diretrizes sager: equidade de sexo e gÊnero na …...internacional da mulher, a editora elsevier...

13
1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA PESQUISA, REDAÇÃO E PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA Leila Posenato Garcia 1 Resumo: Diferenças de sexo e gênero são muitas vezes negligenciadas no desenho das pesquisas científicas, na implementação dos estudos e na redação de artigos científicos, bem como na comunicação científica em geral. A Associação Europeia de Editores Científicos convocou um grupo de especialistas para desenvolverem a fundamentação lógica para um conjunto internacional de diretrizes para encorajar uma abordagem mais sistemática para o relato de sexo e gênero na pesquisa em diversas áreas do conhecimento. Este trabalho culminou na produção das diretrizes sobre Equidade de Sexo e Gênero em Pesquisa (SAGER), que incluem um conjunto de recomendações para o relato de informações sobre sexo e gênero no desenho do estudo, na análise de dados, nos resultados e na interpretação dos achados de pesquisas científicas. As diretrizes SAGER destinam-se principalmente a orientar os pesquisadores e autores no delineamento dos estudos e na preparação de seus manuscritos, mas também são úteis para os editores e editoras de periódicos, para integrarem a avaliação de sexo e gênero em todos os manuscritos como parte integrante do processo editorial. Esta comunicação tem como objetivo apresentar as diretrizes SAGER, publicadas em 2016, bem como exemplos de sua aplicação, visando a sensibilizar acadêmicos, pesquisadores, editores de periódicos, revisores de periódicos e sociedades científicas a adotarem uma abordagem mais sistemática que incentive o relato de sexo e gênero na pesquisa. Palavras-chave: Sexo; Gênero; Diretrizes SAGER; Pesquisa científica; Publicação científica Introdução Embora nao existam dúvidas a respeito da centralidade da consideração do sexo e do gênero na ampla maioria pesquisas científicas, ainda se observam importantes lacunas e baixa conscientização de grande parte do meio acadêmico e científico sobre esta consideração em distintas etapas das investigações, desde o planejamento até a publicação dos resultados. Em muitas áreas, a hegenomia ou supremacia do masculino é uma realidade no meio científico, o que, em grande medida, implica na reprodução das desigualdades de sexo e gênero na investigação, com participação de pesquisadores de ambos os sexos e gêneros diversos. 1 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília, Brasil.

Upload: others

Post on 22-Sep-2020

23 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

1

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA PESQUISA,

REDAÇÃO E PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA

Leila Posenato Garcia1

Resumo: Diferenças de sexo e gênero são muitas vezes negligenciadas no desenho das pesquisas

científicas, na implementação dos estudos e na redação de artigos científicos, bem como na

comunicação científica em geral. A Associação Europeia de Editores Científicos convocou um

grupo de especialistas para desenvolverem a fundamentação lógica para um conjunto internacional

de diretrizes para encorajar uma abordagem mais sistemática para o relato de sexo e gênero na

pesquisa em diversas áreas do conhecimento. Este trabalho culminou na produção das diretrizes

sobre Equidade de Sexo e Gênero em Pesquisa (SAGER), que incluem um conjunto de

recomendações para o relato de informações sobre sexo e gênero no desenho do estudo, na análise

de dados, nos resultados e na interpretação dos achados de pesquisas científicas. As diretrizes

SAGER destinam-se principalmente a orientar os pesquisadores e autores no delineamento dos

estudos e na preparação de seus manuscritos, mas também são úteis para os editores e editoras de

periódicos, para integrarem a avaliação de sexo e gênero em todos os manuscritos como parte

integrante do processo editorial. Esta comunicação tem como objetivo apresentar as diretrizes

SAGER, publicadas em 2016, bem como exemplos de sua aplicação, visando a sensibilizar

acadêmicos, pesquisadores, editores de periódicos, revisores de periódicos e sociedades científicas a

adotarem uma abordagem mais sistemática que incentive o relato de sexo e gênero na pesquisa.

Palavras-chave: Sexo; Gênero; Diretrizes SAGER; Pesquisa científica; Publicação científica

Introdução

Embora nao existam dúvidas a respeito da centralidade da consideração do sexo e do gênero

na ampla maioria pesquisas científicas, ainda se observam importantes lacunas e baixa

conscientização de grande parte do meio acadêmico e científico sobre esta consideração em

distintas etapas das investigações, desde o planejamento até a publicação dos resultados. Em muitas

áreas, a hegenomia ou supremacia do masculino é uma realidade no meio científico, o que, em

grande medida, implica na reprodução das desigualdades de sexo e gênero na investigação, com

participação de pesquisadores de ambos os sexos e gêneros diversos.

1 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília, Brasil.

Page 2: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

2

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

No próprio meio de pesquisa, as desigualdades são marcantes. Em 2017, para celebrar o Dia

Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017)

lançou um relatório sobre as desigualdades de sexo na pesquisa e na publicação científica, com base

em mais de 62 milhões de documentos da base bibliográfica Scopus, cobrindo um período de 20

anos, 12 países e 27 áreas temáticas. O documento fornece informações úteis para subsidiar

políticas de promoção da igualdade de gênero para governos, financiadores e instituições em todo o

mundo. Entre os principais resultados destaca-se que, embora a proporção de mulheres entre

pesquisadores tenha aumentado ao longo do tempo, em todos os países e regiões de comparação,

elas continuam sendo a minoria na maioria dos países. Brasil e Portugal se destacaram como os

países mais próximos da igualdade. Nestes países, no período de 2011 a 2015, as mulheres

corresponderam a 49% dos autores da produção científica publicada e indexada na base Scopus.

Além disso, foram evidenciadas diferenças entre as áreas de pesquisa. Entre os pesquisadores, as

mulheres tendem a se especializar nas áreas biomédicas os homens nas ciências físicas. Nas

engenharias, os homens tendem a aparecer como primeiro autor ou autor correspondente em uma

proporção maior de sua produção acadêmica do que as mulheres. Na enfermagem, o oposto é

verdadeiro para a maioria dos comparadores.

Não obstante os avanços alcançados, desigualdades importante permanecem. Entre os

pesquisadores, em comparação com os homens, as mulheres tendem a ter uma produção acadêmica

inferior, em média, mas a produção científica de ambos tem impacto semelhante, em termos de

quantidade de citações e downloads de arquivos. A proporção de patentes com pelo menos uma

mulher nomeado como inventora tende a ser superior a proporção de mulheres entre inventores,

apontando a produtividade feminina. Quanto à distribuição de sexos na liderança, colaboração,

interdisciplinaridade, e mobilidade em pesquisa, as mulheres são menos propensas do que os

homens a colaborar internacionalmente em trabalhos de pesquisa. As mulheres são um pouco

menos propensas do que os homens a colaborar em trabalhos de pesquisa com coparticipação dos

setores corporativo e acadêmico. Em geral, pesquisas altamente interdisciplinares representam uma

proporção um pouco maior da produção acadêmica das mulheres do que os homens. Entre os

pesquisadores, as mulheres geralmente apresentam menos mobilidade internacional do que os

homens.

As diferenças de sexo e gênero na pesquisa não se restringem à composição do meio

acadêmico e à distribuição da produção científica, e têm reflexos importantes. É frequente a

desconsideração do sexo feminino e, de maneira geral, dos gêneros não-masculinos, na pesquisa

Page 3: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

3

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

científica. Este viés, ou hiato de gênero, com subrepresentação do feminino, pode trazer

consequências adversas. Por exemplo, indivíduos de um determinado sexo podem ter risco maior de

efeitos adversos de um medicamento, quando os ensaios clínicos não incorporam amostras

suficientes de sujeitos de cada um dos sexos para a realização de análises estratificadas. Outro

exemplo clássico é maior risco de lesões em chicote cervical entre mulheres ocupantes de carros em

comparação com homens, pois estudos deenvolvidos sobre equipamentos de proteção em veículos

desconsideram diferenças na fisiologia e na anatomia de homens e mulheres.

Elaboração das diretrizes SAGER

Considerando que estas questões são muitas vezes negligenciadas no desenho das pesquisas

científicas, na implementação dos estudos e na redação de artigos científicos, bem como na

comunicação científica em geral, a Associação Europeia de Editores Científicos convocou um

grupo de especialistas para desenvolverem a fundamentação lógica para um conjunto internacional

de diretrizes para encorajar uma abordagem mais sistemática para o relato de sexo e gênero na

pesquisa em diversas áreas do conhecimento. Em 2012, foi criado o Comitê de Política de Gênero,

composto por treze especialistas (oito mulheres e cinco homens), de nove países. Em sua maioria,

os membros do Comitê eram editores sênior de diversas revistas biomédicas. O Comitê foi

encarregado de desenvolver um conjunto de orientações para o relato de Equidade de Sexo e

Gênero na Pesquisa (SAGER) (HEIDARI et al, 2016).

A primeira etapa do trabalho do Comitê consistiu de uma pesquisa por internet com editores

de revistas, cientistas e outros membros da comunidade editorial internacional. A pesquisa que foi

conduzida inicialmente coletou informações acerca de políticas sobre sexo e gênero existentes, e

evidenciou a necessidade do desenvolvimento de tais políticas. Por meio de reuniões presenciais

durante as Conferências da Associação Europeia de Editores Científicos, e uma série de

teleconferências, o Comitê trabalhou por três anos. A versão preliminar das diretrizes foi submetida

a apreciação por um conjunto de especialistas, que opinou sobre seu conteúdo. Por fim, as diretrizes

SAGER foram publicadas em maio de 2016, na revista Research Integrity and Peer Review, um

periódico de acesso aberto que faz parte da família BioMed Central (HEIDARI et al, 2016).

O que são as diretrizes SAGER e a quem se destinam?

As diretrizes SAGER constituem uma ferramenta para padronizar o relato sistemático de

sexo e gênero em publicações científicas, sempre que apropriado. As Diretrizes SAGER podem ser

Page 4: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

4

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

usadas como um instrumento prático na avaliação de artigos científicos e outros produtos de

pesquisa, sendo de particular interesse a pesquisadores, autores de artigos científicos, editores e

revisores de periódicos. Também podem ser usadas como um veículo para o aumento da

conscientização sobre questões de sexo e gênero no meio científico, de modo geral, incluindo não

somente aqueles envolvidos na publicação científica, mas também a outros investigadores,

instituições de pesquisa e finaciadores.

Como princípio geral, as diretrizes SAGER recomendam o uso cuidadoso das palavras sexo

e gênero, a fim de se evitar confusão entre esses termos. São adotadas as seguintes definições:

a) Sexo refere-se a um conjunto de atributos biológicos em seres humanos e animais que estão

associados com características físicas e fisiológicas, incluindo cromossomos, expressão gênica,

função hormonal e anatomia reprodutiva/sexual [1]. O sexo é geralmente categorizado como

feminino ou masculino, embora haja variação nos atributos biológicos que constituem sexo e no

modo como esses atributos são expressos.

b) Gênero refere-se aos papéis socialmente construídos, comportamentos e identidades de pessoas

do sexo feminino, do sexo masculino e de gêneros diversos.1 Influencia como as pessoas percebem

a si mesmas e umas às outras, como elas se comportam e interagem, e a distribuição de poder e

recursos na sociedade. Geralmente, o conceito de gênero é incorretamente conceituado como um

fator binário (feminino/masculino). Na realidade, existe um espectro de identidades e expressões de

gênero que definem como os indivíduos se identificam e expressam seu gênero.

O Quadro abaixo apresenta as diretrizes SAGER.

Quadro - Diretrizes para Equidade de Sexo e Gênero na Pesquisa (SAGER)

Princípios gerais

Os autores devem usar os termos sexo e gênero cuidadosamente, para se evitar confundir ambos os

termos.

Nos casos em que os sujeitos da pesquisa compreendam organismos capazes de diferenciação por

sexo, a pesquisa deve ser delineada e conduzida de forma que possa revelar diferenças

relacionadas aos sexos nos resultados, mesmo que estes não fossem inicialmente esperados.

Quando os sujeitos também podem ser diferenciados por gênero (moldado pelas circunstâncias

sociais e culturais), a pesquisa deve ser conduzida de forma semelhante nesse nível adicional de

distinção.

Page 5: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

5

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Recomendações por seção do artigo

Título e

resumo

Se apenas um sexo estiver incluído no estudo, ou se os resultados do estudo forem

aplicáveis a apenas um sexo ou gênero, o título e o resumo deverão especificar o

sexo dos animais ou de quaisquer células, tecidos e outros materiais derivados

destes, e o sexo e gênero dos participantes humanos.

Introdução

Os autores devem relatar, quando relevante, se diferenças de sexo e/ou gênero

podem ser esperadas.

Métodos

Os autores devem relatar como o sexo e o gênero foram levados em consideração

no desenho do estudo, se eles asseguraram uma representação adequada de

indivíduos dos sexos masculino e feminino, e justificar as razões para qualquer

exclusão de indivíduos do sexo masculino ou feminino.

Resultados

Quando apropriado, os dados devem ser rotineiramente apresentados desagregados

por sexo e gênero. As análises de sexo e gênero devem ser relatadas

independentemente do desfecho positivo ou negativo. Nos ensaios clínicos, os

dados sobre as desistências e os abandonos devem também ser reportados

desagregados por sexo.

Discussão

As implicações potenciais do sexo e do gênero nos resultados e nas análises do

estudo devem ser discutidas. Se uma análise de sexo e gênero não foi conduzida, a

justificativa deve ser dada. Os autores devem discutir ainda as implicações da falta

de tal análise na interpretação dos resultados.

Exemplos de aplicação das diretrizes SAGER na revisão de artigos científicos

A seguir, serão apresentados alguns exemplos de aplicação das orientações contidas nas

diretrizes SAGER, em artigos científicos, publicados em periódicos científicos da área da saúde.

Exemplo 1 – Artigo publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia

Prevalência de diabetes mellitus: diferenças de gênero e igualdade entre os

sexos. (GOLDENBERG, SCHENKMAN, FRANCO, 2003)

Resumo: O presente estudo tem como propósito caracterizar a prevalência de Diabetes Mellitus

(DM) em São Paulo, segundo diferenciais sociais e de gênero, constituindo um desdobramento do

inquérito domiciliar realizado em nove capitais brasileiras (Estudo Multicêntrico de Prevalência de

Diabetes Mellitus no Brasil). Este levantamento envolveu duas etapas de investigação: numa

Page 6: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

6

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

primeira fase, foi rastreada a glicemia capilar de jejum (GCJ) em 2.007 indivíduos, na faixa etária

de 30 a 69 anos; numa segunda fase, foi realizada a determinação da glicemia capilar após 2 horas

de sobrecarga com 75g de glicose em todos os indivíduos com GCJ maior ou igual a 100mg/dl e em

1/6 dos indivíduos com GCJ menor que 100mg/dl. Realizada a expansão dos resultados obtidos na

segunda fase da investigação para a amostra original, foram estudadas as prevalências de DM pré e

recém diagnosticados, relacionando-as com idade, sexo, ocupação, escolaridade, naturalidade, bem

como com a distribuição por área. Ancorada na oposição e complementaridade das relações de

gênero, a presente proposta se organiza norteada pela hipótese de que o DM recém-diagnosticado

aumentaria na população masculina e nos segmentos mais pobres da população, diante da busca

ativa, como contraponto dos resultados referenciados ao DM pré- diagnosticado ou auto-referido.

Os resultados encontrados confirmaram as referidas hipóteses, ressaltando o desaparecimento das

diferenças entre os sexos. A elevada proporção da doença decorrente da busca ativa, duplicando a

prevalência observada entre os pré-diagnosticados, chamou a atenção para a relevância da

consideração socialmente diferenciada na detecção dos novos casos. A identificação de

diversificadas injunções sociais junto às populações masculina e feminina, associadas à ocorrência

do diabetes, reforçaram a necessidade da realização de estudos específicos sobre a obesidade, com

vistas à melhor compreensão das situações de risco e prevenção da doença.

Palavras-chave: Diabetes Mellitus; Inquérito domiciliar; Prevalência; Condições sociais; Gênero.

Observações: O artigo é muito interessante, pois traz simultaneamente as abordagens de sexo e

gênero e discute como estas duas dimensões se articulam enquanto fatores associados à prevalência

de diabetes mellitus. O uso dos termos sexo e gênero está adequado no artigo.

Título e resumo: Está claro que foram incluídos indivíduos de amobos os sexos no estudo e que são

abordadas questões de sexo e gênero dos participantes.

Palavras-chave: Faltou incluir o descritor “Sexo”.

Introdução: Os autores mencionam a importância de considerar a categoria “gênero”,

complementarmente à classe social: “Ampliando a abrangência da investigação, e incluindo os

casos recém-diagnosticados como produto de uma busca ativa, seria lícito esperar, de um lado, que

desapareceriam os diferenciais de gênero e, de outro, que aumentaria a prevalência do diabetes

mellitus nos segmentos de níveis sócio-econômicos mais desfavorecidos, particularmente na

população masculina.”

Métodos: Foi considerado o sexo no desenho amostral, ademais, foram realizados ajustes

estatísticos para compensar a maior proporção de perdas entre indivíduos do sexo masculino,

Page 7: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

7

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

visando a garantir a representatividade da amostra: “além de ajustes para as recusas de 1,16 (sexo

masculino) e de 1,12 (sexo feminino), também foram necessários fatores de correção populacional

para reconstituição da amostra original, com base na razão população/participantes de 10,0 para o

sexo masculino e de 6,5 para o sexo feminino. Diante destas medidas a amostra expandida integrou

1.900 indivíduos, sendo 867 do sexo masculino e 1.033 do sexo feminino.”

Resultados: Foram apresentados com estratificação por sexo:

Discussão: Foram discutidas as implicações potenciais do sexo e do gênero nos resultados e nas

análises do estudo: “A busca ativa evidenciou elevada prevalência de diabetes na população

masculina, revertendo a primazia feminina observada na prevalência do diabetes pré-diagnosticado.

Este resultado veio confirmar a hipótese norteadora deste estudo, bem como a assertiva

complementar que previa o desaparecimento das diferenças de prevalência total entre os sexos.”

Exemplo 2: Artigo publicado no Jornal Brasileiro de Psiquiatria

A prática de exercícios físicos regulares como terapia complementar ao tratamento de mulheres

com depressão. (VIEIRA, PORCU, ROCHA, 2007)

RESUMO: OBJETIVO: Analisar a efetividade do exercício físico como complemento terapêutico

no tratamento da depressão. MÉTODOS: Este ensaio clínico teve a participação de pacientes

Page 8: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

8

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

mulheres atendidas pelo SUS no Hospital Universitário de Maringá em tratamento com

antidepressivos (n = 18: GC = 9; GE = 9). O delineamento do estudo foi elaborado com duas

sessões de hidroginástica/semana, durante 12 semanas. O instrumento utilizado foi a Escala de

Hamilton para Depressão, aplicado ao início, após 12 semanas de intervenção e após 6 meses de

finalização do ensaio clínico. Para análise estatística, utilizaram-se os Testes de Wilcoxon e de

Mann-Whitney. RESULTADOS: Os escores de depressão reduziram-se no grupo experimental

após 12 semanas (32,66 ± 3,12 para 24,88 ± 2,13 pontos, p = 0,007*) e não ocorreu diferença

estatisticamente significativa no grupo controle (31,11 ± 3,51 para 30,22 ± 3,04 pontos, p = 0,059).

Após 6 meses, não houve diferenças estatisticamente significativas para o grupo controle (31,11 ±

3,51 para 30,22 ± 2,81 pontos, p = 0,201). No entanto, o grupo experimental regressou aos níveis

iniciais de depressão (32,66 ± 3,12 para 29,66 ± 1,22 ponto, p = 0,027*). CONCLUSÃO: Neste

estudo preliminar, as pacientes submetidas à prática de exercícios físicos associada ao tratamento

convencional para depressão evidenciaram melhora significativa em relação àquelas que não

praticaram exercícios físicos. Os efeitos dos exercícios físicos sobre os sintomas depressivos

desapareceram com a interrupção dos exercícios físicos na avaliação do seguimento de 6 meses.

Palavras-chaves: Depressão, exercícios físicos, complemento terapêutico.

Título e resumo: Está claro que foram incluídas somente mulheres.

Palavras-chave: Faltou incluir o descritor relacionado ao sexo feminino.

Introdução: Não foi justificada a consideração exclusiva das mulheres, nem se diferenças entre

sexos ou gêneros poderiam ser esperadas.

Discussão: Não foram discutidas as implicações de sexo e gênero sobre o tema do estudo.

Exemplo 3: Artigo publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva

Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. (PINHEIRO et al, 2002)

RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar o perfil de morbidade referida, acesso e uso de

serviços de saúde em homens e mulheres no Brasil, segundo idade e região urbana e rural. Os dados

da PNAD/98 mostram que as diferenças de gênero na morbidade variam com a idade: desfavoráveis

aos meninos até os 10 anos e desfavoráveis às mulheres a partir dos 15 anos, aumentando até os 64

anos e reduzindo após esta idade. A alta prevalência de atendimento indica que as barreiras de

acesso dos que procuram serviços de saúde são pequenas. No entanto, o elevado percentual de não

procura face às necessidades percebidas sugere que as barreiras de acesso são anteriores e

dependem da oferta. A cobertura por planos de saúde é bem maior na região urbana, mas não há

Page 9: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

9

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

diferenças de gênero significantes nas regiões. As diferenças entre homens e mulheres nas taxas de

uso curativo são pequenas, se comparadas com as de uso preventivo, maiores para as mulheres,

assim como as taxas de internação, mesmo excluindo os partos. O financiamento das internações

não foi diferente entre homens e mulheres, ao contrário do financiamento de outros tipos de

atendimento: maior cobertura por planos para mulheres na região urbana; na região rural, maior uso

do SUS para as mulheres e maior desembolso de recursos próprios para os homens.

Palavras-chave: Gênero, Morbidade referida, Acesso, Utilização de serviços de saúde

Título e resumo: Há uso incorreto do termo “gênero”, em vez de “sexo”.

Palavras-chaves: faltou incluir descritor Sexo.

Introdução: É destacada a importância da análise segundo sexos: “A presença de fatores de risco

associados a problemas de saúde varia segundo sexo”.

Resultados: São apresentados com estratificação por sexo.

Discussão: Foi discutida a relevância da análise considerando sexo, por exemplo: “O perfil de

morbidade é diferenciado entre os homens e as mulheres, seja do ponto de vista das doenças

crônicas ou dos problemas agudos, o que por sua vez se reflete em distintos padrões de utilização."

Contudo, repetiu-se a confusão entre os termos sexo e e gênero: “Não foram observadas diferenças

de gênero no financiamento das internações.”

Page 10: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

10

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Uso e divulgação das diretrizes SAGER

As diretrizes SAGER foram publicadas em acesso aberto e estão disponíveis, em sua versão

original em inglês, no site da revista Research Integrity and Peer Review2, bem como no portal da

Rede EQUATOR (Enhancing the QUAlity and Transparency Of health Research).3 A Rede

EQUATOR é uma iniciativa internacional que busca melhorar a confiabilidade e o valor da

literatura científica em saúde, por meio da promoção de relatos transparentes e precisos das

pesquisas. Seu portal contém centenas de guias de redação científica tem contribuído para melhorar

os relatos, bem como incrementar a qualidade metodológica das pesquisas. A versão em português

foi publicada, em acesso aberto, na Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde4 e também está

disponível no portal da Rede EQUATOR.

O documento das diretrizes SAGER também incorpora uma lista de verificação para autores

quanto ao relato sensível ao gênero, que inclui considerações sobre abordagens de pesquisa,

perguntas e hipóteses de pesquisa, revisão da literatura, métodos da pesquisa e considerações éticas.

O documento traz, ainda, um fluxograma para fornece uma sequência de perguntas que poderiam

ser usadas para orientar a triagem inicial dos manuscritos submetidos a periódicos científicos. Os

editores devem introduzir questões específicas na lista de verificação usada para triar as submissões

iniciais, como um esforço para sistematizar a avaliação consciente de gênero dos manuscritos pela

equipe editorial. São exemplos de perguntas que podem ser introduzidas nos formulários de revisão

por pares: “Sexo e gênero são relevantes para a pesquisa em questão?” e “Os autores abordaram

adequadamente as dimensões sexo e gênero ou justificaram a ausência de tal análise?”.

Recomenda-se que os editores de periódicos endossem as diretrizes SAGER e as adaptem às

necessidades de seus periódicos e suas áreas particulares de pesquisa e publicação, incluindo

exemplos de boas práticas para cada um dos itens de relato. A revistas que publicam artigos com

resultados originais de pesquisas devem solicitar nas suas instruções aos autores que todos os

documentos apresentem dados desagregados por sexo e gênero e, quando aplicável, expliquem

adequadamente as diferenças ou similaridades de sexo e de gênero.

Também é importante a divulgação das diretrizes SAGER em congressos e demais tipos de

encontros de natureza científica, para que as boas práticas relacionadas à investigação sensível ao

sexo e ao gênero sejam incorporadas de forma mais rápida por pesquisadores em diferentes meios e

áreas de atuação. Somente com a ampla divulgação, a consideração do sexo e do gênero poderá ser

2 https://researchintegrityjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s41073-016-0007-6 3 https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/sager-guidelines/ 4 http://www.scielo.br/pdf/ress/2017nahead/2237-9622-ress-s1679-49742017000300025.pdf

Page 11: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

11

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

incorporada desde as etapas iniciais do desenvolvimento das pesquisas científicas, não sendo

somente um mero cumprimento de requisitos para a submissão de artigos a periódicos.

Como exemplo, o X Congresso Brasileiro de Epidemiologia (Florianópolis, 7 a 11 de

outubro de 2017) adotou, pela primeira vez nessa edição, a perspectiva de e, buscando promover a

equidade de gênero e a excelência na pesquisa epidemiológica, a Comissão Científica endossou e

incentivou a utilização da diretriz SAGER, tomando em conta que a consideração de sexo e gênero

nos estudos e na comunicação científica visa não somente a adoção de melhores práticas científicas,

mas também a geração de subsídios para intervenções e oportunidades baseadas em evidências, para

pessoas de ambos os sexos e todos os gêneros.

Considerações finais

As diretrizes SAGER constituem-se uma ferramenta para auxiliar a padronização do relato

de sexo e gênero em publicações científicas. Elas foram concebidas por um grupo multidisciplinar

instituído no âmbito da Associação Europeia de Editores Científicos. Seus objetivos são contribuir

para melhorar o relato de sexo e gênero na pesquisa científica, servir como guia para autores e

revisores, ser suficientemente flexíveis para acomodar uma ampla gama de áreas de pesquisa e

disciplinas e melhorar a comunicação dos resultados da pesquisa.

Contudo, as diretrizes não incorporam recomendações explícitas sobre populações com

diversidade de gêneros, devido à limitação inerente do escopo dos estudos conduzidos com seres

humanos na atualidade, que não são dotados de estratégias que permitam detectar diferenças nos

efeitos para populações com diversidade de gêneros, como transgêneros, especialmente em países

onde essa diversidade é desconhecida. No entanto, recomenda-se que os pesquisadores realizem

esforõs para considerar as populações com diversidade de gêneros em suas investigações, sempre

que pertinente.

As diretrizes Sager são uma iniciativa que, embora tenha partido dos editores de periódicos

científicos, merece ser incorporada e divulgada por toda a comunidade científica, uma vez que a

ciência tem um grande potencial para fomentar a transformação tecnológica, mas também política e

social. A questões de sexo e gênero são presentes e sensíveis em todas as sociedades humanas, e o

alcance da equidade de sexo e gênero é uma meta de que deve ser perseguida por todos e todas.

Page 12: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

12

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Referências

ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE. Gender in the global research landscape. Elsevier,

2017. Disponível em:

<https://www.elsevier.com/__data/assets/pdf_file/0008/265661/ElsevierGenderReport_final_for-

web.pdf>. Acesso em: 15 de maio, 2017.

GALVAO, Taís Freire; SILVA, Marcus Tolentino; GARCIA, Leila Posenato. Ferramentas para

melhorar a qualidade e a transparência dos relatos de pesquisa em saúde: guias de redação

científica. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília , v. 25, n. 2, p. 427-436, jun. 2016 .

GOLDENBERG, Paulete; SCHENKMAN, Simone and FRANCO, Laércio Joel. Prevalência de

diabetes mellitus: diferenças de gênero e igualdade entre os sexos. Rev. bras. epidemiol. [online].

2003, vol.6, n.1, pp.18-28.

HEIDARI S; BABOR TF; DE CASTRO P,TORT S, CURNO M. Sex and Gender Equity in

Research: rationale for the SAGER guidelines and recommended use. Research Integrity and Peer

Review, V. 2, N. 1, 2016.

PINHEIRO, Rejane Sobrino et al . Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no

Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 7, n. 4, p. 687-707, 2002 .

VIEIRA, José Luiz Lopes; PORCU, Mauro and ROCHA, Priscila Garcia Marques da. A prática de

exercícios físicos regulares como terapia complementar ao tratamento de mulheres com

depressão. J. bras. psiquiatr. 2007, vol.56, n.1, pp.23-28.

SAGER guidelines: Sex and Gender Equity in Research, scientific writing and publishing

Astract: Sex and gender differences are often neglected in the study design, implementation, in the

writing of scientific articles, as well as in scientific communication in general. The European

Association of Scientific Editors convened a group of experts to develop the rationale for an

international set of guidelines to encourage a more systematic approach to sex and gender reporting

in several fields of knowledge. This work culminated in the production of the Sex and Gender

Equity in Research (SAGER) Guidelines, which include a set of recommendations for the reporting

of information about sex and gender in the study design, data analysis, results and interpretation of

the findings of scientific research. SAGER guidelines are primarily intended to guide researchers

and authors in the design of studies and in the preparation of their manuscripts, but are also useful

for journal editors and publishers to integrate sex and gender assessment in all manuscripts as part

of the editorial process. This communication aims to present the SAGER Guidelines, published in

2016, and examples of its use, in order to encourage academics, researchers, journal editors, peer

reviewers, and scientific societies to take a more systematic approach to reporting sex and gender in

research.

Page 13: DIRETRIZES SAGER: EQUIDADE DE SEXO E GÊNERO NA …...Internacional da Mulher, a Editora Elsevier (ELSEVIER RESEARCH INTELLIGENCE, 2017) lançou um relatório sobre as desigualdades

13

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Keywords: Sex; Gender; Guidelines; SAGER; Scientific research; Scientific publishing