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DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS DIFICULDADES NA ESCRITA INICIAL - C.A. à 3ª séries Maria Cristina Oliveira de Arruda Brandão RIO DE JANEIRO, MARÇO DE 2003

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DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS

DIFICULDADES NA ESCRITA INICIAL - C.A. à 3ª séries

Maria Cristina Oliveira de Arruda Brandão

RIO DE JANEIRO,

MARÇO DE 2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS

DIFICULDADES NA ESCRITA INICIAL - C.A. à 3ª séries

Aluna: Maria Cristina Oliveira de Arruda Brandão

Orientador: Jorge Tadeu Vieira Lourenço, M. Sc.

RIO DE JANEIRO,

MARÇO DE 2003

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS

DIFICULDADES NA ESCRITA INICIAL - C.A. à 3ª séries

Maria Cristina Oliveira de Arruda Brandão

Trrabalho Monográfico apresentado como requisito

parcial para a obtenção do Grau de Especialista em

Psicopedagogia.

RIO DE JANEIRO,

MARÇO DE 2003

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus, que

me deu forças para continuar. Dedico

especial gratidão à minha filha Carolina

Brandão, foi quem me chamou atenção

para o problema estudado.

Agradeço também ao Prof. Jorge Tadeu

por sua orientação e cooperação para

que este trabalho se concretizasse.

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EPÍGRAGE

"Aprender é um processo complexo. Estudá-lo implica

necessariamente que se faça um recorte. Entender este recorte como

totalidade do processo de aprender é, evidentemente, um

reducionismo. Em educação, temos lidado continuamente com

reducionismos que são, muitas vezes, encarados como teorias

fechadas ou por seu formulador ou por seus seguidores, mais

comumente pelos segundos. Teorias estas que, pretensamente, dariam

conta da complexidade do aprender. Esta postura determina a

limitação da própria teoria como elemento de compreensão da

realidade. Nesta perspectiva, ela torna-se totalmente inadequada,

uma vez que o aprender requer, para ser compreendido, uma

abordagem mais abrangente, que envolve várias áreas do

conhecimento. (...)Dentro da psicologia existem outras teorias que

assumem o princípio do papel ativo da criança na elaboração de seu

conhecimento. Só que sob um prisma distinto e de maior

complexidade que no construtivismo, na medida em que consideram o

social e o cultural como constitutivos do processo de construção do

conhecimento (SOUZA LIMA, apud ROXO ROXANE, 1998).

RESUMO

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Este trabalho tem o objetivo de analisar as dificuldades na alfabetização a partir

da variação lingüística no português brasileiro, cuja produção verbal distingue-se da

escrita. Ao desenvolver-se uma definição da variação lingüística e das características

das modalidades verbal e escrita em sua relação direta, torna-se necessário verificar

algumas realizações inadequadas que tendem a acontecer, principalmente nas séries

iniciais da alfabetização.

Assim, chega-se ao conhecimento de pesquisas que constatam as realizações

inadequadas, bem como alguns fatores que tendem a influenciar a produção escrita

inicial, propondo-se a interdisciplinaridade lingüística e métodos de pedagogia nessa

área.

SUMÁRIO

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Introdução....................................................................................................................8

1 A Natureza de nossa Produção Oral e escrita........................................................10

1.1 O Caráter Heterogêneo das Línguas.....................................................................13

1.2 A Oralidade no contexto inicial do letramento...................................................16

2 Realizações inadequadas à escrita..........................................................................22

2.1 Interdiscipliridade lingüística - Uma perspectiva sóciolingüística.......................33

2.2 Proposta Pedagógica.............................................................................................38

Conclusão...................................................................................................................42

Bibliografia................................................................................................................44

Anexos:

1 - Comprovantes Acadêmicos de Estágio.............................................. 45

2 - Comprovantes Acadêmicos de Eventos Culturais................................46

INTRODUÇÃO

Ao considerar o processo ensino-aprendizagem do português, este estudo

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objetiva a analisar o primeiro ciclo de ensino, distintivo pela multiplicidade de facetas,

que compreende fatores que podem e devem ser considerados, delimitando-se à área de

sóciolingüística e psicolingüística.

A análise de alguns processos que ocorrem na realização da escrita pelas

crianças parte do princípio da mínima experiência sobre diversos fatores influentes, e

sobretudo quando se trata de aspectos que englobam o cultural e o social, sobretudo o

momento posterior àquele em que a criança descobre o tipo de escrita com que vai

trabalhar, ou seja, o momento em que ela entra efetivamente na realização da escrita.

Aos fatores de caráter cultural e estilístico, constituintes da linguagem

portuguesa, heterogênea por natureza, depreendem-se alguns processos que

desencadeiam em realizações ortográficas inadequadas, como certas variantes

suscetíveis a tais realizações, verificadas em estudos realizados em instituições públicas

e particulares, que englobam as classes do CA à 4ª série, especificamente nas classes

do CA a 3ª séries, as quais tornam-se o objetivo deste trabalho.

No que concerne ao modo de discussão sobre o objeto de estudo, discute-se a

relação entre o sistema ortográfico e o fonológico, e as correlações estabelecidas por

pesquisas nos dois sistemas, levando-se em consideração a condição do aprendiz no

processamento dessas relações, sabedores que o ato de conhecer não envolve apenas

questões de ordem psicológica, mas também social.

Inicialmente, são apresentadas as diferenças gerais entre oralidade e escrita,

bem como os fatores conseqüentes da heterogeneidade lingüística. Discute-se o

contexto inicial de letramento, que absorve reflexos da naturalização geral constante na

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oralidade, apresentados por resultados de pesquisas e investigações sistemáticas

situadas em creches, Cólegio Público, e Particular. No segundo capítulo, propõe-se uma

abordagem dessas realizações através da interdisciplinaridade lingüística, transmitindo

propostas de ação pedagógica dirigidas para a regressão dessas incidências.

Desta forma, o objetivo maior deste trabalho é expor de modo sintético os

diferentes aspectos que envolvem a oralidade e a escrita, que desencadeiam em

dificuldades no processo de letramento, relacionadas a questões que envolvem não só a

arbitrariedade da língua, como o social e o pragmático, cuja interferência,

principalmente na fase inicial, aponta para questões que caracterizam a complexidade

do ensino-aprendizagem.

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CAPÍTULO 1

A NATUREZA DE NOSSA PRODUÇÃO ORAL E ESCRITA

O ser humano possui uma inerente necessidade de expressão e comunicação,

estando as duas necessidades tão relacionadas, que basta dizer que a base da

comunicação humana é sua própria expressão individual.

O desenho do homem primitivo sobre a superfície de algum objeto significava a

expressão de suas idéias, sendo a fala sua expressão auditiva. Com o passar do tempo, o

desenho se desenvolveu em direções distintas. O próprio desenho como manifestação

de arte, e o sistema pictográfico na escrita, passando a longo prazo a representar a fala,

como um simbolismo de segunda ordem. Nessa concepção, a primeira diferença

observada por um leigo seria quanto a natureza do estímulo, auditivo para a fala, e

visual para a escrita.

A natureza da escrita especialmente a portuguesa, referencialmente, é tida como

alfabética, muito embora sua utilização na linguagem não o seja totalmente. O contínuo

de sinais acústicos não apresenta unidades discretas e invariantes que possam

corresponder à unidades lingüísticas, tendo os ouvintes que reestruturar a cadeia sonora

em unidades não físicas, mas psicologicamente significativas, como o fonema, a

palavra e a oração. Essa operação, estritamente cognitiva, não é tomada de consciência

inicialmente, pois somente tendem a ser percebidas por meio da experiência do

letramento. Todos passam por uma fase inicial na alfabetização, em que muitas vezes

as palavras aparecem como grudadas umas nas outras, representando um enigma, na

qual tarefas como, por exemplo, de silabação é um "bicho de sete cabeças"(KATO,

2002, p.12)

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A produção oral e a escrita possuem uma relativa isomorfia, porque realizam a

seleção a partir do mesmo sistema gramatical e podem exprimir as mesmas intenções,

verificando-se nas duas modalidades diferenças formais normalmente observadas que

"nada mais são do que diferenças acarretadas pelas condições de produção e uso da

linguagem". (KATO, 2002, p.20)

Observa-se algumas diferenças do uso oral para o uso ortográfico pelas

condições de produção, tais como:

· Maior grau de planejamento

· Submissão às regras prescritivas

· O fato de a interação não se dar face a face

· Menor dependência do contexto situacional

· Produção permanente

O grau de planejamento determina o nível de formalidade, que pode ir do menos

tenso (casual ou informal) até o mais tenso (formal, gramaticalizado), já a dependência

contextual determina o grau de explicitação textual, ou seja, o grau de autonomia.

O fator determinante para as diferenças quanto ao aspecto formal é o gênero

expressivo e o referencial, para a fala e a escrita, respectivamente; a análise do que

ocorre no sistema ortográfico revela que a escrita é essencialmente fonêmica, pois

neutraliza diferenças fonéticas que existem na fala, e que não são distintivas, e

reproduz diferenças fonéticas significativas, isso quando o falante já tem experiência

dessas diferenças.

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A fala é caracterizada por imposições de ordem comunicacional e funcional,

enquanto a escrita, além dessas, é regida por imposições de ordem normativa e

convencional, que, por vezes, podem se conflitar com as de ordem funcional,

principalmente na fase inicial. Então, enquanto a escrita é conservadora, a linguagem

oral muda, o que acarreta um afastamento gradativo entre essas modalidades. Quando

as motivações estruturais passam despercebidas, o que ocorre é um misto de relações

motivadas e arbitrárias (KATO, 2000, p.19-28).

Quando se fala sobre as diferenças entre linguagem oral e escrita, acredita-se

que são modalidades invariantes, quando, na realidade, no interior de cada há múltipla

variação, causada pelas variáveis:

· cultural

· social

· psicológica

· estágio de desenvolvimento lingüístico

Nesse âmbito, a escrita formal parece representar o mais alto grau de autonomia

contextual, estabelecido através dos meios lexicais e de estruturas complexas, enquanto

a fala é altamente dependente do contexto, e de recursos paralingüísticos, que estão

inseridos na linguagem humana, heterogênea por natureza.

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1.1 O caráter heterogêneo das línguas

As línguas humanas estão em permanente dinamismo e assim sujeitas a diversos

processos de variação, o que justifica seu caráter heterogêneo, e acaba por estruturar o

sistema lingüístico, criando um senso comum.

Ao lado das variantes fonológicas convencionais, verificamos o uso de

vocábulos com o mesmo significado: aipim - mandioca, tangerina - mexerica. E ainda,

vocábulos com estruturas fono-morfológicas modificadas na sua expressão: problema -

poblema. Os exemplos citados ilustram o fenômeno de variação lingüística que, ao

contrário do que se imagina, é sistemático e previsível. A face heterogênea intrínseca

na língua, aparentemente aleatória, é passível de estudo, visto que não acontece por

acaso.

Pela visão sociolingüística, admite-se que exista pelo menos uma variedade

popular, e uma standard (MOLLICA, 2000, p.15), esta compreendida como culta, cujo

conjunto de marcas lingüísticas está de acordo com os cânones gramaticais. A

variedade não standard sendo própria da modalidade oral.

A polarização entre as duas variedades mencionadas não reflete a realidade das

línguas. Os padrões distribuem-se numa escala diatópica (diferenças entre dialetos

geográficos ou falares regionais), diastrática (diferenças de acordo com a

estratificação social), e estilística (diferenças segundo o grau de formalidade do

contexto de fala), e geralmente são propostos de acordo com a necessidade didática: o

padrão culto correspondendo a um conjunto de comportamentos comprometido com a

norma. Os outros padrões estão distribuídos num contínuo imaginário entre um polo

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positivo (maior ajuste à norma culta), e um polo negativo (menor ajuste à norma culta),

sem a atribuição de valor intrínseco positivo ou negativo (MOLLICA, 2000, p.15).

Assim, as marcas lingüísticas sujeitas à variantes dependem da ação de

variáveis estruturais, sociais, e outras, que empregadas com maior ou menor proporção

vão configurar em um padrão lingüístico.

Os marcadores regionais ou dialetos geográficos são marcas regionais

predominantes numa comunidade, conhecidos como falares regionais, ou apenas

dialetos. Já as características lingüísticas de uma comunidade do ponto de vista da

estratificação social são conhecidas como dialetos sociais ou registros. Usa-se também

o termo registro quando se tem em mente o estilo ou contexto no qual se produz o

enunciado, relacionando o momento em que é relevante a consideração do grau de

formalidade do evento e do tipo de interação pragmática.

Como as distinções não são rígidas, as variáveis não se instalam nas línguas

dicotomicamente. As formas sujeitas à variação projetam-se num contínuo, como por

exemplo: o tratamento da forma pronominal tu predomina no sul do país, mas seu

emprego também pode aparecer em qualquer parte do território nacional, assim como a

ausência de concordância nominal, aparentemente exclusiva dos falantes menos

escolarizados, emerge na produção dos falantes cultos.

Trabalhando com tendências, há de se decartar concepções descontínuas,

contemplando idéias de que as variações não acontecem por acaso, mas são motivadas

por um conjunto de parâmetros, que favorecem ou inibem o emprego das variantes,

segundo Mollica:

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Agentes como escolarização alta, contato com a escrita,

meios de comunicação de massa em geral, nível sócio-econômico

alto, origem social alta concorrem para o aumento na fala e na

escrita da taxa de ocorrência de formas canônicas: dos pares em

variação também - tamém, clube - crube, os fatores mencionados

tendem a favorecer o emprego de também e clube. (MATTOS;

MOLLICA apud MOLLICA, 2000, p. 14)

1.2 A oralidade no contexto inicial do letramento

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Em uma abordagem generalizada, afirma-se que o Brasil é ainda uma nação de

real primazia do oral. Sendo assim, a língua oral por se permitir fugir ao controle das

regras prescritivas gramaticais, as quais recaem sobre a escrita, mais conservadora,

distancia-se de forma a abrigar subsistemas paralelos não previstos nessas normas.

A avalanche do uso oral ao lado do uso insignificante da escrita pode fazer com

que as formas do oral venham a afetar as formas da escrita, principalmente na fase

inicial de letramento. O que se avalia é que se nas sociedades altamente letradas as

pessoas procuram simular a escrita na fala, no Brasil a força da oralidade marca a

própria escrita, que teria a natureza expressiva para a criança que está se inserindo no

mundo do letramento, havendo a necessidade de um policiamento cada vez mais

consciente por parte do mestre para prescrever os padrões institucionalmente aceitos.

Pode-se observar a primazia do oral até mesmo nos falantes letrados

experientes, que frequentemente preferem procurar informações orais, em vez de

consultar um livro técnico, guia ou manual, como diz Kato (2002, p.40): "(...) da mesma

forma que somos dependentes como nação, em lugar de importarmos o know-why, contentamo-

nos com o know-how, criamos internamente uma dependência individual, não apenas

emprática, mas também de conhecimento geral".

Nas zonas rurais menos desenvolvidas mantém-se a realização do oral no

conhecimento, mas pelo menos nessas regiões "a oralidade gera um produto artesanal e

uma cultura popular altamente participativa, o que não ocorre quando há dependência

do oral por parte dos que já têm acesso à escrita" (KATO, 2002, p.40).

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Seria interessante observar que à aquisição natural da linguagem se seguiria o

aprendizado da escrita, o que nos chama a atenção para a oposição entre natural x

aprendido. Uma vez transformados pela escrita em alguém que possui a experiência do

ler e escrever já não é possível subtrair esse efeito, ou seja, não mais se recupera a

opacidade com que os sinais antes se apresentavam, como para os que ainda não têm tal

conhecimento. Talvez seja esse caráter irreversível que produza a suposição de que a

escrita é transparente mesmo para os iniciantes. Ao projetar sobre eles essa suposição,

esperando suas próprias construções e conclusões, ficarão impedidos de "ler" os sinais

gráficos ou orais, os quais deixam entrever um momento particular de sua relação.

Desse modo, ainda que os métodos tradicionais e o próprio professor aposte na

transparência ou relação direta entre oralidade e escrita, a crença de que esta é um

conhecimento a ser ensinado/aprendido aponta um intervalo a ser preenchido.

Um pressuposto central é o de que o conhecimento lingüístico determina-se

essencial na construção do conhecimento sobre a escrita pela criança, ou seja, a

construção da escrita é essencialmente mediada pela competência lingüística do

aprendiz. Mas o fato de os pesquisadores assumirem essa capacidade não implica dizer

que todos concordem teoricamente em aspectos relacionados à gênese da competência

do aprendiz, sendo este um ponto bastante controverso. Como o conhecimento é

construído, qual sua base, sua modalidade de construção há bastante divergência no

grupo de pesquisadores lingüísticos, não convindo nos aprofundarmos nesse aspecto,

mesmo porque as teorias sobre linguagem, em geral, têm tido algum comprometimento

com os problemas de sua aquisição natural, entretanto não objetivam estritamente o

estudo da aquisição da escrita.

A teoria associacionista já descrevia que a criança monologa na fase inicial da

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aquisição da linguagem. Segundo essa teoria, a fala afeta tanto o ouvinte quanto o

próprio falante. Como todo falante é seu próprio ouvinte, é natural que sua fala seja

também uma resposta para si próprio, respondendo verbalmente às suas atividades

motoras. Essa visão encontra algo em comum com a teoria piagetiana sobre a fala

egocêntrica. "Piaget diz igualmente que a fala egocêntrica acompanha a atividade

motora. Para ele, essa modalidade de fala desaparece quando surge o pensamento

lógico e a fala socializada." (PIAGET apud KATO, 2002, p. 114).

A concordância maior é com o pensamento do psicólogo soviético Vigotsky,

que parcialmente opõe-se a essa visão, afirmando que "a fala é desde o início uma

atividade social, global e multifuncional, desenvolvendo-se em fala egocêntrica e fala

comunicativa" (KATO, 2002, p.114). A primeira desenvolve-se gradualmente em

discurso interno, ou seja, o pensar verbalmente. Em termos de desenvolvimento,

acredita na distinção entre história natural e história cultural, ou seja, o princípio e a

transição desde as formas primitivas em relação às fases de evolução funcional. O

referecial histórico-cultural apresenta uma nova maneira de entender a relação entre

sujeito e objeto no processo de construção do conhecimento. Enquanto no referencial

construtivista o conhecimento se dá a partir da ação do sujeito sobre a realidade - sendo

considerado ativo, para Vigotsky esse mesmo sujeito não é apenas ativo, mas

interativo, porque se constitui a partir de relações intra e interpessoais. É na troca com

outros sujeitos e consigo próprio que há internalização de conhecimentos e da própria

consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social – relações

interpessoais – para o plano individual interno – relações intra-pessoal. Desta forma,

para Vigotsky o sujeito do conhecimento não é apenas passivo, regulado por forças

externas que lhe vão moldando, como não é apenas ativo, regulado por forças internas,

e sim, é interativo.

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Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do estágio de desenvolvimento

atingido pelo sujeito, para Vigotsky, a aprendizagem favorece o desenvolvimento das

funções mentais. Ao nascer a criança se integra em uma história e uma cultura: a

história e a cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se caracterizam

como peças importantes na construção de seu desenvolvimento. Ao longo dessa

construção estão presentes as experiências, os hábitos, as atitudes, os valores e a própria

linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu grupo familiar. Então, ainda

presentes nesta construção a história e a cultura de outros indivíduos com quem a

criança se relaciona, e em outras instituições próximas como, por exemplo, a escola, ou

contextos mais distantes da própria cidade, estado, país ou outras nações.

No entanto, é relevante reconhecer que as propostas construtivistas inspiradas

quer em Piaget, quer em Vigotsky não abrem espaço para que se pense aquisição e

desenvolvimento da escrita somente a partir da transmissão do conhecimento do adulto

para a criança. Até mesmo para Vigotsky, que "considerava os processos

intersubjetivos um dos fatores responsáveis pelo funcionamento intra-subjetivo, as

operações com signos não são transmitidas, mas derivam de uma série de

transformações qualitativas e complexas" (VIGOTSKY apud ROJO, 1998, p.21). Supõe-

se com isso que o professor seja um mediador, agente de transformações no aluno, ao

contribuir para a descoberta de fatores distintivos na interferência da produção escrita.

Um tipo de evolução semelhante às pesquisas sobre linguagem aqui esboçadas

foi observado no desenvolvimento de redações de crianças, em pesquisa realizada por

Britton et Alli (BRITON et alli apud KATO, 2002, p.114), que constata que o primeiro

gênero produzido pela criança é o expressivo (ou emotivo), caracterizado pela sua

necessidade egocêntrica. Na fase inicial, mesmo quando a instrução é explicitamente

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dirigida para a produção de um discurso de terceira pessoa, a criança envolve-se em

discurso expressivo, no qual é o principal sujeito.

Além da teoria associacionista, diversos estudos comprovam que o gênero

expressivo é essencialmente a fala transcrita, motivo pelo qual a criança inicialmente

realiza a escrita nesse gênero, muito embora ressalvando que a escrita expressiva ainda

é muito diferente da fala, pelas condições de produção. Ou seja, na fala existe uma

situação cara a cara, com posição imediata por parte do ouvinte. Já a escrita é um ato

solitário, tendo o escritor que se preocupar com o seu leitor visual.

Desta forma, o desenvolvimento da escrita parece ainda seguir alguns princípios

já postulados para a aquisição da fala. Por isso, as propostas construtivistas dos

estudiosos aqui explícitas assumem a interação como lugar de transformação, com o

compromisso de responder teoricamente sobre o papel do outro - interlocutor

alfabetizado, do iniciante - alfabetizando, e por isso mesmo sobre as práticas

discursivas, escolares ou não, em que o texto escrito está de alguma forma em questão.

Quando o que está em jogo é a transformação pelo simbólico fica a

interrogação sobre o aprender e o ensinar, partindo para a suspensão da transparência

como estratégia, e tornando possível a formulação de questões por alguém que

transformado pelo simbólico concebe a escrita como representação dos sons da fala, ou

seja, dá-se a naturalização da continuidade da escrita relativamente à oralidade.

A nível microestrutural os desvios na produção escrita inicial podem ser

justificados como decorrência do uso automático das mesmas estratégias usadas na fala,

o que leva a acreditar que existem princípios que regem a produção e a compreensão

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independentemente da modalidade. Condicionamentos de natureza psicolíngüística,

(extensão de vocábulo), de natureza social (forma gramatical) e de natureza fonológica

(posição de sílaba na palavra) interagem com forças pragmáticas. Assim, questões

internas e inerentes ao sistema co-atuam com forças fora desse universo.

Assumindo uma atitude mais descritiva, considera-se certos padrões de uso

lingüístico fatores de influência para realizações gráficas inadequadas, o que pode ser

trabalhado desde o início pela pedagogia escolar.

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CAPÍTULO 2

REALIZAÇÕES INADEQUADAS À ESCRITA

Considerando que as mudanças lingüísticas não podem ser entendidas fora da

vida social de uma comunidade Labov (LABOV apud MOLLICA, 2000, p.21) afirma

que as forças sociais sobre as formas lingüísticas tanto podem afetar o sistema como

um todo, como podem representar um instrumento de correção explícita.

Nestas perspectivas cultural e social, a concepção de prestígio a uma das

variantes em competição, por um processo de mudança lingüística, vem percorrendo os

estudos lingüísticos ao longo do tempo. No paradigma da sóciolingüística, essa relação

entre mudança e prestígio de formas lingüísticas é questão imprescindível. Sendo as

variantes de prestígio adaptadas à dinâmica das relações sociais "o valor atribuído às

variantes em competição pode sofrer inversão, como por exemplo, a troca de líquidas

em grupo consonantal era um fenômeno corrente no português arcaico, chegando a

atingir nomes próprios e topônimos: Craca Domingues, Pratão (MOLLICA, 2000,

p.20). Porém, tal variante com r é atualmente um clichê social. Uma possível

justificativa para essa inversão seria a formação da norma culta a partir do século

XVII, tendo como modelo o latim clássico, que valorizava as formas com consoante +

/l/. Possivelmente a atribuição de prestígio se deu item a item até chegar a esse tipo de

rejeição.

Diversos registros históricos, como o Appendix Probi (III a.C) (SILVA NETO

apud MOLLICA, 2000, p.20) demonstram a competição entre formas novas e antigas

em determinado estágio de evolução lingüística, e que podem os observadores

confirmar que tanto a forma avaliada como negativa pode prevalecer, como a variante

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de prestígio pode permanecer. Desta forma, ambas as variantes sobrevivem numa

situação de variação em que nenhuma das formas é mais prestigiada que outra,

dependendo da situação de uso. Exemplo disso são a supressão da consoante final, e a

elipse do u breve em sílaba postônica.

Entretanto, o que realmente importa registrar é que uma vez identificada a

norma de prestígio, o grupo social intermediário, ou seja, a pequena burguesia,

monitora sua fala nessa direção e ultrapassa a tendência observada em grupos mais

elevados da hierarquia social. Embora ela não seja o grupo que apresenta maior

freqüência de uso da variante de prestígio na fala informal, lidera no estilo formal,

apresentando-se sensível à norma de prestígio. E é justamente esse tipo de sensibilidade

à norma culta que se deve incutir nos alfabetizandos.

Como as variantes não agem isoladamente, tendo muitos estudos demonstrado

que enunciados longos tendem a perder substância fônica, em razão da dificuldade de

processamento ou lei do menor esforço, não é raro deparar-se com o cancelamento da

vibrante em palavras de grande extensão como: favorecer - favorece, agradecer -

agradece. Pesquisas mostram que o destravamento silábico incide mais em formas

verbais infinitivas e em posição final da palavra. No exemplo acima citado, verifica-se

que a vibrante é mais realizada em contextos formais.

Fora do âmbito de uma atitude meramente prescritiva, mas enfatizando alguns

empregos lingüísticos desajustados às normas gramaticais, cuja utilização é

fundamental na escrita, que causa, principalmente na fase inicial de letramento,

dúvidas e conseqüentes dificuldades, descreve-se neste espaço resultados de pesquisas

de campo comprovadas, aproveitados os de base acadêmica, como transferência

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concreta para a sociedade, incentivo de pistas para a produção de tecnologia

pedagógica. Dentro de critérios estabelecidos para as duas modalidades, apresenta-se

alguns fenômenos variáveis para uma e outra modalidade, respeitando-se os relativos a

significados sociais e os marcadores dialetais por razões diversas, muito embora

especificamente do ponto de vista regional. Desta forma, constam algumas variáveis

fonológicas, lembrando que existem tipos de variação que ocorrem em todo o território

nacional, em todos os estratos sociais, e em todos os eventos de fala e estilo, aspecto

esse a ser considerado. Um conjunto de fenômenos fonológicos terão sua aplicação

somente para a escrita, tendo em vista que a língua oral preserva tais variantes que não

implica qualquer conseqüência para os falantes, conforme a seguir:

· Assimilação mb - Exemplo: também - tamém, cujo uso é geral no português

brasileiro., mas que na oralidade não recebe estigma social.

· Elevação e abaixamento de pré-tônicas: Pernambuco - Pєrnambuco - menino -

minino, segundo, sigundo, cujo uso não é geral no Brasil, mas pode receber

estigma lingüístico até em certos itens, especialmente no caso de abaixamento.

· Cancelamento da vibrante pós-vocálica: andar - anda, brincar - brinca, excetuando-

se itens como empréstimos, sua aplicação se dá igualmente em todo o Brasil, e não

recebe avaliação negativa.

· Cancelamento e inserção de semivogal: peixe - pexe, pegou - pego, usado em todo

o território nacional; nascimento - na(y)cimento, este mais usado em São Paulo;

doze - do(w)ze, este mais usado no Rio de Janeiro. Essas variações não oferecem

qualquer problema de estigma social em se tratando do uso oral.

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Em pesquisa de campo realizada por Mollica (2000) e colaboradores,

objetivando verificar se a realização de uma orientação clara e direcionada no

ensino/aprendizagem da escrita reduz possíveis erros relacionados à oralidade, foram

controlados apenas um grupo de fatores de natureza estrutural, visto tratar-se de um

trabalho piloto, sendo escolhidos para testagem o alteamento de vogal pré-tônica e a

monotongação, de /ey/ para /e/ e de /ow/ para /o/. Foram escolhidas instituições

particulares, como cheches, e colégios, bem como em Centro Integrado de Educação

Pública - CIEP. Utilizou-se da estratégia de se trabalhar sempre com dois grupos: um

que recebe instrução explícita sobre o fenômeno da oralidade e suas conseqüências na

escrita, e outro que não recebe qualquer instrução, sendo a análise constitutiva dos

dados totais separados em válidos e inválidos, em seguida observando-se nos dados

válidos o percentual de monotongação:

a) Processos de monotongação

· Pesquisa I - Classe de Alfabetização (Colégio Particular)

Realizações Grupo A (com instrução) Grupo B (sem instrução)

/ey/ >/e/ 2/110 = 1,8% 4/110 = 3,63%

· Pesquisa II - 3ª série (Ciep Yúri Gagarin)

Realizações Grupo A (com instrução) Grupo B (sem instrução)

/ey/ >/e/ 0/192= 0% 10/43 = 23%

/ow/ >/o/ 0/16 = 0% 5/15 = 31%

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· Pesquisa III - 3ª série - Escola Estadual Praça da Bandeira

Realizações Grupo A (com instrução) Grupo B (sem instrução)

/ey/ >/e/ 28/416 = 6,7% 86/448= 23%

/ow/ >/o/ 4/32 = 12% 17/32 = 53%

b) Processos de abaixamento de vogais pré-tônicas

· Pesquisa I - 3ª ( Escola Estadual Praça da Bandeira)

Realizações Grupo A (com instrução) Grupo B (sem instrução)

e > y 3/290 = 1% 293/330 = 88%

· Pesquisa II - 3ª (Centro Educacional Nilopolitano) - Particular

Realizações Grupo A (com instrução) Grupo B (sem instrução)

e > i 5/226= 2% 8/212 = 3,77%

o >u 2/113=1,77% 1/144 = 8,77%

Em outra pesquisa, realizada também por Mollica (2000) nas instituições CIEP

Gregório Bezerra, e em outra particular - Instituto Francisco Sales, escolhido para

observação o processo de monotongação na escrita, foi elaborado teste no qual

pudessem verificar se as crianças de 1ª a 4ª escrevem da mesma forma como falam,

utilizando-se de figuras relacionadas a algumas palavras que se constituem dos

ditongos /ow/ e /ey/, e que apresentam contextos favoráveis ao processo de

monotongação como: bebedouro, doutor, tesoura, touro, peixe, feijão, cadeira, queijo,

cozinheiro e brigadeiro. Foram dispostas as figuras correspondentes de forma

intercalada, para que os alunos não percebessem que havia a intenção de teste da escrita

dos referidos vocábulos; com o cuidado de procurar figuras nítidas, a fim de que não

pairassem dúvidas na identificação. Para evitar grande perda de dados, e induzir o

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aluno a contribuir de forma esperada, algumas vezes foram grafadas as iniciais dos

itens.

No CIEP, o teste foi aplicado em única vez com 213 alunos dispostos em turmas

de cada série do ensino fundamental, sendo adotado o mesmo procedimento da

primeira pesquisa aqui transcrita, ou seja, o grupo A – com instrução, e o grupo B –

sem instrução, esclarecendo para as turmas do grupo A que na linguagem oral, muitas

vezes, não há a pronúncia de determinados sons, o que não causa danos na

comunicação, mas se constitui indispensável sua representação na escrita, acordando

com as normas ortográficas vigentes.

Nessa observação de Mollica (2000), considerada ainda a variável escolaridade,

o trabalho se baseia na transcrição de pesquisa sistemática, restringindo-se às turmas de

alfabetização à 3a série, cunho do seu objetivo.

Figura 1

Fonte: Adaptada de Mollica (2000, p.57)

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Figura 2

Adaptada de Mollica (2000, p. 58)

No Instituto Francisco Sales os testes também foram aplicados em única visita,

com 262 alunos distribuídos, aplicando-se o mesmo procedimento, e baseando-se

também no ensino fundamental, com o mesmo tipo de ilustração, e itens lexicais

idênticos. Considerando a escolaridade, concluiu-se que os dados realizaram-se de

modo previsto:

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Figura 3

Fonte: Adaptada de Mollica (2000, p.61)

No C.A. sem instrução houve 21% de monotongação, enquanto a classe

instruída apresentou uma queda considerável para 13,5% dos dados. A primeira série

novamente comportou-se de forma contrária, ou seja, a turma com instrução realizou

mais monotongação. Nas outras séries - 2ª e 3ª, a monotongação voltou a ocorrer com

mais incidência nas turmas sem instrução.

De acordo com os resultados das pesquisas aqui descritas, nota-se que as

turmas de alfabetização a 1ª série não são sensíveis a um comando explícito sobre as

influências na realização da escrita. Uma das hipóteses a considerar é o grau de

maturação, já que o vocabulário das crianças é diminuto nas séries iniciais, sendo a

baixa incidência em algumas turmas justificada pela observação de que o aprendiz da

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escrita deve estar ainda incorporando novas palavras sem aplicar qualquer regra.

Então, a instrução pode iniciar-se efetivamente no decorrer da 1ª série, e a partir da 2ª,

quando o processo de alfabetização acha-se avançado, estando o aluno mais maduro

para assimilar e aplicar outro tipo de regra, como a de variação lingüística.

Mollica (2000, p.59) observa, também, que a monotongação da semivogal

posterior na fala constitui mudança em progresso em último estágio no português

brasileiro, enquanto a supressão da semivogal no ditongo /ey/ está sujeita a restrições

estruturais fortes, ou seja, condicionamentos fonológicos precisos, o que torna o

processo estável.

Em outra testagem, verificou-se que a variável faixa etária concorre para se

obter visão panorâmica dos dados, reafirmando-se as conclusões da análise das diversas

variáveis, descritas anteriormente:

Figura 4

Fonte: Adaptado de Mollica (2000, p.63)

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A faixa etária 1 reúne alunos com idades entre seis e nove anos nas turmas

sem instrução, as quais apresentaram um índice de monotongação de 9% contra 5,8

nas turmas com instrução. Já a faixa etária 2, que representa os alunos com idades

entre dez e treze anos, as turmas sem instrução foram responsável por 5,7% das

monotongaçõesendo as turmas com instrução responsáveis por 2,9%.

Há, ainda, um conjunto de fenômenos, cujas variantes são, geralmente,

indicadores sociais, que se prestam a uma pedagogia voltada tanto para a fala como

para a escrita. São casos de "marcas fonológicas que recebem valor social

extremamente negativo, e a realização por parte do falante pode desfavorecer uma

estratificação social que possa vir a se utilizar da realização escrita" (MOLLICA, 2000,

p. 32).

· rotacismo /l/ ~/r/: Clube - Crube, Cláudio - Cráudio (MOLLICA; PAIVA, apud MOLLICA, 2000)

· mudança de /r/ ~Ø - salvo nos casos em que o uso se deve a fatores

psicolíngüísticos, como em próprio - própio; problema - poblema (MOLLICA & PAIVA; apud MOLLICA, 2000).

· Assimilação ndo - no: falando - falano (MATTOS; MOLLICA, apud MOLLICA,

2000)

Comparando-se o rotacismo /l/ - /r/ com o apagamento /r/ - Ø, verificou-se o

número elevado de ocorrência deste. Entretanto, se avaliarmos a questão, levando em

conta que não é um fenômeno estigmatizado na fala, pois é praticamente inaudível,

podemos compreender as possibilidades de ocorrência na escrita do apagamento de /r/

em alguns grupos consonantais como por exemplo pr - própria - própia; problema -

poblema, impróprio - imprópio, em registros produzidos por falantes não cultos.

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Do ponto de vista lingüístico, evidencia-se que a influência de outra líquida na

palavra é relevante para o rotacismo e o apagamento do /r/ na aquisição da escrita. A

presença de dois segmentos líquidos atua provocando as ocorrências retro citadas. Já os

casos de rotacismo produzidos por falantes não cultos e reproduzidos quando na

iniciação à escrita, os quais são bastantes estigmatizados também na fala, e em

conseqüência, corrigidos sistematicamente nas escolas, inclusive na realização oral, vão

aparecer com menos freqüência na escrita, em qualquer tipo de falante ou aprendiz da

escrita.

A assimilação da dental no grupo consonântico -ndo- também foi objeto de

estudo de Mollica (1994), que observando sob o prisma da sóciolingüística

variacionista, constatou como principais realizações as formas de gerúndio e suas

subclasses, como os gerundios fáticos; Ex.: "você vira à esquerda, depois segue em

frente, tá entendendo?" (MOLLICA, 2000, p. 82). Como principal fator, a extensão do

item lexical, pois quanto maior o número de sílabas, maior probabilidade de

assimilação na fala, contribuindo para a influenciar a produção gráfica. Quanto a

fatores extralingüísticos que podem contribuir para a emergência da variante standard

mencionam-se a escolaridade, ou seja, quanto menos escolaridade mais propícia a

assimilação.

Há de se concordar que muitas são construções sociopragmáticas marcadas e

assumidas por falantes mais inseguros, ou então, que são usadas inconscientemente

pelos falantes com finalidade comunicativo-funcionais claras, mas que são altamente

cobradas em sua norma prestígio pelo padrão culto inserido na escrita, devendo o aluno

ser disciplinado desde o início para esse conceito.

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2.1 Interdisciplinaridade lingüística

Uma perspectiva sóciolingüística

Em estudo realizado por Santos (SANTOS apud, MOLLICA, p.27) sobre a

interação professor/sala de aula, observou-se que o professor de uma sala rural em

Goiânia somente é sensível àquelas diferenças lingüísticas que o próprio atribui à

proveniência regional. Outros traços não-padrão passam despercebidos para o

professor. No decurso da aula há alternâncias entre o dialeto local e o padrão,

distinguindo-se formas lingüísticas realizadas na leitura e escritura, com as adequações

à comunicação, sem mediação de texto escrito. Esse procedimento até pode produzir

efeito positivo para a criança, em relação à atenção e rendimento escolar, mas não

realiza a vertente de variações não-padrão.

Verificando se os resultados dos estudos variacionistas por pesquisadores

brasileiros coincidem com o que os falantes percebem do ponto de vista das marcas

variáveis no português falado, interpretou-se, em geral, que as regras previstas na

grade curricular da escola que são mais audíveis, mais notadas, e mais avaliativas pelas

falantes, são as concordância e regência. As demais, que não são explicitamente

"despertadas" na escola passam a fazer parte da pressão social mais ampla de que fala

Santos, 1980 (SANTOS apud MOLLICA, p.25) sugerindo que as realizações se

organizam em três subconjuntos variáveis:

a) despertada em níveis altos por pressão social mais ampla;

b) a escola atinge seu objetivo de conscientizar os educandos

a respeito das variantes.

c) a escola tem sucesso parcial. Conforme Santos:

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"Mesmo sem ser levado, por treinamento, ao uso dos

valores que a escola prescreve, o aluno é advertido sobre

a existência das variantes e de seu status escolar. Mas se

a escola consegue a formação de um consenso de crenças

e de atitudes sobre a heterogeneidade lingüística em

geral, já não obtém o mesmo em relação a variantes

particulares, mesmo aquelas sobre as quais exerce

pressão. A escola não erradica do aluno o valor que ela

estigmatiza. O aluno tomando conhecimento do status

escolar do valor que usa, pode ficar definitivamente

seguro de que fala "errado". Mas se ele não percebe

auditivamente a diferença dentre os valores, ele não

assumiu a atitude da escola em relação à variante, por

maior que seja a sua disposição para aderir à ideologia

escolar" (SANTOS, apud MOLLICA, 2000, p.26).

Por essa lógica, pode-se concluir que o problema de realizações escritas

inadequadas influenciadas pela oralidade deve ser atacado o mais cedo possível, com

número diminuto de palavras e, em estágio mais avançado, com um universo de

palavras. Esse procedimento promoveria o saneamento pela raiz de influências sobre a

escrita. Assim, a orientação explícita a respeito dos problemas de variação lingüística

que afetam a relação fala/escrita é relevante. Sabe-se que com o avanço das séries e o

aumento da idade, consequentemente, vão se assimilando as regras para a realização da

escrita, como por exemplo a regra de inserção dos grafemas i e u nos ditongos /ey/ e

/ow/. Mas tanto mais compreendida e aprendida quando os alunos se tornam

conscientes das diferenças entre oralidade e escrita, que podem ser despertadas e

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orientadas tanto na família, como principalmente na escola, a qual se designa a uma

metodologia eficaz do ensino.

Alguns estudos de crenças e atitudes com mães e professores realizados em

grandes centros do Rio de Janeiro por Oliveira e Silva (1991 apud MOLLICA, p. 27)

evidenciam que os professores são menos preconceituosos que as mães, muito embora

os dois grupos mantenham preconceitos lingüísticos. Confirma-se o que vários autores

descrevem "a escola não é a principal responsável por influenciar o modo de falar,

sendo a família um fator preponderante". (MOLLICA, 2000, p.27)

Assim, a sugestão de uma metodologia de ensino que dê conta de todos os

fenômenos variáveis, ou aparentemente, que foram objeto de estudo voltado à área

sóciolingüística, interagindo assim não só com a família, em reuniões, como também

norteando-se em princípios mais gerais, postulados em Mollica (2000), cujos critérios

para a discussão destacam-se:

a) Ir do mais freqüente para o menos, pois tratando-se de sala de aula há que se atacar

problemas priorizando os mais incidentes. Assim, recomenda-se que o trabalho com

desvios da variante standard de menor ocorrência seja postergado.

b) Ir do mais provável para o menos. Quase sempre os problemas mais freqüentes

coincidem com os que, por estudos, confirmam-se como relacionados a fatores que

favorecem seu uso, conforme as descrições variacionistas de que se dispõe no

português falado no Brasil atualmente.

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Essas premissas gerais fundamentadas no princípio de que a variação não é

aleatória, mas controlada por fatores internos e externos à língua (LABOV apud

MOLLICA, 2000, p.36) pressupõem que as descobertas pelos pesquisadores sobre os

assuntos que envolvem variação do português atual oral e escrito fornecem informações

que tais usos alternantes da língua podem e devem ser conscientizados e sensibilizados

na escola, exercitados e convenientemente dirigidos, e até coibidos se for o caso.

Há de se apontar a importância da interdisciplinaridade lingüística, expondo a

realização oral no meio social, em contraste com o meio escolar, que disciplina a

realização escrita, como fatores de modificação tanto no comportamento lingüístico,

quanto na própria avaliação do falante em relação à língua, destacando-se, ainda, que

atitudes lingüísticas dos adultos em geral têm estreita relação com as variáveis

diatópica, estilística, diastrática, ou seja, diferenças entre dialetos, grau de formalidade

do contexto oral, e nível de instrução, respectivamente.

Nos casos de monotongação, elevação de abaixamento de pré-tônicas, e até

mesmo no caso de inserção da semivogal posterior, os trabalhos interdisciplinares

podem direcionar o ensino no sentido de indicar sob visão diatópica e estilística. No

caso dos fenômenos cujas variações são normalmente indicadores sociais, pode-se

esclarecer acerca do perfil sóciolíngüístico dos usuários dessas variáveis, salientando o

ponto diastrático, ou seja, em que medida se encontram desajustados ao padrão, e o

porquê, e subsidiar uma pedagogia que enfatize a autocorreção espontânea

(ABAURRE; PACHECO apud MOLLICA, 2000, p.32).

À medida em que o aluno tome contato estreito com a escrita, pode-se acelerar o

processo de autocorreção, o qual se estende ao longo das séries, indicando os itens e

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contextos mais prováveis em que ocorrem a uniformização dialetal. E, ainda,

sensibilizar, em geral, os alunos, alertando-os para o respeito aos usos regionais,

quando os marcadores lingüísticos não implicarem discriminação lingüística.

Pode-se, também, apontar a escrita como um meio de conscientizar os alunos-

falantes das formas que recebem valores sociais diversos, objetivando uma maior

intimidade com as variantes de prestígio, e indicar os ambientes fonológicos favoráveis

à incidência das possíveis realizações indevidas, assim como fornecer o conhecimento

dos itens mais afetados pelas formas variáveis, estabelecendo critérios para a

priorização.

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2.2 Proposta Pedagógica

A instituição escolar, incluídos os mestres, ao planejar testes que sinalizam as

variantes de maior incidência para realizações ortográficas inadequadas, como por

exemplo, os ditongos /ey/ e /ow/, devem trabalhar os itens conforme os fenômenos

mais freqüentes e mais prováveis.

Na língua oral, dentre os ditongos decrescentes, apenas quatro alternam com

vogais simples: /ay/, /aw/,/ey/ e /ow/, sendo o cancelamento da semivogal mais

freqüente nos dois últimos, como: peixe - /pexe/, ouro - /oro/. Nesse sentido, um

trabalho sobre a representação desses ditongos não deve apresentar palavras

homônimas, ou seja, que possuam oposição de significados, como: couro - /coro/ =

couro de jacaré, em oposição a coro - /coro/ = conjunto de pessoas.

Pode o mestre, ainda, destacar vocábulos que não se apresentam com variantes

como: chamei, rei. leite, e, por vezes, trabalhar a ocorrência da inserção da semivogal

/y/ (representada por i), como hipercorreção ortográfica: caragueijo, igreija, com que

acontece a grafia errônea das palavras, como se elas contivessem o ditongo /ey/ na fala,

ou como generalização da regra em determinada fase da aprendizagem da escrita,

ressaltando, ainda, que a pressão sócio-escolar pode se encarregar da correção, tanto

nos processos de redução de ditongos decrescentes /ey/ e /ow/, como em outras

realizações ortográficas indevidas (ABAURRE; KATO apud MOLLICA, 2000, p.

96).

Ao refletir sobre os resultados a serem atingidos, o professor deve enfatizar

regras que serão aplicadas através de exercícios lúdicos e criativos, não esquecendo que

as normas não são pré-formadas na crianças, e sim, construídas por elas.

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Considerando como preexistente a competência lingüistica do aprendiz, sempre

que possível os exercícios devem partir da produção oral para a escrita, cujo

procedimento principal é a identificação auditiva das palavras, comprovando assim essa

influência da oralidade na escrita, já que o aluno possui mais facilidade na escrita ao

realizar o treino oral, além de sempre observar com que letras determinados sons são

representados na escrita.

A seguir, destacam-se algumas estratégias didáticas a serem utilizadas

objetivando o trabalho de orientação, por meio de exercícios, trabalhando a

representação escrita dos ditongos /ey/ e /ow/, em que o universo identificado é

justamente o mais provável, tendo em vista as experiência verificadas ao longo desse

trabalho. As propostas agrupadas em função de dois critérios: o grupo A – com

diretrizes específicas para o mestre, o grupo B – diretrizes específicas para os alunos.

Considerando que as idéias aqui descritas não esgotam as possibilidades de se trabalhar

a variação na fala, e seus reflexos na escrita, importa ressaltar que a metodologia

empregada deve atentar apenas para os casos realmente problemáticos, ou seja, a

realização de trabalho dirigido para o universo lexical que realmente se apresente

favorável à possíveis incidências de variação.

Grupo A – Diretrizes específicas para o mestre

I – Considerando que a monotongação em /ow/ é mudança em progresso na

língua e a monotongação em /ey/ é variação estável, e concluindo que a recuperação

da semivogal posterior representada por u é mais resistente do que a recuperação da

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semivogal anterior através do diacrítico i, na escrita, dê prioridade aos fenômenos que

possuem mais resistência no processo de alfabetização, como os que ocorrem com

vocábulos: feijão, peixe, peneira, bebedouro, touro.

II – Observando-se a vogal tônica no vocábulo falou, e considerando sua

posição ao final de palavra, devemos exercitá- la, por se tratar da representação na

escrita da semivogal posterior, comprovada a monotongação do ditongo na língua

falada no Brasil.

Grupo B – Diretrizes específicas para os alunos:

Exercícios

I - Pronuncie as cadeias de palavras a seguir e:

a) Reflita se, na fala, o i e o u são pronunciados em todos os casos:

cadeira - teia - ameixa - paguei - queijo - azeite - aveia - lei

beijo - touca - bebedouro - louça - ouvido - pouso - vou - passou - touro

b) Classifique outras palavras da língua em que nunca há monotongação na

fala.

c) Procure separar as palavras de (a) que se enquadrem em (b).

II - Leia rápido e observe a pronúncia das palavras em negrito comparada à sua

representação gráfica. Em seguida, separe-as em tipos de ditongos:

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"Hoje é Domingo. Pé de cachimbo.

Galo monteiro pisou na areia.

Areia é fina. Bateu na lata.

A lata é de ouro. Bateu no Touro.

Touro é valente. Bateu no tenente

O tenente é fraco. Caiu no buraco

O buraco é fundo. Acabou o mundo" (MOLLICA, 2000, p.97)

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CONCLUSÃO

Ao basear-se esse estudo em pesquisa de caráter sistemático, verificou-se que o

trabalho da variação lingüística no Brasil já permite oferecer a transferência de

resultados de pesquisa para a realidade da sala de aula do ensino do português, o que

indica uma modificação concreta nos rumos pedagógicos para se trabalhar as variantes

ao longo da alfabetização, tendo em vista que o nível da ortografia, ainda que possa ter

independência dos níveis próprios da gramática, e mesmo em construções lógicas do

discurso, e assim considerado menos importante, pode oferecer obstáculos de ascensão

educacional ou profissional ao indivíduo.

De um modo geral o trabalho em sala de aula deve sempre manter o equilíbrio

entre a intervenção do professor como agente educador e sua interação com os alunos.

Assim, o mestre não deve se preocupar tanto com possíveis erros do alfabetizando em

sua expressão escrita, pois, geralmente, o domínio da leitura e a interação social se

encarregam da redução dos erros. As análises aqui expostas mostram claramente que os

chamados "erros" ortográficos, ou de outra natureza são previsíveis e servem de pistas

claras para se observar o processo por que passa o alfabetizando, sendo esses erros

entendidos como hipóteses construídas nas diversas fases de aquisição à escrita,

refutadas ou confirmadas, conforme o caso.

Tais explicações, relevantes para a compreensão da ocorrência de inadequações

à norma vigente, atingirão o nível prático da sala de aula se houver uma orientação

pedagógica clara e direcionada, a fim de reduzir a influência da oralidade na escrita,

cujo marco de iniciação será a segunda série. Na primeira série, o trabalho

generalizado em relação a variação lingüística.

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Nas séries subseqüentes deve-se manter uma pedagogia orientada, tendo em

vista que a população escolar brasileira, submetida a vários métodos de letramento,

alguns extremamente eficazes, enquanto outros de eficácia duvidosa, apresenta níveis

muitos diferenciados de aprendizagem, o que deixa resíduos de problemas de escrita até

o segundo grau. Pode-se acrescentar a isso o fato de que não há garantia da

continuidade escolar tão importante ao cidadão e prevista na Constituição Brasileira,

tendo em vista fatores alheios à escola, mas vinculados à condição de

subdesenvolvimento do Brasil.

Sabendo-se que os professores que atuam nas séries iniciais podem ser

profissionalizados já no 2º grau, para uma melhor preparação, seria interessante

defender a orientação sobre essa atuação de correção também nos cursos pedagógicos,

como por exemplo, ministrar o assunto nos cursos de 2º grau - formações de

professores, ou escola normal, sendo necessário elaborar material didático específico

relativo à variação lingüística para garantir uma didática que não confunda os casos

problemáticos com os que não oferecem qualquer problema. Busca-se assim

metodologia dirigida, tal qual aqui exposta, tendo em vista a eficácia para antecipação

da correção de erros da escrita, otimizando estratégias de alfabetização.

Esperando que as pesquisas aqui expostas esclareçam pontos importantes, é

reconhecida a necessidade de um conhecimento sobre os aspectos cognitivos do

aprendiz e sobre o processo de construção do conhecimento em geral, não havendo

qualquer dúvida de que as pesquisas devem prever idealmente um acompanhamento

longitudinal de cada turma. A consciência da possibilidade de pesquisas mais amplas, é

a confirmação de que esse trabalho é o ponto de partida para a construção de

contribuições aplicadas na área de sociolingüístca.

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BIBLIOGRAFIA

ROJO, Rozane (org.). Alfabetização e Letramento: perspectivas lingüísticas. São

Paulo: Mercado de Letras, 1998.

KATO, A. Mary. No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolingüística. São

Paulo: Ática, 2002.

MOLLICA, Maria Cecília. Influência da fala na alfabetização. Rio de Janeiro:

Tempo Brasileiro, 2000.

PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Centro de Informações

Multieducação. Secretaria Municipal de Educação. Multirio. Como Piaget e

Vigotsky concebem o processo de desenvolvimento e os pontos de divergência

entre dois teóricos. Disponível em:

<http//www.rio.rj.gov.br/multirio/cime/ME03/ME03_007html>. Acesso em

15.06.99.

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ANEXO A

A.1- Comprovantes Acadêmicos de Estágio

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A 2 – Comprovantes Acadêmicos de Participações em Eventos Culturais