direito urbanistico

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1. Introduo Desde a antiguidade possvel verificar a existncia de normas disciplinando assuntos referentes ao urbanismo.Entretanto, o incremento dos estudos sobre direito urbanstico somente ocorreu a partir da Revoluo Industrial, devido ao intenso processo e urbanizao que dela decorreu. Atualmente, pode-se afirmar que o direito urbanstico representa disciplina jurdica ainda sem total autonomia, com normas jurdicas dispersas, mas que j detm institutos e princpios prprios. O presente artigo intenta apresentar noes introdutrias sobre o direito urbanstico, dissertando, ao final, sobre os princpios que regem a matria.

-------------------------------------------------------------------------------2. Direito e Urbanismo A urbanizao das cidades criou problemas urbanos que necessitavam de correo, o que se daria mediante a urbanificao, com a ordenao dos espaos habitveis, de onde nasceu o urbanismo como tcnica e cincia. Pode-se definir o urbanismo como "um conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaos habitveis, de modo a propiciar melhores condies de vida ao homem na comunidade" (MEIRELLES, 2007, p. 511). Em artigo sobre o tema, Caetano Lima (RODRIGUES, 2007, p. 65) complementa tal conceito, afirmando que o urbanismo tambm compreende o diagnstico dos problemas das cidades e a avaliao dos meios mais eficazes para solucion-los. Ressalte-se que o conceito de urbanismo sofreu significativa evoluo com o correr do tempo, passando de esttico-espacial para econmico-social (PIOVEZANE, 1981, p. 54). O urbanismo , em suma, elemento de importante transformao das cidades, promovido atravs de atividades prprias, destinadas a aplicar seus princpios e realizar seus fins. Impossvel no relacionar o contedo do direito urbanstico com o da cincia urbanismo. Com efeito, o direito urbanstico traz para o sistema jurdico a problemtica urbana, atravs da positivao de normas disciplinando o planejamento urbano, o uso e ocupao do solo urbano, as reas de interesse especial, a ordenao urbanstica da atividade edilcia e a utilizao dos instrumentos de interveno urbanstica (SILVA, 2008, p. 32). Textos relacionados Transparncia pblica e corrupo nos municpios brasileiros: o impacto do governo eletrnico Cmara Municipal. Tribunal de Contas. Prestao de contas anual. Quem deve fazer a defesa? Lei de Mobilidade Urbana entra em vigor em abril com mudanas para concessionrios de servios pblicos

Cassao de vereadores: alguma coisa est fora da ordem, fora da nova ordem constitucional Cmara Municipal: competncia para normatizar licitaes e contratos administrativos Constituem, em verdade, o urbanismo e o direito urbanstico, duas cincias cujo objeto de estudo o mesmo, porm, avaliado sob ticas peculiares. Ambas se debruam sobre o fenmeno urbano, propriamente sobre a utilizao do espao nos centros urbanizados e rurais.

-------------------------------------------------------------------------------3. Autonomia do Direito Urbanstico Questo discutida na doutrina se seria o Direito Urbanstico um ramo autnomo do direito ou uma disciplina de outro ramo. H aqueles que consideram o direito urbanstico parte do direito administrativo, sob fundamento de que as normas de direito urbanstico constituem-se em normas administrativas, especiais ou no, mas sempre referentes ao poder de polcia (SILVA, 2008, p. 40). Essa a posio predominante na doutrina. Outros autores, como Jacquignon (1975 apud JACQUIGNON; SILVA, 2008, p. 41), entendem o direito urbanstico como ramo do direito econmico. Segundo seu entendimento, se considerarmos o direito urbanstico como conjunto de regras que regem as relaes do estado ou seus representantes e pessoas proprietrias de terrenos, ele estaria inserido no direito administrativo, mas, pelas implicaes do direito urbanstico na economia da nao, est ele melhor inserido no direito pblico econmico. Tambm Farjat (1971 apud FARJAT; SILVA, 2008, p. 41) considera o direito urbanstico como parte do direito econmico. Para que se considere autnomo um ramo do direito, necessria se faz a presena de alguns requisitos de forma cumulativa, como uma legislao prpria voltada a seu objeto de estudo, podendo ser extrados desse conjunto de normas princpios e institutos prprios, a existncia de diversos profissionais especializados no estudo da matria e a adoo freqente da disciplina nos currculos dos centos de estudos jurdicos (RODRIGUES, 2007, p. 68). Sobre a autonomia de um ramo do direito, dispe Jos Afonso da Silva (2008, 42): A autonomia, assim, caracteriza-se sob dois aspectos: autonomia dogmtica, quando certo ramo ou subdiviso do direito apresenta conceitos e princpios prprios; autonomia estrutural, porque aqueles princpios e conceitos dogmticos inspiram a elaborao de institutos e figuras jurdicas diferentes das pertencentes a outros ramos do Direito e no utilizveis por estes conforme observa Rubens Gomes de Souza. Nisso que se configura a chamada autonomia cientfica, que, em verdade, s ser alcanada pela existncia de normas especficas, razoavelmente desenvolvidas, que regulem condutas ou relaes conexas ou vinculadas a um objeto especfico, conferindo homogeneidade ao sistema normativo de que trata. Segundo Celso Antnio Bandeira de Melo, considera-se uma disciplina juridicamente autnoma quando corresponde a um conjunto sistematizado de princpios e regras que lhe do identidade, diferenciando-a das demais ramificaes do Direito (MELLO, 2001).

A maioria dos autores no considera o direito urbanstico como uma disciplina jurdica autnoma, j que s recentemente suas normas comearam a desenvolver-se em volta de objeto especfico, qual seja, a habitao dos espaos habitveis ou a sistematizao do territrio. Alm disso, a legislao sobre o tema ainda dispersa, sendo sua compreenso sistemtica produto de esforo quase que exclusivamente doutrinrio (RODRIGUES, 2007, p. 69). Com efeito, as normas urbansticas, especialmente no Brasil, ainda no adquiriram unidade substancial, formando conjunto coerente e sistematizado legislativamente. Encontram-se dispersas em diversas leis e apenas guardam, entre si, conexo material em funo do objeto regulado. Entretanto, j possvel verificar a existncia de institutos, princpios e conceitos exclusivamente urbansticos, os quais inclusive foram ampliados com o Estatuto da Cidade. Para Jos Afonso da Silva (2008, p. 44) constitui o direito urbanstico um conjunto de normas que compreende normas gerais, de competncia legislativa da Unio, hoje consubstanciadas no Estatuto da Cidade; normas suplementares de cada Estado de pouca expresso; normas municipais, tambm de carter suplementar. Conclui o autor citado que, apesar disso, deve-se considerar ainda, por prudncia, o direito urbanstico como um ramo multidisciplinar do direito, o qual com o tempo ir consolidando suas prprias instituies.

-------------------------------------------------------------------------------4. Conceito de Direito Urbanstico A necessidade de ordenao da cidade para resolver os problemas advindos da intensa urbanizao ocorrida a partir da Revoluo Industrial tornou necessria a criao de medidas de limitao e regulamentao de direitos individuais, em benefcio da coletividade, as quais se materializaram, dentre outras formas, em diversas normas jurdicas a respeito da ocupao do solo, da organizao do transporte e servios pblicos, do saneamento e da limitao da propriedade, constituindo tais matrias o objeto do Direito Urbanstico. Pode-se afirmar que h trs caractersticas necessrias para se construir o conceito de Direito Urbanstico (RODRIGUES, 2007, p. 72): 1) Disciplina que objetiva exercer uma atividade de harmonizao dos conflitos que advm do uso e ocupao do solo, atravs da ponderao dos interesses a identificados; 2) disciplina caracterizada por uma funo pblica; 3) disciplina que tem como instrumento principal de atuao o planejamento urbano. Jos Afonso da Silva (2008, p. 49) define o direito urbanstico sob dois aspectos, quais sejam, o direito urbanstico objetivo e como cincia. O direito urbanstico objetivo consiste no conjunto de normas que tem por objetivo organizar os espaos habitveis, de modo a propiciar melhores condies de vida ao homem na comunidade. O direito urbanstico como cincia o ramo do direito pblico que tem por objetivo expor, interpretar e sistematizar as normas e princpios disciplinadores de espaos habitveis. Hely Lopes Meirelles (2007, p. 513) conceitua o direito urbanstico como "o ramo do direito pblico destinado ao estudo e formulao dos princpios e normas que devem reger os espaos habitveis, no seu conjunto cidade-campo".

-------------------------------------------------------------------------------5. Princpios do Direito Urbanstico Constituem os princpios o "mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o esprito e servindo de critrio para a sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido harmnico" (MELLO, 2001, p. 771). O Direito se vale de princpios com o objetivo de melhor adaptar as regras jurdicas realidade social, sendo que os princpios no precisam estar expressos em normas, podendo ser inferidos do sistema (princpios implcitos). Sendo o direito urbanstico disciplina em formao, seus princpios ainda no esto totalmente consolidados. Considerando sua relao prxima com o Direito Administrativo, pode-se afirmar que os princpios deste so aplicveis atividade urbanstica. Entretanto, dada a tendncia de aquisio de autonomia pelo direito urbanstico, j so a ele reconhecveis princpios e caractersticas particulares. O professor Antonio Carceller Fernandez (RODRIGUES, 2007, p. 75) extrai da Lei do Solo Espanhola de 1956 alguns princpios, os quais tendem a inspirar o direito urbanstico de modo geral. O primeiro deles o princpio de que o urbanismo uma funo pblica, que ressalta o direito urbanstico como instrumento normativo atravs o qual o poder pblico ordena a realidade no interesse coletivo, atuando como condutor da atividade urbanstica. De acordo com Jos Afonso da Silva (2008, p. 45), o princpio de que o urbanismo funo pblica "fornece ao Direito Urbanstico sua caracterstica de instrumento normativo, pelo qual o poder pblico atua no meio social e no domnio privado, para ordenar a realidade no interesse coletivo, sem prejuzo do princpio da legalidade." Dentre as principais normas constitucionais tratando do princpio de que o urbanismo uma funo pblica possvel citar o art. 6, que se refere ao direito social moradia; o art. 21, inciso IX, que trata da competncia da Unio de elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenao do territrio e de desenvolvimento econmico e social; o art. 30, inciso VIII, que dispe sobre a competncia dos municpios em promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupao do solo urbano; os artigos 182 e 183, que tratam da poltica urbana. Outro princpio seria o da planificao urbana, "o qual ressalta ser o planejamento urbanstico o instrumento normativo bsico para a ordenao urbana, o mecanismo principal de realizao das metas do urbanismo" (RODRIGUES, 2007, p. 75). Jos Afonso da Silva afirma que "o planejamento, em geral, um processo tcnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos" (2008, p. 89).

Dentre os instrumentos de planejamento urbano destaca-se o Plano Diretor como instituto que estabelece as exigncias fundamentais de ordenao da cidade, sendo ele positivado na legislao brasileira como instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e expanso urbana. que o dispe o 1 do artigo 182, da Constituio Federal de 1988: Art. 182. (...) 1 - O plano diretor, aprovado pela Cmara Municipal, obrigatrio para cidades com mais de vinte mil habitantes, o instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e de expanso urbana. Terceiro princpio o da funo social da propriedade, o qual permite ao poder pblico exigir o cumprimento dos deveres do proprietrio de aproveitar o solo urbano em benefcio da coletividade, o que implica no atendimento ao interesse social. Ressalte-se que, no ordenamento brasileiro, a funo social da propriedade no novidade. Nas legislaes ptrias, alm de institutos de limitao da propriedade, a funo social da propriedade j na Constituio de 1937 aparecia implicitamente. No entanto, somente com a Constituio Federal de 1988 que funo social da propriedade foi elevada ao patamar de princpio importante da poltica urbana. O artigo 5 da CF/88, em seus incisos XXII e XXIII, que no podem ser interpretados isoladamente, estabeleceu o direito propriedade, a qual atender sua funo social. O princpio da funo social da propriedade permite a instrumentalizao e a adequada ordenao da cidade, possibilitando a interveno direta do Estado na propriedade particular, sempre obedecendo ao princpio da legalidade, visando o interesse supremo da coletividade em detrimento do particular, constituindo, desta forma, o principal meio para solucionar os problemas que assolam as grandes cidades. Tambm consiste em princpio enumerado pelo citado autor espanhol o da afetao das mais-valias ao custo do sistema de execuo das obras urbanas, "segundo o qual os proprietrios dos terrenos devem satisfazer os gastos da urbanificao, dentro dos limites do benefcio dela decorrente para eles, com compensao pela melhoria das condies de edificabilidade que dela deriva para seus lotes" (SILVA, 2008, p. 45). Enumera o autor tambm o princpio da justa distribuio dos nus e benefcios decorrentes da norma urbanstica, que intenta preservar a igualdade de atuao da norma urbanstica. Observe-se que tal princpio corolrio do princpio da isonomia, consagrado no art. 5, caput, da Constituio Federal de 1988. Constitui, pois, um direito fundamental de qualquer brasileiro. Por ltimo, tem-se o princpio da participao dos interessados, "sem o qual restaria inalcanvel o objetivo de compatibilizao dos mltiplos interesses envolvidos na ordenao do territrio urbano" (RODRIGUES, 2007, p. 75). O plano diretor revela referido princpio atravs de seu art. 40, 4, incisos I a III, ao determinar a garantia de participao dos cidados nos processos de elaborao, fiscalizao e implementao do plano diretor.

Art. 40.O plano diretor, aprovado por lei municipal, o instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e expanso urbana. (...) 4 No processo de elaborao do plano diretor e na fiscalizao de sua implementao, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantiro: I a promoo de audincias pblicas e debates com a participao da populao e de associaes representativas dos vrios segmentos da comunidade; II a publicidade quanto aos documentos e informaes produzidos; III o acesso de qualquer interessado aos documentos e informaes produzidos. A participao dos indivduos, ressalte-se, no se limita a emitir sugestes, mas sim debater, formular planos, enfim, o cidado elemento ativo em todas as fases do plano diretor. Conforme afirma Jos Afonso da Silva (2008, p. 45), pode-se afirmar que atualmente referidos princpios foram acolhidos, implcita ou explicitamente, pelo Estatuto da Cidade, especialmente pelas diretrizes constantes de seu art. 2. Pode ser ressaltado, ainda, como princpio que rege o direito urbanstico, o da dignidade da pessoa humana, que est presente no art. 1, inciso III, da Constituio Federal de 1988. Segundo tal princpio, o ser humano deve ser respeitado simplesmente por se tratar de ser humano. Com efeito, no h dignidade sem moradia, sem condies de habitao, sem instrumentos urbanos que garantam a circulao, o lazer e o trabalho.

-------------------------------------------------------------------------------6. Consideraes finais O urbanismo constitui cincia que estuda a nova organizao das cidades, a fim de solucionar os principais problemas decorrentes da crescente urbanizao experimentada nos ltimos sculos, principalmente a partir da Revoluo Industrial. Dessa necessidade de organizar o espao habitvel, surgiu o Direito Urbanstico, para legitimar as intervenes do Poder Pblico na propriedade e na cidade, com o objetivo de garantir a supremacia do interesse coletivo. Constitui, portanto, o direito urbanstico, disciplina que intenta transpor os problemas urbanos para o campo da juridicidade. O Direito Urbanstico est diretamente ligado ao Direito de Propriedade. Este, objeto de proteo e de disputa ao longo da histria do mundo ocidental, passa por momento de "coletivizao", o que significa que seu contedo no mais se justifica pela utilidade que proporciona a um indivduo, o proprietrio, mas a toda a sociedade. No sistema jurdico brasileiro isso est expresso atravs dos princpios da funo social da propriedade, da dignidade da pessoa humana e da justa distribuio dos nus e benefcios decorrentes da norma urbanstica, por exemplo. A doutrina traz como princpios aplicveis ao direito urbanstico em geral aqueles trazidos por Antonio Carceller Fernandez como extrados da Lei do Solo Espanhola de 1956.

Tais princpios inclusive foram acolhidos pelo Estatuto da Cidade, de modo implcito ou explcito. Para a maior parcela dos autores, constitui o direito urbanstico parte do direito administrativo, no detendo, portanto, autonomia. No entanto, j possvel identificar a ele institutos jurdicos e princpios prprios, havendo uma tendncia de que haja uma consolidao destes, com a conseqente aquisio de autonomia pelo direito urbanstico