpresa sensorial de um espaço aber-to; aqui, uma escada que separa duas paisagens intei-ramente distintas - mas identifica-se o todo como umconjunto unitário que o indivíduo nunca conhece intei-ramente mas que ele não deixa de reconhe:::er. E nãoum conjunto (na verdade, Um aglomerado) como osde hoje onde o espaço é inteiramente hostil ao indiví-duo (que não pertence a ele), não lhe dando nenhu-ma informação além do mínimo exigido pelo utilita-rismo (o funcionalismo, esse deus da opressão), eque o homem não conhece nem em p arte nem no

todo, que o homem sempre estranha porque a cidade,a intervalos cada vez menores, é constante e li~eral-mente destruída para abrigar o novo e todo-pode-roso hóspede, o automóvel, em novas e luzentes ave-nidas que levam do nada a lugar nenhum em termosde espaço humano.

Uma linguagem arquitetural não é portanto privi-légio das grandes obras ou dos grandes nomes: na ver-dade mesmo, ela é ainda mais rica quando se mani-festa nas obras que passam despercebidas, naquelaspara as quais os guias turísticos não apontam porqueestão se servindo delas e nem pensam nisso: na ma-lha viária, no jogo dos espaços, das cores. E tam-pouco essa l inguagem é privilégio dos "tempos pas-sados". Se é verdade que a con:::epção norte-america-na de arquitetura e urbanística (que deixou boquia-berto o Le Corbuster de Quand les cathédrales étaient blanches, esse selvagem suíço prostrado diante dotemplo i lusionista de Nova York) é um real cancroextremamente árduo de se combater, tampouco é im-possível propor uma verdadeira l inguagem para as

atuais "áglomerações". Na verdade, aquilo de que es-tas cidades carecem tremendamente é justamente deuma verdadeira linguagem que substitua o amontoadode frases e signos arquitetõnicos sem sentido (porquetanto quem os propõe quanto quem os recebe e utili-

za não 'Sabem o que significam, embora sintam seusefeitos) a contribuir unicamente para o caos total.

Uma linguagem precisa. Se a arquitetura é umaarte (e é, efetivamente), é uma arte específica quenecessita não de uma linguagem mais ou menOs intui-tiva com a qual o sujeito da criação art ística lida epropõe sua obra, porém cujo significado real ele sóvem a descobrir freqüentem ente finda a obra, mas

sim de uma linguagem definida tanto quanto possívelde antemão (pelo menos num de seus elementos, oespacial como se verá a seguir) e que esteja ao al-cance simultâneo do criador e do re:::eptor (enquantonas outras artes, a linguagem produtora é praticamen-te um segredo do criador, e a ela o receptor só temacesso mais tarde - e eventualmente).

Quais os elementos dessa l inguagem? As duasgrandes unidades sintagmáticas em que se pode ini-cialmente decompor a linguagem da arquitetura (e da

urbanística) são o discurso primeiro do espaço emsi mesmo (o discurso do arranjo espacial) e o discursoestéti:::o do espaço (o arranjo espacial sob uma formaartística) .

Que se deve considerar como aquilo que cons-titui o objeto de estudo referente ao primeiro discurso?Em poucas palavras, esse campo será constituído pe-las respostas possíveis à indagação básica: afinal, queê o espaço? De fato, o que é o espaço? Isso deve-ria ser um conceito básico, muitos dirão que se tratade noção fundamental, praticamente um postuladoindefinível. Uma das respostas mais comuns que seobtém a essa indagação é: espaço é isso que nos cer-ca. Mas o q ue é isso? E por que esse "nos cerca"?Por que esse conceito do homem ilhado no meio deum espaço, que aliás a arquitetura só faz perpetuar?Não seria simplesmen~e porque não se dispõe aindade uma noção adequada de espaço, o qual, neste caso,é visto como mais um mistério cuja função básica(como a de todos os mistérios) é de alguma formaoprimir o homem, isolá-Io dentro de si mesmo (como o

medo do desconhecido), ilhá-Io? Efetivamente, nãoexiste ainda um corpo de ·coahecimentos orgânicoscapaz de reunir uma série de noções fragmentadas so-bre o espaço de modo a fornecer-nos um conceitooperacional, manipulável. E isto é tanto mais grave

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 7/90

para o arquiteto uma vez que_se supõe que a arqui-tetura trabalha o espaço - e grave porque o arqui-teto trabalha sobre uma coisa que ele simplesmentenão sabe o que é, cujos significados (dos superfi-ciais aos mais profundos) ele desconhece inteira-mente! E se chega ao absurdo de se ter uma sériede teorias altamente elaboradas sobre o modo de tra-tar algo que não se sabe definir! Aliás, é necessário

mesmo frisar que durante um tempo consideravelmen-te longo a própria arquitetura não sabia nem mesmopropor-se seu verdadeiro objeto, o espaço, recalcando-o sob fórmulas vazias que partiam justamente dopressuposto de que se sabia, obviamente, o que era oespaço. Os exemplos disto são mais de um. ComoVitrúvio conceituava a arquitetura? Dizendo que ar·quitetura é ordenamento, disposição, proporção, dis-tribuição. Do quê? Do espaço, por certo - mas istoera dado como algo já estabelecido. Alberti: arquite-Itura é voluptas, jirmitas, c .omfl1QdiJas..- E - .o  _.espaço?

esposta-possível: Está implícito. Não: está escamo-teado. VioIlet-Le-Duc: arquitetura é a arte de cons-truir. Fórmula até poética, se se quiser, _mas nova-mente se parte do pressuposto de que já se conheceaquilo sobre o que se vai construir ou que se vai COns-truir. Já Perret propunha que a arquitetura é a artede organizar o espaço: vê-se aqui, pelo menos, a no-ção de espaço aflorar nitidamente à superfície do pen-samento arquitetural, mas o arquiteto ainda vai con-tinuar se preocupando apenas com as noções tradi-cionais de material, forma, função e com as noçõesmais recentes produzidas pela sociologia e pela eco-nomia política. Naturalmente se poderia dizer que atémeados do. século xx não se tinha nem mesmo como que pensar o espaço a não ser em termos tradicio-nais de geometria, o que efetivamente é verdade, poisalgumas disciplinas fundamentais para a abordagem doespaço só irão se firmar nas primeiras décadas de1900 (como a psicanálise), enquanto outras só irãocomeçar a . se estruturar bem mais tarde (como a pro-xêmica). Já é tempo, no entanto, de trazer a pesqui-

sa do espaço em si para o primeiro plano dos estu-dos de arquitetura; este estudo não tem a pretensão,ainda que remota, de nem ao menos expor o proble-ma em toda sua extensão (quanto mais resolvê-Io),mas pelo menos tratará de levantar aqueles elemen-

tos que são absolutamente indispensáveis para a práti-ca do espaço.

O outro dos discursos a ser aqui abordado é oelaborado pela estéüca do espaço (de acordo cOm afórmula de Perret, o sentido da "organização do es-paço" constitui o corpo do primeiro discurso, e o pro-blema da "arte da", o corpo deste discurso segundo).Estética: a simples menção deste termo talvez já seja

suficiente para abrir um enorme claro entre os even-tuais arquitetos leitores deste trabalho. De fato, os pro-blemas de estética têm a peculiar propriedade de aglu-tinar contra si adeptos de duas correntes perfeitamenteopostas em arquitetura: os tecnocratas e os huma-nistas (ou a arquitetura do status quo  e a arquiteturade vanguarda em seu sentido mais amplo, formal epolítico). Os tecnocratas não vêem nenhuma utilida-de para a estética ou para a arte; para estes, res-ponsáveis por uma arquitetura bastarda e de pacoti-lha (os grandes edifícios, as habitações coletivas, as

monstruosas avenidas, as vias expressas, etc.), arqui-tetura se resume na "arte" de equacionar adequada-mente forças, material, tempo e dinheiro, especial-mente estes dois últimos elementos. Para muitos dosque se colocam sob a bandeira da vanguarda (simplesrótulo vazio, na maioria das vezes), Estética é igual-mente detestável como signo de um ensino arcaicoe cIassista. Com que orgulho de "revolucionário" umestudante de arquitetura de Veneza lhe contará "aslutas que tivemos para acabar com a questão da Esté-tica em arquitetura" - sem se dar a menor conta doespaço, do ambiente e da arquitetura que o cerca emsua própria cidade, por certo um dos arquétipos ar-quiteturais do homem moderno!

Por um lado, é extremamente fácil saber a causade tanto ódio à estética por parte destes "vanguar-deiros~': para eles, os problemas de estética estão in-dissoluvelmente ligados, senão racionalmente, pelo me-nos ao nível do sentimento e da "impressão", à cul-tura clássica, especificamente à cultura renascentistaà qual ainda estamos incrivelmente associados, e da

qual a esmagadora maioria da arquitetura atual aindaé um exemplo. Para eles (e com razão, pois estesproblemas ainda continuam a ser freqüentemente co-locados em tais termos) Estética diz respeito às ca-tegorias do belo e do feio, e às questões de forma e

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 8/90

conteúd~, harmonia, composição, equilíbrio, ritmo, etc.Mas não percebem uma série âe coisas. Primeiro, quese -conseguem esquivar-se ao estudo de Estética e daArte enquanto disciplinas universitárias (e, de fato, .aesmagadora maioria das faculdades não concede maisdo que 2 ou 3 semestres a tais estudos, e isto quando5 anos seriam claramente insuficientes), não se furtamaos efeitos dessa estética tradicional porque em ou-

tras disciplinas (Composição, etc.) ou nos mais "im-portantes" e conhecidos manuais de história. da ar-quitetura ou estética da arquitetura eles contmuam aser dirigidos como cordeiros na direção dos problemasde ritmo, harmonia e composição que não passam derebentos diretos dessa estética. E ainda que por mi-lagre escapem desta influência indireta e disfarçadada estética clássica, não escapam às influências dopróprio meio que nos envolve e que é um meio querecende a classicismo, e revelam todas essas influên-cias em seus eventuais trabalhos. O que não é clás-

sico (no sentido de ritmo, harmonia, etc.)? Brasíliaé La Défense em Paris é. A arquitetura dita "mo-derna" o é, de modo esmagador. E os poucos que nãosão ou que não foram continuam a ser encarado.scomo visionários (entenda-se: loucos ou mesmo pen-gosos - como Mendelsohn, por exemplo).

Segundo, que renegando Estética e Arte renegama própria essência de sua profissão, dando e~tremarazão a seus opositores, os engenheiros, dos qUals.c~~-seguiram arrancar, há não muito tempo, um pnvile-

gio realmente indevido. O que foram os grandes ar-quitetos cujas obras continuam como p~rad~gma~? An-tes de mais nada, artistas: o que fOl Mlchelangelo,esse genial urbanista? Essa renegação em si só nãoteria maiores conseqüências (renegar, "matar" psico-logicamente "o pai", o modelo, é mesn-:o a. ala~ancada afirmação e da renovação) se nao lm~hcasseuma insuportável separação entre arte e arqUItetura.E o que é preciso que se entenda é que a arquite-tura é a grande (e talvez realmente a única) forma deexpressão artística que se não é conscientemente de-

dicada às grandes massas é, pelo menos, aquela a queestas têm acesso do modo mais imediato possível. Enão se compreende que esses mesmos que mergulhamnuma luta por uma veiculação mais justa da arte ~smassas, como freqüentemente acontece -com o arqUl-

teto, venham negar a arte e a estética em sua própriaatividade primeira. f :. preciso que se diga: o arqui-teto distanciado dos problemas de Estética é um man-co das duas pernas, e a obra por ele proposta, aindaque pare em pé, vale tanto quanto aquela que desa-ba, mal se tira a última escora: nada. Não cheganem mesmo a ser um reacionário, ele não existe. Éfundamental dominar, portanto, também esta lingua-

gem estética, de modo especial se se pretende realmentetranscender a linguagem clássica: alguns de seus pon-tos fundamentais serão, pois, dis::utidos.

Este estudo propõe-se, assim, examinar as basesde uma linguagem da arquitetura. Os mais exigentes,como os semiólogos, poderão no entanto dizer quenão é suficiente falar numa linguagem do espaço,sendo antes necessário provar  que tal linguagem efe-tivamente existe e existe enquanto real linguagem -uma vez que proliferam os usos indevidos do termoe do conceito de linguagem. Não deixam de ter ra-

zão. Contudo, não me interessa demonstrar aqui queessa linguagem do espaço é de fato e rigorosamenteuma linguagem, tal como a definem as teorias dalinguagem, com suas articulações e unidades combi-náveis, mas sim considerar o espaço como uma formagenérica de expressão que efetivamente informa o ho-mem (e COmo qual os homens se informam, de modoconsdente ou não) e como detentor de sentidos passí-veis de uma formalização necessária para a operaçãosobre esse mesmo espaço, para a prática arquitetura!.

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 9/90

Dê fato, se se passar em revista as diferentese sucessivas definições da arqúitetura, se verifica quesão necessários mais de 2 000 anos, bem mais, paraque se conceitue a arquitetura de, ~odo ~fe~i~amenteadequado com seu objeto espeCifico. VltruvlO tecetodó um discurso sobre arquitetura sem nem ao me-nos e Imitar de modo aceitável seu domínio: "ciên-

. cia que deve ser acompanhad~ por uma gran?e di-

versidade de estudos e conhecimentos por meIO dos-..quais ela avalia as outras artes que lhe pertencem ...O acesso a esta ciência se faz através da prática eda teoria: a prática consiste ... " etc. Mas quaJ dis-ciplina deixa de se encaixar nesse quadro? E mesmoquando Vitrúvio enuncia claraf?ente, err: seus t~rmos,aquilo em que consiste a arqUItetura nao se da nemum passo na direção de um conceito clar.o e ade,quadodessa disciplina e dessa prática: "A arqUItetura e ~om-posta por: o ordenamento. que o~ gre~os deno~ma.m)taxis, a disposição (den.~ml?ada dLQ~he~ls).' ~ eurntmla,

a proporção, a convemenCla e a dlstnbUlçao, que emgrego se denomina economia 2".

A pergunta surge de imediato: ordenan;ento, dis-posição, distribuição do quê? A resposta so pod~ seruma e unicamente uma: do Espaço. Por consegulllte,por que não atribuir a. esta noção o lug.ar, ~ue elaefetivamente ocupa? Os su:.:essores de Vlt~uvlO na?repararam esta lacuna, porém: Alberti defme arqUI-tetura como firmitas, commoditas et voluptas 3 - masnao é este o objeto primeiro da arquitetura! E ~o en-

tanto, a partir de Alberti as definições da arq~ltetur.ase sucedem sempre na mesma trilha do conceIto tn-partido e totalmente secundário para a pre_ocup~çã?arquitetural. Blondel, por exemplo: co~stru.çao, dlstn-

buição, decoração. Para a Society of Hlstonans of ~r:chitecture 4: venustas, firmitas, utilitas 5. Para a SocleteCentral e des Architeçtes (no século XIX), arquiteturaé o belo o verdadeiro e o útil. Guimard sugere:sentiment~, lógica, harmonia. Para Nervi, é função,forma e estrutura. E só mais recentemente o esforço dedefinição da arquitetura abandonou essa e outras trin-

dades consagradas para adotar um binarismo no en-

2. VITRÚVIO, Les dix livres d'architecture. Paris, 1965.3. Solidez, comodidade, prazer.4. Ver PH. BOUDON, Sur  l.'espace architecturale. Paris, 1971.5. Beleza, solldez, utllldade.

tanto não menos mistificador, o famoso "forma Xfunção".

Todos esses termos são por certo bastante "poé-ticos" (voluptas, commoditas, venustas, belo, sentimen-to, lógica) mas, simultaneamente, duplamente engano-sos, primeiro porque não definem a arquitetura e, se-gundo, porque não definem a si mesmos (que é sen-timento, ou que é o belo, ou a comodidade?). Esca-

moteiam o objeto da discussão e induzem em erro aprática da arquitetura, um erro constante e cada vezmais acentuado, resultante do simples fato que é aignorância em que se mantém o arquiteto em rela-ção a seu próprio trabalho, seu próprio objeto, seupróprio instrumento.

Se uma maior simplicidade e precisão principiacom Viollet-Le-Duc, no século XIX ("arquitetura é aarte de construir"), na verdade o erro só começali ser corrigido por Luçart: em seu Architecture, de1929, Lurçat delimita o campo da arquitetura como

sendo o dos volumes que se levantam no espaço, quesão determinados pelas superfícies que se encontram ecujas proporções exatas são indicantes pela luz. Volu-me, superfície, espaço e luz são portanto, para Luçart,Os componentes da arquitetura. Mas um conceito defi-ntdor não pode ser composto por elementos heterogê-neos como esses quatro, alinhados num mesmo planoe sem especificações. E no mesmo ano de 1929, LeCorbusier não colabora, em seu Précisions, para oesclarecimento da função da arquitetura (o que aliásé uma constante em seu trabalho): entre frases in-

teiramente gratuitas como "A arquitetura é um atode vontade consciente" (que se aplica tanto a um chu-te numa bola quanto ao ato de abrir uma torneira,passando pela mais variada gama de atividades físi-cas, metafísicas e patafísicas), Le Corbusier roça o pro-

J:>lema apenas quando afirma que arquitetura é "pôrem ordem", faz uma valiosa sugestão quando especi-fica que se trata de "ordenar" objetos, emite uma pro-

J>õrçao ainda mais útil quando diz que se trata de or-denar "funções", mas põe tudo a perder quando afir-

- - - m a que se trata de "ocupar o espaço com edifícios e

estradas. .. criar vasos para abrigar os homens ... ".Aqui, sua terminologia é nitidamente infeliz, para di-zer o mínimo, e uma análise do conteúdo da dimensãoverbal do environment  arquitetural mostra claramente ocaráter concentracionário dessa proposição, a ser in-

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 10/90

teiramente evitada dentro de uma prática arquitetônicaefetivamente humanista. Não se trata, de fato, de "ocu-par" o espaço: Augusto Perret 6, que não é prop~ia-mente uma estrela da arquitetura como Le Corbusle~,propõe um conceito inteiramente adequado. de, arqm-tetura: "a arte de organizar  o espaço (o grifo e meu)que se exprime através da construção". Organiza~ oespaço e, mesmo, mais que isso, criar? espaço: aSSim,efetivamente, se pode descrever a arqmtetura. E se fornecessário ser ainda mais preciso, pode-se ressaltar quearquitetura é simplesmente traba}ho sobre o Espaç~,produção do Espaço 7 - este e o elemento esp~cl-fico da arquitetura, escamoteado em todos estes secu-los e ainda hoje.

Mas por que esta ocultação, esta marginalização doEspaço? Embora toda proposição arquitetural rel~vesempre de uma ideologia, e apesar d.e.toda a arqmte-tura em sua totalidade poder ser deflnida como resul-tante e simultaneamente alimentadora de uma ideologia

repressiva (antes de mais nad~ pela sua ~rópria natu-reza econômica - mas tambem em razao de aspec-tos materiais da construção, como se verá a seguir),será talvez necessário reconhecer que esse abandonodo Espaço reveste-se de ~m carát.e~ "inocente", nãointencional sendo fruto nao especlficamente de umamá consciência mas apenas de uma consciência incons-ciente (claro que não por isso desculpável). Como?possivelmente sob a influência da geometria euclidiana(e o espaço arquitetural costuma aind~ ser. i?ent~fica~ocom o espaço geométrico, embora t~l ldentlficaçao seja

não só desnecessária como não pertmente e mesmo no-civa como se verá), o arquiteto habituou-se a consi-der;r o Espaço como um dado (no sentido primeirodo termo: oferecido) evidente por si só e portanto quenão necessita ser demonstrado); um postulado, enfim.E um postulado não se discute, é posto à margem d.adiscussão: é mesmo recalcado - e tanto que o arqm-teto nem mesmo se dá mais conta dele. Contudo, anoção de Espaço não é e nunca foi uma noção evi-dente por si mesma. O que é afinal o Espaço, qual osentido do elemento sobre o qual a arqmtetura traba-

lha às cegas? Até o século XX o arquiteto não tinhacomo, na verdade, proceder a esse estudo e pouco

mais podia fazer alguém de jogar com o Espaço en-quanto noção absoluta e auto-suficiente (daí, porexemplo, os lamentáveis enganos, hoje chamados kitsch ,

que foram e continuam a ser as transplantações de es-tilos ou soluções arquitetônicas: o clássico grego emWashington, um barroco francês no tropical Rio deJaneiro, um vitoriano inglês no árabe Egito, etc.) .Uma série de disciplinas atuais, no entanto, da antro-

pologia à semiologia, passando por pontos de inter-secção como a proxêmica, pôs em realce não ape-nas o caráter totalmente relativo da noção de Espa-ço cama a conseqüente necessidade de estudar e deli-mitar, praticamente caso por caso, os sentidos especí-ficos do Espaço, conforme o lugar e o tempo. E a ar-quitetura cOm isso tem de voltar atrás e repensar (oumesmo pensar pela primeira vez) o elemento que atéaqui foi sua base indiscutida: qual o sentido do Espaço,afinal?

6. M. ZAHAR, Auguste Perret. Paris, 1959.7. E não "pensamento do Espaço", como sugere Boudon:

arquitetura é ação, não apenas renexão.

1.2. Semiologia da arquitetura?

Definido o objeto da arquitetura cama sendo aprodução do Espaço, surge a questão de saber de queEspaço se trata, quais suas espécies, suas delimitações,para a seguir ser possível indagar de seus respectivossentidos (operações estas, aliás, intimamente ligadas).Esta necessidade faz logo pensar num recurso a umasemiologla do espaço arquitetura I ou no estabelecimen-

lacre tal semiologia. No entanto, embora não reste a- menor dúvida quanto ao Espaço constituir uma se-

miótica (i. e., num sentido mais simples, mais amPJo

possível e menos rígido: um conjunto analisável de sig-nos), não se recorrerá nem a nenhuma das "semiolo-gias" do espaço já "estabelecidas", nem se tentará aquipropor uma nova. Por que esta recusa se este mesmotrabalho será, ao final - quer queira ou não -,um trabalho de indagação semiológica? A negativa emrecorrer a modelos de semiologia do Espaço reside naverificação do quão pouco de útil esses estudos trou-xeram até aqui e da previsão probabilística do quasenada que poderão oferecer num futuro imediato ouremoto - pelo menos no que diz respeito ao estabe-

lecimento de uma semiologia do espaço arquiteturalde caráter genérico e englobante, passível de ser utili-zada como instrumento de trabalho pela maioria dosarquitetos e não apenas como tema de infindáveis dis-cussões teóricas. Com efeito, é totalmente lícito per-

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 11/90

guntar se existe atualmente um conjunto de regras bá-sicas e comuns capaz de fornecer, aos próprios teóricosdo Espaço e aos que dela se servem no trabalho pro-fissional, um campo único de entendimento a respeitodaquilo sobre o que se quer falar. Estas pesquisas "se-miológicas" constituem um verdadeiro circo onde cadaum manipula um conceito p'articular que provocará"modelos" cuja utilidade consiste unicamente em exis-

tir enquanto tais e mais nada. Em 1974, após um con-gresso de semiologia em Milão, a considerada revistade semiologia VS 8 publicou um número especial comuma "Bibliografia semiótica" abrangendo toda a pro-dução sobre semiologia em uma série de países, umabibliografia que se confessa ao mesmo tempo ampla erigorosa. Mas se os critérios de rigor tivessem sido real-mente aplicados, ao invés das duzentas e tantas pági-nas desse número, e de outras em números seguintes,se teria talvez uma meia dúzia de páginas. Os própriosorganizadores se- dão conta da barafunda conceitualexistente no campo - o que não impede que incluam,em sua relação, obras que se dizem "de semiologia"mas cuja semelhança com esta disciplina é realmentemera coincidência.

O que se entende hoje por semiologia do espaço,semiologia da arquitetura, semiologia do espaço arqui-tetural, o que se admite, mal ou bem (mais mal quebem), como constituintes desses corpos de estudo? Semmuito esforço se consegue enquadrar os trabalhos exis-tentes em alguns poucos tipos bem definidos:

a) trabalhos de inspiração nos métodos lingüísticas e

que procuram mostrar as possibilidades de umaanálise semiológica do espaço com (no máximo)uma tentativa de determinar as aparentemente obri-gatórias unidades mínimas significantes e suas cOm-binações em discursos mais amplos;

b) trabalhos sobre sistemas de notação da lingua-gem arquitetural (na verdade só possíveis depoisde se realizar o especificado no item anterior e que,no entanto, freqüentem ente tentam se propor iso-ladamente) ;

c) estudos da "dimensão verbal" da arquitetura(análise do conteúdo da arquitetura através da

identificação de seus análogos verbais, visando es-tabelecer "gramáticas" do espaço urbano ou ar-quitetura) ou, em termos mais gerais, estudos so-bre a "representação" do espaço arquitetural(através de fotos, esquemas, desenhos, quadros,etc) ;

d) análise das relações entre espaço arquitetural e o

espaço gráfico-geométrico (um tipo da espécieapontada acima);

e) análise das relações entre espaço mental e espaçofísko;

f ) estudos sobre modificação do sentido, semantiza-ção ou dessemantização do espaço arquitetural lo-calizado (praças, ruas, aposentos, etc.);

g) trabalhos sobre os modos de percepção do am-biente construí do;

h) estudo dos espaços físicos e sua utilização social;

i ) análise da obra de arquitetos individualmente COn-siderados, em termos de morfologia e sintaxe (equi-valentes aos antigos "estudos de estilo");

  j) e, mesmo, análise dos dicursos sobre a arquitetura(e não da arquitetura).

De imediato se percebe que todos esses itens, me·

nos um, relacionam tipos de obras que nada têm aver com uma análise semiológica entendida segundocritérios rigorosos. A maioria se diz (ou é recebidacomo) semiológica simplesmente por tentar uma ma-nipulação do problema do significado em arquiteturaou por falar do espaço arquitetural enquanto signo _o que obviamente não basta se se encara o empreendi-mento semiológico numa perspectiva rigorosa.

E os trabalhos que seriam mais especificamentesemiológicos são, na maioria, totalmente inexpressivos,

nada trazendo que possa ser aproveitado numa realsem~ologia da arquitetura. Vejam-se por exemplo osescntos de Eco e seus discípulos 9: Eco se indaga s'o-

9. Ver, por ex., A estrutura ausente As formas  do con-teúdo, Tratado àe semiótica geral, todos de u. Eco.

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 12/90

bre o que é código em arquitetura, se arquitetura é lín-gua ou fala, se tem uma, duas ou mais articulações,e termina sugerindo que os elementos de segunda arti-culação são o ângulo, a linha reta, a curva, o ponto (!)e que os de primeira articulação são o quadrado, o re-tângulo, as f iguras irregulares, etc. (!!) De que, mas

"realiiiente de que, na mais remota possibilidade, adian-ta ao teórico ou ao profissional saber que um espa-ço arquitetural se formula através de combinação entre

linhas e pontos formando figuras, e que uns são osf amosos elementos de segunda articulação e outros, osde primeira articulação? Não serve para nada, rigorosa-mente para nada a não ser demonstrar a existência deuma doença inf antil da semiologia! Isso quando nãose trata de trabalhos 10 que dizem o que é uma lingua-gem, f azem um resumo das teorias de um ou dois au-tores que seriam aplicáveis a uma semioJogia da arqui-tetura, dizem que um modelo semiológico da arquitetu-ra seria possível por esta ou aquela rápida razão semno entanto chegar, nem de longe, a propor tal mo-

delo 11. E mais ainda: é perfeitamente lícito ao arqui-teto dizer que não se interessa minimamente pelas pos-sibilidades de seu discurso ser identificado com o mo-delo proposto pela lingüística, que nada lhe diz a pro-posição segundo a qual uma linha é um fonema ou quetodo o discurso arquitetural é realmente um código. Oque deve lhe interessar é na verdade o significado deseu modo de organizar o Espaço, a maneira pela qu'ala arquitetura é normalmente recebida e sentida (ou

manipulada) pelo homem e pela sociedade. E aqui severifica que os trabalhos encaixados nO~ itens de c a i

acabam por revelar-se na verdade mais úteis para o ar-quiteto embora nada tenham a ver com os proble-mas da semiologia propriamente dita. Eqnivale isto aafirmar que para o arquiteto o problema fundamentalestá ainda antes em identificar as significações bási-cas de seu discurso do que em formular modelos deartkulação dessas significações. E com isto todo tra-

balho de indagação do sentido em arquitetura será fun-damentalmente pluridisciplinar: a abordagem psicológi-ca, a sociológica e a histórica não podem e não devemser evitadas. Ostentar o rótulo segregacionista de "Se-miologia" é antes ocultar-se sob um nome (ainda)prestigioso e ocultar uma inoperância.

Há ainda uma outra razão para deixar de lado aspesquisas ditas semiológicas, em particular as descritasno item a  acima: todo estabelecimento de um modelosemiológico tem por resultado (quase) inelutável a fi-xação do discurso analisado em moldes inelásticos.

Apreende-se e imobiliza-se o objeto de estudo. E nãoé necessário ressaltar os inconvenientes dessa solução:

--seé perfeitamente possível admiti-Ia quando se trata de,.analisar uma produção, uma linguagem já imobilizada,. já morta (a arquitetura barroca, a gótica, a arquitetu--ra de Le Corbusier) - quando é mesmo instrumento

10. Por exemplo, o livro de Maria Lulsa Scalvlnl sob o

pomposo título L' arc h it e ttura com e sem ioti c a  co nnotati v a  (MI-lão, 1975) e que não propõe semiótica alguma da arquitetura.11. Para o leitor não especializado e não interessado nos

problemas de semiologia explica-se rapidamente que o propósitode multo semiólogo (em particular os de extração da EuropaOcidental) é o de demonstrar que um determinado conjuntode signos (como os produzidos pelo espaço, ou pela estória emquadrinhos, pelo cinema, pelos gestos humanos, etc.) constltul-

se numa linguagem (um repertório f ortemente organizado de sig-nos que se combínam através de normas fixas, como nas lin-guas naturais: português, francês, etc.) que se estrutura essen-cialmente, conf orme a teoria de HJelmslev (Prolégom é n e s  à  une 

t néor i e d u  lan gag e , Paris, 1971), através da:a) existência de dois planos, Expressão e Conteúdo. Ex: o

prefixo "229" (EXpressão) de uma estação telefônica de Londresequivale ou remete ao Conteúdo "Bayswater" (uma área lon-drina) ;

b) existência de dois eixos: Sistema (o suporte, a Infra-

estrutura do texto a ser lido por um receptor: as normas decombinação) e Processo (o próprio texto que é Imediatamentelido pelo receptor: uma seqüência de gestos do corpo humano, asformas e cores de uma tela, etc.);

c) propriedade de comutação: relação entre duas unidades deum mesmo plano da linguagem, que está ligada a uma relação entreduas unidades do outro plano. Por exemplo, duas unidades doplano da expressão "687" e "405" (prefixos de estação telefônica) e

duas unidades do plano da expressão "Museum" e, "Holborn". Entreessas unidades existe um relacionamento tal que se "687" f orsubstituído por "405", "Museum" será substituído por "Holborn";

d) as propriedades da recçã o  e com b i na çã o  (relaçôes bemdefinidas entre as unidade lingüí sticas). Há recção  quando umaunidade Implica a outra, de modo tal que a unidade Implicada é

condição necessária para que a unidade que a Implica este ja pre-sente. Por exemplo, em latim uma certa preposição Implica queo nome a seguir este ja no ablativo (e se este estiver no ablatlvo. aproposição que o precede deve ser de determinada espécie). Damesma f orma, num determinado semáforo a presença do amareloImplica que o verde ou o vermelho o precedeu ou se lhe seguirá(assim como a presença de um verde oU um vermelho implica queum amarelo o precedeu ou se lhe seguirá). Há c o m bina ção  quandoduas unidades se relacionam sem que ha ja r e c ç ã o; 

e) a não-conf ormidade. Numa verdadeira linguagem, podeocorrer que determinadas unidades de um plano não encontremuma correspondência no outro plano; numa f alsa linguagem, essacorrespondência existe sempre: por exemplo, na chamada linguagemdo semáforo - que não o é - toda expressão "amarelo" tem umconteúdo "atenção", bem como todo conteúdo "siga" tem uma ex-pressão "verde", etc.

Diz-se ainda que uma linguagem é formada por s ign os  (ou mo-nemas: as menOres unidades com significado próprio, como qualquer

palavra das línguas naturais: "gato") e. mais especialmente, porfiguras  que articulam os signos (ou fonemas, unidades sem signi-ficado específico, como d, m , p  ), conhecidas respectivamente comounidades de primeira articulação e unidades de segunda articulação,de modo tal que os monemas se formam através da artlculaçáo dostonemas (g,a,t ,o  = gato) e a articulaçáo dos monemas propõeentidades maiores como os sintagmas. Essas sucessivas articulaçõescompõem O discurso que se of erece ao receptor.

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 13/90

precioso de estudo -, ela é de todo indesejável se setrata de entender uma produção e m processo, que sefaz neste instante, que não só atua ainda e efetivamen-te como quer se modificar. Neste caso, embora sejaimpossí vel deixar de partir do signo (de modo maisparticular, do significante), a atenção maior se volta-rá obrigatoriamente para o Interpretante (noção pro-posta por Pierce e ainda largamente ignorada pela en-saística européia, em especial a francesa), i. e., os re-

sultados causados pelo signo na quase-mente que éo Intérprete. Vamos sair portanto do campo estreito dalógica, da lingüística, do formalismo dos modelos pre-determinados, extravasar os limites de uma metodolo-gia imperialista e seguir um método que se elabora cria-tivamente de acordo com as necessidades do conjun-to sígnico a ser abordado. Um processo que retire deonde for conveniente o material necessário; emboraprocura de um sentido, escavação numa semiótica (poisos signos do Espaço efetivamente propõem uma semió-tica), a indagação será aqui praticamente, no sen-

tido expresso, anti-semiótica.O que não signif ica que a análise será disper-

siva, inorgânica, "impressionista". Pelo contrário: é queela parte igualmente de um outro ponto segundo oqual é necessário estabelecer um quadro geral, amplo,quando se fala de espaço arquitetura!. Com efeito, sain-do do campo das abordagens semiológicas ou "semio-lógicas", que ostentam uma excessiva preocupação deordem e um excessivo reducionismo, proliferam as abor-dagens de cunho psicológico, sociológico etc. que estu-

dam cada uma aspectos não pouco importantes queno entanto não conseguem se encaixar cOm os prove-nientes de pesquisas paralelas na formação de um qua-dro unitário; essa articulação nunca se produz, e o ana-lista da arquitetura não consegue jamais formar àsua frente um quadro geral de seu objeto, onde cadaparte remeteria organicamente a uma outra. Depara-se apenas com uma SOma imensa de dados importan-tes mas que, pela falta de organicidade, resultam ino-perantes. Por que não se forma esse quadro global?Pelo fato de não se contar ainda com uma espinha dor-

sal do espaço arquitetural ,claramente definida a orien-tar os trabalhos e delimitar o campo de ação. Essecampo está delimitado, por exemplo, na matemática:todo investigador sabe aqui de onde partir, o quefoi feito, o que pode ser feito, discerne claramente os

níveis de análise. O mesmo acontece em· disciplinasmenOs rígidas aparentemente, porém de estrutura igual-mente definida, como a própria lingüística. Mesmo nabarafunda que é o campo psicológico, o objeto de estudo

 já tem seus grandes eixos pelo menos demarcados. Coma arquitetura não é assim. Usando um conceito dateoria da linguagem, o que, afinal, é pert i n e nt e  emarquitetura, o que é efetivamente essenGial e se distin-gue do acessório, o que é básico? Como se viu, Lurçat

por exemplo tentou apontar a coluna vertebral, a estru-tura básica, imprescindível e suficiente da arquiteturaquando a definiu comO "volume, superfície, espaço, luz".Se se seguisse sua demonstração, seria possí vel e neces-sário assim estudar, por exemplo, cOmo o homem sen-te tais e tais volumes, como se movimenta em deter-minadas superfícies, como tal luz se combina com talvolume, etc. Mas se sua desGrição é uma das primeirasa tentar essa operação de delimitação do essencial emarquitetura, ela ainda é, como se viu, inadequada, in-completa. Não identificando, erroneamente, a arquite-

tura com o espaço, a questão ainda tem de ser colo-cada e respondida: o que é pertinente para o espaçoarquitetônico?

E~t~trabalho tentará portanto essa demarcação e aproposlçao de um esquema definidor do Espaço arquite-tural capaz de se apresentar como uma linguagem co-mum de análise e reflexão. Não será esta uma análiseexaustiva, no entanto: se colocará ao nível do mais am-plo possível de modo a delimitar apenas (e não es-miuçar), em 'Gonformidade com um princípio funda-

mental do procedimento semiológico, um primeiro tex-to de análise que se  ja tão extenso quanto possível (nahorizontal), tão abrangente quanto possível, emborapermanecendo simples, a partir do qual seja possívelaprofundar na vertical a análise até, eventualmente, es-gotá-Ia. Os princí pios a reger a teoria exposta nesta se-ção serão dois, como sugere Hjelmslev: a teoria cons-tituirá um sistema dedutivo puro (no sentido em que éa teoria, e só ela, que permite e determina o cálculodas possibilidades resultantes das premissas que elacoloca) e, segundo: que as premissas enunciadas nat~ori~ são aquelas das quais o teórico sabe por expe-nêncla que preenchem as condições neGessárias para aanálise e que são tão gerais quanto possível de modoa serem aplicáveis a um grande número de dados daexperiência.

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 14/90

Enunciados os princlplOs norteadores, que pontode vista adotar para a formul'ação dessas premissas ge-rais e tão amplas quanto possível? O fornecido pelaTeoria da Informação é o adequado. Conf orme pro-põe essa disciplina 12, o pro;;esso mais simples do co-nhecimento humano e, simultaneamente, da manipu-lação da informação é aquele baseado na oposição bi-nária Sim x Não (1 X O , aceso X apagado, etc.): umacoisa é ela mesma ou seu contrário. Não cabe aqui e

agora demonstrar a validade dessa proposição geral,bastará talvez lembrar que efetivamente toda informaçãorecebida por um sujeito é por este entendid.a, (e só

é entendida deste modo) num primeiro instante, em opo-sição com aquilo que essa informação exclui, num pro-cesso freqüentem ente inconsciente. Se digo "Ho je équinta-feira", o sentido dessa informação é percebidoinicial e automaticamente pelo receptor cOmo sendo"Hoje não é nenhum outro dia da semana". O primeiroprocesso é sempre de exclusão por oposição. A propo-sição "Uma abordagem matemática do objeto estéti-

co" signif ica antes de mais nada que "Não se trata deuma análise poé t i ca (ou outra que se convencione comooposta à matemática) do su jeito estético", ou mesmo" . " do sujeito funcional" (admitindo-se, apenas paraargumentar, que "estético" e "funcional" se opõem).A oposição binária é realmente a mais simples, emboraexistam sistemas que se desenvolvem a partir de oposi-ções com maior número de elementos (sempre, po-rém, com base em alguma oposição). Por exemplo, osistema lingüístico: uma palavra só é possível, e só éreconhecível, através de um jogo de posições e oposi-

ções: a unidade com significado próprio e í ntegro, gato,só é reconhecível graças à articulação dos fonemas, g ,

a, t, o que nada significam a não ser que g  se opõe ad , b, f  e qualquer outro dos demais 22, o mesmo acon-tecendo com a, t, o (eventualmente, também a posiçãoterá algum valor signif icativo: o primeiro s de casas

é distinto do segundo s, indicando este um valor nu-méü;;o e o primeiro apenas uma oposição).

O ponto de vista portanto será o de proceder deinício a oposições binárias - embora se tenha plenaconsciência das limitações e inconveniências desse mé-todo que, no campo das ciências humanas, conduz ine-vitavelmente a erros e deformações quando aplicado

sistematicamente e de modo absoluto. Com efeito, aoposição binária (base da lógica aristotélica) é supe-rada (especialmente nas di&dplinas humanas, mas nãosó nelas) pela lógica dialética. Aqui, um enuncia-do como "A é A e não B" é inteiramente insuficientee inadequado, pois A nunca é A e nunca é B, A é Aem função de B na direção de um C, e assim por dian-te. Mas para os propósitos declarados deste estudo (ge-neralidade e simplicidade) esse processo deve bastar:

ele só intervirá na determinação dos pares de opostosque f ormarão os eixos organizadores do sentido do Es-paço (na elaboração do modelo final, portanto) que, aoserem analisados, re;;uperarão toda sua complexidadee riqueza. Esse método simplesmente constituirá, cOmoressaltado, o momento inicial da análise.

Como escolher, agora, os elementos que f ormarãoas oposições?~-I.3 . Ei xos or ganizad ores do sentid o d o espaço

I . 3 . I . 1.o eixo do espaço arquitetural: Espaço Inte-rior X Espaço Exterior

De início, há uma grande tentação no sentido deestabelecer esse quadro delimitatório do Espaço na ar-quitetura a partir de um dado "imediato" do pensamen-to arquitetural: quando se pensa arquitet ura, pensa-senas três dimensões. Para Focillon 13, por exemplo, nãohá dúvida alguma que as três dimensões são a própriamatéria da arquitetura, sua substância mesma. E não édif ícil encontrar, desde os autores clássicos da Antigüi-dade até os ensaístas mais modernos, uma colocaçãosegundo a qual o que distingue a arquitetura das ou-tras artes é exatamente a manipulação das e nas trêsdimensões reais - sem que esse raciocínio pareça sedar çonta de q ue igualmente a escultura, por exem-plo, é uma operação realizada nas mesmas condições.

Este privilégio das três dimensões não se justificae deve ser evitado, e não apenas por esta última razão:o que se tem de ressaltar é que ele se baseia num pontode partida não f undamental para a arquitetura (como

se discutirá mais adiante) e que, quando nela apa-rece, o faz apenas num segundo momento, a saber,no pensamento geométrico. A geometria, a representa-

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 15/90

ção geométrica será mesmo essencial a todo pensamen-to analítico (e a arquitetura é uma forma desse pen-samento), mas deter-se nela e partir dela para definiro espaço arquitetural e a arquitetura é não descer àsbases mesmas do pensamento sobre o Espaço que, ape-nas numa segunda operação, irá requerer ou não a es-quematização geométrica. Esta comporá me~mo um doseixos constituintes da linguagem da arqmtetura, maspor si só é insuficiente para defini-Ia.

O ponto de partida adequado será determinado pelamanipulação dos dados fornecidos pela antropologia, ede imediato se constitui o primeiro eixo de oposiçõesda demar;:.:ação do espaço arquitetural: Interior  X Ex-

terior. O confronto entre ambos e a passagem de umEspaço Interior para um Espaço Exterior constitui real-mente a noção e a operação de manipulação do Espa-ço mais importante para o homem, desde os primeirostempos pré-históricos em que a sociedade n~m mes-mo existia. Quer no plano estritamente matenal (pro-teção contra o tempo, as feras e os outros homens)

quanto num plano psicológico e social: analisando da-dos fornecidos pela antropologia e querendo explicaros tabus em termos de psicanálise, Freud 14 insiste jus-tamente no valor dessa consciência precisa de um Es-paço Exterior e um Espaço Interior para os povos"primitivos", mesmo aqueles que mal se constituíamnum grupo so:.:ial.Há sempre, nessas "sociedades", uma·série de indivíduos que por razões variadas devemmanter-se (por norma impositiva incontornável) em de-terminados Espaços interiores Ou exteriores: em certosgrupos, o jovem de uma certa idade não penetra no

Espaço Interior onde estão a mãe e/ou as irmãs (tabudo incesto: impõe-se o afastamento para evitar p. ten-tação da violação); a mulher menstruada, em outrosgrupos, é tabu e deve permanecer em determinadosEspaços Interiores, a~astada dos outros, e ? mes~oacontece com o guerreiro que mata um adversano: aposo combate o vencedor ou não pode entrar  em certosEspaços (às vezes não pode penetrar na área da co-munidade, ficando no mato adjacente) ou sair  de cer-tos Espaços. Idem em relação à figura do próprio rei,quase sempre movend~-se em Espaços, ~nteriores!. etc;

E ainda hoje se podena apontar resqmclOs (e nao soresquícios) dessa oposição Interior X Exterior: aburocracia, a religião, a divisão em classe sociais não

faz mais do que manifestar-se constantemente atravésdessa oposição.

Como se coloca a arquitetura com relação a esseeixo? Privilegia ela um ou outro desses dois terminais(i. e., define-se ela por um ou por outro deles) ou, aocontrário, só pode ser entendida como relacionando-se a ambos simultaneamente? De início, é necessáriorechaçar a tendência que ,:.:onsisteem considerar essa

questão como ingênua e já solucionada e, em particu-lar, a tendência para considerar o Espaço Interior comoo domínio da arquitetura e o Espaço Exterior cOmopertencendo ao urbanismo. Pelo contrário·, essa questãosempre esteve e continua em pé na Teoria da Arqui-tetura.

Existe efetivamente uma tendência acentuada nosentido de atribuir à arquitetura a preocupação primeirae fundamental de lidar com o Interior  (falando-se aquinão apenas do Interior e Exterior como dois elemen-tos distintos - ex.: rua = exterior; casa = interior -

mas como dois aspectos de um mesmo elemento, ex.:a parte interior e a parte exterior de uma e mesmacasa). Em considerar que o interior é a real substância

de uma coisa, de tal modo que quando se pensa emdefinir a substância da arquitetura só se pode dirigirpara o Interior. E essa inclinação não é exclusiva dopensamento arquitetural: está por toda parte. Bache-lard 15 analisa longamente essa espécie de valorizaçãointuitiva e onipresente do interior e que seria, s~gundoele, uma das características do espírito pré-científicopara o qual o interior de uma coisa é sua essência, sua

verdade, sua natureza e seu destino últimos. E tenta-se mesmo justificar esse ponto de vista recorrendo-sepor vezes a analogias que se querem, estas, científicas:a verdade do homem não estaria em seu interior, emsua "alma", ou em seu incons:.:iente enfim, em algo queestá lá dentro? Na verdade, a analogia não se susten-ta, e o pensa[ijento "interiorista" é antes um pensa-mento místico, um pensamento mágico, um pensamentodo misterioso: o interior é, desde o surgimento do ho-mem, a sede de mistérios insondáveis, impenetráveis emesmo aterrorizantes. Bachelard fala das formas sob as

quais esse medo do interior (e por conseguinte sua va-lorização, ou vice-versa) continua a persistir e se ma-nifestar: a atração receosa pela gaveta, cofres, armá-

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 16/90

rios ou, o que interessa para a arquitetura, pelos porõesdas ,casas (depósito de fantàsmas, alucinações e culpas- a literatura policial abunda em "mistérios de porão")e pelos cantos. :É possível mesmo encontrar na colo-cação psicológica de Bachelard a explicação das ra-zões (senão a  explicação) do enfoque que consiste emconsiderar a arquitetura como manipulação do EspaçoInterior:

terior, o que não aconteceu nem no Românico, nemna arquitetura grega e tampouco na construção monu-mental egípda, nas· quais impera ou uma acentuada di-ferença entre Exterior e Interior (na primeira) ou mes-mo uma disparidade gritante (nas outras duas).

Essa tendência, que vem à tona e simultaneamenteatinge o auge no Gótico, ainda se verifica (em graumenor) na Renascença e no Barroco (momentos emque se coloca de maneira nítida o problema da "facha-

da"), quando cOmeça a declinar para, salvo momentosisolados (alguma art l1ouveall , produções dos grandesnomes como Le Corbusier ou Lloyd Wright COm seuexemplar Museu Guggenheim de New York, mais umcaso de identidade perfeita entre Exterior e Interior),ser atualmente substituída por uma arquitetura essencial-mente "de Exterior", seja o que for que pretendam di-zer os adeptos da teoria Forma X Função (ver capí-tulo seguinte), ou seja, uma arquitetura que se dedicade maneira específica à "fachada" e que coloca em se-gundo plano o pensamento do interior ou onde, de qual-

quer forma, inexiste a identif icação Exterior-Interior,rompida em privilégio do primeiro.Como se coloca afinal a arquitetura em relação ao

eixo Espaço Exterior X Espaço Interior, qual o Espaçoque efetivamente define, aqui, o pensamento arquitetu-ral? :É necessário, de início, repelir as proposições dosque se recusam a tomar conhecimento do problemaafirmando que é impossível determinar-se, situar-se emrelação a esses termos por se tratar de noções relativas,e duplamente relativas. Relativos um em relação aooutro (não pode haver interior sem exterior, diz Bou-

don 19, e se a arquitetura é interior, como pode con-tinuar a ser arquitetura sem um exterior?) e relativosconforme o observador se coloque no plano da casa ouda cidade: aqui, com efeito, a fachada (elemento exte-rior da casa) é na verdade elemento interno (inerente)à casa, só podendo ser considerado exterior à casa aqui-lo que está afastado  dela, i.e., a praça, a rua, o espaçocoletivo.

Essa objeção se supera através da utilização, deinício, dos próprios termos de sua colocação: de fato,não há exterior sem interior e vice-versa. Quando com-

parados um em relação ao outro, se deveria falar antesem complementação: são como as duas faces de umamoeda, e se faltar uma a moeda não pode existir. Mas

... todo canto numa casa, todo ç.arito num quarto, todo espa-ço reduzido onde gostamos de nos agachar, de nos voltarmossobre nós mesmos é, para a imaginação, uma solidão, i. e., ogerme de um quarto, o ge rm e de  um a casa 16 (o grifo é meu).

... o canto é um refúgio que nos assegura um primeiro valordo ser: a imobilidade 17.

Conhecemos a seqüência: enquanto refúgio, imo-bilidade, tranqüilidade, o canto (i. e., a casa) é a re-produção do primeiro abrigo humano, o útero mater-

no, e por conseguinte a arquitetura, expressão perfeitada imobilidade, se decidiria por uma das pontas doeixo: o Interior. E assim tem sido efetivamente atravésdos séculos: desde a concepção de uma casa egípcia(não de um templo egípcio) da xx dinastia (aprox.1198 a.C.), passando pela casa pompeana (79 d.C.), atéo período românico (séculos XI, XII) obedeceu-se a essaorientação de manipular por excelência um Espaço' In-terior concebido cOmo oposição ao Exterior e com oqual se procurava uma proteção necessária - quem vêo muro liso e exterior (anônimo, agressivo) de uma

casa pompeana é incapaz de imaginar a tranqüilidade, aintimidade (a imobilidade) interior.Mas, o "misticismo interiorista" já foi identifica-

do, combatido e superado pelo menos na filosofia, de-pois do longo período de obscurantismo platônico eescolástico: paraf raseando Lenin, por exemplo (que nãoestava fazendo um mero jogo de palavras, embora porcerto tinha em mente uma intenção jocosa) é inques-tionável que a aparência é essencial, ao mesmo tempoem que o essencial aparece 18. Fato que começa a semanifestar na arquitetura a partir do Gótico, quando o

exterior de uma catedral é um reflexo fif ' l  de seu in-

16. BACHELARD,p. 30.17. Idem, p. 131.18. Em termos de arquitetura, Le Corbusler diria que "o exte-

rior é sempre um outro Interior".

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 17/90

a oposlçao mencionada· continua existindo, e só podeser superada (quer se trate 'de uma casa, quando sef ala em interior enquanto oposto à fachada, quer setrate da oposição casa =interior versus não-casa (rua,etc.) = exterior através de um jogo dialético entre essesaspectos. Não uma dialética concebida enquanto con-f lito simples, mas enquanto jogo combinatório consis-tente em partir simultaneamente de uma e outra dessas

duas noções para superá-Ias ao mesmo tempo. Na ver-dade, se dirá que, seja como for, a arquitetura é o domÍ-nio da imobilidade real, e que se vê mal como é possí-vel combiná-Ia com o jogo dialético, dinâmico por na-tureza e adequado aos processos humanos: este é umproblema de peso, mas pode ser contornado, ou podeter um começo de solução através de uma concepçãoque não mais receba esses limites (o do Interior e odo Exterior) como barreiras, marcos definitivos 20. Ecom isto se repele também a segunda parte da ob jeçãolevantada, referente à relatividade do ponto de vista(casa ou cidade): a oposição dialética também aquideve ser, com toda evidência, posta em prática e aboli-das as barreiras definitivas entre a casa e a cidade. En-tenda-se bem: abolir muitas das barreiras, porém nãotodas elas; não há dúvida nenhuma sobre a validadeda afirmação segundo a qual, psicológica e biologica-mente, o homem 21 precisa gozar de uma intimidade, deum isolamento dos outros por um certo número de horasdiárias, e sob esse aspecto a casa enquanto refúgió éuma necessidade - por outro lado, igualmente não resta

dúvida que o estado democrático (supondo que não ha jaaqui uma contradição nos próprios termos) só pode seimplantar quando (não apenas nesse momento, eviden-temente: mas aí as condições para essa implantaçãoserão amplamente f avoráveis) se abolir o caráter dis-cricionário com que se reveste o uso dos Espaços Inte-riores e Exteriores, uso que continua a existir ainda sobmuitas formas idênticas ou assemelhadas às postas emprática nas sociedades ditas "primitivas" antes men-cionadas.

estudando-se também urbanismo; a seguir transf orma-ram-se em f ac~ldades de arquitetura e urbanismo, f or-mando-se arqUItetos de um lado e urbanistas do outroi.e., especialistas, peritos. Ora, a especialização não s~admite aqui, pelo que se acabou de dizer mais acima:a. s~paração d~s conhecimentos só pode conduzir à opo-slçao casa x Cidade que se tem de evitar a todo custo.A solução? Há já alguns anos Bruno Zevi fala numa

nova disciplina (ou, pelo menos, num novo termo), aUrbatetura. O nome é f eio, por certo (seguramentef oi escolhido por exclusão: algo como "arquibanismo"seria realmente intolerável!), mas a denominação defato pouco importa: o que interessa mesmo é percor-rer todo o caminho de volta até a Renascença e tentarcontar de novo com homens que pensem a cidade semse esquecer que ela é feita de casas, e que proponhamcasas integradas à malha coletiva - tal COmopropunhaum nome talvez já desconhecido pelos arquitetos Mi-chelângelo. '

E a respeito da dialética casa x cidade é necessárioobservar ainda um ponto: até quando se suportará adistinção arquitetura e urbanismo? Conhece-se a histó-ria: no começo as faculdades eram só de arquitetura,

Tão ou ainda mais importante do que ser capazd.e_identif i~ar, formular e resolver o problema da opo-s~çao Intenor X Exterior é conhecer o significado pre-CISOdessas noções, sem o que aliás esse equacionamen-to é impossível ou inadequado.

. Qual o significado que se atribui ao Espaço Inte.

nor e ao Espaço Exterior ou, em outras palavras, comose percebe um Espaço Interior e um Espaço Exterior?Os primeiros ~a~os. vêm outra vez da antropologiacultural e de dISCiplInas que dela se alimentam, como

.a pr oxêmica (definida por Hall22 como o conjunto dasobservações e teorias ref erentes ao uso que o homemfaz ~o. espaço enquanto produto cultural especí f ico) ea ek .lstl ~a  (termo proposto pelo arquiteto grego C. A.DoxIadls para designar o estudo dos modos de estabe-lecimento humanos).

~ primeira noção da importância f undamental que seextrai desses estudos é a que diz respeito aos diferentesusos que se f az de um certo espaço e aos dif erentes senti-dos que se atribuem a esses espaços conf orme a cultura(o grupo social em questão) e a época. Uma mesma dis-

20. Algumas possibilidades de execução desta alternativa sãodiscutidas mais adiante, na análise dos demais eixos propostos.

21. Particularmente o ocidental médio.

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 18/90

posição espacial, interior, o~ ~xterior, pode ser recebidade modos inteiramente dlStlOtOS (e mesmo opostos) pordois indivíduos de culturas diferentes, noção que se deveter sempre em mente e que ainda uma vez vem lem-brar o fato (pois lamentavelmente parece ser sempre .econtinuamente necessário fazê-Io) de que cabe ao arqUi-teto e ao urbanista a pesquisa precisa dos sentidos doespaço reconhecidos em seu país ou ~ultura. antes d.e

propor sugestões arquitetônico-urbanístlcas seJ~m qua,lsforem. Por mais óbvia que seja esta observaçao (e elao é sob mais de um aspecto), ela não é seguida nemde longe pela maioria dos praticantes de arquitetura, nãosó os de hoje como os de quase to~os os tempo,s: acultura itálica propõe uma forma aqUltet~ral no ,seculoXVI e dois séculos mais tarde se tenta Implanta-Ia (ese implanta) na França ou nos Estados l!nidos; a arq~i-tetura inglesa é transplantada para o Egito; as soluçoesamericanas são seguidas ao pé da letra u~ pouco por

toda parte atualmente - sem que o, arqUIteto nem a.omenos se dê conta das profundas diferenças cultur~ISentre o modelo que está seguindo (por moda, comodiS-mo etc.) e a realidade sobre .a qual tentará i~po: ess~modelo (e freqüentemente aSSim age de modo mgenu.oe sem segundas intenções - se existisse isso em S?~lO-logia) provocando normalmente nã? ~penas. modifica-ções espúrias e equívocas em sua propna socled~de (nomodo de comportamento, nas :xpres.sõe~ ~ulturaIs etc.)como inclusive sérias perturbaçoes pSlcologlcas nos .usua-rios desses espaços. Alguns poucos casos compiladospor Hall confirmam amplamente esses contrastes cultu-rais que devem necessariamente ser levados em conta:basta pensar, por exemplo, que na ca~a .ocidental emgeral a disposição interna das paredes e fIxa, e~quantoque na morada japonesa (p.elo menos na tradiCional)as divisões são sempre semlfIxas. Ou q~e normalmen~enão se ocupa o centro de um aposento mterno no .OCI-dente (salvo simbolicamente, com um pequeno objeto,preferindo-se dispor os móveis s~bretudo ao :ongo ddsparedes), enquanto qu~ no J apao a ocupaçao de u.:n

espaço interno começa Justamente pelo .centro - .raza~pela qual a um j?ponês u~a sala OCidental 'pareceraessencialmente vazia por maiS atulhada que esteja.

E as dif erenças persistem mesmo considerando-seuma única cultura em épocas distintas: na França até oséculo XVIII os cômodos de uma casa não tinham fun-

ções absolutamente fixas (isto, naturalmente, nas casasdas camadas mais abastadas onde a multiplicidade deaposentos era possível) com a conseqüência f undamen-tal de que os membros de uma família não podiam iso-lar-se individualmente, como hoje. Funções como comer 

ou d ormir  não eram exercidas necessariamente no mes-mo lugar, continuamente, e as pessoas estranhas à casaatravessavam normalmente "salas de comer" ou "quartos

de dormir" (com ou sem ocupantes) sem maiores ce-rimônias. Isso é visível num caso máximo, o Paláciode Versailles, onde os aposentos se sucedem em linhareta sem corredor que leve de um a outro (que, por con-seguinte, isolasse um do outro): para passar do aposen-to n. 1 ao de n. 3 não há outro caminho a não ser atra-vés do, pelo meio do n. 2, a menos que se dê a voltano prédio e se entre pelo outro lado, quando então, parachegar ao m esmo n. 3, é incontornável a travessia don. 4 e tc.! E se é f ato que rei e rainha possuíam apo-

sentos especiais, separados de uma ala mais "pública",não é menos verdade que também estes se dispõem damesma f orma, por um lado, e que por outro lado osaposentos "não-reais" se sucediam sem ordem f un-cional, de forma que para se chegar a uma ala de re-cepção era necessário atravessar uma biblioteca ou mes-mo um quarto "de dormir" de algum eventual hóspedereal. Aliás, esse caráter de "publicidade" dos aposen-tos internos de uma morada é magnif icamente bemilustrado por Rosselini em seu f ilme sobre o Rei-Sol (A

t omada do pod er por  Luís X  I V) onde se vê (com baseem exaustivas pesquisas históricas), por exemplo, a cria-da d e quarto dormindo e fet ivamente no quarto do rei(daí a denominação "criada d e quarto") que só tinha asepará-Io (e a sua companheira de cama) da criada o

'tecido circundante do leito, à guisa de cortina; ou o des-pertar das figuras reais sendo presenciado (assistido naextensão do termo, como se assiste a um filme) porpessoas da corte que penetram na câmara e vêem asprimeiras abluções do rei, etc. Será apenas a partir doséculo XVIII que os cômodos (especialmente os quar-tos) passarão a se dispor ao longo de um corredor parao qual abrem suas portas, COmo as casas em relação à

rua. Nesse momento efetivamente se pode dizer, comBachelard, que o c anto é o germe de um quarto, que éo germe de uma casa: até essa época, o imaginário dasolidão e do recolhimento era essencialmente diferente, e

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 19/90

se poderia dizer apenas que o çanto era o germe da casa,sem a etapa intermediária. Esse aspecto de "publicida-de" no interior de uma casa pode realmente ser cons-tatado em mais de um caso na história da arquitetura: ascasas pompeanas, por exemplo, têm "quartos" sem portaalguma, e embora não se tenha de atravessá-Ios para pas-sar de uma peça a outra (a circulação se faz por uma"ala" exterior aos quartos, normalmente contornando emquadrilátero o jardim central), seus ocupantes ficavaminteiramente expostos à visitação dos estranhos à casae dos outros membros da família.

Estas constatações impõem que se reconheça umoutro eixo f undamental de organização do Espaço naarquitetura, decorrente do primeiro e que deve ter seussentidos especificamente determinados conf orme a cultu-ra e a época: o eixo Espaço Pr ixado X Espaço Comum(ou Espaço Individual X Espaço Social, embora a pri-meira denominação seja mais genérica e portanto devaser a preferida). Para o arquiteto o problema que se colo-ca aqui, de modo especí fico, é o de saber como, numa da-da cultura, se percebe um Espaço como sendo Privado ecomo se percebe um outro Espaço como sendo Comum,i.e., quais os limites de um e outro, até que ponto umespaço pode ser estendido sem se ferir os Espaços Pri-vados, até que ponto estes aceitam e permitem aqueles.Considerando-se por um lado que o homem ocidental,de modo particular, valoriza ainda hoje, em termos ge-néricos, a possibilidade de recolhimento individual, de

isolamento (periódico e delimitado, porém isolamento)e, por outro lado, os desequilíbrios psíquicos resultantesda convivência forçada e da promiscuidade, é fácil com-preender a importância desse eixo para a prática da ar-quitetura. Os exemplos de Hall poderiam ser repetidosà exaustão: o alemão valoriza particularmente o cômo-do fechado (por conseguinte, valoriza a porta fechadae, essencialmente, a existência da porta), enquanto oamericano se sente à vontade num cômodo aberto ou,pelo menos, não se perturba por estar nessa situação

(neste caso, admite a porta aberta ou, essencialmente, aausência de porta), num conflito que parece ser par-ticularmente sentido nas filiais americanas de compa-nhias alemãs ou nas filiais alemãs de companhias ame-ricanas. O alemão necessita da porta fechada para sen-tir-se à vontade, para se concentrar e produzir enquantopara o americano essa não é uma necessidade imperio-

sa, do que resulta para o alemão que se movimenta emambientes de portas abertas a sensação de uma atmos-fera "pouco séria" e, para o americano forçado a vivera portas fechadas, a impressão de um alheamento àsua pessoa, de uma esnobação ou mesmo de uma "cons-piração" contra ele. Não é difícil agora entender osucesso ou a aceitação do famoso edifício de escritórios

de F. Lloyd Wright, o The LarkinBuilding (Bufallo, NewYork, 1904), onde estes "escritórios" não são mais doque mesas que se dispõem à volta de um poço internona forma de um quadrilátero central, numa sucessão deandares não vedados por paredes, de tal f orma que todosse vêem não só num mesmo andar (a visão é livre nãosó para os espaços imediatamente próximos como tam-b~m para as mesas situadas nos outros lados do quadri-latero) como em todos os andares (três ou quatro), po-den~o todos serem vistos ao mesmo tempo por um su-pervI~or, se for o caso. Um projeto desse tipo seriarepelido de modo natural não só na Alemanha comona Inglaterra - repelido pelo menos pelos usuários dosescritórios; mas, como é um projeto com uma conotação.ideologicamente lamentável pois nele o princípio queImpera é claramente o da vigilância ("supervisão" é otermo moderno), receberia todo o apoio dos interessa-dos num controle absoluto do rendimento do trabalhohumano. Por outro lado, tudo indica que essa disposi-ção não seria em princípio recusada pela cultura italia-na, onde os indivíduos não apenas se expõem mais à

apreensão visual dos outros como não se importam queestes se apropriem de suas opiniões e pontos de vista: otom de voz utilizado em qualquer conversa é considera-velmente .ele':,ado, exatamente o oposto, por exemplo, docostume mgles e de dominar a voz para que ela alcanceapenas e tão-somente o interlocutor específico (o mum-bling, considerado mesmo, na Inglaterra, indício de boaeducação).

Poderia igualmente ser recebido como projeto abso-lutamente "normal" na República Popular da China

onde a noção do Espaço Comum predomina am-plamente sobre a de Espaço Privado - e de formamuito mais acentuada ainda. Interessante ressaltar a res-peito da China - para evidenciar a importância do modode disposição e uso do Espaço na formação de umacultura e uma ideologia - um dado normalmente nãolevado em consideração pelos analistas políticos e cu ja

 

i b â i dá é i d í é i

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 20/90

inobservância dá margem a uma série de equí vocos sériose lamentáveis: se uma ideologia como a marxista pôdeser posta em prática na China foi porque ela já encon-trou nessa cultura um conjunto de elementos de nature-za semelhante aos por ela defendidos e contra os quaisela não teve de entrar em conflito. E a maior partedesses elementos estão justamente no modo de organi-zação e utilização do Espaço, possivelmente um dos pri-

meiros traços a determinar o tom geral de uma cultura.Efetivamente, na China sempre foi comum, em todos ostempos anteriores ao aparecimento de Mao, um modode vida do tipo, em tudo e por tudo, coletivo: desde aorganização do trabalho no campo, passando pelos mo-dos de usufruir o tempo livre nas representações teatraisou nas tavernas, até o costume de dormir em conjunto,membros de uma família ou não, não só no mesmo apo-sento como sob a mesma coberta, a norma (o ".normal")é a vivência num espaço comum (não só na China, aliás,

como no Japão e, de modo geral, em todo o Oriente).Não é de se estranhar portanto, pelo contrário, que ascomunidades familiares de trabalho ou lazer hoje postasem prática na China tenham sido rapidamente aceitas:elas não se chocavam com a cultura tradicional dopovo e, antes, encontraram na prática comunista umreflexo organizado e diretivo desse padrão de compor-tamento. Já o mesmo não parece ter-se verificado naRússia, onde o fracasso mais ou menos profundo ôecertas diretivas comunistas iniciais (como atesta o apare-cimento, em larga escala, dos incentivos ao trabalho, como ressurgimento de distinções econômicas e sociais entreos membros da classe social: um dirigente ganha substan-cialmente mais do que um operário qualificado e podepossuir "seu" carro; um operário que produz mais recebemais do que outro e pode traduzir esse mais na possede objetos cuja função é nitidamente a de individualizarseu possuidor, etc., todas elas práticas enfim do chama·do mundo ocidental e burguês) indica claramente que opapel do "comum" na sociedade russa pré-revolucioná-ria não era nem de longe o mesmo existente na China

anterior à década de 40, e que essa sociedade russainclinava-se acentuadamente na direção do "privado".

Estas observações sobre o segundo eixo definidordo Espaço arquitetural coloca o arquiteto-urbanistadiante de um duplo problema: primeiro, o de determinaras signif icações que assumem para os membros de uma

cultura cada um dos terminais do eixo (Espaço Privadoe Espaço Comum) e saber na direção de qual deles"tende" a prática ~ocial desse grupo. Em segundo lugar,resolver essa opOSição do mesmo modo como se resolvea primeira e todas as que se seguirão, i.e., através deum jogo dialético entre Comum e Privado. Se foi ditomais acima que a manipulação dessa oposição é funda-m~ntal para evitar-se, por exemplo, desequilí brio psí-~ll1?OS resultantes d a f  alta de espaços íntimos (desequi-hbnos que parecem aumentar com a sempre maior ex-plosão demográfica e a resultante diminuição de 4rea evolume para 3S pessoas), não resta a menor dúvida,como já concluíram disciplinas como a sociologi<1e apsicologia ~ocial, de que as possibilidades de uma socie-dade melh~r residem justamente na demolição pelomenos parCial dos redutos de individualismo excessivoque ~in?a regem as relações humanas. Esta modificação~uahtatIv~, no entanto,)amais poderá ser posta em prá-

tlca atraves de concepçoes "abstratas" (como as leis) oununca poderá ser levada às últimas conseqüências se nãofor seguida por uma modificação análoga no modo derelacionamento dos homens entre si e dos homens com oespaço (na verdade, dos homens entre si através do es-paço), o que cabe a práticas como a arquitetura-urba-nística. O modo de disposição e de atribuição de signi-ficados ao espaço é na verdade um dos elementos dainfra-estrutura do comportamento humano, e nenhumamodificação efetiva na superestrutura (ideologia, etc.)pode ocorrer se não contar com mudança equivalente noprimeiro nível.

Contraditoriamente à situação criada pela ex-I-'los~o demográf~ca, as sociedades humanas em geralcontmuam a cammhar para o isolamento cada vez maior~os h?mens entre si (continuam a aspirar ao ideal indi-v.ld~ahsta) e, por conseguinte, para uma contínua opo-slçao entre esses homens, em todos os ní veis de suasatividades. O arquiteto tem uma responsabilidade enor-~e nessa situação. P7 nse-se por exemplo no que signi-fica a passagem da Vida em uma casa para a vida emapartamento. Para os ingênuos, essa modif icação seriaacompanhada por uma maior intensidade nas trocashumanas, pois se aboliriam os espaços entre as mora-das e se aproximariam os indivíduos. Na realidade, noe?t~nto, oc..?rre~ exatamente o contrário, e por umasene de razoes nao todas elas determinadas: para muitos,

 

i id d t d i i h (f ü t t f it ã f i l t id t

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 21/90

a proximidade aparente dos vizinhos (f reqüentementenada aparente, pois o vizinho penetra no e~paço do outrocom o som de seu aparelho de TV, su~ vitrola o~ mes-mo sua voz através de paredes excessivamente f mas esem isolam~nto acústico, por indesculpáveis razões derendimento econômico - e o canal sonoro é justamenteaquele pelo qual mais se sente a }nva~ão de um estranho,pois o homem não pode controla-l~ a sua vontade como

faz com a visão, por exemplo) leva Justamente a proc~rarum afastamento em relação a eles. Para outros, a Sl~-pIes visão da porta "do o~tro" já constitui. uma barreiraque se estabelece automaticamente: a respeito, ~~chel~r~observa que só um indivíduo extremamente loglco dlraque uma maçaneta serve ~an~opara fechar como paraabrir, e isto porque para a malOna das pessoas uma ma-çaneta "naturalmente" abre muito mais do que fecha, domesmo modo como uma chave fecha muito mais do queabre; que dizer, neste caso, da visão de uma. po.rt.a.com

uma única maçaneta e as várias f echaduras mdlClms demedo, insegurança, vontade de proteção e afastamento?O único problema com esta observação de Bachelard(justificada sob mais de um asp~cto) é saber as culturaspara as quais uma maçaneta mms abre do qu~ fecha ..E!enão se interroga especificamente sobre o sentldo da .vlsaode uma porta, de interesse particular para .0 a~qUlteto:uma porta fechada normalmente detém um mgles, que arecebe como barreira a não ser transposta salvo se expres-samente convidado a fazê-lo - mas uma porta fe~h~da(sem estar fechada à chave, obviamente) ~ã~ constltUl demodo nenhum um impedimento para um itahano. Q~an~do um italiano deseja isolar-se (o que de resto nao enorma) ele deve girar a chave, ao passo que para uminglês, entre ingleses, basta fechar a P?rta sem ,cha.ve:ele sabe que outro inglês não se abnra sem pre-avlso.

Outras comunidades e culturas ressentem aindamais - até ao repúdio - a passagem da vida em casaspara a vida em apartamentos: por exem~lo, as com~-nidades negras dos bairros pobres em mais de uma. CI-dade americana. Querendo acabar com os slums, mUltosórgãos administrativos norte-a~ericanos resolveramconstruir e entregar a essas comumdades enormes blocosde apartamentos, que no entanto logo se ~~ansf ormaramem novos slums , como em toda parte ahas, po:-qu: osnovOs moradores simplesmente não tinham (e nao tem)como prover para a manutenção desses prédios, e as

pref eituras não o f azem igualmente: rapidamente os re-vestimentos se deterioram, a iluminação desaparece, asujeira toma conta de halls e escadas, e corredores eelevadores (quando f uncionam) se transformam em lo-cais prediletos para crimes ou em latrinas. Os gruposatingidos por essas medidas (e "atingidos" é bem otermo) logo recusaram a vida nessas torres inf ernais,porém não especificamente pela ausência e impossibili-

dade de manutenção e insegurança dos moradores maspor uma razão mais simples e ainda mais f undamental:recusaram-nos porque tiveram a consciência imediata deque a vida em apartamentos (i. e., em caixas ou gaiolasisoladas e muradas por todos os lados) estava simples-mente matando um modo de vida, suf ocando uma cultu-ra, uma maneira de sentir o espaço e os outros, aquelaque se desenrola em lugares abertos e na horizontal. Es-cadas, elevadores, paredes, portas significavam, paraeles, e com razão, a destruição de um espírito comunitá-rio, de um sentimento de identificação e de pertencer aum grupo que só poderia se manif estar em espaços comoos f ornecidos por casas ou sucessão de casas, onde osespaços abertos se multiplicam escondendo as portas f e-chadas (quando o estão, pois normalmente as portas deentrada da casa ficam abertas, f echando-se apenas a doscômodos, ao contrário do que se tem no apartamento).Evidentemente, trata-se aqui de um resquí cio cultural, damemória d e uma realidade na verdade nunca sentida(plenamente, pelo menos) pelos membros dessas comu-nidades mas que ainda se impõe fortemente a eles, a

memória de uma aldeia africana remota no tempo ondetodos os abrigos se voltavam para uma zona central co-mum e onde não há nunca portas, f echadas ou abertas.

Todos estes sentidos básicos devem ser pesquisadospelo arquiteto antes da proposição de um pro jeto, combase especificamente nos dados f ornecidos pela antropo-logia. No entanto, é necessário que o arquiteto tenhaaqui noção de um problema grave e suas conseqüências.A saber: a esmagadora maioria (para não dizer a quasetotalidade) dos estudos antropológicos costuma deixarde lado em suas análises (voluntariamente ou por sim-ples desconhecimento) a dimensão sócio-econômica dasculturas abordadas, o que normalmente provoca maisde uma séria distorção. Vejamos um caso em Hall: re-lacionando as culturas americana e árabe, Hall procuramostrar como a norma na cultura árabe é a participação

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 22/90

efetiva na vida comum (na vlda "dos outros"), em opo-sição à cultura americana onde o "não é da minha (ouda sua) conta" é a regra (o que se conf irma, entre outros,por inúmeros casos de estupro e / ou assassinato, prati-cados nos EUA em corredores ou halls de prédios a quetodos têm acesso físico e auditivo, sem que ninguémacorra em auxí lio da ví  tima, embora ela grite e peça aju-da por longas dezenas de minutos, como num caso cé-

lebre transformado em peça de teatro). E dá como signoexterior dessa maior participação o fato de os árabes seamontoarem nas filas (que, logicamente, deixam desê-Io) empurrando-se com o corpo e os cotovelos. ParaHnll, assim como os l imites do "ego" de um europeuestão na sua pele (e na epiderme, à f lor da pele literal-mente, de tal forma que tocar na pele é tocar no "eu", éconfirmar - se se trata de estranhos - uma invasãoindesejada do território privado), para os árabes o egoestá no "interior" do corpo, de modo que tocar a pele

não é invadir o eu. Assim, como a regra é a participa-ção ativa na vida em grupo, nada mais normal do que aexistência de aglomerações e empurrões, que não seriamressentidos como invasões, ao contrário do que acont~ce

. com o europeu, o norte-americano e mesmo muitas cultu-ras sul-americanas para as quais essas situações são rela-tiva ou totalmente intoleráveis. No entanto, se é fato quea vida comum é mais intensa no Oriente Médio do quenos EUA, nã o é verdade que a aglomeração de pess·oasnas filas, a disputa por um lugar etc. sejam fatos "natu-rais" nessa cultura. Uma colocação deste tipo implicaque ou HalI nunca visitou um país do Oriente Médioou Próximo ou não soube identificar e interpretar ade-quadamente, pela falta de uma análise de natureza so-ciológica, os f atos presenciados - e a primeira alterna-tiva não é verdadeira.

De f ato, vejamos um caso concreto: o Egito. Real-mente, desembarcar no Egito e passar pela alf  ândegaou trocar dinheiro num banco central do Cairo é umaproeza na qual sucumbe mais de um ingênuo europeu ouindivíduo de cultura assemelhada. As filas realmentenunca chegam a se formar, substituídas por aglomeraçõesonde todos se espremem poderosamente (sem reclama-ções por parte dos árabes, é certo) para chegar ao gui-chê ou à "autoridade" em questão. Mas antes das "aglo-merações" há duas outras realidades: a burocracia e osprivilégios (pode a primeira existir sem os segundos, e

vice-versa?). E a burocracia é, ali, qualquer coisa dees~antosa: desembarcando de um navio, não é possí velSaIr do porto sem passar por uma média de 7 "autorida-des", num espaço de tempo não inferior a três horas'para se trocar dinheiro, um estrangeiro não pode dispen~sar a passagem por outras tantas sete ou oito pessoas,enquanto se desespera numa agência bancária que éuma ver~ad;ir~ antevisão ~o. caos, com centenas de pes-

soas (nao e f Igura de retonca) aglomeradas diante detodos os guichês, enquanto outras se sentam em banc0scom~ num hospital ou consultório médico (os ban;;osfuncIOnam ~rês horas diárias, em média, para o público).A burocraCIa em parte se explica: ainda em 1975 o Egi-to era um paí s praticamente em estado de guerra, e todaforn:a. de controle nos portos de desembarque era ne-cessana; por outro lado, as operações de câmbio sãofor~alment~, controladas de modo rí gido pelo governo:a fl.m de eVItar as evasões. Mas a burocracia se estende

mUito além desses limites e faz surgir um outro f enôme-no que a revolução de Nasser (talvez já em vias de es-qU:~I.m~,nto?) nã~ co.nseguiu ~ufocar: os privilégios.A fila. para a vIstona na aIfandega é continuamentedesrespeItada por alguma "autoridade" que acintosa-mente. apresenta ao encarregado alguém que deve seratendIdo na hora - e tudo é feito às vistas de todos oqu~ é pio.r ainda pois aparentemente não se teme ev~n-tuaIs queIxas dos interessados. Da mesma f orma nocâmbi<:, há sempre um passaporte extra trazido pelo ;hcf eda seçao e que deve ser anotado e atendido na horaantes dos demais. Nestas circunstâncias, não é de s~est!anhar que os ~gí pcios se aglomerem diante dos gui-c~es tentando pedIr (não raro aos berros) ao funcioná-no que atenda seu caso em particular, seja qual for suaeventual posição. numa f ila que, de f ato, não serve paranada. E para eVItar que o vizinho seja atendido antes ooutro igual~ente disputa o lugar COm todo o peso 'deseu corpo, literalmente. Donde, as aglomerações e C('-

toveladas mencionadas por HalI.

Estes f at~s não sign"ifi~am, no entanto, um compor-tamento e~pacIal e p~oxemIco (o suposto "gosto" pelasaglom.eraç.oes) mas SIm o ref lexo de uma situação socialonele mexIste o respeito pelo direito alheio - o que secumprova da observação de uma série de outros fatos.Por exemplo, o absoluto desrespeito dos pedestres porparte dos automobilistas, que investem sobre eles decidi-

 

damente sem brecar fora ou dentro das faixas de se fácil observar de resto que esta é uma constante na

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 23/90

damente, sem brecar, fora ou dentro das faixas de se-gurança; o c ontínuo desrespeito ao sinal vermel~o ~tc.A realidade é que, apesar da queda de Farouk, ha vI~teanos, o Egito continua a ser uma terra onde o conf l~tode classes é intensamente sentido e onde o desrespeitoaos direitos do economicamente fraco (e não raro doseconomicamente "semelhantes") é uma constante, dondeo estado de contínua luta real por um direito qualquer,

do qual resultam as aglomerações. Por certo, essa si-tuação se reflete e se implanta na estrutura do com-portamento social do egí pcio, de tal.form_a qu~ el~ assimtenderá a agir mesmo quando a slluaçao nao e, comtoda evidência, a mesma: em "território europeu", umegípcio tentará "normalmente" furar uma f ila para com-prar uma ficha de café ainda que a sua f rente esteja~apenas três pessoas e que, com toda certeza, ele senaatendido rapidamente. Mas será inteiramente inadequa-do, a partir da observação deste fato ocorrido em "ter-

ritório europeu", concluir por um comportamento espa-cial "natural" do egí pcio: não se trata de um compor-tamento derivado de uma estrutura primeira e fundamen-tal de uma dada cultura, mas sim de um comportamentooriundo de uma situação eventual (o desrespeito aos di-reito sociais) que, mudando, pode mudar aquele com-portamento inicial.

Toda investigação antropológica no sentido do es-paço só pode ser assim efetivamente operacional se'vali-dada e corrigida pela análise histórica do momento so-cial. Mesmo uma afirmação feita mais acima, segundo aqual o comportamento básico e tradicional do chinês é avida em coletividade, precisa ser corrigi da com a anO-tação de que obviamente era comum encontrar entre asclasses abastadas uma prática bem mais acentuada do es-paço privado do que nas classes inferiores, res~ltanteobviamente das possibilidades econômicas e polítIcas depoder gozar de espaços exclusivamente particulares 23. É

fácil observar, de resto, que esta é uma constante nahistória de todas as culturas em todos os momentos: ousufruto de um Espaço Privado é conseqüência de umasituação sócio-econômica privilegiada, de tal forma quea preferência pelo Espaço Privado ou pelo Comum nãoé uma determinante absoluta de determinada culturamas, sim, decorrência de outros fatores - embora na-quelas sociedades onde inexistem desní veis econômicos

entre seus componentes, como as sociedades primitivas,a tendência seja para uma utilização bem mais acentua-da do Espaço Comum.

E a conseqüência, para o arquiteto, do problemaque é a falta de análises históricas e sociais na determi-nação. dos sentido~ da manipulação do espaço pode serenunciada. da segumte forma: não basta operar a partirde determllladas noções espaciais que se propõem comodados primeiros de uma cultura (i.e., como estruturasfund,a~entais a. serem observadas e respeitadas); é ne-

cessano, a p a rt lr  desses dados, p r o p o r  organizações es-paciais que f uncionem como inf ormadoras e f ormadoras(educadoras) dos usuários na direção de uma mudançad~ comportamento qu~ po~sa ser considerada como aper-felçoadora das relaçoes mter-humanas e motrizes dopleno desenvolvimento individual (sendo certo que um

ções podem ser consideradas como justas em sua essência elasdevem se! corrigidas necessariamente sob pena de cair-se e~ ge-neral1zaçoes amplas demaIS e apressadas. Assim, não se deve esque-cer, por exemplo, as Influências exercldas até hoje, em seus desdo-bramentos, por uma obra como O cor tesão , do renascentlsta BaltazarCastlgl10ne (e códigos de etiqueta semelhantes). Na Renascença,

Castlgllone escreveu esse tratado para mostrar aos prí ncipes, nobrese burgueses como se comportar numa sociedade segundo ele educa-da. Def endeu não só o uso de roupas que t~ndessem ace~tuada-mente para as cores escuras, se não pretas (tal como se usava nacorte de Espapha, c,?nslderada como modelo) como inclusive, ee.~peclfica.mente,propos o tom moderado na conversação e a aboll-çao das risadas, substituídas de pref erência pelo sorriso; gritar,f alar alto e gargalhar eram manif estações "vulgares" a serem evi-tadas p~los nobres (pelos "superiores"), capazes de autodomínio econtençao. Da mesma f orma, para o inglês "educado" falar altoé indlce .de má educação, de rompimento de um código de etiqueta- mas e preciso ressaItar que essa prática não é assim recebidapor um. inglês pertencente às classes econõmlcas não privilegiadas.O mesmo vale para qualquer outra cultura: o Ital1ano "sofisticado"não ~az do f alar alto um valor positivo, pelo contrário; idem emrelaçao ao argentino, ao brasileiro e Inclusive ao próprio árabe decondição cultural e sócio-econõmlca elevada. Ou seja, há diferençasqual1tatlvas e quantitativas, marcantes dentro de um mesmo gruposocial a respeito do comportamento espacial (sonoro, gestual etc.) ,das quais só se pode dar conta através das análises de correção decunho histórico, pslcossoclal e econômico. Isto não significa umaInvalldação de proposições como "o árabe fala mais alto que o ame-ricano ou se aproxima mais de seus semelhantes, corporalmente"mas apenas que este dado central deve ser necessariamentecorrigido.

Seria possível responder a esta ob jeção dizendo que na verdadetodo aquele que foge das coordenadas de um modelo básico (porexemplo, f alar alto) está mesmo escapando à própria cultura em

23. Uma análise histórico-social é aquilo que efetivamentefalta a obras como a de Hall e sob mais de um aspecto. Chamama atenção, justamente, as ob~ervações que Hall faz sobre a "dimer;-

são auditiva" e os modos de percepção do relacionamento atravesda voz. Hall observa, por exemplo, que sob esse aspecto as culturasárabe e americana opõ~m-se abertamente na medida em que para oárabe é perfeitamente comum um tom bastante elevado na conver-sação enquanto que para o americano o que prevalece é um tomacentuadamente baixo (em relação ao árabe), do que surgem. pro-blemas para InterlOcutores dessas culturas um~ ,:ez que o ara1?etenderia a considerar o tom baixo como a.usencla de convlCçaodaquele que o emprega ou mesmo como autêntico Indício dementira. Da mesma forma, um Inglês f alaria bem mais baixo doque um Italiano, e assim por diante. No entanto, se tais observa-

 

terior) propõe de imediato e de modo inelutável oob jetivo não pode ser plenamente alcançado sem que

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 24/90

que se originou, pertencendo antes a uma outra cultura de adoção.Neste caso, um árabe que f ala baixo ou que mantém uma dIstân-

cia corporal acentuada em relação a terceiros é, de f ato, um europeu(e neste caso, o privlleglamento do privado sobre o comum não émais do que uma valorização do "refúgio", do "interior", do "cen-tro", que procura escapar a um universo ressentido como hostil,perigoso ou Indese jável, o universo da "ausência da boa educação"mas também da miséria, do conf llto etc.) , podendo ser assim des-crito segundo os moldes desta segunda cultura. No entanto, nemmesmo esta objeção pode ser aceita nesta formulação porque, deacordo com o que foi observado, esse árabe antes de pertencer àcultura européia pertence a uma classe sócio-econômica que apre-senta os mesmos traços gerais em todas as culturas, sendo aidentif icação assim em termos sócio-econômicos e não culturais. Asclasses sócio-econômicas privilegiadas não têm fronteiras; são, nomundo atual, uma classe Internacional com interesses e aspiraçôesidênticos. Sob este aSpecto, também as classes Inferiores,. par-ticularmente as que estão realmente na base da pirâmide socia.l,podem apresentar um quadro de comportamento proxêmico de

caráter internaclonalista., embora se jam just"mente, por uma.série de razões (menor exposição aos meios de propaganda. demassa como a TV, etc.), as depositárias dos traços nacionais dlfe-renciadores. Não será inadequado concluir assim quê um itallanosubtraldo do mundo da. etiqueta e da "boa. educa.çãO"fale tão a.ltoquanto um americano ou árabe nas mesma.s condições --, embora,como se reconheceu, se possa propor que o modo g e r a!  de comuni-cação oral do árabe seja f eito num tom mais elevado do que o doa.mericano, igualmente considerado em termos genérlco,s. Apenasé f undamental não perder de vista a análise s6clo-economica, evi-tando-se o privlleglamento dos dados antropológicos puros.

te o ) p opõe de ed ato e de odo e utáve oeixo Privado X Comum, da mesma forma este leva à

determinação do terceiro eixo da estrutura central dessalinguagem, constituído pelas significações geradas pelaoposição entre o Espaço Construíd o X  Espaço Não-C onstruído. Estas implicações são na verdade tão in-timamente relacionadas e se colocam numa f unção tãoestreita que se torna extremamente difí cil discorrer sobre

os eixos numa seqüência de tópicos ao invés de falardeles puma única unidade de análise - e, de qualquerforma, abordar um é tratar simultaneamente dos ante-riores e a eles retomar, sob um outro aspecto.

O fato de a oposição Construí do X Não-Construídodecorrer do eixo Privado X Comum (e, por conseqüên-cia, do eixo Interior X Exterior) seria na verdade maisevidente desde logo se tivessem sido abordados os doistermos que se pode constatar aqui e a l i nos ensaiossobre arquitetura e nas traduções para a dimensão verbal

que os indiví duos cóstumam fazer de suas experiênciascom o espaço arquitetural: Espaço Ocupado e EspaçoLivre. Para mais de uma teoria da arquitetura, comose viu (se é que se pode chamar de teoria as manifesta-ções e reflexões pessoais mais ou menos organizadas dosarquitetos e que constituem, até aqui, a base habitual dopensamento arquitetural), um dos traços definidores daarquitetura é a "ocupação do espaço": é o caso porexemplo, como citado, de Le Corbusier. Por outro lado,

.é constante e maciça a menção a espaços livres ("enor-me espaço livre", "carência de espaços livres") tantonesses mesmOs estudos quanto nos fragmentos das con-versações quotidianas. Por que, então, não dar preferên-cia a esta terminologia "consagrada"? E qual seu senti-do, em contraposição aos termos aqui escolhidos?

Uma razão já foi dada para o afastamento do con-ceito de "ocupação": arquitetura é ordenação, disposi-ção do espaço, que pode ou não implicar uma ocupa-ção. Esta não é necessária e, portanto, não é pertinentepara a definição de uma linguagem da arquitetura. E,em segundo lugar, o conceito de ocupação está dema-siadamente ligado, com toda evidência, ao conceito de

 privado, de propriedade particular. Ocupação, aindaatualmente, implica uma apropriação exclusiva, i.e.,uma posse de exclusão: a ocupação, nesse sentido, éde uns cont r a outros, e o levantamento de paredes (naforma de casas, por exemplo) tem exatamente esse sen-

ob  jetivo não pode ser plenamente alcançado sem queo outro também o se ja, ao mesmo tempo), Conhecero significado preciso que uma ordenação espacial assu-me para determinado grupo social é efetivamente funda-mental; porém, fazer dessa observação um molde rigo-roso da prática arquitetural é, via de regra, contribuirpara a fixação de modos do comportamento a clamarfreqüentemente por radicais transformações. Daí a ne-

cessidade de o arquiteto, informado por uma ideologia,propor novas concepções de utilização desse espaçocom base na combinação dialética entre privado e co-mum: nem o privado deve ser o objeto único daspreocupações de arquitetura, nem a imposiçãO do comumdeve erigir-se em programa de ação absoluto. Éimpor-tante, sim, ter em mente a função de formação que sópode ser exercida através do novo e do confronto bipolarque o instaura. E, de qualquer modo, observar quetoda modificação geral na sociedade só é efetiva se

acompanhada por essas mudanças (atribuição de novossentidos aos relacionamentos espaciais) ao ní vel dasinf ra-estruturas.

I. 3.3. 3.° eixo: Espaço Construído X Espaço Não-Construído .

Assim como o primeiro eixo definidor da estruturafundamental da linguagem arquitetural (Interior x Ex-

 

tido - e embora esse ato tenha seus aspectos positivos( ã lhi ã é

tí vel, mas ao mesmo tempo se deveria ressaltar que oé i l á i lib ã d i di í

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 25/90

(proteção, recolhimento, e tC.), sua conotação é essen-cialmente a de privação de outros. E como a ocupaçãopode ser feita por todos e não apenas por um, o "cons-truído" é, assim, um conceito que supera o "ocupado",ao mesmo tempo em que é mais genérico do que estee o abrange.

Por outro lado, a insistência na utilização de

expressões como "Espaço Livre" pode continuar aref orçar a intuição (amplamente difundida hoje, e comrazão) de que o resultado da ação arquitetural apre-senta sempre aspectos preponderantemente negativospara o homem - intuição aliás que está longe, e muito,de ser inf undada. De fato, por que certos espaços sãopercebidos como "livres", o que equivale a dizer queoutros, os construídos, são recebidos como "espaçospresos" ou espaços de prisão? Antes de mais nada, éóbvio que quando se f ala num "espaço livre", o objeto

real desse "livre" é o próprio sujeito falante e não odeclarado "espaço". Não há a menor necessidade dedemonstrar a validade dessa colocação, ela é visívelno comportamento das pessoas que se mostram satisfei-tas, despreocupadas (alegres?) quando se movimen-tam por espaços abertos, alvo primeiro dos momen-tos de lazer, dos fins de semana. Não há como negar:o "espaço livre" é o lugar da libertação do homem, umespaço de festa. Por certo há um sentimento de qúe oespaço ocupado, construído, é um lugar onde tam-bém o próprio espaço é aprisionado, mas com o apri-sionamento deste continente o que é ef etivamente atin-gido é seu conteúdo, o homem.

A arquitetura como prisão, o espaço construídocomo universo concentracionário? .É indubitável que eleé assim percebido atualmente (mais que em outras épo-cas?) e, mesmo, que ele é praticado com esse ob je-tivo, freqüentemente. O conceito de "prisão" inere~-te à noção de espaço construído é de fato um dos pro-prios conceitos institucionais do espaço, o lado oposto,a oposição ao conceito de "proteção, abrigo". O útero

materno é um abrigo - mas é ao mesmo tempo umacerca a impedir a autonomia, a livre movimentação.(o livre arbítrio, se se quiser) do indivíduo em for-mação, que dele tem necessariamente de f ugir. Diz-senormalmente que o parto é a primeira violência come-tida contra o indiví duo, b que pode não ser discu-

parto é igualmente a necessária libertação desse indiví -duo. Como todo ato de libertação - f  í sica ou psí-quica - o parto é necessariamente doloroso e trau-mático para o próprio indivíduo, e se ele pudesse terplena consciência dessa sua "saída" ou "emergência"poderia por certo oscilar diante do caminho a tomar,como sugere a psicologia: permanecer - mudar, abri-gar-se - expor-se. O conf lito dialético é manifestoe se reflete inteiramente na concepção da casa, daconstrução do espaço construí do: proteção - prisão.Aliás, o isolamento dos que não se submetem às nor-mas da sociedade não é justificado exatamente nessesmesmos termos? A prisão do indivíduo num espaçoconstruído (e reduzido: nunca se manteve presos osindivíduos em espaços amplos ou abertos) é apresen-tada não apenas como medida necessária à proteçãoda sociedade mas igualmente como medida de proteçãodo pr ópr io cr iminoso, protegido de si próprio e do

mundo que o chama para o crime! A prisão como pro-teção: slogan hipócrita que custa a morrer.

Resta o fato de que todo espaço construí do, quero indivíduo se coloque nele contra sua vontade ou pelasua "livre escolha" é recebido como prisão, opressão.Éde estranhar, com as áreas permitidas aos indivíduospelas "soluções" arquitetõnicas de ho je? De forma al-guma. E não se pode aceitar, para essas "soluções", asatenuantes da chamada explosão demográf ica, queexiste mas ocupa uma posição totalmente secundáriadiante da especulação imobiliária e da ignorância "sim-pIes", por parte dos arquitetos, das necessidades espa-ciais do homem. Com conseqüências desastrosas. Diz-se,por exemplo, que o f rancês médio (especialmente o pa-risiense) conduz sua vida social nos "cafés": ele "re-cebe" no café . O espaço de que dispõe em sua "casa",mínimo, deve ser compartilhado com os membros dafamília e praticamente não mode ser estendido a ter-ceiros. Atualmente, 1975, um apartamento de apro-ximadamente 50 m2 (um deux-pieces: cozinha, banhei-

ro, quarto e sala) é considerado moradia de classe mé-dia relativamente folgada (aluguel entre 2.000 e 2.500cruzeiros, fora água, luz, telefone) e deve normalmen-te abrigar uma família de quatro membros, numa áreamédia por indivíduo claramente insatisfatória (aindamais se se considerar que as áreas do banheiro, da

 

cozinha e de um eventual corredor não podem ser con- À objeção habitual: "é necessano ser realista e

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 26/90

sideradas como áreas de vivência). Por conseguinte, ofrancês sai para a rua e o apartamento é tido comouma espécie de último recurso, como uma necessi-dade imperiosa à qual é forçoso submeter-se, e nãocomo um centro de abrigo, proteção e aconchego ondeé possível sentir-se bem.

Se se diz normalmente que o francês "recebe" no

caf é é porque de certa f orma ele tem a "sorte" de, naFrança, a prática do café ser uma instituição soli-damente f irmada. E se de outros povos não se dizque também "recebem" nos caf és é simplesmente por-que não existem esses lugares onde é possível conver-sar sentado, com uma xí cara de café apenas, porum par de horas - mas nem por isso deixam de sen-tir suas "casas" como gaiolas sufocantes 24.

Como superar esta situação? A observância do  jogo constante entre espaços construí dos e espaços não-

construídos é sem dúvida f undamental. Ao nível doEspaço Interior Privado, por exemplo, é f ácil consta-tar, através da história da arquitetura, que essa opo-sição é um dos valores mais constantes: a casa egí p-cia da história pré-cristã, mas também a casa pompea-na e a renascentista etc. assim se organizam. Ao invésda concepção do apartamento (um espaço inteiramentecercado, totalmente construído), um confronto entre oaberto e o fechado, não porém no sentido de casa + quintal (casa na frente e o quintal no espaço poste-rior, como unidades separadas uma da outra), mas

no sentido de um espaço construído envolvendo umespaço não-construí do (que por conseguinte penetra

no espaço construído do qual não se isola e é antesuma continuação) como na casa pompeana ou nas mo-radas renascentistas de Veneza - ou mesmo um es-paço não-construído envolvendo um espaço construí-do que por sua vez envolve outro espaço não-cons-truído. Nestas condições, não há prisão: o corpo ea imaginação do homem se expandem elasticamente.

À objeção habitual: é necessano ser realista ea.dmitir que nas condições atuais (densidade demográ-fica, custo etc.) essas estruturas propostas são impos-síveis", responde-se re jeitando, primeiramente, a no-ção de realista enquanto sinônimo de conformist a (comoé normalmente entendido) e, em segundo lugar, dizen-do que a construção em andares, onde ela se revelarealmente inevitável, não é absolutamente incompatí -

vel com essa oposição, como já começam a demonstraralguns projetos da vanguarda arquitetural européia 25,

infeli~me~te ainda tímidos e destinados a uma peque-na mmona: a construção na f orma de pirâmide emdegraus ou patamares abertos (formando enormes bal-cões suspensos) não é realmente o sistema que maislucros oferece ao construtor, pois o espaço é efetiva-mente "desperdiçado" - mas aceita inteiramente acoexistência de espaços construídos e não-construí dosnuma escala admissí vel para as necessidades humanas.

E assim como se fala num eixo Espaço Cons-truído-Espaço Não-Construído ao n ível do EspaçoInterior Privado (observando-se que as mesmas colo-cações acima valem para um Espaço Interior Comum:edif ícios públicos, industriais, escolares etc.), é pos-sível discorrer sobre a importância dessa oposição parao próprio Espaço Exterior, o Espaço Comum e, numsegundo momento, para o Espaço Exterior Comum. Eaqui se verificará que o modelo de estrutura do espaçosegundo o eixo Espaço Construí do-Espaço Não-Construído varia acentuadamente através dos momen-

tos históricos, ao contrário do que aconteceu durantelongo tempo com o ní vel do Espaço Interior Privado:é que neste a orientação é dada essencialmente pelasnecessidades biológicas e psíquicas fundamentais do ho-mem, enquanto que em relação ao Espaço Comum oque se segue são antes diretrizes de ordem sociológica(distinções em virtude do conflito de classes etc.), porconseguinte mais sujeitas a modificações. Por exemplo,nas sociedades egípcias arcaicas e na Grécia antiga, olugar do povo, do coletivo, é sempre do lado de for a,

o exterior. No interior de um templo egípcio só seadmitiam os membros da corte (ministros, oficiais), ossacerdotes e o faraó, e dentro dos templos há mesmozonas nas quais os nobres não penetram e outras nas

24. Se é possí vel afirmar que a situação criada por essa práti-ca arqultetural (ou. na verdade. arquiteto-financeira) não visaespecificamente aprisionar e Isolar os indlviduos, o mesmo não sepode dizer a respeito de certas soluções arquitetõnicas de massa,praticadas em escala Internacional, através das quals se extermi-nam slums, bido nv i l l es, favelas e se propõem aos interessados (queoutra escolha não têm) "conjuntos habltacionals" a se constituirem óbvios universos concentraclonárlos de afastamento e Isolamentodesses grupos das áreas que antes ocupavam e dos nÚGleossociaisem que estavam Installldos. . 25. Ver, mais adiante, a seção reservada às proposições de

H;undertwl'Isser(cap. 3).

 

quais nem mesmo os sacerdotes, reservadas estas aof ó ( d d ' ) l

o, mas o verdadeiro objetivo dessa arquitetura era at ã d i t i d t l lt ã d lh

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 27/90

f araó (representante do deus' na terra) e eventualmenteao sumo-sacerdote. De igual modo, o povo grego per-manecia fora dos ofícios religiosos, praticados den-tro dos templos. a lugar do coletivo era assim o ex-terior não-construído. Já em Roma ocorre uma inversãosignificativa: o lugar do coletivo passa a ser um lu-gar construído. A basílicia era um edifício onde se

reuniam os cidadãos romanos (por certo, nem todosos habitantes da cidade eram cidadãos do império)para discutir, conversar, encontrar-se. Mais tarde areligião cristã irá oficiar seus cultos dentro dessas ba-sílicas, cujo nome adota para designar seus templos,e o povo é (ou permanece) admitido dentro do"construído", numa passagem que irá persistir atravésdas épocas seguintes: a catedral românica (por vol-ta do primeiro milênio d.C.) é por excelência o lugarde reunião pública, e o mesmo se dá na catedral gó-tica, a partir de 1100 d.C. aproximadamente. E aságoras gregas e praças romanas só irão, a rigor, rea-parecer com a Renascença: a Idade Média l essenci~l-mente o domínio do fechado, do cercado, do estreIto(o estado de insegurança constante das populações, ex-postas a sucessivas invasões, explica essa disposição),numa situação onde espaços como os ocupados pelasfeiras (espaços relativamente amplos dentro da escaladessas cidades-fortalezas) não podem ser considerados,rigorosamente, como abertos: vejam-se ,as cid.a~~s ~eestrutura medieval que ainda se mantem utllIzavels,

como San Gimignano na Itália. Só a partir da Renas-cença o espaço aberto será novamente proposto emtoda sua extensão, sendo agora ocupado por um su- jeito coletivo, por um povo que não mais é obrigado aficar de fora (pelo menos os templos lhe são abertos)nem constrangido a se fechar atrás de muros.

Estas constatações interessam na medida em quese indaga da validade, por exemplo, das afirmações deum Giedeon em seu Space , Time and Architectur e

( 1947), segundo o qual a arquitetura grega era uma

arquitetura concebida a partir do exterior, enquanto aromana o era a partir do interior  e a do nosso tempoprocuraria um compromisso entre uma e outra. Suasproposições parecem partir de uma ilusão, a mesma quea classe dirigente grega impunha ao povo grego: este defato ficava do lado de fora do templo, contemplando-

proteção do interior, do templo, sua ocultação dos olhosdo povo e, por conseguinte, a preser vação desse espaço,onde S y refletia o centro decisório da cidade (o mitoda democracia grega já f oi suficientemente demolidopara se insistir nesse ponto). Só se pode falar de umaarquitetura grega feit a a partir do exterior (e do es-paço comum, por conseguinte) se se adota o ponto

de vista dessa ilusão: o exterior de templos, palácios,era apenas a casca, a isca que se entregava ao povo.a mesmo acontecia com o templo e a arquitetura egíp-cia em geral: o faraó se recolhia à parte central dotemplo e emergia para o povo dizendo que o deus ohavia confirmado em seus poderes terrestres e que taiseram as palavras de ordem: mais uma vez o que pre-valece é uma arquitetura de exclusão; o espaço co-mum, o espaço do sujeito coletivo é o do lado d e fora ,

o espaço não-construído.

Por outro lado, se se pode aceitar sem maiores ob-  jeções a tese de que a arquitetura é efetivamente umaarquitetura elaborada a partir do interior, que se voltapara o interior tanto porém quanto para o exterior(como a gótica, que sob este aspecto atinge realmenteum grau de plena identidade entre os dois planos, Ex-terior e Interior - pelo menos na catedral) e quevisa proporcionar não só uma experiência do EspaçoPrivado Construído como também do Espaço ComumConstruído, não é tão tranqüila a afirmação de quea arquitetura de hoje procura um equilíbrio entre inte-rior e exterior, particularmente no que diz respeito aoeixo construído-n&o-construído e ao Espaço Co-mum. De modo cada vez mais acentuado, o que seconstata é uma proposição maciça de Espaços ComunsConstruídos, especialmente sob a forma de estádios ouclubes esportivos. A praça como experiência de livresencontros humanos é de uma inexistência praticamentetotal, especialmente nas cidades "modernas". Ela nãoexiste pelo menos no sentido de praça enquanto lugaraberto ao homem para um momento de tranqüilidade,

como a Praça São Marcos em Veneza ou a ágora gre-ga. E mesmo nas cidades menos modernas a praça estáem desaparecimento. A razão desse procedimento es-tará sem dúvida não apenas na destruição das cidadespara abrir-se caminho ao carro mas, especialmente, natendência cada vez mais acentuada para o confinamento,

 

criado como um espaço que a e l a s e oferece comodado inicial e já pronto Que se pense na excepcional

para o construído - para q construí do enquanto cer':'t É it i ifiC ti l

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 28/90

Oposição constante, sempre presente. no p:ns~-mento arquiteural, este eixo assume uma ImportancIaque a esta altura, com a intensida?e d~s ;rozes q~ese fazem ouvir em favor da ecologia, nao e necessa-rio evidenciar. A análise se limitará assim a alguns as-pectos sob os quais é esse eix? particularm~nte im-portante para o projeto arqUItetural, espeCIalmentequando levado em co~sideração sob o _aspecto d~ opo-sição Espaço ConstrUIdo - Espaço N ao-ConstrUIdo.

De início, uma possível objeção deve ser a~as-tada: se Arquitetura é construção de um Espaço (l.e.,elaboração e proposição feitas pelo homem, por co~-seguinte um produto não existente na natureza), na?seria por um lado tautológico falar ?um espaço arqUI-

tetural artificial e, por outro lado, Inadequado e con-traditório propor a noção de espaço arquitetural na-tural?

Não: primeiro porque antes de ser construção deum espaço, a arquitetura é uma disposição, organizaçãode um espaço, que pode tanto ser um espaço por ela

dado inicial e já pronto. Que se pense na excepcionalCasa da çascata (F allingwater s) de F. L. Wright: pelofat,o de as ~ochas se disporem com as paredes, ou dea agua pratIcamente atravessar a casa deixa esse edif í -cio de ser uma obra, isto é, uma prdposta, uma cons-~ruçã? de Llo~d AW~ight~Ou são esses f atos tais quelI~vahdam a eXlstencla, aI, de uma operação arquitetô-

nIca? Por certo não. Lloyd Wright dispôs um espaçoartificialmente criado com um espaço que se lhe ofe-recia de imediato, com um dado: fez arquitetura.

Em segundo lugar, porque é inadequado o concei-to que o homem ocidental faz da natureza e do espaçonatural: para ~le, só é realmente natural aquilo que per-manece quase Intocado pela mão do homem, algo assimcomo uma floresta virgem onde o que prevalece é o de-sordenado, o livre. Esta concepção pode constituir-seefetivamente numa espécie de ideal do espaço natural,de noção perf eita de natureza - mas como tal, ela sereveste de um caráter de inoperabilidade que a torna to-talmente inútil para o homem, que nesse caso ou renun-cia a esse espaço natural ou tenta submetê-Io a si mesmode tal modo que o desnaturaliza inteiramente (que sepense nos chamados " jardins franceses"), sendo igualoresultado nas duas operações, isto é, inexistência de es-paço natural para o homem.

A esse respeito, o oriental, e o japonês em par-ticular, tem uma visão ao mesmo tempo mais prática emais adequada à operação arquitetura!. Antes de maisnada, para ele aquele punhado de cascalho, as duas outrês pedras em seu jardim e uma ou outra planta nãosão "amostras" da natureza (reduções do natural) comas quais ele tenta de alguma forma se consolar mas, sim

- ". . 'sao a pr o  pna nature za , a proporcIOnar-lhe todas as sen-sações de que tem necessidade em relação ao espaçonatural. Para o ocidental, pelo contrário, as plantas eoutros elementos do natural só estão presentes em seu

 jardim na qualidade de "lembranças", ou seja, não en-quanto coisas reais mas justamente (por perderem sua

função própria) enquanto engenhos artificiais, exata~mente aquilo a ser evitado quando ele construiu seu

 jardim. Dessa oposição origina-se uma série de mal-en-tendidos, desde os que relevam do simples mau gosto,passando pelas aberrações maiores como os jardins àfrancesa e chegando àqueles que provocam mesmo per-

ceamento. É muito signifiCativo, por exemplo, quequando dos tumultos e choques de rua em Paris, 196.8,se tenha f alado, com um certo horror em nada dIS-f arçado em "tomada das ruas pelo povo", numa ten-tativa de reedição da Comuna de 1871. Por que "to-mada das ruas pelo povo" se esse povo não esti-vesse justamente sendo afastado das ruas e praças, se

seus momentos de lazer não fossem coordenados eorientados para lugares fechados, delimitados, onde in-clusive não se pode f alar numa atividade comum, massim numa multiplicidade de atividade particulares quenão chegam a unir-se num todo?

Não, não parece haver, em nossa época~ o ade-quado jogo entre Espaços Comuns e Espaços Nao-Cons-truídos; mas sem aprofundar a a~álise. do ~ignifica?odesse procedimento (o que se f ara maI~ ~dI~nte), In-teressa aqui, de imediato, ressaltar a eXIstencIa de umquarto eixo de significaçõ~s .referent.e _ à linguage:n es-pacial, proposto pela propna oposIçao ConstrUIdo-Não-Construído: o eixo Es paço Ar t ifical X E spaço Na-

t ural.

 

turbações psíquicas (ou i pedem o eq ilíbrio psicolónum jardim não é signo da f lor de um campo, mas é ela

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 29/90

turbações psí quicas (ou i~pedem o eq~ilí brio psicoló-gico do indivíduo) e que produzem ate esse pesadelodo mundo natural, essa aberração pavorosamente mons-truosa que é a f lor ou a folha de 'plá~tico! É just~menteporque o homem ocidental (~ o c.ltadmo, em partlcul~r)considera as plantas de seu Jardim ou vaso ~o~o S l :n- 

 ples signos de uma coisa e não como a propna COIsa(que estaria além, num ideal 9-ualquer), é exatamentepor isso que ele é capaz de aceitar sem ?~n~utr.t- es~a?toa inacreditável flor de plástico! Consequencla mevItaveldo comportamento do ocidental em relação ao "natural",a planta de plástico é hoje apenas um dos e~eme~tos doenorme arsenal dos erzat s da natureza que mc1m a gra-ma de plástico, e pedra de plástico e, para os mais "so-fisticados" que exigem não só o mundo vegetal mas ~am-bém o animal, aquários com falsa água e falsos peixes.

Dentro de seu vício básico, que é considerar a pequenaquantidade de plantas num pequeno jardim apenas ~o~oamostr a da natureza e não como um pedaço da propnanatureza, o pensamento desse consu~idor é lógi~o: se aflor que eu tinha antes não era maIS que um_ Signo .d.aflor real, se era por isso mesmo falsa, ~or que nao a?~ltIrlogo o falso elevado à perfeição q~e e a f~or de plastIco,com tantas vantagens: não seca, nao precisa ser tratada,é definitiva (nada melhor que as coisas definitivas, para

esse homem) etc. etc.?!!!Por outro lado, o plástico é a expressão perfeita

do racionalismo humano, do racionalismo imposto aonatural e do qual os jardins à francesa são um dos exem-plos mais aberrantes e notáveis: "o contato com a na-tureza é f  undamental, mas a natureza é desordenada eisto causa problemas, portanto é necessário que ela seporte e se comporte assim e assim". E tem-se com?resultado essas construções vegetais, aparadas e condI-

cionadas em formas geométricas de disposição e cor degosto duvidoso (ou mesmo mau gosto), a se repetiremmonotanamente num espetáculo em tudo e por tudotedioso. Não existe em Versalhes, o diálogo artif icialX natural: tudo ali é artificial.

O ponto de vista do oriental é não apenas mais"prático" como realmente (est~ sim) mais. r~~io?~l ~mais adequado à operação arqmtetu:?l. Mais pratIcoporque é impossível (e mesmo mdeseJavel ) conviver com

a natureza absoluta, em estado selvagem e em grandeextensão. Mais racional porque efetivamente uma flor

mesma e realmente uma flor, devendo assim ser encara-da: o mundo e:l'cessivamente semantizado (mas erro-neamente semantizado) é talvez um dos responsáveispelo comportamento inadequado do homem, para quemde tanto uma f lor ser signo do amor, da paz, da esperan-ça e c?isas do ~ênero, ela acaba sendo, mesmo quando

real, SIgno de SI mesma, numa operação mental injusti-ficável. Gertrud Stein precisaria escrever outra vez seu"uma rosa é uma rosa é uma rosa" e talvez acrescentar"e mais nada mesmo" para os que ainda não entenderam.

E m~is adequado à operação arquitetural porquepara o onental a natureza sem algum arranjo, sem algu-ma disposição do homem (e não uma disposição humanaexcessiva) não tem muito signif icado. Ou, para nãoradicalizar demais a afirmação: esse modo de pensar é

mais adequado à arquitetura porque a natureza admitesem deixar de ser natureza, alguma intervenção huma~na. Era justamente este um dos aspectos que interessavaressaltar aqui: a concepção de um espaço arquitetural~atural que pod~ constituir-se não apenas pela naturezahvre como tambem por elementos da natureza dispostospela ação do arquiteto - sem os excessos, por exemplodos jardins à f rancesa. '

Um outro aspecto relativo a este eixo é o que diz

respeito aos espaços arquiteturais não-construídos sobsuas duas formas possíveis, exatamente a artificial e anatural. Exemplo excelente de Espaço Não-ConstruídoArtif icial: a Praça São Marcos, em Veneza. EspaçoNão-Construído Natural: Hyde Park, Londres. O espa-ço não-construído f ormado pela Praça São Marcos éefetivamente um espaço artificial: resulta de uma cons-trução quadrilátera com um dos lados abertos, porémfechado por outra construção independente da primeira

(a catedral) e comportando uma saída lateral, para omar. E o solo é calçado: o espaço é inteiramente arti-ficial. Em relação a Hyde Park, trata-se de um naturalapenas ligeiramente misturado com algumas poucas obrashumanas (alguns caminhos internos, uma ou outra casa) .E o que interessa ressaltar aqui é que em princípio nãose pode privilegiar um desses Espaços em detrimento dooutro, como muita ecologia apressada poderia fazeroptando pelo espaço natural de Hyáe Park. Se por umlado s e poderia pensar que a solução ideal estaria numprojeto de compromisso entre artificial e natural,

 

Jor outro é preciso reconhece~, por exemplo, que um es- no entanto, os espaços não-construídos artif iciais' são

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 30/90

p , p p , qJaço simples e totalmente artificial po?e ser de todo sa-~isfatório, na dependência de determmados fatores .. :B) que acontece com a Praça São Marcos, reconhecida:le modo praticamente unânime como ~odelo de p~aça'perf eita", i.e., humana. Impossível deixar de sentir-~eJem em São Marcos, conclusão comum. E emb~ra haJa

~ertos aspectos não levados em c~mta pelos anah~tas (oEatode a Praça São Marcos ser um lugar excepclOnal equase fantástico na medida em qu~, tomada por bandosje turistas e despreocupados praticamente o ano todo(numa realidade com seus aspectos inconvenientes, porcerto), se volta ela quase totalment.e para ,0 lazer, numaatividade e num clima realmente Imposslvel de se en-contrar em outro lugar: o trabalho q~e se desenrola ~apraça, por parte dos moradores da cldad~, passa facil-

mente despercebido, prevalecendo um ~hma ge~al delazer e ociosidade acentuado pelas correnas de cnançase pombos, pela presença da água e pelas músicas (deca-dentes e mal executadas mas, enfim, músicas .. ,) dosconjuntos que se revezam o dia todo nos bares da praça.Tudo isso e mais a própria disposição dos elementos ar-quiteturais da praça realmente proporciona esse inusita-do prazer de convivência com a construção: o espaço éamplo sem o ser demasiado, a visã? do céu é .aberta

mas a praça é fechada - não hermeticamente, po~sumagrande saída se abre para a água e para_u~a paisagemmais além. E, importante, o homem nao e esmagadopela verticilidade das construções, quer por parte dogrande bloco quase quadrilátero" quer por parte ?a c~-tedral (não mais alta que o PalaclO do~ Doges? Isto e,sem as proporções "normais" das ~atedrais), ou amda pOrparte do campanário, de altura afmal relativamente mo-desta e que, de qualquer forma, se integra totalm~nte

no cenário por sua situação ~ conformação. E a PalS!-gem é uniforme sem ser monotona: a grande construçaolateral é por certo rítmica, mas a catedral rompe sua.veporém decididamente o tédio possível. ~ esta 'perfeitaoposição dialética entre os ex~remos (hon~ontahda?e Xverticalidade, abertura X abngo, harmoma X vaneda-de), e levando-se em consideração que a ~ra~a -: c~motoda Veneza - pertence ao homem e nao a maquma,ao carro (materialização moderna da mítica ágora?),

ela efetivamente se propõe como espaço notavelmenteagradável. Quando estas circunstâncias não se reúnem,

geralmente uma catástrofe: que se pense numa Placede Ia Concorde em ,Paris, a não passar mais quase deuma imensidão esmagadora e de uma pista de velocidadepara os automóveis, ou numa Trafalgar Square londrinaonde, se o espaço é menor que o de Paris, não é menora exposição aos carros acumulados em toda sua volta

num congestionamento contínuo.- Ou na Praça da Li-bertação, no Cairo, antevisão do caos automobilístico.Ou na ridiculamente pequena Times Square (pequenaem relação a seu trânsito humano) .

Nestas circunstâncias, o Espaço Não-ConstruídoNatural apresenta-se normalmente como de mais fácilrealização quando se visa oferecer ao indivíduo um lugaragradável: Hyde Park, Palermo em Buenos Aires, Cen-tral Park em New York (não fosse, claro, o problemada criminalidade incontrolável) - mas não, por exem-plo, o Bois de Boulogne, transformado nos fins de sema-na, com suas ruas asfaltadas que o cortam em todos ossentidos e a pouca distância uma das outras, em cópiado inferno citadino parisiense com seus milhares deveículos. "Mais fácil", esse Espaço Não-Construído Na-tural, na medida em que se oferece como síntese imediatae pronta do caos urbanístico e arquitetural que esmaga oindivíduo na maior parte do dia, da semana, do mês, do

ano, de sua vida. Contudo, a solução mais adequadaainda seria aquela onde esse espaço exterior não-cons-truído (artificial ou natural) seja tal que se integr e notecido ur bano , como acontece com São Marcos, e não sedestaque dele acentuadamente (como acontece com aesmagadora maioria dos parques atuais), tal como sepropunha nas ideais cidades-jardim derivadas das teo-rias de Owen e Fourier, no século XIX, ou nas reaisexperiências da vanguardeira Lyon do século XX; esses

projetos de integração artificial-natural não são, de fato,de todo irrealizáveis: na China Continental, após a revo-lução comunista, a população, num trabalho lento mas-contínuo, plantou milhões e milhões de árvores nas gran-des cidades, obtendo por resultado prático a diminuiçãode dois graus na temperatura média no verão e umaestabilização dessa mesma temperatura durante o inver-no - resultado sem dúvida notável, ao alcance de qual-quer municipalidade realmente interessada no bem-estar

de seus cidadãos. A cidade-jardim não é um ideal risí-vel: é imperiosa necessidade. 

de outra parte, ao mundo aberto, ao mundo exterior -ou simplesmente ao mundo E a questão colocada por1.3.5. 5.° eixo: Espaço Amplo X Espaço Restrito

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 31/90

26. BACHELARD,Po é tique  ... ,

p. 23. No original, os versos sãoestes: A Ia porte de Ia malson qui vlendra frapper? /  Une porteouvert on entre /  Une porte fermée un antre /  Le monde bat de

ou, simplesmente, ao mundo. E a questão colocada poresses versos, e que deve ser colocada quando se abordaeste eixo, é: até que ponio se pode identificar a experiên-cia do Espaço Restrito (especialmente em relação aoEspaço Interior, mas também em relação ao Exterior)como o espaço da intimidade, da proteção (do bem-es-

tar) e, inversamente, a do Espaço Amplo com a doespaço comum não protetor e, mesmo, hostil, E: atéque ponto o Espaço Restrito é necessário? A determi-nação do modo de sentir essa oposição é tão mais im-prescindível quanto hoje a área e o volume atribuídosà esmagadora maioria das populações são extremamentereduzidos e tendem a sê-lo cada vez mais - ao mesmotempo em que se apresenta esses espaços, em todos ostipos de publicações, como traduções de "aconchego"

de "praticidade", etc. A respeito da área / volume deque goza (se é que este termo cabe) cada indivíduo, épossível mesmo constatar que em muitos lugares a pro-porção se mantém estacionária há já bem uns doisséculos (pelo menos) enquanto que em outros ela dimi-nui nitidamente. Veneza, por exemplo, considerada porLe Corbusier a única cidade moderna (e que o é, de fato,sob mais de um aspecto): nenhuma modificação maisacentuada nos últimos quatro séculos. Paris: se a áreaparticular de que dispõe cada habitante é, em geral eem média, a mesma de há 200 anos, o volume diminuiuconsideravelmente (rebaixamento do pé-direito nas cons-truções modernas, em relação ao Espaço Interior) e comele todo o espaço em que se move o indivíduo (emParis diminuíram ainda, nitidamente, as áreas verdes eas áreas livres: praças, etc.) Mesmo nas regiões subde-senvolvidas, um suposto avanço nas condições de higienehabitacional (substituição de casebres de pau-a-pique,madeira ou restos vários de materiais por moradias deti jolo) é via de regra acompanhado por uma diminuiçãosensível da área / volume real de que dispunham os in-divíduos.

Que significação adquire enfim para o homem aoposição Amplo X Restrito, que valores atribuir a umem relação ao outro, ou a um em oposição ao outro?

Discorrendo livremente sobre a poética d a casa,Bachelard of erece uma pista para essa decifração -

porém, uma pista embaralhada, contraditória. Bachelardtorna quase materialmente verificável uma constatação

Não será demais repetir a todo instante que o ne-cessário, para esta análise, é superar os simples proble-mas da descrição (como sugere Bachelard) no qual seatolam a maioria dos estudos sobre a arquitetura, sejamhistoriográficos ou outros. E esta superação é particular-

mente requerida quando se tenta uma abordagem dassignif icações possíveis obtidas através do espaço enten-dido como área ou volume. Antes de mais nada, umacolocação: é certo não ser pací f ico que se possa f alardo espaço indiferentemente ou simultaneamente comoárea e / ou volume. Cada um desses aspectos apresentacaracteres próprios a exigir apreciações e soluções es-pecí ficas. Mas aqui se postulará que não só o pensa-mento que está na base da colocação desses problemas

é o mesmo para ambos (do lado do manipulador do es-paço) como se conf undem os dois, essencialmente, nummesmo aspecto, para aquele que os recebe, que os viveenquanto usuário. E isto se pode intuir facilmente quan-do se percebe que uma área restrita é compensada porum volume acentuado ou vice-versa - sem se falar nasrelações entre a percepção de áreas e volumes em rela-ção a f ormas dif erentes. Para a análise aqui desenvol-vida, portanto (que deixa inteiramente de lado os aspec-

tos da descrição), não só se justif ica essa fusão entreesses dois aspectos do espaço como ela é, mesmo, f un-damental.

De início, a constatação primeira que vem à mente éa de que o Espaço Amplo está intimamente associadocom o Espaço Exterior (o espaço amplo conduz para oexterior) e que o Espaço Restrito relaciona-se de modoparticular com o Espaço Interior (e igualmente com oEspaço Privado e o Comum). Uns versos de Pierre Al-bert-Birot, citados por Bachelard 26, resumem essa eoutras sensações do espaço:

À porta de casa quem virá bater?Uma porta aberta: entroUma porta f echada: antroO mundo bate do outro lado de minha porta.

Aqui, de um lado, a noção do espaço f echado comoum espaço íntimo e um espaço de mistério, a se opor,

 

da psicanálise: a imaginação constrói muros - com asilusões os sonhos as sombras Isto é a imagina~ão

~alão do qual. saem salões menores mas ainda grandes:

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 32/90

ilusões, os sonhos, as sombras. Isto é, a imagina~ãoprotege o indivíduo, seu f oro interno ou sua últimaligação consigo mesmo. Por outro lado, nenhum muroverdadeiro, nenhuma sólida muralha, por mais grossa edura que se ja, impede a imaginação de tremer de medo,de suspeitar, de sentir-se ao aberto, exposta, insegura.

Neste caso, o canto e a casa são não só o primeiroe grande útero a envolver o homem despois do par~omas também seu universo. Um cosmo. E na acepçaointegral do termo, insiste Bachelard - o que in~lu~.0desconhecido, o incerto e o temor. Uma dessas slgmb-cações predomina sobre a outra? Como já foi mencio-nado aqui mesmo, existe toda uma mitologia do fechado,do estreito do escuro a conduzir à s categorias do ínti-mo, do se~reto e do mistério, e que é possivelmente bem

mais extensa do que uma mitologia do amplo, do vasto,da imensidão. E talvez essa mitologia do restrito sejade qualquer modo bem mais praticada ao nível do realdo que a da imensidão. Como vai reconhecer o mesmoBachelard, a imensidão é uma categoria f ilosófica daatividade onírica. Sonha-se com a imensidão, mas pra-tica-se o restrito. E nem sempre por impossibilidadeseconômicas ou materiais. Éo homem, e especialmenteo homem ocidental, que receia a imensidão 27 e se refugia

no pequeno: a grandeza parece destinada a ser apenascontemplada e não vivida. Realidade que se pode cons-tatar em toda a história da arquitetura. PO( exemplo, aresidência vêneta do Papa Clemente XIII, Ca' Rezonni-co. Passando-se um pequeno átrio de entrada, sobe-seuma escada portentosa que conduz a um considerável

27. Esta condição se reflete de modo claro na maneira deacupação dos espaços Internos atravé3 da acumulação de objetos.O ocidental tem horror às paredes vazias e lisas, ref lexos do vaziomaior e universal: por isso ele as ocupa não s6 com quadros como

procura ocultá-Ias sob um acúmulo de m6vels. Por essa razãoJamais haverá um canto vazio numa casa-tipo ocidental: umcanto deve ser sempre ocupado por um objeto, e proliferam asmeslnhas, vasos, espelhos, "cantoneiras", etc. E, de modo geral,todo o espaço disponível, se ja qual f or, deve ser sempre ocupado, oque provoca uma densidade "objétlca" incrivelmente alta, reduzmdoacentuadamente o espaço destinado Inicialmente ao Indlvíd~o (re-dução a 1 / 3, 1 / 4 ou ainda menos). Inversamente~ no Japao, porexemplo o que se prlvllegla é justamente a noçao de mt er valo ,de vazl~ entre dois pontos, duas ref erências esp.acial~ - e Isto ~everifica desde no famoso "arran  jo f  loral" japones ate a dlsposlçaodos elementos num Jardim, passado pela mobilia dos aposentos.Uma "sala" não terá mais que uma pequena mesa e um ou outroobjeto (f icando os demais ocultos em armãrlos embutidos) assimcomo um Jardim se faz com uma ou duas pedras espaçadas e rela-cionadas com não maior número de plantas. Pode-se objeta.r queesta casa-tipo japonesa não é mais encontrada hoje, e que as habi-tações coletivas à amerIcana com Interiores povoados de objetos

e a parte "social", a parte da casa para ser exibida vistacontemplada, para impressionar. Mas há uma parte ínti~ma da ~asa, os aposentos pessoais do cavaleir o e papaRezonmco, e todos eles evoluem em torno da dimensãodo pequ~no, do f echado. Desde seu quarto de dormir,c0':l o leIto enc~str.ado numa concavidade apenas pouco

maIOr que a propna cama, até os outros aposentos se-.cundários, saletas com não mais que 6 m2, às vezes nemISSO.O mesmo acontece, para ficar em Veneza no Palá-ci~ dos Doges, uma construção "pública" e, p~r conse-gumte, com salas monumentais, de vão livres imensos.Ou Versalhes e sua galeria dos espelhos - a aumentarainda mais a sensação de enormidade do espaço e aatrair de preferência o turista (o ccntemplador por ex-celência). Ou ~s templos e pirâmides no Egito, que f ez

da monumentabdade esmagadora um princípio auxiliardo governo político. Ou, vindo para os tempos atuais,uma Praça Vermelha de Moscou, lugar de demonstra-ções, de exibições - e portanto de contemplações masnão de existência. '

. A amplidão exibe o poder de seu possuidor. E ate-morIZa. É o mesmo terror que o homem sente diante~o Vazi~ -:- do Universo, do Inf inito. Algo que escapaa sua medIa: que ele não domina porque não pode pre-

encher. <?u que el:, encara como algo preenchido porum conteudo que nao entende, não conhece, não mani-pula -: por .co~s~guinte, ~ue ele receia (é um espaço deexclusao: ,o mdIvlduo esta realmente p o r f o ra). Na ver-dade.' aSSIm; ~ imensidão é tão misteriosa quanto orestnto (o mtlmo, o fechado); tão habitada por fan-tasmas quanto espaço reduzido ("O mundo bate do outrolado de minha porta"). E sob esse aspecto, não é so-

são urp.a realidade lá também. Isto não Impede todavia ue aexperlencla d.o mtervalo no Japão (mesmo ainda ne<te s& Isempre foi, !a, uma experiência histórica, enquanto q~e no ~~~dente a tendencla sempre foi, desde que material e economicamentepossível, na dIreção do acúmulo. Superada a Idade Médl dob jetos de qualquer tipo eram absolutamente raridade a~o~u~~;ocidental ou praticará o acúmulo de ob jetos _ oc'upa ão doespaço (pelas classes economicamente fortes) _ ou terá e'~a prá-tIc~ como alvo e valor Inquestlonávels (pelas classes não -privlle-gla as), enquanto no Oriente (embora em determinados períOdosa esca.ssez matenal coínclda com ou provoque uma determinadapref erencla espaclal) tem sido um valor e uma prática constanteso espaço vazio. Deixar de ver nesse preenchimento frenético doespaço (de qUe o Barroco e a art nouveau foram momentos par-tiCular.mente prí vllegla~os) uma verdadeira f obia do vazio paraat.rlbUl-lo apenas a razoes de ordem social (ostentação, etc.) é sem

dUVld~slmpllficar e descaracterizar esse aspecto do comportamentodo oCldental, f icando-se na superfície do fenômeno sem descer àsprOf undIdades de suas motIvações psicológIcas.

 

lente o espaço restrito que se .propõe como domínio devalores do onirismo" como sugere Bachelard mas tam

mes~as explicações; e toda esta colocação se baseava,este e o ponto fu d I?ental num dado anterior segundo

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 33/90

valores do onirismo como sugere Bachelard, mas tam-éro o espaço .amplo. A imensidão levada às últimasonseqüências é o espaço do Universo, o Cosmo - eão é exatamente assim que Bachelard conceitua a casa,, í ntimo?

este e o ponto f u~d~I?ental, num dado anterior segundoo <;lualpara o pnmItIvo a persistência da vida, a imor-talIdade, era .uma coisa inteiramente natural. (Não éDe~s .aquele Justamente que nunca teve começo e nãoter~ fIm?) Tudo / parece indicar de fato que a represen-ta~a~ ~a morte so se formou tardiamente no espírito do

p;ImItIvo,. qu~ nunca a aceitou a não ser com conside-r:vel ~esItaçao - de modo explicável, por certo. Senao ha m~rt~, _nãohá propriamente um começo, as coisass~~pre e~Is~I~aoe como tais são "normais" - e a imen-sIdao, o Inf InIto, o vazio é catalogado como corriqueiroportanto é afastado. •

Segundo a concepção religiosa, há diferenças entre~ homem e o mundo circundante, a natureza de um nãoe a mesma do outro e a constatação dessa diferença leva

ao reconhecimento de uma ignorância do homem. Suge-re-se então que o princípio das coisas está nos espíritos(os deuses) que tudo comandam e tudo sabem: não há

com que se preocupar portanto, o cosmo é uma enti-dade perfeitamente clara e inteligível para a mente pelomenos dos espíritos. Afasta-se igualmente o problema?o / .Cosmo. E na terceira concepção, o homem aceita aIdeIa de seu pequeno papel no Universo, renuncia aosprolemas de explicação do Cosmo e procura antes se

Interessar pelos modos de operar sobre ele - e a ques-tão é novamente eludida. De acordo com o exemplo.de Freud, na primeira f ase se quero que chova, deveb~star que eu f~ç~ algo que se assemelhe à chuva, ou quea Invoqu~ (arumIsmo). Numa segunda fase, organizouma mamf est~~ã? em f rente a um í dolo (danças, etc.)ou mando dlflgIr orações (rogos) aos deuses. Numterceiro momento, enfim, procuro saber que ações sobrea / atmosfera podem f azer com que chova. Mas se ao

n~vel de um exemplo referente a um fato comum adIf erença entre as três concepções é sensível ao nível datentati.va de explicação do amplo, do Co~mo, a pos-tura dIante desse problema é a mesma: nas três ele éposto de ~ado. Ef etivamente, diante da vertigem doamplo, .do II?enso, o homem se recolhe para trás dos mu-ro~ d~ Imagmaç~o ou tenta preencher esse vazio com ospnmeIros conceItos à mão. S~u fascí nio pelo restrito,no entanto, leva-o para o domímo da ação prática, ainda

q~e assal~ado por temores. Af inal, é sua dimensão. EdIz-se aSSImque o espaço geral proposto por Veneza (um

Haverá por certo distinções entre o fascínio / temor:xercido pela imensidão e aquele provocado pelo res-rito - a primeira das quais consiste justamente emlue o restrito é de qualquer f orma, e eventualmente, tan-;ível, enquanto a vertigem provocada pela imensidão é.bsoluta, definitiva e em nada apreensível. O que con-luz à conclusão da maior praticabilidade da mitologiaio restrito (de que são indí cios as mais variadas f ormasIe sua manifestação: casa, canto, cof re, gaveta, envelope- mas também as caixas mágicas, a de Pandora, e as

:artolas mágicas - e ainda suas múltiplas aparições10 domínio do sexual, etc.) em comparação com a daImplidão, formadora de vagas idéias gerais logo aban-fonadas ou revestidas de explicações que o homem facil-nente aceita - para delas se livrar não menos rapida-nente. Ao mesmo tempo em que nunca conseguelibertar-se inteiramente do mistério e da atração de um••imples baú f echado. Assim, uma das grandes manif es-tações (ou a maior) do f  ascínio da imensidão, mitif ica-

da e de imediato posta de lado, é sem dúvida a do Uni-verso, de sua "criação", de seu "fim" e sua finalidadee da situação do homem em relação a ele. Como é essef ascínio exorcizado pelo homem, e continuamente? Se-gundo uma formulação retomada por Freud 28 com a f i-nalidade de estabelecer um paralelo entre o comporta-mento neurótico e o de civilizações primitivas, a humani-dade teria conhecido em sua história, sucessivamente,três sistemas intelectuais, três grandes concepções do

mundo: concepção animista, concepção religiosa e con-cepção cientí fica. Em todas elas se trata por certo deuma tentativa de explicação do mundo natural, masdeve-se subentender uma inquietação profunda cOm oproblema primeiro do Universo. A concepção animista(a mais "completa" e "exaustiva" dentro dos limites docírculo vicioso que ela mesma se impõe) partia do pres-suposto de que tudo era animado tal como o homem,tendo por conseguinte o mesmo comportamento e as

 

espaço predominantemente d~strito, compensado pelasocasionais aberturas das praças e campos que nunca to frenético dos mais variados tipos de desodorantes nos

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 34/90

ocasionais aberturas das praças e campos que nuncaultrapassam as f ronteiras do mensurável) faz dela umacidade à dimensão do homem, enquanto que o de LosAngeles (baseado em eixos amplamente rasgados paradar passagem ao automóvel) é sentido como positiva-mente inumano: opressor. Assim como tenta oprimir,

espantar para dominar, a proposta fascista configuradano Vale dos Caídos, na Espanha, ou os restos da arqui-tetura fascista da Itália, como a Estação Central deMilão. Tal como seria inumano o espaço de Brasília.

Como determinar e medir na prática as dimensõesreais, f í sicas, desse espaço humano que se identifica antescom o espaço reduzido do que com o amplo - mas quenão pode descer abaixo de certos limites sob pena deigualmente tornar-se inumano? Qual é o optimum arqui-

tetural em relação ao eixo área /  volume? Os japonesessempre consideraram o tatame, essa espécie de esteirade palha de dimensões fixas, como um módulo de de-terminação senão da área /  volume pelo menos da área,de tal modo que um aposento é uma f unção de determi-nado número de tatames. Le Corbusier propôs igual-mente seu discutido e criticado módulo formulado, noentanto, sob a perspectiva lúcida e praticamente revo-

lucionária para a época segundo a qual cada culturapropõe um módulo de dimensões diferentes. Mas longeestá de bastar o ponto de partida baseado no famosohomem de braços estendidos (por sua vez calcado nafigura, de Leonardo, do homem renascentista inscritono círculo), o que equivale a considerar como móduloa altura do homem. Os japoneses têm uma altura mé-dia, e os suecos outra, mas a diferença entre uns eoutros não se limita a esse aspecto isolado. 'É necessá-rio partir de noções de módulo bem mais complexas,como por exemplo uma noção de "bolha" sensorial hu-mana derivada da "bolha olf ativa" proposta por Hallem relação a u ma esfera de odor próprio que cerca oindivíduo e que estabelece uma espécie de fronteira ademarcar seus limites últimos, respeitados em certasculturas ou normalmente violados em outras (enquantoo americano procura manter-se fora do raio de açãodos odores pessoais, não se aproximando demasiadode seu interlocutor - não a única, mas segura-

mente uma das grandes causas do desenvolvimen-

EUA: bucal, para as axilas, etc. etc., - para o árabeesse contato com o odor é não só indiferente como atémesmo procurado). Realmente, não há por que limitarao canal do. olfato ~ .noção de "bolha" humana e comela a do .m,o.dulomInlmo de individualidade. Esse f ato(,as possIbIlIdades de toque inter-humano) deve par-tIcula~en~e ser levado em consideração e Com ele edetermmaçao de um tipo de "espaço vital" individual ecultural que o homem reser~a só para si e cuja violação- salvo, por. certo, em ocasiões específicas - é bastan-te mal recebida. (Que se pense nas experiências for-çadas ao ~e ~omar u~ elevador lotado; ef etivamente, ohomem nao e um anImal de acumulação, como as mor-sa~,,e o ~stabelecimento de uma distância interindividualmInlma e realmente de rigor.)

, ~esmo a ampliação e a suplementação do conceitog:nenco. da "bolha': ?U do módulo humano, no entanto,nao sera nunca ,sufIcIente 29, e isto porque não só as di-~erenç.asse m~nIf estam ao nível dos grupos sociais comolllclus.IVeao nIvel de um e mesmo indiví duo ao longo desua Vida, de um ano ou mesmo de um dia. Sob esseaspecto, _a fixa ç ~o  de um módulo, seja qual for, e a~o?struçao a.partIr desse módulo fixo serão sempre insu-f~cI_entes.~eJa qual for o critério que se adote, a propo-slçao da~ areas e volumes de um espaço só pode atendera~~_deseJo~do homem se for feito ao redor de uma dia-letIca contInua entre amplo X reduzido, a qual é viávele pode mesmo basear-se desde logo, e mais uma vez nom_odu~od~ casa tradicional japonesa, onde as divi~õesnao s~o fixas, pod~n?~-se ter uma salão amplo com orecolhimento das dlvlsoes entre três ou quatro aposen-tos modestos, ou um canto particularmente í ntimo como e~t~n-quea~en_tomúltiplo de um mesmo aposento. Eas UnIcas o~Jeçoes a esse projeto, de ordem econômica(ou de rendimento do capital do negociante imobiliáriopar.a em~regar a expressão adequada) não se sustenta~maIS, se e que.alguma vez se justificaram: as paredes nãosuste~t~m mais a construção e podem perfeitamente sersUbSt[tUld~s (pelo menos as internas) por elementossoltos facIlmente removíveis. E o problema d . I

t . d' 'd o ISO a-men o In IVI ual, em particular sob o aspecto do isola-

aUdf ;l~o~~~x~;rii~e, c~mo determinar, fixar os llmltes do canalhomem itAo o controlá? ex remamente amplo e particular, já que o

 

~nto sonoro, pode ser atualmente de todo resol~idoos materiais que combinam a leveza c om a capaclda-

é uma casa na horizontal, e uma casa com dOISou maISandares é uma casa com existência na vertical. Como

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 35/90

os materiais que combinam a leveza c,om a capaclda. de isolação acústica. Mais uma vez, e uma fa~ha daaginação arquitetural (ou a ausên~ia. p,ura e sImplesssa imaginação) que submete os mdlvlduos a exp~-:ncias desnecessárias e nocivas. Se sempre s.econstruIU

termos do f ix o  (fixa-se o espaço amplo, flxa-~e :' e~-

.ço restrito, estabelecendo-se entre eles uma distanciaransponível) por que mudar? indaga o bu':.ocr~ta da

quitetura. O que é bom p~r~ ~ Europa nao e bomra o Brasil, ou para a Nlg~na? . O ~ue val~u no

culo XVIII por que não valena hOJe, amda maiS quemodelo vem glorif icado pelo peso do tempo?! E co.m

;;0 a arquitetura se revela como. ~ma _das pou,ca~ dIS-plinas que não registram modlf Icaçoes .senslvAelsao.ngo dos tempos - e isto quando p~d~na f az~-lo le-

timamente, sem se entregar ao fascmlO gratUlto dovo pelo novo. Todas as disciplinas h~manas mudamrque muda o homem .-:- m~nos a ~r9Ultetura: os con-itos de proposição, utlhzaçao e f rUlçao do e~paço ~on-

nuam essencialmente os mesmos 30. O arqUIteto aIndauma espécie de ditador ao qual o usuário se submetef  i termos absolutos e definitivos: ele nada pode contrao projeto". No entanto, o espaç~ vive, respira - e i~souer dizer que eXige mudanças ~l:e., ~ homem as eXIge

-ara ele e através dele)! A modlflcaçao do espaço deveer uma necessidade; ela é uma possibilidade e segurá-llente não é um luxo.

30 Através dos séculos a.crescentam-se aposentos novos (comoo banheiro) ou modificam-se outros, mas a estrutura central daconstrução permanece inalterada.

a a a a a a a v afuncionam as noções de horizontal e vertical para ohomem, que significam?

Bachelard analisa a questão de um ponto de vistabastante particular, talvez demasiado subjetivo. Paraele, a vertical idade da casa é uma realidade assegurada

pela polaridade entre o porão e o sótão, a propor umaoposição (que ele diz "imediata" e "sem comentários")entre a racional idade do teto e a irracionalidade doporão. O teto diria de imediato sua razão de ser: co-brir, proteger o homem (é, portanto, racional). Quantoao porão, seria possí vel descobrir para ele uma série deutilidades, mas para Bachelard ele é fundamentalmenteo "ser obscuro" da casa, um ser que participa dospoderes, da irracionalidade das profundezas. Para ele,

o que interessa assim é considerar a casa como um jogoentre racionalidade e misticismo que se desenrola navertical (e na vertical apenas) entre uma parte superiore outra inferior. Não faltariam elementos para compro-var essa colocação, segundo Bachelard. As construçõespara o alto, para a parte superior, são "edif icadas", i.e.,construídas racionalmente, pensadas, elaboradas, en-quanto a parte inferior é simplesmente cavada, sem planoprévio, de modo apaixonado, e conforme as inclinações

do cavador (do coveiro?). Além do mais, no sótão tudoé claro, nítido, simples, enquanto no porão tudo é mis-terioso, tenebroso: o mal é seu habitante, lá onde nuncahá luz, de noite ou de dia. Onde prevalecem as sombras.Onde se cometem os atos proibidos na inf ância o u oscrimes dos adultos: os dramas, as alucinações. A litera-tura policial e f antástica confirmaria isso: os crimes sãosempre cometidos nos porões, os monstros (como o deFrankenstein) lá surgem. Bachelard foi mesmo capaz

de encontrar em Jung uma passagem que o confirma emsuas colocações (ou que as motivou?), segundo a qualo consciente está para o inconsciente assim como o porãopara o sótão, na medida em que o consciente se com-porta como o homem que, ouvindo um barulho suspeitovindo do porão, corre para o sótão onde, nada encon-trando, se tranqüiliza - sem ter-se aventurado a descerao porão. Quer dizer, no sótão mesmo quando há medoeste se racionaliza facilmente, enquanto isso ou não

ocorre no porão ou quando ocorre não é definitivo ouconvincente.

:.3.6. 6.° eixo: Espaço Vertical X Espaço Horizontal

Nada de mais natural que a arquitetura evolu~ aoedor da noção de horizontal e seu oposto, o vertIcal.

as o espanto inicial pode ser grande quando Bache-

ard 31 af irma que "a casa é imaginad.a como u.m serrertical". Que ela se eleva; se diferenCIa no sentIdo dema verticalidade.

A questão que surge desde logo é: e a horizontali-dade da casa? Diante da proposição de Bachelard nosjamos conta de que: 1) ou não pensamos em termos:ie horizontal e vertical quando pensamos numa casa; ou2) pensamos que uma casa com um só andar, o térreo,

 

Desta proposição inicial, Bachelard parte para umaanálise da existência nos prédios de apartamentos, onde

ascende à sua própria consciência? ou por que não sesente seguro de suas explicações?

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 36/90

análise da existência nos prédios de apartamentos, ondea vida é sem encantos porque sem mistérios, já que nãohá porão e a polaridade básica instauradora do homem(e que se reflete na casa) foi rompida. A "casa" assimproposta não tem mais raízes, é um simples buraco con-vencional no meio de caixas superpostas onde a altura é

só e xt erior  - onde, enfim, a casa se tornou uma simpleshorizontal idade.

Antes de ver a que podem conduzir estas coloca-ções, há um fato interessante a observar: embora vi-vendo em Paris, Bachelard parece não se dar conta deum aspecto da vida em edifícios que ele poderia ter ex-plicado facilmente, chegando onde chegou, e de modointeiramente original: o fato é que os edifícios em Paristêm porões, cada apartamento tem sua cave! Numa área

comum, situada normalmente no subsolo, se sucedem,num espaço da mais completa escuridão, uma série deminicaves particulares. Estes porões de apartamentospoderiam ser facilmente explicados por um tecnocratacomo simples medida de economia (de rendimento docapital): ao invés de "desperdiçar" espaço nos andarescom a destinação de uma área em cada apartamentopara servir de "despensa", "quarto de despejo", co-locam-se todas elas juntas no subsolo, "racionalizando-

-se" a construção, economizando espaço e material.Pouco importa se não é muito prático morar num quintoandar e ter de descer e subir (às vezes sem elevador)para apanhar um objeto qualquer. De resto, os parisien-ses na verdade pouco se importam com isso; pelo contrá-rio, fazem questão de sua cave, de sua cave "lá embai-xo". Por que, se não é prático, nem serve para muitacoisa? Bachelard poderia ter explicado, de modo origi-nal e inédito, que a c~ve é colocada nos edifí cios não

por uma prosaica questão de economia de capital masporque se trata de um resquício da cave, do porão verda-deiro, aquele das casas, que o parisiense ainda exige, demodo mais ou menos consciente, e que continua a lheser dado, de modo mais ou menos consciente. Se oporão é, como Bachelard afirma, um elemento funda-mental na vida do francês, seria normal encontrar (comose encontra) uma forma de sobrevivência nas caves dosedifícios. Bachelard nada diz a respeito - e ele não

 pode desconhecer, pelo menos, que essas caves existem:por que silencia? Por que o fato é tão comum que nã o

Seja como for suas observações são interessantes,particularmente o conceito de que a vida em apartamen-to é uma existência só exteriormente vertical e essen-cialmente horizontal. '

Mas e as outras teorias a respeito da verticalidade?

N a história da arquitetura, o conceito de vertica-lidade leva de imediato, e de início, ao Gótico. Góticonão é só verticalidade, por certo, mas não se exageraem demasia ao propor um termo como equivalente dooutro. Como é vista essa verticalidade típica do Góticoinspiradora de outras em outras épocas? Ela é encarad~f reqüentemente como racionalidade, tal justamente comopropõe Bachelard, embora por outros motivos. De fato,essa racional idade da arquitetura gótica está diretamente

ligada ao conceito de clare za arquitetõnica, tal como estese impôs aos espíritos racionalistas (ou "racionalistas")do século XIX, VioIlet-le-Duc em particular, e deve serenten~ida ?e modo muito específico como "equivalênciaentre mtenor e exterior". No Gótico, esta é a tese, seteria finalmente uma forma de composição onde o ex-terior deixa transparecer o interior (donde o conceitode "transparência arquitetônica"); onde o interior nãoé ocultado pelo exterior; onde o indivíduo, contemplan-

do a obra do exterior, não é enganado quanto ao que oespera no interior e vice-versa. Em outras palavras, umestilo (conceito escorregadio, mas enfim ... ) onde decerta forma não existe uma fachada, algo que separa umacoisa da outra (interior do exterior), que fecha, quedesune. A arquitetura gótica seria antes um conjuntoorgânico entre interior e exterior, ao contrário do quese teve na arquitetura grega ou romântica onde, a rigor,se tratava de dois modos diferentes de plasmar o mate-

rial e dispor o espaço. Mesmo depois do Gótico dif icil-mente se pode constatar a prática dessa transparência:se a arquitetura renascentista não chega a romper sempree totalmente com essa identificação, não é menos certoque nela o problema da f achada se impõe sobremaneira.E de lá aos tempos atuais essa identidade, encarada sobo aspecto particular aqui em discussão, só se verificarána produção (e em alguma produção) de alguns nomesisolados: se a Sagrada Família de Gaudí estivesse termi-

nada, ela seguramente seria "de transparência" (de fato,o que é esse monumento único e alucinante senão uma 

)roposição baseada no gótico?); a~gumas propostas ~aC lrt nouveau também se enquadranam nessa colocaçao

l b li i d l

pecto, qual arquitetura ou outra f orma de arte não o éigualmente? A arquitetura neoclássica é expressão do

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 37/90

(e el~também se liga ao Gó.tico) e outr~s de escolas oulomes isolados do Modernismo (especialmente as da"Iinha geométrica", como a de Le Corbusier, ou o 'pró-prio Gropius, Mies, etc.). Mas em termos. ger~ls, oGótico teria sido o grande momento dessa raclOnahdade

entendida como transparência interior X exterior.Contudo, se se disse em que consiste essa racio-nalidade especí f ica, não se disse como ela se propõe, apartir de que ponto de vista ela é assim conside~ada.Esse conceito de racionalidade ou de clareza arqUitetu-ral do Gótico se deve em sua maior parte' às teorias dePanof sky expressas em seu A arquitetura gótica e o pen-

sament o escolástico, título que já revela o conteúdo daanálise. Segundo Panofsky, não só existiria um parale-lismo entre a arquitetura gótica e o modo de pensamentoescolástico como inclusive a primeira seria a ex pressão

material do segundo, na plena acepção desse termo. As-sim como o pensamento escolástico é um mod~ de ex-posição e de argumentação, rigidamente orgamzado, a.arquitetura gótica não só seria também fortemente estru-turada como se organizaria segundo essas mesmas regras.E Panofsky encontra na arquitetura todos esses elemen-tos de equivalência: os mesmos tipos de relações entre asmesmas partes (no discurso escolástico e no discursoarquitetônico), um tipo de "argumentação" arquiteturalbaseado nos mesmos princípios desse pensamento, a mes-ma divisão do discurso num certo número de partes.("videtur quod; sed contra; respondeo dicendum" ou"tese, antí tese, síntese"). E por seguir todas essas re-gras de uma forma de pensamento estabele~ido, a arq'!i-tetura gótica se manifestaria como arqUItetura raclO-nalista.

Ora, até que ponto essa colocação é válida? Uma

crítica que normalmente se faz a Panofsky 32 .é qu~ aarquitetura gótica só é racionalista (e tão raclOnabstaquanto ele dese ja) na medida em que se submete àexplicação, ao modelo, este sim. racionalista, do pró-prio Panofsky, isto é, a arquitetura ,g~tica , explicadacomo expressão do pensamento escolastlco e uma ar-quitetura racionalizad a e ~ão raci~~alis~a. A questão_ éque para Panofsky a arqUitetura gotlca e uma expressaoperfeita d o pensamento que a fez - mas sob este as-

32 Ver Ph. BOUDON, 011.cit .

g q pmodo de pensamento da sociedade (entenda-se: dasclasses de onde emanavam as ordens para construir,das classes dominantes enf im), tal como o Barroco é ex-pressão do pensamento da Contra-Reforma. O quePanofsky não leva em consideração é que toda f orma

de arte (e, mais genericamente, toda produção) é ne-cessariamente expressão dos valores da ideologia dasclasses sociais que Ihes deram origem - e não podemdeixar de sê-Io. E o fato de uma del;ls ser essa expres-são de modo mais rigidamente organizado que outra,eventualmente (ou que pelo menos assim parece dadas asexcelências do modelo utilizado na análise, da perspi-cácia do analista) não signif ica que ela será racionalistae a outra não. Repita-se: todas são manifestações de

um modo de pensar, de uma razão. Por outro lado, sese encara o termo "racionalista" sob uma perspectivamais rígida, nem a arquitetura gótica e tampouco opensamento escolástico pode ser considerado "raciona-lista" uma vez que estão ambos eivados de elementosmísticos (os problemas da fé, a argumentação pela per-suasão emocional - que é aquilo a que especificamentese propõe uma catedral gótica) a impedi-Ios totalmentese serem como tais considerados.

Mesmo que se deixasse de lado o problema de umaarquitetura racionalista como expressão de uma f  ormade pensamento para se considerá-Ia racionalista em razãode sua "clareza" (transparência exterior-interior, comoem VioIlet-le-Duc), a designação não se justifica dadoque, como já f oi visto aqui, o aspecto interior X exte-rior é apenas um dos vários envolvidos no problemaarquitetural, e sobre ele apenas não pode repousar apossibilidade de considerar uma arquitetura como racio-

nalista ou não.Há outros modos de se encarar a verticalidade, eesta mesma verticalidade do Gótico? Sim, e parecembem mais adequados: um deles baseia-se numa con-cepção (defendida por Hauser) segundo a qual o verti-calismo gótico é, pelo contrário, manifestação do mis-ticismo humano. Numa catedral gótica se teria de tudo,menos racionalismo: nessa "nave iluminada a caminhodo paraí so" se misturam a pretensão irracional de ele-

var-se aos céus, de reverenciar entes irracionais e deafirmar-se um poder irracional (poder que transparece 

10 exterior da construção) .. Internamente, prevalecelma atmosfera também igualmente mística, onde além

sobre o homem no aspecto horizontal x vertical sob umaperspectiva material, real, f uncional: todas procuram

i if t õ d i lí it

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 38/90

lo~antos, da música, do incenso, proliferam (e no~xterior também) as figuras mais irracionais (monstros,leformações) que a humanidade da época conhecia.[udo isto formando um con junto que, como já se disse,

isava antes convencer pelos sentidos do que através de

ma verdadeira argumentação lógica e racional. Arqui-:etura mí stica, portanto, e não racionalista; antes, talvezImais irracionalista de todas, mais mesmo que o próprio

arroco, igualmente destinado à persuasão emocional.O mesmo ponto d e vista é endossado por Zevi 33,

lue compara o misticismo da arquitetura gótica com aJfodução do Oitocentos, com uma única dif erença (no'undo não tão acentuada assim): o misticismo religiosoS substituído pela f é no dinheiro. A catedral de Stras-

)urgo, o Mont Saint-Michel são exemplos de exaltaçãojo transcendentalismo mí stico da época em que foram:onstruídos aos quais correspondem, na era moderna,~ntre outros, a Torre Eiffel e o modelo de arranha-céu;urgido nos EUA, culminando no irracionalismo abso-luto que foi a proposta do "The Illinois", o edifício delIma milha de altura pensado por Lloyd Wright! Zevipoderia igualmente ter citado como exemplos de irracio-nalismo as torres absolutamente sem função alguma que

as f amí lias italianas abastadas tinham o hábito de man-dar erigir para maior glória própria, glória que variavasegundo a altura da torre (veja-se a cidade medieval deSan Gimignano, eriçada delas). Ainda irracional é opropósito de um Le Corbusier desembarcando em NewYork pela primeira vez e declarando que lá os edifícioseram irracionais porque pequenos (nota: o EmpireState já existia) devendo ser bem maiores!

Os aspectos da vertical idade aqui abordados sãoeminentemente metaf óricos: é metafórico o sentido daproposição de Bachelard segundo a qual a casa é umser vertical e que sua parte superior ("a mais vertical")é o lugar do racionalismo. Émetafórica a colocaçãode Panofsky sobre o racionalismo da vertical idade gó-tica, assim como é metafórico o sentido através do qualse aponta essa mesma arquitetura como manifestaçãode um misticismo. Isto é, nenhuma destas análisesprocura apanhar a arquitetura e verificar como ela atua

ver quais as manif estações segundas implícitas nessetipo de configuração. E esse lado do efeito prático daverticalidade ou da horizontalidade sobre o homem pre-cisa com toda evidência ser determinado.

Seria possível falar, sob esse aspecto, da insensatez

que constituem os edif ícios modernos altíssimos que jáse constroem ho je e que continuam a ser programadospara amanhã; só a respeito do problema dos incêndios

 já se teria muito o que dizer. Mas deixando de ladoaspectos como este e o referente ao conflito sótão xporão = racionalismo x irracionalismo, bastante poéti-co e interessante mas de discutível validade, as obser-

. vações de Bachelard sobre o viver em apartamento (queele considera na realidade viver na horizontal) poderiam

servir de base para uma determir.:Ição efetiva dos signi-ficados psicológicos e sociais do eixo Espaço Vertical -Espaço Horizontal. Por exemplo, o "ter um espaço àsua volta" mencionado por Bachelard é sem dúvida umaspecto particularmente importante do "morar na verti-cal" (na casa). Essa dimensão parece ser impossível,nas condições atuais, para o viver no espaço vertical dehoje, nos edif ícios; se é um valor, no entanto, ela indicaque mais do que na simples horizontalidade dos aparta-

mentos, o problema está no f ato de que essa horizontali-dade é limitada, fechada - e a residência na verticalé assim condenada não apenas porque é vertical. Algu-mas casas das quais se diz que o morar atingiu nelasum ponto ótimo são construções essencialmente na ho-rizontal, como a casa pompeana (se ela tem às vezesum porão ou equivalente, não tem sótão). Embora asdiscussões sobre os signif icados possíveis da verticalida-de e horizontalidade (racionalismo, irracionalismo, etc.)

sejam necessárias, as observações de Bachelard devemser encaradas antes como uma advertência relativa àpaisage m e à "topograf ia" excessivamente tediosas queprevalecem nos espaços atuais quer internos ou exter-nos: ou horizontal, ou vertical. A esse maniqueí smogeométrico, a que escapam por certo algumas propostasdestinadas a pequeníssima parcela da população, se deveopor um espaço criativo, combinatório de formas eplanos no qual o indivíduo possa movimentar-se livre-

mente e não apenas deslizar ordenadamente, sempre emdireções marcadas e definitivas, como um carro numa 

~rente de trânsito. Os planos do percurso humano) dois e sempre dois em conjunto: horizontal e ver-

! E é t é d t d ê

"promenade architecturale". Ora, isso não existe hoje- mas existia nos burgos italianos medievais, por exem-

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 39/90

a!. E é através de uma proposta desse gênero que sed$ pôr em prática um dos elementos programáticosldamentais da arquitetura moderna (mas não só dela),'em porali zação do espaço. Criar um jogo de permu-;ões entre horizontal e vertical, i.e., propor desníveis,

necessidade de subir ou descer para ir de um lugar atro (seja num espaço aberto exterior ou num espaçoerior) é bem um meio - e bastante adequado - denporalizar o espaço: romper sua monotonia, deixarlado um espaço que se vê para adotar um espaço que

~tivamente se percorre, um espaço onde o movimentolão só possível como exigido, um espaço enfim vivido.

Os espaços atuais não são vividos, são espaços;tos. Se se estivesse no teatro seria possível justificar

n espaço apenas visto: o termo "teatro" provém deeasthai que em grego signif icava justamente ver. Éesmo certo que grande parte da tendência polí tico-so-1 1 de hoje caminha no sentido de tornar os indivíduoseros espectadores passivos se ja em que domínio for, date (ou "artes" como a televisão) à decisão política. Eainda correto que as propostas arquiteturais atuais pre-ndem tornar o habitar (uma cidade ou uma casa) umero ato de visão: eu vejo a cidade mas não a uso; os

lbitantes de um periferia se deslocam nos fins de se:-ana para ver  o centro da cidade, ou um bairro "bo-to", mas não para vivê-io (são os turistas residentes,como turista sua f unção é essa: ver); o morador dena casa vê sua sala mas não a usa, ela é quase sem-"e um quadro que ele apenas vê e conserva para osutros verem. Mas a vida não é um teatro - pelo menosio sempre, e o ver  precisa ser substituído pelo viver,~Io sentir, e que em arquitetura se define pelo experi-

lentar, tocar, percorrer, modif icar: numa palavra, ação.o espaço estático deve ser dinamizado. O espaço:m tempo, sempre igual a si mesmo, exige ser tempo-Llizado,isto é, modificado. Se é possível dizer com jus-:za que o tempo só se def ine pelo espaço (agora é aqui,; foi ontem ou será amanhã), não é muito aceitávellle o espaço seja encarado sem o tempo, mutilado do:mpo. E se esse espaço não pode ser constantementeodificado pela própria natureza do pro jeto arquitetural,

lo menos se modifique a percepção desse espaço: oajeto pelo espaço. Le Corbusier fala justamente em

pIo: desní veis entre as ruas, pontes múltiplas, passare-las freqüentes, praças quebrando a monotonia das ruas.Em Veneza isso existia e existe, ela é talvez um doscasos mais perf eitos de temporalização do espaço: aprova disso se tem não só andando pela cidade, por

certo, como - para confirmar esse aspecto, se fossenecessário - relacionando rapidamente, sem pretensõesde exaustividade, os termos utilizados para a designaçãodos espaços: stretto , r amo , calle , rioterà, crosera, sali- zada, fondamenta, ruga, corte, sottoportego , cam po ,sacca , campiello, pia zza, piazzeta, ponte. Não se tratade proliferação gratuita de nomes : é que efetivamenteum stretto não é um ramo, nenhum deles é uma calleembora todos sejam algum tipo de rua. Mas as dif eren~

ças entre u~ tipo e outro, para o veneziano, são impor-tantes e grItantes, e p ortanto é necessário apontá-Ias:quando alguém diz para um veneziano a palavra "f on-damenta" a imagem que se f orma em sua mente o. ,lOterpr~tante formado é "rua ao longo de um canal",totalmente diferente de um "ramo", viela de uns dezmetros de comprimento por um de largura. E um cam po

não é uma piazza. Em outras cidades, como São Paulon.ão só.h~ es~a vari~dade de nomes como ela nem pre~

cIsa eXIstIr: e tudo Igual, e neste caso três termos, basi-camente (rua, avenida e praça) são mais que suf iciente.E este caso de monotonia atinge seus limites máximos,os ~a neurose geométrica, na cidade onde o espaço é omaIS absolutamente possível atemporal, onde o espaçonem mesmo existe a rigor: New York - Manhattanparticularmente. Lá, só duas realidades urbanística~existe~: Aa ~tr eet  e a avenue, e uma st r eet  é rigorosa-mente IdentIca a outra, tal como uma avenue vale qual-

quer outra, nas dimensões e aspectos. Nesse tabuleironão é de espantar que umpré-embrião de liberdade ur~baní stica como liBroadway seja ressentida como verda-deiro monstro louco solto pela malha ordeira da cidade.

Ela não só se propõe como um caminho amplo (a broad wa y) como, horror final, corta obliquamente o tabuleiroortogonal! Decididamente, alguns milênios serão ne-cessários para que New York atinja o ní vel de desen-volvimento urbanístico de Veneza - mas tudo indica

que para ela essa é uma missão totalmente impossível.Em. New York se vê, em Veneza se vive. Um rio terà 

entre geometria e pensamento, simplesmente. Aqui épossível perceber um certo acordo geral entre os ana-listas quanto ao fato de ser a geometria u m d os ins-

~neziano (canal aterrado) obrig a a uma eurva aquiconduz a um campo, cujo acesso se faz atravessando

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 40/90

Qual o papel real da geometria no pensamento ena prática da arquitetura? Até que ponto a geometriaé inerente ou mesmo essencial para a arquitetura?

Esta questão ainda é freqüentemente recebida comum ar de espanto por muitos, aqueles para os quais aligação entre uma e outra coisa é tão estreita que apergunta é mesmo impensável e soa ingênua. No en-tanto, esse é justamente o problema: o fato de não sepensar néle.

Ve jamos primeiro uma parte da questão: o rela-cionamento entre a geometria e o pensamento arquite-tural - que exige a análise, inicialmente, da relação

listas quanto ao fato de ser a geometria u m d os instrumentos fundamentais do pensamento científico - emesmo do pensamento filosófico, se se pretender umadistinção entre um e outro. Para Bachelard, por exem-plo, a geometrização da análise, isto é, um ordenamen-to seriado dos fatos estudados e mesmo o desenho

deles, é a primeira tarefa exigida do espírito científicoe aquela na qual ele se af irma como tal. A lógica as-sume esse procedimento, e a química, e a semiologia,etc., etc. A razão é óbvia: a esquematização geométri-ca favorece um esclarecimento dos aspectos visados,um tornar mais claro, mais imediato uma determina-da realidade. Sob esse aspecto, na condição em queestamos em termos de pensamento científico é im-possível negar esse papel à geometria.

Mas esta mesma colocação necessária já torna evi-dente o primeiro transtorno que a g eometria ineluta-velmente trás ao pensamento científico em geral e a~lguns de seus tipos em particular: a geometrizaçãonormalmente só é capaz de dar contas dos aspectosmais superficiais dos fenôlÍlenos - e tanto que em al-guns casos ela não só transfigura o objeto de estudocomo é mesmo de todo impossível de ser aplicada dadaa complexidade do fenômeno. Assim, por exemplo, vê-se mal como pode a representação geométrica dar con-tas de uma realidade dialética. Em suas próprias es-sência!, diaiética e geometria são duas entidades quese opoem e se excluem mutuamente: é possível repre-sentar geometricamente que "A é A e não é B, ao mes-mo tempo e sob o mesmo aspecto". Mas não é pos-sível a geometrização de· "A é A mas também é Bna tendência para C, ao mesmo tempo e sob o mes-mo aspecto". A representação geométrica está ligada es-sencialmente ao pensamento que se estrutura segundoas ~o~mas da lógica aristotélica (isto é, a esmagadoramaiOna dos pensamentos em operação - mas quan-tidade não é sinal de validade) e para este pensa-mento a g eometrização é mesmo necessária.

~estes termo~ seria mais adequado propor um ou-tro tIpo de relaCiOnamento entre geometria e pensa-mento que fosse em princípio aceitável não só enquantoesse mesmo simples relacionamento e enquanto relacio-namento com o pensamento dito científico como tam-

a PQnte de degrau e subindo uma plataforma - queJnduz :-Uma miríade de calles, ramos, croseras. Numaea global minúscula, as possibilidades de combinaçãoo praticamente ilimitadas: é preciso tempo para co-

hecer a cidade, enquanto New York se oferece intei-

nha ao menor toque de botão num painel luminoso.or ter tempo, Veneza vive ainda - e não morrerá.f ew York é uma ficção e um inferno: já se começouabandoná-Ia há muito tempo.

Temporalizar o espaço: propor um espaço que selOdifica pela possibilidade de vivê-Io realmente, deercorrê-Io. Quando Zevi fala dessa questão 34, eleublinha o valor do aspecto dinâmico e estático dos es-,aços. Diz, adequadamente aliás, que quem concebefi corredor com paredes paralelas, tal um prisma es-í tico, não entende o abc da arquitetura. Mas nãollostra extensivamente como se pode praticar essa tempo-alização, embora cite exemplos corretos como o Gug-:enheim Museum e a Casa da Cascata, ambos de Lloyd~right. E não fala nada sobre a temporalização dospaço urbano, imperdoável para um italiano que tem/eneza exatamente ao lado. A ação sobre o eixo ver-ical-horizontal, com uma proposta de ambos os planos

,imultaneamente, na casa e na cidade, é um dos instru-nentos básicos contra o tédio e a opressão arquitetôni-:os. Do outro se f alará a seguir.

[ . 3 .7 . 7.o eixo: Espaço Geométrico X EspaçoNão-Geométrico

 

m enquanto relacionamento ~om o pensamento. dito:ético. Seria possível dizer que, aceitando uma prá-a evidente a geometria pode ser um intermediário

está falando de literatura e menciona mesmo um es-tado de "cancerização geométrica" do tecido lingüístico

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 41/90

a evidente, a geometria pode ser um intermediárioão necessário) entre o concreto e o abstrato. Ou~ um dado pode ser assimilado pelo pensamento'avés de uma geometrização (para ser a seguir even-almente devolvido ao concreto). Mas obviamente nempensamento (o abstrato) é geométrico e tampouco oo concreto, o objeto: geométrico é apenas o modo: análise, se ja qual for o cas o e a hipótese, e nadaais. E ainda assim com as restrições do parágrafoIterior. Sob esse aspecto, o pensamento arquitetural>de manter relações co m a esquematização geométri-I, criando assim uma representação de seu objeto, queo Espaço Real.

Agora, a segunda parte da questão: o papel da

:ometria .na prática da arquitetura. E desde logo se)de fazer uma colocação que elucida amplamente o'Oblema: a prática da arquitetura e da urbaní stica temdo tal (não só hoje, porém hoje mais que nunca)Ie o s arquitetos confundem o concreto com o abs-ato, confundem o pensamento sobre o espaço com oróprio espaço e acabam por impor um es  paço de'pr esentação (o resultante da geometria possível do;paço, do pensamento sobre o espaço) ao invés derapor um es paço real. Esta é a grande falha (que nãode todo ingênua, como se verá) da prática arquite'-

lral e que se revela especialmente nesta disciplina pelarópria especificidade de sua matéria: um alf aiate (mas1mbém um quí mico, um antropólogo) pode esquema-zar geometricamente seu objeto (o plano desse ob je-)) mas não imporá essa representação ao objeto final.1m psicólogo pode representar geometricamente umstado mental mas não esperará que a vida psíquica de~us pacientes se produza na prática com o rigor e

forma de seu modelo. Ao contrário, o arquiteto re-,resenta um espaço ( pensa um espaço) e acha a coisalais natural do mundo que seu modelo, sua repre-entação, se comporte e seja aceita na prática talorno ele a representou. Lamentável e trágico engano.

O próprio Bachelard enuncia de modo claro: "élecessário que nos livremos de toda intuição de f initiva- e o geometrismo registra intuições def initivas - se: que queremos seguir. .. as audácias dos poetas que10S chamam para ... 'escapadas' da imaginação". Ele

- mas podemos falar de arquitetura, da mesma ne-cessidade de nos livrarmos dessas intuições definitivase do mesmo fenômeno de cancerização geométrica dotecido espacial.

Alguma dúvida de que as casas e as cidades d~hoje sofrem de geometrice crônic a e aguda? Não. Oângulo reto, as paralelas e perpendiculares, as f ormas"regulares" predominam em toda parte - são mesmosinônimos, tidos por pací ficos, de modernidade; pro-gresso, avanço, desenvolvimento, tudo isso se mede come se equivale ao ângulo reto. Qual o verdadeiro sig-nif icado dessa situação, n o entanto?

A Teoria da Inf ormação 35 pode respondê-lo de

imediato: resumindo, toda forma regular (as figurasgeométricas, mas também a reta, paralelas, ângulos,etc.) são facilmente previsíveis, por conseguinte contêmmenos informação, não mudam compor t amentos.Nada modificam, não instauram mudanças, servem paramanter apenas, para segurar - como informação, va-lem pouco e mesmo nada.

Éo que diz Zevi com outras palavras, que mere-cem ser citadas:

Por centenas de milênios, a comunidade paleolítica ignora ageometria. Mas assim que se estabilizam as bases do neolítiro,e os caçadores-criadores são sujeitados a um chef e de tribo,surg e o tabuleiro de xadrez. Todos os absolutismos polí ticosgeometrizam, organizam o cenário urbano com eixos e depoisoutros eixos paralelos e ortogonais. Todas as casernas, as pri-sões, llS instalações militares são rigidamente geométricas. Nãoé permitido a um cidad&o virar à direita ou à esquerda comum movimento orgânico, seguindo uma curva: deve girar a 90graus, como uma marionete (os grif os são meus).

Este curto trecho resume praticamente toda a pro-blemática que a geometrização do espaço trás consigo ea visão dos que se opõem a ela: o geométrico (a mario-nete) se impõe à vida (o orgânico), o artificial ao natu-ral, o condicionamento à liberdade. Ilustra também, porexemplo, a divergência estabelecida entre Frank LloydWright e Le Corbusier: o arquiteto americano propug-nava uma arquitetura "orgânica" em oposição declarada

35. J. Telxelra Coelho Netto. Introdução  à teoria da  i nfor m a - ção estética Petrópolls Vozes 1974 

geometrismo do suíço, acusado de artificialismo com-o (embora, é necessário frisar, Lloyd Wright não1 sido tão informal ou não geométrico assim)

AMERICAN", assim mesmo em inglês, numa demons-tração inequívoca de, no mínimo, mau gosto) o fun-damental da concepção ortogonal é que a movimen-

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 42/90

1 sido tão informal ou não-geométrico assim).

'Ê o interessante aqui é que justamente Le Corbu-. foi um dos grandes defensores manifestos e con-os do geometrismo, ele tão freqüentemente acusadoser contra a ordem, isto é, acusado de subversão.a-se por exemplo seu catecismo de arquitetura (que

tem estrutura e dimensões para ser mesmo maisisso) Quand les cathé d r ales étaint blanches 36. Sua

ologia dessa época é bem clara cl,~sdeo título do ca-lo que ele consagra a essa questão: "As ruas são

ogonais e o espírito vê-se liberto" 37 (falando de Newrk). Sua crença no ortogonal, no geometrismo maisdo, é expressa em termos definitivos: "Este signo +,

é, uma reta cortando outra reta formando quatro

ulos retos, este signo que é o próprio gesto da cons-ncia humana, este signo que traçamos instintivamen-gráfico simbólico do espí rito humano: um ordena-" 38. Para quem f oi taxado de materialista í mpio,preendente o misticismo que transcende dessas li-

as: a alusão ao sinal da cruz cristão, ao gesto dação (que "põe ordem") não pode ser mera coin-

ência. Mas deixando este aspecto de lado, bem comoo aprofundando a discussão desse traçar "instinti-

" (nada menos instintivo, na realidade, do que asncepções geométricas - e toda a história do conhe-

ento humano está aí  para confirmá-lo), vejamosque consiste as supostas excelências, para Le Cor-

sier, do traçado ortogonal. Para Jeanneret, que seporta nessa sua primeira viagem aos EUA comoverdadeiro í ndio maravilhado e deslumbrado que

sembarca na Metrópole Absoluta (deixando deo uma série de aspectos no mínimo discutíveis e

fendendo absurdos de caráter sociológico - comoando elogia a servilidade, a submissão forçada po-assumida e a falta de consciência social e de coos-

ncia dos próprios direitos dos empregados negros dosns americanos, e que ele confunde escandalosamen-com bonomia, para não citar outros exemplos -ma linguagem ufanista que cansa desde a segunda li-a, porque a primeira já começa com um "I AM AN

damental da concepção ortogonal é que a movimentação nesse espaço torna-se simples, direta, f ácil. Querir a tal lugar? Basta virar três quarteirões à esquerda edepois dois à direita - ao que Le Corbusier contra-põe aquilo que ele chama de caos sufocante, de ro-

mântico e inadequado reino da "desordem" e que sãoos traçados das cidades européias em sua quase tota-lidade. Para Le Corbusier, o ortogonal é exemplar por-que nele ninguém se perde, e o estrangeiro se sente des-de logo tão em casa quanto o morador antigo. Alémdo mais, o traçado geométrico organizado deixa a ci-dade livre: nada de igre ja numa das portas da ci-dade e um castelo na outra, você atravessa a cidadelivremente de uma ponta à outra, sem obstáculos: vocêé livre e a cidade também. E se lança numa diatribecontra as cidades "torcidas" antigas e as que f orampropositalmente asssim construídas na modernidade,crucificando Camillo Sitte pela propagação dessa idéia(por ter Sitte concluído que "o tumulto é o belo, e aretidão, a infâmia") quando ele pouco ou nada tevea ver com isso.

36. Paris, Médiat1ons, 1971.3 7 . Quand l es c athéd r al es  ... , p. 57.38 Idem p 61

É possível deixar passar sua afirmação de que aorientação num tabuleiro ortogonal é mais fácil (e com

efeito um erro num traçado tortuoso tende em prin-cí pio a se agravar cada vez mais), pode-se mesmodeixar de mostrar que a Teoria da Informação con-f irma que se o tortuoso, a desordem não são em si todoo belo, são altamente importantes para sua obten-ção. O que não se deve aceitar é sua tese, freqüente-mente retomada, mesmo atualmente (ou em particularatualmente) de que o ortogonal é o espírito da liber-dade, que com o ortogonal a cidade é livre , e o indi-

víduo também. Enorme absurdo, pois é justamente ()contrário! Le Corbusier parece desconhecer o u deixarde lado um fato da história da arquitetura e da urba-nística francesas (que no entanto ele deveria conhecerperfeitamente) que foi as reformas produzidas porHaussmann no tecido e na fisionomia parisiense. A mo-dif icação fundamental por ele introduzida em Paris f oi

  justamente a de rasgar a cidade de uma extremidade àoutra com uma série de eixos geometricamente proje-

tados que se ligavam ou cruzavam. Finalidade especí-fica: acabar" pelo menos em parte, com as ruas e vie- 

; tortas e estreitas que o povo parisiense conhecia tãom e que representaram papel f undamental todas aszes que a população da capital francesa resolveu se

da régua "T" para o estudante de arquitetura a fimde q ue ele não se deixe tentar pela facilidade dogeometrismo e aprend a a deixar já o próprio traço em

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 43/90

q p p ç plor à opressão monárquica e ditatorial, como aconte-u na tomada da Bastilha e na Comuna de Paris. Com

novos eixos, amplos e extensos (os boulevar d s, asandes· avenidas) o conhecimento da cidade tornava-

mais f ácil e com ele o seu domínio, o cerceamento: sua liberdade, pois as tropas do poder podiam sercilmente deslocadas de um lado para outro da cidadem serem passí veis de detenção pelas eventuais barri-Idas, inúteis quando a largura da via é desmesuradaquando ao mesmo tempo há acentuado desní vel nosmamentos de ambos os lados. Ortogonal = liberda-:? Absurdo total! E m t odos o s momentos da histó-a da urbanística mesmo antes de Haussmann (no Im-Srio Romano ou nas colônias da Espanha) a imposi-io de um traçado geométrico rígido para a malha viá-a sempre teve por objetivo reduzir ou eliminar a li-~rdade do indivíduo, f acilitando seu controle, e nãorotegê-Io do exterior ou mesmo libertá-Io (pois o outrolme dessa faca é que a cidade ficava simultaneamenteJerta à invasão exterior: seriam necessários muitos ho-tens e muito tempo para ocupar def initivamente Ve-;:za caso seus moradores se opusessem a essa tomada- e essa é uma das razões fundamentais para a "tor-

do" das cidades medievais - mas bem poucos paraominar mesmo uma cidade no entanto tão amplauanto New York). Analisando por exemplo a orga-ização das cidades construídas pelos espanhóis na,mérica Latina, não é outra a conclusão a que chegalenri Lef ebvre 39: as "Ordenações de descoberta eovoação" de 1573 são específicas quanto ao ordena-lento da malha d a cidade através de lotes quadradosu retangulares que se dispõem n u m relacionamento

eométrico com a f unção especí f ica de facilitar, comoz Lefebvre, a extorsão e a p ilhagem em f  avor daaetrópole européia. Tudo é previsto, nada é deixado aocaso, o que signif ica que as necessidades orgânicas (aberdade) são eliminadas: o dirigismo é total. Anali-

ando todos esses exemplos históricos, só mesmo umanente delirante é capaz de considerar o traçado geomé-ico como ocasião de abertura e libertação para o in-

livíduo (Zevi f ala mesmo em acabar com a prática

geometrismo e aprend a a deixar já o próprio traço emliberdade!) .

Isto sem mencionar que é justamente o "tortuoso"um dos elementos f  undamentais para a animação deum espaço, para sua vitalização, para a eliminação do

tédio do "habitar". Se se está num monstro lógico queé uma avenida em linha reta com 15 km de exten-são (e mais ainda quando essas avenidas são dez, cor-tadas por 200 ruas paralelas e igualmente retas, COmoem Manhattan) não há o que esperar da cidade, nãohá surpresas, não há reconhecimentos, não há intimi-dades: tudo já está visto e sabido. Pelo contrário, emVeneza, Roma ou mesmo Paris (Haussmann não con-seguiu acabar com a cidade) há sempre um quar t ier e ,

um quar tier  que é o nosso, que se encaixa harmonio-samente no arrond issement  ou no sestier e (por conse-guinte, na cidade toda) mas mantendo sua diversida-de própria graças às suas ruas próprias e dif ere~tes,às vielas imprevistas que defendem esse quartier  40 dosdesconhecidos, dos "intrusos". E por outro lado, hásempre algo a conhecer, a descobrir, a viver, porqueos outros quartier s são igualmenk dif erentes. E s e oestrangeiro, o turista não consegue orientar-se nessamalha tão f acilmente como o faz em sua própria "ca-sa", nada a estranhar nisso: em primeiro lugar, a sen-sação de "estranhamento" é fundamental para o tu-rista e, em segundo lugar, é necessário abrir para asvisitas boa parte da casa mas não necessariamente todaa casa. :É preciso constatar também que o princí pio depropor intencionalmente o "tortuoso" como modo dedef esa contra o intruso e COmo marca identificatória edistintiva é ainda atualmente prática universal emr,orareservada a pequena parcela da população, geralmente

a privilegiada. Assim, um bairro como o Pacaer'lhu éprojetado sob um traçado tortuoso justamente para di-f icultar o trânsito de "estranhos", para impedir adevassa pelos automóveis, para garantir a "residenciali-dade" do local. Visto como prática de classe esse re-curso pode ser até detestável; generalizado, só tem aapresentar aspectos positivos. Realmente, por que en-

40. Na vlvê~cla urbaní stica braslleíra não existe o quarti er,donde a inexlstencia de um termo para traduzi-Ia. Ç u a rti e r  éuma das divisões do bairro (do a r ro nd i s s e m e nt  ). No Brasll arealldade urbaní stíca se detém na f  igura do ba i rro. • 

 

~gar a cidade inteira ao tráfego dos carros, desorde-Ido e tumultuoso? Por que não procurar defender seullor residencial (valor de uso) em detrimento do

Procurou-se determinar e analisar, assim, os eixosem torno dos quais se organiza o discurso arquiteturale que se revelaram em número de sete: Espaço In-

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 44/90

llor residencial (valor de uso) em detrimento dollor de passagem, isto é, de consumo?

Érealmente impossível aceitar raciocínios como os~ Corbusier e que continuam a ser defendidos em)me de "ideais" como "aproveitamento do solo", "ren-

mento" etc. Esses são mais um retrocesso no modo~ vida das populações. Retrocesso porque já na ~e-ascença era comum na prática dos ~andes .urb~n~s-lS (como Michelângelo) a observaçao da. dlsp.oslça?rgânica do espaço nas cidades e o respeito (1st? e,

reconhecimento) por esse valor nos novas projetos_ e com isto se descarta o elemento "desordem" do)rtuoso ou do não-geométrico, pois o torcido, o ines-erado, o inf ormal era mesmo projetado nessa época, ou

elo menOs pensado: deixava-se lugar para que elecorresse. O informal é efetivamente elemento funda-lental para a respiração do espa~o e po~ conse~inteo indivíduo, já que junto com o eixo vertIcal / honzon-aI é um dos motores da temporalização do espaço.)bviamente, o informal absoluto não é praticávelm arquitetura - mas que se o entenda pelo ~enos.omo oposição ao "sempre reto", às paredes contmu"as,10 corredor imenso nos cruzamentos sempre em an-~lo reto. Seja o que for, mas sempre em oposição10 geométrico. .'

Há uma passagem de Le Corbusler antenor ao)uand  les cat héd rales. .. (que é de 1937) onde ele;stá bem longe de sua defesa do ortogonal:

Criou-se cidades de f orma geométrica porque a geometria_ érópria dos homens. Vou mostrar-lhes como surge a sensaçaocrquitetural: em reação às coisas geométricas 41.

Embora insistindo aqui nessa inadequação que édentif icar o homem com o geométrico, seu propó-

;ito final (que evidentemente ele não se~uiu. a não ser,~m parte, em sua obra tardia como a Igreja .d~ Ron-::hamp) é lúcido e imperativo, e merece ser er!gldo e~bandeira, como tantas outras de suas colocaçoes efeti-vamente valiosas: A sensação arquitetural surge emreação às coisas geométricas 42-43.

q p çterior X Espaço Exterior, Espaço Privado X Comum,Espaço Construído X Não-Construído, Espaço Artifi-cial X Natural, Espaço Amplo X Restrito, Espaço Ho-rizontal X Vertical, Espaço Geométrico X Informal.

Tal como foram colocados, parecem ser em númeronecessário e suficiente, excluindo quaisquer outrosem que se possa pensar - ou, o que vem a ser omesmo, todos os outros possí veis e imagináveis podeme devem ser reduzidos à forma de um desses sete, quedeste modo se apresentam como o esqueleto simulta-neamente mínimo, essencial e bastante da linguagem eda prática arquiteturais.

Énecessário ressaltar um ponto, no entanto: se adete~minação dos. eixos foi feita de modo a poder serconsiderada a maiS ampla necessária, a leituro. ou aná-lise desses mesmos eixos a que aqui se procedeu nãoquer se apresentar como e nem pode ser consideradaexaustiva. Naturalmente, ela procurou apreender aque-les aspectos que podem ser considerados fundamentaisdentro de cada eixo, mas que não se apresentam comoos ú?icos possíveis. É relativamente fácil pensar, paraos eiXOS,em todo um elenco de aspectos possí veis e

41. SegundO Boudon, Sur L' esp ac e ...42. Esta confusão que se f az na prãtlca da a.rqultetura entre

um espaço real (aquele que deveria ser efetivamente trabalhadoe proposto) e um espaço de representaçáo (que é afinal o lm-

post?, e que decorre da preocupação geometrlzante e da. não dls-tlnçao entre um simples Instrumento de operaçáo. a geometria. ea operação efetiva em s1 mesma) não é por certo fenômeno daatualldade. Pelo contrário. ela tem sólldas raizes históricas, pre-cursores .serisslmos. Sua árvore genealóglca remonta sem dúvidaà Antiguidade, mas o momento cruclal para a história da ar-quitetura ocidental moderna e contemporânea, sob esse aspecto, éo Rena:sclmento com sua mania pela perspectiva. É o estudo damatematica e a redescoberta da geometria (depois de bem maisde um mllênlo de real "treva clentifiC1lo")que leva ao perspec-tlvlsm,? desenfreado do século XVI (e mesmo XVII e XVIII) oué a sublta descoberta do elemento prof undamente lúdlco (parauma época soterrada sob o bldlmenslonallsmo da pintura) daperspectiva que promove um estudo f urioso da geometria? NãoInteressa aqui essa discussão. mesmo porque seguramente se

trata de ambas as coisas ao mesmo tempo. Seja como for, aperspecto-manla, a vontade e a necessidade de cavar uma outradimensão na pintura. e sobretudo no teatro. e de tornar essadimensão realmente vlsivel na arquitetura será de qualquer modoa responsável pela geometrlzação do universo renascentlsta mar-cando especificamente sua arquitetura e, com ela. todas ~s de-mais dos séculos seguintes. Incluindo, bem entendido. a nossa.Praticar a.t:qultetura passou a ser especificamente praticar geo-metria; g e o metr a  se tornou sinônimo de ar q uit e to  e a geometriaecllpsou totalmente todas as outras dlsclpllnas que compõemo corpo da arquitetura, numa Inversão brutal de va.lores. Aarquitetura, que era uma a.rte. e apenas uma arte (que se apre-sentava, em virtude dessa postura por certo Igualmente ex-trema.. com aspectos a. corrigir) passou a ser dlsclpllna exata, ra-cional - donde os males que nos afligem.

Historicamente. o momento dessa transformação pode ser fi-

xado por vo!ta da. metade do século XV quando, após. a desco-berta recentlsslma dos manuscritos de Vltrúvlo, redigidos no ano 

Jrováveis, mas a leitura de todos é tarefa que este es-:udo intencionalmente não se coloca. E isto resulta do

róprio objetivo d,e iní cio declarado: proceder a uma

Peirce 44 entre sentido, significado e significação. Signi-f icado: aquilo que é inicialmente pretendido com umsigno. Sentido: a impressão feita ou que normalmente

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 45/90

p j , pleitura do discurso arquitetural, o que implica de ime-iato uma semiologia da arquitetura - mas ao in-

vés de se seguir o caminho até aqui trilhado por essasemiologia (e que se tem revelado absolutamente in-

rutífera, mero exercício - muitas vezes inadequado- de lógica, mas não de arquitetura) se propunha or-ganizar o discurso arquitetural num sistema (os eixos)e investigar as referências (os significados, se se qui-ser - mas, melhor, os interpretantes) livremente, a

artir do ponto de vista exigido mais imediatamenteela natureza de cada eixo. F: a esse aspecto, que

constitui uma dif iculdade (&e não uma impossibilida-de) para todo trabalho que se pretenda exaustivo deve

ser acrescentado que se partiu igualmente, para a leituradesses interpretantes, da distinção estabelecida por

15 a,C" Leon Battista Alberti publica seu D e  re a e d i f i ca to ria ,espécie de seleção comentada dos textos do grande mestre, Foio começo da "corrida", da nova moda, Em 1486, pouco mais de40 anos depois da invenção da imprensa, surge a primeira edi-ção dos textos do próprio Vitrúvio, a cargo de Sulpicio deVeroli, e nos anos seguintes (a atestar a fome que se sentiapor esses escritos) há pelo menos mais uma edição impor-tante de Vitrúvio a citar, a de 1513,por Fra Giocondo. A partirdai vem uma verdadeira enxurrada de tratados sobre arquitetura,perspectiva e geometria, e essas três coisas se vêem intimamente

relacionadas (a Fundação Cini, em Veneza, é um verdadeiro ar-senal deles), Os titu10s são os mais variados possíveis, mas apreocupação uma só, Há mesmo coisas extremamente saborosas,num claro indicio da importãncia e interesse do assunto, como olivro de Giulio Troill (por apelido "U Paradosso") publicado em1672sob o título Paradossi per  p raticar e  la  p ros p et t iv a  senz a  s a - p e r l a!  E no entanto, é obra séria, onde o autor apenas dava mo-delos, regras já prontas para "perspectivar" sem a necessidadede elaborar-se todo o processo,

Mas o que ef etivamente interessa aqui é mencionar uma obra(já importante na época) que !lustra com seu próprio títuloa situação em que se tinha metido a arquitetura e da qualela ainda não saiu: trata-se de um llvro de l"erdinando Galll-Bibiena (particularmente importante cenógrafo da época) publicadoem 1711, A a r qu i t e tura civil elaborada a parti r  da  g eomet r ia  e

r e du z ida  à  p e r s p e ctiva. O título é claro, preciso e eloqüente: nadamais precisa ser dito,Resta esperar que assim como a filosofia foi posta a andar

novamente sobre seus pés por um certo sr. Marx, ela que an-dava plantando bananeira, também a arquitetura deixe bre-vemente essa posição tão pouco cõmoda em que se mantém,no minimo, desde o século XVI. Já não é sem tempo: só emrelação à filosof ia ela já. está. com mais de um século de atraso,

43. A reação ao traçado geométrico não se llmita apenas aopro  jeto urbaní stico. Mesmo no sentido mais tradicional da prá-tica arquitetural (a proposição da "casa") ela é igualmente umanecessidade, uma possibilidade e uma realldade - tanto em rela-ção ao Espaço Interior quanto Exterior, Um pro jeto de Frederick John Kiesler é, sob esse aspecto, exemplar. Kiesler propõe um "ar-ranha-céu" abrigando escritórios, salões, etc, e uma série de pe-

quenos teatros de capacidade variada (120 a 330 lugares) cu japeculiaridade reside em dois pontos: a) de modo particular,num corpo anexo ao edifício centrat Kiesler propõe algumas

deve ser feita por esse signo. Significação: o resultadoreal produzido pelo signo 45.

Fica claro agora porque esta análise (e análisealguma) não pode pretender a exaustividade. É possí-

vel, eventualmente, analisar de modo exaustivo ossignif icados desses eixos, é mesmo viável traçar um qua-dro geral, e bastante indicativo dos sentidos,' mas seráabsolutamente impraticável levantar um plano de todasas significações, particularmente num trabalho quese pretende teórico, isto é, geral, abrangente. É viávelainda, por exemplo, analisar perfeitamente os signifi-cados, sentidos e significações produzidos por um d adodiscurso arquitetural sobre uma determinada população,

grupo de indivíduos delimitado ou um indivíduo (umpequeno bairro operário, ou um parque residencial mé-dio-burguês ou um único indivíduo, isolado). A análisegeral, no entanto, não pode nem pensar em considerara proposição de objeto semelhante. O que ela pode,e este foi o objetivo aqui, é exemplif icar as leituras pos-sí veis (para outros trabalhos de ref lexão sobre ar-quitetura) e possí  veis linhas de ação (para a práticade: arquitetura).

salas. que são encerradas numa construção absolutamente não-g!l0metnca e que se assemelha a uma pera deitada, com super-ficie desigual e irregular; b) todos os corpos do con junto deve-riam ser construídos de tal modo que o material da construçãoe o revestimento deveriam ser praticamente jogados sobre a es-trutura e não modelados de forma linear.

Este caso não é único: basta pensar nos pro jetos dos ex-

pressionistas. A Torre Einstein (Mendelsohn, 1920-1924)em Potsdamé igualmente um exercício em a-geometrismo, tal como sua "Arqui-tetura das dunas" 1920), um titulo de todo eloqüente: movimentovariação. (Ver ilustração n.o I, 2 e 3). '

44. Ch. S. PEIRCE, C ol l ected  Pap e r s  of Ch . S. P e irc e , Cam-bridge, 1962.

45 . Se ntido  foi aqui também consí derado sob uma outraperspectiva (da qual resultou o título da obra), a partir de umco~celto mais genérico" mais extenso (e que não conf llta pro-pnamente ~om o de PelrCe) tomado à teoria de Hjelmslev, paraquem se n t ' do  designa aquele fa t or comu m  existente sob todosos sistemas lIngüístlcos. O s ent id o  é aqui o "pensamento mes-mo" subjacente a várias f ormas de éxpres~ão, por mais diferen-tes que s,!" jam, Por exemplo, I  do no t k n ow, t e ne  s a is  p a s  e1e g  vé d  sao algumas das f ormas dif erentes que pode assumir osentido (Isto é. o f ator comum) "eu não sei"; é ele que está.por baixo dessas variadas expressões.

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 46/90

 I !ustraçüo n'! f :  Pro jeto de teatro de Frederick John Kiesler,exemplo de reação ao traçado geométrico. Trata-se de umarranha-céu que se ergue sobre um teatro principal, abrigandouma série de outras pequenas salas com capacIdade entre 120 e330 lugares. Ao lado do corpo principal, uma estrutura irre-gular em f orma de pêra comporta uma outra sala. Sendo pre-visto um revestimento em cimento aparente, o arquiteto propõeque o material seja quase livremente jogado sobre as f ormas,

dando por resultado uma superfí cie irregular e não modeladade acordo com configurações lineares e geométricas.

 I lust ração n<! 2: "Arquitetura das dunas", esboços de ErichMendelsohn. feit?s em 1920: expressionista, o arquiteto procuraobservar e msprrar-se nas formas constantemente refeitas pelo

vento. Énítida a inf luência da "Arquitetura das dunas" sobreo pro  jeto da Torre de Einstein, do mesmo Mendelsohn. 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 47/90

I

 Ilust r ação n9 3: Torre Eios\  J 

em Postdam (1920-1924). B'I' jé exemplo de recusa elo geoml'~~ / outros, por Gaudí . ' ~ ~ i 

i

~: jJMm~elsohn, construída \ ~!~JqU1tetura das dunas",1'l'1ltticadaigualmente, entre \1' /

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 48/90

 I lustração n9 3: Torre Einstein, de E. Mendelsohn, construí daem Postdam (1920-1924). Baseada na "Arquitetura das dunas",é exemplo de recusa do geometrismo, praticada igualmente, entreoutros, por Gaudí .

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 49/90

Quando se fala na necessidade que sente o homemocidental de ocupar um espaço, de não deixar um es-paço vazio; ou quando se diz que a verticalidade épercebida como forma de misticismo; mesmo quando sepropõe que o espaço pode ser temporalizado ou quan-do se apresenta o espaço geométrico como o espaçoda prisão do espírito (e não só dele), está-se falandonuma dimensão específica da arquitetura: a dimensãod o imaginário (e não uma dimensão imaginária).

O que se deve entender por imaginário, em arteou arquitetura? Seguramente não uma forma de aluci-nação, fantasia ou irrealismo. Num conceito comume vulgar da palavra, imaginário é sem dúvida tudo isso(além de produto dos sonhos, ficção, etc.), COmum

 

acresclmo especí fico: banalidade, coisa desprezí vel emesmo perniciosa. E o mais grave é que esse con-ceito totalmente inadequado de imaginário acaba des-lizando e infiltrando-se mesmo no campo da teoria daarte e da arquitetura (onde adquire condição seme-

ú?ico p~nto de vista para a análise de seu ob  jeto) nãoso permite (e mes~? torna obrigatória) sua presençaem todo est.udo teoflCO sobre arte e arquitetura, recu-perando assim toda urna parte vital da experiência es-tética humana, corno possibilita um entendimento da

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 50/90

q q çlhante à desfrutada pelas sempre presentes e absurdasteorias da "inutilidade" da arte), sendo aqui usadopara emascular a prática artística do homem, ceifan-do aquilo que ela tem talvez de mais importante. De

fato, se é verdade que pelo menos em estética o con-ceito de imaginário começa atualmente a ser, pelo menosem parte, reivindicado (embora confundido e distor-cido, de modo extremo até), da arquitetura ele foi (eestá) inteiramente afastado - se é que alguma vezfoi, nela, devidamente considerado. A perspectiva queprevalece aqui é a de que a arquitetura é urna disciplinaque lida com o real e o útil, e nada tem ô  ver como imaginário. Monumental engano, e nem sempre ino-cente. E que se procurou desfazer aqui através da aná-

lise dos sete eixos em torno dos quais se organiza aatividade arquitetural: os componentes desses eixos f o-ram quase sempre vistos, corno se procurou mostrarmais acima, na qualidade de pertencentes à dimensão doimaginário na arquitetura.

p?bra de .a~te (entre as quais a arquitetura) em seuJusto pOslclOnamento de t opos  real onde esse universoima~i~ário se constrói através de elementos reais' (amatena), formando com este universo um objeto novo

diferente ao mesmo tempo daquele mundo de rela~cionamentos não organizados e sub jetivos e do mun-do "objetivo" que se mostra ou opaco ao olhar dac~nsc~ência ?u que se revela de modo ordenado (masfno, lmpasslvel) segundo a apreensão cinetí fica.

Este conceito de imaginário assim descrito, no en-tanto, chama atenção para um outro conceito, e umaoutra atividade, sem a' qual o imaginário, a obra dearte e mesmo toda atividade não-artística do homem'

é inviável: o conceito de ideologia e a prática ideoló-g~c~. Inviável porque não há significado, sentido e sig-nIficação, na obra de arte ou na vida "comum", sem apresença de ambas essas atividades, simultaneamente.Mas o que se deve entender por ideologia?

Seria possível utilizar um conceito vulgar e muitoempregado, segundo o qual uma ideologia é um sistemaou mero conjunto (conforme seja rí gida ou frouxa-mente organizado, respectivamente) de valores dos mais~ariados tipos (polí ticos, religiosos, estéticos, etc.) uti-lIzados para a explicação de uma realidade. Não sepode dizer que est~ descrição da ideologia se ja equí-~oca, mas outras eXIstem que são mais adequadas. par-ticularmente a um trabalho àesta natureza. Pode-se di-::er, assim, 9ue a ideologia é uma representação (istoe, um relaclOnament~ consciência-ob jeto) produzidapelos homens a respeito das relações por eles mantidascom suas condições reais de existência. Este conceitoestá mui~o próxi~o do conceito de imaginário, já queambos vem descntos como modos de relacionamentoentre a ~onsciência e seu objeto. Qual a dif erença?P~r~ mUltas, ~enhuma. Estes (que entendem o imagi-nar~o_como ~a~ sendo nada mais que alucinação, su-poslçao. f ~ntastlca) ~ons~deram simplesmente que al?~ologla. ~ uma expllcaçao destorcida (por razões po-htlco-soclals, normalmente) da realidade que se opõe

Mas, como pode ser então descrito o imagináriode um modo adequado à recuperação que aqui setenta f azer desse conceito, libertando-o de uma sériede detritos intelectuais de suspeita inspiração? Não comofantasia, alucinação, mas como o universo de um modode relacionamento da consciência individual com obje-tos reais ou virtuais. Este conceito, que partiu da no-ção sartreana de imagem  (modo que a consciência temde se dar um objeto) tem sua especificidade no fato deser um modo não organizado, não ordenado, não ra-cionalizado de relacionamento entre essa consciência eum objeto qualquer que lhe é interior ou exterior -pelo que o imaginário se distingue, por exemplo, domodo de relacionamento científico de uma consciênciacom esse objeto (modo ordenado, organizado). Estadescrição do imaginário (que pode e deve ser com-plementada dizendo-se que outra caracterí stica funda-mental desse modo de relacionamento é o fato de queele é f eito a partir de múltiplos pontos de vista utili-zados simultaneamente, enquanto o modo de relacio-namento cientí fico deve usar, a cada vez, apenas um

 

aos dados "indiscutí veis" f orneGidos pelo entendimen-to "cientí fico". Quando assim f ormulam sua posição,estão querendo que se aceite a idéia de que a reali-dade humana é constituída por uma única verdadenatural que tem de ser descoberta e com a qual não

Ao lado dessa primeira concepção de ideologiaaqui combatida ( a d e que a ideologia difere do co-nhecimento científ ico por ser uma explicação alu::ina-da, falsa, antinatural) existe uma outra que tambémdeve ser posta de lado: aquela segundo a qual a

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 51/90

q qse pode discutir. Por exemplo, seria da ordem "natural"das coisas o fato de existir uma entidade supra-hu-mana a que se denomina "deus", tal como se deveriaatribuir a existência, por exemplo, de uma rígida dis-

tinção entre as classes sociais a essa mesma ordem"natural" - contra a qual nada se poderia. Ora, nãocabe aqui mostrar que não existe nenhuma explica-ção única da realidade (humana ou material) que se-ria "natural" (isto é, irretorquível) e que geraria oconhecimento de tipo "cientí f ico": vários trabalhos devalor indiscutível já o demonstraram. As teorias deEinstein, por exemplo, comprovaram que não existeuma verdade única e imutável, mas que toda noçãotem um valor variável e relativo. Duzentos e cinqüen-

ta anos antes de Einstein, Newton formulou uma teo-ria da mecânica celeste que f oi contrariada pela teoriada relatividade geral proposta pelo irrequieto e poucoconvencional cientista moderno. Isto significa que ateoria de Newton é, portanto, f alsa ou equívoca? Comoaf irmá-Ia, se continua a s e r utilizada pelos astrôno-mos e se delas se servem, sob todos os aspectos, osatualí ssimos astronautas? Mas se as idéias de Newtonsão usadas ainda, neste caso os trabalhos de Einsteiné que são enganosos. Proposição igualmente falsa. O

f ato é que sob um -determinado ponto de vista a teo-ria de Newton é inadequada: ela não é adequadaquando se trata de analisar ob jetos cuja velocidade seaproxima da velocidade da luz.

Isto significa que também no campo da chama-da "ciência" tudo está na dependência de um determi-nado relacionamento, de um modo de posicionamentoentre a consciência investigadora e seu objeto. Em ou-tras palavras, tudo depende de um ponto de vista. Tal

como no imaginário. Com a dif erença, no entanto, deque a representação que a ideologia fornece aos ho-mens das relações que estes mantêm com suas condi-ções de existência é uma representação de alguma for-ma organizad a e não é subjetiva, mas, quase necessaria-mente, transubjetiva, isto é , partilhada por um grupoou grupos.

p q g qideologia é uma argumentação que, enquanto escolheuma das possíveis seleções circunstanciais de explica-ções possí veis, oculta o fato de que existem outras pre-missas contraditórias ou complementares que levam a

uma conclusão diferente ou mesmo contraditória da-quela por ela sugerida. Assim, se alguém af irmar quea teoria de Newton explic a a mecânica celeste segun-do tais e tais princípios, sem revelar que existe ou-tras teorias (como a de Einstein) que sob determi-nados pontos de vista permitem conclusões contraditó-rias às de Newton, esse alguém estará utilizando umaargumentação ideológica e não científica. Esta concep-ção também deve ser corrigida: não é pelo fato deexpor sua parcialidade (isto é, de mostrar que existem

premissas contraditórias àquelas que se escolheu) queum discurso qualquer deixará de ser ideológico. Elecontinua a ser ideológico na medida em que é um arepresentação da realidade, e uma representação das re·lações entre os homens e essa realidade, que f oi esco-lhida pelos homens, por uma série de razões, comosendo a mais ad equada e conveniente. Eu afirmo talcoisa, não escondo que existem posições contrárias masdefendo a validade de minha posição: estou executan-do uma atividade ideológica.

Se a esta altura f or perguntado como pode sersituado o conhecimento científico em relação ao co-nhecimento ideológico, e em que um se distingue dooutro, é possí vel responder que os pontos comuns aambos são muitos, que não existe oposição absolutaentre um e outro e que o conhecimento chamado cien-tífico é mesmo uma espécie do conhecimento ideoló-gico, não podendo ser entendido de outra forma. Comefeito, basta lembrar que ciência só existe enquanto

pode ser negada: a única coisa que não pode ser ne-gada é o dogma, e o dogma não é assunto de ciên-cia nem conduz ao conhecimento científico. A grandedif erença existente entre a ideologia e o conhecimentocientí fico (se é que chega a ser diferença) é que umaideologia é f eita também por conhecimentos científicos(neste caso o conhecimento científico é uma parte do

 

todo que é a ideologia) e, pOl: esta razão, o conhe-cimento cientí fico é um corpo de noções rigidamenteorganizadas em torno de um único ponto de vista,enquanto a ideologia será composta necessariamente poruma apreensão da realidade baseada numa multipli-

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 52/90

cidade de pontos de vista (o aspecto político, o aspec-to religioso, o aspecto estético, etc.) - diferenciando-se do imaginário já que o modo de relacionamentoconsciência / objeto é aqui inteiramente não-organizado,

enquanto na ideologia alguma organização há. Alémdo mais, deve-se entender que a ideologia é uma prá-tica normativa da atividade entre os homens (segun-do critérios de justiça, adequação aos objetivos so-ciais, etc.) que se preocupa com o dever-ser do uni-verso humano, enquanto o chamado conhecimento cien-tífico, voltado para o estudo do ser, daquilo que efeti-vamente é, agora, é um instrumento para essa atuação.

Não há, portanto, como separar o imaginário do

ideológico - embora não se deva confundir um como outro. Fez-se aqui esta resumida introdução a umateoria do imaginário e do ideológico para melhorsituar o leitor quanto a alguns aspectos dos eixos pro-postos e discutidos. E se por alguma razão deu-se a

. impressão de que o nível mais presente nas discussõesdo primeiro capítulo foi o do imaginário (embora adimensão do ideológico sempre estivesse presente, ain-da que de forma menos evidente) procede-se a seguira uma análise específica da presença da ideologia na

arquitetura (isto é, da representação que certos ho-mens se fazem - e tentam impor aos outros - dasrelações por eles mantidas com a realidade arquitetu-ral, por razões de variado interesse político-social) emtrês casos particulares. Esta análise deve mostrar comoatua a ideologia na arquitetura, de que modo a arqui-tetura é ideologizada e ideologizante, qual o signif ica-do' ideológico de certas proposições arquiteturais - eisto em três aspectos da teoria da arquitetura, e dateoria da linguagem e da significação na arquitetura

particularmente, passí veis de verificação em alguns oumesmo todos os sete eixos propostos. Por certo, trata-se aqui de análises exemplificativas que se contentamcom serem tais e que não ostentam a mesma ambiçãoe generalidade de que se reveste a primeira parte destetrabalho.

2. TMS CASOS PARTICULARES DOIDEOLÓGICO NA ARQUITETURA

A partir da segunda metade do século XIX a arqui-tetura tinha uma nova palavra de ordem: funcionalismo.Que acabou se tornando uma panacéia e uma etiqueta

. em nome da qual se procura desculpar verdadeiros cri-

mes contra a arquitetura - 'se não fossem, antes, contrao homem. A f órmula mágica F or ma , E strutura e Fun-ç ão, tal como é proposta por Nervi, surgia para resol-ver os problemas da arquitetura, definindo-a e atribuin-do-lhe um domínio específico para, ao final, justificá-Ia.As razões para esta nova concepção pareciam múltiplasaos olhos dos teóricos do século XIX: a torre proposta

 

por Eiffel em 1889, por exemplo' (como todas as pontesde f erro; mas ela f oi o signo mais em evidência) levan-tava a questão referente à forma que se deveria dar àsnovas construções feitas com um novo material, o ferro

e o ferro aparente A teoria da art impliqué (arte

.1ão cumprem função alguma, são gratuitos. Onde estáo funcionalismo? E a Torre Eiffel não é um caso hola·do, pelo contrário: é uma amostra, a ponta do iceberg.

O que interessa então indagar é: o que está por trásdo conceito de funcionalismo? Que signjfica função e

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 53/90

- e o f erro aparente. A teoria da ar t impliqué  (arteimplícita) estava sendo f ormulada: cada tipo de materialtraz em si (ou exige) uma nova forma que está implícitanele (entenda-se: e que não foi usada antes). O ferro,e depois o concreto, tornaram-se elementos da vida co-mum da arquitetura: que fazer com eles, continuar arevesti-los com as f ormas do Clássico, do Gótico, conti-nuar a propor sopas de restos arquitetõnicos, delírios ar-tí stico-sociais a que se batizava pomposamente de Ecle-tismo, como a Opéra de Garnier em Paris? Continuar apropor "neos"? Mas neo-o-quê, a essa altura? Já haviaum neoclássico, e um neogótico: propor o que agora,o neobizantino, o neof araõnico, ou neo-neo-gótico (co-mo é, de certa f orma, o art  noveau)? Evidentemente, háum limite para tudo, mesmo para a desrazão e o péssimogosto. Propõe-se então que cada novo material deve teruma nova forma, ditada pela f unção que exerce, nãomais sendo, portanto, gratuita. Vai-se tentar unir, então,f orma e f unção (a esses dois termos pode ser reduzida aequação de Nervi, sem prejuí zos) e passar a propor pro-

 jetos f uncionais.

Mas quando se insiste muito sobre a necessidade deunião entre dois elementos e na apresentação de soluçõesonde essa ligação é conseguida, é porque talvez esses ele-

mentos se jam irreconciliáveis, e a ligação, neste ou na-quele caso, inexistente. As primeiras formas "f uncio-nais" na verdade não o são, mas foram tomadas comotal na época e até ho je continuam a sê-lo. São enormesmentiras funcionais. A própria Torre Eiffel, por exem-plo. Os quatro enormes, volumosos e maciços arcosque se vêem entre seus quatro pilares funcionam psico-logicamente para o espectador como os sustentáculosde toda aquela enorme massa de ferro, que parece re-pousar em suas "costas". Nada mais falso, porém. Não

têm nenhuma f unção de sustentação, que fica inteira-mente a cargo dos próprios pilares. Mas f oram postoslá para dar essa impressão: por quê? Por que f icava"mais estético"? Para assegurar o público quanto àf irmeza da obra? Impossibilidade de romper com atradição hstórica do arco? Talvez as três coisas ao mes-mo tempo. O que interessa é que não são funcionais ,

Q g j f ç

o que significa f or ma? Qual a ideologia que está por trásdesses conceitos? Qual a possibilidade efetiva de unirum e outro desses elementos?

Um excelente princípio de resposta é f ornecido porBaudrillard 1. Forma e f unção seriam dois valores anti-téticos e irreconciliáveis porque ref lexos e portadoresde duas ideologias em conf lito absoluto: a aristocrata ea burguesa. Para a determinação do campo desses con-ceitos remonta-se à Grécia: sua aristocracia f az do não--trabalho pessoal uma norma absoluta de vida. O traba-lho (particularmente o trabalho manual, porém todo tra-balho) degrada, e a ele só se entregam as pessoas deextração inferior, os escravos, os prisioneiros de guerra;ao aristocrata é reservada a operação intelectual: a su-pervisão, a administração (mesmo na arte o pintor, tra-balhador manual, é um degradado em relação ao poeta,ao rapsodo). Sua existência é a da ausência de esforços,de excessos, a existência da ostentação, do inútil. Isto é,da forma - da forma pura que se propõe não para cum-prir uma necessidade, um trabalho qualquer mas comooferecimento gratuito, como ocasião de deleite livre, des-preocupado.

Para o burguês, que não pode contar com o recurso

do parentesco com os deuses ou do sangue azul, a únicamaneira de ascensão (pelo menos de alguma ascensão)está no dinheiro, que ele só obtém num primeiro mo-mento com o esf orço próprio e, apenas a seguir, com otrabalho dos outros. Mas mesmo enriquecendo e even-tualmente sendo admitido no mundo nobre, o burguêscontinua marcado por um pecado original: a impossi-bilidade de apreciar algo a não ser por aquilo que essealgo produz, por aquilo que ele vale como instrumentopara algo mais - por sua função, enf im. "A arte é

muito bonita, muito bem, mas sozinha não interessa. Oque pode fazer, como pode ser útil? Decorando umataça? Ah, ótimo, neste caso sim, pois a taça é realmenteútil." Colocação simplista? Épossível. Mas a ideologia

1. J. BEAUDRILLARD, o sist e ma  d o s  obj e tos . São Paulo.Perspectiva, 1973.

 

burguesa, nessa época particularmente, é relativamentesimplista.

Assim, é possível montar uma equação onde à aris-tocracia corresponde a forma e à burguesia, a função.Mas aristocracia e burguesia são duas coisas irreconciliá-veis ou de qualquer modo infusíveis Na Europa a bur

quando se verifica que não é a função que predominanos projetos mas justamente a forma. Isto é bem visível:basta pensar, por exemplo, nos edifícios de vidro a re-velar uma forma perfeita, cuidada, mas que, quando ins-talados nos trópicos, demonstram-se de todo inadequa-d f t l i t ( f l bl d

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 54/90

veis ou, de qualquer modo, inf usíveis. Na Europa, a bur-guesia terá de esperar desde a a ntiguidade grega até asegunda metade do século XVIII para ter sua revanche;e nesse tempo todo, nada mais houve entre as duas

classes do que conf lito constante entremeado de ocasio-nais alianças (contra outras classes, contra o perigo ex-terno). Mas f  usão, não. E, correspondentemente, im-possibilidade de união entre forma e f unção. De talmodo que seria impossível a existência de um pro jetoque proclame a união perfeita entre uma e outra coisa:a predominância de uma delas será sempre uma cons-tante.

Não é argumento afirmar que essa união, no entan-to, pode ser conseguida e só é conseguida pelos grandes

nomes, pelos mestres, enquanto que para os demais, osarquitetos "de serviço", o fracasso é a herança inevitável.De acordo com a argumentação, essa imbricação seriapura e simplesmente impossível, e neste caso aquilo queestamos habituados a chamar de "perfeita união entreforma e f unção" nas grandes obras será simples ilusão:quando estas são citadas, estamos dando como exemploalgo que não existe.

Será correta essa colocação? Se realmente o equi-líbrio não é possível, de que lado pende a balança? Seria

. possí vel pensar que a própria denominação da teoria jános daria uma pista: pende para o lado da função. Real-mente, parece que ninguém se deteve para indagar por-que uma teoria que pretende unir  f orma e f unção seapresenta sob o rótulo exclusivo de f uncionalismo. De-veria chamar-se simplesmente "Teoria da Forma-Fun-ção". Mas não: todos a reconhecem sob seu nome deregistro "funcionalismo", embora def inindo-a especif ica-mente como uma prática arquitetural que procura esta-belecer uma relação biunívoca entre uma f unção qual-

quer e uma forma qualquer. Mas por que chamá-Ia def uncionalismo? Por que não se escolheu formalismo?

Não será necessária uma psicanálise de seus formulado-res e praticantes para descobrir o motivo oculto, o f an-tasma impulsionador, o desejo inconf essável? Não, por-que o aparente grande mistério torna-se bem claro

dos frente ao calor reinante (sem falar no problema dosincêndios) . A denominação de funcionalismo assim teriasido feita apenas para mascarar as forças às quais sesucumbe, as do formalismo.

O mistério realmente não é tão misterioso assim.Vejamos de início o momento histórico de f ormaçãodessa teoria: é o período do lançamento das bases da so-ciedade industrial moderna, aquilo que Banham 2 cha-ma de segunda era da máquina. Uma realidade comvários aspectos: sociedade industrial, sociedade de mas-sa, capitalismo avançado, organização financeira multi-tentacular, imperialismo econômico, concentração daprodução e da renda, direção do consumo das massas.Todos fenômenos que por certo só vão atingir o auge

no século XX mas que já estão lá quando se começa afalar em funcionalismo. E com eles alguns outros as-pectos que precisam ser apontados: racionalização daprodução, produção em série, giro rápido do capital comum mí nimo de custo e um máximo de rendimento, etc. Énesse momento que se começa a falar em funcionalismo.Inicia-se falando por exemplo a respeito de certas má-quinas com formas "inúteis", que não influem na produ-ção, não rendem: máquinas com cilindros exterioressob a forma de colunas gregas, tornos industriais com

decoração barroca, etc. Em nome do bom gosto, da pu-reza de formas, da forma "moderna", eliminam-se ascolunas e a linha curva, substituindo-as pelas formasretas. A seguir fala-se na funcionalidade do produto,isto é, da funcionalidade para o consumidor: as maça-netas com tais e tais formas são mais funcionais (adap-tam-se melhor à mão) e ao mesmo tempo mais bonitas.Um prédio de apartamentos com sacadas sem grades deferro trabalhadas (ou mesmo sem sacadas) é mais fun-cional, porque a manutenção é mais barata, e ao mesmo

tempo mais bonito: suas formas enquadram-se no gosto.Énisso que se pretende fazer o consumidor acreditar.

O problema no entanto é que todo esse funciona-lismo, que se diz voltado para as necessidades do con-

 

Seja como for, o que se constata é efetivamente aimpossibilidade prática atual de unir realmente f orma ef unção - pelo menos a partir de um ponto de vista uni-tário e específ ico, que deveria ser o obrigatório, o doconsumidor. Não se pode considerar como união aquiloque resulta de um elemento bicomposto que volta cada

sumidor, é na verdade um funcionalismo pensado par a o

 produt or, um funcionalismo que sé encaixa naquela polí -tica de rendimento máximo do capital. A linha reta esimples é adotada porque é mais barata de produzir, asgrades de ferro são retiradas (e depois a sacada) porquese barateia o custo e aumentam os lucros; os elementos

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 55/90

3. BOUDON, op. cit . , p. 30.

4. Não é argumento declarar que diminuindo os custos deprodução se diminuem os custos para o comprador. pois é quo-tidiana a constatação de que uma coisa nada tem a ver com aoutra. A tendência é uma s6: reduzir o custo e aumentar (oup 10 menos manter) o preço para o comprador. Não há, pois,nonhuma. real função econômica pa ra  o co n s u m idor .

5. Num certo sentido, Isto poderia ser até elogio: aqueles'111! recusam o abc, a cartllha comum e primária., pelo tratado.M~t1 nll.o: trata-se realmente daqueles que nunca chegaram nem11I"tIIHO a manipular o abc.

q p quma de suas partes para um ponto de fuga dif erente. Aconexão é impossível, efetivamente, embora não pelasrazões talvez demasiado "ideologizantes" de Baudrillard- e embora de qualquer forma a prática da função aquiapontada se ja, como ele coloca, uma prática do rendi-mento, da produtividade econômica. Mas há uma outraressalva a ser feita a respeito de sua tese: para Baudril-lard, forma e função s ã o eternamente irreconciliáveisporque o são igualmente as duas classes sociais corres-pondentes. Baudrillard não diz portanto qual a soluçãodo problema - embora se pudesse esperar que ele ofizesse, pois para o conf lito aristocracia X burguesiaexiste uma solução. De acordo com a própria ideologia

de que parte Baudrillard, o conflito aristocracia X bur-guesia se transforma historicamente em oposição aris-tocracia/burguesia X proletariado, e depois simplesmen-te em burguesia X proletariado, o qual deveria ser sure-rado com a afirmação do segundo oponente que a seguirdeveria igualmente desaparecer para restar apenas umaausência de conflitos ou, se se pref erir, um estado deconcordânCia geral. De acordo com a base implí cita deseu ponto de partida, o:ue deverí amos ter para o pro-blema. da forma X funçCo? Qual é o terceiro elemento

que corresponderia, no esquema anterior, ao proletaria-do? Um formofuncionalismo? Um funcioformalismo,ou qualquer outro - mas· qual? E se a forma estápresente de algum modo nesse terceiro elemento (niiopode deixar de estar), que f orma pode produzir o pro-letariado pois, como f oi visto por Trotsky, o pro-letariado não tem condições para propor essa for-ma nova e nem d ever ia ter tempo para fazê-Io pois de-

veria desaparecer rapidamente como classe? Qual asolução, neste caso?

Melhor realmente abandonar sua proposição (reti-da apenas como mola de outras, como feito aqui) nostermos em que está colocada, para sugerir que se essaunião é atualmente impossível, ela pode deixar de sê-Ioeventualmente quando as posições do produtor e doconsumidor forem a mesma, partirem de um mesmo

;de construção tomam-se "mais leves, mais "funcionais"pela mesma razão e assim até o infinito. Não podehaver a menor sombra de dúvidas de que o funcionalis-mo é voltado para o produtor, dando-se a forma para o

consumidor como legí tima e verdadeira isca. É extre-mamente significativo que um arquiteto e professor dearquitetura como Boudon, ao elencar o tipo de funçãoque se relaciona com uma forma qualquer, tenha ditoque a f unção será "construtiva, econômica, de programaou outra" 3. Trata-se inquestionavelmente de um lapso.Ele não precisava exemplificar (confessar) quais funçõesse propõe o funcionalismo (de resto, não dá nenhumexemplo referente às possíveis formas) mas o f az e sócita funções d e produção: nada no gênero função habi-tar, função lazer, função trabalho, etc.4• Para o consu-midor, só a forma.

Digamos então que a teoria pende mesmo para olado do funcionalismo - mas funcionalismo do e parao produtor. Ou melho, a teoria deveria chamar-se "Teo-ria do funcionalismo para o produtor e do formalismopara o consumidor" - que é a única coisa realmenteque ele consome. E que nem vale o preço que se paga:formas exteriores de péssimo gosto (resultante da inexis-

tente formação artística de arquitetos e designer s),manipulação claudicante da forma espacial (pelo des-conhecimento das necessidades do corpo humano), detudo isso resultando um universo sufocante (pelo des-conhecimento do abc da Sociologia, Psicologia, Antro-pologia: são os arquitetos antibecedários 5). Isto quandoo arquiteto, embora "desconf ie" de tudo isso, mesmoassim se dobra ao funcionalismo do produtor.

 

ponto para chegar a um objetivQ comum: propor umaarquitetura capaz de of erecer a melhor existência huma-na possível. O que nos leva ao esclarecimento de umaquestão levantada mais acima, referente a uma possívelilusão de união entre forma e f unção, mesmo nas obrasdos grandes nomes. E se verifica que nesses casos isola-

mento ou é proposto pelo próprio interessado ou pelomenos por ele discutido ponto por ponto. f: necessárioinsisitir que para a arquitetura o que deve interessar é ousuário (para não repetir consumidor, termo carregadode conotações negativas), e só a partir dele pode ela serdefinida.

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 56/90

g qdos a comunhão entre ambas é realmente possível, espe-cialmente (e infelizmente, se deveria dizer) quando doprojeto de casas particulares: não há, aqui, nenhumaoposição entre produtor e consumidor: aquele que soli-cita o projeto tem os meios para a construção e reúne emsi mesmo produtor e consumidor: neste caso é possívelencontrar uma forma exprimindo uma função, umaadaptando-se à outra (o que no entanto recoloca o pro-blema da arquitetura, pelo menos a arquitetura-optimum ,como uma prática de classe ... )

Aliás, essa identidade por um momento parecesurgir em outros casos históricos embora amputada deuma parte: ao invés de forma e f unção ótimas para pro-

dutor e consumidor ao mesmo tempo, f orma e f unçãovoltadas ambas para o mesmo ponto, o do produtor.Que se pense na arquitetura barroca, especialmente naarquitetura religiosa barroca. Produto da Contra-Refor-ma na luta contra o protestantismo, surge quando aIgre  ja Católica encomenda especif icamente uma arqui-tetura com uma forma determinada para uma funçãoespecífica, ambas destinadas a ela mesma, Igreja: tra-tava-se de dar formas de encantamento, de sufocaçãosinestésica calculadas para fazer retomar à sede católica

os antigos adeptos desviados pela nova adversária e aomesmo tempo conquistar novos simpatizantes. E sob oponto de vista da Igreja, do produtor, a combinaçãoexistiu pois deu resultados. Todavia, não é possível acei-tar esse exemplo como demonstração de união perfeitade forma e função uma vez que não foram levadas emconsideração as necessidades e os desejos reais e pro-fundos do consumidor dessa arquitetura, que se portoudiante dela de modo passivo, guiado. Não foi ele quesolicitou do arquiteto um lugar deste ou daquele tipopara a prática da religião, e mesmo que se tenha verifi-cado a hipótese de um verdadeiro contrato de adesão(ao contrato já feito ele adere com sua aquiescência)não é possível considerar a arquitetura religiosa barrocaum caso de união forma-função. Um contrato de ade-são é visceralmente distinto de outro em que cada ele-

O mito da forma X função em arquitetura (pois éexatamente nisso que ele se transformou ou que semprefoi) surge assim na verdade como mais um rebento do

pensamento tecnocrata que não se sustenta e não se jus-tifica. Não seria mesmo demais propor seu afastamentodo campo da arquitetura e substituiçao por noções quea definam melhor; qualquer rápido pasticho das defini-ções históricas da arquitetura é capaz de propor pontosmais sólidos, como espaço / homem, ou mesmo belo / co-modidade/ humanidade, etc. etc.

Produzir um espaço, particularmente na arquitetura"pública" e em urbaní stica, não é apenas determinarformas, dispor elementos numa representação desse es-paço para a seguir executá-Ia numa prática efetiva. Esseé um dos aspectos da produção do espaço, m% está longede def ini-Ia inteiramente, e para conhecer a extensãodesse conceito é necessário indagar de iní cio - coisaque não se costuma f azer na prática da arquitetura _ oque vem a ser efetivamente um sistema d e produção.

Essa determinação só pode partir de uma disciplinafundamental para a arquitetura mas que é, no entanto,desprezada - por razões óbvias - na formação do ar-quiteto: a Economia Polí tica 6. Dentro da estruturaproposta por esta disciplina, um sistema de produçãoapresenta quatro fases necessárias das quais a primeira,chamada de Produção propriamente dita, é aquela quenormalmente o define embora seja apenas parte dele enão possa ser levada em consideração sem as três restan-tes sob pena de distorcer-se a visão do sistema em suaglobalidade.

. Produção propr iamente dit a significa apropriar-sedos produtos da natureza e dar-Ihes urna forma adequa-da às necessidades humanas. E a produção arquitetura I

6. E as noções a.qul propostas devem servir para a constl-tulçáo de outra disciplina particularmente Importante, uma Eco-nomia. Politlca do Espaço.

 

é a apropriação do espaço e sua. enf ormação adequadoàs necessidades do homem; os formuladores desses con-ceitos, em particular Marx, obviamente não tinham emmente a arquitetura quando os propuseram e no entantonada melhor para uma def inição inteiramente aceitávelda prática arquitetura!

baixos e aos outros os demais, nessa ordem) dispostosao longo da cavea sob f orma de U, ferradura ou sino.

O que interessa aqui é: por que essa organização,esse tipo de divisão do espaço reservado ao público ecomo se verifica aí a teoria da redução do espaço? 7

O tipo de teatro aqui analisado denominado tam

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 57/90

da prática arquitetura!.A segunda fase do sistema é a d istr ibuição, onde se

determina a proporção em que os indivíduos participamdos resultados dessa produção inicial, de acordo com as

leis sociais, se jam quais f orem. A troca, terceira f ase,configura uma distribuição ulterior ~aquilo. qu.e.  já ~oidistribuí do de acordo com as necessidades mdlVlduals;é a troca que traz aos indivíduos os produtos particula-res de que carecem. E a quarta e última ~ ~ consumo:

os produtos tornam-se objetos de uso e frUlçao, de apro-priação individual; nesta f ase, .os pr~dutos saem fo~a domovimento social (donde a aflrmaçao de que a socieda-de de consumo, aquela em que o único valor é justa-mente esse, é eminentemente anti-social).

Para ver como a teoria da produção funciona emarquitetura analisemos uma prática específ ica, a arquite-tura teatral (e dentro dela um caso particular) que per-mita conclusões mais amplas sobre a formulação de umaarquitetura realmente humana.

A análise se concentrará assim num tipo de espaçoteatral (entenda-se por isso a conf iguração e organizaçãointerna do edifício teatral em sua relação Cena-Pú-blico, e não apenas do palco) configurado numa série

de salas-padrão através dos séculos. É o espaço doTeatro San Samuele de Veneza (século XVII), DruryLane de Londres (século XVII), Scala de Milão (séculoXVIII), La Fenice de Veneza (século XVIII), CoventGarden de L ondres (século XIX), Opéra de Paris(século XIX), Madison Square de New York (séculoXIX) ou mesmo os mais recentes Municipais do Rio eSão Paulo. Enfim, trata-se de um tipo de espaço teatralque subsistiu e subsiste ainda em vários lugares e que semantém com a mesma estrutura (por razões que se tor-

narão evidentes mais além). Esta estrutura obedece aoseguinte esquema: um palco no f undo de uma sala de-frontando uma cavea dividida numa seção horizontal(normalmente designada plat éia: filas de cadeiras indivi-duais) e numa seção vertical (de dois a seis "andares")comportando "camarotes", f ilas de cadeiras ou simples .arquibancadas (cabendo aos primeiros os andares mais

O tipo de teatro aqui analisado, denominado tam-bém teatro à  loges (teatro de camarotes) vai surgirquando, com a Renascença, o teatro passa a ser espe-táculo senão de massa pelo menos espetáculo público,

saindo dos palácios e casas senhoriais - momento emque aparece, como os próprios arquitetos da época de-claram expressamente em suas obras, a necessidade dedispor a sala de tal modo que as "pessoas de classeelevada não se vejam obrigadas a se misturar com os debaixa extração social". Para aqueles que podem pagarreservam-se camarotes (lugares mais í ntimos, com pol-tronas); para outros, cadeiras comuns em boa posição(platéia), ou lugares menos convenientes (nos andares

inferiores) ou de todo inconvenientes (hoje denomina-

dos "galerias" ou "anfiteatros") colocados na parte maisalta da sala, junto ao teto, e onde· nem a visão, nem aaudição podem ser exercidas plenamente. Esta é a razãohistórica, especí fica e declarada do nascimento do tipode teatro em análise.

Como fica, nele, a teoria da produção do espaço?Em princí pio, parece não existir nesse tipo d'~ teatro,no Scala, no Madison Square, no Municipal, uma pro-dução do .espaço. Por quê? Porque aí  não parecem

existir pelo menos duas das fases de um processo deprodução, a troca e o consumo. Vejamos: temos umproduto já acabado, o espetáculo teatral, e tem-se umproblema de produção (intimamente associado ao ante-rior) que consiste em organizar o espaço de modo a queo primeiro produto chegue ao consumidor, ao especta-

7. Esse modo de organização do espaço teatral não fOI porcerto o único na história dO teatro. Antes dele existiram pelomenos três grandes tipos, em resumo: a) O teatro de tipo gregoclássico, onde os espectadores se dispunham numa arquibancadaem f orma de semicí rculo, composta por fileiras de assentos unidose sem diferenciação; b) o teatro de tipo "informal" da Idade Média,onde não há edifício teatral propriamente dito (servindo, para aação, uma igreja, um átrio, uma praça públlca) e onde os especta-dores se misturam livremente à ação dos atores (no máxímo, eeventualmente, um ou outro palanque servia para abrí g·ar nobres e"autoridades"); c) o teatro privado e senhorial da Renascença,onde numa sala sem divisões colocavam-se atores e espectadores,sem palco, e na qual os espectadores se espalhavam llvremente,sentando-se em cadeiras esparsas ou f lcando em pé. Esta descriçãoe esta tlpologla foram enormemente slmpllf lcadas, por certo, massão o suf iciente para o que interessa aquI.

 

dor, que deverá fruir não só um espaço físico (organi-zado pelo teatro) como o produto-espetáculo. Pode-sedizer assim que nesse tipo de teatro há uma produção(o espetáculo está lá, um espaço foi organizado, apro-priado) e pode-se eventualmente afirmar que há atémesmo uma distribuição: a determinação da ptoporção

buição ulterior segundo as necessidades individuais euma apropriação desses produtos, pelo menos para aque-las pessoas consideradas 8. Na realidade, em princípionão é possível deixar de çoncordar com esta argumen-tação. O conceito de distribuição não implica de fatoem que os indivíduos participem da produção de acordo

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 58/90

ç ç p p çda participação de cada um nos resultados da produção(de acordo com a posição de cada um: camarote, pol-trona, galeria, etc.). Mas não haveria troca, nem con-

sumo: que significado têm essas duas operações paraquem fica sentado lá em cima no último andar, ~sprimi-do contra o teto, e que não pode sentar se qUIser verpelo menos parte da ação, já que ver o palco todo é real-mente impossível? Ou, se consegue ver a ação, não po.dedistinguir o jogo facial dos atores, ou mesmo gestos 111-

teiros? Éóbvio que para estes não há nem consumo doespaço teatral (pois f icam separados num canto à parte)e muito menos consumo da produção teatral: não se

, apropriam daquilo que se desenrola no palco, não podem

usufruir, não podem gozar de um gesto, de uma fala,de um rápido piscar de olhos dirigidos à  plat é ia (nosentido específico do termo: ao lugar plano, na horizon-tal, diante dos atores), de um contato mais í ntimo comos atores. E se isto não é possível para esses, se nãopodem consumir mais longamente um ou outro aspectoda produção que desejariam, não há essa poss~bilida~ede distribuição ulterior (a troca) nem a mampulaçaoespecífica pelo indivíduo (o consumo). A rigor, essaspessoas nem ao menos participam, ainda que remota-

mente, da produção teatral de que fruem os esp..:ctaclo-res da platéia e dos camarotes. Vislumbram apenas al-guma coisa de vago, de indistintCl, de longínquo. Parti-cipam de uma outra experiência: uma pseudo-expcrién-cia de teatro, uma antiexperiência teatral.

Há nesse tipo de teatro a produção de um espaçocompatível com um determinado objetivo, a produçãoe o consumo de um espetáculo teatral? Não, apenasuma falsa produção. Mas não se po~e falar numa pura

e simples inexistência de um processo de produção, poiso que se poderia ob jetar a esta tese é o seguinte: se selevar em consideração apenas os privilegiados, as pessoasda platéia e dos camarotes, existe aí um sistema e umprocesso de produção perfeito e acabado: há uma pro-dução e uma organização espacial tal que se determina aproporção da participação de cada um, COmuma distri-

com as leis sociais? Ora, se estas estabelecem uma gra-dação (ou degradação, na verdade) na posição econô-mica de cada um na sociedade, esse tipo de produçãoespacial do teatro não faz mais do que reproduzi-Ia eatender, com isso, aos imperativos dessa lei. E nestecaso, o máximo que se pode dizer é que essa práticaarquitetural é nitidamente uma prática ideológica (umaprática defensora de certos valores ligados a determina-das classes) a surgir de modo nítido quando é anali-sada sob os ângulos dessa teoria da produção do espaço.Outra seria essa prática arquitetura I e a ideológica porela revestida se se tratasse de um teatro organizado,por exemplo, como o teatro grego clássico (como, em

parte, o Teatro Olímpico de Vicenza, por Palladio,século XVI - trata-se de teatro coberto, donde a di-ferença com o modelo antigo) onde todos os espectado-res têm a mesma possibilidade de se apropriar como bementenderem daquilo' que é produzido em cena 9. Ou numteatro do tipo arena. Ressalte-se: não é que nestes doistipos a prática arquitetural seja não-ideológica, isto nãoexiste: trata-se apenas (mas não é nada "apenas") deuma produção de espaço (,llde se atende às necessi-

'dades de todos que nele penetram. N este caso, a pro-

dução do espaço é uma autêntica produção, uma pro-dução completa, que se verifica em todas suas fases. Daí poder-se afirmar que embora haja produção do espaçonaqueles teatros não só essa produção espacial é de umtipo ideológico bem definido como na verdade nãochega a ser uma verdadeira produção arquitetural: clau-dica, não perfaz um todo orgânico e coerente, mesmose se leva em conta que desde a fase do projeto ela pre-tendesse realmente, de modo intencional, não  atender

8. Do mesmo modo, na Renascença os cenários em pe,rspectlvaeram pintados ou construidos no palco de tal maneira que apenasde um lugar específico da platéia, aquele reservado para o prín-cipe, se tinha uma visão perfeita da cena perspétlca, que se defor-mava se o observador se colocasse em qualquer outro ponto dasala. A produção teatral, nesse caso, tinha um e apenas um con-sumidor.

9. Com a ressalva do "privilégio perspétlco" posto em prática justamente na fase áurea desse teatro, privilégio no ent1l,nto resul-tant\, não da produção do espaço teatral em si mas do modo deprodução do cenário.

 

todas as necessidades de todos' os espectadores. Comoprodução espacial estruturada ela permanece um fra-casso mesmo assim: há nela espaços mortos, excrecên-cias, buracos sem nenhuma ligação com a prática espa-cial do lugar e com o produto teatral (como os "anf i-teatros" e "galerias") e que são propostos apenas como

partir do ângulo de uma teoria básica da produção doespaço (na verdade, um dos pontos dessa teoria) talcomo foi aqui exposta, é particularmente útil: se todaprodução do espaço f osse mero reflexo da ideologiasoc.ialnão haveria necessidade de nenhuma teoria (ideo-!ogla) ?a produção do espaço bastaria ver qual é essa

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 59/90

teatros e galerias ) e que são propostos apenas comoisca, como demonstração de uma "boa consciência"("até o sem recursos pode assistir, pagando pouco") quenão engana ninguém. Muito mais completa do que ela

é a produção espacial dos "teatros" nobres do séculoXV, pois neles só se admite um tipo de pessoa, o "no-bre", e desse modo a participação é a mesma para todos,não havendo "vazios" na produção (a ideologia é aquimais coerente com a produção real do espaço: desde oinício se trata de excluir certas pessoas da produção eelas nem são admitidas na sala). Os problemas aqui,no entanto, além da exclusão social que se faz da maiorparte dos possí veis espectadores, é que a imensa maioriadesses "teatros" não pode na verdade aparecer sob a

rubrica de pr odução arquit et ônica teat r al ou produçãodo es paço t eatral já que não passam de salas comuns depalácios e casas senhoriais mais ou menos adaptadaspara a função teatr o - e não se pode considerar aadapt ação como um caso de produção arquitetural ri-gorosamente considerada: o pro  jeto, por mais maleávelque seja, deve ser especí f ico.

Desta discussão resulta claro um ponto que é, deresto, evidente: as possibilidades de 'uma produção ar-quitetural estão na dependência direta da ideologia glo-

bal que orienta o grupo social em que essa prática seinsere. Neste caso, a ideologia desse grupo pode-se re-fletir na prática arquitetural determinando a manipula-ção dos espaços. É, aliás, o elo bem claro n o conceitode dist ribuição, onde já s e afirma que a p articipaçãodos indiví duos no produto inicial é feita de acordo comas leis sociais. E se  ja qual for o regime político, se jaseja qual f or a ideologia da sociedade essas leis existirão.Isso não signif ica, no entanto - nem remotamente -que t od a prática arquitetural deva ser necessariamenteum reflexo da ideologia social em vigor, que ela tenha dese conf ormar com esses valores do grupo. Em grausmaiores o u menOres ela pode af  astar-se bastante daideologia da sociedade em que se encontra e pode mes-mo contrariá-Ia aberta e absolutamente. É sob esteaspecto que a análise de uma prática arquitetural a

!ogla) ?a produção do espaço, bastaria ver qual é essaIdeologia para ver automaticamente a ideologia corres-pondente dessa arquitetura 10. Como não é e sse ocaso, esta análise permite verificar não só qual a ideo-

logia de uma prática arquitetural como verificar seugrau de plenitude, de realização (i.e., verificar se se~rata d~ uma produção que, mesmo a p artir de suaIdeologia, se completa, perfaz um todo orgânico ou nãoem termos estritamente arquiteturais: organização d~espaço e seu uso pelo homem.

. Esta teoria da produção pode ser aplicada na aná-l~se d~ ,qu~lquer fato. da prática arquitetural e urbanís-tIC~"~ Ob~lO.:no pro jeto de uma praça pública, de um

edIf IclOPUb~IcOe mesmo na análise do projeto de todauma co~umdade (quando ela se desenvolve a partir deum proJet~) ou de uma situação urbana (quando essedesenvolVImento se processa de modo mais ou menoso~gâ?ico). A verif icação da tr oca possí vel nos lugarespublIcos (pra~as, ~entros comerciais e de diversões, etc.)1 . , : . , a determmaçao do grau de acesso efetivo e de f rui-çao desses lugares (c()nsumo) determina f acilmente og~a~ de perfeição d? produção espacial em questão sua10gIcae sua ideologia. Surgiriam muitas meras confi~ma-

ções e mesmo muitas surpresas - como uma análise deBrasí lia, por exemplo.

2.3. Semanti zação e d essemanti zação d o espaço

Como u m espaço ganha ou perde significadossentidos e significações? Como muda seu conteúdo? H áespaços não-significantes?

. 10. Allás, aquilo que se denomina sob o conceito de ideologiaso adquire realmente uma plena materialldade ao intervir no espa-ço social, ist.<>é, ao intervir no espaço existente ou ao criar umespaço especlf lco. É possiveI mesmo indagar se a questão ideoló-gica náo se resume af lnal na questão da manipulação e ocupaçãodo esp~ço - e uma breve análiEe da história dos grupos sociaisrevelarIa que se os conflltos ideológicos não se resumem apenas noconfllto pelo espaço (exclusão de pessoas de um dado espaçosegregação num determinado espaço, reservar certos espaços par~tais e tais classes, afastá-Ias ou reuni-Ias conforme o caso privar deespaços, etc.) ela é, no f undo, essenc1aImente isso. '

 

Em princlplO é possível encarar a questão da se-mantização / dessemantização do espaço sob dois ângu-los distintos e f undamentais: o discur so sobre o espaço

e a pr ática do espaço.

De início, um espaço é semantizado, recebe refe-rências através e a partir do corpo humano f: inques

de Bachelard, seria possível simplesmente lembrar acarga afetiva "simples" inerente a toda convivência comum espaço - uma carga inerente a toda vivência.

São os dois modos iniciais de semantização doespaço, e por certo dependem de uma ideologia e/ouproduzem uma ideologia: sua significação dependerá das

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 60/90

rências através e a partir do corpo humano. f:, inques-tionavelmente, a partir do corpo que se vive um espaço,que se produz um espaço - isto é, que um espaço rece-be uma carga semântica qualquer. Esta é a operação

mínima, necessária e i ndispensável para a investidurade um léxico sobre um tecido espacial. A primeiraatribuição semântica a um espaço se faz assim a partirde uma prát ica do espaço. Mas em conseqüência doque já foi dito sobre os modos de signif icação do espa-ço é necessário bipartir o conceito de prática do espaçoem dois ramos bem precisos e delimitados que no entan-to freqüentem ente (senão sempre) se apresentam indis-soluvelmente ligados na quotidianeidade: uma prática

 física do espaço e uma prática imaginária. Todo texto

sobre o espaço ou sobre arquitetura se detém na análise(quando chegam a f azê-Ia) dessa prática física, muitoembora quase nunca igualmente se preocupem com de-terminar essa prática a partir da unidade mínima impres-cindível que é o corpo humano Il.Isso não basta, contu-do, pois se o espaço mantém um relacionamento diretocom o corpo do indivíduo adquirindo em conseqüênciauma significação precisa, ele alimenta igualmente umarelação não menos direta com o imaginário desse indi-víduo, através do qual esse espaço se semantiza de modofreqüentem ente de todo diverso do que ocorre no pri-meiro caso, e de modo nem sempre definido, distinto (jáque neste caso a semantização se opera particularmenteao ní vel do subconsciente ou mesmo do inconsciente)porém não menos certo e determinável. Como no exem-plo de Bachelard, um "porão" se relacionará de modoimediato com o corpo do indiví duo num nível que sepode dizer utilitarista ou funcionalista (a pessoa o per-ceberá como "frio", "escuro", "prático" ou mesmo "se-guro") e ao mesmo tempo assumirá para esse indivíduouma carga semântica que releva do imaginário (a sen-sação, nem sempre clara, de um "mundo fantástico" oumesmo de um mundus immundus). Saindl) da poética

relações sociais nele examinadas 12 (das quais se podesecretar uma ideologia), de um lado e, do outro, da pro-dução do indivíduo elaborada por ele isoladamente e a

partir de sua relação com os demais. Obviamente essasemantização - e suas relações com essa ideologia -só pode ser isolada através da análise especí f ica de cadamomento histórico.

A partir desta primeira semantização do espaçopode ele experimentar mudanças ou acréscimos semânti-cos - e às vezes se colocam camadas sobre camadasde signif icados sobre a carga inicial. Se as simples mo-dif icações semânticas são f áceis de detectar e analisarquando se opera a partir da prática f ísica do espaço

(quando por exemplo se transf orma um centenário moi-nho industrial em centro coletivo de lazer), as transfor-mações ao nível da prática do imaginário e as sobressig-nificações atribuídas e a um espaço (a proposição deespaços sobressignif icantes) são de detecção e compre-ensão (portanto revelação) mais trabalhosa, particular-mente para o usuário-tipo do espaço. E os espaçossobressignificantes, que interessam aqui de modo parti-cular, normalmente se revestem de um cunho especial-mente ideológico ao adCl~lrirem essas dotações semân-

ticas extras através de um d iscurso sobre o espaço. f: oque se pode verificar, por exemplo, na simples leituradas publicidades das companhias construtoras e correto-ras de imóveis, topos privilegiados desses espaços sobres-significantes. Um apartamento (e com ele o edifício)não se esgota na semântica de um tradicional "morar""abrigar", nem mesmo num "habitar com conforto" ~que já seria uma signif icação segunda. Os espaços queali se têm, ou melhor, as conotações sucessivamente em-pilhadas sobre a denotação inicial, tal como se empi-

lham miseravelmente as "caixas de morar" umas sobreas outras, variam conforme a fantasia do redator e acondição do imóvel - mas se encaixam todas na mes-

Il. Renri Lefebvre, no entanto (que não é um arqult, t.o) temnoção dessa.lmperlosidade, embora não se detenha em sua' nálise.Ver PToduc t~ o n  l 'es pac e, op . c i to 

12. Um espaço não s6 pode como deve ser analisado a partirdas relações sociais que nele se desenvolvem, assim como estaspodem ser apreendidas através de suas projeções sobre o espaço.

 

anterior, o processo de dessemantização pode-se verificartanto ao nível da prática efetiva do espaço (f ísica ouimaginária) como em conseqüência de um discursosobre ele. O "porão" de Bachelard f oi dessemantizadona concepção das "casas" empilhadas propostas pelosedifícios modernos: tornou-se irrealizável no campoprático e perdeu sua significação para o imaginário Um

ma ideologia do consumo e do. supérfluo com que sefascinam as massas. Assim, sobre um espaço do morartem-se um espaço do "todo conforto", do "moderno"(ou do "clássico" - enf im, um espaço do "estilo"),do "luxo" e assim sucessivamente até os espaços mais"atmosf éricos" como o da "felicidade", do "poder", etc.tudo claramente exposto e corroborado por descrições

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 61/90

prático e perdeu sua significação para o imaginário. Umespaço pode ser igualmente dessemantizado não por "im-possibilidade" (seja qual for a razão, econômica ououtra) de construção mas pelo desaparecimento da fun-ção: a partir do momento em que os f umantes (e os fa-bricantes de tabaco) conseguiram convencer a humani-dade de que os direitos estão todos do lado deles,fumantes, e que os não-f umantes devem conformar-secom um consumo passivo e obrigatório do fumo dosoutros através da f umaça (ou que se mudem), o "salãode fumar" foi dessemantizado: alguns sobraram, comnovas f  unções, a maioria simplesmente desapareceu,principalmente dos edifícios públicos, meios de trans-porte, restaurantes, etc. - o que é sem dúvida uma la-mentável perda para as sociedades. Mesmo a cave dosmodernos edifícios f ranceses não deixa de ser, co-mo resquí cio do porão (mas não com todas suasdimensões e funções), um exemplo de espaço desseman-tizado.

Esse processo pode também ser desencadeado porum discurso sobre o espaço. Mas raramente ocorre queproponham, os discursos, diretamente essa dessemanti-zação. Esta ocorre mais como conseqüência da supras-

semantização de outros espaços (da qual é operaçãoinseparável) e igualmente da suprassemantização inicialdo próprio espaço agora dessemantizado. Que se pensepor exemplo no fenômeno tí pico das grandes cidadesamericanas: o abandono de certas zonas da cidade porparte de seus moradores brancos ante a constatação deque os pretos estão para lá se mudando (não impor-tando se a condição econômica dos· novos moradores éigual à dos antigos). Dessemantização social e ideológi-ca: os negros, através de um lento processo, conseguemreunir as condições econômicas para uma mudança parazonas outrora valorizadas, e quando o f azem os antigoshabitantes desaparecem. Seria possível dizer: neste casohá suprassemantização para uns (os negros) e desse-mantização para os outros. O que no entanto não cor-responde à inteira verdade porque muitas dessas novas

tudo claramente exposto e corroborado por descriçõesminuciosas da organização do espaço, da localização,dos materiais empregados e da parafernália de gadgets

que se tornaram aparentemente imprescindíveis à vidamodema -- e que num edif í cio francês recentementeinaugurado num hameau exclusivo do exclusivíssimo 16eme. ar r ondissement  parisiense vai desde um mecanismoque trava e destrava automaticamente as entradas doapartamento até um sofisticado sistema de iluminação doparque do prédio, que acende suas luzes com uma ~nten-sidade gradativa correspondente à diminuição da luz na··tural de tal forma que não se sente o cair da noite nemse é "chocado" com a "brutal" irrupção instantânea daluz elétrica! 13 Os exemplos dessa operação de supras-semantização do espaço (ou de conotatividade sucessi-va) não são poucos e não se restringem às "casas" par-ticulares: estendem-se às ruas (Fif th Ave., New York;Via Veneto, Roma; Rue du Faubourg Saint-Honoré,Paris), às praças, a cidades inteiras e ilhas e países (vi-sando especialmente o turismo: Saint Tropez, Majorca,os "trópicos" - assim indeterminado é ainda mais sig-nificativo - ou o "Oriente").

Éóbvio, por outro lado, que a suprassemantização

de um espaço iniciada por um discurso sobre esse espaçopode ser eventualmente acompanhada por um compor-tamento prático no mesmo sentido. Épossível inclusiveque todo o processo se inicie originalmente ao nível daprática de um espaço, por exemplo, quando determinadaclasse social passa a abandonar certos bairros e ins-talar-se num outro, que é a seguir suprassemantizadopor um discurso sobre ele. Seja como for, a operaçãoque efetivamente ancora essas duas semantizações e apõem em f uncionamento ef etivo parece ser sempre a

realizada por um discurso sobre o espaço.E assim como um espaço é semantizado e superse-

mantizado, pode ser dessemantizado. Na prática efetivado espaço ou no discurso sobre ele? Tal como no caso

 

comunidades ressentem o processo efetivamente comode dessemantização (a valorização daquele espaço emque eles também inicialmente acreditaram não pode dei-xar de levar à constatação da desvalorização que osbrancos impõem agora, razão pela qual muitos radicaisnegros acabam por sugerir não só a criação de zonas es-pecificamente negras desde o início como a própria se··

ficação, é a bsolutamente certo: esta é uma realidadepraticamente inelutável. Mas a afirmação de que a ci-dade tem elementos neutros que devem ser entendidoscomo elementos de significado vazio, carentes de signifi-cado, configura uma proposição não só de todo discutí-vel como, parece, de todo impossível (e a força desteargumento deveria fazer mesmo com que a discutibili

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 62/90

pecificamente negras desde o início como a própria separação completa entre as raças). De igual modo, ainvasão de uma zona pela indústria, pelo comércio oupor um aumento da circulação viária pode dar origem

a um processo de dessemantização que pode de iní cionão ser especificamente e intencionalmente promovido- mas dificilmente deixará de estar ligado a uma an-terior ou simultânea valorização de outr os espaços.

Surge aqui uma questão interessante: se o processode semantização e de suprassemantização de um espaçoparece indeterminado e amplo, sendo sempre possívelacrescentar um novo signif icado a um certo espaço detal modo que não se pode legitimamente prever seu

ponto culminante, o processo de dessemantização temum ponto máximo possí vel além do qual não pode pros-seguir e que é o ponto onde esse espaço perde todo sig-nificado, sentido ou significação, propondo-se como umespaço vazio, não-signif icante. Uma situação possível- é, porém, provável e real?

Numa conferência publicada pela revista italianaOp . c it o n. 10, Roland Barthes sugere que a cidade não'é composta por elementos iguais mas por elementosfortes e elementos neutros, isto é, elementos sígnicos e

elementos não-sígnicos. E que se atribui uma importân-cia cada vez maior ao significado vazio, ao lugar carentede significado - dizendo de passagem que o centrodas cidades atuais é uma espécie de núcleos não-duros,de "foco" vazio da imagem que a coletividade faz docentro e que é necessária para a organização do resto dacidade 14.

Que a cidade (como toda manipulação do espaço)tem elementos com variado valor de significado e signi-

14. Do que lança mão Zevl, em seu Linguaggio m o d e rno dell' ar c h i t e ttura  para concluir apressadamente que os elementosnão-signlcos são aqueles que def inem a atividade arqultetural, Istoé, os elementos vazios que ele identif ica aluclnantemente com oespaço, numa concepção absurda a mostrar que ele na verdadeignora totalmente o signif icado e a signif icação real de espaço. Anoção de espaço como ausência, como buraco, ausência de constru-ção, não pode ser própria à mente do teórico da arquitetura; insis-te-se, espaço é não apenas o não-construido como igualmente oconstruido.

argumento deveria fazer mesmo com que a discutibili-dade da proposição não fosse sequer mencionada). Estacolocação é fruto sem dúvida de uma mente habituada àanálise lingüística, como a de Barthes, e acostumada atentar analisar todo aspecto da atividade humana apartir do modelo lingüístico rigorosamente entendido.Se na linguagem propriamente dita é possível constatara presença de elementos "fortes" e de elementos "neu-tros" (no caso destes: d e, por, e , etc., além de cada umdos fonemas a, b , c, d ... x, v, z  ) não existe na lingua-gem arquitetural nenhum elemento que se possa dizerassemelhado a esses seja sob que aspecto f or. O dis-curso arquitetural não é um discurso meramente f ormal

(ou meramente artístico), o que significa que está vio-lentamente carregado com uma pesada trama de signif i-cados vividos que torna praticamente impossí vel a cons-tatação de um elemento sequer que seja "vazio". Vaziopara quem, afinal? Partí culas como de, por, e, são neu-tras para todos os manipuladores desse código - maso código da arquitetura está longe de se apresentar comuuma entidade entendida, recebida e praticada por todosda mesma forma. Em segundo lugar, o caráter de vividoé enormemente mais acentuado em códigos como o da

arquitetura do que possivelmente em qualquer outro quese possa imaginar, e ao nível do vivido na cidade serásempre possível encontrar não só indivíduos como gru-pos a atribuir signif icados a eleIP~ntos do tecido urbanoque aparecem para outros como destituí dos de qualquersignificado ou sentido (outros grupos de outras partesda cidade, turistas, grupos de gerações dif erentes, etc.).Não é possí vel supor assim sob que aspecto se possadeclarar um elemento urbano como vazio ou neutro:esta proposição parece, ela sim, vazia. O que se podedizer é que esses elementos, eventualmente e no máximo,se poderiam declarar como dessemantizados (e aindaassim relativamente dessemantizados, isto é, desseman-tizados em relação a algum significado mas não emrelação a outro) ou, melhor ainda, em processo de desse-mantização. Mas não inteiramente dessemantizados: os

 

lugares que assim se apresentam, nJieconomia que rege avida das comunas de hoje, são simplesmente eliminadosdo tecido arquitetural para dar lugar a outros f ortemen-te semantizados. E excluída a hipótese de que espaçovazio é elemento vazio, sem significado (pois não existetal coisa: o espaço é construído ou não, e se não o éele significa por oposição direta ao construído a sua

poder religioso, mesmo ainda se mantendo fisicamentena praça, vem sendo acentuadamente desertado pelopovo, de tal forma que os atos por ele praticados nãoconfiguram mais, nem de longe, os antigos "aconteci-mentos". Tampouco existe mais a "vida social pública":as f estas tornam-se raras ou são levadas para os recintosfechados assim como é nestes que acontecem os teatros

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 63/90

ele significa por oposição direta ao construído a suavolta, especialmente na cidade - mas sempre há "al-guma coisa" "em cima" deie, numa linguagem grosseira,e portanto nunca é vazio) não há pois como considerara existência de espaços neutros na cidade.

Sob esse aspecto, quando Barthes fala que o centrodas cidades atuais é "vazio", ele não se distancia muitoda verdade mas acaba por deixar escapá-Ia por f alta

 justamente de um modelo como o aqui proposto (práti-ca fí sica do espaço e prática do imaginário - e nãoprática imaginária - do espaço). Para poder ser rece-bida, sua proposição deve ser encarada apenas metafori-camente.

A solução pode ser indicada através de uma inda-gação não sobre o que é o centro da cidade mas sobreo que era o centro das cidades. Esse centro era funda-mentalmente o lugar d o poder polí tico, do poder eco-nômico e do poder espiritual. Isto significava a presençaf í sica da administração (os edifícios "públicos": a pre-f eitura, o tribunal, a escola) a presença f í sica da riqueza(o comércio e suas lojas) e a presença do templo. Erao lugar de onde emanava não só a vida, a animação dacidade (pois ao redor da igre ja e na praça se desenro-

lavam atividades f undamentais como o teatro, o carna-val, as execuções dos condenados - que Foucaultmostra serem verdadeiras festas 15) como, e especial-mente, a ordem, justa ou injusta, que mantinha a cida-de. Uma vida e uma ordem visíveis.

Como estão esses centros atualmente, especialmentenas grandes cidades modernas? Não é muito exageradodizer que, em muitos lugares, foram praticamente deser-tados por todos os três poderes, os três f ocos. O poderpolítico se afastou, ou tende a af astar-se do centro (coma subdivisão de suas f unções) e mesmo a quase se retirarpara fora da cidade, em alguns casos. O comércio, par-ticularmente o "grande" comércio, aquele com foros de"nobreza", este se afasta decididamente do centro. E o

fechados, assim como é nestes que acontecem os teatros,cinemas, etc. Sob esse ângulo, o centro da cidade seesvaziou um pouco. Mas - e este é o ponto f undamen-

tal - para os moradores da cidade continua a haverum centr o que, mal ou bem, sob um aspecto ou outro(histórico, sentimental) ainda é sentido (vivido) comofoco organizador e instaurador da cidade. Há um cen-tro, as pessoas se orientam em relação a ele e o recebemcom~ ~centuadam~nte signif icativo apesar de todas aspOSS}VeIs.degrada~oes que possa ter experimentado. Eele e aSSlIllpercebIdo não só pelos moradores da cidadecomo pelos "de fora", turistas ou não. Todas as cidadesmodernas ou antigas, ostentam em suas entradas rodo~

viárias imensos e sempre renovados cartazes com a ins-crição CENTRO que leva o estranho, placa por placa,cruzamento por cruzamento, ao lugar desejado, ao lugarque ele tem de ir, quer se ja dia da semana ou um feria-do ou domingo onde o centro está "fechado" e morto.f: fundamental que ele vá até o centro tal como o. . ,VIajante de um transatlântico quer visitar as máquinas- onde? - no "centro" do navio. Se ele não vir essecentro, do navio e da cidade, sente-se COmose não ostivesse de fato conhecido, ao navio e à cidade, recebidos

como ~Igo que se lhes escapou. Mesmo que após o re-conhecImento dessa localização específica se ja possívelouvir declarações de desapontamento: "Mas é isso ocentro?"

E tanto a ânsia pelo centro como o desencantoeventual diante de sua visão demostram claramenteuma coisa: por mais esvaziado que possa estar noplano físico, f  uncional efetivo, continua a subsistirinteiramente na prática do imaginário das pessoas,COm quase a mesma çarga signifcativa de antes. Eé necessário reconhecer: embora ha ja cidades onde ocentro é literalmente abandonado nos dias feriados ,numa indicação clara de que fora de sua eventualfuncionalidade e de algum eventual valor histórico elenão representa realmente muita coisa para os habi-tantes em termos de vivência humana (como São

 

Paulo, New York) há mais de um caso, bem mais,onde o centro da cidade 'Continua a ser pólo agIuti-nadar e vivo do tecido urbano. Em Paris (onde aliásBarthes tem uma de suas duas residências: ele deve-ria portanto sentir esse estado de coisas), o marcozero da cidade é Notre-Dame.' Ora, a que momentod di d l di l á i i h

das, ou a zona do Mulino Stucky ou a dos ex-Can-tieri N avali, só utilizadas para ocasionais eventos cul-turais) não chegam nem por um momento a se trans-formar em elementos não-significantes.

É possível af  irmar que no discurso do espaçonão há lugar para o carente de significado; a semiose

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 64/90

do dia, de qualquer dia, esse lugar e a área ,vizinha,se vê vazia, vazia de f uncionalidade, de vivência, deum significado qualquer? Quando ela "morre"? Ou,

para os que colocam o centro de Paris nos Champs-Elysés: é vazia essa zona, neutra? Se for a zona daOpera: neutra, não-significante? Obviamente não.

O que se vê assim é que o centro da cidade podeter-se diluído às vezes, pode ter sido desmembrado- mas não se neutralizou, não se "esvaziou". Proces-sos de dessemantização por certo ocorreram e ocor-rem: a dessemantização funcional, por exemplo, équase sempre evidente. Pode igualmente ter sofrido

alguma  dessemantização, em alguns lugares particu-lares, na prática de seu imaginário. Émesmo possívelconceder que a imagem que a coletividade se faz docentro, como quer Barthes, tenha sido assim um pou-co esvaziada. Mas o centro não é, nem de longe, olugar do vazio, um lugar não-significante. Não é pos-sível considerar assim a existência de espaços desse-mantizados em grau absoluto, e muito menos proporque tais espaços sejam ne::essários p ara a organiza-ção da cidade. O tecido urbano só contém elementos

fortes, elementos menos ou mais f ortes, se se quiser,mas nada além disso; o espaço neutro, quando che-ga a existir, é imediatamente morto pela cidade esubstituído (mal ou bem, por razões de especulaçãoeconômica ou não) por outro. A af irmação de quea cidade é feita por elementos fortes e vazios seriaequivalente a uma que dissesse. a mesma coisa docorpo humano: tem nosso corpo um centro vazionecessário para a organização do resto? A imagemé ridí cula. Não há nele elementos não-sígúicus ( n on 

segnat i) , todos são elementos fortes: alguns serãomais fortes (os pulmões), outros menos (as unhas)·mas o neutro nele não tem lugar. Idêntica argumen-tação vale para a cidade. Mesmo num& cidade comoVeneza alguns espaços que passam a maior parte dotempo desertos e inúteis (como igrejas abandona-

g p g ;~esse texto, o processo de formação da significação,e um processo aberto e que se desenvolve numa úni-ca dire.ção, na direção do significativo: um espaço ésemantIzado, pode ser suprassemantizado eventual-mente e pode degenerar num processo de desseman-tização - o q ual n o entanto nunca atinge a quotazero - como numa assÍntota. Quando isso acon-t~ce, esse espaço é retirado do tecido arquitetural,nao permanece nele como elemento neutro; para quepermaneça enquanto vazio, é necessário que a cida-~e morra co~ ~l~ -:- e no entanto mesmo Pompéiae toda ela sIgmf lcatIva: funcionalmente, esvaziou-semas a prática significativa do imaginário só morr~com o interpretante do diSo::ursoarquitetural, o ho-mem.

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 65/90

II. o DISCURSO ESTf:TICO DAARQUITETURA

Em princípio se diria que esses dois termossão absolutamente incompatíveis um com o outro: sese trata de um discurso, não é estético, e se é esté-tico, não é discurso. Uma certa tradição ainda querque o domínio do estético seja o do emocional e odo sensorial. De fato, o "choque" que sinto ao pe-netrar em Santa Sofia é uma experiência de iní ciopun~mente ao ní vel dos sentidos e da emoção: está-tico, aquele espaço no entanto me transporta e a pe-rambulação vagabunda por aquele lugar, sem nenhumob jetivo "científico" de cOJlhecer as coisas e regis-trá-Ias na câmera ou no caderno, é fundamentalmente

 

uma viagem ao prazer indizí vel. Mesmo depois, sain-do de lá, o pensamento racional não encontra commuita facilidade (ou com facilidade nenhuma) as ra-zões daquelas sensações, o motivo de eu ter percebi-do de imediato (ao menos para minha particular ex-periência) que Santa Sofia era realmente não só únicacomo se impunha sobre todas as outras construções do

belo em arquitetura, perf azem um código rígido ou,no máximo, vários códigos rí gidos que se manifestamtotalmente formalizados desde as descrições de Vitrú-via até os dias de hoje, passando por todos os varia-dos movimentos e e!>colas. E são tão f ormalizadosque não é difícil atribuir à arquitetura a etiqueta daarte mais conservadora e mesmo mais retrógrada e

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 66/90

como se impunha sobre todas as outras construções dogênero existentes no Ocidente. Tudo isto é correto eocorre a todo momento diante de um quadro, de um

f ilme: a recepção das formas de arte dispensa a inte-lecção racional e é mesmo grande a tentação de de-clarar que o juí zo é mesmo prejudicial à percepçãoestética. Mas - e embora não caiba aqui discutir ex-tensamente ou demonstrar a validade deste ponto - arecepção racional da obra de arte não só é possívele existe como será mesmo f undamental par a a plenapercepção dessa obra, intervindo num segundo mo-mento após os sentidos terem sido saciados. E estaabordagem racional cabe e é necessária mesmo por-

que é ela um instrumento fundamental do artista: opintor renascentista joga de maneira particular coma perspectiva, proposição racional que deve ser racio-nalmente colocada e resolvida sob pena de pereci-mento da obra. O impressionista parte de uma pro-posição de todo racional sobre a composição da luze da cor. Por outro lado, quantas proposições estéti-cas existem que são mais racionais que a do cubismo?Ou que a do concretismo de Mondrian? Seria talvezpossível discutir, e longamente, sobre a irracionalida-

de de Pollock, mas s e ele parte de uma proposiçãodara (fazer arte) e se domina com toda evidênciauma determinada t écnica, não cabe propor uma irra-cionalidade absoluta para sua produção. Existe as-sim de f ato um discurso da obra de arte, existemmesmo vários discursos estéticos, entendendo-se odiscurso como um enunciado (e uma enunciação) or-ganizado de acordo com normas claramente fixadase manipuladas tanto quanto possível conscientemente.

E sob esse aspecto, quando se fala da arquite-tura a expressão "discurso estético" é ainda maiscabí vel do que nas outras artes uma vez que essediscurso é muito mais rígido, formal e racional doque o da pintura, escultura, etc. As normas de comofazer arquitetura e, especialmente, de como fazer o

arte mais conservadora e mesmo mais retrógrada ereacionári~ (no sentido específico daquilo que se opõea uma açao) dentre todas as outras. Sem muito exa-

gero, seria mesmo possível dizer que no chamadomundo ocidental europeu a arquitetura não mudouna~a desd~ as matrizes gregas. Zevi, por exemplo, nãohe~lta mUlto em dizer que quase toda a arquiteturaOCidental. depois do século XVI é uma arquiteturarenascentIsta - e, sendo justo, não é exagero algumdefender tal proposição.

Em parte, é correto atribuir essa rigidez do dis-curso arquitetural a um aspecto que deve estar ne-c~ssari.amente presente na arquitetura e que é a f un - 

c:onalLdad e. ~or outro lado, é óbvio que essa ques-tao opera mais cama des-culpa para o imobilismo dodiscurso estético, e uma desculpa que não é tanto fru-to da culpa exclusiva, da incompetência ou da faltade criatividade dos arquitetos como da vontade defacilitar a construção, diminuindo-se os custos e au-~entando-se os lucros. Se ja como f or, é fácil apontar(Justamente por sua forte formalização) os eixos emtorno dos quais tem-se organizado o discurso esté-tico arquitetural: ritmo , harmonia , medida, composi-

ção. ~ão há a~quiteto. ou teórico da arquitetura queconscl.ente ou mconSClentemente deixe de organizarseu discurso em torno desses eixos e os reconheçacomo absolutamente "naturais" à arquitetura. Masmuito poucos são os que, reconhecendo e defendendoesses eixos, reconhecem neles a própria definição daRenascença. Que é Renascença? É ritmo. Ou harmo-nia. E  harmonia. E / ou medida. E / ou composição.

Quer dizer então que a Renascença é o mal ab-

sol to, o inimigo a combater e destruir, o pecado ori-ginal do qual a arquitetura moderna tem de livrar-sea todo custo? Essa tese, defendida mais ou menosco m as mesmas palavras por muito arquiteto "revo-lucionário", está evidentemente mal colocada. Umaherança cultural não só não se renega impunemente

 

como simplesmente não pode .ser renegada, pon!o fi-nal. A questão está em. identif~car uma d~t~rnl1nadaprática com uma determmada epoca, localIza-Ias, sa-ber qual a relação que se estabeleceu entre ambas eindagar se tal modelo de prática é válido p~ra outraépoca ou não. É necessário ressaltar que nao se tra-ta nem mesmo de defender a Renascença (ou qual-

A análise se voltará assim para esses elementosfundamentais do discurso estético da arquitetura a fimde detectar as armadilhas que estendem à prática ar-quitetural e as brechas que se pode produzir na ideo-logia de que se revestem, com a possibilidade ulteriordl', propor, também para o discurso estético da arqui-tetura, alguns eixos de oposições passí veis de orien-

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 67/90

ç ( qquer outro período ou movimento) como manifesta-ção adequada a sua época, e tampouco. de propor .a

necessidade de modificações pela necessIdade de on-ginalidade: é preciso ter sempre em mente que a bu~-ca desesperada do nOvo está longe ~e ser u~~ J?atnzimperiosa, absoluta e constante, se ja na histona domundo ocidental, se ja n a história de todos os povos.Se é verdade que na China, por exemplo, se deu valoràqueles pintores que de alguma forma romperam comdeterminados modos de expressão, propondo "estilos"novos, não é menos verdade que se atribuía idênticovalor (e às vezes mesmo maior valor) àquele que era

"simplesmente" capaz de pintar tão bem quanto pi~-tavam todos os demais. O valor de uma obra naoestava n a personalidade (no personalismo) e menosainda na originalidade: residia na capacidade de enun-ciar uma certa mensagem. Se esta era bem dita pou-co importava que o modo, a maneira de fazê-Io fos-se idêntica à de tantos outros. ~smo nas ~ocieda@socidentais a febre da originalidade só VaI atacar ohomem bem recentemente, a partir do século XVIII

- e, a rigor, no começo do século XX: o Tinto!-"ettod.a-- Escola de S. Rocco em Veneza não faz mUlto maisque se colocar nos moldes de Michelângelo, e muitopintor romântico ou barr~o. é igual ~ tantos o~trospintores barrocos ou romantlcOs. Se~a? n :aus pmto-res apenas por essa razão? Não; a ongmalIdade abso-luta não era para eles um absoluto valor. Na verdade,a originalidade como meta última é freqüenteme.ntetão lamentável quanto a cópia fiel. Trata-se aSSIm,para a arquitetura, de ser adequada a um momento _e

não de renegar por princípio esta ou aquela soluçaohistórica ou praticar tais soluções ,como norma impe-rativa se ja de maneira consciente ou, pior - e é oque acontece na arquitetura atual. onde l?revalecemas noções clássicas de ritmo, harmoma, medIda e com-posição - de modo inconsciente.

g p ç ptar essa prática na direção de metas mais adequadasao homem atual e sua prática arquitetônica.

II . 2 . O ritmo

Que se pode entender por ritmo? Um conceitoprimeiro de ritmo, bastante difundido, é aquele que oidentifica com a noção de ordem 1. Ordem como? ATeoria da Informação propõe qu e a noção de ritmodeva ser entendida como baseada na repetição de ummesmo. elemento a iguais intervalos de tempo, e ésob esse aspecto que ele é entendido e praticado em

arquitetura. Com que finalidade se procede a tal re-petição, além de pôr uma ordem no objeto de traba-lho? (Ou: que tipo de ordem se pretende obter comessa repetição?) Com a finalidade de pôr em p rá-tica ,três princípios muito caros ao pensamento renas-centista (do qual, aliás, a própria definição de ritmo

 já é claro indí cio): princípio do equilíbrio, princípioda continuidade e priooí pio da passagem do todopara as partes. Com que ef eito prático para o recep-tor da obra? P. A. Michelis faz, a respeito, uma colo-

cação exemplar sem, no entanto, perceber o alcancee a verdadeira significação dela:

O ritmo permite-nos ad ivinhar  que vai seguir-se um golperítmico ou urna certa série de golpes, assim corno mais oumenos o ef eito segue a causa. Antes portanto que o golpese produza nós já o esperamos, e quando ele acontece segue-seem nós urna sensação muito rápida de satisfação.

O que leva Spencer a referir-se ao ritmo comosc.1do a "economia da atenção".

Como se pode ler essas concepções tradicionais

e qual a reorientação que se pode dar à prática arqui-tetural a partir delas?

1. Ver P. A. MICHELIS, L'esthétique  de l ' a TchitectuTe. Paris,1974,p. 71. Para Mlchells, trata-se Inclusive de descobrir a. "ordemexistente objetivamente" numa coisa. Ora, não existe uma ordemob jetiva, como se procurou demonstrar na. discussão sobre o pensa-mento clentiflco e o ideológico.

 

Antes de mais nada, está· claro que essa con-cepção instauradora do ritmo nada mais é ,d? q~~a definição do mód ulo. Módulo, conceito maglco Jana Renascença e ainda hoje; a grande preocupação doarquiteto atualmente de fato parece ser a de encon-trar o módulo, a p artir do qual todos seus problemas

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 68/90

, p q pparecem se revolver como por encanto 2. O que sefaz com um módulo? Repete-se-o. Na Renascença

determinava-se um módulo, por exemplo, para uma  janela de um palácio: a fachada seria a repetição detantos e quantos desse módulo. Ou determinava-seque o módulo a ser reproduzido infinitamente é ocomposto por uma janela e uma porta, ou janela esacada; e a própria porta é modulada, pois seria com-posta de tantas ou quantas "almofadas" deste ou da-quele tipo 3. Que se faz hoje num edifício moderno,num "espigão", numa "torre"? Encontrado o módulo(normalmente a janela), o edif ício está em pé4. E o

pensamento modular está de tal maneira arraigado nopensamento do espaço que parece impossível pensarde outra maneira. E àqueles que se opõem à práticamodular costuma-se lembrar que toda a arquiteturasempre foi modular, desde a Grécia e passando-sepelo românico, barroco, etc. Se a ausência do mó-dulo é realmente a exceção, não é menos certo que aseventuais arquiteturas não-modulares, quando se apre-sentam, deslumbram o homem pelas suas possibilida-des: o Mummers Theater de J. Johansen 5, compos-to por "caixas" não repetitivas que se combinam; aprópria Torre Einstein 6, de Mendelsohn, ou ainda acasa que Le Corbusier fez para Ozanfant em Paris 7.

Contudo, todos os exemplos de "não-modulismo" quese possa encontrar realmente f icam soterrados dianteda prolif eração esmagadora do pensamento modular(a tal ponto que hoje não moramos mais em casasou apartamentos mas sim em módulos) - mas a sim-ples prática histórica não é argumento válido' para jus-

tif icar uma proposição.2. Necessário ressaltar, de resto, que o pensamento modular se

espalha hoje por todas as áreas da aLlvldade ref lexiva e prática dohomem, desde o d e sign  -  com seus móveis modulados - até aprática semiológica, baseada na Identlf icaçáo das unidades mlnlmase na constância de sua repetição.

3. Ilustmção n.O 4.4. Ilustração n." 5.5. Ilustração n.o 6.6. Ilustração n.o 7.7. Ilustração n.o 3.

 Ilust r ação , , 9 . 4: ~xeJ?plo de construção modulada na Re-~ascença. A Jlustraçao e um croquis do Palazzo Pitti de FiI-hppo. ~run~lIeschi (1440), em Florença. O pro jeto bas~ia-se na

f repetIçao !Jtmada de alguns poucos elementos (módulos): umaorma d e Janela, uma forma de arco.

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 69/90

 Ilustração n ç >  5: Croquis do Anexo da Biblioteca Nacional,de H. Roux-Spitz. Normalmente apresentado como projetoJípico da reação moderna à arquitetura dos excessos (a quemistura, na fachada, corbelhas de flores de gesso com colunasdóricas, etc.), o trabalho de Roux-Spitz é bom exemplo naverdade da construção modulada da atualidade, baseada nosmesmos moldes dos da arquitetura renascentista: obediênciaaos ditames c1ássimos da harmonia, composição e ritmo, obti-dos através da repetição de um módulo.

 I lusJ raçiio 11~ 6: Nummers Theater, de John Johansen, emOklah~ma Clty (1971). R:clIsa da arquitetura do módu)o, darepellç<lO do Igual. Tambem chamada de actioll-ar chiteclur eesta arquit:~ura é bom exemplo do processo de listagem (elen:C?) e reUl1lHO(assemblage) de pedaços, circuitos e f ormas va-nadas.

 

Por que ser contra o módulo, contra o ritmo?Porque ele cria no homem a neurose da certeza e datranqüilidade, de que o homem tanto necessita e queao mesmo tempo aniquila toda sua vida intelectual,de início, e p osteriormente toda sua vida, em todosos sentidos. Como pode ser isso? Voltemos à concep-ção intuitiva de Michelis (intuitiva porque não basea-da na Teoria da Informação); o ritmo permite prever

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 70/90

da na Teoria da Inf ormação); o ritmo permite prever 

o q u e se vai oferecer aos olhos, a esta previsão desensação satisfaz. O.ritmo portanto agrada ao homem.Mas a Teoria da Inf ormação mostra que a previsibi-lidade é apenas uma das facetas de qualquer tipo decomuniçação, estética ou não. A outra, necessária, éa imprevisibilidade. E o processo de comunicação sedesenvolve a par~ir de um jogo contínuo com essesdois elementos. E por que a imprevisibilidade é im-prescindível? Porque se ef etivamente a sensação doconhecido (do previsí vel) reconforta o homem, asse-gura-o em suas certezas não o submetendo ao inédi-

to (as crianças só tiram prazer de histórias que já co-nhecem e reclamam quando se lhes tenta contar umahistória nova: já sabem o que vai acontecer, queremreceber novamente aquele mesmo esquema, já gozampor antecipação o eventual castigo do malvado e aboa fortuna do herói - esse é o esquema, de resto,das histórias em quadrinhos ou das novelas, e a ra-zão mesma de seus sucessos) a partir de um deter-minado momento o receptor f ugí rá dessa mensagem

porque já a conhece - f ugirá consciente ou incons-cientemente. N o primeiro caso, em razão, por exem-plo, do desenvolvimento de suas exigências estéticas;no segundo, em virtude simplesmente da acumulaçãodaquela mensagem em sua mente , d a repetição a queela esteve submetida e que a partir de um determi-nado momento "fecha" sua receptividade para aque-le tipo de mensagem.

 I lustração n9  7: Casa-ate\ier do pintor Ozenfant em Paris, pro- jeto por Le Corbusier (1922): au~ên.cia de módulos. repetidos,de preocupação com as regras classlcas da harmoma e com-posição.

Por esta razão se joga simultaneamente cOm pre-visibilidade e imprevisibilidade: o conhecido é dadopara não af asta~ (assustar) o receptor desde o i ní -cio, ao mesmo tempo em que se o tempera com odesconhecido para evita r o af astamento do receptorpara longe da mensagem 8.

 

Éduplamente inadequado a6sim continuar a pro-por o r itmo como um dos pilares da estética arqui-

[dural: primeiro, por se tratar essa noção de umelemento que sobreviveu a um sistema estético nãomais necessariamente em vigor (o sistema renascen-tista); segundo, por ser inadequada a construção deuma mensagem estética baseada tão f ortemente nessanoção de ritmo de módulo de repetição pois a úni

Uma janela pode ser redonda, ou ovalada, ou trian-

gular, ou retangular, e nada impede que uma janelaredonda seja colocada ao lado de outra que compõeum retângulo na horizontal (nada a não ser a com-binação estética desses elementos). O canto esquerdodo andar térreo da construção necessita de uma janelaredonda: que seja redonda. O andar de cima necessitade uma janela que permita à luz entrar no aposento

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 71/90

noção de ritmo, de módulo, de repetição, pois a úni-ca coisa que se tem nesse caso é uma mensagem sui-

cida, uma mensagem que se constrói apenas para serposta de lado tão logo completada. É isso aliás o quese tem no cenário arquitetural de hoje: uma série denadas que se sobrepõem num magrna indiferençado.

A estética da arquitetura não pode, com todaevidência, abandonar pura e simplesmente a noção deritmo como alguns (Zevi, entre eles) insistem que sef aça, 'pois r itmo é uma das faces da moeda: se se ti-rar essa face, a moeda não existe mais. Essa estética,

no entanto, vai apoiar-se aqui também num eixo deopostos onde o ritm o é contrabalançado por uma no-ção como a de elenco (a outra face), proposta pelomesmo Zevi. Que se deve entender por elenco? Pen-se-se na elaboração de uma fachada: o arquiteto re-nascentista (quer tenha vivido no século ~VI ouatualmente) determinará uma forma-padrão de janelae a repetirá sem alterações em todos os andares dáconstrução, visando conseguir o "obrigatório" efeito

unitário. Se se adotar o procedimento do elenco, otrabalho do arquiteto não apenas será inteiramentedif erente como bem mais árduo (assim como tomarámais complexa a construção efetiva do prédio - masnão necessariamente mais custosa) porém os resulta-dos estarão não só à altura da época como à alturado homem (o homem deve ser o padrão das coisas, enão as coisas se colocarem como padrão para o ho-mem): lista-se as formas possíveis e adequadas que

as janelas podem eventualmente assumir nas variadasposições que ocuparão no prédio, e a seguir reúne-seessas formas numa espécie de assemblage. Assim, aoinvés de uma sucessão de janelas retangulares que seempilham umas sobre as outras na vertical e que sesucedem monotonamente na horizontal, tem-se umasucessão de formas diferenciadas que, quase literal-mente, movimentam-se pela superfície considerada.

j q p pem toda sua extensão, mas não é necessária uma gran-de vidraça que se estenda de uma parede à outra:

pois então se rasga uma abertura retangular de lado alado. Que conviverá com a abertura redonda de bai-xo e com uma outra quadrada que, em cima da se-gunda, está disposta ao final de uma saliência na su-perfície da fachada, saliência que permite ao observa-dor uma visão para o lado do edif í cio (sem ter dedebruçar-se para f ora de uma janela e virar o pesco-ço) 9. Enf im, lista-se, elabora-se o elenco das formasutilizáveis e das f unções exigidas e combinam-se es-

ses elementos se jam quais forem. Não se trata de pro-por o caos total (a entropia máxima, ou desorganizaçãomáxima da mensagem, afasta o receptor tanto quantoa o rdem total - previsibilidade total) pois alguma

ordem sempre haverá: simplesmente não se escolhe aalternativa mais cômoda: a repetição de um módulo(que não apenas cansará o receptor, em termos depercepção de f ormas, como não será obviamente ade-quada às variadas necessidades que surgem dentro de

uma construção).A técnica do elenco não será aplicada por certo

apenas à e laboração da f achada: todo o corp(l Oll

construção pode ser determinado por esse processo -e nesse caso nem mesmo se falará mais no corpo daconstrução mas sim nos corpos dessa construção). As-sim, ao invés de determinar como módulo de mora-dia as "caixas de sapato" superpostas monotonamenteem sua retangularidade, determina-se para este cantoum corpo na forma de um pentágono que se combinacom uma semi-esfera deitada no chão à qual se super-põe uma baixa caixa retangular encimada por sua vezpor um cilindrv deitado 10, etc. O procedimento delistagem-combinação é inclusive, como se percebe, um

 

dos métodos para a obtenção da temporalização doespaço: os espaços diferem, o modo de se passar doprimeiro para o segundo não é o mesmo que se em-prega para ir do terceiro ao quarto, etc. Exemplosde procedimento por elenco são, até certo ponto, oHabitat de Montreal (1977) e o mesmo MummersTheater de Oklahoma City (1971) 11 ,

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 72/90

Theater de Oklahoma City (1971) 11.

O primeiro eixo do discurso estético da arquite-

tura não deve ser assim, ao lado da harmonia, me-dida e composição, o eixo do ritmo isoladamente con-siderado mas sim o eixo Ritmo X Elenco.

As noções de harmonia, medida e composlçaonão podem ser abordadas isoladamente da noção deritmo da qual são, na verdade, um desdobramento -de fato, a análise começou aqui com a consideração

do ritmo mas podia perfeitamente ter principiado como estudo d a harmonia, por exemplo, da qual se diriaque comanda as· noções de ritmo e composição quedela derivam, o u então começar pela medida, etc. :todas estão intimamente relacionadas e não se podedizer que uma pre~ede a outra, assim como n a verda-de não se pode dizer, a não ser talvez por razões me-todológicas, que uma difere da outra. Diz-se por exem-plo que o ritmo comanda os momentos de t hesis earsis, isto é, intensidade e relaxamento da atenção.

Mas onde é que esses momentos ocorrem de fato  anão ser na composição, ou na harmonia, ou na me-dida? Como podem ser avaliados se não for atravésdessas outras três noções? Quando Michelis 12 reafir-ma a doutrina segundo a qual os três princípios doritmo são o princípio da continuidade, o princípio dapassagem do todo às partes e o princípio do eq Jilí -brio na verdade ele não está dizendo outra coisa senão que os princí pios do ritmo são a harmonia, a com-posição e a medida. Como é que do todo eu passo às

partes a não ser através da composição e da harmo-nia? Por outro lado, "equilí brio" não é "composição",que por sua vez não é "harmonia"? A continuidadetambém não se mede pela harmonia, etc.? O próprio

,t?í\\\\\\\\  \  \\\\\ ",~ ~

~~

~1 - · . - - -

llus / r ação n{J  8: Exe,mp!o dado por Bruno Zevi para a ar ui-t~tura de elenco:. ao mves de repetir um mesmo elemento qre-~~~~e~:~eá~rmm~dtO, (01arquiteto pes<I,.uisaas necessidades

Pde

. proJe ° UZ, ar) e propoe as f  ormas adequadas:~ n~~:tarslmdaenhtaodas. fun

lçõ~s. requeridas, sem manter-se preso

rmoma c aSSlclsta.

 

Michelis, pagmas adiante, acaba dizendo, sem se darconta talvez, que harmonia é simetria, que por suavez é a exteriorização de um equilíbrio 13. Diz tam-bém que através dos princípios da "classificação" eda "subordinação" se estabelecem a!>relações entre otodo e as partes e entre as próprias partes de modoa predominar a "unidade n a diversidade" que ddine,

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 73/90

 Ilustração n'l 9: Exemeplo ainda de B. Z~vi, agora. referente aoprocesso de elenco dos volumes: .não mais o empl1h~mento decaixas geométricas f  ormando aqUIlo ~ue se co~venclOnou cha-mar de "apartamento", mas sim a hvre pesq~1Sa ~e. volumesque se combinam em oposição às regras do classlclsmo mo-

derno".

a predominar a unidade n a diversidade que ddine,enfim, a harmonia 14.

Não há, portanto, e realmente, nenhuma razãopara se falar do ritmo, da harmonia, da composiçãoe da medida como se fossem coisas independentes:estão tão intimamente associados que na verdade nãose pode identif icar com efetividade aquilo que é umou outro desses elementos. Essa estrita associação(exigida aliás pela moldura maior em que se encaixao tipo de est~tica que se def ine por esses quatro ele-mentos, moldura essa que é novamente a do pensa-mento renas;::entista) só pode ser cindida por razões

metodológicas mas, mesmo assim, essa divisão nãodeve assumir a forma de quatro entidades singula-res como normalmente se propõe (ritmo isoladamen-te, harmonia isoladamente, composição isoladamente,medida isoladamente) mas sim, se se pref erir mantera distinção, a forma de eixos bipolares. Mas antesde propor um eixo de l)poStos referente à harmonia,ve  jamos como a estética tradicional da arquiteturaa entende.

A noção fundamental que a estética tradicionalpropõe para harmonia· é a de simetria: disposição deelementos idênticos (em, forma e número) em ambosos lados criad(lS de uma superfície separados por umeixo imaginário. Esse é o conceito mais elementar quese tem de harmonia ou, se preferir, esse é o conceitoda harmonia elementar. Não se pense que esta no-ção (ao mesmo tempo válida para a de equilíbrio)por ser elementar não é muito utilizada ou é umanoção constante e intensamente praticada ao longo

quitetos ou pintores menos significativos. Não: é umanoção constante e intensamente praticada ao longode toda a h i stória da arte e da arquitetura. Um nú-mero considerável de telas (senão todas) da Baixa

13. Idem, p. 96.

14. Idem, p. 98.

 

Renascença pode ser dividida ao meio no sentido ver-tical por um eixo imaginário, e se constata que se dolado direito existem 20 figuras humanas, do lado es-querdo haverá um número equivalente; se essas f igu-ras formam uma seção onde predomina a cor azul,no outro lado, cOmo se se tratasse de um espelho, severá idêntico grupo azul; se as pessoas do lado direi-

Há, neste juízo-padrão, dois grandes momentos~e erro que compõem a teoria da mistif icação esté-tica q~e vem se !mpondo à humanidade de geração emgeraçao a partIr ?a .Renascença (se não a partirdos ~regos) .. 0pnmelro momento é aquele em quese. af trma se mscreverem as obras em formas geomé-tncas; o segundo que essa inscrição se faz segundo

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 74/90

verá idêntico grupo azul; se as pessoas do lado direito estão dispostas segundo a forma de um semi-cí r-culo, a mesma conf iguração se constatará do outrolado. Esta harmonia, isto é, este equilí brio baseadona idéia de repetição é apenas, como se pode ver cla-ramente, um outro aspecto da noção de ritmo e demódulo, no qual o ritmo se baseia, e contra ela sepode levantar as mesmas objeções já f eitas com rela-ção ao ritmo: previsibilidade, monotonia, etc. A elase poderia opor o pólo da dissonância, da assimetria,

 justificando-se cOm os mesmos argumentos já utiliza-dos quando se falou no eixo geométrico/I:ão-geomé-

trico.Mas há uma outra maneira segundo a qual a es-tética tradicional julga se uma proposição é harmôni-ca ou não. Embora reconhecendo a existência de ele-mentos sub jetivos pa avaliação de algo como harmô-nico ou não - elementos nunca suficientemente de-terminados, e confundidos com o princí pio da simpa-tia ou empatia estética (sentir com ;  fazer u m  com oobjeto) formulado pela Einf ühlungstheorie, essa es-tética acaba por matematizar esse juízo do harmôni-

co, estabelecendo fórmulas para sua verificação queacabam por afundar as possibilidades de uma sub- jetividade estética sob o manto dourado (mas f also)de uma chamada ob jetividade harmônica.

Como s e f ormula essa outra maneira de julgarharmônica uma proposição, em que se baseia essaptetensa objetividade harmônica? Volta-se novamentea Michelis, representante-tipo dessa estética (aliás, aúnica normalmente propagada) :

Se estudarmus agora as obras de arquitetura n:CO,IIlCCIO,,'

(como harmônicas, .:umo grandes obras) veremos que elas seinscrevem geralmente em f ormas geométricas cujos lados man-têm entre si a relação 1 : ou 2 : 3 ... (e) as mais f amosasapresentam a relação do número de ouro, aproximadamente3 : 515.

tncas; o segundo, que essa inscrição se f az segundoas norm~s Ado. número de ouro. Isto signif ica conside-

rar a eXlstencla de uma idéia-padrão inata e impressa~a me?te do hOmem segundo a qual as formas esté-ticas (I. e., as formas "boas") são, primeiro, aquelasque se reduzem aos elementos da geometria e, segun-do, não a qualquer tipo de elemento mas a elementosqu~ se ordenam segundo uma proporção específica _delx~ndo de ~ec?nhecer que essa med ida (uma certamedIda geo~~tnca) surgiu apenas num segundo mo-mento da atIVIdade do homem - não sendo inata ouprimordial. - e se impôs apenas por uma questão

de educaçao do gosto, isto é, de hábito, de con-for-mação, de moldagem das pref erências. Dever-se-ia di-zer, ?a verdade, que a partir de um dado período (Re-na~c~mento) o homem passou a julgar estéticas (har-mom::as) as formas que se apresentassem desse deter-minado modo, e que esse modo de julgar é apenasum modo, resultante de uma maneira de pensar. E,portanto, que há outras maneiras, de outras épocas,de outros lugares. Mas não: apresenta-se essa medidacomo se ela f osse universal, e eterna: harmônico é

tudo aquilo que está na proporção áurea - sem selevar em consideração que ela foi apenas a conso-lidação de uma certa maneira de gostar num determi-nad~ mo~ento. Ainda que esse modo de ~entir pre-domIne hOJe, por uma questão de herança cultural, detransmissão de um modo de encarar as formas, issonaturalmente não significa que se deve considerar co-mo harmônicas essas e somente essas formas. Muitossucumbiram a essa ingenuidade, no entanto; Fechner 16

por exemplo tentou pôr em prática uma maneira de ex-

p~rimentalmente determinar o gosto estético predo-mmante sem partir, julgava ele, de nenhuma teoriza-ção. prévia. E através de uma série de testes práticosaphcados aos entrevistados, chegou à conclusão de

 

que realmente se devia ratificar a estética do númerode ouro, pois não apenas as' pessoas demonstravamgostar das formas geométricas como preferiam, acimade todas, uma determinada forma geométrica, a doretângulo, e um tipo de retângulo, justamente aquelecujos lados mantinham entre si a relação do númerode ouro. a "pequeno" detalhe de que Fechner, ina-creditavelmente não se deu conta era que a humani

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 75/90

creditavelmente, não se deu conta era que a humani-dade, no momento de suas experiências, estava há 300

anos (pelo menos) sob o império de uma lei estéti-ca, consagrada no Quinhentismo, que justamente man-dava gostar de formas geométricas desta ou daquelamaneira f ormadas, e que nesse caso suas entrevistasnada mais faziam que recolher aquilo inculcado portodo um sistema de educação na mente das pessoas.Dizia que sua estética era a estética "por baixo", emoposição ao que chamava de estética "do alto", aemanada da teorização dos artistas: não sabia que asua era ainda muito mais "do alto" do que as que

 julgava combater.a próprio Michelis, é fato, rejeita as conclusõesde Fechner, em parte, ao lembrar que basta o re-tângulo de ouro, por exemplo, apresentar-se desenha-do não apoiado sobre um de seus lados menores ("as-sentado" sobre um plano horizontal imaginário) massim sobre um de seus vértices (permanecendo assimnum "equilíbrio instável" 17 para que deixe de cons-tituir-se em forma preferida. Do mesmo modo comoem determinadas ocasiões se prefere o quadrado ou o

triângulo, etc. Mas argumenta, para repudiar as noçõesde Fechner, de um lado com a existência de elementossubjetivos da harmonia (nunca definidos) e do outrocom proposições inteiramente vagas segundo as quaiso belo, a empatia estética, o prazer estético se atuali-zam porque o "ritmo d iferencia e conduz à quantidade,à extensão, e a harmonia int egra e conduz à intensida-de, ao estilo de alta qualidade que predomina em cadasistema" 18. Antes de mais nada, o ritmo não dif eren-cia, pelo contrário: torna tudo equivalente. Mas isto já

foi comentado: o que interessa é saber como a harmo-nia "integra" e conduz à intensidade, que é essa in-tegração e em que consiste essa intensidade, que é esseestilo de alta qualidade, como é obtido e porque pre-

 

timento puro (a subjetividade) como o único regula-dor do valor estético, propondo e admitindo como guiasdo juízo estético as relações numéricas e o traçado geo-métrico 21. :f: exatamente disso que se trata: uma de-terminada época r esolve aceitar como guia tais e taispadrões, nada mais que isso. Trata-se de um fato cul-tural (como tal, passível de ser circunscrito, datado elocalizado) e não de uma tendência inata ao homem

domina em cada sistema. Isso. não é dito, nem emseu estudo nem em todos os demais que se propõemessa mesma linha de abordagem. O fato é que para Mi-chelis, seja como for, todos os elementos de apreciaçãodo valor estético acabam sendo mesmo dominados pe-los elementos objetivos identif icados f undamentalmentecom a proporção áurea (sectio aur ea para da Vinciou mesmo proportio divina para Paccioli) cu jo exis-

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 76/90

18. PARIS, Les Belles  Le tt res, 1969, p. 62.19. A respeito, ver, como o próprio Mlchells Indica, a obra de

M. GHYKA, L'es t hé tiq ue  de s  proport io l l s dans  Ia na t ur e  et  d ans les ar ts, Paris, Ga1l1mard, 1927.

20. MICHELIS, op . cit ., p. 109.

localizado) e não de uma tendência inata ao homemque precise ser corroborada pela análise matemática. E

que nunca foi absoluta nem mesmo na Renascença. :f:o mesmo Choisy quem reconhece que essa época nãose ateve de modo único a essas relações numéricas egeométricas, continuamente retificadas, em sua própriaexpressão (a prática corrigindo a teoria). Por que fa-zer, nesse caso, desse e de outros conceitos de harmo-nia a regra para a prática da arquitetura (digo da ar-quitetura porque as artes plásticas já a abandonaramhá muito tempo, há pelos menos 70 anos) e, mais, porque falar mesmo de harmonia já que parece impossível

desvincular seu conceito do conceito de equilí brio, in-tegração entre as partes, passagem suave do todo àspartes e vice-versa? Michelis teria uma resposta aesta última indagação: continua-se a falar em harmo-nia porque não se pode deixar a arte repousar intei-ramente sobre o valor subjetivo do artista 22. Insiste naexistência de "leis" da harmonia, leis f ormais que oartista, "pela graça da inspiração" (!) concretiza na prá-tica.

Por que tanto medo da liberdade de criação, por

que o desespero no sentido de impor normas, estabele-cer quadros fixos de onde não se pode sair? Já sesabe porquê: com a conformidade geométrica se ma-nipula melhor o gosto das pessoas e por conseguinte,simplesmente, as pessoas. Armadilha em que o artistae o arquiteto não devem cair.

O mesmo tipo de argumentação e de ob jeções valenuma análise dos outros dois elementos agora funda-mentais da estética da arquitetura, a medida e a com-posição. E como eles não são, como já ressaltado, es-

sencialmente dif erentes da harmonia e do ritmo não hámuita razão para nos estendermos em sua apreciação.Fala-se na medida est é tica porque há necessidade

de se julgar, avaliar - o que só pode ser feito atra-

ou mesmo proportio divina, para Paccioli) cu  jo existência encontra amparo na noção de analogia formu-

lada por Aristóteles e exposta em sua Poética 18: "En-tendo por relação de analogia todos os casos em que osegundo termo está para o primeiro assim como o quar-to está para o terceiro ... " e q u e encontra sua forma

a bótima na expressão - = -- (a/b = c / b daria apenas

b a+bsimilitud e de formas, enquanto o máximo de unidadese tem quando a+b = c, ocasião em q u e se tem a"síntese ideal dos contrastes" 19).

Para Michelis - e este é o grande mal dessa esté-tica tradicional, sua grande mistif icação - tal demons-tração matemática, "essa estrita lógica das matemáticascoincid e com a exigência psicológica do sentimentosub jetivo de harmonia" e "nos persuad e (os grifos sãomeus) que a harmonia não pode resultar apenas dedois elementos" sendo necessário um terceiro, "e esteterceiro elemento é o todo - a unidade dos dois -do qual estes se isolam" 20. Énecessário insistir: a ló-gica das matemáticas não coincid e com a exigência psi-cológica (como se, coincidindo, ela viesse provar a jus-teza da apreciação geométrica do fato estético) e nãopode nos persuadir de nada. Essa proporção (e ou-tras mais), esse raciocí nio são meras constr uções , pro-posições do homem, datadas e localizadas e que po-dem inclusive ser aceitas como inteiramente válidas -mas tanto e apenas tanto quanto qualquer outra. Nãose pode fazer dela a norma única da prática da arte ouda arquitetura. Choisy (que Michelis cita e cita malpois não avalia o alcance de sua proposição) reconhe-ce que a Renascença (não mais, segundo ele, do quea Antiguidade ou a Idade Média) nunca aceitou o sen-

21. CHOISY, Hi stoi r e  de l' ar c hitec t u re, n, p. 64.22. MICHELIS, op. c it ., p. 149.

 

vés de uma comparação que, por s).lavez, necessita deuma medida. E mais uma vez comparece o número deouro como medida suprema, ou ainda a proposição docorpo humano como medida. Se discorresse sobre amedida com a f inalidade única de transcrever as ex-periências já feitas pelo homem, não haveria nada acensurar; mas se pretende impor uma ou algumas no-ções imperativas de medida, caímos no mesmo proble-

mas que não procuram formar um bloco monolítico ef echado (a decomposição). Exemplo de ambas as no-vas práticas se tem, mais uma vez, na Casa da Cas-cata 24 (Fallingwaters) de Lloyd Wright (1936-1939)e no projeto de Gropius para a Bauhaus em Dessau 25

(especialmente em relação à decomposição).O eixo que poderia agrupar essas oposições (e esse

agrupamento se justif ica na medida em que, como ob-

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 77/90

ç p pma de mistificação do gosto estético já abordado. Nes-

ta última hipótese, a reflexão sobre o estético em arteou arquitetura pode perfeitamente dispensar essa no-ção de medida, como de resto pode dispensar tambémas noções de composição, tais como vêm sendo repe-tidas, por redundantes e inadequadas. Redundantes por-que "composição" é apenas outro modo de se dizer "har-monia" (ver Michelis: a composição se obtém atravésdas "leis da classificação e da subordinação tendo emvista realizar a unidade na dliversidade" 23; quando nãoé isto, se diz que a composição se define por: "a) uma

dialética de seus elementos com uma idéia central edesta com o resto; b) a definição de uma idéia clara;c) a originalidade da definição", o que constitui umacolocação que não especifica absolutamente nada: o queé uma idéia clara. () que é uma originalidade? etc.). Ina-dequada porque seus princí pios são os propostos poruma época passada que não deve ser encarada comoa única e obrigatória porta de saída para a humani-dade. Essa época sem dúvida representou muito paratodo o mundo ocidental, e sua força é inegável: basta

que se olhe a nossa volta. Mas não se pode permitirque ela seja igualmente nosso túmulo, a tumba de nos-sa criatividade.

Deve-se então, pura e simplesmente, jogar pelaamurada todas essas noções de harmonia, medida, com-posição? Não propriamente: continuam f igurando den-tro do pensamento estético, mas apenas como pólos deoposição. A elas se pode (e se deve) opor a dissonân-cia (assimetria) e a decomposição, como lembra Zevi.Ao invés de proceder de acordo com o padrão simé-

trico, eu desloco os elementos elencados de suas po-sições habituais (dissonância). Ao invés de procurar in-tegrar todos os corpos da construção numa unidade ín-tegra e perf eita (composição) eu decomponho a cons-trução numa série de corpos que se ligam, por certo,

g p j qservado, ritmo, harmonia, medida e composição não

são quatro conceitos distintos mas apenas um únicoconceito do qual não constituem nem verdadeiras eta-pas) poderia se apresentar sob a denominação H armo-nia versus Sé rie. Série como, em que sentido? Série nosentido proposto por Pierre Boulez 26, um modo depensar polivalente, uma reação ao conceito segundo oqual a f orma é sempre algo que preexiste e, ainda, parao qual uma forma sempre preexiste (a f or ma renas-centista, na acepção ampla do termo, ainda hoje é dadaCOmo algo preexistente à atividade artística). A obra

harmônica é uma obra f echada, terminada, acabada, quenão se pode questionar, enquanto a obra serial é umaobra aberta, um "universo em perpétua expansão"como diz Boulez. Fundamental na obra serial é o fatode propor-se ela como uma constelação (conjunto deelementos frouxamente relacionados, conforme propõea lingüística de Hjelmslev), COmouma assemblage li-vre, e não como uma ordenação absoluta de constan-tes (isto é, de elementos que têm necessariamente deaparecer, e de um determinado modo, a fim que apa-

reçam igualmente outros elementos determinados: naconstelação, a existência de um elemento não implicaa. ~xi.stência de outro e assim se um dado plano édlVldido em dois por um eixo imaginário, o fato de ter-se tais f iguras ou conformações num lado não impli-ca que se terá as mesmas figuras no outro). E mais im-portante ainda é o fato de que a ideologia e a prá-tica serial não pretendem regredir ao código gerativoprimeiro (como acontece com o pensamento harmônicorenascentista, para o qual trata-se sempre, ainda hoje,

de retomar ao modelo original proposto no séculoXV

e que remonta à Antiguidade) mas sim produ zir  novoscódigos. Função particularmente importante pois se éfato que o artista e o arquiteto não deve preocupar-

34. Ilustração n.o 11.25. Ilustração n.o 12.26. P. BOULEZ, R e l é vés d' app re n ti, ParIs, seul!, 1966. ..

 

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 78/90

 Ilust ração n9  11: "Fallingwaters" ou "Casa sobre a Cascata",de Frank L10yd Wright. em Bear ~~n, Pennsilvania _(1936--1939): arquitetura da qual não partIcIpa a preocupaçao pel?simétrico. Formas e volumes são combinados de modo ~ntl-clássico. A composiçf:o não segue as norma~ do geometns~oclassicista, podendo-se f alar assim em verdadeIra decompos!<' ao.

 Ilust ração n9 12: A Bauhaus de Dessau (1926), em que tra-balharam Gropius e Mies van der Rohe. Blocos que se inter-penetram, ausência de simetria clássica: decomposição arqui-tetura!.

 

se com ser uma máquina de pt:üduzir novidades (quese transformam, normalmente, em falsas novidades)não é menos certo que sua tarefa é a de encontrar pro-postas que se adaptam a novas exigências humanas quesão, estas, reais e indiscutí veis.

E o pensamento serial constitui um pólo adequa-do para o eixo proposto na medida, primeiro, em queo elenco ou listagem não é nada mais que um proce-

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 79/90

g q pdimento de série (organizar numa seqüênCia um núme-

ro de elementos livremente determinados, tal como f oiproposto para o conceito de elenco) e, segundo, porencaixar-se plenamente dentro do plane jamento serial aprática da assimetria e da decomposição. Quando euconstruo por decomposição (quando componho pordecomposição), e de modo assimétrico, estou elabo-rando uma série, não mais um "todo íntegro", quer di-zer, fechado: na decomposição, na assimetria há sem-pre uma abertura, urna possibilidade de continuação -exatampnte o que há na série, na serialidade, e que

não e1:iste na harmonia renascentista com sua f obiada liberdade criativa (pelo menos tal como é defen-dida atualmente) 27.

Este único eixo Harmonia X Série aqui. propostopara a organização do sentido no discurso estético daobra arquitetônica não vai def inir, só ele, toda a es-trutura desse mesmo discurso, por certo. Todo um con-

  junto importante de conceitos de estética da arquitetu~ra não foi aqui analisado. Mas me parece que é sobreesse eixo que repousa todo o arcabouço dessa estética;

sem ele, o resto não se sustenta, e se ele estiver malposto, como continua a ser colocado pela estética tra-dicional, a obra que se constrói sobre ele será umaobra que, se existe, é em geral morta ou nula e nomí nimo, e na esmagadora maioria das vezes, irrelevante.E o novo eixo f ormulado pretende possibilitar (comopropunha Paul Valéry também citado por Michelis,que n o entanto jamais conseguiria realizar tal projetoem seu sistema) que os edif í cios da cidade deixem deser mudos ou, quando f alam, deixem de balbuciar: que

eles cantem, essa a norma.

lU. DESCONSTRUÇÃO DO SENTIDO:ANTIARQUITETURA?

27. Por certo se cria, na produção serlal, uma outra "harmo-nia" e em principio nada Impede que se continue a utlUzar omesmo termo "harmonia" para a quaUtlcaçáo desse outro adequa-mento estético - desde que ele seja despido de suas conotaçõeBtradicionais.

Muitos def ensorf1s de uma nebulosa e indefinida"antiarquitetura", diante dos sete eixos aqui propostosCOmo organizadores da linguagem arquitetural, pode-riam indagar se não lhes seria lícito utilizar esteinstrumental teórico e propor um eventual eixo EspaçoDurável X Espaço Perecível que def endesse a idéiaque ocasionalmente retoma a seus adeptos: a de umaarquitetura perecível, uma arquitetura transitória a opor-se à arquitetura tradicional do estável.

A tese, de iní cio, é tentadora, e poderia ser esta:o espaço durável não apenas "destemporaliza" a ar-

 

quitetura (mata-a) como impede que as formas do ha-bitat evoluam (ou, pelo menos, se modifiquem), comisso fixando o homem num ambiente arquitetural e, con-seqüentemente, fixando-o numa determinada condiçãosocial, psicológica, filosófica enfim I.

Seria possível demonstrar a validade (ainda querelativa) dessa tese em alguns dos setores da prática ar-quitetural; vamos ficar com um deles, o da arquitetu-

(e para isso bastavam as praças das cidades e ascompanhias itinerantes de atores com suas carroças) ouse tratava de um teatro "de elite" (usando telões pin-tados, maquinaria sof  isticada) sustentado pelas cortesou casas nobres locais às quais se agregava - eneste caso bastavam as imensas e múltiplas salas se-nhorias. Há um momento, no entanto, em que mesmosem ser aberto ao "grande público" (é sempre uma

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 80/90

ra teatral (onde esse confronto entre durabilidade e

perecibilidade pode ser amplamente verificado e ondeexerceu inf luências consideráveis e fáceis de constatar)a fim de avaliar as possíveis excelências de uma arqui-tetura perecível para, a seguir, considerar suas pos-sibilidades na arquitetura comum do quotidiano.

pequena elite que o consome) começam a aparecer as

salas ditas públicas, levantadas como edifícios separa-dos. e próprios. Mas não se explica bem por que es-s~s construções, embora ainda lugar de nobres e prí n-CIpes e contando com "apo:o oficial" (como a de Pal-ladio) ainda sejam feitas em madeira: a cena doOlímpico apresentava uma cena fixa em mármore, amesma para todas as encenações, e a madeira tinha deser pintada para imitar essa pedra. No caso dos tea-tros surgidos através dos esf orços de pequenas com-panhias, sem recursos, se entende que a madeira fosse

praticamente a única solução possí vel. Mas nos ou-tros. .. Não reconhecimento de uma utilidade maiorpara o teatro, ainda encarado como mera diversão eque de fato assim se apresentava? Não merecendo por-tanto o empenho de fortes somas? Nem mesmo o peri-go das catástrofes levava à construção em pedra: f re-qüentemente se empregavam em cena engenhos incen-diários de razoáveis proporções (dragões vomitando f o-go real) ou se mostravam casas incendiando-se (real-mente) em seguida a b atalhas. Mas nada: tudo era

recebido na dimensão do fantástico, e o espectador nãocostumava pensar que aquele fogo (visto mas conside-rado eventualmente de fantasia, pois fazia parte dafábula) pudesse atingi-Ia.

;Uma sala excepcional para a história do teatroé se nenhuma dúvida o Teatro Olímpico de Vincenza,

pro jetado por um nome particularmente importante naarquitetura renascentista, Andrea Palladio. Construí doentre 1580 e 1585 (terminado quando seu autor já ha-via morrido, mas rigorosamente de acordo com seusplanos) o teatro chegou à atualidade -embora in-teiramente construído em madeira. Na época de suaconstrução a madeira já tinha sido abandonada hámuito tempo, pelo menOs para as grandes edificaçõescomo igrejas, palácios, edif ícios públicos: há pelo me-nos quatro séculos a norma já era a pedra, no todo

ou em parte. Os teatros no entanto, via de regra, con-tinuavam a ser feitos em madeira. A razão desse pro-cedimento não é de f ácil determinação. Em toda aIdade Média os espetáculos teatrais nunca tiveram umlugar que se pudesse chamar de especí fico e próprio.Ou se desenrolavam no interior das igre  jas e a sua vol-ta (os "mistérios" litúrgicos iniciais) ou mesmo naspraças públicas - ou então nas salas privadas dos pa-lácios. A transição para uni lugar próprio foi gradati-va, bem lenta, mesmo porque não se sentia essa ne-

cessidade: ou o espetáculo era para o grande público

1. o que vem primeiro, um sistema de valores, do qual decorreum sistema de organização espa.clal, ou uma f orma espacial quepossibilita determinados valores, Impedindo outros? Não Importamuito: na situação atual, é pref erivel - e necessário - partir dafórmula dos construtlvistas soviéticos (1920-1930),segundo os quaisnovas relações sociais eXigemum espaço novo, devendo-se portantopropor esse espaço novo para ajudar a permitir aquelas relações.

Seja qual tenha sido a razão específica desse pro-ceder, a construção de madeira foi particularmente útilpara o desenvolvimento de novas concepções no tea-tro, foi mesmo uma de suas especiais alavancas. Istoporque uma armação em madeira, naturalmente, se des-faz e refaz senão à vontade pelo menos com muitomaior liberdade de ação do que num edifício em pe-dra. A cena se revela pouco prof unda num dado mo-mento histórico? Aumenta-se-a, facilmente. As arqui-bancadas do público são muito extensas, atrapalhamum espetáculo que tem de vir para a frente do palco?É f ácil reduzi-Ias. A boca de cena é muito alta ou

 

baixa? Isso não constitui granqe problema. Embora es-sas alterações não sejam freqüentes (podendo-se passarmais de uma dezena de anos sem. a ocorrência dequaisquer modificações) são inúmeros os teatros queacabam passando por profundas reformas, ao longo deum período razoável de tempo. Algumas delas motiva-das por "simples" razões técnicas decorrentes das exi-gências dramatúrgicas, outras em seguida a incêndios,desabamentos ou degradação do material O Teatro

conceito de prática teatral que se abandona e outraque se adota: o teatro vivo.

A partir do século XIX, no entanto, as questõesde segu~an~a ~om~çam a se impor: as preocupaçõescom os lllcendlOS e constante (afinal Londres já tinhasido atacada gravemente pelo fogo p:lo menos em duasocasiões). Para o teatro, chega-se a impor o uso deuma cortina metálica que separaria o palco da sala.

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 81/90

desabamentos ou degradação do material. O TeatroSchouwburg, de Amsterdã, assim se apresentava quan-do de sua inauguração, em 1638: sala para o públicoem forma de U, com dois lances de camarotes encima-dos por uma galeria em f orma de arquibancada; cavea 2

livre e uma cena situada numa extremidade da sala, so-bre um elevado e com sua estrutura visível chegandoaté o teto (sem arco cênico, portanto). Em 1774, o nOvoSchouwburg é inteiramente diferente, não só na ar-quitetura quanto no conceito de teatro: a relação cena-espectador, que era bem mais livre no anterior (poisos espectadores da platéia não tinham onde sentar,ficando em pé e movimentando-se livremente de um ladopara outro durante a encenação), agora se caracterizapela separação, pela distância absoluta determinada par-ticularmente por um arco cênico (outra mudança) querebaixa o teto visível da cena; e embora os camarotescontinuem, a cavea é agora ocupada por f ileiras con-tínuas de madeira à guisa de "cadeiras", como numaarquibancada.

O The Royal Theatre of Drury Lane 3, Londres tam-bém tem uma história verificável. Quando de sua constru-ção, em 1764, todo o pavimento do palco é ligeiramen-te inclinado , e o próprio palco se projeta sobre a pla-téia por uns cinco metros. Em 1696, ColJey Ciber, seudiretor, amputa o palco dessa plataforma para au-mentar os espaços do público, empurrando a cena parao fundo da sala e rompendo a ligação mais imediataentre cena e espectador, possível no espaço antericr.No Drury Lane de 1775, o palco volta a ser maior,porém em largura e altura especif icamente, e outra mu-dança em 1808 vai de novo aumentar a sala: de 3, asgalerias passam para 5. Em cada mudança, é todo um

2. Aquilo que hoje se chama p latéia, embora o sentido destetermo fosse de Iní cio bem diferente, pois designava um lugardiante da cena, um lugar plano ( p l a yne) a ser ocupado, tambémele, pelos atores, colocando-se os espectadores apenas a lém  dessaplatéia.

3. Ver ALLARDYCENICOLL, Lo spazio "scenico , Roma, 1971.

a a á a q pa a a pa a a aMas como sustentar uma cortina dessa espécie sem

um ar~o cênico sólido? E o arco cênico, que tinhaapareCido e desaparecido várias vezes, e de vários mo-dos, vem para ficar. Por longo tempo. A separação en-tre cena e sala é então definitiva e como mostra A. Ni-colJ, o teatro entra numa fase de estabilidade em maisde um sentido: fixa-se, e vai começar a se Úbertar denovo praticamente apenas a partir da terceira década doséculo XX.

O exemplo da arquitetura do teatro é como se vêparticularmente eloqüente: uma função, a f unção teatro'se modificou e modificou seu espaço - porque est~espaço e;a modificável facilmente, ela se modif icou;f ato posslvel talvez em virtude de uma certa anomia nahistória da arquitetura, isto é, a construção em madeiraquando a regra já era a pedra, o definitivo.

. ~ ~ácil perceber onde se quer chegar com esseraClOcmlO: que se poderia fazer com a função habitar 

se seu eSJ:aço fosse tão maleável assim? A idéia é queessa funçao, como todas as outras, não só muda como

deve mudar através da história do homem. E para tan-to ,0 material neJ? precisaria ser necessariamente pe-reclvel: o forneCimento de "paredes" internas facil-mente removíveis e modificáveis seria um começo _mas para a antiarquitetura isso não basta os limitesexteriores sempre permaneceriam fixos. E ~omo o ho-me~ .não v~ .necessidade de mudar algo que aindaesta firme, so1Jdo, sem uma perecibilidade total do es-p.aço a tendência para a ausência de mutações tende-na a manter-se.

O sólido, o pesado, o eterno, argumenta-se eramcomp.r~ensíveis numa época em que a tecnologia nãope~mltla outra solução: as construções em pedra, de-pOISem ferro e concreto armado f oram ao mesmo tem-po. a melhor e praticamente as únicas possíveis e viá-veis sob o aspecto segurança, abrigo, economia. Atual-mente, no entanto, uma variedade de novos materiais

 

poderiam perf eitamente substituir os antigos: são tãoresistentes quanto eles - e são perecí veis, quer por-que se acabam mais rapidamente, quer porque podemser "jogados fora" sem muito prejuízo (ou sem pre-

 juízo algum, se se pensasse nas despesas de conservação. necessária para as construções tradicionais a partir de

um dado tempo). A casa descartável? Por que não?Muitos projetos já existem a respeito, essa idéia não

i b l

que esta acaba chegando ao f im como porque a mu-dança pela mudança é necessária - pelo menos aofim de um certo tempo, quando a anterior já tiversido devidamente utilizada.

Poderiam dizer também, contra essa "antiarquite-tura", que talvez fosse mais simples mudar d e casa -mas seria necessário mudar todo mundo de casa, e essasverdadeiras transmigrações humanas parecem pouco fac-

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 82/90

seria em absoluto uma archit- fiction!

De f ato, muitas das objeções à arquitetura perecí-vel são de ordem econômica não defensável. O espaçodurável em arquitetura é, ainda, privilegiado na ver-dade não por seus méritos eventuais intrínsecos maspelo fato de que se transformou em objeto de proprie-dade e de propriedade lucrativa: "investir em pe-dra", sonho (até hoje) sem idade histórica e sem fon-teiras. E que deixaria de ser possível (ou seria bemdiminuído em suas proporções e conseqüências) quan-do a "';asa" só tiver seu real valor  d e uso , e não umvalor de troca e de perpetuação freqüentemente man-tido de modo artificial. A casa descartável ao contrá-rio do que acontece hoje com a casa durável, não se-ria a única coisa a se valorizar continuamente enquantose desvaloriza sempre todo o resto, a começar do pa-pel-moeda e d~ força de trabalho, limitada pela idadee sufocada pelo maquinismo e pela acentuada repro-dução da espécie.

Uma outra objeção que se poderia levantar a esse

tipo de antiarquitetura não seria, de f ato, dif í cil de su-perar: a de que a prática do espaço perecível é práticaconsumista a querer se propor justamente quando ahumanidade está atenta para os excessos do consu-m o e quando os indivíduos começam a reagir contraa ordem quase irretorquÍvel de consumir cada vez mais.Na verdade, tudo dependeria do sistema sócio-econô-mico em que essa prática se inserisse. No sistema atual,dif icilmente ela deixaria de fato de constituir em realalavanca do consumo; mas num sistema que deixasse de

lado a corrida à acumulação de bens, a ostentação, atroca entre quantidades desiguais de trabalho e di-nheiro, a sede do supérfluo, o espaço descartável se-ria uma simples necessidade como outra qualquer. Nin-guém precisa de um guarda-roupa com 100 vestidos,20 pares de sapatos. Mas tampouco pode alguém vi-ver sempre com um único jogo de roupa, não só por-

g ç p ptÍveis. Em princípio, mais fácil seria realmente trocara  casa, substitUÍ-Ia por outra quando a primeira seconsumiu. E este consumo da casa por certo evitariaoutro aspecto sórdido do habitat moderno: a "degrada-ção social" da casa. Um edifício começa abrigando de-terminada classe social; dez anos mais tarde , em mé-dia, já se degradou o suf iciente para af astar os antigosmoradores e se of erecer a uma classe mais baixa; ou-tro tanto, no máximo, e já se ~hega quase ao fim daescala social. Mas nesta altura a construção é um ver-dadeiro monturo (embora ainda em pé) indigno para a

vida humana mas pelo qual ainda se cobram quan-tias injustificavelmente altas sejam quais f orem seusmontantes. Uma casa que realmente pereça não poderiaser recuperada. Por certo se dirá que uma modif icaçãosocial que acabe com as diferenças de classe acabariacom esse problema. Sem dúvida. Mas, novamente, o quevem primeiro: novas relações sociais ou nOvos espa-ços? Na dúvida, caberia realmente a indagação "anti-arql1itetural": por que não f azer uma coisa e outra ou,se impossí vel, pelo menos uma delas, a mais fácil -

e a casa perecí vel seria a mais f ácil.Sob o ponto de vista psicológico, o espaço pere-

cível também poderia ser defensável. Se parece inad-missível, atualmente, que alguém mude constantementede espaço ambiental a ponto de desenraizar-se tanto queseu equilí brio psíquico seja rompido (e a necessidadede algum  enraizamento parece evidente) por outro ladonão se pode justificar que alguém passe toda uma vidanum único espaço, ou em dois ou três apenas (e é

enorme o número de pessoas que não chegam realmen-te a ultrapassar esse Índice): a monotonia, a repetiçãofecha-lhe não só os horizontes físicos como, e isto émais grave, seus horizontes "espirituais". Se se quisesselevar a sério a temporalização do espaço, a hipótesedo espaço perecí vel não poderia realmente ser des-cartada.

 

A argumentação exposta até aqm e em princí pioaceitável, e chama a atenção para um aspecto real-mente importante da organização e uso do espaço. Masnão parece que se deva aceitá-Ia inteiramente e, a par-tir daí , propor a perecibilidade do espaço como normaoperacional de preferência. Há algumas ob jeções quenão se descartam tão facilmente. Uma delas diz respeitoao problema da consciência histórica dos gr:uPos. so-ciais O "jogar fora" o "não conservar" eqmvalena a

ros da opressão do homem pelo homem. Todos: qual aexceção?

Isso não signif ica que devam ser destruídos, estaseria uma idéia inadmissível; devem ser conservados -desde que se ressalte o aspecto negativo de que serevestem. Mas não só estas edificações: também aque-las que caracterizam os s~m-história, os sem-arquitetura.Talvez assim, entre outras coisas, um dia se pre-

h l hi ó i d

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 83/90

ciais. O jogar fora , o não conservar eqmvalena a

uma verdadeira operação de desenraizamento históri-co. O que seria o mundo sem os museus, e sem asbibliotecas - sem as pirâmides, Versalhes, o castelosforzesco, o castelo de Sant'Angelo? Não apenas in-suportável como possivelmente inviável: assim como ésomente a partir de um livro anterior que se escreveum novo livro, da visão de um quadro antigo que sefaz um novo quadro, da mesma forma a arquitetura pas-sada é o ponto de apoio para a nova arquitetura.

Por certo existe em relação à conservação e con-sumo turístico dos monumentos arquitetônicos uma sé-rie de profundos mal-entendidos e distorções que nãose consegue eliminar. Quando se visita uma pirâmide,por exemplo, costuma-se admirar o gênio de um povo,de uma época; fica-se extasiado diante da beleza ouda capacidade técnica. E esquece-se normalmente quena verdade uma pirâmide, ou o Partenon, ou o Coli-&eu, não nos dá exatamente a medida da genialidadede um povo, nem o retrato de uma época - pelomenos, não diretamente, como se pensa. São no má-ximo indí cios da prática de uma pequena classe social.Onde está a arquitetura dos sem-história? Onde estáa arquitetura dos sem-arquitetura? A arquitetura egí p-cia que se vê hoje não era a arquitetura do povo  egíp-cio, assim como a arquitetura grega que se estuda nãoé a arquitetura do povo grego da época. Da arquite-tura desse povo nada ficou - talvez até nem mere-cesse ficar, mas de qualquer forma uma pirâmide nãoé a história desse povo. É, sim, uma história, mas aocontrário: percorrendo-se uma pirâmide se pode sen-tir que espécie de vida levaram os 100. 000 homensconsumidos (na total acepção do termo) na sua edi-ficação. De fato, todos os monumentos arquitetônicosconsiderados normalmente como expressões mais altasdo humano podem ser, de f ato, isso mesmo - massão também resultados e manifestações, indí cios cla-

enchesse essa monstruosa lacuna na história da ar-

quitetura: a análise da arquitetura comum, do ho-mem comum. Na História, até recentemente um relatoe análise das idéias e f eitos de alguns indivíduos "no-táveis", já se traçam as linhas de definição dos gru-pos humanos que antes só apareciam, nos textos eru-ditos, como sombras difusas, pano de fundo para aação de alguns poucos indivíduos. Na História da Ar-quitetura só se vêem as "grandes obras", os "grandesnomes". E o r esto? Pode-se dizer: permanece apenasaquilo que é excepcional, o notável, o bom. Mas mes-

mo que seja realmente "o bom", ele nunca será ade-quadamente entendido se o outro, "o mau", não o forigualmente.

Sob este aspecto, a descartabilidade do espaço nãodeveria ser praticada. Hoje já se consome e põe de ladomuita coisa, e coisa importante para a memória dohomem: não há nenhuma necessidade de que também amemória arquitetural do homem se perca. Ao contrá-rio, a vida humana (do indivíduo e d o grupo) estábaseada na recuperação e intelecção do passado.

Há ainda uma outra grande ob jeção à perecibilida-de dos espaços: o próprio desenvolvimento tecilOlógicopermite atualmente mudar integralmente um espaço, nasua essência mesma, sem nada jogar fora, sem se ar-rasar estruturas, sem demolições e novas construções.Voltando ao exemplo da arquitetura teatral: atualmen-te não é mais necessário reformar, cortar, pôr abaixo -basta o uso de máquinas e técnicas sofisticadas. Em Li-moges, um novo teatro construído em 1963 tem ummecanismo que f az abaixar todo o teto (40 tonela-das) de modo a esconder duas galerias, reduzir de umterço a capacidade de público e com isso permitir for-mas específicas de representação, com um contato maisdireto entre cena e espectador do que quando o tetoestá levantado. Em Aalborg, um outro teatro tem pa-redes corrediças (pesando 70 toneladas) de modo a

 

aumentar ou diminuir a extensão de uma das salas:uma peça mais "intimista", e f echam-se as paredes; segrandes espaços são requeridos, são abertas - maso teatro permanece o mesmo em seu conjunto geral.Com uma utilização bem menor dos mecanismos, o tea-tro da Universidade de Miami (1950) possui uma salaque rapidamente se transforma em 5 tipos básicos depalco e de relação cena-espectador, criando-se des-de um skené segundo os moldes clássicos gregos até

HI.2. Arquitetura não-racional, ar quitetura irracional ,ar quit etura r adical

A LINHA RETA ÉlMPIA. Para Friedrich Hun-dertwasser, essa é uma certeza absoluta e inquestioná-vel. E ele é duro, veemente: os proponentes e defenso-res da linha reta, da arquitetura racional não diferemem nada de carrascos e torturadores: são os Torque-madas sutis da civilização industrial Hundertwasser

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 84/90

de um skené  segundo os moldes clássicos gregos até

um teatro de arena com a cena totalmente cercada pelosespectadores, passando por uma cena elisabetana e umpalco tradicional com o arco de proscênio. Esta pers-pectiva criada pela multiutilização de uma mesma es-trutura básica, anterior às manifestações dos atuais"antiarquitetos", vai na verdade muito além da pro-posta pelo espaço perecível; é, mesmo, mais revolucio-nária; e mais econômica, mais prática, mais útil so-cialmente.

Com ef eito, um suposto eixo Espaço Durável XEspaço Perecí vel pode ser reduzido aos casos de m~:nipulação do Espaço Interior nos termos em que Jase falou mais atrás: proposição de divisões móveis,maior possibilidade de arranjos, etc. O espaço perecí -vel não parece ser algo que a humanidade atualmentese pode permitir, ainda mais se se constata que osmodos de ocupação do território (inevitáveis, pelo me-nos em algumas regiões de elevada densidade demo-gráf ica como na Europa) exigem o edi~ício ,de vá~ios

andares, para os quais o espaço pereclvel e pratIca-mente impossível, quando mais não seja, sob o aspe~toeconômico. Mesmo porque a grande mudança espacialpara o indivíduo seria realmente a mudança de lugar,da qual a perecibilidade do espaço seria um ersat  z. Asimples modificabilidade do espaço interno também,sem dúvida; mas surge como mais conveniente à es-cala do homem atual.

A relação espaço durável/ espaço perecível valetalvez como exercício teórico: chama a atenção parauma série de contradições e mal-entendidos referentes aoespaço durável, praticamente não questionados. Massua transformação num eixo autônomo do discurso ar-qu;tetural equivaleria a pôr em prática mais uma des-sas falsas revoluções, tão freqüentes, fáceis e compro-metedoras na história da arquitetura.

madas sutis da civilização industrial. Hundertwasser

vai direto à fonte, e à fonte certa: a desgraça do ho-mem moderno, da arquitetura moderna começa comAdolf  Loos. Sim, Loos, o puritano Loos, o opositor doliberalismo formal da art nouveau , o inspirador de LeCorbusier e, por conseguinte, de Niemayer e de quasetudo aquilo que se pratica hoje em arquitetura. ParaHundertwasser, não há dúvida alguma: Loos deve-ria ter substituído o ornamento estéril (como era odo movimento secessionista, ao qual se opunha) nãopela linha reta mas pela vegetação viva. Mas Loos

apostou no igual, no plano e no liso - e a linhareta é justamente a única linha não-criativa. Hundert-wasser parece mesmo exagerar, mas sua análise é nadamais que precisa: a linha reta trabalha pela perdiçãoda humanidade. Ele n ão consegue prever como seráo fim do mundo, mas já consegue sentir um antegostodesse apocalipse:

Em cada habitáculo de New York há de dez a vinte psi-quiatras. As clí nicas estão lotadas de loucos que nelas não sepodem curar, porque também as clínicas foram construídas

conforme Loos.Análise exagerada? Nem um pouco. Antes, uma se-

vera crítica aos psiquiatras que, na ânsia de mergulharno mundo interno do paciente, esquecem-se de seu mun-do externo, que o condiciona, e desconhecem o que éarquitetura, o que é uma arquitetura humanamente po-sitiva ou negativa.

As doenças dos homens internados nos HLM 4 estéreisprosperam na mortal unif ormidade. Eles se f  azem feridas,

4 . Habit a tio n s  à l o ye r  modéré: grandes conjuntos residenciaisde aluguel médio, geralmente situados nas zonas afastadas dossubúrbios das grandes cidades européias. A palavra "Internados"é forte - mas corresponderla à realidade? Pelo menos sob umaspecto essas pessoas estão realmente isoladas: afastam-se, porf~rça. da grande cidade, onde geralmente trabalham mas da qualnao usufruem, em seu lazer, pois estão a quilômetros dela. Criam-seassim, junto a esse con juntos, centros artificiais para tentar sa-tisfazer essas pessoas - na maioria das vezes, Inutilmente.

 

úlceras, çâncer e mortes estranhas. A reconvalescença é im-possível nessas construções. Apesar da psíquiatria e da pre-vidência social. Nas cidades-dormitórios 5 registra-se um nú-mero cada vez maior de suicídios e um número inf inito de ten-tativas de suicídio. São as mulheres que não podem sair decasa durante o dia, como os homens. Podemos ficar falandodurante horas e horas sobre a miséria que começou com Loos.

daquele que promove as transformações não devem oC r  r tr n -formações. Mas, para isso existem os técnicos que oll rncalcular tudo tão bem. Não apenas o proprietário do opor la-mento MAS TAMBÉM O LOCATÁRIO DEVE TER A PSIBILIDADE DE MUDAR TODA A ARQUITETURA. O

estado anterior da casa não deve ser restabelecido a menos queo locatário seguinte não esteja de acordo com as transf orma-ções da habitação. Mas é quase certo que as mudanças arqui-tetônicas, que de todo modo tendem para o humano, serí :o ben-vindas ao próximo locatário.o nii1ismo dos internados exprime-se no declínio da von-

t d d t b lh d 1í i d d ti id d T h t

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 85/90

tade de trabalhar, no dec1ínio da produtividade. Tenho certeza

que os psiquiatras e a estatística me d1io razão. Pois tambéma aflição pode ser expressa em cifras em dinheiro. O prejuizoque a construção racional causa é incomparavelmente maiselevado que sua aparente economia. Essa é a prova de que osedifícios racionais tornam-se criminosos se os deixarmos em seuestado atual. Não sou tão contrário assim à produção em série.INFELIZMENTE AINDA PRECISAMOS DELA. Mas deixaras coisas fabricadas em série no estado em que as recebemosé demonstrar a própria captividade e aceitar ser escravo.

SE A LEI SOBRE A MODIFICAÇÃO INDIVIDUALDAS CONSTRUÇÕES não for retificada, a psicose de prisãodos internados {nesses prédios) irá aumentando até um finalhorrível. Para isso há diversas soluções:

Sua lucidez é perfeita, não há em seus propósitostraços de um romantismo desesperado ou de um revo-

lucionismo inf antil.

Recusamos utilizar essas jaulas de escravos.

Recusamos entrar nelas.

Se formos convidados à casa de amigos ou a ir à políciae essas casas forem uma .caixa estéril, corremos ao telefonemais próximo e rogamos a essas pessoas que venham para fora.

Ajudem-me a anular as leis criminosas que oprimem a li-berdade de construir criativamente. Os homens nem mesmo sa-bem que têm todo o direito de modelar suas roupas e suas ha-bitações, interna e externamente, conforme seus gostos. Umarquiteto único ou único mandante não pode carregar a respon-sabilidade por todo um bloco de casas, nem mesmo por umúnico prédio onde habitam várias famílias. Esta responsabili-dade deve ser reconhecida a cada habitant~, quer seja arquiteto'ou não.

2. A TRANSFORMAÇÃO ARQUITETÕNICA PELOVISITANTE

A seguir, um pouco de anarquismo, sem dúvida.

Mas não muito:TODAS AS LEIS DE SERVIÇOS URBANOS, QUE

PROIBEM OU IMPEDEM AS TRANSFORMAÇõES INDI-VIDUAIS DA CASA DEVEM SER ANULADAS. CONSTI-TUI MESMO UM DEVER DO ESTADO APOIAR E AJU-DAR FINANCEIRAMENTE CADA CIDADÃO QUE DESE-JA PROMOVER MUDANÇAS INDIVIDUAIS NO EXTERIOROU INTERIOR DE SEU APARTAMENTO.

Mas esse problema ideal é logo trazido à terra,para reconforto dos que pensam nas normas de segu-rança social.

O homem tem direito à própria pele arquitetural 6. Comuma única condiç1io: as vizinhanças e a estabilidade da casa

Demonstrei isso pessoalmente, pela primeira vez, num alo-  jamento para estudantes.

Entremos numa jaula de escravos apenas se pudermos mo-dificar sua arquitetura.

Quem é o responsável por esse estado de coisas?

OS ARQUITETOS COVARDES, MARIONETES NASMÃOS DE PROMOTORES DE VENDA INESCRUPULOSOS.

Em todo caso, aqueles que fogem, se revoltam ou se sui-cidam são privilegiados. Todos os que não têm esses meios deescapar perdem suas almas, sua humanidade, seus bens maispreciosos e, do mesmo modo, todas as outras coisas 7.

5. Justamente, esses HLMe seus centros pré-fabricados.6. McLuhan já nâo demonstrou que a casa é uma extensâo da

pele? Neste caso, este direito deve alinhar-se realmente entre osmais sagrad06 do homem.

Trata-se, aqui, de um dos manifestos mais lúcidose mais apaixonados da história da arquitetura. Outros

 já discorreram sobre os males da arquitetura contempo-rânea: Hundertwasser nos faz viver  essa situação; mui-tos já insinuaram reformas sensatas: Hundertwassernos grita as soluções óbvias, possíveis e imediatas. Sua

7. Extraído do catálogo da exposiçlí o de Hundertwasser noMuseu de Arte Moderna da Cidade de Paris, maio-julho de 1975.

 

declaração deveria ser entregue a todo estudante de ar-quitetura que entra na universidade. E no momento degraduar-se deveria lê-Io novamente, pois possivelmenteo ensinamento recebido nesse tempo teria apagado es-ses princípios de sua mente. E em todo momento de suaatividade profissional essa declaração deveria impor-se constantemente em seus projetos.

Idealismo? Romantismo? Coisa de artista? Nadadi H d t é d i lú id d

completamente camuf ladas pela terra e pelas árvores.Por toda parte, nos projetos de Hundertwasser, os te-tos, paredes e superfícies se transf ormam em f lorestas:para o artista, uma boa arquitetura é a que se vê omenos possível. Existe outro princípio mais revolucio-nário na história da arquitetura ocidental, onde desde aRenascença (passando pelo Barroco, art nouveau , etc.)o problema fundamental é o de ser vista (o problema dafachada) e não o de ser vivida (uma enorme contra-

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 86/90

disso: Hundertwasser é nada mais que lúcido, e nada

visionário. Não prega revoluções impossíveis (leia-se:economicamente impossíveis). Apenas mudar aqui e aliessas caixas estéreis a que chamam "apartamento" jáseria um começo, um bom começo. Em 1973, Hundert-wasser planta uma série de árvores grandes nas jane-las de um edifício de apartamentos na Via Manzoni, emMilão: loucura, impossível? Por quê? Que critérios nosoràC'nam a respeitar a fachada agressiva e morta, deconcreto ou de ignóbeis pastilhas anônimas? Só o me-do. O medo à criatividade. Um medo que o espírito

neo-renascentista nos incutiu (isso quando a Renas-cença f oi, ela, um movimento e um momento de inten-sa criação). Um medo que temos de nos libertar eque não atinge a Hundertwasser enquanto mostra quetambém na arquitetura a imaginação deve ter vôoabsolutamente livre. Se as condições econômicas penni-tem, Hundertwasser tem projetos mais completos, maisradicais: uma casa cujo teto está inteiramente cobertopor um gramado, de fácil acesso a homens e animaisque sobre ele andam livremente (construída na Aus-

trália). Ou a casa "fenda de olho": implantada numaelevação, é praticamente uma casa subterrânea, enci-mada por árvores - a natureza não é ferida. Ou a"casa-fosso": à semelhança de antigas habitações orien-tais construídas nas paredes de grandes fossos cavadosno chão, a casa-fosso é construída num enorme bura-co ajardinado. Não atraem? Ele tem outros projetos:a casa dos prados elevados, um edifício piramidal compatamares que se estreitam à medida que se apro-ximam do "cume" e que formam tetos (para os apar-

tamentos inferiores) cobertos com grama, árvores emesmo mato onde se pode até soltar animais. Masnão só as casas se modif icam: os postos de gasolinaficam ocultos em bosques, as próprias auto-estradas nãorasgam (no sentido pleno da palavra) mais os cam-pos, assolando-os com suas faixas estéreis, mas ficam

fachada) e não o de ser vivida (uma enorme contra

dição para a prática arquitetural, transformada em mo-numental exercício de pintura, de comunicação visualao ar livre)? Nem mesmo o Gótico escapa do rótulo"arquitetura de fachada", e nem os romanos, tampou-co os gregos. Por certo alguns poucos nomes, em al-guns poucos de seus projetos, praticaram algo do gê-nero proposto por Hundertwasser: mais uma vez, porexemplo, que se pense em Lloyd Wright, COmsuas casasque são traços horizontais quase a se confundirem como meio ambinete (mas não o Lloyd Wright do Gugge-

nheim Museum). Mas nenhum tem talvez a força cria-tiva e a audácia libertária de Hundertwasser, um artistaque passou para a arquitetura, mas que não esqueceusua própria origem ao encarar a arquitetura como sen-do essencialmente uma arte (não esquecendo, ao mes-mo tempo, que a arquitetura êm suas origens sempreesteve ligada à arte e que os primeiros arquitetos sem-pre foram, inicialmente e acima de tudo, artistas).

Diante da teoria e da prática de Hundertwasser,as demais "antiarquiteturas" que grassam por aí  não

passam realmente de brincadeiras inconseqüenteS' quefreqüentemente não provocam nem mesmo o riso eque são quase sempre inadmissíveis porque socialmen-te prejudiciais ou, no mínimo, inúteis. Que faz por exem-plo a chamada "arquitetura irracional", com seus edifí-cios de fachada que descola (Richmond, EUA) ou suasfachadas que desabam numa cascata imóvel de tijo-los (em Houston, EUA)? Nada mais são que proposi-ções kitsch que se inserem totalmente na chamada ar-quitetura de fachada, uma arquitetura para ser vista

unicamente e nada mais, uma falsa arquitetura, umgrande painel visual, uma arquitetura publicitária - ementirosa, gratuita. Chamar isso de antiarquitetura épor certo excesso de pretensão: não chega nem mes-mo a ser arquitetura! .... Como também nada são osmovimentos de "arquitetura radical" que proliferam na

 

Europa e EUA (sob nomes d~ ficção científica leva-dos a sério por seus adeptos, o que piora ainda mais asituação: Ufo, Libidarch, Archizoom, 9999, etc.) eque se propõem projetos de uma arquitetura cultural-mente impossível onde não interessaria mais o produtoacabado mas sim as relações com as pessoas. Que oproduto acabado deixe de ser o objetivo supremo do ar-quiteto, muito bem: mas qual a alternativa proposta?A que esses grupos propõem não tem sentido algum,ã d d i t b i d i d i

mente com o maXlmo de lucros possí vel - sem ne-nhuma consideração pelo ocupante da construção. Atéaí, tudo bem; e opondo-se a essa arquitetura técnicaquerem lembrar que a base da arquitetura é a arte.Ótimo. Mas em seu movimento de revolta (e não derevolução) vão longe demais e esquecem-se que arqui-tetura não é apenas arte e não pode seguir os cami-desta de modo absoluto. A arte pode eventualmentetornar-se apenas uma arte conceitual, isto é, uma arte

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 87/90

são verdadeiras e monstruosas brincadeiras de criança.Em Milão, recentemente, desenvolveu-se um desses pro-

  jetos da arquitetura radical: um grupo de pessoas pro-movem ações insólitas. Um se amarra fortemente a umacadeira, um outro enfia braços e pernas numa espécie decomprida meia furada, um terceiro cobre o rosto comuma máscara: ação de uma suposta vanguarda artísti-ca numa bienal de arte qualquer? Não, dizem eles, ar-quitetura radical em processo estudando o uso do cor-po. Em New York, na mostra "New Domestic Lands-cape" 8, um grupo de radicais italianos (eles gostamde intitular a si mesmos em inglês) montaram seu stand:

uma sala inteiramente vazia preenchida apenas pela gra-,'ação de uma voz de menina repetindo, numa cantile-na: "bonito, este ambiente, a gente se sente muitobem aqui, que bonita sala grande", etc. etc. Numa ou-tra mostra haverá, numa sala, apenas uma porta quemarcará o limite entre luz e sombra num ambiente·neutro.

que alguém imagina em sua mente, sem concretizá-Ia eãando-se por satisfeito com isso, numa atitude inteira-mente legítima que ninguém contestará. Mas a arquite-tura só existe enquanto construção efetiva, não comoconceito. As pessoas precisam de um lugar para ha-bitar, onde se proteger, onde se esconder se for o caso.Deixar de considerar esta finalidade última da arquite-

. tura (que em absoluto visa destruir uma cultura, masapenas ajl,ldá-Ia a corrigir-se, a encaminhar-se a seusfins mais elevados) é praticar um desrespeito em rela-

ção aos grupos sociais, à cidade, à sociedade, àqueleshomens, mais particularmente, que por suas condiçõeseducacionais e econômicas necessitam absolutamente doarquiteto. Assim como é um desrespeito à sociedadeparticipar do Projeto de Reforma do Moinho Stuckyde Veneza com propostas desse tipo de "vanguarda":em 1975, no quadro da Bienal de Veneza, pensou-seem abrir uma espécie de concurso para o reaproveita-mento da' enorme estrutura do. moinho Stucky, cons-trução feita à beira do canal da Giudecca em 1895

(projeto final) agora desocupada e inativa .e que amunicipalidade pensou 'em reaproveitar para entregaraos cidadãos como área de lazer e cultura. Chamam-se os arquitetos e os artistas - que se revelam umbando de marginais da arquitetura e da cult1Jra quenada mais fizeram do que desacreditar ainda mais tan-to a arte como a arquitetura modernas aos olhos do lei-go. Que lhes pediu um lugar humano. Quais foram suasrespostas? Deixar o lugar ser tomado pela vegetação(a participação desse "arquiteto" resumia-se na apre-

sentação de um desenho do enorme edifício tomadopelo mato). Uma estrutura vacilante em equilíbrio pre-cário colocada em cima da antena do moinho, e queficaria oscilando conforme o número de pessoas queestivessem em seu bojo (desenhos e fotomontagens).

_ Um terceiro sugere cortar toda a fachada do moinho

Arquitetura? Antiarquitetura? Não, andaram se

enganando de exposição. Ou inconseqüência. Outrosadeptos da "arquitetura radical" são mais "sérios":não expõem nada porque nada constroem, o que lhesinteressa é apenas estabelecer um pro  j~to - que ficacomo simples idéia, não concretizada. Tudo isso envol-to numa suposta capa teórica que se pretende revolu-nária: "O fim último da arquitetura é a eliminação daprópria arquitetura". Ou: "A vanguarda (a arquitetu-ra entre elas) tem por f unção a destruição técnica dacultura". Frases vazias e inconseqüentes, mostrando

enorme confusão de idéias: obviamente, os "radicais"querem opor-se à arquitetura tradicional, essa arquite-tura supostamente racional, manipulada por técnicos daconstrução peritos no método de construir mais rapida-

 

e deitá-Ia na água do canal, à "f rente do edif ício, en-quanto o lugar da antiga f achada seria ocupado poruma queda d'água: com isso haveria uma troca de pa-péis entre o meio ambiente e a construção. Um quartoargumenta que o papel do arquiteto (e de uma arqui-tetura íntegra) não é reformar edifícios que foram origi-nalmente propostos para uma certa f inalidade, que essaoperação é contrária aos propostos da arquitetura, eque portanto ele não faria nada, projeto algum. Ou-

atividade humana), denunciar abertamente as "van-guardas" da aparência, as "vanguardas fáceis", as "van-guardas" da incapacidade, do anti-social, da verdadeiraimbecilidade. As "vanguardas" que, estas sim, são olegítimo foco da reação, do conservadorismo, do status

q uo , compostas (tal como já se disse a respeito dosradicais italianos) nada mais que por burguesinhosdesesperados à cata de um álibi pessoal.

Estas e a "arquitetura irracional" dos edifícios

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 88/90

que po ta to e e ão a a ada, p ojeto a gu . Ou

tro propõe que se transportasse o moinho Stuckypara o lugar do palácio dos Doges e este para o lugardo moinho. Outro, considerando-se sem dúvida extre-mamente vanguardeiro, ocupa seu espaço na mostra comf otografias de Veneza às quais f oram superpostas ima-gens de grupos de chineses: seu trabalho se intitula"A invasão de Veneza pelos chineses", ou algo do gê-nero, e vêem-se chineses em poses heróicas junto à ca-tedral de São Marcos, colhendo arroz nos canais, so-bre as pontes, arand o o campo diante da estação, etc.

É preciso recordar: tratava-se de uma exposição depro jetos para o reaproveitamente do moinho Stucky,com finalidades sociais.

Que dizer não dessa antiarquitetura (como al-guns pomposamente rotulam sua prática) mas sim des-sa miséria da arquitetura? Nem rir deles não é possí -vel: esses "arquitetos" e "artistas" assumiram uma po-sição nitidamente anti-social, tornaram-se marginais daarquitetura e da sociedade e só podem mereCer real-mente o desprezo desse corpo social. Como realmenteos repudiaram a esmagadora maioria do público, da im-prensa especializada italiana e, especialmente, de ma-neira aberta, clara e f  undamentada, os funcionários

da própria bienal que lamentaram a covardia da or-ganização da mostra ao deixarem de recusar as brinca-deiras onanistas propostas. Pelo menos esses funcioná-rios, que imprimiram sua revolta em cartazes espalhadospor toda a cidade de Veneza, tiveram a coragem de ma-nifestar-se pública e vigorosamente contra a empulha-ção das vanguardas, até aqui aceitas incondicionalmen-te (pelo menos na aparência) por medo de se assumircontra elas uma posição que muito f acilmente seriataxada de reacionária ou, pelo menos, de conservado-ra. No entanto, já está mais do que chegada realmentea hora de, sustentando vigorosamente as vanguardaslegí timas (como mola essencial do desenvolvimento da

Estas, e a arquitetura irracional dos edifícios-

-catástrofes ou a "arquitetura radical", não são antiarqui-tetura: não são coisa alguma. São, se se preferir, pro-dutos de comunicação (ou incomunicação) visual depessoas que se enganaram de profissão. E de formaalguma constituem uma vanguarda do pensamento daarquitetura, que só pode ser definida através das pro-postas de um Hundertwasser e daquelas outras que po-dem ser encaixadas dentro daquilo que Zevi chamou de"azeramento" arquitetural: um retorno às funções pri-mitivas da arquitetura em sua condição de integração

perf eita entre o construído e o natural, entre o homeme o meio ambiente da natureza, entre a cidade e oterritório (a ur batetura), e que não receia, para f ormu-lar suas propostas, buscar inspiração nas aldeias primi-tivas dos Malis da África Ocidental, ou nas aldeias neo-Iíticas da Rodésia, ou nas cidades medievais (todosestes exemplos de arquitetura orgânica, em íntimo con-tato com a natureza e com as necessidades básicas na-turais do homem) ou ainda mesmo nos próprios ele-mentos da natureza puramente considerada, como as

dunas a partir de cujos modelos Mendelsohn trabalhou.Esta pode ser chamada, se quiserem, antiarqui-

tetura. Mas para que esta denominação não se perca,ela também, entre as fórmulas mágicas e mistificadorasdas vanguardas vazias é necessário ressaltar que porantiarquitetura nada mais se deve entender que umareação à arquitetura contemporânea naquilo que elatem de proposta visual (ao invés de uma proposta doconst r uir  efetivo), de uniformidade massif icante, de mo-notonia batizada de racionalismo (a linha reta), derepetição, de asfixia do comportamento humano, de lutacontra a natureza, de submissão dos interesses huma-nos aos interesses da economia, do lucro. Por anti-arquitetura se deve entender nada mais (e já é mui-to) que um trabalho de ressemanti zação das funções eelementos da arquitetura: estes foram perdidos, ficaram

 

esquecidos no meio da transfmmação produzida pelochamado progresso industrial e trata-se assim não pro-priamente de dar-lhes novos significados mas, simples-mente, de devolver-lhes, de repor-lhes os significadosoriginais: abrigo, proteção, conforto, construção para odesenvolvimento das potencialidades humanas em har-monia necessária com o meio ambiente (agora sufoca-do pelo homem, que com isso sufoca a si mesmo),integração com o mundo.

O i i di tid ( d

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 89/90

Os eixos aqui discutidos (com seus pares de opos-tos a chamar a atenção para o elemento atualmentenão praticado) apresentam-se justamente como os ele-mentos organizadores' dessa nova linguagem, dessa lin-guagem ressemantizada (dessa antiarquitetura se qui-serem) que nada mais propõe além do abandono dosbalbucios e grunhidos não-significativos emitidos por"arquitetos" comerciais e "antiarquitetos", substituídosque podem ser assim, esses sons horríveis, por um dis-curso ao mesmo tempo lógico e poético (e nada maisadequado à arquitetura do que o conceito de poesia,pois poesia e construção, recorde-se, eram designadaspor um único e mesmo termo na antiguidade grega, fococentral da arquitetura ocidental) ou, mais simplesmen-te, um discurso humano. Exigir essa linguagem conscien-te e livremente criativa é exigir o respeito ao direito àarquitetura, idêntico ao direito à própria pele.

ADORNO, T. W. T héorie esthé tique. Paris, Klincksieck, 1974.ALTHUSSER, L. "Idéologies et appareils idéologiques d'éta t" in

  La Pensé e. Paris, junho de 1970.ARISTÓTELES. Poé t ique. Paris, Les Bel1es Lettres, 1969.BACHELARD, Gaston. La poétique de l'es pace. Paris, PUF, 1974.-----. La f or mat ion de l' espr it  scient i fique. Paris, J.

Vrin Ed., 1975.BANHAM, Reyner. Teor ia e pr o jet o na primeir a er a d a máquina.

São Paulo, Perspectiva, 1976.BEAUDRILLARD, J. O sist ema d os objet os. São Paulo, Perspectiva,

1973.BERENSON, Benhard. T he lt alian Paint ers of Renaissance. Glas-COW, Fontana-Col1ins, 1975.

BLUNT, Anthony. Thé orie des ar  ts en I t alie d e 1450 à  1600.Paris, Gal1imardl Arts, 1966.

BOUDON, Philippe. Sur  l'es pace ar chit ecturale. Paris, P. Du-nod, 1971.

BOULEZ, P. Relé vés d ' a ppr ent i. Paris, Seuil, 1966.

 

COELHO NEtTO, J. T. I ntr odução à ~eoria da in f ormação est  ~-tica. Petr6polis, Vozes, 1974.

CORBUSIER,Le. Quand les cathMrales It aient  blanches. Paris,Médiations, 1971.

DUFRENNE, Mikel. Art et  politique. Paris, 10/18, 1974.------. PMnoménologie de l' exp~rience esthltique.

Paris, PUF, 1967.Eco, Umberto. A estruturu ausente. São Paulo, Perspectiva,

1971.-----. As formas do conteúdo. São Paulo, Perspectiva,

5/14/2018 A construção do sentido na arquitetura- j. teixeira coelho netto - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-construcao-do-sentido-na-arquitetura-j-teixeira-coelho-netto 90/90

ln5.FOCILLON, H. La vie des formes. Paris, 1943.F1lEUD, S. Totem et tabou. Paris, Payot, 1975.-----. Essais de psychanalyse applíqu~e. Paris, Galli·

mard/ldées.-----. Introduction à Ia psychanalyse. Paris, Payol.FERllAN, A. Phílosophie de Ia composition architecturale. Pa-

ris, 1955.GOLDMANN,L. Structures mentales et création culturalle. Paris,

10/18, 1974.HADJINICOLAOU,Nicos. Histoire de l' art et lutte des classes.

Paris, Maspero, 1975.HALL, E. T. La dimension cach~e. Paris, Seuil, 1971.

HJELMSLEV, Louis. Prol~gom~nes à uneth~orie du langage.Paris, Minuit, 1971. (Edição brasileira em 1975 pela Pers-pectiva, São Paulo).

Hocn, G. R. Maneirismo: o mundo como labirinto. São Pau-lo, Perspectiva, 1974.

KOFMAN, Sarah. L'enfance de l'art . Paris, Payot, 1975.LEFEBVRE,Henri. La production de ·l' espace. Paris, Anthropos,

1974.LYOTARn,J. F. Dérive à partir de Marx et Freud . Paris, 10/18,

1973.MARNAT, MareeI. Michelange. Paris, Gallimard / ldées. 1974.MICHELIS, P. A. L'esthétique d e l' architecture. Paris, Klinck-

sieck, 1974.NICOLL, Alardyce. Lo spazio cenico. Roma, Bulzoni, 1971.PEIRCE, Ch. S. Collected Papers of Ch. S. Peirce. The Belknap

Press of Harvard Univ. Press, 1962.SARTRE, J. P. L' imaginair e, Paris, Gallimard / ldées, 1971.SCALVINI, M. L. L'architectur a come semiotíca connotativa.

Milão, Bompiani, 1975.VITRUVIO.  Les dix livres d'architecture. Paris, 1965.WRIGHT, Frank Lloyd. A Testament. New York, Horizon Press,

1957.WORRINGER,W. L'art gotique. Paris, Gallimard-Idées/ Arts, 1967.ZAHAR,M. Auguste Perret . Paris, 1959.ZEVI, Bruno. 11 línguaggio moderno dell'architectura. Torino,

Einaudi, 1973.--' ---. Architectura e storiografia. Torino, Einaudi,

QUADRO DA ARQUITETURA NO BRASIL - N estor G. Reis Filho

(DOIS)

BAUHAUS: NOVARQUITETURA - Walter Gropius (D047)

MORADA PAULISTA - Luís Saia (D063)

A ARTE NA ERA DA MÁQUINA - Maxwell Fry (D071)

COZINHAS, ETC . - C arlos A. C. Lemos (D094)

VILA RICA - Sylvio de Vaseoneellos (DIOO)

TERRITÓRIO DA ARQUITETURA - Vitlorio Gregotli (D 111)

TEORIA E PROJETO NA PRIMEI&A ERA DA MÁQUINA - ReynerBanham (DI 13)

A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO NA ARQUITETURA- J. Teixeira C.

Nelto (D144)

ARQUITETURA ITALIANA EM SÃO PAULO - A. Salmoni e E. De-

benedclti (D 173)

A CIDADE É O ARQUITETO - Leonardo Benevolo (0190)

POR UMA ARQUITETURA - Le Corbllsier (E027)

ESPAÇO DA ARQUITETURA - Evaldo Coutinho (E059)

A REGRA E O MODELO - Françoisc Choay (EOS8)

ARQUITETURA P_S-INDUSTRIAL - RaffacIe Raja (EI 18)

ARQUITETURA PÓS-INDUSTRIAL - Raffaele Raja (EIIS)CIDADES DO AMANHÃ - Peler Hall (E123)

HISTÓRIA DA ARQUITETURA MODERNA - Leonardo Benevolo

(LSC)

ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA NO BRASIL - Yves Brlland

(LSC)

HISTÓRIA DA CIDADE - Leonardo Benevolo (LSC)