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DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
DIFICULDADES NA ESCRITA INICIAL - C.A. à 3ª séries
Maria Cristina Oliveira de Arruda Brandão
RIO DE JANEIRO,
MARÇO DE 2003
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
DIFICULDADES NA ESCRITA INICIAL - C.A. à 3ª séries
Aluna: Maria Cristina Oliveira de Arruda Brandão
Orientador: Jorge Tadeu Vieira Lourenço, M. Sc.
RIO DE JANEIRO,
MARÇO DE 2003
3
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
DIFICULDADES NA ESCRITA INICIAL - C.A. à 3ª séries
Maria Cristina Oliveira de Arruda Brandão
Trrabalho Monográfico apresentado como requisito
parcial para a obtenção do Grau de Especialista em
Psicopedagogia.
RIO DE JANEIRO,
MARÇO DE 2003
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus, que
me deu forças para continuar. Dedico
especial gratidão à minha filha Carolina
Brandão, foi quem me chamou atenção
para o problema estudado.
Agradeço também ao Prof. Jorge Tadeu
por sua orientação e cooperação para
que este trabalho se concretizasse.
5
EPÍGRAGE
"Aprender é um processo complexo. Estudá-lo implica
necessariamente que se faça um recorte. Entender este recorte como
totalidade do processo de aprender é, evidentemente, um
reducionismo. Em educação, temos lidado continuamente com
reducionismos que são, muitas vezes, encarados como teorias
fechadas ou por seu formulador ou por seus seguidores, mais
comumente pelos segundos. Teorias estas que, pretensamente, dariam
conta da complexidade do aprender. Esta postura determina a
limitação da própria teoria como elemento de compreensão da
realidade. Nesta perspectiva, ela torna-se totalmente inadequada,
uma vez que o aprender requer, para ser compreendido, uma
abordagem mais abrangente, que envolve várias áreas do
conhecimento. (...)Dentro da psicologia existem outras teorias que
assumem o princípio do papel ativo da criança na elaboração de seu
conhecimento. Só que sob um prisma distinto e de maior
complexidade que no construtivismo, na medida em que consideram o
social e o cultural como constitutivos do processo de construção do
conhecimento (SOUZA LIMA, apud ROXO ROXANE, 1998).
RESUMO
6
Este trabalho tem o objetivo de analisar as dificuldades na alfabetização a partir
da variação lingüística no português brasileiro, cuja produção verbal distingue-se da
escrita. Ao desenvolver-se uma definição da variação lingüística e das características
das modalidades verbal e escrita em sua relação direta, torna-se necessário verificar
algumas realizações inadequadas que tendem a acontecer, principalmente nas séries
iniciais da alfabetização.
Assim, chega-se ao conhecimento de pesquisas que constatam as realizações
inadequadas, bem como alguns fatores que tendem a influenciar a produção escrita
inicial, propondo-se a interdisciplinaridade lingüística e métodos de pedagogia nessa
área.
SUMÁRIO
7
Introdução....................................................................................................................8
1 A Natureza de nossa Produção Oral e escrita........................................................10
1.1 O Caráter Heterogêneo das Línguas.....................................................................13
1.2 A Oralidade no contexto inicial do letramento...................................................16
2 Realizações inadequadas à escrita..........................................................................22
2.1 Interdiscipliridade lingüística - Uma perspectiva sóciolingüística.......................33
2.2 Proposta Pedagógica.............................................................................................38
Conclusão...................................................................................................................42
Bibliografia................................................................................................................44
Anexos:
1 - Comprovantes Acadêmicos de Estágio.............................................. 45
2 - Comprovantes Acadêmicos de Eventos Culturais................................46
INTRODUÇÃO
Ao considerar o processo ensino-aprendizagem do português, este estudo
8
objetiva a analisar o primeiro ciclo de ensino, distintivo pela multiplicidade de facetas,
que compreende fatores que podem e devem ser considerados, delimitando-se à área de
sóciolingüística e psicolingüística.
A análise de alguns processos que ocorrem na realização da escrita pelas
crianças parte do princípio da mínima experiência sobre diversos fatores influentes, e
sobretudo quando se trata de aspectos que englobam o cultural e o social, sobretudo o
momento posterior àquele em que a criança descobre o tipo de escrita com que vai
trabalhar, ou seja, o momento em que ela entra efetivamente na realização da escrita.
Aos fatores de caráter cultural e estilístico, constituintes da linguagem
portuguesa, heterogênea por natureza, depreendem-se alguns processos que
desencadeiam em realizações ortográficas inadequadas, como certas variantes
suscetíveis a tais realizações, verificadas em estudos realizados em instituições públicas
e particulares, que englobam as classes do CA à 4ª série, especificamente nas classes
do CA a 3ª séries, as quais tornam-se o objetivo deste trabalho.
No que concerne ao modo de discussão sobre o objeto de estudo, discute-se a
relação entre o sistema ortográfico e o fonológico, e as correlações estabelecidas por
pesquisas nos dois sistemas, levando-se em consideração a condição do aprendiz no
processamento dessas relações, sabedores que o ato de conhecer não envolve apenas
questões de ordem psicológica, mas também social.
Inicialmente, são apresentadas as diferenças gerais entre oralidade e escrita,
bem como os fatores conseqüentes da heterogeneidade lingüística. Discute-se o
contexto inicial de letramento, que absorve reflexos da naturalização geral constante na
9
oralidade, apresentados por resultados de pesquisas e investigações sistemáticas
situadas em creches, Cólegio Público, e Particular. No segundo capítulo, propõe-se uma
abordagem dessas realizações através da interdisciplinaridade lingüística, transmitindo
propostas de ação pedagógica dirigidas para a regressão dessas incidências.
Desta forma, o objetivo maior deste trabalho é expor de modo sintético os
diferentes aspectos que envolvem a oralidade e a escrita, que desencadeiam em
dificuldades no processo de letramento, relacionadas a questões que envolvem não só a
arbitrariedade da língua, como o social e o pragmático, cuja interferência,
principalmente na fase inicial, aponta para questões que caracterizam a complexidade
do ensino-aprendizagem.
10
CAPÍTULO 1
A NATUREZA DE NOSSA PRODUÇÃO ORAL E ESCRITA
O ser humano possui uma inerente necessidade de expressão e comunicação,
estando as duas necessidades tão relacionadas, que basta dizer que a base da
comunicação humana é sua própria expressão individual.
O desenho do homem primitivo sobre a superfície de algum objeto significava a
expressão de suas idéias, sendo a fala sua expressão auditiva. Com o passar do tempo, o
desenho se desenvolveu em direções distintas. O próprio desenho como manifestação
de arte, e o sistema pictográfico na escrita, passando a longo prazo a representar a fala,
como um simbolismo de segunda ordem. Nessa concepção, a primeira diferença
observada por um leigo seria quanto a natureza do estímulo, auditivo para a fala, e
visual para a escrita.
A natureza da escrita especialmente a portuguesa, referencialmente, é tida como
alfabética, muito embora sua utilização na linguagem não o seja totalmente. O contínuo
de sinais acústicos não apresenta unidades discretas e invariantes que possam
corresponder à unidades lingüísticas, tendo os ouvintes que reestruturar a cadeia sonora
em unidades não físicas, mas psicologicamente significativas, como o fonema, a
palavra e a oração. Essa operação, estritamente cognitiva, não é tomada de consciência
inicialmente, pois somente tendem a ser percebidas por meio da experiência do
letramento. Todos passam por uma fase inicial na alfabetização, em que muitas vezes
as palavras aparecem como grudadas umas nas outras, representando um enigma, na
qual tarefas como, por exemplo, de silabação é um "bicho de sete cabeças"(KATO,
2002, p.12)
11
A produção oral e a escrita possuem uma relativa isomorfia, porque realizam a
seleção a partir do mesmo sistema gramatical e podem exprimir as mesmas intenções,
verificando-se nas duas modalidades diferenças formais normalmente observadas que
"nada mais são do que diferenças acarretadas pelas condições de produção e uso da
linguagem". (KATO, 2002, p.20)
Observa-se algumas diferenças do uso oral para o uso ortográfico pelas
condições de produção, tais como:
· Maior grau de planejamento
· Submissão às regras prescritivas
· O fato de a interação não se dar face a face
· Menor dependência do contexto situacional
· Produção permanente
O grau de planejamento determina o nível de formalidade, que pode ir do menos
tenso (casual ou informal) até o mais tenso (formal, gramaticalizado), já a dependência
contextual determina o grau de explicitação textual, ou seja, o grau de autonomia.
O fator determinante para as diferenças quanto ao aspecto formal é o gênero
expressivo e o referencial, para a fala e a escrita, respectivamente; a análise do que
ocorre no sistema ortográfico revela que a escrita é essencialmente fonêmica, pois
neutraliza diferenças fonéticas que existem na fala, e que não são distintivas, e
reproduz diferenças fonéticas significativas, isso quando o falante já tem experiência
dessas diferenças.
12
A fala é caracterizada por imposições de ordem comunicacional e funcional,
enquanto a escrita, além dessas, é regida por imposições de ordem normativa e
convencional, que, por vezes, podem se conflitar com as de ordem funcional,
principalmente na fase inicial. Então, enquanto a escrita é conservadora, a linguagem
oral muda, o que acarreta um afastamento gradativo entre essas modalidades. Quando
as motivações estruturais passam despercebidas, o que ocorre é um misto de relações
motivadas e arbitrárias (KATO, 2000, p.19-28).
Quando se fala sobre as diferenças entre linguagem oral e escrita, acredita-se
que são modalidades invariantes, quando, na realidade, no interior de cada há múltipla
variação, causada pelas variáveis:
· cultural
· social
· psicológica
· estágio de desenvolvimento lingüístico
Nesse âmbito, a escrita formal parece representar o mais alto grau de autonomia
contextual, estabelecido através dos meios lexicais e de estruturas complexas, enquanto
a fala é altamente dependente do contexto, e de recursos paralingüísticos, que estão
inseridos na linguagem humana, heterogênea por natureza.
13
1.1 O caráter heterogêneo das línguas
As línguas humanas estão em permanente dinamismo e assim sujeitas a diversos
processos de variação, o que justifica seu caráter heterogêneo, e acaba por estruturar o
sistema lingüístico, criando um senso comum.
Ao lado das variantes fonológicas convencionais, verificamos o uso de
vocábulos com o mesmo significado: aipim - mandioca, tangerina - mexerica. E ainda,
vocábulos com estruturas fono-morfológicas modificadas na sua expressão: problema -
poblema. Os exemplos citados ilustram o fenômeno de variação lingüística que, ao
contrário do que se imagina, é sistemático e previsível. A face heterogênea intrínseca
na língua, aparentemente aleatória, é passível de estudo, visto que não acontece por
acaso.
Pela visão sociolingüística, admite-se que exista pelo menos uma variedade
popular, e uma standard (MOLLICA, 2000, p.15), esta compreendida como culta, cujo
conjunto de marcas lingüísticas está de acordo com os cânones gramaticais. A
variedade não standard sendo própria da modalidade oral.
A polarização entre as duas variedades mencionadas não reflete a realidade das
línguas. Os padrões distribuem-se numa escala diatópica (diferenças entre dialetos
geográficos ou falares regionais), diastrática (diferenças de acordo com a
estratificação social), e estilística (diferenças segundo o grau de formalidade do
contexto de fala), e geralmente são propostos de acordo com a necessidade didática: o
padrão culto correspondendo a um conjunto de comportamentos comprometido com a
norma. Os outros padrões estão distribuídos num contínuo imaginário entre um polo
14
positivo (maior ajuste à norma culta), e um polo negativo (menor ajuste à norma culta),
sem a atribuição de valor intrínseco positivo ou negativo (MOLLICA, 2000, p.15).
Assim, as marcas lingüísticas sujeitas à variantes dependem da ação de
variáveis estruturais, sociais, e outras, que empregadas com maior ou menor proporção
vão configurar em um padrão lingüístico.
Os marcadores regionais ou dialetos geográficos são marcas regionais
predominantes numa comunidade, conhecidos como falares regionais, ou apenas
dialetos. Já as características lingüísticas de uma comunidade do ponto de vista da
estratificação social são conhecidas como dialetos sociais ou registros. Usa-se também
o termo registro quando se tem em mente o estilo ou contexto no qual se produz o
enunciado, relacionando o momento em que é relevante a consideração do grau de
formalidade do evento e do tipo de interação pragmática.
Como as distinções não são rígidas, as variáveis não se instalam nas línguas
dicotomicamente. As formas sujeitas à variação projetam-se num contínuo, como por
exemplo: o tratamento da forma pronominal tu predomina no sul do país, mas seu
emprego também pode aparecer em qualquer parte do território nacional, assim como a
ausência de concordância nominal, aparentemente exclusiva dos falantes menos
escolarizados, emerge na produção dos falantes cultos.
Trabalhando com tendências, há de se decartar concepções descontínuas,
contemplando idéias de que as variações não acontecem por acaso, mas são motivadas
por um conjunto de parâmetros, que favorecem ou inibem o emprego das variantes,
segundo Mollica:
15
Agentes como escolarização alta, contato com a escrita,
meios de comunicação de massa em geral, nível sócio-econômico
alto, origem social alta concorrem para o aumento na fala e na
escrita da taxa de ocorrência de formas canônicas: dos pares em
variação também - tamém, clube - crube, os fatores mencionados
tendem a favorecer o emprego de também e clube. (MATTOS;
MOLLICA apud MOLLICA, 2000, p. 14)
1.2 A oralidade no contexto inicial do letramento
16
Em uma abordagem generalizada, afirma-se que o Brasil é ainda uma nação de
real primazia do oral. Sendo assim, a língua oral por se permitir fugir ao controle das
regras prescritivas gramaticais, as quais recaem sobre a escrita, mais conservadora,
distancia-se de forma a abrigar subsistemas paralelos não previstos nessas normas.
A avalanche do uso oral ao lado do uso insignificante da escrita pode fazer com
que as formas do oral venham a afetar as formas da escrita, principalmente na fase
inicial de letramento. O que se avalia é que se nas sociedades altamente letradas as
pessoas procuram simular a escrita na fala, no Brasil a força da oralidade marca a
própria escrita, que teria a natureza expressiva para a criança que está se inserindo no
mundo do letramento, havendo a necessidade de um policiamento cada vez mais
consciente por parte do mestre para prescrever os padrões institucionalmente aceitos.
Pode-se observar a primazia do oral até mesmo nos falantes letrados
experientes, que frequentemente preferem procurar informações orais, em vez de
consultar um livro técnico, guia ou manual, como diz Kato (2002, p.40): "(...) da mesma
forma que somos dependentes como nação, em lugar de importarmos o know-why, contentamo-
nos com o know-how, criamos internamente uma dependência individual, não apenas
emprática, mas também de conhecimento geral".
Nas zonas rurais menos desenvolvidas mantém-se a realização do oral no
conhecimento, mas pelo menos nessas regiões "a oralidade gera um produto artesanal e
uma cultura popular altamente participativa, o que não ocorre quando há dependência
do oral por parte dos que já têm acesso à escrita" (KATO, 2002, p.40).
17
Seria interessante observar que à aquisição natural da linguagem se seguiria o
aprendizado da escrita, o que nos chama a atenção para a oposição entre natural x
aprendido. Uma vez transformados pela escrita em alguém que possui a experiência do
ler e escrever já não é possível subtrair esse efeito, ou seja, não mais se recupera a
opacidade com que os sinais antes se apresentavam, como para os que ainda não têm tal
conhecimento. Talvez seja esse caráter irreversível que produza a suposição de que a
escrita é transparente mesmo para os iniciantes. Ao projetar sobre eles essa suposição,
esperando suas próprias construções e conclusões, ficarão impedidos de "ler" os sinais
gráficos ou orais, os quais deixam entrever um momento particular de sua relação.
Desse modo, ainda que os métodos tradicionais e o próprio professor aposte na
transparência ou relação direta entre oralidade e escrita, a crença de que esta é um
conhecimento a ser ensinado/aprendido aponta um intervalo a ser preenchido.
Um pressuposto central é o de que o conhecimento lingüístico determina-se
essencial na construção do conhecimento sobre a escrita pela criança, ou seja, a
construção da escrita é essencialmente mediada pela competência lingüística do
aprendiz. Mas o fato de os pesquisadores assumirem essa capacidade não implica dizer
que todos concordem teoricamente em aspectos relacionados à gênese da competência
do aprendiz, sendo este um ponto bastante controverso. Como o conhecimento é
construído, qual sua base, sua modalidade de construção há bastante divergência no
grupo de pesquisadores lingüísticos, não convindo nos aprofundarmos nesse aspecto,
mesmo porque as teorias sobre linguagem, em geral, têm tido algum comprometimento
com os problemas de sua aquisição natural, entretanto não objetivam estritamente o
estudo da aquisição da escrita.
A teoria associacionista já descrevia que a criança monologa na fase inicial da
18
aquisição da linguagem. Segundo essa teoria, a fala afeta tanto o ouvinte quanto o
próprio falante. Como todo falante é seu próprio ouvinte, é natural que sua fala seja
também uma resposta para si próprio, respondendo verbalmente às suas atividades
motoras. Essa visão encontra algo em comum com a teoria piagetiana sobre a fala
egocêntrica. "Piaget diz igualmente que a fala egocêntrica acompanha a atividade
motora. Para ele, essa modalidade de fala desaparece quando surge o pensamento
lógico e a fala socializada." (PIAGET apud KATO, 2002, p. 114).
A concordância maior é com o pensamento do psicólogo soviético Vigotsky,
que parcialmente opõe-se a essa visão, afirmando que "a fala é desde o início uma
atividade social, global e multifuncional, desenvolvendo-se em fala egocêntrica e fala
comunicativa" (KATO, 2002, p.114). A primeira desenvolve-se gradualmente em
discurso interno, ou seja, o pensar verbalmente. Em termos de desenvolvimento,
acredita na distinção entre história natural e história cultural, ou seja, o princípio e a
transição desde as formas primitivas em relação às fases de evolução funcional. O
referecial histórico-cultural apresenta uma nova maneira de entender a relação entre
sujeito e objeto no processo de construção do conhecimento. Enquanto no referencial
construtivista o conhecimento se dá a partir da ação do sujeito sobre a realidade - sendo
considerado ativo, para Vigotsky esse mesmo sujeito não é apenas ativo, mas
interativo, porque se constitui a partir de relações intra e interpessoais. É na troca com
outros sujeitos e consigo próprio que há internalização de conhecimentos e da própria
consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social – relações
interpessoais – para o plano individual interno – relações intra-pessoal. Desta forma,
para Vigotsky o sujeito do conhecimento não é apenas passivo, regulado por forças
externas que lhe vão moldando, como não é apenas ativo, regulado por forças internas,
e sim, é interativo.
19
Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do estágio de desenvolvimento
atingido pelo sujeito, para Vigotsky, a aprendizagem favorece o desenvolvimento das
funções mentais. Ao nascer a criança se integra em uma história e uma cultura: a
história e a cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se caracterizam
como peças importantes na construção de seu desenvolvimento. Ao longo dessa
construção estão presentes as experiências, os hábitos, as atitudes, os valores e a própria
linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu grupo familiar. Então, ainda
presentes nesta construção a história e a cultura de outros indivíduos com quem a
criança se relaciona, e em outras instituições próximas como, por exemplo, a escola, ou
contextos mais distantes da própria cidade, estado, país ou outras nações.
No entanto, é relevante reconhecer que as propostas construtivistas inspiradas
quer em Piaget, quer em Vigotsky não abrem espaço para que se pense aquisição e
desenvolvimento da escrita somente a partir da transmissão do conhecimento do adulto
para a criança. Até mesmo para Vigotsky, que "considerava os processos
intersubjetivos um dos fatores responsáveis pelo funcionamento intra-subjetivo, as
operações com signos não são transmitidas, mas derivam de uma série de
transformações qualitativas e complexas" (VIGOTSKY apud ROJO, 1998, p.21). Supõe-
se com isso que o professor seja um mediador, agente de transformações no aluno, ao
contribuir para a descoberta de fatores distintivos na interferência da produção escrita.
Um tipo de evolução semelhante às pesquisas sobre linguagem aqui esboçadas
foi observado no desenvolvimento de redações de crianças, em pesquisa realizada por
Britton et Alli (BRITON et alli apud KATO, 2002, p.114), que constata que o primeiro
gênero produzido pela criança é o expressivo (ou emotivo), caracterizado pela sua
necessidade egocêntrica. Na fase inicial, mesmo quando a instrução é explicitamente
20
dirigida para a produção de um discurso de terceira pessoa, a criança envolve-se em
discurso expressivo, no qual é o principal sujeito.
Além da teoria associacionista, diversos estudos comprovam que o gênero
expressivo é essencialmente a fala transcrita, motivo pelo qual a criança inicialmente
realiza a escrita nesse gênero, muito embora ressalvando que a escrita expressiva ainda
é muito diferente da fala, pelas condições de produção. Ou seja, na fala existe uma
situação cara a cara, com posição imediata por parte do ouvinte. Já a escrita é um ato
solitário, tendo o escritor que se preocupar com o seu leitor visual.
Desta forma, o desenvolvimento da escrita parece ainda seguir alguns princípios
já postulados para a aquisição da fala. Por isso, as propostas construtivistas dos
estudiosos aqui explícitas assumem a interação como lugar de transformação, com o
compromisso de responder teoricamente sobre o papel do outro - interlocutor
alfabetizado, do iniciante - alfabetizando, e por isso mesmo sobre as práticas
discursivas, escolares ou não, em que o texto escrito está de alguma forma em questão.
Quando o que está em jogo é a transformação pelo simbólico fica a
interrogação sobre o aprender e o ensinar, partindo para a suspensão da transparência
como estratégia, e tornando possível a formulação de questões por alguém que
transformado pelo simbólico concebe a escrita como representação dos sons da fala, ou
seja, dá-se a naturalização da continuidade da escrita relativamente à oralidade.
A nível microestrutural os desvios na produção escrita inicial podem ser
justificados como decorrência do uso automático das mesmas estratégias usadas na fala,
o que leva a acreditar que existem princípios que regem a produção e a compreensão
21
independentemente da modalidade. Condicionamentos de natureza psicolíngüística,
(extensão de vocábulo), de natureza social (forma gramatical) e de natureza fonológica
(posição de sílaba na palavra) interagem com forças pragmáticas. Assim, questões
internas e inerentes ao sistema co-atuam com forças fora desse universo.
Assumindo uma atitude mais descritiva, considera-se certos padrões de uso
lingüístico fatores de influência para realizações gráficas inadequadas, o que pode ser
trabalhado desde o início pela pedagogia escolar.
22
CAPÍTULO 2
REALIZAÇÕES INADEQUADAS À ESCRITA
Considerando que as mudanças lingüísticas não podem ser entendidas fora da
vida social de uma comunidade Labov (LABOV apud MOLLICA, 2000, p.21) afirma
que as forças sociais sobre as formas lingüísticas tanto podem afetar o sistema como
um todo, como podem representar um instrumento de correção explícita.
Nestas perspectivas cultural e social, a concepção de prestígio a uma das
variantes em competição, por um processo de mudança lingüística, vem percorrendo os
estudos lingüísticos ao longo do tempo. No paradigma da sóciolingüística, essa relação
entre mudança e prestígio de formas lingüísticas é questão imprescindível. Sendo as
variantes de prestígio adaptadas à dinâmica das relações sociais "o valor atribuído às
variantes em competição pode sofrer inversão, como por exemplo, a troca de líquidas
em grupo consonantal era um fenômeno corrente no português arcaico, chegando a
atingir nomes próprios e topônimos: Craca Domingues, Pratão (MOLLICA, 2000,
p.20). Porém, tal variante com r é atualmente um clichê social. Uma possível
justificativa para essa inversão seria a formação da norma culta a partir do século
XVII, tendo como modelo o latim clássico, que valorizava as formas com consoante +
/l/. Possivelmente a atribuição de prestígio se deu item a item até chegar a esse tipo de
rejeição.
Diversos registros históricos, como o Appendix Probi (III a.C) (SILVA NETO
apud MOLLICA, 2000, p.20) demonstram a competição entre formas novas e antigas
em determinado estágio de evolução lingüística, e que podem os observadores
confirmar que tanto a forma avaliada como negativa pode prevalecer, como a variante
23
de prestígio pode permanecer. Desta forma, ambas as variantes sobrevivem numa
situação de variação em que nenhuma das formas é mais prestigiada que outra,
dependendo da situação de uso. Exemplo disso são a supressão da consoante final, e a
elipse do u breve em sílaba postônica.
Entretanto, o que realmente importa registrar é que uma vez identificada a
norma de prestígio, o grupo social intermediário, ou seja, a pequena burguesia,
monitora sua fala nessa direção e ultrapassa a tendência observada em grupos mais
elevados da hierarquia social. Embora ela não seja o grupo que apresenta maior
freqüência de uso da variante de prestígio na fala informal, lidera no estilo formal,
apresentando-se sensível à norma de prestígio. E é justamente esse tipo de sensibilidade
à norma culta que se deve incutir nos alfabetizandos.
Como as variantes não agem isoladamente, tendo muitos estudos demonstrado
que enunciados longos tendem a perder substância fônica, em razão da dificuldade de
processamento ou lei do menor esforço, não é raro deparar-se com o cancelamento da
vibrante em palavras de grande extensão como: favorecer - favorece, agradecer -
agradece. Pesquisas mostram que o destravamento silábico incide mais em formas
verbais infinitivas e em posição final da palavra. No exemplo acima citado, verifica-se
que a vibrante é mais realizada em contextos formais.
Fora do âmbito de uma atitude meramente prescritiva, mas enfatizando alguns
empregos lingüísticos desajustados às normas gramaticais, cuja utilização é
fundamental na escrita, que causa, principalmente na fase inicial de letramento,
dúvidas e conseqüentes dificuldades, descreve-se neste espaço resultados de pesquisas
de campo comprovadas, aproveitados os de base acadêmica, como transferência
24
concreta para a sociedade, incentivo de pistas para a produção de tecnologia
pedagógica. Dentro de critérios estabelecidos para as duas modalidades, apresenta-se
alguns fenômenos variáveis para uma e outra modalidade, respeitando-se os relativos a
significados sociais e os marcadores dialetais por razões diversas, muito embora
especificamente do ponto de vista regional. Desta forma, constam algumas variáveis
fonológicas, lembrando que existem tipos de variação que ocorrem em todo o território
nacional, em todos os estratos sociais, e em todos os eventos de fala e estilo, aspecto
esse a ser considerado. Um conjunto de fenômenos fonológicos terão sua aplicação
somente para a escrita, tendo em vista que a língua oral preserva tais variantes que não
implica qualquer conseqüência para os falantes, conforme a seguir:
· Assimilação mb - Exemplo: também - tamém, cujo uso é geral no português
brasileiro., mas que na oralidade não recebe estigma social.
· Elevação e abaixamento de pré-tônicas: Pernambuco - Pєrnambuco - menino -
minino, segundo, sigundo, cujo uso não é geral no Brasil, mas pode receber
estigma lingüístico até em certos itens, especialmente no caso de abaixamento.
· Cancelamento da vibrante pós-vocálica: andar - anda, brincar - brinca, excetuando-
se itens como empréstimos, sua aplicação se dá igualmente em todo o Brasil, e não
recebe avaliação negativa.
· Cancelamento e inserção de semivogal: peixe - pexe, pegou - pego, usado em todo
o território nacional; nascimento - na(y)cimento, este mais usado em São Paulo;
doze - do(w)ze, este mais usado no Rio de Janeiro. Essas variações não oferecem
qualquer problema de estigma social em se tratando do uso oral.
25
Em pesquisa de campo realizada por Mollica (2000) e colaboradores,
objetivando verificar se a realização de uma orientação clara e direcionada no
ensino/aprendizagem da escrita reduz possíveis erros relacionados à oralidade, foram
controlados apenas um grupo de fatores de natureza estrutural, visto tratar-se de um
trabalho piloto, sendo escolhidos para testagem o alteamento de vogal pré-tônica e a
monotongação, de /ey/ para /e/ e de /ow/ para /o/. Foram escolhidas instituições
particulares, como cheches, e colégios, bem como em Centro Integrado de Educação
Pública - CIEP. Utilizou-se da estratégia de se trabalhar sempre com dois grupos: um
que recebe instrução explícita sobre o fenômeno da oralidade e suas conseqüências na
escrita, e outro que não recebe qualquer instrução, sendo a análise constitutiva dos
dados totais separados em válidos e inválidos, em seguida observando-se nos dados
válidos o percentual de monotongação:
a) Processos de monotongação
· Pesquisa I - Classe de Alfabetização (Colégio Particular)
Realizações Grupo A (com instrução) Grupo B (sem instrução)
/ey/ >/e/ 2/110 = 1,8% 4/110 = 3,63%
· Pesquisa II - 3ª série (Ciep Yúri Gagarin)
Realizações Grupo A (com instrução) Grupo B (sem instrução)
/ey/ >/e/ 0/192= 0% 10/43 = 23%
/ow/ >/o/ 0/16 = 0% 5/15 = 31%
26
· Pesquisa III - 3ª série - Escola Estadual Praça da Bandeira
Realizações Grupo A (com instrução) Grupo B (sem instrução)
/ey/ >/e/ 28/416 = 6,7% 86/448= 23%
/ow/ >/o/ 4/32 = 12% 17/32 = 53%
b) Processos de abaixamento de vogais pré-tônicas
· Pesquisa I - 3ª ( Escola Estadual Praça da Bandeira)
Realizações Grupo A (com instrução) Grupo B (sem instrução)
e > y 3/290 = 1% 293/330 = 88%
· Pesquisa II - 3ª (Centro Educacional Nilopolitano) - Particular
Realizações Grupo A (com instrução) Grupo B (sem instrução)
e > i 5/226= 2% 8/212 = 3,77%
o >u 2/113=1,77% 1/144 = 8,77%
Em outra pesquisa, realizada também por Mollica (2000) nas instituições CIEP
Gregório Bezerra, e em outra particular - Instituto Francisco Sales, escolhido para
observação o processo de monotongação na escrita, foi elaborado teste no qual
pudessem verificar se as crianças de 1ª a 4ª escrevem da mesma forma como falam,
utilizando-se de figuras relacionadas a algumas palavras que se constituem dos
ditongos /ow/ e /ey/, e que apresentam contextos favoráveis ao processo de
monotongação como: bebedouro, doutor, tesoura, touro, peixe, feijão, cadeira, queijo,
cozinheiro e brigadeiro. Foram dispostas as figuras correspondentes de forma
intercalada, para que os alunos não percebessem que havia a intenção de teste da escrita
dos referidos vocábulos; com o cuidado de procurar figuras nítidas, a fim de que não
pairassem dúvidas na identificação. Para evitar grande perda de dados, e induzir o
27
aluno a contribuir de forma esperada, algumas vezes foram grafadas as iniciais dos
itens.
No CIEP, o teste foi aplicado em única vez com 213 alunos dispostos em turmas
de cada série do ensino fundamental, sendo adotado o mesmo procedimento da
primeira pesquisa aqui transcrita, ou seja, o grupo A – com instrução, e o grupo B –
sem instrução, esclarecendo para as turmas do grupo A que na linguagem oral, muitas
vezes, não há a pronúncia de determinados sons, o que não causa danos na
comunicação, mas se constitui indispensável sua representação na escrita, acordando
com as normas ortográficas vigentes.
Nessa observação de Mollica (2000), considerada ainda a variável escolaridade,
o trabalho se baseia na transcrição de pesquisa sistemática, restringindo-se às turmas de
alfabetização à 3a série, cunho do seu objetivo.
Figura 1
Fonte: Adaptada de Mollica (2000, p.57)
28
Figura 2
Adaptada de Mollica (2000, p. 58)
No Instituto Francisco Sales os testes também foram aplicados em única visita,
com 262 alunos distribuídos, aplicando-se o mesmo procedimento, e baseando-se
também no ensino fundamental, com o mesmo tipo de ilustração, e itens lexicais
idênticos. Considerando a escolaridade, concluiu-se que os dados realizaram-se de
modo previsto:
29
Figura 3
Fonte: Adaptada de Mollica (2000, p.61)
No C.A. sem instrução houve 21% de monotongação, enquanto a classe
instruída apresentou uma queda considerável para 13,5% dos dados. A primeira série
novamente comportou-se de forma contrária, ou seja, a turma com instrução realizou
mais monotongação. Nas outras séries - 2ª e 3ª, a monotongação voltou a ocorrer com
mais incidência nas turmas sem instrução.
De acordo com os resultados das pesquisas aqui descritas, nota-se que as
turmas de alfabetização a 1ª série não são sensíveis a um comando explícito sobre as
influências na realização da escrita. Uma das hipóteses a considerar é o grau de
maturação, já que o vocabulário das crianças é diminuto nas séries iniciais, sendo a
baixa incidência em algumas turmas justificada pela observação de que o aprendiz da
30
escrita deve estar ainda incorporando novas palavras sem aplicar qualquer regra.
Então, a instrução pode iniciar-se efetivamente no decorrer da 1ª série, e a partir da 2ª,
quando o processo de alfabetização acha-se avançado, estando o aluno mais maduro
para assimilar e aplicar outro tipo de regra, como a de variação lingüística.
Mollica (2000, p.59) observa, também, que a monotongação da semivogal
posterior na fala constitui mudança em progresso em último estágio no português
brasileiro, enquanto a supressão da semivogal no ditongo /ey/ está sujeita a restrições
estruturais fortes, ou seja, condicionamentos fonológicos precisos, o que torna o
processo estável.
Em outra testagem, verificou-se que a variável faixa etária concorre para se
obter visão panorâmica dos dados, reafirmando-se as conclusões da análise das diversas
variáveis, descritas anteriormente:
Figura 4
Fonte: Adaptado de Mollica (2000, p.63)
31
A faixa etária 1 reúne alunos com idades entre seis e nove anos nas turmas
sem instrução, as quais apresentaram um índice de monotongação de 9% contra 5,8
nas turmas com instrução. Já a faixa etária 2, que representa os alunos com idades
entre dez e treze anos, as turmas sem instrução foram responsável por 5,7% das
monotongaçõesendo as turmas com instrução responsáveis por 2,9%.
Há, ainda, um conjunto de fenômenos, cujas variantes são, geralmente,
indicadores sociais, que se prestam a uma pedagogia voltada tanto para a fala como
para a escrita. São casos de "marcas fonológicas que recebem valor social
extremamente negativo, e a realização por parte do falante pode desfavorecer uma
estratificação social que possa vir a se utilizar da realização escrita" (MOLLICA, 2000,
p. 32).
· rotacismo /l/ ~/r/: Clube - Crube, Cláudio - Cráudio (MOLLICA; PAIVA, apud MOLLICA, 2000)
· mudança de /r/ ~Ø - salvo nos casos em que o uso se deve a fatores
psicolíngüísticos, como em próprio - própio; problema - poblema (MOLLICA & PAIVA; apud MOLLICA, 2000).
· Assimilação ndo - no: falando - falano (MATTOS; MOLLICA, apud MOLLICA,
2000)
Comparando-se o rotacismo /l/ - /r/ com o apagamento /r/ - Ø, verificou-se o
número elevado de ocorrência deste. Entretanto, se avaliarmos a questão, levando em
conta que não é um fenômeno estigmatizado na fala, pois é praticamente inaudível,
podemos compreender as possibilidades de ocorrência na escrita do apagamento de /r/
em alguns grupos consonantais como por exemplo pr - própria - própia; problema -
poblema, impróprio - imprópio, em registros produzidos por falantes não cultos.
32
Do ponto de vista lingüístico, evidencia-se que a influência de outra líquida na
palavra é relevante para o rotacismo e o apagamento do /r/ na aquisição da escrita. A
presença de dois segmentos líquidos atua provocando as ocorrências retro citadas. Já os
casos de rotacismo produzidos por falantes não cultos e reproduzidos quando na
iniciação à escrita, os quais são bastantes estigmatizados também na fala, e em
conseqüência, corrigidos sistematicamente nas escolas, inclusive na realização oral, vão
aparecer com menos freqüência na escrita, em qualquer tipo de falante ou aprendiz da
escrita.
A assimilação da dental no grupo consonântico -ndo- também foi objeto de
estudo de Mollica (1994), que observando sob o prisma da sóciolingüística
variacionista, constatou como principais realizações as formas de gerúndio e suas
subclasses, como os gerundios fáticos; Ex.: "você vira à esquerda, depois segue em
frente, tá entendendo?" (MOLLICA, 2000, p. 82). Como principal fator, a extensão do
item lexical, pois quanto maior o número de sílabas, maior probabilidade de
assimilação na fala, contribuindo para a influenciar a produção gráfica. Quanto a
fatores extralingüísticos que podem contribuir para a emergência da variante standard
mencionam-se a escolaridade, ou seja, quanto menos escolaridade mais propícia a
assimilação.
Há de se concordar que muitas são construções sociopragmáticas marcadas e
assumidas por falantes mais inseguros, ou então, que são usadas inconscientemente
pelos falantes com finalidade comunicativo-funcionais claras, mas que são altamente
cobradas em sua norma prestígio pelo padrão culto inserido na escrita, devendo o aluno
ser disciplinado desde o início para esse conceito.
33
2.1 Interdisciplinaridade lingüística
Uma perspectiva sóciolingüística
Em estudo realizado por Santos (SANTOS apud, MOLLICA, p.27) sobre a
interação professor/sala de aula, observou-se que o professor de uma sala rural em
Goiânia somente é sensível àquelas diferenças lingüísticas que o próprio atribui à
proveniência regional. Outros traços não-padrão passam despercebidos para o
professor. No decurso da aula há alternâncias entre o dialeto local e o padrão,
distinguindo-se formas lingüísticas realizadas na leitura e escritura, com as adequações
à comunicação, sem mediação de texto escrito. Esse procedimento até pode produzir
efeito positivo para a criança, em relação à atenção e rendimento escolar, mas não
realiza a vertente de variações não-padrão.
Verificando se os resultados dos estudos variacionistas por pesquisadores
brasileiros coincidem com o que os falantes percebem do ponto de vista das marcas
variáveis no português falado, interpretou-se, em geral, que as regras previstas na
grade curricular da escola que são mais audíveis, mais notadas, e mais avaliativas pelas
falantes, são as concordância e regência. As demais, que não são explicitamente
"despertadas" na escola passam a fazer parte da pressão social mais ampla de que fala
Santos, 1980 (SANTOS apud MOLLICA, p.25) sugerindo que as realizações se
organizam em três subconjuntos variáveis:
a) despertada em níveis altos por pressão social mais ampla;
b) a escola atinge seu objetivo de conscientizar os educandos
a respeito das variantes.
c) a escola tem sucesso parcial. Conforme Santos:
34
"Mesmo sem ser levado, por treinamento, ao uso dos
valores que a escola prescreve, o aluno é advertido sobre
a existência das variantes e de seu status escolar. Mas se
a escola consegue a formação de um consenso de crenças
e de atitudes sobre a heterogeneidade lingüística em
geral, já não obtém o mesmo em relação a variantes
particulares, mesmo aquelas sobre as quais exerce
pressão. A escola não erradica do aluno o valor que ela
estigmatiza. O aluno tomando conhecimento do status
escolar do valor que usa, pode ficar definitivamente
seguro de que fala "errado". Mas se ele não percebe
auditivamente a diferença dentre os valores, ele não
assumiu a atitude da escola em relação à variante, por
maior que seja a sua disposição para aderir à ideologia
escolar" (SANTOS, apud MOLLICA, 2000, p.26).
Por essa lógica, pode-se concluir que o problema de realizações escritas
inadequadas influenciadas pela oralidade deve ser atacado o mais cedo possível, com
número diminuto de palavras e, em estágio mais avançado, com um universo de
palavras. Esse procedimento promoveria o saneamento pela raiz de influências sobre a
escrita. Assim, a orientação explícita a respeito dos problemas de variação lingüística
que afetam a relação fala/escrita é relevante. Sabe-se que com o avanço das séries e o
aumento da idade, consequentemente, vão se assimilando as regras para a realização da
escrita, como por exemplo a regra de inserção dos grafemas i e u nos ditongos /ey/ e
/ow/. Mas tanto mais compreendida e aprendida quando os alunos se tornam
conscientes das diferenças entre oralidade e escrita, que podem ser despertadas e
35
orientadas tanto na família, como principalmente na escola, a qual se designa a uma
metodologia eficaz do ensino.
Alguns estudos de crenças e atitudes com mães e professores realizados em
grandes centros do Rio de Janeiro por Oliveira e Silva (1991 apud MOLLICA, p. 27)
evidenciam que os professores são menos preconceituosos que as mães, muito embora
os dois grupos mantenham preconceitos lingüísticos. Confirma-se o que vários autores
descrevem "a escola não é a principal responsável por influenciar o modo de falar,
sendo a família um fator preponderante". (MOLLICA, 2000, p.27)
Assim, a sugestão de uma metodologia de ensino que dê conta de todos os
fenômenos variáveis, ou aparentemente, que foram objeto de estudo voltado à área
sóciolingüística, interagindo assim não só com a família, em reuniões, como também
norteando-se em princípios mais gerais, postulados em Mollica (2000), cujos critérios
para a discussão destacam-se:
a) Ir do mais freqüente para o menos, pois tratando-se de sala de aula há que se atacar
problemas priorizando os mais incidentes. Assim, recomenda-se que o trabalho com
desvios da variante standard de menor ocorrência seja postergado.
b) Ir do mais provável para o menos. Quase sempre os problemas mais freqüentes
coincidem com os que, por estudos, confirmam-se como relacionados a fatores que
favorecem seu uso, conforme as descrições variacionistas de que se dispõe no
português falado no Brasil atualmente.
36
Essas premissas gerais fundamentadas no princípio de que a variação não é
aleatória, mas controlada por fatores internos e externos à língua (LABOV apud
MOLLICA, 2000, p.36) pressupõem que as descobertas pelos pesquisadores sobre os
assuntos que envolvem variação do português atual oral e escrito fornecem informações
que tais usos alternantes da língua podem e devem ser conscientizados e sensibilizados
na escola, exercitados e convenientemente dirigidos, e até coibidos se for o caso.
Há de se apontar a importância da interdisciplinaridade lingüística, expondo a
realização oral no meio social, em contraste com o meio escolar, que disciplina a
realização escrita, como fatores de modificação tanto no comportamento lingüístico,
quanto na própria avaliação do falante em relação à língua, destacando-se, ainda, que
atitudes lingüísticas dos adultos em geral têm estreita relação com as variáveis
diatópica, estilística, diastrática, ou seja, diferenças entre dialetos, grau de formalidade
do contexto oral, e nível de instrução, respectivamente.
Nos casos de monotongação, elevação de abaixamento de pré-tônicas, e até
mesmo no caso de inserção da semivogal posterior, os trabalhos interdisciplinares
podem direcionar o ensino no sentido de indicar sob visão diatópica e estilística. No
caso dos fenômenos cujas variações são normalmente indicadores sociais, pode-se
esclarecer acerca do perfil sóciolíngüístico dos usuários dessas variáveis, salientando o
ponto diastrático, ou seja, em que medida se encontram desajustados ao padrão, e o
porquê, e subsidiar uma pedagogia que enfatize a autocorreção espontânea
(ABAURRE; PACHECO apud MOLLICA, 2000, p.32).
À medida em que o aluno tome contato estreito com a escrita, pode-se acelerar o
processo de autocorreção, o qual se estende ao longo das séries, indicando os itens e
37
contextos mais prováveis em que ocorrem a uniformização dialetal. E, ainda,
sensibilizar, em geral, os alunos, alertando-os para o respeito aos usos regionais,
quando os marcadores lingüísticos não implicarem discriminação lingüística.
Pode-se, também, apontar a escrita como um meio de conscientizar os alunos-
falantes das formas que recebem valores sociais diversos, objetivando uma maior
intimidade com as variantes de prestígio, e indicar os ambientes fonológicos favoráveis
à incidência das possíveis realizações indevidas, assim como fornecer o conhecimento
dos itens mais afetados pelas formas variáveis, estabelecendo critérios para a
priorização.
38
2.2 Proposta Pedagógica
A instituição escolar, incluídos os mestres, ao planejar testes que sinalizam as
variantes de maior incidência para realizações ortográficas inadequadas, como por
exemplo, os ditongos /ey/ e /ow/, devem trabalhar os itens conforme os fenômenos
mais freqüentes e mais prováveis.
Na língua oral, dentre os ditongos decrescentes, apenas quatro alternam com
vogais simples: /ay/, /aw/,/ey/ e /ow/, sendo o cancelamento da semivogal mais
freqüente nos dois últimos, como: peixe - /pexe/, ouro - /oro/. Nesse sentido, um
trabalho sobre a representação desses ditongos não deve apresentar palavras
homônimas, ou seja, que possuam oposição de significados, como: couro - /coro/ =
couro de jacaré, em oposição a coro - /coro/ = conjunto de pessoas.
Pode o mestre, ainda, destacar vocábulos que não se apresentam com variantes
como: chamei, rei. leite, e, por vezes, trabalhar a ocorrência da inserção da semivogal
/y/ (representada por i), como hipercorreção ortográfica: caragueijo, igreija, com que
acontece a grafia errônea das palavras, como se elas contivessem o ditongo /ey/ na fala,
ou como generalização da regra em determinada fase da aprendizagem da escrita,
ressaltando, ainda, que a pressão sócio-escolar pode se encarregar da correção, tanto
nos processos de redução de ditongos decrescentes /ey/ e /ow/, como em outras
realizações ortográficas indevidas (ABAURRE; KATO apud MOLLICA, 2000, p.
96).
Ao refletir sobre os resultados a serem atingidos, o professor deve enfatizar
regras que serão aplicadas através de exercícios lúdicos e criativos, não esquecendo que
as normas não são pré-formadas na crianças, e sim, construídas por elas.
39
Considerando como preexistente a competência lingüistica do aprendiz, sempre
que possível os exercícios devem partir da produção oral para a escrita, cujo
procedimento principal é a identificação auditiva das palavras, comprovando assim essa
influência da oralidade na escrita, já que o aluno possui mais facilidade na escrita ao
realizar o treino oral, além de sempre observar com que letras determinados sons são
representados na escrita.
A seguir, destacam-se algumas estratégias didáticas a serem utilizadas
objetivando o trabalho de orientação, por meio de exercícios, trabalhando a
representação escrita dos ditongos /ey/ e /ow/, em que o universo identificado é
justamente o mais provável, tendo em vista as experiência verificadas ao longo desse
trabalho. As propostas agrupadas em função de dois critérios: o grupo A – com
diretrizes específicas para o mestre, o grupo B – diretrizes específicas para os alunos.
Considerando que as idéias aqui descritas não esgotam as possibilidades de se trabalhar
a variação na fala, e seus reflexos na escrita, importa ressaltar que a metodologia
empregada deve atentar apenas para os casos realmente problemáticos, ou seja, a
realização de trabalho dirigido para o universo lexical que realmente se apresente
favorável à possíveis incidências de variação.
Grupo A – Diretrizes específicas para o mestre
I – Considerando que a monotongação em /ow/ é mudança em progresso na
língua e a monotongação em /ey/ é variação estável, e concluindo que a recuperação
da semivogal posterior representada por u é mais resistente do que a recuperação da
40
semivogal anterior através do diacrítico i, na escrita, dê prioridade aos fenômenos que
possuem mais resistência no processo de alfabetização, como os que ocorrem com
vocábulos: feijão, peixe, peneira, bebedouro, touro.
II – Observando-se a vogal tônica no vocábulo falou, e considerando sua
posição ao final de palavra, devemos exercitá- la, por se tratar da representação na
escrita da semivogal posterior, comprovada a monotongação do ditongo na língua
falada no Brasil.
Grupo B – Diretrizes específicas para os alunos:
Exercícios
I - Pronuncie as cadeias de palavras a seguir e:
a) Reflita se, na fala, o i e o u são pronunciados em todos os casos:
cadeira - teia - ameixa - paguei - queijo - azeite - aveia - lei
beijo - touca - bebedouro - louça - ouvido - pouso - vou - passou - touro
b) Classifique outras palavras da língua em que nunca há monotongação na
fala.
c) Procure separar as palavras de (a) que se enquadrem em (b).
II - Leia rápido e observe a pronúncia das palavras em negrito comparada à sua
representação gráfica. Em seguida, separe-as em tipos de ditongos:
41
"Hoje é Domingo. Pé de cachimbo.
Galo monteiro pisou na areia.
Areia é fina. Bateu na lata.
A lata é de ouro. Bateu no Touro.
Touro é valente. Bateu no tenente
O tenente é fraco. Caiu no buraco
O buraco é fundo. Acabou o mundo" (MOLLICA, 2000, p.97)
42
CONCLUSÃO
Ao basear-se esse estudo em pesquisa de caráter sistemático, verificou-se que o
trabalho da variação lingüística no Brasil já permite oferecer a transferência de
resultados de pesquisa para a realidade da sala de aula do ensino do português, o que
indica uma modificação concreta nos rumos pedagógicos para se trabalhar as variantes
ao longo da alfabetização, tendo em vista que o nível da ortografia, ainda que possa ter
independência dos níveis próprios da gramática, e mesmo em construções lógicas do
discurso, e assim considerado menos importante, pode oferecer obstáculos de ascensão
educacional ou profissional ao indivíduo.
De um modo geral o trabalho em sala de aula deve sempre manter o equilíbrio
entre a intervenção do professor como agente educador e sua interação com os alunos.
Assim, o mestre não deve se preocupar tanto com possíveis erros do alfabetizando em
sua expressão escrita, pois, geralmente, o domínio da leitura e a interação social se
encarregam da redução dos erros. As análises aqui expostas mostram claramente que os
chamados "erros" ortográficos, ou de outra natureza são previsíveis e servem de pistas
claras para se observar o processo por que passa o alfabetizando, sendo esses erros
entendidos como hipóteses construídas nas diversas fases de aquisição à escrita,
refutadas ou confirmadas, conforme o caso.
Tais explicações, relevantes para a compreensão da ocorrência de inadequações
à norma vigente, atingirão o nível prático da sala de aula se houver uma orientação
pedagógica clara e direcionada, a fim de reduzir a influência da oralidade na escrita,
cujo marco de iniciação será a segunda série. Na primeira série, o trabalho
generalizado em relação a variação lingüística.
43
Nas séries subseqüentes deve-se manter uma pedagogia orientada, tendo em
vista que a população escolar brasileira, submetida a vários métodos de letramento,
alguns extremamente eficazes, enquanto outros de eficácia duvidosa, apresenta níveis
muitos diferenciados de aprendizagem, o que deixa resíduos de problemas de escrita até
o segundo grau. Pode-se acrescentar a isso o fato de que não há garantia da
continuidade escolar tão importante ao cidadão e prevista na Constituição Brasileira,
tendo em vista fatores alheios à escola, mas vinculados à condição de
subdesenvolvimento do Brasil.
Sabendo-se que os professores que atuam nas séries iniciais podem ser
profissionalizados já no 2º grau, para uma melhor preparação, seria interessante
defender a orientação sobre essa atuação de correção também nos cursos pedagógicos,
como por exemplo, ministrar o assunto nos cursos de 2º grau - formações de
professores, ou escola normal, sendo necessário elaborar material didático específico
relativo à variação lingüística para garantir uma didática que não confunda os casos
problemáticos com os que não oferecem qualquer problema. Busca-se assim
metodologia dirigida, tal qual aqui exposta, tendo em vista a eficácia para antecipação
da correção de erros da escrita, otimizando estratégias de alfabetização.
Esperando que as pesquisas aqui expostas esclareçam pontos importantes, é
reconhecida a necessidade de um conhecimento sobre os aspectos cognitivos do
aprendiz e sobre o processo de construção do conhecimento em geral, não havendo
qualquer dúvida de que as pesquisas devem prever idealmente um acompanhamento
longitudinal de cada turma. A consciência da possibilidade de pesquisas mais amplas, é
a confirmação de que esse trabalho é o ponto de partida para a construção de
contribuições aplicadas na área de sociolingüístca.
44
BIBLIOGRAFIA
ROJO, Rozane (org.). Alfabetização e Letramento: perspectivas lingüísticas. São
Paulo: Mercado de Letras, 1998.
KATO, A. Mary. No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolingüística. São
Paulo: Ática, 2002.
MOLLICA, Maria Cecília. Influência da fala na alfabetização. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 2000.
PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Centro de Informações
Multieducação. Secretaria Municipal de Educação. Multirio. Como Piaget e
Vigotsky concebem o processo de desenvolvimento e os pontos de divergência
entre dois teóricos. Disponível em:
<http//www.rio.rj.gov.br/multirio/cime/ME03/ME03_007html>. Acesso em
15.06.99.
45
ANEXO A
A.1- Comprovantes Acadêmicos de Estágio
46
A 2 – Comprovantes Acadêmicos de Participações em Eventos Culturais