disciplinas e integração curricular:história e políticas (resenha)

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  • 8/7/2019 Disciplinas e Integrao curricular:histria e polticas (resenha)

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    Educao & SociedadePrint version ISSN 0101-7330

    Educ. Soc. vol.23 no.81 Campinas Dec. 2002

    doi: 10.1590/S0101-73302002008100015

    DISCIPLINAS E INTEGRAO CURRICULAR: HISTRIA E POLTICAS*

    Maria Ins Marcondes**

    A coletnea de textos organizada pelas professoras Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo reneartigos elaborados por autores brasileiros da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).Inclui tambm a contribuio latino-americana representada pela Argentina, Universidade de BuenosAires, e europia, representada pelas contribuies portuguesa da Universidade do Minho e francesa doCentro de Pesquisas Histricas (CNRS) e da Escola Superior de Altos Estudos em Cincias Sociais(Paris).

    As organizadoras so reconhecidas pesquisadoras do campo do currculo e professoras em cursos deGraduao e Ps-Graduao na UFRJ e na UERJ, respectivamente. So tambm membros do Grupo deTrabalho de Currculo da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANDEP).

    Trata-se de uma coletnea composta por 8 artigos que tm em comum o foco no "conhecimentoescolar" e sua organizao nas polticas educacionais e no cotidiano das salas de aula. A inteno da

    obra problematizar a relao entre integrao curricular e disciplinas escolares com base na histriae na poltica.

    Os autores dos textos discutem o conhecimento escolar organizado em disciplinas (vistas ainda comoindispensveis instrumentos de sistematizao de saberes e habilidades), mas no se restringindomais aos limites disciplinares. Analisam o discurso da integrao curricular que est sendo proposto e

    justificado por mudanas dos processos de trabalho e de organizao do conhecimento no mundoglobalizado. Destacam que a possvel identificao nas propostas curriculares de expresses comunsquelas utilizadas em outros momentos histricos do passado no garantia de que os mesmossentidos e significados se reproduzam, nem que estejam sendo perseguidas as mesmas finalidadeseducacionais.

    A partir disso, faz-se urgente a interpretao dos discursos das atuais propostas curriculares oficiais,levando em conta a especificidade de cada um deles, assim como sua contextualizao poltica,econmica, social e cultural. Fazer essa interpretao uma das tarefas a que os autores dos artigosse propem.

    Trabalhar com a Histria do Currculo reconstruir a histria a partir de mltiplas verses, analisardocumentos, estabelecendo relaes e correlaes no sentido de reconstruir uma rede de significados.Ao fazer essa reconstruo os autores enfrentam a tenso entre aspectos macro-sociais e asdimenses micro-referentes instituies e as salas de aula onde o currculo se materializa. Sereduzirmos a anlise a um desses aspectos, corremos o risco de minimizar a complexidade do fazercurricular, defendem os autores. Reler cada um dos documentos para reconstruir o cotidiano curricularno tarefa fcil, pois ele se apresenta complexo, difuso, difcil de captar e desvelar o que est

    encoberto.

    A Histria do Currculo possibilita acompanhar a natureza das mudanas curriculares, compreendendoa gnese e o desenvolvimento de determinadas categorias que hoje esto presentes, muitas das

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    vezes, com outros significados. Analisar polticas curriculares, tendo como pano de fundo a histria docurrculo, um dos objetivos desempenhados com sucesso pela coletnea apresentada.

    Com base em nossa leitura e na introduo da obra feita pelas suas organizadoras, Lopes & Macedo,fazemos um breve resumo dos textos apresentados:

    O artigo de Luciano Mendes de Faria Filho, "Escolarizao, culturas e prticas escolares no Brasil:elementos terico-metodolgicos", defende novas perspectivas para a pesquisa sobre a escola em

    Histria da Educao. O fenmeno da escolarizao estudado pelo autor: de uma sociedade semescolas no incio do sculo XIX ao incio do XXI com a quase totalidade de nossas crianas na escola.Tempos, espaos, sujeitos, conhecimentos e prticas escolares so focalizados como elementos-chavedessa anlise. Ao analisar a cultura escolar o autor mostra o surgimento no currculo brasileiro daseriao e da organizao disciplinar e quais as suas conseqncias para a escolarizao e, dessa, paraa cultura social mais ampla. De acordo com o autor, "A escola vai-se constituindo, assim, no apenasno locus privilegiado da cultura e da formao humana, mas tambm como um grande mercado detrabalho e de consumo de inmeros produtos da cada vez mais complexa e poderosa indstriaeditorial, entre outras" (p. 35).

    O artigo de Dominique Juli, "Disciplinas escolares: objetivos, ensino e apropriao", por sua vez,discute a pesquisa em histria das disciplinas escolares, argumentando que esse campo de estudosdeve levar em conta os objetivos associados no apenas s referidas disciplinas, mas tambm sprticas reais de ensino e apropriao dos contedos por parte dos alunos. O autor apresenta ediscute os cuidados metodolgicos que os historiadores do currculo devem ter ao substituir as anlisesmacroscpicas pelo estudo dos funcionamentos internos especficos de cada escola. Essas duasinstncias vm se complementar, oferecendo ao pesquisador um quadro de anlise mais completo eabrangente. O autor conclui dizendo que

    resulta essencial relembrar que toda a histria das disciplinas escolares deve, em um mesmomovimento, considerar as finalidades bvias ou implcitas buscadas, os contedos de ensino e aapropriao realizada pelos alunos, tal como pode ser medida por meio de trabalhos e exerccios. Huma interao constante entre esses trs plos que concorrem na constituio de uma disciplina eestaramos incorrendo diretamente em graves erros se quisssemos ignorar ou negligenciar qualquerum deles. (P. 51)

    Em seu artigo Dominique Juli abarca esses trs plos.

    As organizadoras da obra, Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo, so tambm autoras do artigo "Aestabilidade do currculo disciplinar: o caso das cincias". Nele, levantam a hiptese de que, mesmoem currculos transversais (em que a matriz do conhecimento no disciplinar), a fora dos processosde administrao curricular acabaria acarretando a organizao de disciplinas com finalidade decontrole do trabalho docente e/ou para controle das atividades dos alunos. As autoras analisam o casoda disciplina cincias, em virtude de se tratar do exemplo de uma dessas tentativas de produzir umaintegrao pela via disciplinar. No artigo recorrem aos trabalhos de Ivor Goodson e Boaventura deSouza Santos, para argumentar que a disciplina escolar diferente da disciplina cientfica.

    Silvina Givirtz et al., no artigo intitulado "A politizao do currculo de cincias nas escolas argentinas(1870-1950)", argumentam que os contedos de ensino em cincias foram selecionados e organizadosem disciplinas de modo a buscar resolver conflitos ideolgicos. No sentido de sustentar suaargumentao, apresentam dois estudos sobre as formas como determinados assuntos sointroduzidos e posicionados no currculo, buscando identificar os componentes ideolgicos dessaseleo e organizao. As autoras tratam especificamente dos campos da astronomia e da cosmografiae das teorias da evoluo. Concluem os autores que "existem relaes complexas entre as cinciasnaturais, a instituio escolar e a poltica" (p. 9).

    O artigo de Elizabeth Macedo, "Currculo e competncia", analisa como a utilizao da noo decompetncias vem respondendo, na teorizao curricular, a novas formas de organizao do saber e

    do trabalho na sociedade comtempornea. A partir da anlise dos documentos curriculares para aeducao bsica a autora identifica trs inspiraes principais: a tradio francesa de competncia, ocomportamentalismo americano das teorias de competncia e as abordagens de conhecimento emercado, que vm dando destaque a saberes no-disciplinares. Compreendendo as polticas daelaborao curricular "como hbridos de muitas tradies em conflito", a autora defende a "necessidadede se buscar entender como se configuram os mecanismos de poder e quais as finalidades sociais de

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    transio do currculo disciplinar para um currculo orientado por competncias" (p. 9). A autora concluio seu artigo defendendo que a centralidade na noo de competncia, ainda que se utilizando variadoselementos dos discursos educacionais construdos ao longo do ltimo sculo e se apropriando dereivindicaes do prprio campo, est alicerada nas demandas postas escola por um novo perfil domercado produtivo (p. 141). O tema instigante e a anlise da autora de extrema atualidade.

    No artigo de Alice Casimiro Lopes, "Parmetros curriculares para o ensino mdio: quando a integraoperde o seu potencial crtico", o foco volta-se para as atuais polticas curriculares para o ensino mdio.A autora defende que o potencial crtico do discurso sobre currculo integrado encontra-serecontextualizado nos Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Mdio (PCNEM) a partir deprocessos de deslocalizao de suas matrizes tericas originais e de relocalizao por hibridizao,especialmente, com os discursos derivados das matrizes dos eficientistas sociais (o currculo porcompetncias), associados a princpios integradores completamente distanciados de uma perspectivacrtica (p. 148).

    No artigo de Jos Augusto Pacheco, "rea de projecto: uma componente curricular no-disciplinar", analisada a recente reforma curricular portuguesa do ensino secundrio, no que se refere s formas deorganizao curricular. O autor trata especificamente da rea do projeto, que privilegia a interaoentre escola e realidade e prope a inverso da lgica curricular da transmisso para oquestionamento. Esse artigo tem especial importncia para ns, no Brasil, dado que os projetos tmsido propostos nas mais recentes reformas curriculares.

    Finalizando a coletnea, o interessante artigo de Alfredo Veiga-Neto, "Espao e currculo", focalizaalgumas questes relativas contribuio do currculo para a constituio do sujeito moderno. Naanlise do autor, " tambm pelo currculo que aprendemos a conferir sentidos e fazer uso do espaoe, de maneira obrigatoriamente imbricado, do tempo" (p. 11). Segue o autor defendendo a idia deque "a integrao e a transversalidade devem ser entendidas como invenes curriculares querepresentam novas configuraes" (p. 11). O tema abordado com originalidade.

    Os estudos histricos sobre currculo transformam nosso foco de ateno colocando novosquestionamentos e nos instigando a continuar a pesquisa, colaborando no desenvolvimento de outrosestudos, na anlise de propostas curriculares e na constante e necessria reflexo sobre as prticasescolares em diferentes nveis e contextos.

    Entre os mritos da obra destacamos, em primeiro lugar, a utilizao de uma linguagem clara,portanto de fcil compreenso, mesmo para os no iniciados no campo do estudo e da pesquisa sobrecurrculo. Em segundo lugar, o desenvolvimento de uma anlise profunda utilizando autoresconsagrados no campo da histria e da poltica. Dentre eles, destacamos a referncia ao autor clssicona histria do currculo, Ivor Goodson, que tem tentado, com sucesso, construir um arcabouo tericopara o estudo da histria das disciplinas. Seu trabalho desvela o processo pelo qual determinadasreas do conhecimento so transformadas em disciplinas escolares. Finalmente, destacamos aimportante e necessria reflexo sobre temas da atualidade no contexto atual de reformas. Nosso pasvive hoje em processo de implantao de vrias reformas curriculares e elas tm sido apresentadascomo elementos fundamentais para o alcance da melhoria da qualidade da educao dada pelossistemas de ensino. De um modo geral elas tm sido concebidas tendo como base a viso deespecialistas e de consultores internacionais, deixando em segundo plano a experincia dos seus reaisimplementadores os professores dos diferentes nveis de ensino. As dificuldades de implantao e atmesmo de entendimento dessas novas propostas nos fazem analisar com maior cuidado o papel e aimportncia do currculo, seu discurso e sua prtica em nossa realidade. Ao buscar subsdios tericospara a anlise desse quadro encontramos na coletnea de Lopes & Macedo temticas como"parmetros", "competncias" e "projetos" analisadas nos artigos com base em autores de currculovinculados aos paradigmas crticos e ps-crticos.

    Pelas razes acima descritas, recomendo enfaticamente o livro por possibilitar um entendimento maisprofundo dessas reformas, suas conseqncias na prtica diria de nossas escolas e na busca dealternativas na superao dos impasses apresentados. O livro traz importantes subsdios para essatarefa.

    Por se tratar de obra de contedo crtico, apresenta-se como leitura indispensvel para pesquisadoresda rea, professores da disciplina Currculo, estudantes de Ps-Graduao e de Graduao. Lembrandoque a histria do currculo parte da histria da educao, recomendamos tambm o livro para

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    professores e pesquisadores do campo. Sua leitura ser certamente enriquecedora para sua reflexese anlises.

    * Resenha do livro Disciplinas e integrao curricular: histria e polticas, organizado por Alice Casimiro

    Lopes e Elizabeth Macedo (Rio de Janeiro: DP&A, 2002).** Professora do Departamento de Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro(PUC-RIO).

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