direito processual civil i[1]
TRANSCRIPT
DIREITO PROCESSUAL CIVIL I
PREPARAÇÃO PARA EXAME ESCRITO E ORAL
SETEMBRO 2005
Com base nas aulas teóricas leccionadas
pela Prof. Ana Paula Costa e Siva
no ano lectivo de 2004/2005
Cátia
Feiteiro
ÍNDICE DE MATÉRIAS
I – INTRODUÇÃO GERAL: TRAMITAÇÃO
II – PRINCÍPIOS
1 – Princípios gerais do Direito Processual Civil
2 – Princípios estruturantes do Direito Processual Civil
3 – Princípios instrumentais do Direito Processual Civil
III – O ACTO PROCESSUAL
1 – Tipologia de actos
2 – Tipologia de actos em especial: actos postulativos
3 – Características do acto processual
4 – Forma dos actos
5 – Interpretação dos actos
IV – AS PARTES
1 – Os conceitos de parte
2 – Pressupostos relativos às partes
V – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1 – Personalidade judiciária
2 – Capacidade judiciária
2-A – Representação judiciária
3 – Competência do tribunal
3.1 – Competência internacional
i) Fontes da competência internacional
ii) Posições doutrinárias na aplicação das regras internas
iii) Pactos de jurisdição
iv) Regime e efeitos da incompetência absoluta fundada nos
critérios de competência internacional
3.2 – Competência interna
i) Competência territorial
ii) Competência em razão da matéria
iii) Competência em razão da hierarquia
iv) Pactos de competência
3
3.3 – Competência arbitral
3.4 – Outras regras relativas à competência
4 – Legitimidade das partes
4.1 – O litisconsórcio
5 – Patrocínio judiciário
6 – O interesse processual
7 – O objecto do processo
VI – O OBJECTO DO PROCESSO
1 – O pedido e a causa de pedir
2 – Inadmissibilidade do objecto processual
3 – Cumulação de pedidos
4 – Defesa por impugnação e defesa por excepção
5 – Reconvenção
6 – Apreciação incidental
7 – Coligação de autores e réus
8 – Intervenção de terceiros na acção
VII – COMPOSIÇÃO DA ACÇÃO
1 – Negócios processuais
2 – Composição provisória da acção
3 – Revelia
4 – Decisão judicial
VIII – RECURSOS
1 – Nulidades da sentença
2 – Tipos de recurso
3 – Regime
IX – A PROVA
1 – Objecto da prova
2 – Ónus da prova
3 – Tipos de prova
4
I – INTRODUÇÃO GERAL: TRAMITAÇÃO
Segundo o disposto no art. 267.º/1 do CPC1 a instância inicia-se pela proposição da
acção e esta considera-se intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria
a respectiva petição inicial. A tramitação inicia-se, assim, pela entrega na secretaria
judicial da petição inicial, acto que releva na medida do funcionamento do princípio da
disponibilidade privada objectiva (ou princípio do dispositivo),2 i.e., o tribunal não
conhecerá nada oficiosamente, sem que lhe seja dirigido qualquer pedido pelos
interessados.
Assim, a petição inicial é o acto de impulso que irá desencadear o exercício
do poder jurisdicional, poder este que se delimita pelo objecto processual que é
possível encontrar definido pela PI.
1 – Tipos e formas de processo e tipologia da acção
O processo pode ser comum ou especial (art. 460.º/1). O processo é comum por
exclusão de partes: quando não se subsume nas situações de processos especiais.
O processo comum é de declaração (art. 461.º e ss.) ou de execução (art.
465.º e ss.) O processo comum de declaração pode ainda ser ordinário, sumário ou
sumaríssimo. Assim, nos termos do art. 462.º, o processo é ordinário se o valor da
causa exceder a alçada da Relação3, caso contrário o processo será sumário, excepto
se não ultrapassar a alçada do tribunal de comarca4 e a acção se destinar ao
cumprimento de obrigações pecuniárias, à indemnização por dano e à entrega de
coisas móveis, sendo o processo sumaríssimo adequado, caso não haja procedimento
especial.
O processo comum é, assim, objecto de acções declarativas ou executivas
(art. 4.º/1) e pode ter três finalidades: a simples apreciação de existência ou
inexistência de um direito ou de um facto (sendo uma acção declarativa de simples
apreciação), a condenação à realização de uma prestação ou à entrega de uma coisa,
1 Sempre que não haja indicação em contrário, os preceitos legais enunciados são do Cód. de Processo Civil.2 Mais se desenvolverá quanto a este princípio infra.3 Em matéria civil, a alçada dos tribunais da Relação é de €14.963,94 (art. 24.º/1 LOFTJ).4 Em matéria civil, a alçada dos tribunais de 1.ª instância é de €3.740,98 (ibidem).
5
supondo ou prevendo a violação de um direito (sendo uma acção declarativa de
condenação) ou a constituição de uma mudança na ordem jurídica existente (sendo
uma acção declarativa de constituição) (art. 4.º/2). Já na acção executiva, o autor
requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado (art. 4.º/3).
2 – A petição inicial
2.1 – O pedido e a causa de pedir
Assim, as finalidades fundamentais da PI é a definição do pedido pelo autor
(art. 467.º/1, al. e)) e a indicação das razões de facto e de direito porque
pede, identificando assim a causa de pedir (art. 467.º/1, al. d)).
2.2 – Aceitação da PI e início da instância
Conforme foi já referido, a PI determina ainda o momento em que a acção é
proposta, o que assume extrema importância na medida em que todos os
pressupostos processuais são aferidos àquele momento, i.e., pressupostos
como a capacidade das partes ou a competência do tribunal reportam-se ao
momento do início da instância (mesmo que apenas sejam aferidos num
momento posterior, como seja o despacho saneador), que é definido pela
entrega da PI na secretaria judicial.
2.3 – Recusa da PI pela secretaria judicial
A secretaria pode, desde logo, recusar a PI, se verificada alguma das
situações constantes do art. 474.º (que elenca requisitos formais de validade
da PI). Caso a PI esteja formalmente correcta, será necessário o exercício do
poder jurisdicional e iniciar-se-á a instância.
2.4 – Indeferimento liminar
Nos casos previstos no art. 234.º/4, a citação do réu depende de prévio
despacho judicial, sendo o processo entregue ao juiz antes da citação. O
momento do despacho liminar é, por isso, excepcionalmente o momento por
excelência da verificação pelo tribunal do preenchimento dos pressupostos
processuais, podendo o juiz, em ver de ordenar a citação do réu, indeferir
liminarmente a petição se o pedido for manifestamente improcedente ou
6
ocorram de forma evidente excepções dilatórias insupríveis e de
conhecimento oficioso (art. 234.º-A/1).
3 – Citação do réu
Aceite a PI pela secretaria, o réu é chamado ao processo para contestar através da
citação (art. 480.º). Este chamamento do réu é acção é um acto imprescindível e
assegura a existência do princípio do contraditório,5 através da apresentação posterior
da contestação do réu.
Assim, a acção só tem efeitos sobre o réu após a regular citação. Ainda, nos
termos do art. 481.º, a citação torna estáveis os elementos essenciais da causa6, faz
cessar a boa fé do possuidor e inibe o réu de propor contra o autor acção destinada à
apreciação da mesma questão jurídica, entre outros efeitos especialmente prescritos
na lei.
4 – A contestação
O réu deverá contestar, no prazo de 30 dias a contar da citação (art. 486.º/1), caso
contrário haverá revelia, que pode ser operante ou inoperante7, i.e., produzir ou não
efeitos no processo.
Na contestação, o réu poderá defender-se por impugnação ou por excepção
(art. 487.º/1). Defende-se por impugnação quando procura destruir a base de facto que
o autor apresenta na PI, contradizendo os factos (impugnação de facto) ou afirmando
que estes não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor ( impugnação de
direito); defende-se por excepção quando apresenta contra-factos, i.e., quando alega
factos que obstam à apreciação do mérito da acção (excepções dilatórias – art. 494.º)
ou que servem de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo
autor e determinam a improcedência total ou parcial do pedido (excepções
peremptórias – art. 493.º). (art. 487.º/2).
O réu pode ainda usar a contestação para deduzir pedidos contra o autor,
desde que observados os requisitos de admissibilidade da reconvenção (art. 274.º e
art. 501.º).8
5 Mais se desenvolverá quanto a este princípio infra.6 Citado o réu, a instância deve manter-se a mesmo quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei, como sejam a intervenção de terceiros (art. 268.º).7 A revelia do réu será apreciada mais demoradamente quanto às formas de composição da acção (infra).8 Mais se desenvolverá quando à reconvenção em sede de objecto do processo (infra).
7
Por fim, o réu tem o ónus da impugnação (art. 490.º), i.e., ao contestar, deve
tomar posição definida quanto aos factos articulados na PI, considerando-se admitidos
por acordo os factos que não forem impugnados (salvo se estiverem em oposição com
a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível a confissão sobre eles ou
se só puderem ser provados por documento escrito).
Ainda, se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a
declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu
deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário (art. 490.º/3).
Do âmbito de aplicação do ónus de impugnação exceptuam-se os incapazes,
os ausentes e os incertos, quando representados pelo Ministério Público ou por
advogado oficioso (art. 490.º/4).
5 – A réplica
Caso haja dedução de excepções ou exista reconvenção na contestação, deverá ser
assegurado o princípio do contraditório ao autor (réu reconvindo quanto à
reconvenção) através da réplica, no prazo de 15 dias a contar daquele em que se
considerar notificada a apresentação da contestação ou em 30 dias, caso tenha havido
reconvenção ou se a acção for de simples apreciação negativa (art. 502.º/3).
Na réplica, o autor só poderá responder quanto à matéria das excepções da
contestação e deverá, à semelhança do réu, deduzir toda a defesa quanto à matéria
da reconvenção, não lhe podendo opor nova reconvenção (art. 502.º/1).
6 – A tréplica
Poderá ainda haver lugar à dedução de tréplica pelo réu, caso tenha sido modificado o
pedido ou a causa de pedir na réplica, ou se o autor tiver deduzido alguma excepção à
reconvenção, e apenas quanto a esta (art. 503.º/1). A tréplica deverá ser apresentada
no prazo de 15 dias (art. 503.º/2).
7 – O despacho pré-saneador /despacho de aperfeiçoamento dos articulados
Inicia-se agora uma nova fase no processo: a fase da audiência preliminar. Findos os
articulados, o processo é concluso ao juiz, que deve convidar as partes a suprir as
excepções dilatórias e a aperfeiçoar os articulados (art. 508.º), assegurando assim que
o processo se encontra em condições de prosseguir.
8
8 – Audiência preliminar
Concluídas as diligências prescritas pelo art. 508.º (se a elas tiver havido lugar), o juiz
deverá convocar uma audiência preliminar, a realizar num dos 30 dias subsequentes
(art. 508.º-A). A audiência preliminar é o primeiro acto oral de contacto entre as partes
entre si e entre as partes e o tribunal.
8.1 – Tentativa de conciliação das partes (art. 508.º-A/1, al. a)
A primeira finalidade da audiência preliminar é a tentativa de conciliação das
partes, da qual resultará, a ser conseguida, a composição do litígio por
transacção.9
8.2 – Discussão das questões de facto e de direito (art. 508.º-A/1, al. b)
A audiência preliminar deve servir para permitir que as partes discutam as
questões de facto e as questões de direito, caso o juiz deva apreciar
excepções dilatórias10 ou quando tencione conhecer de imediato, no todo ou
em parte, do mérito da causa, i.e., quando o juiz considere que está em
condições de emitir uma decisão de mérito logo após a audiência preliminar.
Aliás, nesta situação, a convocação da audiência preliminar é obrigatória, na
medida em que será a última oportunidade para as partes discutirem as
questões daquele processo.
Ainda, a discussão possibilita uma aproximação das partes,
facilitando uma possível conciliação.
8.3 – Definição do objecto do processo (art. 508.º-A/1, al. c)
Discute-se, então, as posição que as partes têm no processo de modo a que
seja possível delimitar exactamente aquilo que está efectivamente em
discussão, i.e., de modo a que, por acordo, se defina o objecto do processo,
sendo sobre ele que o tribunal irá exercer a função jurisdicional.
Desta discussão o juiz poderá inferir que deveria ter sido redigido um
despacho pré-saneador, caso não tenha acontecido, por este não se ter
apercebido da falta de questões necessárias à delimitação do objecto do
processo. Assim, o juiz pode também na audiência preliminar emitir despacho
9 A transacção será apreciada mais demoradamente quanto às formas de composição da acção (infra).10 As excepções dilatórias serão apreciadas em sede de pressupostos processuais (infra).
9
para suprir as irregularidades só agora identificadas, em sede de delimitação
do objecto do processo.
8.4 – Seleccionar os factos assentes e definir a base instrutória (art.
508.º-A/1, al. d)
Outra função bastante relevante da audiência preliminar é possibilitar ao juiz e
às partes a discussão da matéria que será dada por assente neste fase do
processo e quais são os factos que necessitam de produção de prova. Isto só
é possível quando a acção tenha sido contestada, na medida em que a falta
de contestação implica a aceitação dos factos por acordo, conforme foi já
supra referido.
A matéria de facto assente é inscrita na relação de factos assentes e
a matéria a ser provada insere-se na base instrutória.
A relação de factos assentes e a base instrutória são passíveis de
reclamação pelas partes, quando em desacordo com o tribunal.
8.5 – Indicação dos meios de prova (art. 508.º-A/2, al. a)
A audiência preliminar serve ainda para as partes indicarem os meios de
prova que irão produzir, relativamente à base instrutória.11
8.6 – Emissão do despacho saneador (art. 508.º-A/1, al. d)
O despacho saneador é proferido fora da audiência preliminar quando não há
lugar a esta, i.e., quando o juiz dispensou a sua realização.12 Havendo
audiência preliminar, um dos actos que a integra é precisamente o despacho
saneador, regulado no art. 510.º.
No despacho saneador, o juiz pode conhecer imediatamente do
mérito da causa sempre que o estado do processo o permita, não havendo
necessidade de mais provas (art. 510.º/1, al. b), sendo o caso julgado
material.
O juiz deve ainda conhecer das excepções dilatórias e nulidades
processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que deva apreciar
11 Mais sobre a prova será desenvolvido no capítulo IX – A prova (infra).12 Também a dispensa de realização da audiência preliminar pode ser impugnada pelas partes.
10
oficiosamente, constituindo, nestes casos, o despacho caso julgado formal
quanto às questões concretamente apreciadas.
9 – Fase da instrução
Segundo o disposto no art. 513.º, a instrução tem por objecto os factos relevantes para
o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados
de prova., i.e., os factos indicados na base instrutória, o objecto da prova.
O art. 514.º elenca os factos que não carecem de alegação ou de prova (os
factos notórios ou de conhecimento geral, entre outros) e o art. 515.º define quais são
as provas atendíveis, segundo o princípio da aquisição processual da prova. Assim, o
tribunal deve ter em consideração todas as provas produzidas, quer pela parte a quem
aproveitam quer pela parte contrária.
O art. 516.º dispõe ainda que a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre
a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita ,
princípio cuja existência se releva necessária na medida em que o juiz não se pode
abster de proferir uma decisão (art. 8.º do CC).
O art. 517.º plasma o princípio do contraditório em matéria de prova, que
impede o tribunal de valorar qualquer prova sem a prévia admissão do contraditório da
parte contra a qual a prova é apresentada.
O art. 519.º contém o dever de cooperação entre as partes (e entre as partes
e o tribunal) para a descoberta da verdade, que se revela como um princípio geral do
direito processual.13
10 – Audiência de discussão e julgamento
Após a instrução, inicia-se a fase de discussão e julgamento da causa. Dispõe o art.
652.º/1 que, não havendo razões de adiamento (como seja a não comparência dos
mandatários judiciais), realizar-se-á a discussão da causa.
Segundo o dispositivo do art. 652.º/2, a primeira função da audiência de
discussão e julgamento é, mais uma vez, a tentativa de conciliação das partes, se a
causa estiver na disponibilidade destas.
13 A matéria da prova será desenvolvida no capítulo próprio, bem como a matéria relativa aos princípios gerais enunciados.
11
Se a conciliação não for conseguida, realizar-se-á a prestação de
depoimentos de parte, a exibição de reproduções cinematográficas ou de registos
fonográficos, os esclarecimentos verbais dos peritos, a inquirição das testemunhas e o
debate sobre a matéria de facto, podendo cada advogado replicar uma vez, i.e., a
produção de prova que apenas deverá tem lugar nesta fase do processo.
Findo o debate oral sobre a prova que foi produzida, i.e., a discussão sobre a
base instrutória, o tribunal recolhe para decidir a matéria de facto (matéria da base
instrutória, uma vez que os factos assentes estão já definidos). O tribunal julga a
matéria de facto indicando quais os factos que considera provados e os que não
considera provados, bem como aqueles que considera apenas parcialmente provados.
As partes podem reclamar do julgamento da matéria de facto (art. 653.º).
O último acto da audiência de discussão e julgamento são as alegações
sobre a matéria direito, i.e., a discussão do aspecto jurídico da causa (art. 657.º), que
pode ser apresentada por escrito (ao contrário da discussão da matéria de facto, que é
sempre oral) ou oralmente, caso em que acontece na mesma audiência.14
11 – Sentença
Após a discussão do aspecto jurídico da causa, inicia-se a fase da sentença, última
fase do processo declarativo. A sentença é o acto em que o tribunal vai ponderar os
resultados obtidos ao longo de todo o processo e definir a solução jurídica da causa,
fazendo uma apreciação crítica de todas as provas produzidas.
A sentença é um acto individual, proferida apenas por um juiz, que não é
necessariamente o juiz da audiência de discussão e julgamento.15
A sentença é uma decisão definitiva e, uma vez proferida, fica imediatamente
esgotado o poder jurisdicional daquele órgão quanto à matéria daquela causa (art.
666.º), sem prejuízo da possibilidade de rectificação ou da interposição de recurso.16
14 Na discussão do aspecto jurídico da causa por escrito, a secretária abre prazo para autor e réu virem discutir em sucessão.15 Exceptuam-se, evidentemente, as decisões dos tribunais colectivos: os acórdãos.16 Mais se desenvolverá quanto à sentença em sede de composição da acção e em sede de recurso.
12
II – PRINCÍPIOS
1 – PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Dispõe o art. 1.º que a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou
assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei.17,
i.e., a auto-tutela não é admíssivel. Desta proibição da auto-tutela resulta
necessariamente a imposição de um dever que impende sobre o Estado e que implica
a possibilidade dos cidadãos recorrerem aos meios jurisdicionais adequados à
resolução dos litígios que podem surgir. Terá, portanto, que haver meios institucionais
adequados e suficientes à resolução de conflitos e órgãos jurisdicionais capazes de
absorver toda a competência possível para o julgamento de todos os tipos de litígios
possíveis, i.e., tem de haver poder jurisdicional concretamente instituído em órgãos
jurisdicionais e, por outro lado, haver uma universalidade da competência afecta a
essa jurisdição: a proibição da auto-tutela implica a garantia do direito de acesso
aos tribunais.
Neste sentido, o art. 20.º/1 da CRP dispõe que a todos é assegurado o
acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos. O direito de acesso aos tribunais implica o direito de obter, em prazo
razoável, uma decisão judicial (art. 2.º/1), não podendo a justiça ser denegado por
insuficiência de meios económicos (art. 20.º/1 in fine da CRP).18
As garantias do processo justo implicam a imparcialidade do órgão que
julga (art. 122.º e ss.) bem como de todos os operadores judiciários19, a necessidade
de fundamentação das decisões, a existência de igualdade substancial das partes
17 Como sejam a acção directa (art. 336.º do CC), a legítima defesa (art. 337.º do CC) e o estado de necessidade (art. 339.º do CC).18 O direito de acesso aos tribunais está muitas vezes condicionado por obstáculos de natureza organizativa e por obstáculos de natureza procedimental ou formal que se têm mostrado difíceis de ultrapassar, aos quais o princípio da adequação forma procura dar resposta.19 Só uma aferição em concreto pode permitir concluir se houve ou não violação do princípio da imparcialidade. Mas é possível definir como vector de identificação a intervenção não justificada do tribunal, sendo necessária a demonstração da desigualdade substancial para ser admissível a intervenção do tribunal a título de dever assistencial. Se não for possível fazer esta demonstração, será de inferir que o juiz não é imparcial.
13
(art. 3.º-A). Contudo, a imparcialidade do decisor e a igualdade substancial das partes
não garantem por si só que o processo seja justo, é ainda necessário garantir o
contraditório e outros direitos como a duração razoável do processo e a sua
publicidade.
1.1 – Princípio da adequação formal
Se a tramitação paradigmática do processo comum não for adequada à situação
concreta em litígio é possível conceber a existência de um processo especial, mais
adequado às exigências do concreto litígio, i.e., a especificidade da situação concreta
do litígio que o tribunal tem de dirimir justifica, ou pode justificar, o desvio da
tramitação paradigmática e conduzir a um processo especial.
Só é possível pensar na existência de formalismos auto-justificados e que não
criem obstáculos no acesso à justiça, significando que, necessariamente, todos os
actos previstos pelo legislador são actos que têm de ser necessários naquele caso
concreto, i.e., que se justificam perante aquele caso.
Sempre que o tribunal conclua que a forma que a lei manda aplicar no caso
concreto não é a forma mais adequado para que aquele específico litígio seja dirimido,
o tribunal deverá adequar a sequência de actos ao litígio em concreto (art. 265.º-A),
isto porque não devem existir actos inúteis e porque todos os actos devem servir a
finalidade do processo.20
2 – PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
2.1 – Princípio do contraditório
O princípio do contraditório tem consagração legal no art. 3.º/1, ao dispor que o
tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a
resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada
para deduzir oposição. Assim, o princípio do contraditório expressa-se através da
audição prévia, sendo uma das suas vertentes o direito de ser ouvido. O juiz deve
procurar fazê-lo cumprir e abster-se de proferir qualquer decisão quanto a questões de
direito ou de facto, mesmo que a título oficioso, sem que as partes tenham tido
20 Este princípio será mais longamente apreciado em sede de objecto do processo, em especial no tocante à cumulação de pedidos (infra).
14
possibilidade de sobre elas se pronunciarem, a menos que haja manifesta
desnecessidade em ouvir as partes (art. 3.º/3), de modo a evitar decisões supresa.
O art. 3.º/2 prevê a possibilidade de preterição do princípio do contraditório
em casos excepcionais.21
Para além da audiência prévia, o princípio do contraditório pressupõe o
direito de resposta, i.e., o direito de tomar posição sobre todos os actos da
contraparte. O direito de resposta não pode ser posto em causa, mesmo quando finda
a fase dos articulados. Quanto a isto, dispõe o art. 3.º/4 que às excepções deduzidas
no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência
preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
A violação do princípio do contraditório gera uma nulidade processual porque
a irregularidade cometida pode influir no exame ou na decisão da causa (art. 201.º/1).
O princípio do contraditório é um dos princípios basilares do direito
processual, podendo a sua violação ser invocada mesmo após o trânsito em julgado
em sede de recurso extraordinário de revisão, nos termos do art. 771.º.22
2.2 – Princípio da legalidade (da decisão)
Este princípio é mais notório em sede de julgamento e da própria decisão. O
julgamento e a sentença podem-se fundar em critérios normativos ou não normativos
ou em poderes discricionários mas têm de ser sempre fundamentados em critérios
legais.
Este dever de fundamentação da decisão decorre do art. 205.º da CRP e a
sua não verificação gera a nulidade da sentença nos termos do art. 668.º/1, al. b).
3 – PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
3.1 – Princípio da cooperação
Previsto no art. 266.º, pressupõe a cooperação entre as partes e entre as partes e o
tribunal, de modo a obter a justa composição do litígio com brevidade e eficácia.
O art. 519.º consagra também o dever de cooperação para a descoberta da
verdade. O art. 519.º/1 dispõe que todas as pessoas, sejam ou não parte na causa,
21 Um exemplo clássico desta preterição do princípio do contraditório é o processo cautelar. Dispõe o art. 385.º/1 que o tribunal ouvirá o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.22 Mais sobre este tipo de recurso e a sua admissibilidade no capítulo VIII – Recursos (infra).
15
têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade. Quer este
preceito dizer que todos os cidadãos devem colaborar com a justiça, podendo estar
sujeitos às sanções previstas no art. 519.º/2 quanto à não observância deste dever.
Este preceito contém uma importante directriz quanto às partes em matéria de prova:
se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recuso para efeitos
probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no
art. 344.º/2 do CC.23
O dever de litigar de boa fé é um corolário do princípio da cooperação.
Dispõe o art. 266.º-A que as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de
cooperação estipulados. Litiga de má fé quem, nos termos do art. 456.º/2, deduzir
pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devesse ignorar, alterar a
verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa e praticar
omissão grave do dever de cooperação, entre outros. A parte litigante de má fé será
condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir, nos
termos do art. 456.º/1.
O tribunal também está obrigado a cooperar, nos termos do art. 266.º/2, o que
pode ser garantido, por exemplo, através do convite ao aperfeiçoamento das peças
processuais (art. 508.º) ou através de pedidos de esclarecimentos às partes, bem
como através do zelo pela observância do princípio do contraditório.
3.2 – Princípio do dispositivo
O art. 264.º/1 dispõe que às partes cabe alegar os factos que integram a causa de
pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, isto porque o juiz só pode fundar a
decisão nos factos alegados pelas partes sem prejuízo das matérias de conhecimento
oficioso (art. 264.º/2).
Este princípio materializa-se desde logo no princípio do impulso processual
(inicial e sucessivo), i.e., o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a
acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (art. 3.º/1):
impulso processual inicial; bem como está na disponibilidade das partes pôr fim à
instância: impulso processual sucessivo.
23 Há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (art. 344.º/2). É o exemplo do réu que se recusa a facultar uma amostra do seu ADN numa acção de averiguação da paternidade. Nesta situação, caberá então ao réu demonstrar que não é o pai e já não ao autor demonstrar que é o filho.
16
Também o princípio da oficiosidade é corolário do princípio do dispositivo,
sendo, todavia, relativo ao tribunal.24 Dispõe, assim, o art. 265.º/1 que iniciada a
instância, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto
pela lei às partes, providenciar pelo andamento regular e célere do processo,
promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da
acção e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório.
Por fim, o último grande corolário do princípio do dispositivo é o princípio da
disponibilidade privada relativamente à conformação do objecto do processo:
incumbe às partes definir o objecto do processo e prestar prova sobre os factos que
nele se inserem, i.e., as partes têm o ónus de alegação dos factos e o ónus da prova
dos factos.
3.3 – Princípio do inquisitório
O princípio do inquisitório é relativo ao tribunal. Dispõe o art. 265.º/3 que incumbe ao
juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao
apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é
lícito conhecer, i.e., o tribunal tem poderes de investigação quando o litígio o
justifique.25 A prova por inspecção judicial (art. 612.º) é disso exemplo.
3.4 – Princípio da oficiosidade
Muito embora referido como corolário do princípio do dispositivo por APCS26, o
princípio da oficiosidade é um dos mais contraditórios em relação a este.
O tribunal não está vinculado às alegações das partes quanto à matéria de
direito27 mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes (art. 664.º), com as
excepções por via do art. 264.º/2: os factos notórios e de conhecimento geral e
24 E muito embora, como é fácil inferir, possa muitas vezes, pela sua natureza, entrar em conflito com o princípio do dispositivo.25 Um exemplo deste princípio é a possibilidade do próprio tribunal ordenar a inquirição de testemunhas que não foram arroladas pelas partes, por considerar que o seu depoimento poderá ter relevância na justa composição do litígio (art. 645.º). Assim, muito embora o princípio do inquisitório possa colidir com o princípio do dispositivo, o tribunal estará a garantir o princípio da cooperação para a descoberta da verdade.26 Prof.ª Ana Paula Costa e Silva, à qual nos referiremos pelas iniciais ao longo deste estudo.27 Por exemplo, quanto às alegações da existência de excepções dilatórias.
17
aqueles que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções 28
(art. 514.º), bem como quando o processo é usado para fins anormais (art. 665.º).
Também o convite às partes ao aperfeiçoamento das peças quanto às
questões materiais, bem como o indeferimento liminar são manifestações deste
princípio.
3.5 – Princípio da oralidade
Por questões de celeridade, economia e simplificação do processo, a oralidade
coexiste com a forma escrita dos actos. Contudo, muito embora seja admitida a forma
escrita nas alegações de direito, a discussão da matéria de facto é sempre oral.29
O princípio de imediação é um corolário da oralidade. A discussão da causa
e a produção da prova devem decorrer perante o tribunal a quem compete proferir a
decisão. São excepções ao princípio da imediação, por exemplo, a antecipação do
depoimento de parte ou de testemunha (art. 520.º), o depoimento de parte ou de
testemunhas fora da audiência (art. 557.º) e as actividades de prova pericial ou de
inspecção judicial fora da audiência (art. 568.º e art. 612.º).
Também o princípio da publicidade é corolário da oralidade. Traduz-se no
facto de as audiências serem em regra acessíveis a terceiros interessados ou não na
decisão.30 A violação deste princípio constitui uma nulidade processual nos termos do
art. 201.º/1. São suas excepções a salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral
pública ou a garantia do normal funcionamento do tribunal (art. 206.º da CRP e art.
656.º), que poderão implicar a preterição do princípio da publicidade.
3.6 – Princípio da legalidade
A tramitação do processo segue a forma legalmente estabelecida, que se impõe às
partes e ao tribunal, i.e., o processo deve seguir determinado formalismo legalmente
imposto.
O princípio da legalidade foi flexibilizado na reforma de 95/96 pela introdução
do princípio da adequação formal (art. 265.º-A), que possibilita ao tribunal atender a
vários pedidos que, à partida, seriam pedidos que seguiriam formas de processo
28 Há que ter atenção na qualificação dos factos que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Estes são os factos estritamente relacionados com o tribunal, como sejam, por exemplo, as questões prévias (como a verificação da não existência de litispendência).29 Supra, no que foi dito quanto à Audiência de discussão e julgamento.30 Veja-se a este propósito o art. 206.º da CRP, o art. 656.º e mesmo o art. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
18
incompatíveis,31 se verificadas as circunstâncias necessárias. Desta forma, o princípio
da adequação formal pode constituir uma excepção ao princípio da legalidade.
III – O ACTO PROCESSUAL
31 Como por exemplo, o processo comum e o processo especial.
19
A doutrina tem discutido um critério que defina o acto processual. Segundo o Prof.
MTS32 será necessário atender a um critério funcional, que define os actos
processuais como actos jurídicos que produzem directamente efeitos no processo, i.e.,
através de um critério de produção de efeitos. Este raciocínio parte da premissa de
que ao acto processual importa a produção directa de efeitos no processo,
independentemente do seu conteúdo material.
Do que será infra explicitado, resultaria daqui que apenas os actos
constitutivos seriam actos processuais. Por isso, a nosso ver, é de rejeitar este critério
funcional assim apresentado.
1 – TIPOLOGIA DE ACTOS
Existem actos do tribunal e actos das partes.
Os actos do tribunal são, em regra, decisões, que serão sentenças (quando
são decisões finais proferidas numa causa ou num seu incidente) ou despachos (em
regra, decisões não finais).33 Também é possível distinguir as decisões
interlocutórias (que não põem termo ao processo nem ao incidente) e as decisões
finais (que põem termo ao processo ou ao incidente). Todas as decisões são actos de
um órgão de soberania e por isso obrigatórias para todas as entidades públicas e
privadas (por via do art. 110.º da CRP e do art. 205.º/2 também da CRP).
Já quanto aos actos das partes, há que distingui-los quanto aos
intervenientes e quanto aos seus efeitos. Existem os actos unilaterais (praticados por
uma única das partes)34 e os actos bilaterais (praticados por ambas as partes).35
Quanto aos efeitos, os actos das partes podem ser constitutivos (produzindo
imediatamente efeitos sem necessidade de uma decisão do tribunal)36 ou postulativos
(solicitando a decisão do tribunal e só produzindo efeitos com ela). Foi Goldschimdt
quem primeiro definiu os actos postulativos: são actos que se destinam a obter uma
decisão através do exercício de uma influência psicológica sobre o juiz. Assim, os
actos postulativos podem ser pedidos, afirmações, produções de prova, etc.
32 Prof. Miguel Teixeira de Sousa, ao qual nos referiremos pelas iniciais ao longo deste estudo.33 Tenha-se em conta que os despachos podem também ser decisões finais. É o exemplo do despacho saneador de mérito.34 Como por exemplo, a desistência do pedido (art. 293.º/1).35 Como por exemplo, a transacção (art. 1248.º do CC).36 Como a desistência do pedido ou a junção de documento.
20
2 – TIPOLOGIA DE ACTOS EM ESPECIAL: ACTOS POSTULATIVOS
Em termos genéricos, os actos postulativos são actos declarativos, nos quais a parte,
ao formular o pedido, exprime a sua vontade quanto ao conteúdo possível da decisão.
Segundo a Prof. APCS, apresentam as seguintes características:
1) São actos processuais porque se integram no procedimento e visam
preparar e determinar o conteúdo do acto final e porque não são auto-suficientes para
produzir um efeito final;
2) Do ponto de vista estrutural, tratam-se de actos unilaterais, i.e., a sua
compleitude basta-se com a intervenção de uma única parte;
3) Assumem a forma escrita por imposição legal;37
4) Tratam-se de actos declarativos, i.e., uma declaração, um
comportamento através do qual o autor do acto comunica algo ao tribunal (e à
contraparte através da citação ou notificação); formula uma pretensão assente em
determinada factualidade.
Assim, a Prof. APCS defende que a relevância do acto postulativo é
precisamente tratar-se de uma manifestação da vontade das partes, acreditando que o
acto postulativo está entre o acto jurídico simples e o negócio jurídico, isto porque o
acto simples, desde logo, supõe uma conduta voluntária o que leva a doutrina a
relevar questões como a coacção moral.
3 – CARACTERÍSTICAS DO ACTO PROCESSUAL
Segundo o Prof. MTS, o acto processual assume quatro características essenciais:
1) Tem de respeitar o princípio da utilidade, i.e., não devem ser praticados
actos desnecessários ou erróneos (art. 137.º);
2) Em geral, assumem um carácter receptício, i.e., só produzem efeitos
quando se tornam do conhecimento dos destinatários;38
37 Esta característica não nos parece ser a melhor, uma vez que sendo um acto postulativo um qualquer acto que se destine a influenciar a opinião do juiz, estes podem ser feitos oralmente.38 Mais uma vez, este pensamento parece vir entrar em crise com a possibilidade de existência de actos constitutivos e até mesmo com a própria admissão do critério funcional, defendendo que os actos produzem efeitos por si só. Contudo, importa referir os actos só produzem efeitos quanto à parte contrária quando são do seu conhecimento (por exemplo, o processo só tem efeitos quanto ao réu após a citação, apesar da entrega da PI iniciar por si só a instância).
21
3) São incondicionais, a sua eficácia não pode ser submetida a qualquer
condição.39 Contudo, há excepções a esta incondicionalidade: por exemplo, quanto
aos negócios jurídico-processuais é possível condicionar a desistência do pedido
numa determinada acção à desistência do pedido do réu noutra acção diferente, na
qual é autor (art. 293.º/1, art. 294.º/2 e art. 295.º/1);
4) Quanto à revogabilidade há que considerar que, à partida, os actos dos
tribunais não são revogáveis; contudo o juiz pode rectificar erros materiais e lapsos
manifestos, suprir nulidades ou reformar a sentença (art. 666.º/2 e art. 667.º a art.
670.º). Já quanto aos actos das partes, os constitutivos seriam irrevogáveis por
produzir efeitos directamente no processo e os actos postulativos seriam revogáveis
enquanto não tivessem constituído uma situação favorável à contraparte, i.e.,
enquanto esta não tivesse contestado, de acordo com o art. 296.º/2.
4 – FORMA DOS ACTOS
Segundo o disposto no art. 138.º/1 os actos processuais terão a forma que, nos termos
mais simples, melhor corresponda ao fim que visam atingir. Em observação do
princípio da economia, os actos processuais poderão ser escritos ou orais. Contudo,
há actos cuja forma está legalmente estabelecida: os articulados têm obrigatoriamente
a forma escrita40 e a discussão da matéria de facto é sempre oral.
O art. 150.º/1 regula as diferentes formas de prática dos actos que devam ser
escritos. São elas a entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do
acto a data da respectiva entrega (art. 150.º/1, al. a), a remessa por correio, sob
registo, valendo como data da prática do acto a da efectivação do registo postal (art.
150.º/1, al. b), o envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto a
data da expedição (art. 150.º/1, al. c) e o envio através de correio electrónico ou o
envio através de outro meio de transmissão electrónica de dados, valendo como data
da prática do acto a data da expedição, devidamente certificada (art. 150.º/1, al. d) e
al. e) e devendo as partes remeter ao tribunal todos os documentos que devam
acompanhar a peça no prazo de 5 dias (art. 150.º/3).
39 Não se deverá confundir o momento em que começam a ser eficazes (por exemplo, após a citação) com a sujeição à verificação de determinada condição.40 Não encontramos qualquer preceito que imponha a forma escrita. Contudo, apesar da prática a confirmar, também é possível inferir a obrigatoriedade da forma escrita através de um raciocínio dedutivo baseado nos motivos de recusa da PI pela secretaria como a falta de assinatura, a não redacção em língua portuguesa ou a não utilização de papel que obedeça aos requisitos regulamentares (art. 474.º, al. g), h) e i), entre inúmeros outros preceitos relativos aos articulados.
22
5 – INTERPRETAÇÃO DOS ACTOS
No direito comparado, Betti defende que os actos processuais não podem ser
regulados por outra lei que não a lei processual, afastando, assim, a possibilidade de
aplicação do direito subjectivo constante do código civil italiano ao direito adjectivo
italiano.
Entre nós, também o Prof. Anselmo de Castro e o Prof. Luso Soares
sustentam que o acto processual deve ser interpretado por si sem recurso a elementos
extrínsecos, fundando este conclusão no carácter unilateral estritamente formal dos
actos processuais, bem como na limitada relevância da vontade na prática de tais
actos, parecendo assim indiciar que como resultado da interpretação não se poderá
fixar um sentido que não tenha um mínimo de apoio na forma, sem prejuízo da
possibilidade de erros na declaração, aos quais deve ser dada relevância.
Segundo o Prof. MTS, a aplicação dos critérios definidos no art. 236.º do CC, por via
do art. 295.º do CC, basta à interpretação dos actos das partes. Por este motivo, os
actos das partes devem ser interpretados de acordo com o sentido que um destinatário
(declaratário) normal, colocado na posição do real destinatário, possa deduzir do
comportamento do declarante. O Prof. acrescenta ainda que, em caso de dúvida séria,
o tribunal deve procurar o esclarecimento junto da parte declarante.41 Defende ainda
que não é possível atribuir qualquer relevância aos vícios da vontade, admitindo
contudo a possibilidade de revogação de actos processuais em determinadas
situações.
A posição do Prof. é, de resto, seguida pela jurisprudência dominante.
A Prof. APCS desenvolveu esta matéria na sua tese de doutoramento, levantando
questões que permitem formular um novo entendimento quanto à questão da
interpretação do acto, especialmente quanto ao acto postulativo. A Prof. critica a
aplicação do art. 236.º do CC aos actos processuais em geral, defendendo a prévia
necessidade de demonstrar a existência de uma analogia entre o acto processual e o
negócio jurídico, isto porque a aplicação do art. 236.º do CC por via do art. 295.º do
CC significaria que os actos processuais seriam actos negociais, na medida em que o
regime está pensado especialmente para os negócios jurídicos. Levanta também
41 O que parece ser uma manifestação clara do princípio da cooperação.
23
questões quanto à possibilidade de substituição do declaratário pelo destinatário, na
medida em que os actos não têm apenas um destinatário, mas sim, em regra, dois – o
tribunal e a contraparte. O Prof. MTS explica a admissibilidade deste preceito na
medida em que há dois declaratários-tipo – na relação entre a parte o tribunal (em que
o declaratário-tipo será o juiz real colocado na posição de juiz normal), valendo o acto
com o sentido que o juiz-tipo lhe possa atribuir; e na relação entre as partes
(construindo-se a figura do autor-tipo ou do réu-tipo). A Prof. APCS rejeita esta
construção porque ela pode conduzir à delimitação de dois objectos processuais
diferentes. Assim, a Prof. defende que o sentido que a parte-padrão possa dar ao acto
prevalece sempre sobre o sentido que o juiz-padrão lhe possa atribuir, embora este
possa também ter relevância, uma vez que os interesses substâncias em causa são os
interesses das partes e não o interesse do tribunal.
Defende que os actos processuais são actos jurídicos porque produzem
efeitos de direito mediante uma conduta voluntária. Contudo, os actos processuais
estão necessariamente integrados numa cadeia de actos sucessivos, produzindo por
si só o andamento do processo.42 Por este motivo, aos actos processuais é irrelevante
o desejo das partes, i.e., ao sistema desinteressa por completo que a parte queira ou
não o andamento do processo através da prática de determinado acto. O acto
processual tem per si o efeito de propulsão da instância. Contudo, mesmo em teoria
geral do negócio jurídico existe a necessidade de uma pluralidade de actos em cadeia
para que se possa formar um negócio.43 Assim, nem os actos em processo, nem os
actos das partes em teoria geral do negócio jurídico são auto-suficientes: o seu
objectivo último não é conseguido apenas pela prática do acto, sendo necessária uma
sucessão de actos para que as partes consigam o seu fim. Ainda, as partes não
procuram os efeitos automáticos dos actos, mas sim o fim último, que em processo
será a justa composição do litígio.44
Em suma, actos jurídicos e actos processuais são igualmente actos jurídicos
voluntários cuja potestatividade não se basta per si, necessitando ser inseridos numa
cadeia sucessiva de actos para que produzam o seu efeito final, desejado pelas
42 Apesar de não produzirem directamente o efeito pretendido pelas partes, que será a obtenção de uma decisão definitiva favorável à sua pretensão, fazem por si só avançar o processo.43 A proposta e a aceitação são actos jurídicos que produzem efeitos per si mas que necessitam de se suceder para que se possa formar um negócio jurídico.44 É clara a analogia entre este pensamento e a filosofia socrática. Ao praticar qualquer acto, o autor não quer os meios mas sim os fins. Platão chega a exemplificar esta situação na sua obra Górgias: o doente que bebe um remédio não quer beber o remédio em si mas quer, sim, a cura que este lhe proporcionará.
24
partes. Todavia, a intensidade da relevância da vontade nos actos jurídicos é
gradativa, i.e., não é igual em todos os actos e mesmo dentro do mesmo acto pode ter
intensidade diferente quanto aos diferentes efeitos. Há efeitos que são absolutamente
heterónomos, i.e., efeitos produzidos pelo acto sem qualquer vontade das partes.45
Esta tensão entre autonomia e heteronomia cria zonas de sobreposição de regime
incerto.
Assim, tanto os actos jurídicos como os actos processuais podem ser
igualmente mais ou menos potestativos. É, então, possível a aplicação do regime
previsto no CC aos actos praticados pelas partes no processo?
O direito processual sempre aceitou a aplicação das regras de direito privado quanto
aos negócios processuais. Todavia, o direito processual tem princípios fundamentais
próprios e é à luz desses princípios que é necessário procurar o regime geral aplicável
aos actos praticados pelas partes que não sejam negócios jurídicos. A teoria
processual deixou, contudo, espaço à utilização do art. 236.º/1 do CC, quanto à
interpretação dos actos. A Prof. APCS fala-nos da necessidade de encontrar pontos de
contacto entre os actos necessariamente abrangidos pelo art. 236.º/1 do CC e os actos
que as partes praticam em processo. Do que já foi dito, resulta que há uma identidade
quase total entre aqueles actos e os actos praticados em processo.
A Prof. rejeita ainda a construção do art. 295.º do CC, defendendo que esta
não é a melhor analogia existente no sistema entre actos jurídicos e actos
processuais.
Assim, é de referir que o art. 193.º/3 é uma regra fundamental quanto à interpretação
dos actos processuais: se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com
fundamento na ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, não se julgará
procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou
convenientemente a petição inicial. Isto acontece porque o réu não é um terceiro
exterior ao processo mas, sim, conhece toda a factualidade que lhe dá origem. Este
preceito revela, então, um vector que não é possível encontrar no CC mas que deve
ser tido em conta como o primeiro comando relativo à interpretação do acto
processual: o sentido comum que as partes atribuem a uma qualquer declaração de
vontade é o sentido juridicamente vinculante. A interpretação de terceiros não deve,
45 Como seja a transmissão do direito de propriedade num contrato de compra e venda.
25
por isso, relevar. Em suma, o sistema processual pretende que seja o sentido comum
das partes o vector que presida à interpretação dos actos processuais.
Contudo, como resolver as situações nas quais as partes não atribuem um
sentido comum ao acto, i.e., quando há divergência quanto ao sentido juridicamente
vinculante do acto? Nesta situação será de aplicar o art. 236.º/2 do CC e, portanto, se
o réu (o declaratário) conhece a real intenção do autor (do declarante) deve ser esse o
sentido a prevalecer, i.e., prevalece a vontade real do autor (do declarante).
Para a Prof., a aplicação do art. 236.º/1 do CC à interpretação dos actos processuais
levanta muitas questões. Desde logo, os actos processuais das partes são, por
natureza, actos formais e aos actos formais não é directamente aplicável este preceito
mas sim o art. 238.º do CC. Dispõe este preceito que nos negócios formais não pode a
declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no
texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238.º/1 do
CC).
Quanto a toda a matéria da interpretação dos actos processuais, como síntese, é útil
recordar as palavras da Dr.ª Sofia Henriques, proferidas na aula de 16 de Novembro
de 2004, as quais passamos a transcrever:
O Prof. MTS entende que os actos das partes devem ser interpretados de acordo com o
art. 236.º do CC. Este artigo (…) diz-nos que a declaração
negocial vale com um sentido que o declaratário normal, colocado na posição
do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se
este não puder razoavelmente contar com ele. O Prof. MTS fundamenta esta
sua posição na aplicação aos actos não negociais do regime previsto para a
declaração negocial ao abrigo do art. 295.º [do CC].
Ao passar à concretização do art. 236.º/1, este Prof. sustenta que os
actos das partes devem ser interpretados de acordo com o sentido que um
destinatário normal, colocado na posição do real declaratário (entenda-se:
tribunal ou a outra parte), possa deduzir do comportamento da parte – isto porque ele
qualifica tanto o tribunal como a contraparte como declaratários do acto.
Além disso, o Prof. MTS pronuncia-se ainda sobre as situações de dúvida
séria quanto ao sentido da declaração: afirma que nestes casos o tribunal deve
procurar o esclarecimento junto da parte declarante (…). Porém, a maior dificuldade
que a aplicação deste regime aos actos processuais levanta é quando os actos das
26
partes não se possam qualificar como actos negociais. Ma verdade, a aplicação ao acto
não negocial do regime previsto para o negócio traduz-se na concretização da analogia
entre as duas situações, da qual o art. 295.º [do CC] faz depender essa aplicação – é
preciso verificar se é possível aplicar ou não analogicamente à situação o regime da
interpretação dos actos negociais. (…)
O Prof. MTS dá relevância ao acto na medida em que o juiz normal, colocado
na posição daquele juiz real, daria àquele acto em concreto. Mas simultaneamente este
acto deve também valer com o sentido que uma contraparte normal, colocada na
posição da real contraparte, lhe daria (…).
Se o Prof. MTS parte do pressuposto que declaratários normais são, quanto
ao acto processual, a contraparte e o tribunal, nós temos aqui esta situação que é o
acto valor com o sentido que o juiz normal, colocado na posição do juiz real, daria
àquele acto, mas também, porque a contraparte também seria um declaratário, temos
que retirar o sentido que a contraparte normal, colocada na posição da contraparte real,
lhe daria. Ou seja, sempre que estivéssemos no confronto com o tribunal o acto valia
com o sentido que o juiz normal lhe atribuiria, sempre que estivéssemos no confronto
com a parte contrária o acto prevaleceria com o sentido que uma parte normal lhe daria.
Significa que nesta posição do Prof. MTS, pelo menos na interpretação que
lhe estou a dar, a declaração processual não teria no mesmo processo um único
sentido juridicamente relevante, mas sim, sentidos juridicamente distintos. (…) As
diferentes construções que em sede de TGDC se fazem sobre o art. 236.º [do CC] não
concretizam, normalmente, situações para além daquelas em que há um único
declaratário. (…) Os actos processuais são actos que não se destinam apenas a um
declaratário e logo se levanta este problema quanto à aplicação do art. 236.º [do CC]
quanto aos actos processuais. Parece assim, que o Prof. MTS, ao afirmar que se
aplicam à interpretação dos actos processuais os critérios definidos no art. 236.º do CC,
admite que possa prevalecer um sentido que corresponda a uma vontade real do
declarante e que não tenha um mínimo de correspondência no texto da declaração. (…)
A Prof. APCS faz um longo percurso na sua tese (…). A interpretação dos
actos processuais é uma matéria que não é normalmente autonomizada enquanto
questão porque ela surge normalmente tratada a propósito de outras questões que vão
surgindo (…). A interpretação tem interesse, sobretudo, quando há uma dissidência
entre a intenção da parte quando formula um determinado acto postulativo e a
interpretação que é dada a esse mesmo acto pelo tribunal ou pela contraparte. (…)
Para nos ajudar nesta questão da interpretação temos alguns artigos que
estão no CPC (…). O primeiro é o art. 138.º/3 que nos diz que os actos processuais que
tenham de ser reduzidos a escrito devem ser compostos de forma a não deixar dúvidas
acerca da sua autenticidade formal e redigidos de maneira a tornar claro o seu
27
conteúdo. Portanto, eles devem ser redigidos de forma clara: segundo este artigo,
incide sobre as partes o ónus de se fazerem entender, quer por quem decide – o juiz –
quer por aquele contra quem litigam. O tribunal é um dos sujeitos que terá
necessariamente que interpretar o acto postulativo – este, como já foi dito, destina-se a
persuadir o tribunal de modo a que ele considera adequada a tutela requerida. Mas há
que ter em conta que o acto postulativo também deve contar com a intepretação que a
contraparte faz do mesmo, uma vez que a decisão a proferir repercutirá os seus efeitos
não apenas na esfera de quem o pratica, mas também na esfera da contraparte, pelo
que, salvo raras excepções, a contraparte é sempre ouvida (…).
O que acontece (…) é que pode haver um desvio entre o objecto da acção e
o objecto da defesa: pode o autor ter formulado um pedido e o réu ter percebido esse
pedido de outra forma e não preencher assim o ónus de impugnação e o tribunal ser
levado a concluir pela admissão dos factos por acordo e haver aqui um problema de
interpretação. Porque o réu não interpretou convenientemente, por exemplo, a petição
inicial, pode não ter impugnado determinados factos e o tribunal, se não apreciar esta
questão do desvio entre aquilo que foi entendido e aquilo que foi dito pelo réu, acabar
por admitir os factos por acordo nos termos do art. 490.º/2 do CPC.
Portanto, a boa e a má interpretação de um acto postulativo pode levar a
efeitos jurídicos da maior relevância, sendo que este tema da interpretação é muito
relevante em termos processuais.
A Prof. APCS e alguma doutrina entendem que a parte contrária e o tribunal
devem ser considerados como declaratários do acto postulativo. No entanto, eles têm
diferentes elementos de que se podem socorrer na determinação do sentido do acto.
Enquanto a parte contrária tem conhecimento material da relação jurídica controvertida
(porque normalmente é parte nessa relação jurídica controvertida, sob pena de não ser
parte legítima na acção), o que acontece é que ela tem um conhecimento previlegiado
dessa relação material controvertida que é agora submetida à apreciação do tribunal e,
desta forma, tem a possibilidade de interpretar o acto postulativo da outra parte munida
de outros elementos. O tribunal não, o tribunal é um estranho face a esta relação
material controvertida: ele conhece essa situação jurídica que é apresentada para ele
decidir pelo que as partes lhe contam. (…)
A jurisprudência e parte da doutrina (…) defendem a aplicação do regime
previsto no art. 236.º do CC aos actos processuais, sendo aplicável directamente o art.
236.º [do CC] quando se incuta natureza negocial ao acto processual das partes, ou
então, aplicável por força do art. 295.º do CC quando se negue a natureza negocial
daquele acto.
Este procedimento, segundo a Prof. APCS, não é o mais adequado por duas
ordens de razões: primeiro, aplicar o art. 236.º [do CC] significa que não é possível
28
construir um sistema de interpretação fundado no próprio ordenamento processual;
segundo, por outro lado, à qualificação de um acto jurídico civil não deve seguir
imediatamente uma aplicação a este acto de regimes previstos para a declaração
negocial – não é essa a interpretação do art. 295.º [do CC] – este não diz que devemos
aplicar analogicamente o art. 236.º [do CC], no entendimento da Prof. APCS só deve
haver aplicação analógica quando se justificar a analogia.
5.1 – Regime da interpretação dos actos processuais
O legislador do CPC não construiu um sistema jurídico de interpretação dos actos
processuais à semelhança do CC. Não há no CPC normas sistemáticas sobre a
interpretação dos actos processuais, mas também não há uma completa omissão! O
legislador acaba por dar alguns vectores de interpretação a propósito de três domínios
fundamentais: das nulidades dos actos das partes (art. 193.º/3), quanto aos poderes
do tribunal (art. 266.º/2) e quanto trata da matéria da aclaração da sentença (art.
669.º).
1) Quanto à nulidade dos actos das partes, a disposição fundamental é o já
supra referido art. 193.º/3. Apesar de especificidades próprias, há um
paralelismo evidente entre este preceito e o art. 236.º/2 do CC. De tudo o que
já foi dito resta referir que a ineptidão da petição inicial é uma excepção
dilatória nominada por provocar a nulidade de todo o processo (art. 494.º, al.
b), o que implicaria a absolvição do réu da instância
O art. 193.º/2, al. a) prevê duas situações distintas: a falta de
indicação do pedido ou da causa de pedir e a ininteligibilidade da indicação
do pedido ou da causa de pedir. Para o legislador ambas as situações são
ultrapassáveis, não se desencadeando as consequências típicas das
excepções dilatórias e da absolvição da instância, uma vez que a excepção
normalmente visa proteger o réu de situações em que ele não consiga, de
facto, perceber o conteúdo da PI e, dessa forma, não se possa defender; mas
se se perceber pela sua contestação que ele percebeu o conteúdo do acto, já
não faz sentido a tutela pela excepção dilatória. O que se pretende aqui, com
a ineptidão da PI, é acautelar o réu para que este adeqúe a sua defesa.
Por último, importa referir que, embora pensado apenas para a PI, o
art. 193.º/3 pode ser estendido aos restantes actos postulativos, servindo este
preceito como vector para a interpretação de todos os actos processuais.
29
O problema essencial que se coloca é que os actos processuais são actos
formais46, sendo, portanto, de aplicar o art. 238.º do CC que prescreve que
nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não
tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento,
ainda que imperfeitamente expresso.47 Devemos, então, dar prevalência à
vontade do autor (como determina o art. 193.º/3), ou tem de haver um mínimo
de correspondência entre essa vontade e o texto da declaração?
O art. 236.º/2 do CC parece dar a resposta. De acordo com esta
disposição a declaração negocial pode valor com um sentido que não tenha o
mínimo de correspondência no texto se este sentido corresponder à vontade
real das partes e às razões determinantes da forma do negócio que se
opuseram a essa validade. Parece assim, que o legislador tomou uma
posição bastante clara quanto a esta matéria, podendo, contudo, existir casos
em que este preceito não se aplicará.
5.2 – APCS: vícios da vontade no acto processual
A possibilidade de existência de vícios da vontade na formação do acto processual é
de difícil concepção. Assim, a relevância efectiva que o sistema de impugnação dos
actos com fundamento em vícios da vontade pode ter, quando pensada para os actos
processuais, é muito diferente da que pode ter quando pensada para as declarações
negociais. Contudo, a Prof. APCS defende que existe a possibilidade de invocação
dos vícios da vontade, com a aplicação praticamente integral de todo o sistema
previsto no CC, modelando-o em termos de efeitos e invalidades ao sistema das
invalidades processuais, sendo este o vector a partir do qual se poderá construir um
sistema de invalidade subjectiva do acto processual.
No sistema processual só é possível encontrar uma categoria de invalidade: a
nulidade processual, previsto nos art. 193.º a 208.º e 668.º e ss. Contudo, é necessário
distinguir entre os actos de sequência no processo e o processo enquanto acto
completo. Portanto, o art. 201.º aplicar-se-á ao acto jurídico enquanto procedimento,
46 Ao contrário do que possa ser dito quanto ao princípio da oralidade, os actos processuais são em regra escritos por questões de eficiência: hoje em dia não é exequível a prática de determinados actos oralmente. Para além disso, o próprio sistema, por exemplo, em sede de recurso, exige a existência de um suporte material, formal para chegar a um bom termo.47 Esta referência pode ainda ser encontrada no art. 9.º/2 do CC e no art. 2187.º do CC, através de uma interpretação sistemática.
30
enquanto que os restantes preceitos referidos aplicar-se-ão aos actos isoladamente
considerados: o art. 193.º e ss prevê as nulidades primárias e o art. 201.º prevê as
nulidades secundárias.48 A cláusula geral de funcionamento deste preceito seria a
influência decisiva da nulidade no julgamento da causa, podendo, por isso, haver uma
invalidade primária cuja existência não tenha expressão.
A Prof. defende que é possível elaborar uma gradação das invalidades
através das suas formas de conhecimento. Isto porque há casos em que o tribunal
pode conhecer ex officio da nulidade, i.e., independentemente de qualquer pedido das
partes, há casos em que o tribunal pode conhecer por si mesmo o vício de um acto
processual. Quando isto não acontece, i.e., quando o tribunal não tem a possibilidade
legal de o fazer, a invalidade só pode ser conhecida pelo tribunal se for arguida pelas
partes. Este regime parece configurar-se em analogia com os art. 286.º e 287.º do CC,
em que se contrapõe a anulabilidade à nulidade do negócio jurídico, estando a
arguição da anulabilidade apenas limitada aos interessados. Estas situações têm
paralelo no art. 203.º. Estes elementos permitem-nos distinguir muito claramente a
intensidade do desvalor que o sistema dá aos diferentes tipos de invalidade que se
verificam nos actos processuais, segundo a Prof. APCS.
1) Princípios que regem o regime das invalidades processuais
Perante a existência de uma invalidade processual apenas se deverá
desaproveitar aquilo que não se pode aproveitar, o que se traduz no
princípio do aproveitamento do acto nulo, previsto no art. 201.º/2.
Já o princípio da não renovação do acto nulo, previsto no art.
208.º, acautela as situações de repetição da mesma nulidade no mesmo
processo.
2) Conhecimento das invalidades processuais
Há invalidades que podem ser oficiosamente conhecidas pelo tribunal (art.
202.º) e há invalidades que têm de ser arguidas pelas partes, sendo a parte
legítima para arguir o vício aquela que não praticou o acto viciado e à qual o
acto possa ainda aproveitar (art. 203.º).
48 O Prof. MTS fala em nulidades nominadas e em nulidades inominadas, porque no art. 193.º e ss estão previstos tipos de actos e nulidades específicas desse tipo de actos.
31
O prazo de arguição do vício encontra-se estabelecido nos art. 204.º
e 205.º, sendo a invalidade processual julgada no momento definido no art.
206.º, não podendo o julgamento de qualquer invalidade processual ser feito
sem se assegurar o contraditório da outra parte (art. 207.º).
IV – AS PARTES
Para além do tribunal, são as partes o outro elemento subjectivo que integra
necessariamente o processo. O processo civil está submetido à dualidade de partes,
integrando necessariamente uma parte activa e uma parte passiva, para além do
tribunal. Dispõe ainda o art. 268.º que citado o réu, a instância deve manter-se a
mesma quanto às pessoas.49
49 Com as excepções constantes dos preceitos que lhe seguem.
32
Contudo, a lei não nos diz o que é uma parte processual. De notar que,
embora reguladas quanto ao capítulo Das Partes no CPC, a personalidade e a
capacidade judiciárias, a legitimidade e a representação, não se confundem com o
próprio conceito de parte; este preexiste a estas verificações e não é um pressuposto
processual mas tão só a quem se refere esse pressuposto.
Esta ausência de definição legal deu origem a várias teorias em torno do
conceito de parte processual, num acesso debate que distingue entre o conceito
material e o conceito formal de parte.
1 – OS CONCEITOS DE PARTE
1.1 – O conceito material de parte
Os conceitos materiais de parte dizem-nos que a parte é o sujeito que é envolvido pelo
objecto do processo, fazendo, portanto, uma ligação entre aquele que é o autor ou réu
e o objecto do próprio processo.50
Contudo, a Prof. APCS faz notar que, ao observarmos esta problemática pelo
prisma material, acabaremos por confundir o conceito de parte e o conceito de parte
legítima, porque a parte acaba por ser o verdadeiro titular da relação material
controvertida.
As teorias materiais foram evoluindo e sendo largamente aceites até a
doutrina se debruçar sobre a disjunção total entre a legitimidade e a parte, evoluindo
para um conceito formal de parte.
1.2 – Conceito formal de parte
Tendo como ponto de partida a situação dos falidos como sendo ou não de
incapacidade, um autor do séc. XIX estuda a matéria da falência e vem defender que o
administrador da massa falida intervém no processo não como representante do falido
mas como parte, interessado em defender os interesses dos credores.
Esta doutrina defende, então, que este administrador é uma parte funcional,
que está no processo por dever de ofício, que, no entanto, é alguém que não tem
50 Assim, segundo esta doutrina, seriam partes no processo os sujeitos da relação material litigada no processo, i.e., numa acção por incumprimento de um contrato seriam partes o credor e o devedor.
33
qualquer ligação com a relação material controvertida, com os interesses implicados
no processo.
Isto foi o ponto de partida para a construção do conceito de parte que hoje em
dia a doutrina tende a adoptar: o conceito formal de parte, separando-se
completamente a parte do objecto do processo e passando a defender-se
exclusivamente que parte é aquele que demanda em nome próprio e parte é aquele
que é demandado em nome próprio, sem se estabelecer qualquer ligação entre as
partes na acção e o objecto do próprio procedimento. Essa ligação é depois
assegurada por um pressuposto processual que adere à parte: a legitimidade.
1.3 – Posição da Prof. APCS
Contrariamente ao Prof. MTS, a Prof. APCS tem algumas reservas quanto a esta
construção e em dizer que o conceito de parte que usamos na aplicação de todas as
regras jurídicas que referem a parte, ou que têm a parte como centro de imputação de
efeitos, seja o conceito formal de parte.
A Prof. defende que há zonas do ordenamento em que é necessário operar
com o conceito material de parte, há regimes que só farão sentido se o conceito em
causa for o conceito material e há regimes que, pelo contrário, só farão sentido se o
que estiver em causa for o conceito formal.
Relativamente à matéria dos pressupostos processuais, a Prof. defende que
deve ser tido em conta o conceito formal de parte. Já quanto a outros efeitos que
sobrevêm ao processo (por exemplo, o efeito de caso julgado), as disposições que lhe
são relativas só farão sentido se pensarmos num conceito material de parte.
Portanto, é necessário distinguir, quando formos chamando à colação os
diferentes regimes jurídicos, qual é o centro de imputação que a lei escolhe para
tentarmos compreender se nos baste um conceito formal ou se é necessário avançar
para um conceito material de parte.
2 – PRESSUPOSTOS RELATIVOS ÀS PARTES
Partindo do conceito formal de parte, será necessário distinguir uma série de
pressupostos que aderem, uns às partes principais, outros às partes acessórias e
outros ainda aos intervenientes processuais que não têm estatuto de parte.
2.1 – Parte principal e parte acessória/secundária e outros intervenientes
34
A parte acessória, tal como a parte principal, tem estatuto de parte. Como tal, está no
processo em nome próprio, litiga em nome próprio e é demandada também em nome
próprio. Mas enquanto o interesse da parte principal é o interesse prioritário que se
discute na acção, o interessa da parte acessória é sempre um interesse conexo com o
interessa da parte principal, i.e., um interesse sempre subordinado ao interessa da
parte principal.
Existem uma série de pressupostos que devem ser aferidos tendo como
centro de imputação a parte principal e outros tendo como centro de imputação a parte
secundária.
É necessário ainda distinguir outros intervenientes processuais como as
testemunhas, os peritos ou os advogados, que não são partes no processo, mas tão
só intervenientes processuais. Relativamente a estes intervenientes processuais,
algumas das regras previstas para as partes podem ou não ser-lhes aplicáveis.
V – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Os pressupostos processuais têm uma origem remota. Existem para tutelar interesses
específicos das partes envolvidas no processo. Em regra, serão os interesses do réu,
mas também poderão ser interesses do Estado, uma vez que o Estado quer que a
justiça administrada seja a melhor possível. Assim, os pressupostos processuais
35
existem para garantir não só a justa composição do litígio como a mais justa
composição do litígio.
A falta de qualquer um destes pressupostos faz surgir uma excepção
dilatória (art. 494.º) e implica uma decisão formal, uma vez que avançar para a
decisão de mérito da causa sem a observação de todos os pressupostos poderiam
implicar uma injustiça quanto à outra parte. Tendo como principal justificação a tutela
dos interesses do réu, a falta de preenchimento dos pressupostos processuais
implicara, em regra, a absolvição do réu da instância (art. 493.º/2).51
a) – Distinção entre pressupostos processuais e condições de admissibilidade
Quando se fala de condições de admissibilidade da acção, está-se a falar das
circunstâncias que têm de se verificar para que o tribunal, estando já em condições de
conhecer do mérito da causa, possa proferir uma decisão favorável ao autor, i.e. são
as condições para que o tribunal conheça do mérito da causa.
Distinguem-se dos pressupostos processuais porque estes, em regra,
impedem que o tribunal conheça do mérito (conforme o art. 493.º/2), i.e., o tribunal não
pode, sequer, avançar para o conhecimento da causa.
b) – Pressupostos positivos e pressupostos negativos – litispendência
Às circunstâncias que têm de estar preenchidas para que o tribunal possa avançar
para o conhecimento do mérito da causa chamamos pressupostos positivos. Pelo
contrário, as circunstâncias que não se podem verificar para que o tribunal possa
avançar para uma decisão de mérito são os pressupostos negativos.
Assim, a capacidade judiciária é um pressuposto positivo. Já a litispendência
será um pressuposto processual negativo.52 A ausência de capacidade origina uma
excepção dilatória, assim como a litispendência e a excepção de caso julgado.
51 Ou a remessa do processo para o tribunal competente, no caso de incompetência relativa. Note-se ainda tudo o que é dito infra quantos aos momentos de verificação das excepções dilatórias.52 Falamos de litispendência quando duas lides estão simultaneamente pendentes. Pelo contrário, fala-se em excepção de caso julgado quando uma segunda lide se inicie após já ter sido emitida uma decisão de mérito transitada em julgado (portanto, em regra, não susceptível de impugnação) sobre o mesmo objecto processual. Assim, verifica-se litispendência em duas causas com identidade objectiva e subjectiva simultâneas e verifica-se a excepção de caso julgado em duas causas com identidade objectiva e subjectiva sucessivas.
36
c) – Momento de preenchimento dos pressupostos processuais – pendência
simples e pendência qualificada
Os pressupostos processuais devem ser assegurados desde o momento da pendência
simples da acção. Nos termos do art. 267.º/1 a instância inicia-se pela proposição da
acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na
secretaria a respectiva petição inicial. Assim, a partir do momento em que a P.I. é
recebida na secretaria judicial a acção está pendente e os pressupostos processuais
cujo preenchimento cabe ao autor devem estar preenchidos desde o momento da
pendência simples.53
O momento em que o réu é chamado para intervir na acção provoca o início
da pendência qualificada, altura em que o réu deve preencher os pressupostos
processuais que, por sua vez, lhe dizem respeito.
Desta forma, e nos termos do art. 267.º/2, a pendência simples desencadeia
apenas alguns efeitos (nomeadamente, o de obrigar o tribunal a conhecer aquele acto
processual) mas só a pendência qualificada, que se desencadeia com a citação do
réu, produz efeitos quanto a este último.
O art. 481.º prevê alguns efeitos da pendência qualificada como a cessação
da boa fé do possuidor, a estabilidade dos elementos essenciais da causa e a inibição
do réu de propor contra o autor acção destinada à apreciação da mesma questão
jurídica.
d) – Conceito de instância
A Prof. APCS compreende a instância como o procedimento. Contudo, afastando-se
do pensamento do Prof. MTS, para a Prof. o procedimento não é uma relação jurídica,
uma vez que a situação jurídica é por natureza estática. Assim, também a instância
não é uma relação processual, por não ser estática.
Defende a Prof. que o procedimento se integra na categoria dos factos
jurídicos, sendo um facto complexo atendendo à pluralidade de actos que o integram.
e) – Momentos de verificação das excepções dilatórias: o despacho liminar, o
despacho pré-saneador, o despacho saneador e a sentença.
53 De notar que o autor só tem o ónus de preenchimento dos pressupostos processuais que lhe digam respeito, como sejam a sua capacidade judiciária ou a competência do tribunal. O réu tem também de preencher os pressupostos processuais que lhe são relativos, como sejam a sua própria capacidade.
37
Com a reforma de 1995/96 dá-se a rotura do dogma da prioridade dos pressupostos
processuais sobre a análise do mérito, por influência da doutrina alemã já dos anos 60
(fundada na justificação da existência de pressupostos processuais)54. Este dogma não
permitia uma análise de mérito caso faltasse algum pressuposto processual. Assim, a
verificação do preenchimento dos pressupostos processuais tinha prioridade absoluta
sobre a resolução do litígio.
A doutrina alemã compreendeu que não faz sentido que o tribunal não avance
para uma decisão de mérito se esta se apresenta como favorável à parte que seria
protegida pela verificação do pressuposto em falta. Ensina esta doutrina que não fará
sentido absolver o réu incapaz da instância quando o pode absolver do pedido,
perante os dados de que dispõe. Isto porque a absolvição do réu da instância
permitiria ao autor intentar nova acção contra o réu com o mesmo objecto processual.
Dispõe o art. 288.º/1, al. e) que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e
absolver o réu da instância quando julgue procedente alguma [outra] excepção
dilatória. E dispõe ainda o art. 288.º/3 que as excepções dilatórias só subsistem
enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada (…); ainda que subsistam,
não terá lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de
uma das partes, nenhum outro motiva obsta, no momento da apreciação da excepção,
a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a
essa parte.
Assim, hoje em dia dispomos de um sistema misto. Abandonou-se o dogma
da prioridade do pressuposto processual e só será desencadeado o efeito típico da
excepção dilatória (a absolvição do réu da instância) quando a decisão a proferir não
favoreça integralmente a parte que seria protegida pelo pressuposto em falta.55
Assim, as excepções dilatórias podem ser verificadas nos mesmos momentos
em que se possa emitir uma decisão de mérito quanto àquele objecto processual, por
excelência, no despacho pré-saneador, no despacho saneador e na sentença.
1 – PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
54 A tutela dos interesses das partes e do tribunal para a mais justa composição do litígio.55 Quer isto dizer que pode faltar um pressuposto destinado a proteger o autor e o tribunal proferir uma decisão de condenação do réu do pedido; ou faltar um pressuposto que proteja o réu e o tribunal não proferir uma decisão de absolvição do réu da instância desde que possa proferir uma decisão de absolvição do réu do pedido.
38
A personalidade é o primeiro pressuposto processual relativo às partes principais e
acessórias. Contudo, é um pressuposto que não foi pensando por Bülow aquando da
caracterização dos pressupostos processuais, muito embora a doutrina e o legislador
instigado por esta a tenha tentado inserir na teoria dos pressupostos processuais.
Nos termos do art. 5.º/1 a personalidade judiciária consiste na
susceptibilidade de ser parte. Como é que uma determinada entidade, que demanda
ou é demandada em nome próprio, é susceptível de ser parte? O art. 5.º/2 dispõe que
quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária,
estabelecendo assim o princípio da coincidência entre a personalidade jurídica e a
personalidade judiciária.
A lei estende, ainda, no art. 6.º, a personalidade judiciária a realidades que
são destituídas de personalidade jurídica. Assim, estas entidades podem ter o estatuto
de parte sendo destituídas de personalidade jurídica.
O art. 7.º atribui personalidade judiciária às sucursais (que são destituídas de
personalidade jurídica), numa extensão da personalidade semelhante à extensão da
competência.56
Como pressuposto processual que é, em regra, a falta de personalidade
judiciária desencadeia uma excepção dilatória. Esta excepção dilatória é suprível nos
casos referidos no art. 8.º (a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências,
filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da
administração principal e a ratificação ou repetição do processado). Noutras
circunstâncias, a falta de personalidade judiciária é insanável e tem como
consequência a absolvição do réu da instância.
No entanto, a Prof. APCS faz notar que a personalidade judiciária levanta
grandes problemas dogmáticos, sendo submetida ao mesmo regime dos restantes
pressupostos processuais quando a sua natureza não é idêntica.57 A Prof. defende a
necessidade de encontrar um regime especial aplicável ao caso de falta de
personalidade, devendo o tribunal emitir uma decisão que defina que admita que a
instância não foi validamente constituída.58
56 A extensão da competência será mais largamente apreciada em sede de competência.57 Relembramos que o autor original da teoria dos pressupostos processuais, Bülow, não a considerou enquanto pressuposto processual.58 Concordamos com a doutrina da Prof. APCS quanto a este aspecto. Gostaríamos, contudo, de avaliar a admissibilidade de absolvição do réu do pedido quando há falta de personalidade judiciária. Com efeito, pareceria ser esta uma forma eficaz de impedir a repetição da instância: absolvido o réu do pedido, isto impediria que o autor voltasse a propor nova acção com aquele objecto processual. Contudo, somos também
39
2 – CAPACIDADE JUDICIÁRIA
A capacidade judiciária existe para tutelar as partes no processo, para as proteger,
coincidindo, em regra, com a capacidade de exercício. Quer isto dizer que pode estar
em processo, litigando como parte, aquela pessoa que for capaz de exercício nos
termos do CC.
A capacidade judiciária está prevista no art. 9.º e ss. Resulta do art. 9.º/2 que
a capacidade judiciária se afere pela capacidade de exercício, sendo, tal como a
capacidade de exercício, a susceptibilidade de agir pessoal e livremente ou através de
representante voluntário.59 Assim, tem capacidade judiciária quem puder ser parte
pessoal ou livremente ou quem puder ser representado. Daqui excluem-se aqueles
que não dispõem de capacidade de exercício: os menores, os interditos e os
inabilitados, que para estar em juízo têm de ser assistidos ou representados.
Na aferição da capacidade judiciária e dos seus efeitos é sempre necessário
ter em conta que as acções em juízo podem ter desfechos favoráveis ou desfavoráveis
ao incapaz. Todo o regime deve ser analisado com base nesta realidade. Assim, é
sempre necessário que a capacidade de exercício se verifique quanto a todos os
possíveis efeitos decorrentes da acção; só estando preenchida esta condição é que a
parte tem capacidade de exercício e, consequentemente, capacidade judiciária.
2.1 – Meios de suprimento da incapacidade judiciária
Os meios de suprimento da incapacidade judiciária são a assistência e a
representação. O regime adjectivo é exactamente idêntico ao regime substantivo.
Assim,
1) os inabilitados são assistidos e nalguns casos representados pelo
curador,
2) os menores são representados ou pelos seus pais, ou pelo tutor, ou ainda
por um administrador de bens,
3) por fim, os interditos são representados pelo tutor.
de concluir que, não sendo as “partes” susceptíveis de serem parte por carecerem de personalidade judiciária, a instância não se formaria validamente, não sendo possível sequer a absolvição do pedido. Mas julgamos ser necessário encontrar um mecanismo que permita evitar a sucessão de acções interpostas por um autor sem personalidade judiciária ou contra um réu sem personalidade judiciária. Talvez o regime da falta de interesse processual, desenvolvido em grande parte pelo Prof. MTS seja de aplicar às situações de falta de personalidade judiciária.59 De notar que a capacidade de exercício prevê a possibilidade de representação voluntária. A representação obrigatória existe quando há incapacidade de exercício.
40
Há uma especialidade processual na designação de um representante especial ou
provisório para designar a parte num determinado processo (o curador ad litem),
figura prevista no art. 11.º. Este curador ad litem é designado em duas circunstâncias:
1) quando a própria parte não tenha representante e seja necessário propor a
acção ou seja necessário propor uma acção contra essa parte que não tenha
representante60 (art. 11.º/1). Nestes casos é solicitado ao juiz da causa que
designe um curador provisório para representar o incapaz. O critério que a lei
nos dá é a urgência – quando há urgência e a parte não representante, i.e.,
não se podendo esperar pela designação do curador ou tutor.
2) quando o incapaz tem um representante mas este está impossibilitado de
exercer a representação.61
3) quanto à parte passiva há uma outra situação que a lei configura
expressamente no art. 14.º/1 e no art. 242.º/3 a propósito da citação. É o caso
em que no momento da citação se constata a incapacidade do réu. O art.
14.º/1 prevê que estas pessoas são representadas por um curador especial,
não tendo essa parte qualquer representante.
Também especial no regime processual, é o caso da sobrepresentação, prevista no
art. 15.º, que só se verifica em relação ao réu e numa situação especial e tem por
finalidade garantir ou proteger os interesses do réu incapaz.
Nestes casos, se o representante do réu incapaz não contestar a acção não
há uma situação imediata de revelia, evitando assim que se dê por confessados os
factos articulados pelo autor, o que poderia ser gravoso para o incapaz. Assim, dá-se a
possibilidade do Ministério Público contestar a acção pelo réu.
Mas, resulta ainda do art. 15.º/3 que a sobrepresentação não se verifica
quando a parte tenha constituído mandatário judicial, cessando a representação pelo
MP logo que seja constituído mandatário judicial do incapaz.
60 O curador ad litem pode ser da parte activa ou da parte passiva.61 Um exemplo de uma destas situações é quando há divergência entre os pais na representação do menor, especialmente regulada no art. 12.º Outra situação em que pode acontecer esta hipótese é no caso de oposição ou conflito de interesses entre o representante e o representado. Por último, outra figura é o caso em que ambos, representante e representado são a mesma parte, i.e., são autores e réu numa determinada acção (vd. art. 1846.º/1 e 3 do CC – a acção de impugnação da paternidade, em que a acção é interposta contra a mãe e o filho, sendo necessário que o filho seja representado por um curador especial).
41
2.2 – Meios de suprimento da incapacidade judiciária. Em especial: os menores
Há que referir que os menores são representados por ambos os progenitores. Dispõe
neste sentido o art. 10.º/2 referindo que os menores cujo poder paternal compete a
ambos os pais são por estes representados em juízo, sendo necessário o acordo de
ambos para a propositura da acção. Sempre que seja proposta uma acção por um
menor ou sempre que seja proposta uma acção contra um menor, tem este que ser
representado pelos pais, tendo, portanto, o autor que indicar ambos os pais como
representantes do menor.
Nos termos do art. 12.º/1 se houver desacordo entre os pais acerca da
conveniência de intentar a acção, pode qualquer deles requerer ao tribunal
competente para a causa a resolução do conflito. Só após esta decisão deverá a
acção ser proposta. Verificando-se desacordo durante a pendência da acção cabe ao
próprio juiz da causa a decisão que venha solucionar o desacordo, definindo a quem
deve competir a representação do menor, podendo também ser nomeado um curador
ad litem (art. 12.º/2 e 3).
Nos casos de preterição de um dos representantes do menor é a situação
regulada pelo art. 23.º/3: tem-se como ratificado o processado anterior, quando o
preterido, devidamente notificado, nada disser dentro do prazo fixado, sendo aplicável
o disposto no art. 12.º se houver desacordo entre os pais também nesta fase do
processo.
Quanto à representação dos menores é ainda necessário ter em conta que na
maior parte dos casos os representantes do menor pode intentar acções sem
necessidade de autorização de um qualquer tribunal. Mas há determinados casos em
que carece existir essa autorização. O primeiro caso é o constante do art. 1889.º/1, al.
a) do CC (acções das quais possa resultar a perda ou oneração dos bens do menor);
outra situação é a constante da al. o) do mesmo preceito (hipótese dos pais quererem
celebrar uma transacção na acção pendente), etc.
2.3 – Representação por tutor (menores e interditos)
Quando a representação caiba a um tutor, que é nos casos em que os menores não
são representados pelos pais e também no caso dos interditos, o regime é semelhante
ao supra explicado, com a particularidade de, nos termos do art. 1938.º/1, al. a) do CC
o tutor necessitar de uma prévia autorização do tribunal para propor qualquer acção,
excepto (conforme se dispõe na al. e) se houver urgência na propositura dessa mesma
42
acção. I.e., o tutor, ao contrário dos pais, tem sempre de pedir autorização ao tribunal
para propor uma acção em nome do representado (art. 1938.º/1, al. a) do CC), excepto
nos casos em que haja urgência.
2.4 – Representação ou assistência (inabilitados)
Quanto aos inabilitados há que distinguir que podem agir quer assistidos, quer
representados. Em princípio, os inabilitados são assistidos por um curador, mas
também podem ser representados, nomeadamente, quanto aos actos de
administração do seu património, nos termos do art. 154.º do CC. O regime do curador
que assume as funções de representação nos termos do art. 156.º do CC é o mesmo
que o do tutor, portanto, necessita das mesmas autorização judiciais que o tutor.
O art. 13.º do CPC refere-se à posição do inabilitado em juízo e diz-nos que
podem intervir em todas as acções, devem até ser citados, só que, conforme dispõe o
art. 13.º/2, a posição do inabilitado está subordinada àquele que o curador achar a
mais adequada ao caso. O inabilitado, apesar de ter conhecimento de que contra ele
foi proposta uma acção e de para ela ter sido citado, tem uma posição subordinada à
posição assumida pelo próprio curador.
2.5 – Preterição da representação judiciária e capacidade em sentido lato
Quando falta a representação ou há uma representação irregular, gera-se a
incapacidade judiciária da parte. Para tal é necessário considerar um conceito amplo
de capacidade judiciária – a capacidade judiciária lato sensu – que abrange três
situações:
1) Incapacidade strictu sensu, que se verifica quando é proposta uma
acção por um incapaz, desacompanhado pelo seu representante legal ou
quando é proposta uma acção contra um incapaz sem indicação do seu
representante legal. Estas são as hipóteses em que não há nenhum
representante legal em juízo.62
2) Irregularidade de representação, quando há representante só que este
não foi regularmente constituído.
62 Relembramos que a capacidade judiciária é um pressuposto processual que deve ser preenchido pelo autor. É ao autor que cabe indicar o representante legal do réu incapaz.
43
3) Falta de autorização, que se refere aos casos em que, para a propositura
da acção, o representante necessita de prévia autorização judicial
(incapacidade latu sensu).
O regime destas três modalidades de incapacidade foi simplificado desde a reforma de
1995/96 e consta dos art. 23.º a 25.º do CPC, referindo-se os art. 23.º e 24.º à
incapacidade strictu sensu e à irregularidade da representação e o art. 25.º à
incapacidade lato sensu, que é a falta de autorização.
Quanto aos dois primeiros casos, o art. 24.º impõe ao juiz que logo que se
aperceba desse vício, providencie pela regularização da instância através da
intervenção ou citação do representante do incapaz. Os representantes chamados a
intervir podem ratificar o processado até ao momento (ratificação dos actos
anteriormente praticados) ou podem repetir os actos indevidamente praticados pelo
incapaz (repetição do processado). Se o representante não fizer nem uma coisa nem
outra o vício não se sana. Neste ponto, será necessário distinguir os efeitos quando o
vício tem origem na parte activa e quando o vício tem origem na parte passiva:
1) Se o vício tiver origem na falta ou irregularidade de representação do autor
incapaz estaremos perante uma excepção dilatória nominada (art. 494.º, al.
c) que origina a absolvição do réu da instância;
2) Se, pelo contrário, o vício tiver origem no réu incapaz, a consequência da
sua não sanação é considerar-se o réu em revelia, mesmo que haja
contestação. Vai, então, funcionar a sobrepresentação prevista no art. 15.º,
como se a contestação apresentada pelo incapaz ficasse sem efeito.
3) Quanto à falta de autorização, dispõe o art. 25.º impondo a suspensão da
instância até ser obtida a autorização. Também aqui o regime é diferente
consoante se trate da parte activa e da parte passiva. Se o representante
legal do autor tinha de pedir uma autorização ao tribunal e não o fez, o réu é
absolvido da instância por falta de um pressuposto processual, nos termos do
art. 25.º/2. Se pelo contrário, o vício cabe ao réu, apenas fica sem efeito a
contestação e há lugar à sobrepresentação prevista no art. 15.º/1.
44
2.A – REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA
A representação judiciária é uma figura muito próxima e, nalguns casos, muito idêntica
à incapacidade judiciária, embora não se confunda.
Verifica-se nas hipóteses em que determinadas pessoas só podem estar em
juízo mediante determinados representantes. É o caso, por exemplo, das pessoas
colectivas. É a estas entidades – as que só podem estar em juízo representadas – que
se aplica o regime da representação judiciária.
2.A.1 – Representação do Estado
O Estado é representado pelo Ministério Público nos termos do art. 20.º, excepto nos
casos da segunda parte do art. 20.º/1 e do art. 20.º/2, i.e., os casos em que, quer por
norma especial, quer porque as entidades estaduais que intervêm sejam autónomas,
essas representação caiba a outras entidades, como seja um advogado.63
2.A.2 – Representação das pessoas colectivas
Quanto às pessoas colectivas e sociedades há que distinguir dois casos: o caso em
que a sociedade litiga com um terceiro, i.e., a sociedade propõe uma acção ou é
proposta uma acção contra a sociedade; e a situação em que o litígio se verifica dentro
da própria sociedade, i.e., entre o representante e a própria sociedade, entre os
órgãos encarregados de representação da sociedade e a própria sociedade ou entre
os sócios da sociedade. Em suma, quando o litígio é com um terceiro ou quando o
litígio é interno.
No primeiro caso, a representação da pessoa colectiva ou da sociedade está
dependente do direito substantivo, sendo uma associação representada por quem a lei
ou os estatutos designarem64 (art. 21º/1).
Nos litígios internos, o art. 21.º/2 prevê a designação de um curador ad litem.
2.A.3 – Representação de ausentes e incertos
Também quanto aos ausentes, são estes representados pelo Ministério Público. Esta
solução resulta da lei orgânica do MP e do art. 17.º/1 do CPC. Igual solução é aplicada
aos incertos (aqueles que têm paradeiro desconhecido) nos termos do art. 16.º/1.
63 De notar que nem todas as entidades públicas são representadas pelo Ministério Público.64 Numa sociedade comercial, será necessário primeiro identificar o tipo de sociedade em causa e o órgão que a representa.
45
2.A.4 – Representação de pessoas meramente judiciárias
As pessoas meramente judiciárias são aquelas que não têm personalidade jurídica
mas têm personalidade judiciária. São por exemplo, as situações do art. 6.º do CPC
como a herança jacente e outros patrimónios autónomos semelhantes. Quanto a isto
dispõe o art. 22.º que salvo disposição especial em contrário, os patrimónios
autónomos são representados pelos seus administradores e as sociedades e
associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as sucursais,
agências, filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam como
directores, gerentes ou administradores.
3 – COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
É necessário que o tribunal tenha competência para decidir determinada causa porque
a competência existe para que o órgão judicial que se pronuncie seja o órgão melhor
colocado, atendendo à matéria a apreciar. Assim, a competência existe também para
tutelar o interesse das partes e para racionalizar a máquina judicial (principalmente no
tocante à distribuição dos processos em razão da matéria e do território), através da
escolha de determinados factores de conexão que permitam a melhor afectação
possível do processo ao tribunal que o vai decidir.
A competência é a medida de jurisdição que tem uma ordem de tribunais
(competência de primeiro nível) ou a medida de jurisdição que tem um concreto
tribunal integrado nalguma das ordens de tribunais do Estado. Em suma, aquilo que a
competência define é a medida do poder para conhecer do mérito da causa de
determinado órgão judicial.
A competência pode ter origem legal ou convencional tanto quanto à
competência interna como à competência internacional. Os dois critérios sobrepõem-
se, não se excluem.65
Em matéria de competência vigora uma regra normalmente chamada de
regra da competência “competência”. Isto significa que cada tribunal é competente
para aferir da sua própria competência.
65 De notar que podem, por isto, existir conflitos positivos e conflitos negativos de jurisdição, i.e., podem vários tribunais ser competentes (o português e o francês, por exemplo) ou pode mesmo nenhum deles ter competência. Quanto a conflitos de jurisdição internacional há que lembrar que não se deverá confundir a determinação da competência internacional com a determinação da lei aplicável à causa e que os tribunais portugueses podem aplicar lei portuguesa ou lei estrangeira.
46
a) Incompetência absoluta66
Dispõe o art. 101.º que a infracção das regras de competência em razão da matéria e
da hierarquia e das regras de competência internacional,67 salvo quando haja mera
violação de um pacto privativo de jurisdição, determina a incompetência absoluta do
tribunal.
A incompetência absoluta é uma excepção dilatória, nos termos do art. 494.º,
al. a) e tem as consequências decorrentes do art. 493.º/2 e do art. 105.º/1.68 É de
conhecimento oficioso por via do art. 495.º e do art. 102.º/1, embora possa ser arguida
pelas partes.
O Prof. MTS entende que esta excepção não é suprível/sanável. Já a Prof.
APCS defende que, após a reforma de 1995/96, a redacção do art. 105.º/2 veio
transformá-la numa excepção suprível ao admitir a remessa para o tribunal
competente. Contudo, a Prof. adverte que esta posição não é válida no tocante à
incompetência internacional, uma vez que a competência internacional é uma das
prerrogativas de soberania de cada Estado, não sendo possível a remessa do
processo de um Estado para outro.
b) Incompetência relativa
Segundo o disposto no art. 108.º a infracção das regras de competência fundadas no
valor da causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou
decorrentes do estipulado nas convenções previstas no art. 99.º [pactos de jurisdição]
e 100.º [competência convencional] determina a incompetência relativa do tribunal.
À semelhança da incompetência absoluta, é também uma excepção dilatória
nominada porque está prevista no art. 494.º, al. a). Contudo, não é de conhecimento
oficioso, nos termos do art. 495.º e do art. 109.º. Todavia esta afirmação não é a mais
correcta, uma vez que o art. 110.º elenca uma série de situações em que a
incompetência relativa é de conhecimento oficioso, entre elas: a incompetência em
66 O regime e efeitos da incompetência absoluta ou da incompetência relativa serão aprofundados infra em razão do tipo de incompetência (matéria, hierarquia, etc.).67 A competência em razão da matéria e da hierarquia e a competência internacional serão analisadas infra.68 Art. 105.º/1: A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar. No entanto, segundo o disposto no art. 105.º/2, se a incompetência só for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que, estando as partes de acordo sobre o aproveitamento, o autor requeira a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta.
47
razão do valor da causa ou da forma de processo aplicável é sempre de conhecimento
oficioso do tribunal (art. 110.º/2).
A incompetência é também relativa quando há preterição, num processo
comum, da competência específica do tribunal, nos termos do art. 97.º, 99.º e 101.º da
LOFTJ.
A incompetência relativa é sanável mediante a remessa do processo para o
tribunal competente, com excepção da incompetência relativa decorrente da preterição
de um pacto (privativo) de jurisdição, caso em que o réu é absolvido da instância (art.
111.º/3).
3.1 – Competência internacional
i) Fontes da competência internacional
A competência internacional pode ter origem convencional ou legal. Existem
ainda fontes legais internacionais e nacionais. Estas fontes internacionais são
as convenções e, nomeadamente os regulamentos comunitários e ainda tudo
o que tenha força legislativa e que transcenda os próprios Estados.
As fontes internacionais prevalecem sobre as fontes do próprio
Estado. Por este motivo, o primeiro critério aferidor de competência
internacional devem ser as fontes internacionais e só depois as fontes
nacionais, no caso das internacionais não atribuírem competência.
A uniformização internacional das regras de competência para julgar
uma causa (i.e., a competência primária) acabam por simplificar também os
processos de concessão de eficácia a decisões proferidas por tribunais
estrangeiros (i.e., a competência secundária, que diz respeito ao processo de
reconhecimento de decisão estrangeira).69
a) Regulamento CE n.º 44/2001 de 22 de Dezembro de 2000
Este regulamento veio substituir a Convenção de Bruxelas. Nos
termos do art. 1.º/1 aplica-se em matéria civil e comercial. São
expressamente excluídas do âmbito da sua aplicação as matérias
quanto ao estado e a capacidade das pessoas singulares, os
regimes matrimoniais, os testamentos e as sucessões, entre outras
69 Art. 1094..º e ss do CPC.
48
matérias (art. 1.º/2), estando assim definido o âmbito material de
aplicação deste regulamento.
O critério geral de atribuição de competência internacional
prescrito por este regulamento é o critério do domicílio do
demandado nos termos do art. 2.º/1, i.e., são internacionalmente
competentes para julgar uma causa no espaço da união os tribunais
do Estado do domicílio do demandado, valendo este critério
independentemente da nacionalidade do réu.
O réu só poderá ser demandado em tribunal diferente
daquele do seu domicílio caso se verifiquem determinadas
circunstâncias previstas nos art. 5.º a 24.º do regulamento, sendo
estes os critérios especiais de competência internacional previstos
neste regulamento. Há casos em que se verifica uma verdadeira
exclusão do critério geral pelos critérios especiais,70 sendo
totalmente postergado o critério do domicílio do réu. Em todos os
outros casos existe uma relação de concurso entre os dois critérios,
o que significa que o autor pode escolher demandar o réu com base
na aplicação do critério geral de domicílio ou com base na aplicação
de critérios especiais não exclusivos.
Se houver preterição dos critérios de competência
exclusiva previstos no art. 22.º do regulamento, o tribunal deve
declarar oficiosamente a sua incompetência, sendo de aplicar o
regime de direito interno relativo à competência internacional do
Estado que tiver sido demandado naquele específico processo.71
Já a preterição do critério do domicílio encontra o seu
regime plasmado no art. 26.º que, mais uma vez, terá de ser
completado com as regras de direito interno relativas à excepção de
incompetência absoluta decorrente da incompetência internacional.
Quando verifique violado o critério do domicílio do réu, o tribunal
deve suspender a instância para verificar a regularidade do processo
70 É, por exemplo, o caso do art. 22.º que prevê competências internacionais exclusivas e quando as partes celebram pactos de jurisdição (art. 23.º).71 Se for um tribunal português a julgar um qualquer processo ao abrigo do Regulamento CE n.º 44/2001 e entender declarar-se internacionalmente incompetente por violação de algum dos critérios do art. 22.º, o regime a aplicar à excepção de incompetência é o previsto no art. 101.º e ss do CPC, i.e., o regime da incompetência absoluta.
49
(mas apenas se o réu não interveio no processo). Se se entender
que a situação é irregular mas o réu nada disse porque não quis há
duas soluções: ou a competência do tribunal (que não é o do
domicílio do réu) resulta especificamente da aplicação de um
qualquer critério especial, prosseguindo a acção; ou o tribunal
conclui que a sua competência internacional não foi sequer
concretizada por nenhum dos critérios especiais, declarando-se
oficiosamente incompetente, terminando o processo nos termos do
direito interno do Estado em que o órgão se sediar. No caso
português, o processo terminará por absolvição do réu da instância
ou por inadmissibilidade da acção proferida num despacho posterior
ao do diferimento preliminar.
b) Regulamento CE n.º 1347/2000 de 21 de Maio de 2000
O âmbito material de aplicação deste regulamento encontra-se no
art. 1.º: matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em
relação a filhos comuns do casal. O seu regime é semelhante ao
Regulamento CE n.º 44/2001, não necessitando, por isso, de maior
aprofundamento.
c) Regras internas de atribuição de competência internacional –
art. 65.º e art. 65.º-A do CPC
Caso não esteja em causa a aplicação de nenhuma destas
convenções internacionais, ou os regulamentos não atribuam
competência internacional aos tribunais portugueses, será
necessário recorrer às regras de direito interno reguladoras da
competência internacional: os art. 65.º e 65.º-A do CPC.
ii) Posições doutrinárias na aplicação das regras internas
a) Prof. APCS
A Prof. APCS começa por referir o art. 65.º-A uma vez que este
preceito regula a matéria da competência internacional exclusiva dos
tribunais portugueses e se estivermos perante uma acção que colida
50
com a competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses
nem sequer vale a pena aferir a possibilidade de aplicação do art.
65.º. O art. 65.º-A determina uma absorção total da competência
internacional pelos tribunais portugueses para a resolução destes
conflitos, sendo por isso uma norma com uma eficácia muito mais
forte que o art. 65.º; isto porque o art. 65.º tem aplicação
concorrencial e o art. 65.º-A tem aplicação exclusiva.72
Dispõe o art. 65.º-A que sem prejuízo do que se ache
estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e
leis especiais, os tribunais portugueses têm competência exclusiva
para… Desde logo, a Prof. APCS tece críticas a esta construção, que
considera desnecessária, devido ao primado do direito internacional
e à prevalência da lei especial sobre a lei geral.
A al. a) continua dispondo … as acções relativas a direitos
reais ou pessoais de gozo sobre bens imóveis sitos em território
português. O problema desta alínea é quem, hoje em dia, não tem
aplicação porque, sempre que estejam em causa este tipo de
acções, nunca se chegará a aplicar o art. 65.º-A, al. a) porque está
em causa uma das competências exclusivas conferidas aos tribunais
portugueses por força do Regulamento CE n.º 44/2001 (art. 22.º/1
deste Regulamento).
Se o litígio não se inscrever na competência exclusiva dos
tribunais portugueses aplicar-se-á o art. 65.º/1, tendo em conta as
criticas e referências da Prof. quanto às doutrinas seguintes.
b) Prof. MTS
Relativamente à aplicação do art. 65.º, o Prof. MTS considera que
devemos começar sempre por procurar aplicar a al. b) porque as
regras de competência interna devem ser duplamente
funcionalizadas. Quer isto dizer que as regras de competência
territorial interna devem ter a função de determinar a competência
territorial de um concreto tribunal e simultaneamente determinar a
72 De notar que esta afirmação só pode ser considerada correcta se os regulamentos comunitários não se aplicarem à acção. Isto porque é de lembrar que o direito comunitário prima sobre o direito interno.
51
concretização da competência internacional desse mesmo tribunal
integrado na esfera dos tribunais da jurisdição portuguesa,
defendendo uma dupla funcionalidade da territorialidade. Assim,
num litígio, deve primeiro concretizar-se a competência interna e não
fará sentido que um tribunal internamente competente não seja
internacionalmente competente, atribuindo uma dupla função às
regras relativas à competência interna, defendendo que estas
normas valem não só para a determinação da competência interna
como, também, para a determinação da competência internacional,
ignorando por completo o critério da al. a).73 Assim, o Prof. MTS
defende a primária aplicação do art. 65.º/1, al. b) e só depois a
aplicação da al. a), quando não se consegue atribuir competência
internacional aos tribunais portugueses por aplicação dos critérios da
competência territorial interna, isto porque estes últimos critérios
asseguram uma melhor conexão entre o litígio e a ordem jurídica
portuguesa do que o critério do domicílio do réu.
A Prof. APCS critica esta posição. Primeiro, porque foi
pensada com base no sistema jurídico alemão que não é igual ao
português e, para além disto, não é possível entender que os
critérios que prevalecem na ordem jurídica interna são os critérios
que prevalecem na ordem internacional e nesta o legislador disse
qual era a ordem pela qual queria que o litígio fosse afectado à
ordem jurídica portuguesa e o interprete não se pode substituir ao
legislador na valoração. Por estes motivos, a Prof. rejeita a aplicação
desta doutrina.
Partilhando a aplicação do princípio da coincidência com a
doutrina tradicional74, será de concluir que os únicos critérios de
conexão que aqui poderão estar em causa são os critérios especiais
constantes do art. 73.º a 84.º e os critérios gerais constantes do art.
85.º. Também quanto a este ponto existem divergências
doutrinárias.75
73 Para o Prof. MTS o critério do domicílio só deverá ser tido em conta se a regra de competência interna duplamente funcionalizada a tanto apelar (o que acontece, por exemplo, com as disposições do art. 73.º).74 Infra.
52
Para o Prof. MTS, quando não se concretiza a competência
internacional por aplicação da al. b), segue-se a aplicação do critério
do domicílio do réu, constante da al. a). Assim, quando tem aplicação
o art. 65.º/1/a), qual é o critério que determina a competência
territorial na ordem interna? Diz o Prof. que não é possível admitir
que na ordem internacional prevaleça o critério do domicílio e na
ordem interna prevaleça um outro qualquer critério, porque este já
determinou a concretização da competência internacional dos
tribunais portugueses. Assim, a determinação da competência
territorial na ordem interna não tem autonomia, sendo uma regra de
competência internacional com dupla função: permite concretizar
simultaneamente a competência internacional e fixa a competência
territorial na ordem interna.76
c) Prof. Lebre de Freitas e doutrina tradicional
Quanto à aplicação do art. 65.º/1, al. b), a doutrina tradicional fala-
nos do critério da coincidência e que, como tal, a competência
internacional coincide com a competência territorial interna, mas só
se concretiza a competência internacional por aplicação da al. b) se
não tiver sido possível concretizá-la por aplicação da al. a), i.e., a
doutrina tradicional apenas aplica o critério da coincidência quando
falha a possibilidade de concretização da competência internacional
dos tribunais portugueses por aplicação do critério do domicílio do
75 A maioria da doutrina (mais antiga) entende que se falhar a concretização da competência internacional por aplicação de um critério especial (que tem prevalência sobre o critério geral) se pode ainda salvaguardar a competência internacional por aplicação do critério geral. Para a Prof. APCS esta posição não parece boa porque em última instância os tribunais portugueses seriam sempre internacionalmente competentes devido à cláusula de salvaguarda constante do art. 85.º/3 que nos diz que quando falham todos os critérios gerais a competência é do tribunal de Lisboa e ainda porque, para além de estarmos a invocar uma regra de competência que determinaria uma competência internacional exorbitante, a respectiva invocação pela maioria dos regulamentos em sede de competência e da aplicação dos critérios gerais quando no caso concreto podem ser chamados à colação critérios especiais significaria aferir uma competência internacional por uma pior conexão, o que não devemos aceitar. Assim, se no caso concreto tiver aplicação um critério especial determinativo da competência interna, se falhar a competência internacional por aplicação desse critério especial não é possível proceder à aplicação do critério geral para com base nele ainda atribuir competência internacional aos tribunais portugueses, na opinião da Prof. APCS.76 O prof. MTS utiliza, assim, o conceito de dupla função a propósito de duas realidades: o art. 65.º/1/b), em que são as regras de competência territorial interna que têm uma dupla função (asseguram a competência internacional e a competência territorial interna); e o art. 65.º/1/a), em que a norma de competência internacional assegura simultaneamente a competência internacional e determina a competência territorial na ordem interna.
53
réu, entendendo que o critério do domicílio assegura uma melhor
conexão do que a conexão resultante da aplicação do critério da
coincidência.
Assim, a doutrina tradicional começa por aplicar a al. a). A
dúvida é saber se, aplicando-se o critério do domicílio do réu da al. a)
no plano internacional, se devem ou não chamar à colação as regras
de competência territorial interna para a concretizar quando tenha
aplicação o critério da al. a). O Prof. Lebre de Freitas entende que
sim, i.e., que devem ser chamadas à colação as regras do art. 73.º e
ss. só que esta posição permite que seja possível que se acabe por
concluir que não há nenhum tribunal na ordem interna que seja
territorialmente competente para conhecer o litígio.
Assim, embora considere que se deva aplicar o art. 65.º
pela ordem escolhida pelo legislador, a Prof. APCS rejeita a solução
do Prof. Lebre de Freitas defendendo uma dupla funcionalização da
al. a), começando por aplicar o critério do domicílio do réu, que não
irá prevalecer apenas na ordem internacional, mas levará também à
imediata concretização do tribunal territorialmente competente na
ordem interna.
iii) Pactos de jurisdição
A competência internacional pode ter origem convencional, i.e., pode ser
regulada por convenção das partes num pacto de jurisdição.
a) Pactos atributivos e pactos privativos de jurisdição
Um pacto qualifica-se como atributivo ou privativo sempre do ponto
de vista da ordem jurídica portuguesa. Um pacto atributivo é um
pacto que atribui uma jurisdição, i.e., que atribui jurisdição ao Estado
português. Pelo contrário, um pacto privativo priva uma jurisdição,
i.e., priva jurisdição ao Estado português. Os dois tipos de pacto de
jurisdição têm regimes jurídicos totalmente diversos.
Como qualquer pacto fundando na autonomia privada, os
pactos de jurisdição conhecem limites à sua validade: desde logo,
não são admissíveis pactos que contenham a determinação de uma
54
jurisdição contra as cláusulas de salvaguarda do sistema jurídico
português. Estes limites à validade dos pactos de jurisdição
encontram-se previstos no art. 99.º. Um destes limites permite evitar
o forum shopping, i.e., a atribuição ou privação de jurisdição por
escolha arbitrária, que poderá implicar um prejuízo para uma das
partes e uma vantagem para a outra.
b) Preterição do pacto de jurisdição
Resulta do art. 101.º que a preterição de um pacto de jurisdição não
determina uma incompetência absoluta, determinando sim a
incompetência relativa por via do art. 108.º. Deste preceito, em
articulação com o art. 99.º resultaria a conclusão de que a preterição
tanto dos pactos atributivos como das pactos privativos de jurisdição
desencadearia a incompetência relativa. No entanto, a Prof. APCS
faz notar que um tribunal não pode conhecer a violação de um pacto
atributivo a não ser em sede de reconhecimento de sentença
estrangeira. Assim, apenas a violação de um pacto privativo
desencadeará a incompetência relativa; a violação de um pacto
atributivo originará tão só um obstáculo ao reconhecimento da
sentença estrangeira por preterição de uma competência
internacional de origem convencional, apenas no exercício da
competência secundária.77
Assim, é necessário fazer uma interpretação restritiva do
art. 108.º, admitindo que apenas a violação do pacto privativo de
jurisdição origina incompetência relativa.
A preterição do pacto (privativo) de jurisdição implica a
absolvição do réu da instância, nos termos do art. 111.º/3. Por este
motivo, a Prof. APCS lembra que a incompetência decorrente da
violação de um pacto de jurisdição não é nem uma incompetência
absoluta nem uma incompetência totalmente relativa, mas sim uma
forma de incompetência híbrida, partilhando traços de uma e de
outra forma de incompetência.
77 A competência primária é a competência para o conhecimento da acção.
55
iv) Regime e efeitos da incompetência absoluta fundada nos critérios da
competência internacional
Segundo o art. 102.º/1, a incompetência absoluta fundada nos critérios de
competência internacional pode ser invocada a todo o tempo e deve ser
conhecida oficiosamente pelo tribunal. Regra geral, o juiz deve conhecer
deste tipo de incompetência absoluta imediatamente, quando o processo lhe
é concluso (art. 103.º). No entanto, é possível que o juiz reserve o
conhecimento da incompetência absoluta para o despacho saneador se esta
tiver sido arguida na contestação e pode ainda relegar o conhecimento da
excepção até à sentença, quando ainda não dispõe de elementos para que
possa decidir, no momento do despacho saneador, emitindo um despacho
fundamentando e relegando o conhecimento da excepção para a sentença.
A incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância no
despacho saneador ou na sentença ou ainda o indeferimento liminar da P.I.
se a citação do réu necessitar de prévio despacho (art. 105.º/1).
A decisão proferida sobre a excepção de incompetência absoluta
tem apenas valor dentro do processo, excepto nos casos de fixação definitiva
da competência pelo tribunal superior (art. 106.º) porque as decisões
proferidas sobre a matéria processual formal não têm força fora do processo,
nos termos do art. 671.º.
3.2 – Competência interna
As regras de competência interna definem qual é o tribunal competente para conhecer
aquela causa dentre os tribunais da ordem jurídica portuguesa.
Segundo o disposto no art. 17.º/1 da LOFTJ78 na ordem interna, a
competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, a hierarquia, o
valor e o território. Estes critérios encontram-se também definidos no art. 62.º/2 do
CPC.79
O art. 22.º da LOFTJ expressa a regra da perpetuação do foro. Dispõe este
preceito que a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo
irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente tanto relativamente
aos dados de facto como as dados de direito, i.e., a matéria de facto relevante é a
78 Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.79 Na ordem interna, a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, a hierarquia judiciária, o valor da causa, a forme de processo aplicável e o território.
56
matéria de facto vigente ao tempo da propositura da acção, bem como a matéria de
direito.80 Quer isto dizer que a competência fica perpetuada.
A esta fixação da competência aquando da propositura da acção está ligado
um outro regime, que também vai ao encontro da regra da perpetuação do foro, que é
o regime da proibição de desaforamento constante do art. 23.º da LOFTJ. Nos termos
deste preceito, nenhuma causa pode ser deslocada de um tribunal competente para
outro depois de ter sido proposta, salvo nas excepções previstas na lei. Estas regras
convergem no sistema e no conceito do juiz natural.81
a) Organização e funcionamento dos tribunais judiciais
1) Supremo Tribunal de Justiça
O STJ não tem alçada82 (uma vez que não há possibilidade de
recurso das suas decisões) e tem jurisdição sobre todo o território.
Funciona em plenário ou por secções, com competências diversas
(secções em matéria cível, em matéria penal e em matéria social),
sendo o plenário o conjunto de todas as secções.
Dispõe o art. 25.º/1 da LOFTJ que o Supremo Tribunal de
Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais e fora
dos casos previstos na lei apenas conhece de matéria de direito (art.
26.º da LOFTJ).
2) Tribunais da Relação
OS TR já são tribunais de alçada (de 2.ª instância) e de distrito. Em
Portugal há seis tribunais da Relação (Lisboa, Porto, Coimbra, Évora,
Guimarães e Faro) tendo cada um jurisdição sobre o seu círculo
distrital.83
A alçada dos tribunais da Relação é de € 14.963,94 em
matéria cível (art. 24.º/1 da LOFTJ).
80 De notar que esta regra parece ser apenas aplicável em termos de competência e não quanto ao julgamento de mérito da causa.81 Quer este conceito dizer que, assim como o legislador é uma entidade abstracta, também o juiz o é, sendo o processo, por isso, afecto ao juiz que estiver como titular daquela vara ou daquele juízo a que o processo foi distribuído. Não há processos afectos a um concreto juiz.82 Alçada é o valor até ao qual o tribunal julga sem possibilidade de recurso das decisões por ele proferidas.83 De notar que o distrito judicial não se confunde com o distrito na sua acepção comum.
57
3) Tribunais de 1.ª instância – tribunais de comarca e tribunais
de círculo
Nos termos do art. 62.º/1 da LOFTJ os tribunais judicias de 1.ª
instância são, em regra, os tribunais de comarca. Os tribunais de 1.ª
instância podem ser tribunais de comarca (regra geral) ou tribunais
de círculo. Não existe, por isso, qualquer hierarquia entre tribunais de
comarca e tribunais de círculo, sendo ambos de 1.ª instância.
O que distingue os tribunais de comarca dos tribunais de
círculo é o critério de afectação da jurisdição atendendo ao território:
o círculo é uma unidade territorial superior à comarca. O círculo é um
tribunal de estrutura colectiva e a comarca é um tribunal de estrutura
singular.
A alçada dos tribunais de 1.ª instância é de € 3.740,98 em
matéria cível (art. 24.º/1 da LOFTJ).
i) Competência territorial
Os art. 73.º a 85.º e os art. 86.º e 87.º do CPC fixam a competência territorial
atendendo ao factor de conexão domicílio, como regra geral.
É importante relembrar que os tribunais de comarca têm jurisdição
sobre a comarca e os tribunais de círculo têm jurisdição sobre o círculo que,
em regra, engloba várias comarcas. Porque os tribunais de círculo são, em
regra, colectivos, caberão na sua competência os processos que requeiram a
intervenção de um tribunal colectivo e porque as comarcas são, em regra,
singulares, caberão na sua competência os processos para os quais não se
preveja a intervenção de um tribunal colectivo.
Se forem violados os critérios da competência em função do território
gera-se incompetência relativa,84 que tem como consequência a remessa do
processo para o tribunal competente (art. 111.º/3 do CPC), não havendo
absolvição do réu da instância.
A regra geral é a do não conhecimento oficioso da preterição dos
critérios do território. Mas o art. 110.º/1 contém excepções a esta regra.
84 A preterição dos critérios relativos ao valor da causa gerariam também incompetência relativa. No entanto, o valor da causa é, por tudo o que foi dito, hoje em dia um critério vazio e sem aplicação.
58
iI) Competência em razão da matéria
Dispõe o art. 18.º/1 da LOFTJ que são da competência dos tribunais judiciais
as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, i.e., se não
houver indicação específica em contrário a competência é absorvida pela
jurisdição dos tribunais judiciais.85
Ainda, o art. 18.º/2 da LOFTJ prevê que o presente diploma
determina a competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais,
estabelecendo as causas que competem aos tribunais de competência
específica. Quer isto dizer que, dentro da esfera dos tribunais judiciais,
existem tribunais especiais, atendendo à matéria que podem julgar. É esta
repartição dos tribunais atendendo à matéria que podem julgar que determina
a sua qualificação como tribunais de competência especializada.86
O art. 77.º da LOFTJ dispõe sobre o que compete aos tribunais de
competência genérica. O art. 78.º elenca as espécies de tribunais de
competência especializada que podem ser criados:
1) Tribunais de instrução criminal;
2) Tribunais de família;
3) Tribunais de menores;
4) Tribunais de trabalho;
5) Tribunais de comércio;
6) Tribunais marítimos;
7) Tribunais de execução de penas.
Contudo é necessário ter em atenção que estes tribunais de
competência especializada apenas absorvem esta competência na sua área
de jurisdição. Se não houver um tribunal de competência especializada, a
causa deverá ser julgada num tribunal de competência específica.
Por último, o art. 18.º/2 da LOFTJ não faz referência à “competência
especializada” mas sim a “competência específica”. Os tribunais de
competência específica são os determinados pelo art. 62.º do CPC e
85 Por exemplo, as causas de Direito administrativo são atribuídas a uma outra ordem jurisdicional e são julgadas nos tribunais administrativos.86 Assim, um tribunal de competência especializada é o que julga apenas as matérias afectas à órbita da sua específica competência. Pelo contrário, os tribunais de competência genérica são os que têm competência para tudo o que não seja da competência especializada.
59
previstos no art. 96.º e ss da LOFTJ, determinados pelo valor e tipo de
processo: as varas, os juízos e as pequenas instâncias.
A vara é um tribunal tendencialmente colectivo (tendo, em regra, três
juízes), os juízos são tribunais tendencialmente singulares (tendo, em regra,
um ou dois juízes), com base nos mapas anexos à LOFTJ.
A violação dos critérios em razão da matéria gera incompetência
absoluta do tribunal (art. 101.º do CPC). O Prof. MTS entende que a
preterição destes critérios gera uma excepção dilatória insanável mas a Prof.
APCS, com base no art. 105.º/2 do CPC, admite-a como sanável.87
iii) Competência em razão da hierarquia
A hierarquia interessa essencialmente para efeitos de recurso. Regra geral, a
causa inicia-se nos tribunais de 1.ª instância: círculo ou comarca. Contudo,
exceptuam-se algumas situações em que o tribunal da Relação é a 1.ª
instância e o STJ se apresenta como a 2.ª instância. Mas, relembra-se, são
situações excepcionais.
À semelhança da matéria e com as mesmas divergências
doutrinárias quanto aos seus efeitos, a preterição da competência em razão
da hierarquia gera incompetência absoluta, nos termos do art. 101.º do
CPC.
iv) Pactos de competência
a) Pactos atributivos e pactos privativos de competência
O pacto atributivo de competência atribui competência, na ordem
interna, ao tribunal que não a tinha. O pacto privativo priva a
competência, a nível interno, de um tribunal que a tinha.
Disõe o art. 100.º/1 que as regras de competência em razão
da matéria, da hierarquia, do valor e da forma de processo não
podem ser afastadas por vontade das partes; mas é permitido a
estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de
competência em razão do território, salvo nos casos de
87 Tal divergência doutrinária foi já supra referida quando nos referimos à incompetência absoluta na nota introdutória ao pressuposto processual competência.
60
conhecimento oficioso da incompetência relativa (art. 110.º), i.e., os
pactos de competência podem apenas regular a competência
territorial. Se o pacto de competência for celebrado contra o disposto
no art. 100.º é inválido.
O art. 108.º determina a incompetência relativa do tribunal
em que a acção é proposta à revelia do pacto de competência. Esta
incompetência não é de conhecimento oficioso, uma vez que só é
possível ao tribunal conhecer da excepção de incompetência relativa
decorrente da violação de um pacto de competência se a parte
contra a qual o processo foi instaurado a vier arguir.
3.3 – Competência arbitral
Um tribunal arbitral é um órgão parajurisdicional composto por pessoas escolhidas
pelas partes. Este tipo de competência pode abarcar a competência interna mas
também internacional, uma vez que o litígio pode ser plurilocalizado. Sendo
internacional, desencadeia obviamente uma arbitragem internacional; poderá, contudo,
não ter qualquer conexão com qualquer ordem jurídica estrangeira, originado uma
arbitragem apenas interna.88
A competência arbitral está regulada na Lei n.º 31/86 de 29 de Agosto.89 À
convenção pela qual as partes atribuem competência ou jurisdição a um tribunal
arbitral chama-se convenção de arbitragem. A violação desta convenção gera uma
excepção de preterição do tribunal arbitral voluntário.
Dispõe o art. 1.º da LAV que as convenções só podem ser celebradas
relativamente a litígios que envolvam direitos disponíveis pelas partes e relativamente
a litígios que não estejam submetidos a arbitragem necessária.
Para além destes requisitos de validade relacionados com a amplitude da
autonomia privada para a celebração de convenções de arbitragem, a lei exige ainda
que estas convenções sejam celebradas por escrito (art. 2.º da LAV). Violando-se os
limites de autonomia privada e os limites formais impostos, a convenção é nula.
Ainda, nos termos do art. 21.º da LAV, o tribunal arbitral tem competência
para aferir da sua própria competência, tal como qualquer outro tribunal, mesmo que a
88 Não se deverá confundir a arbitragem internacional com a arbitragem estrangeira. A arbitragem internacional é a que, decorrendo em Portugal, tem elementos de conexão com o comércio internacional; a arbitragem estrangeira é a arbitragem que decorre perante tribunais constituídos no estrangeiro.89 À qual nos referiremos doravante como Lei da arbitragem voluntária (LAV).
61
convenção seja nula (caso em que se declarará incompetente, como será evidente
inferir). A relação entre a competência dos tribunais judiciais e a competência dos
tribunais arbitrais é de exclusão, i.e., a celebração da convenção de arbitragem
previne a competência dos tribunais judiciais. A violação da convenção de arbitragem
dá origem a uma excepção dilatória nominada, prevista no art. 494.º, al. j) do CPC de
conhecimento não oficioso à semelhança dos pactos de jurisdição e de competência e
por disposição do art. 495.º do CPC.90 Esta excepção provoca a absolvição do réu da
instância judicial.
As regras aplicáveis ao processo arbitral são as que as partes escolherem,
sendo, contudo, necessário observar os princípios essenciais da instância como a
imparcialidade, o dispositivo, a igualdade e o contraditório. Se ao longo do processo
algum destes princípios for violado, a sentença proferida pelo tribunal arbitral é
anulável.91
Por último, as convenções de arbitragem podem ser celebradas para
qualquer conflito que venha a surgir numa relação contratual entre as partes (casos
em que se chama cláusula compromissória) mas podem também ser celebradas
quanto a um conflito que já eclodiu (caso em que é um compromisso arbitral). Estes
últimos podem ser celebrados nos termos do art. 290.º do CPC, estando já uma acção
pendente perante um tribunal judicial. Se a convenção de arbitragem for celebrada na
pendência da acção judicial procede-se imediatamente à preterição da competência do
tribunal judicial com extinção da instância judicial.
3.4 – Outras regras relativas à competência
Para além do regime geral da competência, existem regras relativas à competência
dos tribunais que são de particular interesse conhecer.
a) Extensão da competência
Quando se fala em extensão da competência, fala-se na ampliação da
competência de um tribunal para o conhecimento de matérias conexas com a
90 De notar que, se as partes têm autonomia para convencionar, têm também autonomia para não invocar a excepção de preterição da convenção. Neste caso não haverá o conhecimento da excepção, nem a absolvição da instância.91 De notar que as decisões proferidas pelos tribunais arbitrais são equiparadas às decisões dos tribunais de 1.ª instância, sendo por isso susceptível de formar caso julgado.
62
causa que determinou a atribuição de competência a esse mesmo tribunal,
i.e., a competência que lhe tenha sido atribuída em função do objecto do
litígio. Uma destas situações é a extensão de competência de um tribunal
territorialmente incompetente que por falta da arguição da excepção de
incompetência relativa passa a ser competente.
1) Tribunal competente para questões incidentais e excepções
O art. 96.º/1 prevê que o tribunal competente para a acção é também
competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e
das questões que o réu suscite como meio de defesa. Portanto, a
competência primária absorve a competência ara as excepções e a
competência para as matérias incidentais.
O art. 96.º/1 estende tanto a competência absoluta como a
competência relativa do tribunal de modo a garantir uma maior
rapidez na resolução do litígio e a melhor observação dos princípios
que regem o Direito processual. Contudo, o art. 96.º/2 impõe uma
restrição: nos seus termos, se o tribunal da acção não for
competente em termos de competência absoluta para a matéria da
excepção ou para a matéria do incidente, não é possível que a
decisão proferida sobre essa excepção e nesse incidente tenha força
de caso julgado que se estende para além do processo em que a
decisão foi proferida. Portanto, se se estende a competência para a
apreciação da excepção e da matéria incidental, não se permite a
formação de caso julgado nas decisões para as quais o tribunal não
seja absolutamente competente, com as consequências que isso
traz.
2) Critérios de afectação do litígio pluri-causal a um determinado
tribunal, no sentido do litígio ser composto por uma pluralidade de
objectos, i.e., quando são deduzidos vários pedidos.
Regra geral, o tribunal competente para a apreciação de um dos
objectos vê a sua competência estendida para o conhecimento dos
outros objectos (art. 87.º/2). Mas esta regra respeita apenas à
extensão da competência em função dos critérios territoriais.
63
Há, contudo, uma excepção: se existir uma relação de
prejudicialidade entre objectos processuais92 e se para o objecto
prejudicial ou para um dos objectos integrados na cumulação
vigorarem regras de competência territorial indisponíveis, os objectos
não prejudiciais devem aderir ao objecto prejudicial o que leva à
determinação da competência territorial por critérios indisponíveis,
i.e., a competência do tribunal territorialmente competente por
aplicação de um critério indisponível extende-se para o
conhecimento dos demais objectos processuais relativamente aos
quais não existem regras que não sejam postergáveis.
3) Pluralidade subjectiva do litígio
O art. 87.º/1 prevê que havendo mais do que um réu na mesma
causa, devem ser todos demandados no tribunal do domicilio do
maior número; se for igual o número nos diferentes domicílios, pode
o autor escolher o de qualquer deles. I.e., se o número de domicílios
diferentes for igual o autor pode escolher demandar os réus perante
qualquer um dos tribunais territorialmente competente; aquele
tribunal que era competente apenas de acordo com um dos
domicílios passa a ser competente para todas as acções com essa
conexas que tenham encabeçados réus diferenciados.
b) Competência territorial para os processos em que sejam demandados
o Estado, outras pessoas colectivas ou sociedades
O art. 86.º/1 prevê que se o réu for o Estado, ao tribunal do domicílio do réu
substitui-se o do domicílio do autor.
O art. 86.º/2 dispõe que se o réu for outra pessoa colectiva ou uma
sociedade, será demandado no tribunal da sede da administração principal ou
no da sede da sucursal, agência, filiar, delegação ou representação, conforme
a acção seja dirigida contra aquela ou contra estas. A 2.ª parte deste preceito
continua, dispondo que a acção contra pessoas colectivas ou sociedades
estrangeiras que tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação
92 Ou seja, se houver um objecto que deve ser de conhecimento em primeiro lugar.
64
em Portugal pode ser proposta no tribunal da sede destas, ainda que seja
pedida a citação da administração principal.93
4 – LEGITIMIDADE DAS PARTES
Os cidadãos só podem dispor de situações que se encontrem na sua esfera jurídica,
ou relativamente às quais disponha de poderes especiais. Assim, a legitimidade
assegura a tutela dos interesses em causa.
A legitimidade processual é um pressuposto processual que se baseia na
relação da parte com o objecto e é em função do objecto da acção que se verifica se a
parte tem ou não legitimidade nessa acção. Distingue-se da personalidade e
capacidade judiciárias porque, enquanto estas constituem uma qualidade da parte
genericamente exigida para qualquer processo, a legitimidade refere-se à posição da
parte na concreta acção.94
Dentro da legitimidade há que distinguir a legitimidade singular, que
respeita a um autor e a um réu e a legitimidade plural que respeita, ou deve
respeitar, a vários autores ou réus.
a) Legitimidade singular
A legitimidade singular pressupõe essa relação da parte com o objecto,
resultando daqui que quem for titular ou quem se afirmar como titular do
próprio objecto é sempre parte legítima, em princípio.
Mas a lei admite também que seja parte legítima quem não é titular
de um direito, levando à construção de diferentes situações de legitimidade
como a legitimidade directa (aquela que pertence ao próprio titular do
direito, que é a situação normal) e legitimidade indirecta (nos casos em que
a lei admite que alguém que não é titular de um direito venha a exercê-lo em
juízo, i.e., permite que um terceiro exerça um determinado direito em juízo).
Em suma, a legitimidade directa é aquela que respeito ao próprio titular da
relação controvertida (activo e passivo) e a legitimidade indirecta é aquela
que é atribuída a quem não é titular dessa relação controvertida.
93 De notar que o que aqui está em causa não é uma regra de extensão da personalidade judiciária, nem uma regra de legitimidade mas sim, exclusivamente, uma regra de fixação do domicílio da pessoa colectiva em território nacional.94 I.e., enquanto que um incapaz tem personalidade judiciária para toda e qualquer acção e incapacidade para quase todas as acções, poderá ter ou não legitimidade, conforme seja o concreto litígio em que se afere este pressuposto.
65
O art. 26.º regula que a legitimidade se afere pelo interesse directo
em demandar ou em contradizer ao dispor que o autor é parte legítima
quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando
tem interesse directo em contradizer. Este interesse directo em demandar e
em contradizer é aferido nos termos do art. 26.º/2 que dispõe que o interesse
em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o
interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.95
O art. 26.º/3 procura ainda conceder uma maior precisão a estes
coceitos dispondo que na falta de indicação da lei em contrário, são
considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os
sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
De notar que este interesse em demandar e em contradizer permite
apenas aferir a legitimidade directa. Não se deve, contudo, esquecer as
situações de legitimidade indirecta, que acontecem nos casos de substituição
processual e que podem ter origem na lei ou em convenção das partes.96
b) Consequências da ilegitimidade singular
Quando uma parte é considerada ilegítima há a falta deste pressuposto
processual de cariz subjectivo o que constitui uma excepção dilatória
nominada (art. 494.º, al. e) de conhecimento oficioso pelo juiz (art. 495.º)
apesar de poder ser alegada pelo réu, nos termos do art. 487.º. Isto dá lugar à
absolvição do réu da instância nos termos do art. 288.º/1, al. d) – o juiz deve
abster-se de conhecer o pedido e absolver o réu da instância quando
considere ilegítima alguma das partes, e também por via do art. 493.º/2. Esta
absolvição do réu da instância deverá ter lugar no despacho saneador por via
do art. 510.º/1, al. a).
Contudo, esta questão da ilegitimidade singular deve ser vista com
maior cuidado. Antes da reforma de 1995/96, qualquer tipo de dúvida do juiz
daria origem a esta absolvição do réu da instância. A partir de 1997, com a
entrada em vigor da redacção actual do art. 26.º/3, o legislador, acabando
com uma querela doutrinária que envolvia o Prof. Alberto dos Reis e o Prof.
95 Assim, podemos concluir que o interesse em demandar é aquele que deriva do benefício da procedência da acção e o interesse em contradizer é aquele em que o réu obtém benefícios pela improcedência da acção.96 Um exemplo desta situação de substituição processual por convenção das partes é quando um dos cônjuges dá autorização ao outro para que proponha uma acção sobre um bem comum.
66
Barbosa de Magalhães vem dizer que são titulares do interesse relevante
para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é
configurada pelo autor. Assim, permite-se que o réu, que pode invocar a sua
ilegitimidade singular, não seja absolvido da instância até ao final do
julgamento e ser uma excepção dilatório que vai subsistindo ao longo da
acção pura e simplesmente porque o autor entendeu configurar o réu como
parte legítima.
A partir do momento em que o legislador consagrou esta hipótese,
permitiu-se que a legitimidade atravesse todo o processo e seja conhecida
em momentos diferentes dos momentos de excelência de conhecimento das
restantes excepções dilatórias. A propósito, vem dispor o art. 288.º/3 em que
se diz que ainda que subsistam as excepções dilatórias, não terá lugar à
absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma
das partes, nenhum outro motivo obste no momento da apreciação da
excepção a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser
integralmente favorável a essa parte.
4.1 – O litisconsórcio
A matéria do litisconsórcio insere-se na matéria da legitimidade plural. Será
necessário, entes de mais, compreender que através de uma decisão proferida num
determinado processo, só se vincula as partes desse mesmo processo, i.e., o caso
julgado tem uma eficácia subjectiva delimitada às partes na acção, não sendo
possível, regra geral, vincular terceiros que não foram parte naquele concreto
processo do qual proveio aquela decisão.
Assim, a legitimidade existe para assegurar que quem é parte no
processo é aquela que melhor pode discutir o objecto desse mesmo processo,
i.e., é o legítimo contraditor (nas palavras da Prof. APCS). Assim, é necessário aferir
sempre qual é a esfera jurídica atingida ou potencialmente atingida pela decisão ou
pela eventual decisão para identificar os legítimos contraditores relativamente àquele
específico objecto processual, já que não é possível vincular terceiros através de um
caso julgado proferido num processo no qual não foram partes.
Também é de lembrar que o objecto do processo diz respeito àquele que
funciona como referente subjectivo dos efeitos materiais de uma decisão, e portanto, é
67
aquela pessoa cuja esfera jurídica vai ser tangida através de uma concreta decisão ou
aquela pessoa cuja esfera jurídica deve ser tangida através daquela concreta decisão.
Como foi já supra referido, as regras relativas à legitimidade que podemos
encontrar no nosso sistema, sejam elas aplicáveis à legitimidade singular ou à
legitimidade plural, são sempre regras destinadas a assegurar que quem está a
discutir aquela concreto objecto é a pessoa melhor colocada dentro do sistema jurídico
para discutir aquele concreto objecto. E portanto, teremos como parte legítima activa
aquele que pode retirar um benefício directo da decisão e vamos ter como réu a parte
passiva legítima, seja o autor ou o réu composto por uma pessoa ou por várias, aquele
em cuja esfera jurídica se vão repercutir os efeitos materiais desfavoráveis daquela
concreta decisão.
O litisconsórcio tem particularidades porque implica sempre que, na parte
activa ou na parte passiva ou simultaneamente nas duas, encontremos uma
pluralidade de pessoas. Nestes casos é assim porque a conformação da situação
material controvertida contém ela própria, subjectivamente, uma pluralidade activa,
passiva ou simultaneamente activa e passiva.
Portanto, à semelhança da legitimidade singular, a legitimidade plural vai
articular a posição das partes na situação litigada com a posição das partes no
processo de modo a que a decisão tenha um sentido útil.
A legitimidade é assegurada como pressuposto no momento inicial do processo mas
projecta-se para os efeitos da decisão, estabelecendo uma ponte entre a parte, o
objecto, a decisão e a delimitação subjectiva do caso julgado. Isto significa que,
quando for constituído um litisconsórcio, a delimitação subjectiva do caso julgado é
plural, todos aqueles que integram o litisconsórcio activo, passivo ou simultaneamente
activo e passivo vão ser vinculados pela decisão proferida. É necessário ter esta
realidade em conta no momento inicial da acção e questionar quem são os legítimos
contraditores para aquele concreto objecto processual.
Também pode haver disponibilidade ou indisponibilidade de conformação
subjectiva da instância, i.e., a instância pode ou deve ser pluralmente conformada, i.e.,
podem existir litisconsórcios que se encontrem na disponibilidade do autor ou do réu e
litisconsórcios que se impõe ao autor ou ao réu e relativamente aos quais ele não tem
disponibilidade de conformação subjectiva da instância.
68
Como é de inferir, a disponibilidade na conformação subjectiva da instância
depende da conformação da situação material controvertida. Por isso, é necessário
questionar qual a posição jurídica que os diferentes intervenientes na situação material
controvertida ocupam nessa mesma situação. E é necessário ainda questionar se,
atendendo ao que se pede no processo, o que se pede pode pedir-se singularmente,
pode pedir-se pluralmente ou deve pedir-se pluralmente. Assim, o ponto de referência
para se saber se há ou não disponibilidade quanto à constituição de um litisconsórcio é
sempre a situação material controvertida.
1) Litisconsórcio voluntário comum e conveniente
Nos termos do art. 27.º/1, se a relação material controvertida respeitar a
várias pessoas, a acção respectiva pode ser proposta por todos ou contra
todos os interessados. A doutrina ensina que o único efeito do litisconsórcio
comum é estender o âmbito subjectivo do caso julgado a todos os
litisconsortes. A sua preterição não gera qualquer ilegitimidade.
Quanto ao litisconsórcio conveniente, decorre do art. 27.º/1, 2.ª
parte, uma desvantagem originada pelo facto de não se chamarem todos os
intervenientes na acção. Assim, o litisconsórcio voluntário conveniente foi
baptizado pela sua conveniência, i.e., porque a parte visa obter uma
vantagem que de outra forma não poderia ter.97 Preterindo-se o litisconsórcio
conveniente, para além de não ser possível opor a decisão proferida no
processo aos sujeitos da relação material controvertida que não foram partes
na instância, não é possível ao autor obter a satisfação integral do interesse
substantivo que resulta daquela relação material controvertida.
2) Litisconsórcio necessário convencional
Há litisconsórcio necessário convencional quando as partes convencionaram
que só era possível a propositura da acção por todos contra um ou por um
contra todos ou por todos contra todos.
Só é possível saber que existe litisconsórcio necessário convencional
através da interpretação da convenção, podendo, por isso, acontecer todo o
tipo de problemas relacionados com a interpretação do negócio jurídico na
interpretação da convenção quanto ao litisconsórcio.
97 Um exemplo de litisconsórcio conveniente são as obrigações conjuntas.
69
3) Litisconsórcio necessário legal
O problema levantado pelo litisconsórcio legal é que a lei normalmente não
diz se deve haver ou não litisconsórcio e é ao intérprete que cabe analisar o
regime legal e procurar indícios nesse regime para compreender se nada
caso concreto a lei está ou não está a exigir a intervenção de todos na acção
para que seja assegurada a legitimidade.
Duas situações que têm suscitado bastante polémica nos tribunais
superiores e na doutrina são a impugnação pauliana e o exercício do direito
de preferência. Quem deve demandar o credor impugnante na impugnação
pauliana? Apenas o terceiro com o qual contratou o seu devedor, apenas o
seu devedor e não o terceiro, facultativamente o devedor ou o terceiro ou
obrigatoriamente o devedor e o terceiro? Há acórdãos do STJ e posições
doutrinárias em todos os sentidos. Contra quem deve ser exercida a acção de
preferência? Contra aquele que preferiu ou contra aquele que devia ter dado
preferência?
a) Litisconsórcio necessário legal entre os cônjuges
A figura do litisconsórcio legal tem particular relevância entre os
cônjuges e conhece regulação específica no art. 28.º-A do CPC. (n.º
1 e 2 quanto ao litisconsórcio activo e n.º 3 quanto ao litisconsórcio
passivo). A fonte deste litisconsórcio é o art. 1681.º e ss. do CC.
O art. 28.º-A do CPC impõe litisconsórcio relativamente às
acções em que pode haver perda ou disposição de situações
jurídicas que só por ambos os cônjuges podem ser atingidas ou
afectadas, com a necessária articulação com o regime substantivo
plasmado no CC quanto ao regime de bens dos cônjuges.
4) Litisconsórcio necessário natural
O art. 28.º/2 dispõe que é igualmente necessária a intervenção de todos os
interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja
necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. Ou
seja, é a natureza da relação jurídica que impõe o litisconsórcio para que a
decisão produza o seu efeito útil normal. A lei vai mais longe ao fizer que a
70
decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora
os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta
das partes relativamente ao pedido formulado.
O único caso de litisconsórcio natural relativamente ao qual existe
unanimidade na doutrina e na jurisprudência é a acção de divisão de coisa
comum. É necessária a constituição de litisconsórcio entre todos os co-
proprietários porque a acção só faz caso julgado relativamente às partes
envolvidas no processo e só se houver litisconsórcio, terá a sentença um
sentido útil que venha regular definitivamente a situação concreta das partes
relativamente ao pedido formulado.
O Prof. MTS encontra sectores nesta interpretação do litisconsórcio
necessário natural que não coincidem com os vectores que a jurisprudência
imputa a esta figura. O Prof. tem uma interpretação restritiva deste tipo de
litisconsórcio e vem dizer que não é função da figura do litisconsórcio
conseguir uma coerência das decisões que podem ser produzidas a propósito
de um mesmo objecto substantivo e como tal é possível relativamente a um
só objecto substantivo haver composições definitivas, se bem que
contraditórias para os diferentes sujeitos envolvidos por esse objecto.
Pelo contrário, a jurisprudência e demais doutrina têm uma visão
ampla desta problemática. Ou seja, não é possível que uma situação material,
quando não haja excepções puramente pessoais, possa ter um determinado
conteúdo ou acto decisório num contexto ou num confronto de um binómeio
de partes e um outro conteúdo decisório no binómio de outras partes.
a) O litisconsórcio e a acção
O art. 29.º dispõe que no caso de litisconsórcio necessário, há uma única acção com
pluralidade de sujeitos; no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de
acções, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos
seus compartes. Quer isto dizer que no litisconsórcio necessário os litisconsortes
comungam da mesma sorte uns dos outros, i.e., comungam duma sorte comum, o que
não acontece no litisconsórcio voluntário, em que os diferentes litisconsortes têm
posições de autonomia.
b) Preterição do litisconsórcio necessário
71
Ao contrário do litisconsórcio voluntário, a preterição de litisconsórcio necessário dá
lugar à excepção de ilegitimidade, que funciona como todas as outras excepções
dilatórias e tem como consequência a absolvição do réu da instância.
Segundo o disposto no art. 269.º/1 até ao trânsito em julgado da decisão que
julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o
autor ou reconvinte, chamar essa pessoa a intervir, nos termos dos art. 325.º e ss.
Perante este preceito podemos concluir que esta é uma excepção dilatória sanável
mediante o chamamento da pessoa em falta nos termos do art. 325.º e ss. do CPC,
i.e., mediante a intervenção principal provocada dos sujeitos em falta da relação
material controvertida.
A ilegitimidade decorrente da preterição de litisconsórcio necessário sana-se
com a citação para intervir daquele que está fora da acção.
5 – PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
Com a imposição do patrocínio judiciário em certos litígios procura-se que as partes
sejam assistidas pelas pessoas melhor qualificadas para esse efeito, de modo a que a
decisão a proferir seja a mais justa possível.
O patrocínio judiciário consiste na representação da parte por um profissional
do foro, i.e., um advogado. O patrocínio judiciário como pressuposto processual pode
ser facultativo ou obrigatório. O patrocínio judiciário é obrigatório nas acções
identificadas no art. 32.º. A al. a) deste preceito dispõe que é obrigatória a constituição
de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja
admissível recurso ordinário. I.e., se o valor da acção foi inferior à alçada do tribunal
de 1.ª instância não é obrigatória a constituição de advogado.
A segunda situação de constituição obrigatória de advogado é a constante do
art. 32.º/1, al. b) – nas causas em que seja sempre admissível recurso,
independentemente do valor, que é o exemplo do art. 678.º/5.98
Por último, a al. c) prevê que é sempre obrigatória a constituição de advogado
nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores. Ou seja, todas as
acções que entrem directamente em 1.ª instância nos tribunais superiores (as acções
contantes dos art. 33.º e ss. e 55.º e ss. da LOFTJ) carecem de patrocínio judiciário.
Para além disso, sempre que haja um recurso interposto (para um tribunal superior,
98 Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação nas acções em que se aprecie a validade ou a subsistência de contratos de arrendamento para habitação.
72
obviamente) é sempre obrigatória a constituição de advogado, ainda que não o fosse
em 1.ª instância.
Nos restantes casos o patrocínio judiciário é facultativo, nunca sendo
proibido.
5.1 – O mandato judicial
O art. 35.º dispõe que o mandato judicial pode ser conferido por instrumento público ou
por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial
e por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no
processo.
A procuração passado ao advogado não carece, actualmente, de ser feita em notário
nem tem a assinatura que ser notarialmente reconhecida. Basta um documento
particular que atribua poderes de representação ao mandatário.
A lei prevê ainda o exercício do poder judiciário a título de gestão de negócios (art.
41.º/1), permitindo ao advogado exercer o seu mandato em situações de urgência,
ainda que não junto a procuração aos autos. O exercício do mandato em gestão de
negócios deve ser ratificado perante o juiz, nos termos do art. 41.º/2.
O mandato judicial tem, normalmente, um conteúdo geral (art. 36.º/1).
Quando se confere mandato judicial atribui-se ao mandatário poderes para representar
a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes.
Dentro destes poderes gerais cabe também o pode de subestabelecer o mandato com
ou sem reserva.
No entanto, quanto a determinados actos, a lei exige uma procuração com
poderes especiais, como é o caso da confissão, da desistência e da transacção,
conforme o disposto no art. 37.º/2.
Já o art. 39.º prevê a possibilidade de revogação do mandato e também o
mandatário pode renunciar ao mandato em qualquer momento. Neste último caso, a
renúncia é comunicada a ambas as partes e os seus efeitos terão de ser analisados
diferentemente consoante se trate de uma situação de patrocínio judiciário obrigatório
ou facultativo. Se o patrocínio judiciário for facultativo, a renúncia ao mandato não traz
qualquer problema, passando a parte a litigar em seu nome e podendo constituir novo
73
advogado no momento que quiser. Se o patrocínio for obrigatório, de acordo com o art.
39.º/3m as consequências são diferentes consoante a renúncia respeite à parte activa
ou à parte passiva:
1) se respeitar ao autor, suspende-se a instância até ser constituído novo
mandatário judicial;
2) se respeitar ao réu, entende-se que o autor não pode ficar prejudicado pelo
facto de haver renúncia ao mandato e, portanto, a instância continua sem
qualquer interrupção.
Quanto aos vícios que podem afectar o mandato judicial, a lei distingue a situação na
qual falta o próprio mandatário judicial e a situação em que existe um mandatário
judicial mas o mandato judicial é inexistente.
A falta de constituição de advogado está prevista no art. 33.º. Se a parte
activa não constituir advogado, quando a sua constituição for obrigatória, é notificada
para constituir advogado e se não o fizer no prazo fixado, é o réu absolvido da
instância por se tratar da falta de um pressuposto processual; se, pelo contrário, for o
réu a não constituir advogado, quando obrigatório, os actos praticados ficam sem
efeito, faltando não um pressuposto processual mas sim um acto processual com
todas as consequências que daí possam advir.
Nos termos do art. 40.º, também as situações de falta ou de insuficiência do
mandato têm diferentes consequências para a parte activa e para a parte passiva.
Aqui o tribunal também pode suscitar oficiosamente a questão, tal como as partes
podem arguir a insuficiência do mandato judicial. Nos termos do art. 40.º/2 o juiz fixa
um prazo para a sanação do vício. Se o vício competir à parte activa e esta não o
sanar, a consequência é a absolvição do réu da instância; se o vício corresponder à
parte passiva, ficam sem efeitos os actos praticados pelo mandatário judicial naquela
acção. Haverá, então, uma situação de revelia do réu com as consequências que lhe
são inerentes.
6 – O INTERESSE PROCESSUAL
O interesse processual é um pressuposto que levanta algumas dúvidas quando à sua
efectiva existência. O art. 494.º não lhe faz qualquer referência nem à possibilidade de
qualquer excepção dilatória provocada pela sua ausência. Mas o Prof. MTS ensina
que é possível retirar este pressuposto do art. 449.º.
74
Neste pressuposto, o que está em causa é afastar dos tribunais acções
efectivamente inúteis e dissuadir as pessoas de recorrerem aos tribunais sempre que
esse recurso desse origem a uma lide inútil, o que pode acontecer em duas situações:
1) Quando se recorre ao tribunal sem qualquer necessidade. Esta falta de
necessidade é aferida, não pela improcedência do pedido (uma vez que todos
temos o direito constitucional de recorrer aos tribunais e litigar), mas sim
quando a pessoa pode assegurar a mesma situação jurídica através de uma
acção extrajudicial.99
2) Quando a parte dispõe de outra forma mais eficaz para tutelar a situação
jurídica com a qual confronta o tribunal e para a qual pede uma decisão, i.e.,
há falta de interesse processual sempre que a parte escolhe um meio que é
ineficaz relativamente aquele que deveria ser escolhido para a tutela daquele
interesse específico sobre o qual requer o proferimento de uma decisão de
mérito pelo tribunal.
O art. 449.º está integrado sistematicamente quanto à matéria das custas, multas e
indemnizações, que se inicia com o art. 446.º que contém a regra geral quanto à
determinação do titular da obrigação do pagamento das custas num processo: a
decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em
custas a parte que a elas houver dado causa. Da causa ao processo quem decai numa
acção (excepcionando as situações em que não há vencimento, como também
previsto neste preceito), i.e., a parte que perde a acção é a parte que dá causa à
acção, conforme o art. 446.º/2.
Já o art. 449.º/1 dispõe que quando o réu não tenha dado causa à acção e a
não conteste, são as custas pagas pelo autor. Assim, o art. 449.º é uma regra que vem
inverter o regime geral do art. 446.º sob pena de ser uma regra inútil porque se o réu
não tivesse dado causa à acção e a perdesse o réu pagaria as custas na mesma.
O Prof. MTS refere como vectores essenciais para a aplicação deste preceito
que por um lado o réu não tenha dado causa à acção e que, por outro, não a conteste.
Assim, como pressuposto processual, está sujeito ao regime dos pressupostos
processuais. Já a Prof. APCS admite estarmos perante um pressuposto processual
mas que não se remete ao regime geral.100
99 Um exemplo desta desnecessidade é o recurso ao tribunal para declarar a mora do devedor.100 Quanto a esta matéria, remetemo-nos para a obra do Prof. MTS.
75
7 – O OBJECTO DO PROCESSO
Há pressupostos específicos quanto à conformação do objecto, i.e., a lei diz que nem
todo o objecto do processo é lícito.101 Os pressupostos quanto à conformação do
objecto do processo existem para garantir a melhor decisão possível.
Esta matéria será largamente analisada no capítulo seguinte.
VI – O OBJECTO DO PROCESSO
1 – O PEDIDO E A CAUSA DO PEDIR
Segundo a maioria da doutrina, o objecto do processo é delimitado pelo pedido e pela
causa de pedir.102 Assim, o objecto do processo está na disponibilidade das partes, o
que significa que em processo apenas se conhece daquilo que as partes configuram
como questão a decidir e com base nos factos chamados à colação.
1.1 – O pedido
101 Em analogia com o negócio jurídico, também os art. 280.º a 282.º do CC dispõem quanto à sua ilicitude.102 Há outras sistemas de direito que deixam de fora a causa de pedir e delimitam o objecto do processo apenas através do pedido.
76
O pedido é a forma de tutela requerida para aquela concreta situação jurídica .
Nos termos do art. 4.º/2 o autor pode pedir a simples apreciação da existência ou
inexistência de um direito ou de um facto, a condenação do réu, exigindo a prestação
de uma coisa ou de um facto face à violação de um direito seu e a constituição uma
nova situação jurídica diferente da anterior.
Mas qual é o ponto de referência do pedido? O art. 498.º/3 dispõe que há
identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito
jurídico. Este efeito jurídico que a parte quer ver declarado conduz ao conceito de
pretensão, i.e., a pretensão é aquilo que a parte pode pedir e que resulta como efeito
último da verificação de um tipo legal qualquer.
a) Requisitos do pedido
O pedido deve obedecer a alguns requisitos: tem de ter cabimento no
sistema. A parte só pode deduzir pretensões admissíveis pela ordem jurídica;
e tem de traduzir-se na pretensão de um efeito lícito. Quando não se
verifica nem a cobertura do pedido pelo sistema, nem a licitude do pedido
deve haver indeferimento liminar nos termos do art. 234.º-A/1, isto porque um
pedido ilícito e sem cobertura jurídica é um pedido sem viabilidade para
avançar, i.e., improcedente.
O pedido deve ainda ser certo, i.e., deve referir-se a um objecto
determinado e individualizado. Quando o pedido é completamente ininteligível
dá origem a uma excepção dilatória de nulidade de todo o processo
decorrente da ineptidão da petição inicial por verificação do disposto no art.
193.º/2, al. d). Caso a falta não seja tão grave que desencadeie esta nulidade
de todo o processo, o juiz deve exortar a parte a concretizar/explicitar o que
pretende que seja declarado como efeito naquela concreta acção.
b) Modalidades do pedido
O pedido pode ser único (quando se constituí por um só pedido) ou múltiplo
(quando há uma cumulação objectiva ou um concurso de objectos do
processo), certo (quando está determinado na sua espécie e quantidade) ou
genérico.103 Pode ainda ser total (abrangendo a totalidade do efeito ou da
103 Veja-se o art. 471.º do CPC quanto a este aspecto.
77
prestação) em oposição ao pedido parcial (que abrange só uma parte do
efeito ou da prestação).104
O autor pode também deduzir um pedido de prestação vincenda,
i.e., pedir a condenação da contraparte no cumprimento de uma prestação
que ainda não é exigível, tratando-se de uma condenação in futurum. O
pedido de prestações vincendas está previsto no art. 472.º, sendo também
permitido pelo art. 4.º/2, al. b).
1.2 – A causa de pedir
A causa de pedir deve ser aferida dos factos constitutivos da situação jurídica
invocada pela parte, i.e., os factos essenciais à procedência do pedido. Estes factos
essenciais são aqueles sem os quais o pedido não pode ser julgado procedente, por
oposição dos factos instrumentais105 que indiciam os factos essenciais.
A noção de causa de pedir é muito importante a vários níveis do processo.
Por exemplo, a defesa do réu reporta-se aos factos articulados pelo autor que
constituem a causa de pedir.
Quanto aos factos constitutivos da causa de pedir há que ter em conta que
eles valem independentemente da situação jurídica das partes, i.e., o tribunal não está
vinculado pela qualificação jurídica que as partes dão aos factos (art. 664.º). Por isso,
não obsta a invocação da mesma causa de pedir, pelas partes, mas no âmbito de
outra qualificação que não tenha sido objecto de apreciação.
Também é necessário referir que os factos constitutivos da causa de pedir
não correspondem a acontecimentos naturais.106 É por isso que, em regra, se tenta
definir a causa de pedir como um facto jurídico, afirmação que conhece base legal no
art. 498.º/4.
A causa de pedir está ainda temporalmente delimitada, i.e., refere-se a um
momento determinado. Se ocorrem factos em momentos diferentes, então, existirão
diferentes causas de pedir.
104 Em regra os pedidos parciais podem indicar uma de duas coisas: ou indiciam a desistência parcial do pedido nos termos do art. 293.º e 295.º do CPC ou então podem indicar uma litigância de má fé, na medida em que o autor poderá repartir o pedido por várias instâncias, deduzindo parte do pedido em cada uma delas. Neste caso, para o Prof. MTS haverá falta de interesse em agir, na medida em que o autor não estaria a escolher a via mais célere e mais eficaz (que seria não dividir o pedido).105 Também chamados de factos probatórios.106 Isto porque podem acontecer vários factos naturais que dão origem a uma única causa de pedir e, pelo contrário, também pode acontecer um único facto natural que dê origem a várias causas de pedir.
78
1.3 – Relações entre objectos processuais
Os objectos processuais podem estar relacionados entre si por identidade, concurso e
cumulação.
a) Relações de identidade
Nas relações de identidade pode existir a identidade total (quando há uma
coincidência entre a causa de pedir e o pedido. Correndo simultaneamente
duas acções com identidade total do objecto há uma situação de
litispendência; se a acção for interposto num momento posterior há uma
situação de caso julgado (art. 497.º e ss. quanto à litispendência e ao caso
julgado).
Pode ainda existir identidade parcial, dando origem a situações de
inclusão (quando o objecto da acção judicial posterior se inclui no âmbito de
uma acção anterior) ou de prejudicialidade (que se verifica quando o
julgamento de um objecto processual depende da apreciação de um outro).
Costumam distinguir-se duas situações diferentes nas situações de
prejudicialidade: situações em que há objectos diferenciados do mesmo
objecto processual, no mesmo processo e situações em que há objectos em
acções autónomas. Na primeira situação, a base legal é o art. 97.º:há uma
suspensão da acção até ao conhecimento dessa questão prejudicial que
poderá encontrar outros critérios noutro tribunal; na segunda situação, é
necessário recorrer ao art. 279.º, havendo a suspensão da instância da causa
dependente até ao julgamento da causa prejudicial. Existem, contudo, as
excepções previstas no art. 279.º/2: quando houver fundadas suspeitas de
que se colocou a causa prejudicial para se provocar o efeito suspensivo.
Importa ainda referir que a prejudicialidade pode ser homogénea
(quando se está no âmbito do processo civil) ou heterogénea (quando se
conjugar o processo civil com o processo administrativo, por exemplo).
b) Relações de concurso
79
Nas relações de concurso há vários objectos processuais mas são todos
relativos ao mesmo objecto jurídico.107 A maior parte destas relações serão de
alternatividade (qualquer das causas de pedir produz o mesmo efeito
jurídico).
c) Relações de cumulação
Este tipo de relação entre objectos processuais será largamento apreciado
infra relativamente à cumulação de pedidos.
2 – INADMISSIBILIDADE DO OBJECTO PROCESSUAL
Estando o objecto do processo dependente da causa de pedir e do pedido, a sua
correcta indicação é de suma importância.
2.1 – Ineptidão da petição inicial
Decorre do art. 193.º/2, al. a) em conjugação com o art. 193.º/1 que a falta ou
ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir dá origem à ineptidão da
petição inicial é à nulidade de todo o processo.
A petição inicial é também inepta quando o pedido esteja em contradição com
a causa de pedir (art. 193.º/2, al. b)108 e quando se cumulem causas de pedir ou
pedidos substancialmente incompatíveis, i.e., quando os diferentes efeitos práticos dos
pedidos se anulem entre si (art. 193.º/2, al. c).
A nulidade de todo o processo provocada pela ineptidão da petição inicial é
uma excepção dilatória nominada nos termos do art. 494.º, al. b), dando origem ao
indeferimento liminar da petição inicial nos termos do art. 234.º-A ou, se não houver
intervenção inicial do juiz, à absolvição do réu da instância no despacho saneador, nos
termos do art. 510.º, al. a)
3 – CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Na cumulação de pedidos existem vários objectos processuais mas também vários
efeitos jurídicos pretendidos. Os pressupostos processuais de cada um dos pedidos
terão de ser individualmente aferidos, i.e., cada pedido terá de ser analisado como se
107 As relações de concurso distinguem-se das relações de cumulação porque nestas temos, no mesmo processo, vários objectos processuais com diferentes efeitos jurídicos e nas relações de concurso há vários objectos processuais mas são todos relativos ao mesmo efeito jurídico.108 O que acontece quando, por exemplo, se invoca a nulidade do contrato e se pede o seu cumprimento.
80
de uma acção autónoma se tratasse, havendo excepções quanto ao valor da causa e
quanto à incompetência relativa.
a) Cumulação inicial e cumulação sucessiva
A cumulação inicial verifica-se desde o início da instância e é sempre feita
pelo autor. Já a cumulação sucessiva pode verifica-se na pendência da
instância, deduzida pelo autor ou pelo réu.
3.1 – Cumulação simples
A característica distintiva desta figura é que, nestes casos, o autor quer a procedência
simultânea de todos os pedidos formulados e quer a produção de efeitos de todos os
pedidos formulados. Para que se fale de verdadeira cumulação simples é necessário
que a cada um dos pedidos corresponde um efeito jurídico e uma utilidade económica
distinta.
A cumulação simples própria ou verdadeira está sujeita a uma série de
pressupostos para que a possamos distinguir de outras figuras como a cumulação
simples aparente.109 É necessário verificar se, quando o autor pede a procedência
simultânea de vários objectos, o que está em causa são efectivamente diferentes
efeitos jurídicos e diferentes utilidades económicas.
A regra geral relativa à cumulação simples é a facultatividade. O autor pode
escolher cumular ou não cumular os pedidos. Mas se esta é a regra geral, há
situações em que a lei impõe a cumulação, o que significa que se o autor não cumular
há preclusão do pedido que deveria ter sido cumulado e não o foi. Ou, não havendo
preclusão, há impossibilidade de conhecimento do objecto que a parte deduziu no
processo.110
a) Pressupostos processuais da cumulação simples (art. 470.º)
Dispõe o art. 470.º/1 que pode o autor deduzir cumulativamente contra o
mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não
109 Suponhamos que, numa determinada acção, o autor pede o reconhecimento da sua propriedade sobre determinada coisa e reivindica a posse dessa coisa para si. Neste caso não há utilidades económicas diferenciadas. Estes dois pedidos confundem-se quanto à sua utilidade económica e por isso não estamos perante uma cumulação simples verdadeira mas sim perante uma cumulação simples aparente.110 Um exemplo da primeira excepção é o art. 1792.º/2 do CC.
81
se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação.111 ão requisitos de
admissibilidade da cumulação simples:
1) Compatibilidade substantiva entre os pedidos
Os pedidos são substancialmente incompatíveis quando os efeitos
práticos da acção se anularem entre si (art. 193.º/2, al. c);
A falta de compatibilidade substantiva entre os dois pedidos
dá origem à ineptidão da petição inicial e à consequente nulidade de
todo o processo, que é uma excepção dilatória nominada que dá
origem à absolvição do réu da instância.112
2) Compatibilidade processual
O art. 470.º/1 remete para o regime da coligação, constante do art.
30.º e ss. O art. 31.º prevê obstáculos de natureza processual ao
dispor que a coligação não é admissível quando aos pedidos
correspondem formas de processo diferentes ou a cumulação possa
ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria
ou da hierarquia. Quer isto dizer que a compatibilidade processual se
desdobra na compatibilidade das formas de processo e na
competência absoluta do tribunal. Tem de haver a possibilidade
de tramitação conjunta dos dois pedidos.113 É necessário determinar
a competência absoluta do tribunal para cada um dos objectos
cumulados assim como a forma de processo aplicável a cada um.
Quando se verifica a falta de competência absoluta do
tribunal, ou o tribunal não é competente para nenhum dos objectos,
ou o tribunal é competente para um dos objectos ou para vários dos
objectos cumulados. Se o tribunal não for absolutamente competente
para nenhum dos objectos será de aplicar o regime da
111 A coligação é uma complexização da cumulação simples: vários autores contra um réu, um autor contra vários réus, vários autores contra vários réus. Distingue-se do litisconsórcio na medida em que não é obrigatória e a sua preterição não gere ilegitimidade e também porque na coligação há uma pluralidade de objectos no processo, sendo simultaneamente uma cumulação objectiva e uma cumulação subjectiva.112 Levantamos apenas a questão da admissibilidade da aplicação do regime do art. 31.º-A às situações de incompatibilidade substantiva entre os pedidos, a fim de aproveitar a instância.113 Podendo-se cumular o processo ordinário com o processo sumário e vice-versa e o processo sumário com o processo sumaríssimo mas nunca o processo ordinário com o processo sumaríssimo.
82
incompetência absoluta com a consequente absolvição do réu da
instância. Se o tribunal é absolutamente competente para algum dos
objectos cumulados mas não para outros, aplica-se o regime da
incompetência absoluta relativamente ao objecto para o qual não tem
competência absoluta, sendo o réu parcialmente absolvido da
instância, continuando o processo para os objectos para os quais o
tribunal tenha competência absoluta.
Já quanto à incompatibilidade das formas de processo, não
há regime legal definido. A Prof. APCS defende que é necessário
distinguir duas situações: quando é possível fazer seguir o processo
relativamente a um dos objectos, seguindo a forma que foi indicada
pelo autor, o processo deve seguir com esse objecto, havendo
absolvição do réu da instância relativamente ao outro objecto, que
não é susceptível de ter tramitação conjunta com o outro. Esta
absolvição faz-se com fundamento numa excepção dilatória
inominada, que é de conhecimento oficioso, aplicando-se o art.
495.º.
3.2 – Cumulação alternativa
Neste tipo de cumulação, tal como na cumulação simples, o autor requer a
procedência simultânea de todos os pedidos mas não a produção efectiva de efeitos
de todos os pedidos. O fundamento deste tipo de cumulação são, precisamente, as
obrigações alternativas previstas no art. 543.º do CC.
Assim, os pedidos alternativos são aqueles que têm na sua origem
obrigações alternativas. E como tal, o autor pede a procedência de todos
simultaneamente mas sabe antecipadamente que vai haver um momento de escolha e
que por isso não vai haver a produção dos efeitos práticos de todos. Se o autor não
tem direito a receber duplamente insto tem um efeito prático imediato sobre o valor da
causa, o que significa que a utilidade económica desta acção não resulta, como na
cumulação simples, da soma do valor económico de cada pedido mas sim do valor do
pedido que seja mais elevado (art. 306.º/1 do CPC).
O art. 468.º/1 dispõe que é permitido fazer pedidos alternativos, com relação
a direitos que por sua natureza ou origem sejam alternativos, ou que possam resolver-
83
se em alternativa. Assim, a alternatividade substantiva é condição sine quae non para
que a cumulação alternativa seja admissível.
a) Pressupostos processuais da cumulação alternativa
São dois os pressupostos de admissibilidade da cumulação alternativa: a
alternatividade substantiva e a compatibilidade processual.
1) Alternatividade substantiva
Nos moldes supra referidos.
Existem divergências doutrinárias quanto à falta de
alternatividade substantiva entre os pedidos. O Prof. MTS defende
que há ineptidão da petição inicial por via do art. 193.º/2, al. c) o que
implica a aplicação do regime da ineptidão da PI. Mas a Prof. APCS
considera que não é possível traçar uma analogia entre nesta
situação porque não há qualquer ponto de contacto entre a
impossibilidade de articulação prática dos efeitos dos pedidos e a
falta de uma fonte de alternatividade substantiva.
2) Compatibilidade processual
Que se traduz na competência absoluta do tribunal e na
compatibilidade das formas de processo. Não havendo
compatibilidade processual as consequências são as mesmas que
na falta de compatibilidade processual na cumulação simples.
3.3 – Cumulação subsidiária
A cumulação subsidiária pode ser própria ou imprópria. A cumulação subsidiária
própria traduz-se na cumulação de pedidos em alternativa, sendo o pedido subsidiária
apreciado apenas em caso de improcedência do pedido principal, i.e., o autor pede x
ou então y. Já na cumulação subsidiária imprópria, a parte deduz um pedido
principal e um pedido subsidiária a apreciar só em caso de procedência do pedido
principal, i.e., o autor pede x e depois y.
Os pressupostos da cumulação subsidiária imprópria, pela sua natureza,
decalcam-se sobre os da cumulação simples, enquanto que os pressupostos da
cumulação subsidiária própria se afastam.
84
a) Pressupostos processuais da cumulação subsidiária
O art. 469.º/2, 1.ª parte, diz-nos que a cumulação subsidiária não exige
compatibilidade substantiva entre os objectos cumulados, i.e., não requer a
concordância prática dos efeitos do objecto principal e do objecto subsidiário;
assim, estes podem ser contraditórios entre si.114
1) Compatibilidade processual
A cumulação subsidiária exige compatibilidade processual entre os
objectos cumulados, o que resulta do art. 469.º/2, 2.ª parte, que
remete para o art. 31.º, relativo à coligação.
Quando o tribunal não seja competente em termos de
competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia,
para conhecer um dos objectos a consequência é a absolvição do
réu da instância nos termos do art. 493.º/2 e do art. 288.º, al. d).
Havendo inadequação da forma de processo para um dos
pedidos há também absolvição da instância pela mesma via legal.
2) Conexão objectiva
Aparentemente do art. 469.º parece não decorrer a exigência de
qualquer conexão entre o pedido principal e o pedido subsidiário. No
entanto o art. 306.º/3 estabelece que o valor da acção em que é
formulada a cumulação subsidiária corresponde ao objecto principal,
é o valor do pedido principal e não se atende ao valor do pedido
subsidiário. Por isso, parece que não é razoável que não haja
qualquer conexão entre os dois pedidos, apesar desta não ser
expressamente exigida pelo art. 469.º, não aplicando os autores
analogicamente o art. 30.º, que é muito restritivo.
114 De notar que este pressuposto não é requerido pois, em última análise, só um dos pedidos é que vai ser considerado procedente. Nunca haverá uma sentença com efeitos contraditórios decorrentes dos dois pedidos porque nunca poderão ser os dois julgados procedentes. No entanto, parece-nos isto ser apenas aplicável à cumulação própria, já que contraria o princípio da cumulação imprópria de que o segundo pedido só será analisado no caso da procedência do primeiro. De qualquer maneira, parece-nos haver uma dissociação entre os dois pedidos que permite a sua contradição.
85
A Prof. APCS entende que não há necessidade de uma
aplicação analógica do art. 30.º/4, defendendo que este tem, sim,
aplicação directa porque é um princípio que subjaz à admissibilidade
da cumulação. Entende também que sempre que haja uma conexão
plausível dos dois objectos, fará sentido que seja admissível a
cumulação subsidiária mas também entende que a cumulação de
objectos que sejam totalmente desconexos pode gerar
inconvenientes na instrução, discussão e julgamento da causa e que
por isso o juiz pode recorrer ao art. 30.º/4 e separar o julgamento
destes vários objectos.
Mesmo que o objecto subsidiário seja apreciado apenas no
caso de improcedência, isso não impede que tenhamos que aferir
dos pressupostos processuais quanto ao objecto subsidiário logo
aquando da propositura da acção.
3.4 – Cumulação objectiva sucessiva
Há cumulação sucessiva quando ao objecto inicial da acção é cumulado um outro
objecto por iniciativa das partes. Esta cumulação sucessiva inclui todas as situações
em que durante a pendência da acção lhe é acrescentado um objecto processual. A
iniciativa pode ser do autor, do réu, ou de ambos.
No caso de cumulação sucessiva por iniciativa do autor, pode este apresentar
no regime da cumulação simples, alternativa ou subsidiária um outro objecto e pode
invocar, a par do objecto inicial, um outro objecto concorrente. Esta situação, que é de
facto a que se aproxima mais da cumulação inicial mas deferida no tempo é chamada
de cumulação sucessiva strictu sensu. Uma das circunstâncias que pode
determinar este tipo de cumulação é a superveniência de factos susceptíveis de
integrar uma causa de pedir, i.e., a ocorrência destes factos após o momentos normal
da sua invocação em juízo (superveniência objectiva) ou até ao conhecimento pela
parte após o momento em que os poderia alegar, de factos já ocorridos anteriormente
(superveniência subjectiva).115 No entanto, é de notar que é necessário que a parte
não tenha conhecimento dos factos e que este conhecimento não lhe seja imputável.
115 O art. 504.º/2 faz esta distinção entre superveniência objectiva e subjectiva. A primeira verifica-se quando os factos ainda não tinham ocorrido até ao momento em que a parte os podia alegar (i.e., até terminarem os articulados) e a segunda verifica-se quando os factos já tinham ocorrido até àquele momento mas a parte só teve conhecimento deles num momento posterior.
86
Também acontecer uma cumulação sucessiva em sentido estrito porque se pretende
apresentar um novo objecto mas agora baseado em factos anteriores à propositura da
acção e dos quais já se tinha conhecimento mas que não se tiverem em consideração
nos articulados.
A cumulação de um novo objecto baseado em factos supervenientes é
sempre admissível até ao encerramento da fase de discussão e julgamento através da
figura dos articulados supervenientes, nos termos do art. 506.º/1, al. c). Nas situações
em que já existe um objecto processual, em que o autor ou o réu tinha já
conhecimento desse facto e não o alegou, deverão ser analogicamente aplicados os
art. 272.º e 273.º, sendo necessário distinguir as situações em que há acordo (e
havendo acordo a cumulação é admissível em qualquer momento, salvo se entre o
objecto inicial e o objecto cumulado não houver qualquer conexão e o seu julgamento
conjunto venha perturbar a instrução, discussão e julgamento da causa) e as situações
em que não há acordo entre as partes.
Além destes pressupostos específicos, a cumulação sucessiva em sentido
estrito exige todos os pressupostos requeridos para a respectiva modalidade de
cumulação (simples, subsidiária ou alternativa).
O réu pode também aditar um objecto processual na pendência da acção
através da alegação de uma excepção peremptória ou deduzindo um pedido
reconvencional o que, em ambos os casos, implica a apresentação de um objecto
distinto daquele que foi alegado pelo autor. Na excepção peremptória é alegado um
facto impeditivo, modificativo ou extintivo do efeito jurídico pretendido pelo autor (art.
493.º/3), pelo que o tribunal vai ter de apreciar um objecto distinto daquele que foi
invocado por esta parte. A excepção peremptória implica uma cumulação objectiva
sucessiva porque o réu delimita um objecto distinto daquele que é alegado pelo autor e
cuja procedência impede a produção dos efeitos pretendidos pelo autor.
Finalmente, o art. 275.º/1 permite que qualquer uma das partes requeira a
apensação das acções que foram propostas separadamente quando entre elas se
verifiquem os pressupostos do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da
reconvenção.
4 – DEFESA POR IMPUGNAÇÃO E DEFESA POR EXCEPÇÃO
Nos termos do art. 487.º/1, na contestação cabe tanto a defesa por impugnação como
por excepção. E continua o n.º 2, dispondo que o réu defende-se por impugnação
87
quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos
não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por excepção
quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de
causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a
improcedência total ou parcial do pedido.
4.1 – Defesa por impugnação
Na defesa por impugnação o réu contradiz o facto articulado pelo autor na PI ou diz
que esse facto não pode produzir o efeito pretendido pelo autor, o que significa que na
defesa por impugnação todos a defesa do réu é estruturada e se move dentro do
âmbito do objecto que foi definido pelo autor. Portanto, ele não traz factos novos ao
processo, limita-se a movimentar no âmbito dos factos que o autor já trouxera.
4.2 – Defesa por excepção
A defesa por excepção, pelo contrário, traduz-se numa alegação de facto pelo réu que
pode obstar a que o tribunal aprecie o mérito da causa ou determinar a improcedência
total ou parcial do pedido.
Há que distinguir as excepções dilatórias das excepções peremptórias. As
primeiras são meramente processuais, enquanto que as excepções peremptórias são
materiais, resultam da invocação de factos novos.
Importa ainda referir que a procedência de uma excepção peremptória implica
a absolvição do réu do pedido.
a) Excepções peremptórias impeditivas
Factos agora trazidos à colação que impedem a constituição da situação
jurídica que o autor invoca.
b) Excepções peremptórias modificativas
Factos agora trazidos à colação que podem operar uma modificação do efeito
que o autor retira do direito que invoca.
Dentro desta modalidade encontramos excepções diferenciadas,
consoante a temporalidade do efeito que desencadeiam. Podem ser
88
excepções dilatórias/suspensivas116 ou puras (estas últimas, operando a
modificação permanente da situação jurídica invocada pelo autor).117
c) Excepções peremptórias extintivas
Factos agora trazidos à colação que pretendem operar a extinção da própria
situação jurídica que o autor se arroga ser titular contra o réu.
Quanto ao regime de conhecimento das excepções há que referir que as
excepções dilatórias são, regra geral, de conhecimento oficioso nos termos do art.
495.º. Já quanto às excepções peremptórias, a regra é inversa, o seu conhecimento
não é oficioso, estando na disponibilidade das partes. Exceptuando-se a excepção de
caso julgado (art. 496.º) e o abuso de direito por entendimento do STJ.
5 – RECONVENÇÃO
A reconvenção distingue-se das excepções peremptórias pois estas implicam
necessariamente, em caso de procedência, a absolvição do réu do pedido e a
reconvenção, por sua vez, implica, em caso de procedência, a condenação do autor
no pedido deduzido pelo réu.
A reconvenção é deduzida da contestação.
5.1 – Pressupostos de admissibilidade do pedido reconvencional
Para que a reconvenção seja admissível é necessário haver conexão objectiva e
compatibilidade processual. A reconvenção é uma excepção ao princípio da
estabilidade da instância previsto no art. 268.º do CPC.
1) Conexão objectiva
A conexão objectiva traduz-se na ligação entre o pedido do autor e o pedido
do réu. As situações em que há conexão objectiva entre os dois pedidos
estão previstas no art. 274.º/2: quando o pedido do réu emerge de facto
116 Recordamos que se está em sede de excepções peremptórias e estas excepções peremptórias dilatórias não se confundem com as excepções dilatórias processuais.117 Quanto a este tipo de excepções será necessário referir o caso específico da prescrição. A Prof. APCS ensina que a prescrição é uma excepção peremptória modificativa pura e não extintiva como tudo levaria a crer. Isto porque o art. 304.º/2 do CC dispõe que não pode ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita. Quer isto dizer que não há exigibilidade mas há um título válido para o dever de prestar o que significa que o direito não se extinguiu mas apenas convolou a sua natureza jurídica.
89
jurídico que serve de fundamentação à acção ou à defesa, quando o réu se
propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou a
despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida e quando o pedido do
réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor
se propõe obter.
Faltando esta conexão objectiva há uma excepção dilatória
inominada que provoca a absolvição do autor reconvindo da instância
reconvencional.
2) Compatibilidade processual
Também na reconvenção é exigida a compatibilidade das formas de
processo entre o pedido do autor e o pedido deduzido pelo réu (art. 274.º/3)
e a competência absoluta do tribunal. Quanto a isto, dispõe o art. 98.º/1
que o tribunal da acção é competente para as questões deduzidas por via de
reconvenção, desde que tenha competência para elas em razão da
nacionalidade, da matéria e da hierarquia; se a não tiver, é o reconvindo
absolvido da instância.
Assim, a falta de compatibilidade processual tem os mesmos efeitos
que a falta de conexão objectiva e conduz à absolvição do reconvindo da
instância reconvencional.118
5.2 – A reconvenção e a cumulação objectiva sucessiva
Pode acontecer que o pedido reconvencional deduzido pelo réu dependa da
procedência do pedido do autor, i.e., o réu pode deduzir um pedido reconvencional
que só possa ser procedente se for também procedente o pedido do autor. Esta é uma
situação de cumulação subsidiária imprópria superveniente porque só será
possível analisar o pedido do réu se for procedente o pedido do autor.
Mas também é possível que a procedência do pedido reconvencional
dependa da improcedência do pedido do autor. Esta é uma situação em que a
reconvenção dá origem a uma cumulação subsidiária própria superveniente.
118 É importante ter em consideração que face a um pedido reconvencional, a determinação da competência internacional não é feita pelo art. 65.º do CPC mas sim, na maioria das situações, pelo Regulamento CE n.º 44/2001.
90
É ainda possível que não haja nenhuma relação de dependência entre o
pedido do autor e o pedido do réu (o que não significa que não haja conexão). É este
um caso de cumulação simples superveniente.
6 – APRECIAÇÃO INCIDENTAL
A apreciação incidental está prevista no art. 96.º do CPC. O que está em causa é o
conhecimento de um pedido formulado por uma qualquer parte para que qualquer
incidente suscitado no processo como meio de defesa seja conhecido com força de
caso julgado material e possa ser invocada num futuro processo.
Esta matéria da apreciação incidental não deve ser confundida com a
apreciação dos incidentes. Incidentes não são questões incidentais, são questões
autónomas que são tramitadas autonomamente e conhecidas autonomamente no
processo (por exemplo, a verificação do valor da causa) Este conhecimento do
incidente não tem qualquer elação com o conhecimento incidental do art. 96.º/1.
7 – COLIGAÇÃO DE AUTORES E RÉUS
A coligação é a forma mais complexa que uma acção pode apresentar no momento
inicial porque implica necessariamente uma pluralidade subjectiva (dois objectos
processuais) e uma pluralidade subjectiva (duas pessoas ou mais nas diferentes
partes).
Dispõe o art. 30.º/1 que é permitida a coligação de autores contra um ou
vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos
diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos
estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência. São estes os
factores de conexão que determinam a admissibilidade da coligação.
a) Requisitos de admissibilidade da coligação
A coligação está sujeita a requisitos semelhantes aos exigidos para a
cumulação.
1) Conexão objectiva
É necessário verificar-se uma conexão entre os pedidos que são
deduzidos. A lei faz depender a admissibilidade da coligação da
existência de determinados tipos de relação entre os objectos que
91
estão na cumulação simples. Esta conexão objectiva está prevista no
art. 30.º/1 do CPC. A conexão está assegurada nas situações de
identidade da causa de pedir e quando há uma relação de
dependência ou de prejudicialidade entre os dois pedidos.
A coligação é ainda lícita, nos termos do art. 30.º/2, quando
sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos
principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos
factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito
ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
A falta de conexão objectiva constitui uma excepção
dilatória nominada (art. 494.º, al. f) que implicaria a absolvição do réu
da instância. No entanto, esta excepção é sanável por via do art.
31.º-A que dispõe que ocorrendo coligação sem que entre os
pedidos exista a conexão exigida pelo art. 30.º, o juiz notificará o
autor para, no prazo fixado, indicar qual o pedido que pretende ver
apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, o réu (os
réus) ser absolvido da instância quanto a todos eles.
2) Compatibilidade processual
São obstáculos de natureza processual os previstos no art. 31.º. e
que, à semelhança da cumulação, se traduzem na competência
absoluta do tribunal e na compatibilidade das formas de
processo.
Relativamente à impossibilidade de tramitar conjuntamente
os vários objectos, coloca-se o mesmo problema que em relação à
cumulação simples. Se para um pedido é aplicável uma determinada
forma de processo e para outro pedido uma outra forma
completamente diferente e incompatível, não é possível tramitar os
dois pedidos conjuntamente. Assim, o tribunal pode aplicar o art.
31.º-A por analogia.
Quanto à competência absoluta, o tribunal terá de ser
competente em razão da matéria, da hierarquia e da competência
internacional para todos os pedidos. Se o não for, relativamente aos
pedidos para os quais não o é, deve aplicar-se o regime da
92
incompetência absoluta sendo o réu absolvido da instância quanto
àquele pedido, uma vez que não é possível sanar esta excepção.
8 – INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NA ACÇÃO
Autor e réu são partes originárias. Todos os outros que não são parte nessa causa
apresentam-se como terceiros. O caso julgado é subjectivamente determinado pelas
partes na causa, vinculando apenas autor e réu. Mas pode acontecer que haja um
terceiro exterior à acção que tenha interesse em pode invocar o caso julgado que se
forma nessa acção. Ele pode, então, intervir tanto do lado do autor como do lado do
réu, ou numa posição de subordinação relativamente ao autor ou relativamente ao réu.
As intervenções de terceiros estão reguladas no art. 320.º e ss e são
incidentes de instância e assim sendo serão de se lhes aplicar as regras dos art. 302.º
a 304.º do CPC.
Porque uma intervenção de terceiro é uma excepção ao princípio da
estabilidade da instância é necessário saber quais são as circunstâncias em que a lei
admite estas intervenções.
a) Requisitos de admissibilidade da intervenção de terceiros
Tanto na intervenção principal provocada como na espontânea a lei exige que
o terceiro venha à acção para defender um direito próprio, i.e., uma situação
jurídica própria que lhe permita coligar-se com o autor ou réu ou ser
litisconsorte com o autor ou réu. Portanto, a lei exige uma conexão forte entre
a situação jurídica do terceiro que intervém. Isto resulta com muita clareza
dos art. 320.º e 325.º do CPC.
8.1 – Intervenção espontânea
No caso em que o terceiro toma a iniciativa de se colocar ao lado do autor ou do réu
ou em subordinação do autor ou do réu há intervenção espontânea de terceiro. O
interesse que motiva o terceiro é o de poder invocar os efeitos do caso julgado,
passando a ser parte principal ou acessória na acção.
8.2 – Intervenção provocada
Também pode acontecer que as partes originárias tenham interesse em chamar
alguém que está de fora à acção para que este terceiro se coloque ao seu lado ou ao
93
lado da contraparte, como parte principal ou em subordinação (como parte acessória),
de modo a que possa invocar o caso julgado contra esse terceiro. Nos casos em que
são as partes da causa que, por sua iniciativa, chamam o terceiro a intervir na acção,
seja como parte principal activa, parte principal passiva, parte acessória activa ou
parte acessória passiva falamos de intervenção de terceiro provocada.
8.3 – Oposição de terceiro
A oposição é um incidente de intervenção principal. Neste caso, passa-se a ter uma
situação processual triangular entre o autor e o réu e o terceiro que se opõe ao autor e
ao réu.
a) Oposição através de embargos de terceiro
A figura dos embargos de terceiro é uma espécie de oposição de terceiro. É
uma oposição feita por um terceiro que não quer constituir-se como parte na
instância. Os embargos de terceiro servem para uma situação muito
particular: servem para aquele que tem um direito real de gozo sobre uma
coisa poder reagir contra uma diligência judicial que interfere com esse seu
direito real de gozo (art. 351.º do CPC).
VII – COMPOSIÇÃO DA ACÇÃO
Entende-se por composição da acção o resultado final que permite pôr termo a um
determinado processo. Uma acção pode compor-se através de negócio processual,
através da revelia do réu e, o mais comum, através de uma decisão judicial.
Pode haver ainda uma composição meramente provisória da acção proferida
em sede de um procedimento cautelar que se pode verificar em determinadas
situações, que serão infra desenvolvidas.
94
1 – NEGÓCIOS PROCESSUAIS
Os negócios processuais são negócios jurídicos que repercutem efeitos de natureza
processual, i.e., através destes negócios assistimos à produção de efeitos sobre
situações jurídico-processuais, o que não significa que, para além da produção de
efeitos processuais, o negócio processual não possa também desencadear efeitos
substantivos. Contudo, a produção de efeitos de natureza processual119 é sua
característica distintiva.
Os negócios processuais podem ser unilaterais ou bilaterais. Sendo
unilaterais, são negócios processuais em sentido estrito, e sendo bilaterais são
contratos processuais.
Os negócios processuais estão sujeitos ao princípio da tipicidade e, para além
dos já referidos pactos de jurisdição e pactos de competência, encontramos no nosso
sistema processual a desistência, a confissão e a transacção.
1.1 – Desistência
A desistência da instância é um negócio processual unilateral através do qual o autor
renuncia ao proferimento de uma decisão de mérito. Esta renúncia ao proferimento de
uma decisão de mérito não implica qualquer tomada de posição do autor quanto à
situação substantiva. O seu efeito é a extinção da acção. Esta afirmação infere-se do
art. 295.º do CPC. Este preceito dispõe, no seu n.º 2, que a desistência da instância
apenas faz cessar o processo que se instaurara.
Nesta situação é necessário tutelar os interesses do réu, o que é feito no art.
296.º ao impor que a desistência da instância depende da aceitação do réu, desde que
seja requerida depois do oferecimento da contestação. Antes da contestação não é
necessária a autorização do réu, uma vez que este ainda não teve qualquer
intervenção no processo.120
Figura semelhante é a da desistência do pedido que, nos termos do art.
295.º/1 extingue o direito121 que se pretendia fazer valer. O Prof. MTS entende que a
119 Como a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica processual.120 A questão coloca-se nestes termos: será necessária autorização do réu apenas após a apresentação da contestação ou já após a sua citação? É que sendo citado, o réu é chamado à acção (para além de outros efeitos que a citação possa ter).121 A Prof. APCS faz notar que a desistência do pedido opera não directamente a extinção do direito substantivo que o autor alegara contra o réu (porque a única coisa que se sabe é que ele se arrogara desse direito mas não se sabe se o direito efectivamente existe ou não) mas sim a extinção do direito de acção relativamente àquele concreta situação jurídica.
95
desistência do pedido implica por parte do autor o reconhecimento da falência dos
fundamentos da sua situação jurídica. Já a Prof. APCS defende que a causa não
releva, i.e., estamos a falar de um negócio onde não nos interessa saber qual é a
razão pela qual o autor desiste, e portanto, desistindo o autor não tem de haver
necessariamente uma sindicância de causa.
A desistência do pedido é livre e pode acontecer em qualquer altura e pode
ser total ou parcial (art. 293.º/1). Ainda, nos termos do art. 296.º/2 não prejudica a
reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional seja dependente do formulado
pelo autor.
1.2 – Confissão
A confissão do pedido é um negócio unilateral através do qual o réu aceita a
produção dos efeitos substantivos que o autor visava atingir através da pronúncia
judicial. A Prof. APCS está em desacordo com o pensamento do Prof. MTS quando
este afirma expressamente que o réu que aceita o pedido é o réu que aceita o
fundamento da pretensão do autor. Mas para a Prof., à semelhança da desistência do
pedido, também aqui não releva a causa da confissão mas sim a confissão em si.
À semelhança da desistência do pedido, também a confissão do pedido pode
ser total ou parcial. Opera a extinção da instância por via do art. 287.º, al. d) mas é
necessário chamar à colação o disposto no art. 294.º: a confissão modifica o pedido ou
faz cessar a causa nos precisos termos em que se efectue.
O Prof. MTS ensina ainda que a confissão do pedido pode ser simples ou complexa. A
confissão simples é aquele em que o réu se limita a confessar o pedido e, como tal,
a dizer que aceita que se produzam imediatamente os efeitos que o autor queria que a
decisão judicial proferissse. Na confissão complexa o réu, se aceita a produção dos
efeitos substantivos, opõem-lhes um contra efeito, nas palavras do Prof. Quer o Prof.
com isto dizer que quem aceita a confissão (o autor) tem de a aceitar integralmente,
com o que o favorece e com o que o desfavorece.
O Prof. MTS faz a analogia entre a regra da indivisibilidade da confissão dos
factos e a confissão do pedido complexa e diz que a solução que encontramos para a
confissão complexa de factos tem de ser transportada para a confissão do pedido, o
que significa que a aceitação que o réu faz do pedido do autor só produz efeitos
quando o autor reconhecer os factos. A Prof. APCS está em total desacordo com esta
posição.
96
1.3 – Transacção
A transacção é o contrato típico e nominado, estando prevista e regulada
essencialmente nos art. 1248.º e ss. do CC. A transacção consiste na celebração de
um contrato entre duas pessoas onde elas previnem ou terminam um litígio mediante
recíprocas concessões, podendo ser celebrada dentro ou fora do processo.122
Se a transacção é celebrada no próprio processo o tribunal conhece-a
necessariamente. Se a transacção é extrajudicial, tem de ser invocada no processo
para poder produzir os seus efeitos.
1.4 – Os negócios processuais e o litisconsórcio
Esta matéria está expressamente regulada no art. 298.º que dispõe que no caso de
litisconsórcio voluntário, é livre a confissão, desistência e transacção individual,
limitada ao interesse de cada um na causa. No caso de litisconsórcio necessário, a
confissão, desistência ou transacção de algum dos litisconsortes só produz efeitos
quanto a custas.
Numa posição partilhada com o Prof. MTS, a Prof. APCS ensina que o que
está aqui em causa é a matéria do litisconsórcio unitário e do litisconsórcio simples, ou
seja, o que está em causa é saber se a decisão ou se a composição só pode ser uma
para todos os que estão na causa.123
1.5 – Condições de validade dos negócios processuais
Porque estamos a falar de negócios jurídicos são aplicáveis aos negócios processuais
todas as disposições relativas à matéria da vontade e todos os pressupostos dos quais
o direito substantivo faz depender a validade de um acto de autonomia privada.
Quanto ao objecto há uma particularidade. Dispõe o art. 299.º/1 do CPC que
não é permitida a confissão, desistência ou transacção que importe a afirmação da
vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis, fazendo-se, contudo,
algumas excepções quanto ao estado das pessoas no n.º 2 do mesmo preceito. A
regra é simples: se a autonomia privada não pode repercutir determinados efeitos
extraprocessuais também não os pode repercutir processualmente.
122 De notar que as partes podem prevenir o litígio.123 Não fizemos qualquer referência quanto a esta modalidade de litisconsórcio quanto ao conteúdo da decisão. Contudo, importa agora referi-lo: no litisconsórcio simples a decisão pode ser distinta para cada um dos litisconsortes. Já no litisconsórcio unitário a decisão é unitária para todos os litisconsortes.
97
É necessária legitimidade substantiva para a celebração dos negócios
processuais. (com excepção da desistência da instância) porque o que está aqui em
causa é atingir a situação substantiva subjacente ao processo. Assim, a legitimidade
que é requerida para os negócios processuais é uma legitimidade moldada pelos
critérios do direito substantivo e não a legitimidade do CPC.
Os negócios processuais não produzem automaticamente o efeito de terminar
a instância. É necessário o proferimento de uma decisão homologatória do negócio
celebrado (art. 300.º/3). Tomando conhecimento do negócio, o tribunal verifica a
legitimidade dos intervenientes e examina pelo seu objecto e pela qualidade dos
intervenientes se a confissão, desistência ou transacção é válida.
1.6 – Impugnação dos negócios processuais
Há uma tripla via para a impugnação dos negócios processuais. Estes podem ser
impugnados através de uma acção autónoma de impugnação do negócio; através da
oposição à execução (art. 814.º, al. h) e no âmbito do recurso extraordinário de revisão
(art. 771.º, al. d).
2 – COMPOSIÇÃO PROVISÓRIA DA ACÇÃO
Esta matéria não será desenvolvida neste estudo. Remetemo-nos para o manual do
Prof. MTS, Estudos sobre o novo processo civil.
3 – REVELIA
O termo revelia indica a existência de uma abstenção de contestação, i.e., a omissão
de um acto processual que cabe ao réu.
Quanto à intervenção do réu no processo, a revelia pode ser absoluta ou
relativa. Quanto aos efeitos que a revelia tem no processo, esta pode ser operante ou
inoperante.
3.1 – Revelia absoluta
Regulada pelo art. 483.º, há revelia absoluta quando o réu não pratica qualquer acto
processual. Dispõe este preceito que se o réu, além de não deduzir qualquer oposição,
não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, verificará o
98
tribunal se a citação foi feita com as formalidades legais e mandá-la-á repetir quando
encontre irregularidades.
3.2 – Revelia relativa
Numa situação de revelia relativa, o réu é citado, não deduz contestação mas faz outro
tipo de intervenção, que pode ser meramente formal, como a constituição de
mandatário judicial. Este exemplo de revelia relativa é dado pelo legislador no art.
484.º/1, 1.ª parte.
3.3 – Revelia operante e revelia inoperante
A revelia operante é a revelia que produz efeitos quanto à composição da acção.
Quanto a este efeito, dispõe o art. 484.,º/1, 2.ª parte: consideram-se confessados os
factos articulados pelo autor, o que poderá implicar, em sede de composição da acção,
uma sentença desfavorável ao réu.
Se o réu não contesta, tendo esse ónus, tem a desvantagem de se considerar
admitido por acordo tudo o que o autor alegou. Esta situação nem sempre se pode
verificar. São os casos de revelia inoperante, ou seja, os casos em que este efeito
não existe, que são os casos previstos no art. 485.º.
O procedimento é o seguinte: se a situação do réu não se subsumir em
nenhuma das alíneas do art. 485.º, é de concluir que se trata de uma revelia operante,
nos termos do art. 484.º/1, in fine.
a) Consideração dos factos articulados pelo autor como confessados
Muito embora o Prof. MTS não se pronuncie sobre este assunto, alguma
parte da doutrina tem vindo a entender que não se deveria dizer que se
consideram confessados os factos articulados pelo autor porque não se trata
propriamente de uma confissão porque o réu nada diz. Seria antes uma
admissão por acordo dos factos articulados pelo autor, pensamento que é
transmitido pelo próprio art. 490.º/2 do CPC.
A Prof. APCS considera que há identidade terminológica entre os
preceitos. Além disso, no art. 490.º há o oferecimento da contestação e nas
situações de revelia não.
99
4 – DECISÃO JUDICIAL
Em termos genéricos, a decisão judicial é o acto do tribunal no qual se julga a matéria.
Este acto processual que exprime o exercício do poder jurisdicional do tribunal tem
como elementos essenciais a fundamentação e a conclusão (art. 659.º).
4.1 – Sentenças e despachos (art. 156.º)
As sentenças são, em regra, decisões sobre o mérito da causa, sobre incidentes ou
questões processuais. Os despachos são decisões, à partida, sobre aspectos
processuais, muito embora seja possível, excepcionalmente,124 versar sobre a matéria
do mérito da causa, podendo deles recorrer-se em sede de recurso de apelação.
Os acórdãos são decisões dos tribunais colectivos.
Há ainda que considerar os despachos de mero expediente, que são
aqueles que incidem sobre aspectos burocráticos, se possível feitos oralmente e o
mais rapidamente possível125 e os despachos discricionários, cujo conteúdo é
determinado pelo prudente arbítrio do julgador126. Quer o despacho de expediente, que
o despacho discricionário não são passíveis de reclamação nem de recurso nos
termos do art. 679.º e do art. 700.º/3 do CPC.
4.2 – Efeitos da decisão
O efeito principal da prática deste acto processual pelo juiz é o esgotamento do poder
jurisdicional (art. 666.º/1). Este efeito de esgotamento significa que o tribunal não se
pode voltar a pronunciar sobre as matérias sobre as quais já se pronunciou, i.e., a
instância que se pronunciou sobre uma determinada matéria vê esgotado o seu poder
para voltar a pronunciar-se sobre essa matéria. Este esgotamento do poder
jurisdicional respeita exclusivamente ao decisor que praticou o acto em causa.
124 A nosso ver, os despachos de mérito não são, actualmente, assim tão excepcionais. Basta pensar no caso do despacho saneador de mérito.125 Como por exemplo o despacho que marca o dia da audiência.126 Um exemplo de um despacho discricionário é aquele que o juiz profere quando manda dividir processos em sede do art. 31.º/4.
100
VIII – RECURSOS
Esgotado o poder jurisdicional, nos termos do art. 666.º/1, é, contudo, lícito ao juiz
rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e
reformá-la nos termos do art. 667.º e ss. (art. 666.º/2).
O juiz pode ainda suprir as nulidades de que a sentença padeça.
1 – NULIDADES DA SENTENÇA
O art. 668.º prevê as causas de nulidade específica da sentença.127 São causas de
nulidade da sentença, nos termos deste preceito, a falta de assinatura do juiz, a falta
127 Que não se confundem com as nulidades secundárias do art. 201.º do CPC.
101
de fundamentação, a contradição entre os fundamentos e a própria decisão e a
omissão ou o excesso de pronúncia.
a) Outros vícios da decisão
A decisão pode padecer ainda de ilegalidade, quando no entender da parte, a solução
ditada pelo tribunal não é a solução imposta pelo ordenamento, vício este que se faz
valer exclusivamente através de recurso.
A par da invalidade, a ilegalidade constitui uma patologia excepcional da
decisão. Poder-se-á ainda admitir a inexistência da própria decisão, e uma decisão
diz-se inexistente quando não há poder jurisdicional que a suporte. A Prof. APCS
ensina que podemos aceitar a posição do Prof. MTS que defende que é possível a
propositura de uma acção de simples apreciação para a declaração de inexistência da
sentença. Mas a Prof. defende ainda que sempre que a parte pretenda retirar algum
efeito da sentença inexistente, a contraparte pode opor-lhe essa inexistência uma vez
que esta não tem de ser expressamente reconhecida (por exemplo, através de uma
acção de simples apreciação negativa) e pode ser conhecida em qualquer
circunstância em que a parte pretenda valer-se da sentença inexistente.
b) Recursos
Quando a decisão é ilegal, o meio de impugnação é o recurso. Quando haja uma
nulidade, mas a decisão for susceptível de recurso, a invalidade adere ao próprio
recurso. Isto significa que o meio por excelência de impugnação das decisões são
os recursos. Estes são os actos através dos quais a parte requer a um tribunal
superior a apreciação de um acto praticado por um tribunal inferior.128 Esta afirmação
resulta do art. 676.º/1 do CPC.129
2 – TIPOS DE RECURSO
Dispõe o art. 676.º/2 que os recursos são ordinários ou extraordinários: são ordinários
a apelação, a revista e o agravo; são extraordinários a revisão e a oposição de
terceiro. O que distingue os recursos ordinários dos recursos extraordinários é a
existência ou não existência de trânsito em julgado da decisão que se está a
impugnar. Se a decisão que se está a impugnar ainda não transitou em julgado o meio
128 O tribunal que pratica o acto é o tribunal a quo e o tribunal de recurso é o tribunal a quem.129 As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.
102
de impugnação que cabe é o recurso ordinário; de notar que a decisão transitada em
julgado é, regra geral, insusceptível de recurso, i.e., o recurso extraordinário só é
admissível em situações expressamente previstas por lei, que são muito restritas e
têm sempre na sua origem uma injustiça aparente e manifesta da decisão proferida,
estando em causa dois valores em confronto: a segurança jurídica por um lado e a
justiça, por outro.130
2.1 – Recurso ordinário de apelação
A apelação está prevista no art. 691.º do CPC. É o recurso mais usado para impugnar
as decisões de mérito, i.e., os actos processuais finais.
2.2 – Recurso ordinário de agravo (de primeira e de segunda)
O agravo de primeira131 está previsto no art. 773.º. Neste tipo de recurso podem estar
em causa decisões finais ou decisões interlocutórias. A decisão final é susceptível de
agravo, e não de apelação, nas situações em que o tribunal, no fim do processo,
profere uma decisão formal. Também a decisão entre a revista e o agravo de
segunda é feita com base neste critério.
2.3 – Recurso ordinário de revista
Segundo o disposto no art. 721.º, se o tribunal da Relação se pronunciou sobre o
mérito da causa, desta decisão cabe recurso de revista. Caso contrário, se se
pronunciou sobre uma questão formal, cabe o agravo de segunda, conforme foi já
supra referido (art. 724.º).
3 – REGIME
Existem pressupostos gerais e pressupostos especiais e dentro destes, pressupostos
objectivos (i.e., quais são as decisões que admitem recurso, uma vez que o objecto do
recurso é a decisão) e pressupostos subjectivos.
130 Muito mais se poderia dizer quanto aos recursos extraordinários. Remetemo-nos para as aulas teóricas da Prof. APCS que serviram de base a este estudo, em especial a aula de 14/04/2005.131 O agravo de primeira é o tribunal de 1.ª instância para a Relação. Já o agravo de segunda é do agravo interposto da Relação para o STJ.
103
3.1 – Regra da sucumbência
Nos termos do art. 678.º/1 só é admissível recurso ordinário nas causas de valor
superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas
sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada
desse tribunal.
Quer isto dizer que, para que se possa recorrer, o valor da acção sobre a qual
foi proferida a decisão a recorrer, seja superior à alçada do tribunal que a julgou. Mas
a lei, com a reforma intercalar, introduziu ainda a regra da sucumbência plasmada no
art. 678.º/1. Segundo esta regra é necessário que o valor da sucumbência seja igual
ou superior a metade do valor da alçada.132
3.2 – Recorribilidade genérica e concreta da decisão
A decisão tem de ser concretamente recorrível. Quer isto dizer que, para que se
possa recorrer, não é possível ter-se renunciado ao direito de recorrer. Isto porque é
possível renunciar ao recurso ordinário.
Esta renúncia é, nos termos do art. 681.º, uma renúncia que pode resultar de
comportamentos concludentes, i.e., não tem de resultar de declaração expressa.
3.3 – Tempestividade do recurso
O recurso tem de ser tempestivo, sob pena de caducidade do direito ao recurso. Esta
regra está prevista no art. 685.º/1 que nos diz que o prazo para a interposição de
recurso é de 10 dias (corridos) a contar da notificação da decisão.
3.4 – Fundamentação do recurso
Quando se interpõe recurso não é necessário alegar os fundamentos do recurso. A
interposição de recurso é feita em requerimento simples e só depois é aberto prazo
para as alegações e fundamentações.
3.5 – Legitimidade para recorrer
132 Ou seja, se o autor pede € 10.000 e só consegue ver o seu pedido aceite em € 5.000, tem direito a recurso pois sucumbiu em valor superior à metade da alçada da 1.ª instância (cerca de € 1.500).
104
Tem legitimidade para recorrer a parte que foi vencida. A parte vencida é aquela que
não obteve a melhor decisão possível para o seu caso concreto.133
Quando ambas as partes são vencidas, ambas têm legitimidade para interpor
recurso autónomo. Nesta situação fala-se de recursos independentes. Mas pode
também acontecer que a parte que tem legitimidade para recorrer aguarde pela
interposição de recurso pela parte contrária para então tomar a iniciativa de recorrer.
Poderá, então, interpor recurso independente para ampliar o objecto do recurso
referindo que também ela é parte vencida. Este é uma recurso subordinado.
Esta distinção tem especial relevância quanto aos prazos de interposição.
Dois recursos independentes tem de ser interpostos dentro do prazo de 10 dias. O
recurso subordinado implica que a primeira parte tem 10 dias para interpor recurso e a
outra terá o prazo a contar do momento em que sabe que foi interposto recurso pela
primeira (art. 682.º/2).
3.6 – Pressupostos especiais
a) Competência decisória do recurso
Não podemos confundir a competência para verificar admissibilidade do
recurso (exercida nos termos do art. 687.º/3, em primeiro lugar pela instância
que proferiu a decisão impugnada) com a competência para julgar o próprio
recurso. A competência decisória do recurso é do tribunal ao qual o tribunal a
quo está hierarquicamente submetido.
b) Patrocínio judiciário
É um pressuposto que tem de estar sempre verificado em instância de
recurso, segundo o disposto no art. 32.º/1, al. c).
c) Objecto do recurso
O fundamento específico é a ilegalidade da decisão. O tribunal de recurso vai
apenas verificar se a decisão proferida é uma decisão legal ou ilegal, o que
tem efeito imediato., querendo isto dizer que o nosso sistema de recursos
segue um modelo de reponderação.
133 De notar que o réu absolvido da instância pode também ser parte vencida por não ver a sua situação definitivamente regulada.
105
3.7 – Tramitação do processo de recurso
O processo de recurso inicia-se pela entrega de requerimento de interposição de
recurso (art. 687.º). Se o recurso não foi aceite, a parte tem o poder de reclamar da
decisão que recusa o recurso. Esta reclamação, muito embora tenha este nome, não é
dirigida ao juiz que profere o despacho mas controlada, nos termos do art. 688.º/2,
pelo presidente do tribunal superior.
N.B.: Mais se remete quanto a esta matéria para a aula teórica leccionada no dia
21/04/2005 pela Prof. APCS.
IX – A PROVA
A prova destina-se a criar a convicção no espírito do julgador de que a versão de facto
que é apresentada tanto por uma, como pela outra das partes, coincide com a
realidade. E portanto, no fundo, a prova é uma típica actividade de persuasão do
tribunal.
Quando se fala em factos, fala-se em factos com relevância jurídica, que é
precisamente o facto destes fazerem desencadear o efeito que uma e outra parte
pretenda retirar. Como os factos não são factos neutros do ponto de vista normativo, a
prova ainda se destina a criar a convicção no julgador quanto a uma outra coisa que é
a da específica relevância jurídica que aqueles concretos factos têm.
106
1 – OBJECTO DA PROVA
O objecto directo/imediato da prova são os factos, que são acontecimentos, eventos.
Quer isto dizer que não há não-factos, mas apenas factos, acontecimentos. Estes
acontecimentos podem pertencer a uma esfera do mundo exterior mas também são
factos para efeitos probatórios, os factos do mundo interior no sentido do mundo
sensorial do indivíduo. Portanto, também é susceptível de constituir objecto de prova,
enquanto facto, aquilo que o sujeito apreende ou compreende em determinada
situação da vida.
a) Factos relevantes
Estes factos interessam não apenas enquanto realidades do mundo exterior
ou enquanto realidades do mundo interior. Eles interessam-nos em ligação
com aquele segundo nível de criação de convicção do tribunal de que esses
factos têm efectivamente relevância para o direito.
Os factos que nos interessam e que serão os factos que vão ser
concretamente objecto de prova num processo não são todos os factos, como
é evidente. O objecto da prova em concreto há-de ser constituído por aqueles
factos que podem, num raciocínio por analogia, identificar-se com os
elementos do tipo ou dos tipos a que a parte recorre para deduzir a sua
pretensão.
O que vai ser objecto de prova não são todos os factos mas são
aqueles factos que por um raciocínio de analogia se reconduzam a elementos
do tipo do qual a parte faz decorrer a sua pretensão. E portanto só lhe
interessa fazer prova e só interessa ao tribunal que seja feita prova da
concreta relevância jurídica dos factos invocados. E portanto, só lhe interessa
os factos que podem ter aquela específica relevância jurídica.
Os factos alegados no processo que não interessam, não vão ser
objecto de instrução, nos termos do art. 508.º-A/1, al. e).
b) Factos que integram elementos do tipo e verificação do
preenchimento do tipo
À parte cabe fazer prova dos elementos que fazem funcionar o tipo mas não é
a parte que vai decidir se os factos por ela alegados e que eventualmente
107
possam ou não preencher o tipo, fazem desencadear necessariamente as
consequências daquele tipo.
Esta aferição da efectiva recondução daqueles factos que foram
objecto de prova ao tipo que faz desencadear aquele efeito que aparece
sobre a forma de pretensão no processo depende de um racioncínio
silogístico que compete ao tribunal.
c) Elementos normativos do tipo
Uma outra zona que é objecto lícito de prova é a da prova que recai sobre
elementos normativos do tipo. A prova relativa à existência, por exemplo, de
um determinado padrão como sendo o padrão dos bons costumes, é uma
prova que incumbe às partes. Portanto, também os elementos normativos do
tipo devem ser provados pela parte. Ao tribunal incumbe depois saber se
efectivamente aquele caso concreto se reconduz ou não àquele padrão
valorativo e, a partir daí, dizer se se desencadeiam ou não os efeitos que
estão previstos no tipo.
d) Constituição ou não constituição de prova: máximas de experiência
Relativamente às máximas de experiência comum funciona um tipo de
prova muito importante que são as presunções judiciais, i.e., as regras que
resultam da experiência comum da acção do Homem são máximas que o
próprio tribunal conhece e se o tribunal conhece directamente destas regras
de experiência da acção comum do Homem independentemente de qualquer
impulso das pessoas, isto significa que esta matéria não tem
necessariamente que ser provada pelas partes no processo.
Mas é também evidente que a máxima de experiência não conduz a
uma regra absoluta, e é sempre susceptível de prova em contrário.
Já quanto aos factos que devam ser provados, ou que só possam
ser provados, através de máximas de experiência “científica” é necessária
a sua prova através da prova pericial, não estando a parte dispensada de
provar e o tribunal não tem de aceitar necessariamente a conclusão do perito,
i.e., a opinião relativa à vigência de uma máxima de experiência dada por um
perito ao tribunal não vincula o tribunal a aceitar que efectivamente, naquele
caso concreto, se deve aplicar aquela máxima de experiência, ou mesmo que
108
aquela situação em concreto se reconduza efectivamente àquela máxima de
experiência.
2 – ÓNUS DA PROVA
A prova, além de ser uma actividade de persuasão do tribunal é, obviamente, uma
actividade informativa do tribunal.
Em princípio, tal como em relação ao objecto do processo, a prova está
sujeita ao princípio do dispositivo: incumbe às partes porque elas é que estão
interessadas em convencer o tribunal de que os factos são daquela maneira e não de
outra.134 A justa composição do litígio pode impor, ainda, que o tribunal proceda a
actividades instrutórias (art. 265.º/3).
Temos, portanto, um sistema misto: a prova aparece no processo tanto por
impulso das partes como por iniciativa do tribunal.
3 – TIPOS DE PROVA
N.B.: Quanto à restante matéria remetemo-nos novamente para as aulas leccionadas
pela Prof. APCS e pelas suas assistentes, as mestras Sofia Henriques e Paula Meira
Lourenço, de 28/04/2005 a 15/05/2005.
ÍNDICE
ÍNDICE DE MATÉRIAS ……………………………………………………………………. 3
I – INTRODUÇÃO GERAL: TRAMITAÇÃO ……………………………………………. 5
1 – Tipos e formas de processo e tipologia da acção ………................................ 5
2 – A petição inicial
2.1 – O pedido e a causa de pedir …………………………………………………………6
2.2 – Aceitação da PI e início da instância ……………………………………………. 6
2.3 – Recusa da PI pela secretaria judicial ……………………………………………. 6
2.4 – Indeferimento liminar ……………………………………………………………………. 6
3 – Citação do réu ……………………………………………………………………………...... 7
4 – A contestação ………………………………………………………………………………... 7
5 – A réplica ………………………………………………………………………………... 8
6 – A tréplica ………………………………………………………………………………... 8
7 – O despacho pré-saneador/despacho de aperfeiçoamento dos articulados ............ 8
134 De notar que se o objectivo do processo é conseguir a justa composição do litígio, pode esta ser conseguida através de provas trazidas por qualquer parte ao processo e não necessariamente por aquela a que aproveita.
109
8 – Audiência preliminar ……………………………………………………………………. 8
8.1 – Tentativa de conciliação das partes ……………………………………………. 9
8.2 – Discussão das questões de facto e de direito ………………………………… 9
8.3 – Definição do objecto do processo …………………………………………………………9
8.4 – Seleccionar os factos assentes e definir a base instrutória ……………………. 10
8.5 – Indicação dos meios de prova …………………………………………………………10
8.6 – Emissão do despacho saneador …………………………………………………………10
9 – Fase da instrução ……………………………………………………………………. 11
10 – Audiência de discussão e julgamento ……………………………………………. 11
11 – Sentença ………………………………………………………………………………... 12
II – PRINCÍPIOS
1 – Princípios gerais do direito processual civil ……………………………………………. 13
1.1 – Princípio da adequação formal …………………………………………………………14
2 – Princípios estruturantes do direito processual civil
2.1 – Princípio do contraditório …………………………………………………………14
2.2 – Princípio da legalidade (da decisão) ......................................................... 15
3 – Princípios instrumentais do direito processual civil
3.1 – Princípio da cooperação …………………………………………………………15
3.2 – Princípio do dispositivo ……………………………………………………………………. 16
3.3 – Princípio do inquisitório ……………………………………………………………………. 17
3.4 – Princípio da oficiosidade …………………………………………………………17
3.5 – Princípio da oralidade ……………………………………………………………………. 18
3.6 – Princípio da legalidade ……………………………………………………………………. 18
III – O ACTO PROCESSUAL ……………………………………………………………………. 20
1 – Tipologia de actos ……………………………………………………………………. 20
2 – Tipologia de actos em especial: actos postulativos ………………………………… 21
3 – Características do acto processual …………………………………………………………21
4 – Forma dos actos ……………………………………………………………………. 22
5 – Interpretação dos actos ……………………………………………………………………. 23
5.1 – regime da interpretação dos actos processuais ……………………………….. 29
5.2 – APCS: vícios da vontade no acto processual ………………………………. 30
IV – AS PARTES ………………………………………………………………………………... 33
1 – Os conceitos de parte
1.1 – O conceito material de parte …………………………………………………………33
1.2 – O conceito formal de parte …………………………………………………………34
1.3 – Posição da Prof. APCS ……………………………………………………………………. 34
2 – Pressupostos relativos às partes …………………………………………………………35
2.1 – Parte principal e parte acessória/secundária e outros intervenientes ………... 35
110
V – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS …………………………………………………………36
a) Distinção entre pressupostos processuais e condições de admissibilidade ………… 36
b) Pressupostos positivos e pressupostos negativos – litispendência ……………………. 36
c) Momento de preenchimento dos pressupostos processuais – pendência
simples e pendência qualificada …………………………………………………………37
d) Conceito de instância ……………………………………………………………………. 37
e) Momentos de verificação das excepções dilatórias ………………………………… 38
1 – Personalidade judiciária ……………………………………………………………………. 39
2 – Capacidade judiciária ……………………………………………………………………. 40
2.1 – Meios de suprimento da incapacidade judiciária ………………………………… 41
2.2 – Meios de suprimento da incapacidade judiciária. Em especial: os menores………… 42
2.3 – Representação por tutor (menores e interditos) ………………………………… 43
2.4 – Representação ou assistência (inabilitados) …………………………………………….. 43
2.5 – Preterição da representação judiciária e capacidade em sentido lato ………… 43
2.A – Representação judiciária …………………………………………………………45
2.A.1 – Representação do Estado …………………………………………………………45
2.A.2 – Representação das pessoas colectivas ……………………………………………. 45
2.A.3 – Representação de ausentes e incertos ……………………………………………. 46
2.A.4 – Representação de pessoas meramente judiciárias ………………………………... 46
3 – Competência do Tribunal ……………………………………………………………………. 46
a) Incompetência absoluta ……………………………………………………………………. 47
b) Incompetência relativa ……………………………………………………………………. 48
3.1 – Competência internacional
i) Fontes da competência internacional …………………………………………………………48
a) Regulamento CE n.º 44/2001 …………………………………………………………49
b) Regulamento CE n.º 1347/2000 …………………………………………………………50
c) Regras internas de atribuição de competência internacional – art. 65.º e 65.º-A ………..51
ii) Posições doutrinárias na aplicação das regras internas
a) Prof. APCS ……………………………………………………………………................. 51
b) Prof. MTS ………………………………………………………………………………... 52
c) Prof. Lebre de Freitas e doutrina tradicional …………………………………………….. 54
iii) Pactos de jurisdição ……………………………………………………………………. 55
a) Pactos atributivos e pactos privativos de jurisdição ………………………………... 55
b) Preterição do pacto de jurisdição …………………………………………………………55
iv) Regime e efeitos da incompetência absoluta fundada nos critérios
da competência internacional ……………………………………………………………………. 56
3.2 – Competência interna ……………………………………………………………………. 57
a) Organização e funcionamento dos tribunais judiciais ……………………………….. 58
111
i) Competência territorial …………………………………………………………………… 59
ii) Competência em razão da matéria ………………………………………………………. 59
iii) Competência em razão da hierarquia …………………………………………… 61
iv) Pactos de competência …………………………………………………………………… 61
3.3 – Competência arbitral …………………………………………………………………… 62
3.4 – Outras regras relativas à competência …………………………………………… 63
a) Extensão da competência …………………………………………………………………… 63
b) Competência territorial para os processos em que sejam demandados
o Estado, outras pessoas colectivas ou sociedades ………………………………. 65
4 – Legitimidade das partes …………………………………………………………………… 66
a) Legitimidade singular …………………………………………………………………… 66
b) Consequências da ilegitimidade singular …………………………………………… 67
4.1 – O litisconsórcio …………………………………………………………………… 68
1) Litisconsórcio voluntário comum e conveniente …………………………………………… 70
2) Litisconsórcio necessário convencional …………………………………………… 70
3) Litisconsórcio necessário legal ……………………………………………………….. 71
a) Litisconsórcio necessário legal entre os cônjuges ………………………………… 71
4) Litisconsórcio necessário natural …………………………………………………………71
a) O litisconsórcio e a acção ……………………………………………………………………. 72
b) Preterição do litisconsórcio necessário ……………………………………………. 73
5 – Patrocínio judiciário ……………………………………………………………………. 73
5.1 – O mandato judicial ……………………………………………………………………. 74
6 – O interesse processual ……………………………………………………………………. 76
7 – O objecto do processo ……………………………………………………………………. 77
VI – O OBJECTO DO PROCESSO
1 – O pedido e a causa de pedir …………………………………………………………78
1.1 – O pedido ………………………………………………………………………………... 78
a) Requisitos do pedido ……………………………………………………………………. 78
b) Modalidades do pedido ……………………………………………………………………. 79
1.2 – A causa de pedir ……………………………………………………………………. 79
1.3 – Relações entre objectos processuais ……………………………………………. 80
a) Relações de identidade ……………………………………………………………………. 80
b) Relações de concurso ……………………………………………………………………. 81
c) Relações de cumulação ……………………………………………………………………. 81
2 – Inadmissibilidade do objecto processual ……………………………………………. 81
2.1 – Ineptidão da petição inicial …………………………………………………………81
3 – Cumulação de pedidos ……………………………………………………………………. 82
3.1 – Cumulação simples ……………………………………………………………………. 82
112
3.2 – Cumulação alternativa ……………………………………………………………………. 84
3.3 – Cumulação subsidiária ……………………………………………………………………. 86
3.4 – Cumulação objectiva sucessiva ………………………………………………………... 87
4 – Defesa por impugnação e defesa por excepção ………………………………… 89
4.1 – Defesa por impugnação ……………………………………………………………………. 89
4.2 – Defesa por excepção ……………………………………………………………………. 89
5 – Reconvenção ……………………………………………………………………………….. 90
5.1 – Pressupostos de admissibilidade do pedido reconvencional …………………… 91
5.2 – A reconvenção e a cumulação objectiva sucessiva ……………………………….. 92
6 – Apreciação incidental ……………………………………………………………………. 92
7 – Coligação de autores e réus ……………………………………………………….. 92
a) Requisitos de admissibilidade da coligação ……………………………………………. 93
8 – Intervenção de terceiros na acção …………………………………………………………94
a) Requisitos de admissibilidade da intervenção de terceiros ……………………. 94
8.1 – Intervenção espontânea……………………………………………………………………. 95
8.2 – Intervenção provocada ……………………………………………………………………. 95
8.3 – Oposição de terceiro ……………………………………………………………………. 95
VII – COMPOSIÇÃO DA ACÇÃO ……………………………………………………….. 96
1 – Negócios processuais ……………………………………………………………………. 96
1.1 – Desistência ………………………………………………………………………………... 96
1.2 – Confissão ………………………………………………………………………………... 97
1.3 – Transacção ………………………………………………………………………………... 98
1.4 – Os negócios processuais e o litisconsórcio ……………………………………………. 98
1.5 – Condições de validade dos negócios processuais ………………………………… 99
1.6 – Impugnação dos negócios processuais ……………………………………………. 99
2 – Composição provisória da acção …………………………………………………………99
3 – Revelia ………………………………………………………………………………... 100
3.1 – Revelia absoluta ……………………………………………………………………. 100
3.2 – Revelia relativa ……………………………………………………………………. 100
3.3 – Revelia operante e revelia inoperante ……………………………………………. 100
4 – Decisão judicial ……………………………………………………………………………….. 101
4.1 – Sentenças e despachos (art. 156.º) ……………………………………………. 101
4.2 – Efeitos da decisão ……………………………………………………………………. 102
VIII – RECURSOS ………………………………………………………………………………... 103
1 – Nulidades da sentença ……………………………………………………………………. 103
2 – Tipos de recurso ……………………………………………………………………. 104
3 – Regime ……………………………………………………………………………….. 105
IX – A PROVA ……………………………………………………………………………….. 108
113