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Direito Processual Civil I Leonor Branco Jaleco 1 Direito Processual Civil I O processo civil surge sempre que haja que tutelar uma situação de direito civil ou de direito comercial e é aplicado nos tribunais judiciais. A garantia da norma de direito civil que, como toda a norma jurídica, requer a possibilidade de coativamente ser feita respeitar, postula a recorribilidade aos tribunais, para reintegrar as situações jurídicas afetadas pela sua violação, prevenir violações ainda não consumadas ou exercer direitos potestativos que não possam ser feitos valer extrajudicialmente. O recurso ao tribunal faz-se mediante a propositura de uma ação. Por ela, um sujeito de direito privado (autor) deduz contra outro (réu) um pedido, normalmente afirmando-se titular de uma situação jurídica para a qual requer a tutela do tribunal. No processo civil distingue-se entre: Processo declarativo – o autor pede ao tribunal que declare a existência ou inexistência de um direito ou de um facto jurídico. Processo executivo – visa a reparação material de um direito violado, no pressuposto da sua existência – art. 10º CPC. O art. 2º/2 CPC estabelece ainda que existem os procedimentos cautelares, que instituem uma tutela provisória, que visa acautelar o efeito útil da tutela definitiva. O processo civil é regulado então pelo direito processual civil, que tem como características: a) É um direito público, apesar de as situações reguladas serem de direito privado, porque nele intervém um órgão público, de soberania, que é o tribunal; b) Tem um caráter instrumental, pela razão de que o processo civil é um meio de tutela de situações subjetivas, e por isso o processo civil não se justifica a si mesmo, mas justifica-se porque há determinadas situações subjetivas que necessitam de ser colocadas em juízo. No CPC vamos encontrar: 1- Regras sobre atos processuais – atos jurídicos praticados pelas partes e pelo Tribunal (juiz e secretaria). 2- Pressupostos processuais – por exemplo: alguém considera que a sua ação ou pedido é tão importante que quer pôr ação no STJ; evidentemente tal não é possível – o que está em causa é um pressuposto processual que é a competência. Estes pressupostos processuais condicionam a possibilidade de o Tribunal se pronunciar sobre o mérito da causa. Processo Civil Europeu Há hoje uma harmonização ao nível do processo civil na UE, em questões de incidência transfronteiriça. Já há uma série de regulamentos europeus sobre o processo civil. O art. 267º TFUE dispõe que quando os tribunais dos EM têm dúvidas sobre a aplicação de um ato normativo europeu devem suscitar a questão a título prejudicial ao TJUE. Os regulamentos europeus que tratam desta matéria (processo civil) valem não só pelo que consta do próprio regulamento, mas também pelas várias decisões que o Tribunal de Justiça é levado a tomar acerca destas

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Direito Processual Civil I Leonor Branco Jaleco

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Direito Processual Civil I

O processo civil surge sempre que haja que tutelar uma situação de direito civil ou de direito comercial e é

aplicado nos tribunais judiciais. A garantia da norma de direito civil que, como toda a norma jurídica, requer a

possibilidade de coativamente ser feita respeitar, postula a recorribilidade aos tribunais, para reintegrar as

situações jurídicas afetadas pela sua violação, prevenir violações ainda não consumadas ou exercer direitos

potestativos que não possam ser feitos valer extrajudicialmente.

O recurso ao tribunal faz-se mediante a propositura de uma ação. Por ela, um sujeito de direito privado (autor)

deduz contra outro (réu) um pedido, normalmente afirmando-se titular de uma situação jurídica para a qual

requer a tutela do tribunal.

No processo civil distingue-se entre:

◊ Processo declarativo – o autor pede ao tribunal que declare a existência ou inexistência de um direito

ou de um facto jurídico.

◊ Processo executivo – visa a reparação material de um direito violado, no pressuposto da sua

existência – art. 10º CPC.

O art. 2º/2 CPC estabelece ainda que existem os procedimentos cautelares, que instituem uma tutela

provisória, que visa acautelar o efeito útil da tutela definitiva.

O processo civil é regulado então pelo direito processual civil, que tem como características:

a) É um direito público, apesar de as situações reguladas serem de direito privado, porque nele intervém

um órgão público, de soberania, que é o tribunal;

b) Tem um caráter instrumental, pela razão de que o processo civil é um meio de tutela de situações

subjetivas, e por isso o processo civil não se justifica a si mesmo, mas justifica-se porque há

determinadas situações subjetivas que necessitam de ser colocadas em juízo.

No CPC vamos encontrar:

1- Regras sobre atos processuais – atos jurídicos praticados pelas partes e pelo Tribunal (juiz e

secretaria).

2- Pressupostos processuais – por exemplo: alguém considera que a sua ação ou pedido é tão importante

que quer pôr ação no STJ; evidentemente tal não é possível – o que está em causa é um pressuposto

processual que é a competência. Estes pressupostos processuais condicionam a possibilidade de o

Tribunal se pronunciar sobre o mérito da causa.

Processo Civil Europeu

Há hoje uma harmonização ao nível do processo civil na UE, em questões de incidência transfronteiriça. Já há

uma série de regulamentos europeus sobre o processo civil.

O art. 267º TFUE dispõe que quando os tribunais dos EM têm dúvidas sobre a aplicação de um ato normativo

europeu devem suscitar a questão a título prejudicial ao TJUE.

Os regulamentos europeus que tratam desta matéria (processo civil) valem não só pelo que consta do próprio

regulamento, mas também pelas várias decisões que o Tribunal de Justiça é levado a tomar acerca destas

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matérias. A jurisprudência do TJUE que é obtida através das questões prejudiciais são, portanto,

particularmente importantes, uma vez que vinculam os tribunais nacionais.

» Objeto do Processo Civil

Todo o processo civil tem um objeto, isto é, as partes vão litigar sobre alguma coisa. Quando falamos de objeto

em sentido técnico, falamos em pretensão/pedido (ex: art. 2º/1 CPC). Esta pretensão que é deduzida pelo

autor da ação, tem de ser concreta, ou seja, a parte tem que pedir ao Tribunal concretamente aquilo que

pretende. Para além de concreta, tem de ser também fundamentada; a lei impõe que o autor fundamente a

pretensão – causa de pedir.

Saber se de uma decisão se pode recorrer depende do valor da causa. Assim, depois de o art. 296º/1 CPC

afirmar que toda a causa tem um valor, os arts. seguintes determinam como se chega ao valor da causa.

E se estivermos perante, por exemplo, uma ação de divórcio, a solução para se chegar a um valor está no art.

303º/1.

➢ Alçada do Tribunal – art. 44º LOSJ

Saber se se pode recorrer de uma decisão depende então da alçada, que é o valor até ao qual a causa não

admite recurso. É o valor fixado pela lei de orgânica judiciária, até ao qual um tribunal de instância julga

definitivamente as causas da sua competência.

Esse valor é de 5.000€ para a primeira instância e de 30.000€ para a segunda instância.

Se a causa for de valor superior a essa alçada, é suscetível de recurso ordinário, desde que seja desfavorável

para o recorrente em valor superior a metade da mesma alçada (art. 629º/1).

A alçada tem ainda outras funções, como as de distribuir a competência do tribunal de comarca entre as

secções cíveis da sua instância central e as secções de competência genérica cível das suas instâncias locais,

bem como a de determinar a aplicação do disposto no art. 597º.

➢ Valor da Causa

O valor da causa, monetariamente expresso, representa a utilidade económica do pedido (art. 296º/1).

Quando o pedido tem por objeto uma quantia pecuniária líquida (“quantia certa em dinheiro”), a

determinação está in re ipsa, constituindo essa quantia a utilidade tida em vista por quem o deduz,

independentemente de ser pedida a condenação no seu pagamento, a simples apreciação da existência do

direito a essa quantia ou a sua realização em ação executiva. Nos outros casos, há que encontrar o equivalente

pecuniário correspondente à utilidade visada (“benefício”) – art. 297º/1.

Este critério geral é concretizado e adaptado nos arts. 298º e 300º a 302º, que consagram critérios especiais,

determinados pelo tipo de pedido formulado, respetivamente para a ação de despejo, a ação referente a

contrato de locação financeira, a ação de alimentos definitivos e de contribuição para despesas domésticas,

etc.

Para a fixação do valor, atende-se ao momento em que o pedido é deduzido (art. 299º/1 e 2), sem prejuízo

de o valor inicial vir a ser corrigido nos processos em que a utilidade económica do pedido só se define na

sequência da ação, como é o caso dos de liquidação de patrimónios (art. 299º/4).

Sujeitas a uma norma específica estão as ações cujo objeto não versa sobre valores patrimoniais, isto é, as

ações de estado e as relativas a interesses imateriais. Nestes casos, o valor é atribuído de modo a que seja

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sempre garantido o direito ao recurso: o valor é o equivalente à alçada da Relação mais um cêntimo (art.

303º/1).

» Sujeitos do Processo Civil

Os sujeitos do processo são o Tribunal e as partes.

As decisões dos Tribunais podem ser de forma – as que não apreciam se o autor tem ou não razão – ou de

mérito/fundo da causa – que consideram a ação procedente ou improcedente.

A situação subjetiva típica das partes é o ónus: situações que devem ser cumpridas sob pena de não se

poderem alcançar determinadas consequências, o que será negativo para a parte.

O art. 1º/1 CPC enuncia o princípio da autotutela, sendo que a regra é a heterotutela.

❖ Atos Processuais

São todos os atos jurídicos que produzem efeitos diretos ou no início, ou na tramitação ou na extinção do

processo. Os atos processuais podem ser praticados pelo próprio Tribunal (do juíz ou da secretaria) ou pelas

partes (que podem ser unilaterais ou bilaterais – contratos processuais).

➢ Atos do Tribunal:

o Citação – ato do Tribunal que só existe uma vez no processo e é o ato através do qual se dá

conhecimento ao réu de que há uma ação proposta contra ele. Em Portugal, a citação é feita pela

secretaria oficiosamente (sem ninguém suscitar). O réu tem 30 dias para responder.

o Notificação – todos os outros atos através dos quais a secretaria dá conhecimento às partes de que

outra parte ou o Tribunal praticou determinado ato.

o Despacho – todas as decisões que o juíz toma, mas que não põem fim ao processo.

o Sentença (quando o Tribunal é singular) ou Acórdão – é a decisão que põe fim ao processo.

o Decisões de mérito/de fundo – as que decidem o problema que as partes submeteram ao juíz, têm a

ver com o mérito da causa.

o Decisões de forma – por exemplo, quando o juíz afirma que não é competente na matéria e dá por

terminado o processo.

NOTA: em processo civil, “conhecer” significa analisar e decidir sobre determinada matéria.

➢ Atos das Partes:

o Atos processuais negociais – produzem os efeitos que as partes querem (ex: pacto de jurisdição).

o Atos processuais stricto sensu – produzem os efeitos que vêm determinados na lei.

o Atos postulativos – atos que têm em vista que o Tribunal decida qualquer coisa.

o Atos constitutivos – são aqueles que produzem efeitos por si só, sem ser necessária uma decisão do

Tribunal.

O processo civil é uma sequência de atos processuais. Em Portugal temos um sistema intermédio: temos a

tramitação definida na lei, mas depois existe uma cláusula geral no art. 6º CPC, que permite ao juíz pode pegar

naquilo que está fixado na lei e adaptar à maneira que lhe aprouver.

Existe um princípio muito importante em processo civil, que é o princípio da preclusão – se um ato não é

praticado no tempo devido, não pode ser praticado depois.

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Pressupostos dos atos processuais:

1. Atos praticados pelo Tribunal:

- Competência em sentido amplo.

2. Atos praticados pelas partes:

- Legitimidade.

- Patrocínio judiciário.

- Personalidade judiciária.

- Capacidade judiciária.

Prazos para os atos:

O prazo geral é 10 dias, que se conta em contínuo (fins de semana incluídos, mas se o prazo acabar no fim de

semana, passa para o dia útil seguinte).

Para o juíz, o prazo é de 10 dias, exceto para os atos que são despachos de mero expediente (marcar um dia,

ou uma sala), que são de 2 dias.

Para a secretaria, o prazo é de 5 dias.

Nulidades processuais

Não é o ato que é nulo, mas gera uma nulidade no processo. Ou seja, quando há uma nulidade processual,

que gera uma nulidade, tudo o que acontece depois dessa nulidade tem de ser repetido.

As nulidades podem ser:

a) Nominadas – é a própria lei que diz que quando algo acontece, gera-se uma nulidade.

b) Inominadas.

❖ Ações – arts. 10 e ss

Quanto ao seu fim:

1- Ação declarativa – é uma ação a que a parte recorre para fazer valer um direito que acha que tem, e

o Tribunal vai confirmar se a parte tem ou não esse direito.

Podem ser de 3 tipos:

a) Ação de simples apreciação – o autor pede ao tribunal que declare a existência ou inexistência de um

direito ou de um facto jurídico;

b) Ação de condenação – o autor pede ao tribunal que condene o réu na prestação de uma coisa ou de

um facto a que o autor tem direito;

c) Ação constitutiva – o autor pede ao tribunal que altere as situações jurídicas das partes em

conformidade com um direito potestativo do autor.

2- Ação executiva – tem como função o Tribunal ajudar as partes a exercer coercivamente o direito. Para

se poder proceder à ação executiva, a parte tem de poder provar que é efetivamente titular de um

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direito de crédito – tem de ter um título executivo. Este documento, em regra, é uma sentença da

ação declarativa.

Quanto ao processo de decisão:

1- Processos de jurisdição voluntária (arts. 986º e ss) – ambas as partes estão de acordo em recorrer

aos tribunais. Estes processos têm alguma especialidades:

a) Atribuem poderes ao Tribunal para investigar livremente os factos, não estando vinculado aos factos

alegados pelas partes.

b) Não há possibilidade de recurso para o STJ.

c) O Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo decidir estes casos de acordo

com um critério de conveniência e discricionariedade – art. 987º.

2- Processos de jurisdição contenciosa – ambas as partes não estão de acordo e um dos litigantes propõe

ação em tribunal contra a outra parte.

Quanto à forma (art. 546º):

1- Processo comum – seguem uma tramitação igual a todos os outros processos. O art. 548º determina

que o processo comum segue uma forma única.

2- Processo especial (arts. 878º e ss) – aplica-se aos casos expressamente designados na lei. São

regulados pelas disposições que lhes são próprias. Na falta de disciplina específica de um processo

especial, aplicam-se as normas estabelecidas para o processo comum (art. 549º/1), ressalvado o

estabelecido no nº2 quanto à venda de bens. São exemplos de processos especiais:

i. Processo de prestação de caução – tem lugar quando aquele que a ela tem direito pretende que

seja prestada caução para garantia de uma obrigação (art. 906º) ou quando aquele que a ela está

obrigado, ou que tem a faculdade de a prestar, toma a iniciativa de o fazer (art. 913º);

ii. Processo de prestação de contas – tem lugar quando quem tem o direito de exigir contas exige

que elas sejam prestadas ou quando quem tem o dever de as prestar toma a iniciativa de o fazer

(art. 941º);

iii. Processo de consignação em depósito - tem lugar quando o devedor (art. 841º CC) ou terceiro

(art. 842º CC) pretende depositar a coisa ou quantia devida (art. 916º).

Além destes processos especiais constantes do CPC, existem outros cuja tramitação consta de leis avulsas,

incluindo leis de conteúdo híbrido, isto é, leis que estabelecem regimes substantivos e, simultaneamente,

regimes processuais que os adjetivam.

Aplicação no tempo:

Quanto à aplicação no tempo do processo civil, em princípio aplica-se o regime do art. 12º CC, mas com uma

especialidade: em relação a atos processuais, a lei nova é imediamente aplicável aos processos pendentes

(para os atos que sejam praticados posteriormente à vigência da lei nova).

Aplicação no espaço:

Vigora, neste âmbito, o princípio da territorialidade – os Tribunais aplicam única e exclusivamente o direito

processual do seu próprio Estado.

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Princípios Processuais

1. Princípio da instrumentalidade – o processo civil não é um fim em si mesmo, destina-se à tutela de

situações subjetivas.

2. Princípio da indisponibilidade objetiva das situações jurídico-privadas (art. 289º) - a lei substantiva

utiliza as expressões “direitos indisponíveis”/”relação jurídica indisponível”, o que significa que

existem matérias em relação às quais a vontade das partes não tem importância. A ligação disto com

o processo civil é que a mesma limitação que existe no plano substantivo (fora do processo) quanto à

relevância da vontade das partes, existe dentro do processo civil: se as partes não podem por si

mesmas iniciar, modificar ou extinguir uma situação jurídica, no direito processual também não

podem assumir comportamentos que levem a semelhante efeito.

3. Princípio do dispositivo (arts. 3º/1, 552º e 615º/1 e)) – tem por base a ideia de que no processo civil

estamos perante interesses de cariz privado. Isto implica duas regras fundamentais:

a) Nenhum processo se inicia a não ser que algum dos interessados na resolução do litígio solicite a

resolução do mesmo ao Tribunal – princípio do impulso processual (art. 3º/1).

b) O objeto da causa é também delimitado pelas partes, concretamente incumbe sempre ao autor da

ação formular um pedido (art. 552º/1 e)).

Neste âmbito, é importante o art. 615º/1, que refere as causas de nulidade da sentença, sendo que na alínea

e) dispõe que a sentença é nula quando o juiz decide em quantidade superior e diferente do que foi pedido.

Não basta, contudo, apresentar um pedido, é também necessário apresentar uma causa para esse pedido –

causa de pedir – sendo que essa causa de pedir é vinculativa para o Tribunal (art. 5º/1 e art. 552º/1 d)).

Há uma discussão doutrinária sobre quais os factos que devem ser incluídos na causa de pedir, uma vez que o

art. 5º/2 b) fala ainda nos factos complementares ou concretizadores. A discussão é sobre se esses factos

devem ser incluídos na causa de pedir. O Prof. MTS defende que a lei é inequívoca, ao dizer que não integram,

sendo apenas factos que complementam ou concretizam os factos da causa de pedir. Ex: numa ação de

acidente de viaação, uma testemunha que vai depor afirma que nesse dia estava um nevoeiro imenso, facto

esse que não tinha sido invocado por nenhuma das partes.

4. Princípio da oficiosidade (art. 5º/3) – o Direito é sempre conhecido oficiosamente pelo Tribunal. O

juiz goza de plena liberdade quanto à qualificação jurídica dos factos alegados pelo autor.

5. Princípio da gestão processual (art. 6º/1 parte final) – o juiz pode, embora ouvindo previamente as

partes, adotar mecanismos de agilização e adaptar a tramitação processual da melhor forma possível

para obter uma solução mais rápida, mas claro, dentro dos limites fixados pela lei. Assim, de acordo

com a especificidade do caso, o juiz pode alterar a tramitação processual, tornando-a mais complexa

ou mais simples, ou simplesmente diversa. Por exemplo, numa hipótese de responsabilidade

contratual, em que o autor vem dizer que celebrou um contrato com um hotel, através do qual o réu

ficou obrigado a realizar determinada prestação, sendo que até agora o réu não realizou nenhuma

prestação e, com isso, o autor teve enormes prejuízos, logo, quer ser ressarcido dos prejuízos

decorrentes do incumprimento contratual, pode imaginar-se que o réu vem dizer que, de facto,

celebrou um contrato com a outra parte, mas esse contrato é nulo e, por isso, não tem de cumpri-lo.

Teoricamente, para resolver o caso, as partes iriam discutir a validade ou invalidade do contrato e, no

fim, o juiz iria decidir, podendo decidir que efetivamente o contrato era nulo. Isto significa que toda a

atividade de prova, que poderia ser muito dispendiosa, dos factos ou dos danos foi inútil. Assim, o juiz

poderia dizer que, ainda que a lei não o previsse, iriam, antes de passar à prova e análise dos danos,

discutir a validade do contrato.

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Assim, o instrumento de que o juiz se serve para esta gestão processual é, de acordo com o art. 547º, a

adequação formal.

NOTA: a adequação formal é particularmente recomendada ao juiz quando a ação não tem valor superior a

metade da alçada da Relação (art. 597º).

6. Princípio da cooperação (art. 7º) – as partes e o Tribunal devem colaborar entre si. Já durante a fase

judicial, as partes devem colaborar entre si e com o Tribunal para a descoberta da verdade. No fundo,

há um dever de atuação que tem de ser orientado para a proporcionalidade e a eficiência.

Litigância de boa fé (art. 8º) – as partes devem colaborar com o Tribunal, nomeadamente, prestando

esclarecimentos sobre a matéria de facto e de direito. De acordo com o art. 417º/1, percebemos que uma das

partes pode requerer a entrega de um documento que esteja na posse da contraparte (art. 429º). As partes

devem alegar tudo aquilo que é constitutivo do seu direito ou em que versa a sua defesa e tudo o que seja

verdade, porque se assim não for viola-se imediatamente um dever de esclarecimento e o princípio da boa fé.

O art. 542º/2 b) versa precisamente sobre este dever de esclarecimento. O dever de colaboração tem os

limites do art. 417º/1, quando importe a violação da integridade física ou moral ou a violação da intimidade

da vida privada ou do sigilo profissional e do segredo de Estado.

A violação de todos estes deveres resulta em litigância de má fé (arts. 7º e 542º/2 c)), contudo, esta

consequência é conjugada com outras.

Existe ainda um dever funcional, que se destina a incrementar a eficiência do processo, a assegurar a

igualdade de oportunidade das partes, a promover a descoberta da verdade e a garantir um processo

equitativo.

O dever de colaboração/cooperação desdobra-se em vários, para o Tribunal:

a) Dever de prevenção ou advertência – advertir as partes sobre a falta de pressupostos.

b) Dever de esclarecimento – sempre que o magistrado tiver dúvidas sobre matérias de facto ou de

direito, deve pedir às partes para prestarem esclarecimentos sobre essas matérias.

c) Dever de auxiliar as partes – é sobretudo visível em função de dificuldades no exercício dos seus

direitos ou de deveres processuais. Ex: sempre que um autor ou réu precisa de obter uma determinada

informação que está na posse de serviços administrativos.

d) Dever de consulta das partes – o Tribunal deve, sempre que pretenda conhecer oficiosamente de

matéria de facto ou de direito, cuja possibilidade de as partes pronunciarem ainda não se verificou,

dar essa possibilidade às partes para falarem de sua justiça. Ou seja, o Tribunal deve ouvir as partes,

ainda que possa conhecer sobre matéria que não seja necessariamente obrigatória a alegação pelas

partes.

No âmbito do dever de cooperação do Tribunal com as partes, é exigida a substituição de poderes

descricionários por poderes-deveres, ou seja, os poderes que servem de instrumento para o exercício da

cooperação não podem ser exercidos descricionariamente pelos Tribunais. A omissão do exercício destes

deveres traduz-se numa nulidade processual, porque o Tribunal deixa de praticar um ato que não pode omitir

– art. 195º/1.

Esta nulidade processual só se torna patente quando o Tribunal profere uma decisão, ou seja, a nulidade é

arguida como nulidade da decisão proferida, ainda que seja considerada uma nulidade processual por omissão

de um poder-dever arts. 615º/1 d), 666º e 685º.

Este princípio também se manifesta no dever de urbanidade, ou seja, é transversal um dever de correção e

urbanidade patente no art. 9º/1.

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7. Princípio da igualdade das partes – analisa-se as chamadas igualdades de armas. As partes devem

situar-se numa posição de igualdade entre si e ambas devem ser iguais perante o Tribunal (art. 13º/1

CRP). A igualdade não obsta a que as partes possam criar elas próprias desigualdades num

comportamento em juízo, por exemplo, se o autor não provar os factos que são constitutivos do seu

direito, o réu é absolvido. Estes ónus processuais criam uma assimetria entre as partes.

Deste princípio resultam dois deveres:

a) Dever de tratamento igual – há subjacente a este dever a proibição de criar situações de desigualdade

entre as partes, exceto sempre que exista uma situação substancialmente desigual e que o Tribunal

deva, por isso, tratar de forma desigual.

b) Dever de corrigir fatores de desigualdade – esta é realizada através da função auxilar do juiz (ex: art.

590º/2 b)).

8. Princípio do contraditório (art. 3º/3) – implica que seja dada uma possibilidade à contraparte de ser

ouvida, de se pronunciar, um direito à resposta.

Corolários deste princípio – arts. 3º/3 primeira parte, art. 3º/3 segunda parte.

Existe ainda um dever de consulta das partes que não é dispensado quando o Tribunal entenda que deveruam.

A não audição prévia das partes constitui uma nulidade processual. A decisão que daí surgir é nula, porque

existe excesso de pronúncia – art. 615º/1 d).

Existem, contudo, situações em que esta audição é posterior ao proferimento do Tribunal. É o caso das

providências cautelares, em que o Tribunal pode decretar a providência e só depois requerer que a parte se

pronuncie (ex: art. 393º/1).

O contraditório só pode ser afastado pela lei, ou seja, as partes não podem celebrar um pacto em que afastem

esse direito ao contraditório.

Em relação aos terceiros, este princípio tem uma dupla consequência:

a) Vertente negativa – ninguém pode ser afetado por uma decisão proferida num processo de que não

é parte (ex: testemunhas).

b) Vertente positivo – todo aquele que pode ser afetado por uma decisão proferida num processo tem a

faculdade de ser parte, ainda que inicialmente não o seja.

9. Princípio da boa fé (art. 8º) – funciona como um limite à atuação das partes, ao domínio das partes

sobre o processo, que resulta sobre o princípio do dispositivo. Neste âmbito fala-se na litigância de

má fé, que quer dizer que alguma das partes ou as duas atua em séria violação dos deveres de lealdade

e de probidade (ex: art. 542º/2).

Há que ter em conta as seguintes situações:

a) O autor demanda sem razão, mas de boa fé e sem culpa – a consequência é que essa parte vai cair na

ação e pagar as custas, mas não existe lugar a indemnização porque o autor não agiu ilicitamente.

b) O autor demanda sem razão, mas de boa fé e com culpa – essa parte vai cair na ação, paga as custas

mas não há lugar a indemnização, uma vez que tal só sucede quando haja dolo, exceto nas situações

dos arts. 374º/1 e 858º e 866º.

c) O autor demanda sem razão, de má fé – vai cair na ação, pagar as custas e está sujeito a pagar

indemnização como litigante de má fé – art. 542º/1.

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Este princípio implica ainda um dever de verdade, que exige que a parte não deve alegar factos que sabe que

não são verdadeiros e não deve impugnar factos que sabe que são verdadeiros.

Há ainda um dever de veracidade subjetiva, em que é imposto à parte que não minta, mas não é imposto que

tenha a certeza do que afirma.

Pode ainda discutir-se se o dever de verdade exige que a parte reponha a verdade quanto a uma alegação

feita pela contraparte que sabe não corresponder a verdade. A resposta é que este dever só impõe que não

minta em afirmações próprias e a seu favor.

Estando de má fé, haverá lugar a uma sanção processual (multa) e a uma indemnização à contraparte pelos

danos e prejuízos que essa litigância de má fé possa ter causado. Mas atenção, a multa e a indemnização não

“compram” a litigância de má fé: o processo continua.

A lei também dá relevância à simulação processual, em que o autor e o réu combinam certas situações entre

si . É sancionada pelo disposto no art. 612º.

Há autores que defendem que, além da litigância de má fé, é possível dar importância ao abuso do processo

e do direito de ação. MTS não concorda, afirmando que efetivamente pode existir abuso de processo, por

exemplo, na alínea d) do nº2 do art. 542º, mas não acrescenta nada à litigância de má fé.

10. Princípio da autosuficiência – em processo resolve-se tudo aquilo que tem a ver com o próprio

processo. Por exemplo, a parte pode dizer que não tem nada a ver com aquela ação e que, por isso, é

parte ilegítima. A questão que se coloca é a de saber se, sendo parte ilegítima, tem legitimidade para

arguir a sua ilegitimidade ou não: a resposta é sim, tem. Outra questão é a de saber se o Tribunal tem

competência para averiguar da sua própria competência, e a resposta é novamente sim.

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Organização Judiciária

Estrutura dos tribunais:

a) Juizes – os juizes dos tribunais judiciais consitituem um corpo único e regem-se por um único estatuto.

Garantias próprias dos juizes:

i. Independência (art. 203º CRP) – o juiz pratica a sua atividade de forma independente, estando

apenas vinculado à lei. De acordo com a lei, o juiz tem um dever de imparcialidade, sendo que a

lei fala, neste âmbito, de impedimentos e de suspeições (arts. 115º e ss.). Caso o juiz se encontre

impedido por alguma causa, tem o dever de se declarar impedido e não julgar aquela causa (art.

116º). As suspeições (art. 119º) são uma situação em que, ainda que não haja um impedimento,

ainda assim, se pode duvidar da imparcialidade do tribunal, sendo que o próprio juiz pode

declarar-se suspeito, recusando-se a julgar a causa.

ii. Irresponsabilidade (art. 216º/1 CRP) – o juiz não pode ser responsável pelas suas decisões. Ou

seja, as decisões do juiz incorrem sempre em prejuízo para uma das partes, mas isso não signifca

que deva ser responsabilidade por esse prejuízo, salvo nas situações de responsabilidade criminal,

disciplinar ou civil (Lei 67/2017).

Quanto à responsabilidade civil do juiz, há que ter em conta que quando uma decisão que é proferida por um

juiz e essa decisão é suscetível de causar danos a uma parte (nomeadamente, por erros), a solução que decorre

da Lei 67/2007 é a de que quem é demandado é o Estado e não o juiz, sendo que o Estado pode, em

determinadas circunstâncias, exercer posteriormente um direito de regresso sobre o juiz.

iii. Inamovibilidade (art. 216º CRP) – os juizes não podem ser transferidos, aposentados ou

despedidos, fora dos casos previstos na lei.

b) Secretaria e funcionários judiciais;

c) Representante do MP – o MP goza de autonomia (art. 219º/2 CRP), mas há uma grande diferença em

relação à magistratura judicial: enquanto nesta não há uma hierarquia (não há juizes de hierarquia

superior ou inferior), o ministério público é um órgão hierarquizado, isto é, a Procuradoria Geral da

República (PGR) pode, por exemplo, dar ordens a agentes subordinados do MP. Fora este aspeto,

existe um paralelismo entre a magistratura judicial e a magistratura do MP.

d) Existem ainda órgãos de gestão – nomeadamente, as comarcas têm órgãos de gestão próprios.

e) Existem também auxiliares da justiça – podem ser peritos, consultores, etc., mas há um

particularmente importante: agente de execução, que tem hoje um papel fundamental na ação

executiva.

Em Portugal existem 23 comarcas, 5 relações e 1 STJ.

Atualmente existem duas ordens de tribunais: (a) ordem dos tribunais judiciais, cujo supremo tribunal é o STJ

e (b) ordem dos tribunais administrativos e fiscais, cujo supremo tribunal é o STA. Há uma grande diferença

entre aquilo que cabe à ordem dos tribunais judiciais e que cabe à ordem dos tribunais administrativos e

fiscais: o art. 211º/1 CRP dispõe que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal

e exercem jurisdição nas áreas que não são atribuídas a outra ordem; aos tribunais administrativos e fiscais

cabe apenas aquilo que a lei expressamente disser que é da competência desses tribunais.

Se uma matéria não for nem civil nem criminal (ex: laboral), mas se não couber na competência dos tribunais

administrativos e fiscais, essa matéria caberá aos tribunais judiciais.

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O art. 211º/2 CRP permite que, em 1ª instância, haja tribunais de competência especializada e tribunais de

competência específica, em função da matéria.

Na nossa OJ não existem apenas tribunais estaduais, também existem tribunais arbitrais, que são constituídos

por árbitros, isto é, juizes que não pertencem à magistratura.

Existem dois tribunais arbitrais: os tribunais arbitrais voluntários (são os mais importantes, e que resultam de

uma opção das partes de resolverem o litígio num tribunal arbitral) e os tribunais arbitrais necessários (que a

lei impõe que o litígio seja resolvido nesse tribunal arbitral).

Os tribunais arbitrais trazem vantagens para os particulares, nomeadamente os custos mais baixos e a

possibilidade de escolherem os árbitros, assim como o facto de a arbitragem ser mais flexível e de gozar de

alguma confidencialidade.

Existem ainda, para além dos tribunais judiciais e dos tribunais administrativos e fiscais, os Julgados de Paz

(art. 209º/2 CRP). Estes julgados de paz são uma forma alternativa de resolução de litígios, e caracterizam-se

por ter uma competência alternativa à dos restantes tribunais, isto é, nunca é obrigatório propôr ação nos

Julgados de Paz, mas se for essa a vontade do autor, pode fazê-lo.

Têm a sua competência delimitada em função da matéria – só têm competência declarativa, não tendo

competência para executar nenhuma decisão (art. 6º Lei dos Julgados de Paz).

O valor máximo que pode ser objeto de uma ação nos Julgados de Paz é de 15.000€.

Os julgados de paz têm ainda assim, genericamente, uma competência ampla.

Fora ordem dos tribunais judiciais e dos administrativos e fiscais existe ainda o Tribunal dos Conflitos, que

visa resolver conflitos entre os tribunais. Para sabermos em concreto que conflitos são resolvidos por este

tribunal, importa ter presente as definições de “conflitos de competência” e de “conflitos de jurisdição”

presentes no art. 109º CPC:

a) Conflitos de competência – art. 109º/2: quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional

se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma matéria. Art. 110º/2: são

solucionados pelo presidente do tribunal de menor categoria que exerça jurisdição sobre as

autoridades em conflito.

b) Conflitos de jurisdição – art. 109º/1: o conflito é entre tribunais de diferentes ordens jurisdicionais. É

aqui que entra o Tribunal dos Conflitos, que irá resolver estes conflitos.

Este não é um tribunal permanente e é de composição mista (juizes do STJ e do STA).

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

A função de apreciação do mérito da causa é a função natural e expectável das decisões judiciais, na exata

medida em que os tribunais existem para resolver litígios. No entanto, para que o tribunal possa conhecer do

mérito da causa, é necessário que se verifiquem determinadas condições – os pressupostos processuais.

O desrespeito pelos pressupostos processuais impede o juiz de se pronunciar sobre o mérito da causa,

devendo então ser proferida uma decisão que, em vez de apreciar o mérito, se limita a um julgamento formal

da lide que põe termo ao processo e se traduz na absolvição do réu da instância, nos termos fixados no art.

278º/1.

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A violação dos pressupostos processuais tem por efeito, em regra, a ocorrência de exceções dilatórias, as

quais constituem, antes de mais, argumentos de defesa ao dispor do réu, conforme decorre do previsto nos

arts. 576º/2 e 577º.

Contudo, a absolvição do réu da instância apenas deverá ter lugar quando não seja ou não tenha sido possível

suprir o vício originado pela violação de certo pressuposto processual. Esta ideia é reforçada pelos arts. 278º/2

e 3. Deste modo, impõe-se ao juiz, por via do art. 6º/2, o dever de providenciar oficiosamente pelo

suprimento daqueles vícios, desde que estes sejam sanáveis.

Desta circunstância resulta que só depois de verificar se estão preenchidos os pressupostos processuais é que

o Tribunal se vai pronunciar sobre o mérito da causa.

a) Pressupostos relativos ao Tribunal:

(1) COMPETÊNCIA

❖ Competência Interna:

A competência é fixada no momento de propositura da ação – art. 38º LOSJ – o que significa que são

irrelevantes as modificações de facto que decorram ao longo da ação (art. 38º/1). As modificações de direito,

ou seja, qualquer modificação ao regime da competência é maioritariamente irrelevante (art. 38º/2), a não

ser:

a) Que seja suprimido o órgão a que a causa estava afeta;

b) Quando o Tribunal não era competente, mas uma alteração legislativa determina que passa a ser

competente. Assim, por motivos de aproveitamento da ação, a ação continua a decorrer nesse

Tribunal.

De acordo com o art. 37º/1 LOSJ, a competência reparte-se de acordo com:

1. Matéria

A competência em razão da matéria assenta no princípio da especialização.

São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional –

arts. 64º CPC e 40º/1 LOSJ – têm, portanto, uma competência residual. É a LOSJ que determina quais as causas

que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotadas de competência

especializada (art. 65º CPC).

O critério da competência em razão da matéria atua:

o No plano da contraposição dos tribunais judiciais aos outros tribunais;

o No plano da contraposição dos vários tribunais de 1ª instância entre si (art. 65º CPC).

As várias secções de competência especializada dos tribunais de comarca encontram-se enumeradas no art.

81º/2 LOSJ, sendo depois tratadas autonomamente, no que toca à sua competência em razão da matéria, nos

arts:

» Art. 117º – secções cíveis;

» Art. 118º - secções criminais;

» Arts. 119º a 121º - secções de instrução criminal;

» Arts. 122º a 125º - secções de família e menores;

» Arts. 126º e 127º - secções do trabalho;

» Art. 128º - secções de comércio;

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» Art. 129º - secções de execução.

Por seu lado, os tribunais de competência territorial alargada, que são aqueles que possuem competência

para mais do que uma comarca ou sobre áreas especialmente referidas na lei (art. 83º/1 LOSJ), encontram-se

enumerados no art. 83º/3 LOSJ.

O art. 81º LOSJ determina que os tribunais de comarca se desdobram em:

a) Instâncias centrais que integram secções de competência especializada – nestas podem ser criadas as

seguintes secções de competência especializada: cível, criminal, instrução criminal, família e menores,

trabalho, comércio, execução.

b) Instâncias locais que integram secções de competência genérica e secções de proximidade – as

secções de competência genérica podem ainda desdobrar-se em secções cíveis, em secções criminais

e em secções de pequena criminalidade.

O poder jurisdicional é repartido pelos diversos tribunais considerados no mesmo plano, sem que entre eles

exista uma qualquer relação hierárquica ou de subordinação.

Os tribunais judiciais, como órgãos de soberania da organização judiciária, têm competência para administrar

a justiça em nome do povo (arts. 202º/1 CRP e 2º/1 LOSJ).

As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as

de quaisquer outras entidades – arts. 205º/2 CRP e 24º/2 LOSJ.

2. Valor da Causa

O art. 66º CPC remete para os arts. 41º, 117º/1 a) e 130º/1 a) LOSJ.

Art. 41º - este critério de aferição só é aplicável:

(a) Entre os juízos dos tribunais de comarca, isto é, entre os juízos centrais e locais (art. 81º LOSJ);

(b) Dentro dos tribunais de comarca, só é aplicável para o efeito da delimitação da competência das

secções cíveis (dos juízos centrais) face à das secções de competência genérica dos juízos locais;

(c) Se a ação for de natureza declarativa;

(d) Se a ação a instaurar seguir a forma de processo comum.

Arts. 117º/1 a) e 130º/1 a) – as ações declarativas cíveis com processo comum são propostas:

(a) No juízo central cível, quando o seu valor for superior a 50.000€;

(b) No juízo local cível, quando o seu valor for igual ou inferior a 50.000€.

A incompetência em razão do valor da causa é sempre de conhecimento oficioso do tribunal, seja qual for a

ação em que se suscite – art. 104º/2 CPC.

3. Hierarquia:

Os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeitos de recurso das suas decisões (art. 67º CPC) e

de conhecimento de causas em 1ª instância (arts. 68º e 69º CPC).

No que toca a recursos:

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→ Aos tribunais de 1ª instância (tribunais de comarca) cabe-lhes o julgamento de todas as questões,

qualquer que seja o valor da ação;

→ Quando o valor da ação ultrapassa a sua alçada (5.000€), será possível interpor recurso das suas

decisões para o tribunal da Relação, que julgará em 2ª instância;

→ Se a ação tiver um valor superior ao da alçada do Tribunal da Relação (30.000€), a decisão por este

proferida pode ainda ser objeto de recurso para o STJ.

Há, porém, ações que admitem sempre recurso, independentemente do seu valor – art. 629º/2 e 3 CPC.

a) Tribunal de Comarca – art. 67º CPC

Nos termos do art. 80º LOSJ, compete aos tribunais de comarca conhecer das matérias que não são da

competência dos outros tribunais. Ou seja, o tribunal de comarca tem uma competência residual.

Os tribunais de comarca são de competência geral e especializada (art. 80º/2 LOSJ).

Compete-lhes o conhecimento dos recursos das decisões dos notários, dos conservadores do registo e de

outros que, nos termos da lei, para eles devam ser interpostos – art. 67º CPC.

A propósito do desdobramento dos tribunais de comarca, encontramos vários juízos (art. 81º/3). A lei qualifica

como juízo de competência geral o juízo central cível e o juízo local cível – arts. 117º e 130º LOSJ.

A competência do juízo central cível encontra-se definida no art. 117º, sendo que essas competências são:

(a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a 50

000,00 €;

(b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a 50.000 €, as

competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela

competência de juízo ou tribunal;

(c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;

(d) Exercer as demais competências conferidas por lei.

Existem então dois critérios para a determinação do âmbito de competência do juízo central cível: o valor da

causa (50.000€) e a forma do processo (tem de ser um processo declarativo comum).

Os juízos locais cíveis terão competência quando a mesma não for atribuída a tribunais de competência

territorial alargada (art. 130º/1 LOSJ), que são tribunais de primeira instância que, ao contrário do que é

comum, têm uma competência que pode envolver várias comarcas ou até todo o território nacional.

Os juízos de proximidade encontram-se referidos no art. 130º/5 LOSJ e têm como competência praticar os

atos referidos nas alíneas deste artigo. Nestes juízos existe uma delimitação de competência funcional e não

jurisdicional. Estes juízos não se consideram, em si, competentes para determinar uma ação, mas apenas para

a prática de determinados atos.

b) Tribunal da Relação (2ª instância – art. 68º CPC)

Estes tribunais têm competência territorial sobre várias comarcas. Atualmente existem 5 Tribunais da Relação.

Os tribunais da relação estão divididos em várias secções: cível, penal, social, família e menores, comércio,

propriedade intelectual e concorrência, regulação e supervisão.

As secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções – arts. 54º e 74º/1 LOSJ.

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Em matéria de recurso, só chegam às Relações as ações cujo valor seja superior à Alçada do Tribunal de

comarca (5.000€) – art. 68º/2 CPC.

Em termos de hierarquia, existe uma regra segundo a qual nenhum juiz julga outro juiz da mesma hierarquia,

e por isso mesmo existem as regras do art. 73º/b) LOSJ: em primeira instância, as Relações apreciam as ações

que sejam propostas contra juizes de Direito, juízes militares de primeira instância, procuradores da República

e procuradores-adjuntos, por causa das suas funções.

O art. 73º LOSJ define as competências das suas secções, segundo a sua especialização.

c) Supremo Tribunal de Justiça

É o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais – art. 3º/1 LOSJ. Tem várias secções: cíveis, social e

penal, podendo haver outras – art. 47º/1 LOSJ.

O STJ conhece dos recursos e das causas que por lei sejam da sua competência – arts. 69º/1 CPC, 52º LOSJ,

53º LOSJ, 54º LOSJ e 55º LOSJ.

Compete-lhe ainda o conhecimento dos recursos interpostos de decisões proferidas pelas Relações e, nos

casos especialmente previstos na lei, pelos tribunais de 1ª instância – art. 69º/2 CPC.

O modo de julgamento do STJ tem a seguinte especialidade: há uma matéria muito específica que é da

competência das duas secções cíveis do STJ que são os acórdãos de uniformização de jurisprudência.

O mais comum é o julgamento de recursos, normalmente de recursos interpostos nos Tribunais da Relação,

e mantém-se a regra de que os juizes não julgam juizes da mesma hierarquia.

4. Território

Tem dois parâmetros:

(i) Circunscrição territorial correspondente ao tribunal – o STJ tem competência em todo o território

e os tribunais da Relação, assim como os tribunais judiciais de 1ª instância, na área das respetivas

circunscrições – art. 43º/1 LOSJ.

(ii) Elemento de conexão de cada tipo de ações com a circunscrição:

Foro do réu: constitui a regra geral de que a ação se propõe no Tribunal do domicílio do réu, sendo

que esta regra só se aplica se não houver nenhuma regra especial, isto é, é supletiva. Se o réu for uma

pessoa coletiva ou uma sociedade, não se pode falar em “domicílio” e, por isso, o art. 81º/2 vem

apresentar um termo semelhante – sede.

Não tendo aplicação o nº 1, por o réu não ter domicílio (nem residência habitual, nem domicílio profissional,

eletivo ou legal) em Portugal, e não ter também aqui residência, tendo um e outra no estrangeiro, a ação deve

ser instaurada no tribunal do local do território português em que tenha residência não habitual ou em que

se encontrar, ainda que acidentalmente (lugar do paradeiro) – art. 80º/3 CPC.

Não se encontrando o réu em Portugal, deve sê-lo no tribunal do domicílio do autor; ou, residindo este (autor)

no estrangeiro, no tribunal de Lisboa – art. 80º/3 CPC.

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Foro da situação dos bens: devem ser propostas no tribunal da situação dos bens as ações referentes

a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, a ação de divisão de coisa comum (arts. 925º e ss.

CC), de despejo, de preferência (arts. 1028º e ss. CC) e de execução específica sobre imóveis (art. 830º

CC), e ainda as de reforço, substituição, redução ou expurgação de hipotecas (arts. 991º a 1007º CC)

– art. 70º CPC.

Em rigor, mesmo sem serem mencionadas, o Prof. Lebre de Freitas entende que as ações de execução

específica se devem incluir neste foro, pois constituem ações constitutivas cujo trânsito em julgado opera a

transferência do direito real (ou pessoal) de gozo do promitente alienante para o promitente adquirente (art.

830º/1 CC).

Pelo contrário, este preceito não é aplicável às ações de declaração de nulidade ou de anulação de contratos

reais relativos a imóveis, para as quais vigora a norma geral do art. 80º.

Foro obrigacional: é o do lugar onde deve ser cumprida a obrigação. O art. 71º reporta-se às situações

contratuais, em que o tribunal competente é o tribunal do domicílio do réu.

Este artigo estabelece ainda outra solução, em determinadas situações, nomeadamente quando o réu seja

pessoa coletiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana da Lisboa e do Porto, o

réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.

Para a determinação do domicílio, deve atender-se ao que dispõem os arts. 82º e ss. CC. Por sua vez, o lugar

onde a obrigação devia ser cumprida é o que resulta dos arts. 772º a 776º CC.

O art. 71º/2 estabelece o foro para as ações destinadas a fazer valer a responsabilidade civil extracontratual,

seja por facto ilícito, seja pelo risco. Tendo a responsabilidade pré-contratual natureza extracontratual, o

preceito aplica-se-lhe.

Foro do autor: é o do lugar do seu domicílio ou residência. Para as ações de divórcio e de separação

de pessoas e bens, é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor – art. 72º CPC.

O art. 82º apresenta outra regra geral, estabelecendo que “havendo mais de um réu na mesma causa,

devem ser todos demandados no tribunal do domicílio do maior número; se for igual o número nos

diferentes domicílios, pode o autor escolher o de qualquer deles”.

É ainda possível, em determinadas circunstâncias, que sejam as próprias partes a determinar o Tribunal

competente – convenção de competência (arts. 94º e 95º):

(a) Se a convenção tem por fim afastar as regras que regulam a competência internacional dos tribunais

portugueses (art. 62º CPC), tem a designação de pacto privativo ou atributivo de jurisdição – art. 94º

CPC.

O pacto será atributivo quando concedam competência aos tribunais portugueses para apreciação de pedido

referente a uma situação jurídica plurilocalizada para o qual não eram competentes, e será privativo quando

lhes retirem a competência que para tanto tinham por lei.

É também um pacto de jurisdição a convenção pela qual as partes atribuem a uma jurisdição estrangeira

competência concorrente com a competência internacional legal de que já dispunham, e de que continuam a

dispor os tribunais portugueses.

É ainda um pacto de jurisdição aquele que retira a uma jurisdição estrangeira a competência que esta tinha

até então, em concorrência com a competência internacional legal da jurisdição portuguesa, que se mantém.

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Para que o pacto de jurisdição seja válido, tem de preencher cumulativamente certos requisitos (art. 94º/3):

i. Dizer respeito a um litígio sobre direitos disponíveis;

ii. Ser aceite pela lei do tribunal designado;

iii. Ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva

inconveniente grave para a outra;

iv. Não recair sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;

v. Resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito, devendo nele fazer-se menção expressa da

jurisdição competente. Ver, para este efeito, o art. 94º/4 CPC.

A violação do pacto privativo de jurisdição determina a incompetência absoluta do tribunal (arts. 96º/a) e

97º/1 CPC). Esta incompetência tem, todavia, especificidades de regime: não é de conhecimento oficioso (art.

97º/1), nem admite o aproveitamento dos autos a que alude o art. 99º/2 e 3. Por outro lado, não sendo de

conhecimento oficioso, não pode gerar indeferimento da petição inicial em despacho liminar, mas apenas

absolvição do réu da instância, diversamente do que o art. 99º/1 e 3 dá a entender.

(b) Se a convenção entre as partes tem em vista a alteração das regras de competência interna (em razão

do território), trata-se de pacto de competência – art. 95º CPC.

De acordo com a 2º parte do art. 95º/1, é possível as partes afastarem as regras relativas de competência em

razão do território, salvo nos casos a que se refere o art. 104º. Já não será, contudo, possível afastar as regras

de competência em razão da matéria, da hierarquia e do valor da causa (art. 95º/1 1ª parte).

O tribunal escolhido por convenção das partes tem competência exclusiva, pelo que o tribunal que, segundo

a lei, seria o competente, deixa de o ser.

Este pacto de competência tem que respeitar requisitos de forma (art. 95º/2), sendo estes a forma escrita e

designar as questões a que se refere e o critério de determinação do tribunal que fica sendo competente.

A competência fundada na estipulação do pacto é vinculativa para as partes (art. 95º/3 CPC), importando a

sua infração a incompetência relativa do tribunal (art. 102º CPC). O tribunal não pode conhecer oficiosamente

essa violação, a qual está por isso dependente de arguição da parte (art. 103º/1 CPC), sob pena de ficar sanada

a falta do pressuposto.

Em compensação, o tribunal conhece oficiosamente a nulidade do pacto de competência, tendente ao

afastamento das regras de competência que, segundo o nº 1 não podem ser afastadas por vontade das partes

e, consequentemente, da incompetência do tribunal em que, de acordo com o pacto, a ação seja proposta

(arts. 97º e 104º CPC).

➢ Jurisdição e competência

Nem todos os tribunais exercem a mesma função jurisdicional, ou seja, nem todos são competentes para

apreciar o mesmo. Daí a distinção entre jurisdição e competência e a definição do séc. XIX de competência

como a medida de jurisdição que é exercida por um tribunal.

➢ Competência internacional e competência interna

Quando falamos de competência, importa ter presente que os tribunais portugueses não são os únicos

existentes no Mundo, o que levanta o problema de saber qual é a medida de jurisdição que cabe aos tribunais

portugueses – domínio da competência internacional. Por exemplo, havendo um litígio entre uma empresa

portuguesa e uma angolana, que tribunal será competente?

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À competência internacional opõe-se a competência interna, que é a competência dos tribunais nacionais de

um Estado. Tendencialmente, iremos encontrar muitos tribunais competentes para apreciar uma ação. É isso

que justifica que no art. 60º/2 se estabeleça que na ordem interna se reparte pelos tribunais, segundo critérios

de matéria, de valor da causa, de hierarquia judiciária e de território.

Como se articulam a competência internacional e a interna? A competência internacional determina se os

tribunais de um Estado são competentes para apreciar uma matéria. A competência interna determina qual

desses tribunais, na ordem interna, são competentes.

Como é que os Estados delimitam a competência dos próprios Estados?

a) Ou o fazem de forma unilateral – em cada CPC o Estado define a competência internacional dos

tribunais do próprio Estado (arts. 62º e 63º);

b) Ou os Estados acordam numa repartição harmonizada da competência dos seus tribunais através de

uma Convenção Internacional ou fazem-se regulamentos europeus determinando essa competência.

➢ Competência jurisdicional, competência funcional e competência decisória

Num tribunal não há apenas juizes, também há funcionários e secretarias. Qual é a competência das

secretarias e a dos juizes? Esta é uma questão de repartição de funções – competência funcional – e não de

competência jurisdicional.

A competência jurisdicional também se distingue da competência decisória: dentro das matérias atribuídas

ao tribunal, o que é que ele pode decidir? Há uma regra que define que os tribunais de hierarquia máxima não

conhecem matéria de facto, essa matéria fica definitivamente estabelecida na 2ª instância (Relação).

➢ Extensão da competência – arts. 91º e ss. CPC

Esta situação sucede quando o Tribunal é competente para apreciar a ação e, depois, sucede alguma coisa que

permite concluir que é conveniente que o Tribunal continue a ser competente para apreciar outras matérias.

O nº 1 do art. 91º determina que “o tribunal competente para a ação é também competente para conhecer

dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa”.

O art. 92º/1 estabelece que, quando seja necessário, para o conhecimento do objeto da ação, saber a decisão

de uma determinada questão pelo tribunal criminal ou do tribunal administrativo (questão prejudicial), pode

o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.

O art. 92º/2 determina que, em determinadas circunstâncias não se aguarda pela decisão do tribunal

administrativo ou criminal, havendo então uma extensão da competência, uma vez que, “neste caso, o juiz da

ação decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for

proferida”.

➢ Incompetência

O Tribunal tem competência para conhecer da própria competência (princípio da autosuficiência).

O grau de violação depende dos critérios que são violados:

(i) Incompetência absoluta – arts. 96º e ss.:

a) Infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de

competência internacional;

b) Preterição de tribunal arbitral.

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A incompetência absoluta pode ser (art. 97º/1):

(a) Arguida pelas partes;

(b) Deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal, exceto se decorrer de violação de pacto privativo de

jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário. A lógica é a de que se as partes podem, por

sua vontade, designar o tribunal, então fica na disponibilidade delas arguirem a competência do tribunal

que viola o pacto privativo de jurisdição ou o pacto arbitral.

Tudo isto só pode ter lugar enquanto não for houver sentença com trânsito em julgado sobre o mérito da

causa.

A violação das regras da competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só

pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador ou, não havendo lugar a

este, até ao início da audiência final – art. 97º/2.

A verificação da incompetência absoluta implica as seguintes consequências (art. 99º/1):

a) Absolvição do réu da instância – quando a citação não depende de prévio despacho judicial, porque

incumbe à secretaria promovê-la oficiosamente (art. 226º/1), o juiz terá o primeiro contacto com o

processo já depois dos articulados. Conhecerá o vício no momento de proferir o despacho saneador

– art. 595º/1 a). Neste caso, ao conhecer da incompetência absoluta, tem de limitar-se a absolver o

réu da instância. Na verdade, o juiz depara com uma exceção dilatória (arts. 577º a) e 278º/1 a)) o

que terá como consequência a absolvição do réu da instância por força do art. 576º/1 e 2;

Se a incompetência for arguida antes de ser proferido despacho saneador, pode conhecer-se dela

imediatamente ou reservar-se a apreciação para esse despacho; se for arguida posteriormente ao despacho,

deve conhecer-se logo da arguição – art. 98º.

b) Ou indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar – o processo comporta o

indeferimento liminar quando a citação depender de prévio despacho judicial (art. 266º/4). Neste

caso, o juiz, em vez de ordenar a citação do réu, profere despacho de indeferimento liminar ao detetar

o vício da incompetência absoluta do tribunal, de que deve conhecer oficiosamente.

Se a incompetência só for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se, desde que

o autor o requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao

tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada – art. 99º/2.

A decisão que determine a incompetência absoluta do tribunal, embora transite em julgado, tem apenas valor

de caso julgado formal, só valendo no respetivo processo (art. 100º). Ou seja, o caso julgado que se forme

sobre o despacho que determinou a incompetência absoluta do tribunal não tem o alcance de caso julgado

material, o que significa que não tem valor fora do processo em que for proferida (arts. 619º e 620º).

A lei estabelece, porém, uma exceção no art. 101º, permitindo que o STJ ou o Tribunal de Conflitos, conforme

os casos, decida de forma definitiva, através de recurso interposto do acórdão do TR, qual o tribunal

competente em razão da matéria ou da hierarquia para julgar a ação.

(iii) Incompetência relativa – arts. 112º e ss.:

a) Infração das regras de competência fundadas no valor da causa, na divisão judicial do território

ou decorrentes do estipulado na convenção prevista no art. 95º.

A incompetência relativa pode ser arguida pelo réu, sendo o prazo de arguição o fixado para a contestação,

oposição ou resposta ou, não havendo lugar a estas, para outro meio de defesa que tenha a faculdade de

deduzir – art. 103º/1. A arguição não pode partir do autor.

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Sendo a incompetência arguida pelo réu, o autor pode responde no articulado subsequente da ação ou, não

havendo lugar a este, em articulado próprio, dentro de 10 dias após a notificação da entrega do articulado do

réu – art. 103º/2.

O art. 104º estabelece, porém, várias exceções, determinando que a incompetência em razão do território

deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários,

nos casos seguintes:

a) Nas causas a que se referem o art. 70º, a primeira parte do nº 1 e o nº 2 do art. 71º, os arts. 78º, 83º

e 84º, o nº 1 do art. 85º e a primeira parte do nº 1 e o nº 2 do art. 89º;

b) Nos processos cuja decisão não seja precedida de citação do requerido – nos casos aqui previstos, se

ao juiz não fosse dada a possibilidade de conhecer oficiosamente a incompetência, esta nunca poderia

ser conhecida antes de proferida a decisão;

c) Nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro processo.

Para além destes casos, a incompetência relativa é sempre de conhecimento oficioso quando resultar da

infração das regras de competência em função do valor da causa – art. 104º/2.

Quando a incompetência relativa é arguida pelo réu, produzidas as provas indispensáveis à respetiva

apreciação, o juiz decide qual é o tribunal competente para a ação – art. 105º/1.

Se a exceção for julgada procedente, por o tribunal ser considerado incompetente, o processo é remetido

para o tribunal competente, o que significa que o tribunal para o qual a remessa é enviada já não pode voltar

a analisar a competência – art. 105º/3.

Se a exceção for julgada improcedente, o processo prosseguirá normalmente no tribunal onde se encontra

pendente.

No caso de a incompetência radicar da violação de pacto privativo de jurisdição, o juiz não pode ordenar a

remessa do processo para o tribunal estrangeiro competente, visto que a sua jurisdição não vai além das

fronteiras de Portugal. Por isso, só lhe resta proferir despacho a absolver o réu da instância.

Temos ainda de ter em conta o art. 278º/3 que permite que, em determinadas circunstâncias, o tribunal

conheça do mérito apesar da falta de um pressuposto processual.

❖ Competência Internacional dos Tribunais Portugueses

Existem inúmeras regras respeitantes à competência internacional:

1- Regulamentos e legislação europeia;

2- Convenções internacionais – nomeadamente, a Convenção de Lugano. Esta Convenção vincula a

Islândia, a Noruega e a Suíça, e o seu texto é quase igual ao do Regulamento 44/2001.

3- Fontes internas – nomeadamente o CPC (arts. 59º, 62, 63º e 74º(?)).

Há que distinguir, quanto à competência indireta:

» Competência internacional direta – a que é atribuída aos Tribunais de um determinado Estado.

» Competência internacional indireta (art. 980º/c)) – a competência que os tribunais de um Estado

reconhecem aos tribunais de outro Estado.

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» Competência concorrente – tribunais de vários Estados são competentes para decidir, sendo que o

autor pode escolher o tribunal.

Ações torpedo – ações em que o autor intenta uma ação num tribunal que sabe que é incompetente, fazendo-

o porque nesses casos, até que o tribunal se declare incompetente, não se pode propor a mesma ação no

tribunal competente, o que o faz ganhar tempo.

» Competência exclusiva – os tribunais de um Estado consideram-se exclusivamente para reger a ação.

» Competência legal – a que resulta da lei.

» Competência convencional – a que resulta da convenção das partes (pacto de competência).

REGULAMENTO BRUXELAS I BIS (1215/2012)

Este regulamento regula quer a competência internacional quer o conhecimento de decisões.

» Âmbito de aplicação

O âmbito de aplicação deste Regulamento é delimitado em função do preenchimento cumulativo de três

critérios, referentes ao tempo, ao objeto e aos sujeitos.

1. Âmbito Temporal

Nos termos do art. 81º do Regulamento, este aplica-se a partir do dia 10 de janeiro de 2015, com exceção dos

arts. 75º e 76º, que passaram a aplicar-se a partir do dia 10 de janeiro de 2014.

Por sua vez, à luz do art. 66º/1, o Regulamento só se aplica às ações judiciais intentadas, aos instrumentos

autênticos formalmente redigidos ou registados e às transações judiciais aprovadas ou celebradas em 10 de

janeiro de 2015 ou em data posterior. Contudo, o art. 80º do Reg. 44/2001 continua a aplicar-se às decisões

proferidas em ações judiciais intentadas, aos intrumentos autênticos formalmente redigidos ou registados e

às transações judiciais aprovadas ou celebradas antes de 10 de janeiro de 2015 e abrangidas pelo âmbito de

aplicação desse regulamento (art. 66º/2).

2. Âmbito Objetivo-Material

Conforme dispõe o art. 1º/1, o Regulamento aplica-se a:

a) Matéria civil;

b) Matéria comercial.

“Matéria civil e comercial” um conceito específico, autónomo e exclusivo do Regulamento, já que a

qualificação da natureza civil ou comercial de um determinado litígio não é uniforme nos diferentes EM da

UE. Fundamentalmente, o objetivo central do legislador europeu foi o de restringir o âmbito de aplicação

material do Regulamento às relações jurídicas de direito privado.

Estão, no entanto, excluídas da sua aplicação as matérias que, apesar de revestirem natureza civil ou

comercial, digam respeito a:

◊ Estado e capacidade jurídica das pessoas singulares;

◊ Regimes de bens do casamento;

◊ Relações que produzem efeitos comparáveis ao casamento;

◊ Falências;

◊ Concordatas e outros processos análogos;

◊ Segurança social;

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◊ Arbitragem – em algumas situações, é necessário aos tribunais arbitrais recorrer à ajuda dos tribunais

judiciais (ex: para a apreensão de um documento), não sendo este regulamento aplicável a estas

situações. No entanto, o próprio Regulamento diz que não prejudica a sua aplicação a estes casos.

◊ Obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco, casamento ou afinidade;

◊ Testamentos ou sucessões;

◊ Matérias fiscais, aduaneiras e administrativas (art. 1º/1 2ª parte);

◊ Responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da sua autoridade. Nada obsta, no

entanto, à aplicação deste Regulamento quando esteja em causa uma ação proposta por ou contra

uma autoridade pública, desde que o âmbito da ação se reconduza ao domínio do direito privado.

É irrelevante a natureza da jurisdição, ou seja, não importa qual a espécie de tribunal ou a forma do processo,

segundo o direito interno do EM (art. 1º/1 1ª parte).

3. Âmbito Espacial

O Regulamento é vinculativo para todos os EM, com uma especialidade em relação à Dinamarca.

➢ Critério geral de competência:

a) Réu domiciliado na UE

Como critério geral de competência, o Regulamento estabelece que se o réu tiver domicílio ou sede num dos

EM, este deve ser demandado, independentemente da sua nacionalidade, junto dos tribunais desse EM – art.

4º/1. Trata-se de uma solução que visa assegurar a proteção legal das pessoas domiciliadas na UE.

À luz do princípio perpetuatio, aquilo que releva é que o domicílio do réu se encontre fixado no

território da UE no momento em que a ação é proposta, sendo irrelevantes quaisquer alterações

posteriores de domicílio.

Se o autor desconhecer o domicílio atual do réu, designadamente se o mesmo tem domicílio dentro

ou fora do território da UE, o Regulamento será aplicável se o último domicílio conhecido do réu se

situar no território de algum EM.

Este artigo estabelece o princípio da equiparação, segundo o qual as pessoas domiciliadas num EM,

que não possuam a nacionalidade desse Estado, ficam sujeitas às regras de competência internacional

aplicáveis aos nacionais desse Estado (art. 4º/2).

Contudo, mesmo que o réu tenha o seu domicílio ou sede no território de um EM, pode ainda assim

ser demandado num outro EM, quando se verifique alguma das regras especiais de competência

previstas nos arts. 7º e ss., ou quando esteja em causa alguma competência de natureza exclusiva (art.

24º) ou convencional (art. 25º).

Havendo pluralidade de réus, o art. 8º permite que uma pessoa domiciliada num determinado EM

seja demandada perante os tribunais do(s) EM onde os demais réus tenham o seu domicílio, desde

que os pedidos, ainda que tenham por base fundamentos jurídicos distintos, estejam ligados entre si

por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente

para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas em separado, ou

seja, desde que no caso em concreto se verifique uma conexão subjetiva.

b) Réu não domiciliado na UE

Se o réu não tiver domicílio ou sede num EM, em princípio, o Regulamento não poderá ser aplicado, atenta a

circunstância de não se encontrar preenchido o seu âmbito subjetivo. Nessa eventualidade, a competência

internacional para o conhecimento do litígio será definida pela lei interna do Estado no qual foi proposta a

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ação. No caso português, a competência internacional será regulada pelo disposto nos arts. 62º, 63º ou 94º

CPC.

O Regulamento procurou, contudo, atenuar o desequilíbrio que poderia ser gerado por esta solução, dado

que um determinado EM pode consagrar, a nível interno, normas mais protecionistas para os seus cidadãos e

empresas (isto é, normas que permitam eleger mais facilmente o seu foro em caso de conflito internacional),

comparativamente com um outro EM.

Assim, nos termos do art. 6º/1, se estivermos perante litígios em determinadas matérias, a ação pode

ser proposta nos tribunais do EM do domicílio do réu, mesmo que este tenha o seu domicílio ou sede

num Estado terceiro.

Essas matérias são:

(1) Contratos de consumo – art. 18º/1.

(2) Contratos individuais de trabalho – art. 21º/2.

(3) Matérias relacionadas com competência exclusiva dos tribunais dos EM da UE – art. 24º.

(4) Matérias relacionadas com extensão da competência (pactos de jurisdição) – art. 25º.

c) Critérios especiais de competência

Mesmo que o réu tenha o seu domicílio num EM da UE, este pode, ainda assim, ser demandado nos tribunais

de um outro EM se, no caso concreto, se verificar alguma das regras especiais de competência previstas nos

arts. 7º a 25º - art. 5º/1.

Note-se que, estando simultaneamente preenchida a regra geral do domicílio do réu e uma regra especial de

competência, a regra especial não derroga a regra geral: verificando-se no caso concreto algum critério

especial de competência, o autor tem a possibilidade de escolher entre propor a ação nos tribunais do EM do

domicílio do réu ou nos tribunais do EM que sejam competentes à luz desse critério especial; ou seja, a

competência desses tribunais é alternativa.

Isto a não ser que no caso se verifique alguma situação de competência exclusiva (art. 24º) ou convencional

(art. 25º), as quais afastam os critérios gerais e especiais de competência.

➢ Competência em matéria contratual – art. 7º/1

Quando esteja em causa uma obrigação jurídica livremente consentida por uma pessoa para com outra e na

qual se baseia a ação do demandante, o art. 7º/1 a) determina que a ação pode ser proposta perante o tribunal

do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.

No que toca ao lugar do cumprimento da obrigação, o art. 7º/1 b) estabelece diferentes elementos de

conexão, consoante o litígio tenha por objeto:

a) Contrato de compra e venda de bens – lugar num EM onde os bens foram ou devem ser entregues,

salvo estipulação em contrário.

Havendo pluralidade de lugares de entrega num mesmo EM, o tribunal competente para conhecer de todos

os pedidos baseados no contrato é o tribunal em cuja jurisdição territorial se situa o lugar da entrega principal,

que deve ser determinado em função de critérios económicos.

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Na falta de fatores determinantes para definir o lugar da entrega principal, o autor pode demandar o réu no

tribunal do lugar de entrega da sua escolha.

b) Contrato de prestação de serviços – lugar num EM onde os serviços foram ou devam ser prestados,

salvo convenção em contrário.

Sendo o serviço prestado em diversos EM, o tribunal competente para conhecer de todos os pedidos baseados

no contrato é o da jurisdição onde se encontra o lugar da prestação principal dos serviços.

É ainda relevante o aspeto de saber se, tendo o litígio por objeto o cumprimento da obrigação de pagamento

de uma quantia pecuniária, ainda que emergente de um contrato de compra e venda ou de prestação de

serviços, a ação pode ou não ser proposta juntos dos tribunais do lugar onde a obrigação devia ser cumprida

e não perante os tribunais do lugar onde os bens foram entregues ou os serviços prestados. A nossa

jurisprudência tem respondido de forma contraditória a esta questão.

➢ Competência em matéria extracontratual – art. 7º/2

Nestas ações, o réu pode ser demandado perante o tribunal do local onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto

danoso.

Se o lugar onde ocorreu esse facto não coincidir com o lugar onde se verificou o dano, a ação pode ser

instaurada nos tribunais do lugar onde se verificou o dano.

O conceito de “responsabilidade civil extracontratual” tem vindo a ser interpretado de forma

subsidiária em relação ao conceito de “responsabilidade civil contratual”. Assim, o conceito de matéria

extracontratual é hoje reconduzido a qualquer ação que tenha em vista pôr em causa a

responsabilidade do demandado e que não esteja relacionado com a matéria contratual.

O conceito “lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”, segundo a jurisprudência do TJUE,

abrange tanto o lugar onde se verificou o evento causal, assim como aquele onde se verificou o facto

danoso. Aquilo que é relevante é que exista uma forte ligação entre o litígio e o tribunal.

➢ Competência em matéria de seguros

O Regulamento estabelece critérios especiais de competência, os quais visam proteger a “parte mais fraca”.

Neste tipo de litígios, o legislador europeu presume que existe um desequilíbrio ou uma desigualdade entre

as partes, razão pela qual se torna necessários conceder privilégios jurisdicionais aos segurados.

O segurador domiciliado num EM pode ser demandado:

a) Nos tribunais do EM do seu domicílio;

b) No tribunal do lugar em que o tomador do seguro, ou segurado ou o beneficiário tiver o seu domicílio,

quando a ação seja intentada por qualquer um deles;

c) Tratando-se de um cossegurador, perante o tribunal do EM onde tiver sido intentava a ação contra o

segurador principal – art. 11º/1.

d) Perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso, se o seguro for de responsabilidade civil ou

respeitar a um imóvel – art. 12º. O art. 13º estende este regime a terceiros. Assim, em matéria de

seguros de reponsabilidade civil, o segurador pode também ser chamado à ação no processo

intentado pelo lesado contra o segurado, desde que a lei desse tribunal o permita, sendo certo que,

por força no nº 2 deste artigo, o regime previsto nos arts. 10º, 11º e 12º aplica-se no caso de ação

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intentada pelo lesado diretamente contra o segurador, sempre que tal ação direta seja possível à luz

da lei interna do EM onde a ação é proposta.

Sendo a ação proposta pelo segurados contra o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário, são

internacionalmente competentes os tribunais do EM onde o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário

tenham o seu domicílio – art. 14º. Protege-se, assim, a “parte mais fraca”.

➢ Competência em matéria de contratos de consumo

Nestas ações, aplica-se a regra de que a ação proposta por um consumidor (alguém que intervém numa

relação estranha à sua atividade comercial ou profissional) contra a outra parte do contrato (alguém que tem

atividade comercial ou profissional) pode ser intentada quer nos tribunais do EM onde essa parte tiver o seu

domicílio, quer nos tribunais do EM onde o consumidor tiver o seu domicílio – art. 18º/1.

O consumidor pode intentar a ação nos tribunais do EM onde tiver o seu domicílio, mesmo que a parte

contrária não possua domicílio ou sede num EM da UE.

Por outro lado, a fim de proteger a parte mais fraca (o consumidor), o legislador estabelece que a contraparte

(vendedor/prestador de serviços) só pode intentar uma ação contra o consumidor nos tribunais do EM onde

este tenha o seu domicílio.

➢ Competência em matéria de contratos individuais de trabalho

A ação proposta pelo trabalhador contra o empregador que tenha o seu domicílio ou sede num determinado

EM pode ser intentada, à escolha do autor (art. 21º/1):

(a) Nos tribunais desse EM;

(b) Nos tribunais do EM do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu

trabalho;

(c) No tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho.

Não tendo a entidade patronal domicílio ou sede num EM, esta pode, mesmo assim, ser demandada perante

os tribunais do EM onde ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho ou onde

efetuou mais recentemente o seu trabalho, ou ainda no EM onde se situa ou situava o estabelecimento que

contratou o trabalhador.

Pretendendo a entidade patronal mover uma ação judicial contra o trabalhador, essa só pode ser proposta

junto dos tribunais do EM em que o trabalhador tenha o seu domicílio – art. 22º. Mais uma vez, temos aqui a

lógica de proteção da parte mais fraca.

➢ Medidas provisórias e cautelares

O Regulamento estabelece que as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, previstas na lei de

um EM, podem ser requeridas às autoridades judiciais desse EM, ainda que a competência para o

conhecimento do mérito da causa pertença aos tribunais de um outro EM – art. 35º.

Esta solução tem fundamento na necessidade de tutela da urgência, isto é, pode suceder que a lesão de um

direito seja de tal forma iminente que não se torne possível ao requerente, sob pena de se consumar a violação

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do direito, requerer a adoção de medidas cautelares junto dos tribunais competentes para o conhecimento

do mérito da causa.

As medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, impostas pelo tribunal competente para conhecer

do mérito da causa, sem que o requerido seja notificado para comparecer, não deverão ser reconhecidas ou

executadas nos termos do presente Regulamento, a menos que a decisão que contém a medida seja notificada

ao requerido antes da execução (art. 2º/a)). Tal não deverá obstar ao reconhecimento e execução dessas

medidas ao abrigo da lei nacional.

Se medidas provisórias, incluindo medidas cautelares, forem decididas por um tribunal de um EM que não

seja competente para conhecer do mérito da causa, os seus efeitos deverão confinar-se ao território desse

EM.

Há aqui uma alternativa:

a) As medidas provisórias podem sempre ser requeridas no tribunal do domicílio do réu.

b) Medidas provisórias que estejam previstas na lei de um EM podem ser requeridas no tribunal desse

EM.

➢ Competência exclusiva

Conjunto de matérias em relação às quais os tribunais dos EM têm competência exclusiva – art. 24º. Esta

competência, sendo exclusiva, derroga quer o critério geral do domicílio do réu (art. 4º), quer os critérios

especiais de competência constantes dos arts. 7º e ss., quer ainda a competência eventualmente fixada

através da celebração de pactos de jurisdição (art. 25º).

A violação é sempre de conhecimento oficioso (art. 27º) e constitui um impedimento ao reconhecimento de

uma decisão proveniente de outro EM: se este proferir uma decisão em violação das regras de competência,

em Portugal não se pode reconhecer essa decisão, porque estar-se-ia a violar o Regulamento 1215 (art. 45º/1

e) ii)).

O facto de o autor e/ou o réu não residirem num EM da UE não impede a atribuição da competência aos

tribunais de um EM, se a matéria cair num dos casos do art. 24º.

O disposto no art. 24º não é bilateralizável: este art. não é aplicável quando o elemento de conexão se

verifique em relação a um Estado terceiro, ou seja, só se aplica se o elemento de conexão se verificar num EM.

Por exemplo: as partes que estão a litigar são domiciliadas num EM, mas o imóvel que está a ser litigado está

situado num Estado terceiro – neste caso, não se aplica o art. 24º, mas sim a regra geral do art. 4º.

b) Quanto às ações reais (art. 24º/1) – quanto aos direitos reais, a ação tem de se basear no direito

real e não no contrato que tem como efeito essencial o direito de propriedade. Por exemplo, A

celebra um contrato CEV de um imóvel e vão agora discutir o pagamento do preço – neste caso,

discute-se matéria contratual e, por isso, não se aplica este art. Diferente é se se estiver a discutir a

ocupação não autorizada de um imóvel; ou se estivermos perante uma ação de reivindicação; ou se

estivermos perante uma ação de preferência – nestes casos já é o direito real que está a ser discutido.

Já em relação ao arrendamento, o legislador não impõe restrições: estarão abrangidas por este art. todas

as situações relativas ao arrendamento.

c) Matéria de validade da constituição, de nulidade ou de dissolução de sociedades ou de outras

pessoas coletivas ou associações de pessoas singulares ou coletivas, ou de validade das

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decisões dos seus órgãos (art. 24º/2) – nestas matérias, o tribunal aplica as suas regras de

direito internacional privado e, por isso, não se pode aplicar o art. 63º/1 CPC.

➢ Competência convencional

O art. 25º prevê a possibilidade de as partes celebrarem entre si pactos atributivos de jurisdição, isto é,

convencionarem quais os tribunais que serão internacionalmente competentes para dirimirem relações

jurídicas plurilocalizadas em caso de litígio. É uma manifestação do princípio da autonomia privada.

Basta que as partes tenham designado o(s) tribunal(is) de um EM, mesmo que nenhuma delas tenha domicílio

nesse EM ou em qualquer EM, para que estas regras internacionais do art. 25º se apliquem.

Tem de se ter atenção a outra situação: se ambas as partes são domiciliadas no mesmo EM e se:

(1) Atribuem, através do pacto, competência aos tribunais de outro EM – nesse caso, o pacto inclui-se no

âmbito do art. 25º.

(2) Atribuem, através do pacto, competência aos tribunais desse mesmo EM (onde ambas são

domiciliadas), ou seja, aos tribunais que já seriam competentes – nesse caso, a convenção só se inclui

no âmbito do art. 25º se derrogar a competência de outros EM.

Se for atribuída competência aos tribunais de um Estado terceiro, o pacto não se inclui no âmbito do art. 25º.

Para que o pacto de jurisdição seja válido, tem de observar determinados requisitos formais e substantivos:

Quanto aos formais:

a) Ser celebrado por escrito ou verbalmente, com confirmação escrita (arts. 25º/1 a) e 25º/2);

b) Observar os usos que as partes tenham estabelecido entre si ou, no caso de comércio internacional,

os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente

conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial

concreto em questão (art. 25º/1 b) e c)).

Quanto aos substantivos:

a) Não pode violar normas de natureza imperativa. Saber se o pacto é substantivamente nulo quanto à

sua validade substantiva implica saber se está de acordo ou não com a lei do EM do tribunal ou

tribunais designados no pacto, incluindo as regras de conflito de leis desse EM.

b) As partes não podem pretender, com o pacto de jurisdição, afastar a competência exclusiva prevista

no art. 24º (art. 25º/4). (LIMA PINHEIRO diz que neste caso o pacto é ineficaz, TEIXEIRA DE SOUSA diz

que é inválido)

c) Não pode violar as normas de natureza imperativa previstas nos arts. 15º, 19º ou 23º, em relações de

seguro, consumo ou trabalho (art. 25º/4). (LIMA PINHEIRO diz que neste caso o pacto é ineficaz,

TEIXEIRA DE SOUSA diz que é inválido)

A interpretação do pacto de jurisdição cabe ao Tribunal convencionado como o competente.

As partes têm total liberdade na escolha do tribunal competente para o conhecimento do litígio, sem

necessidade de demonstrarem ou de justificarem qualquer tipo de interesse legítimo quanto à

jurisdição por elas escolhida (como é imposto pela lei portuguesa no art. 94º).

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Por conseguinte, sendo a eleição do foro pelas partes autónoma relativamente aos direitos nacionais dos EM,

a validade do pacto de jurisdição deve ser aferida à luz dos requisitos estabelecidos no art. 25º do

Regulamento e não segundo os critérios previstos no nosso direito interno.

NOTA: a invalidade do contrato não põe em causa a cláusula atributiva de competência, há aqui uma

autonomia do pacto em relação ao contrato.

Dupla funcionalidade do art. 25º - as partes podem resolver não apenas a questão da competência

internacional, mas também da competência territorial.

Efeitos:

Em princípio, o pacto atribui competência exclusiva ao Tribunal designado no pacto. Mas isso não quer dizer

que as partes não possam atribuir uma competência alternativa, podendo a parte escolher entre propor a

ação no tribunal designado no pacto ou no tribunal competente por via do Regulamento, ou estabelecer que

o pacto só beneficie uma das partes (ou seja, apenas uma das partes beneficia da hipótese de escolha), ou

que a parte, seja ela qual for, possa propor a ação no seu domicílio ou no domicílio do réu.

Como o pacto atribui competência exclusiva, se a ação for intentada num tribunal diferente do designado e o

demandado não comparecer em juízo, o tribunal deve declarar-se oficiosamente incompetente, quando o

demandado seja domiciliado noutro EM – art. 28º/1.

Em certos casos, a convenção pode ser vinculativa para terceiros. Por exemplo: A celebra um contrato de

seguro e o pacto de jurisdição está no contrato de seguro. Contudo, o segurador não é A, mas sim um terceiro.

Nesse caso, o segurador fica imediatamente abrangido ou vinculado pelo contrato celebrado entre o tomador

(A) e a seguradora.

Pactos tácitos de jurisdição – art. 26º. Se a parte não arguiu a incompetência do tribunal, é porque

tacitamente aceitou a competência desse mesmo tribunal, ou, por outras palavras, significa que foi

celebrado tacitamente um pacto de jurisdição. E assim, o tribunal, que até podia não ser competente,

passa a sê-lo.

Contudo, esta solução não vale para as situações em que a ação tenha sido intentada junto de um determinado

tribunal, em violação de uma regra de competência exclusiva. Aliás, como determina o art. 27º, o tribunal de

um EM no qual seja instaurada, a título principal, uma ação relativamente à qual tenha competência exclusiva

o tribunal de outro EM por força do art. 24º, deve declarar-se oficiosamente incompetente.

Diversamente, se a ação for intentada num tribunal internacionalmente incompetente, e o réu não

comparecer em juízo, o tribunal tem competência para apreciar a sua própria competência, devendo o juiz,

nesse caso, declarar-se oficiosamente incompetente (art. 28º/1).

Se o pacto de jursidição não for cumprido, haverá prejuízos para a parte demandada. Genericamente,

reconhece-se que um dos efeitos gerados pelo incumprimento do pacto de jurisdição é a responsabilidade

contratual.

Quanto ao pacto tácito, haverá que distinguir entre duas situações:

1. O réu contesta, mas não alega a incompetência – neste caso haverá um pacto tácito.

2. O réu não contesta, mas comparece numa diligência e nada diz sobre a incompetência – a

comparência poderá ter aqui subjacente a aceitação da competência e, por isso, a celebração de um

pacto tácito.

O que é importante para que haja um pacto tácito é, então, que a parte tenha uma intervenção processual, e

no âmbito dessa intervenção não seja arguida a incompetência do Tribunal.

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Tal como sucede com o art. 25º, não é exigido que a parte tenha domicílio num EM para que haja a celebração

de um pacto tácito.

Mais uma vez, quando o art. 26º tenha aplicação, não se poderá recorrer à lei interna.

Quando a ação é proposta no EM internacionalmente competente, mas não no tribunal territorialmente

competente, há que distinguir entre duas situações:

a) A competência territorial era regulada no Regulamento (ex: 7º) – nesse caso há uma dupla

funcionalidade e por isso não é necessário recorrer ao direito interno.

b) A competência territorial não é regulada nos termos do Regulamento, mas sim pelo direito interno do

EM – neste caso teríamos de recorrer ao CPC.

➢ Litispendência europeia

O Regulamento estabelece regras que visam impedir a litispendência, isto é, que dois tribunais de diferentes

EM se vejam na contingência de proferir decisões contraditórias em ações pendentes que tenham as mesmas

partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.

Nestes casos, o tribunal no qual a ação tenha sido proposta em segundo lugar deve, oficiosamente, suspender

a instância até que o tribunal onde a ação foi proposta em primeiro lugar decida sobre a sua própria

competência – art. 29º/1.

Para esse efeito, o Regulamento prevê o dever de qualquer um dos tribunais informar o outro acerca da data

em que a ação foi submetida à sua apreciação, por forma a determinar-se qual deles é o competente para o

conhecimento da sua própria competência – art. 29º/2.

Sendo estabelecida a competência do tribunal que foi demandado em primeiro lugar, o segundo tribunal deve

declarar-se incompetente a favor daquele – art. 29º/3.

Para evitar o uso abusivo de meios processuais ou evitar táticas de litigação abusivas (“torpedo

italiano”), e para reforçar a eficácia dos acordos exclusivos de eleição do foro competente, o art. 31º/2

passou a estipular que, se for demandado um tribunal de um EM ao qual tenha sido atribuída

competência exclusiva por força da celebração de um pacto de jurisdição nos termos do art. 25º, os

tribunais dos outros EM, ainda que acionados em primeiro lugar, devem suspender a instância até

que o tribunal que foi demandado com base no pacto de jurisdição se pronuncie sobre a sua própria

competência.

Assim, à luz desta nova regra, o tribunal escolhido pelas partes passa a ter “prioridade na determinação da

sua jurisdição”. No caso de esse tribunal se declarar competente com base na celebração desse pacto, os

tribunais dos outros EM devem declarar-se incompetentes a favor desse tribunal – art. 31º/3.

REGULAMENTO BRUXELAS II BIS (2201/2003)

Este regulamento vincula todos os EM, com exceção da Dinamarca.

Âmbito material (art. 1º):

Matérias civis – decisões em matéria matrimonial e responsabilidade parental.

Quanto aos processos de divórcio, estão incluídos todos os processos

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Art. 63º - Tratados com a Santa Sé (Concordatas): O regulamento é aplicável sem prejuízo do Tratado

Internacional (Concordata) entre a Santa Sé e Portugal, assinado no Vaticano, em 7 de Maio de 1940 (nº 1).

Qualquer decisão relativa à invalidade do casamento regulada pelo Tratado a que se refere o n.º 1 é

reconhecida nos Estados-Membros nas condições previstas na secção 1 do capítulo III (nº 2).

Âmbito espacial

É aplicável sempre que um dos elementos de conexão atribua competência a um EM.

Reconhecimento das decisões:

➢ Art. 21º - As decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros,

sem quaisquer formalidades (nº 1).

➢ Art. 25º - O reconhecimento de uma decisão não pode ser recusado com o fundamento de a lei do

Estado-Membro requerido não permitir o divórcio, a separação ou a anulação do casamento com base

nos mesmos factos.

Relações com a Convenção de Haia, de 19 de outubro de 1996, relativa à competência, à lei aplicável, ao

reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de poder paternal e de medidas de proteção de

menores – art. 61º:

Este regulamento, em matéria respeitante a responsabilidade parental, é uma adaptação da Convenção de

Haia: ha matérias paralelas, e há outras nas quais o Regulamento concretiza o que resulta da Convenção.

O Regulamento prevalece sobre a Convenção em certos casos:

(a) Quando a criança tenha a sua residência habitual no território de um Estado-Membro;

(b) Em relação ao reconhecimento e à execução de uma decisão proferida pelo tribunal competente de

um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro, mesmo se a criança em causa residir

habitualmente no território de um Estado não membro que seja parte contratante na referida

convenção.

Quando não se aplica o Regulamento, para aferir a competência do Tribunal português, recorre-se a:

i. Art. 72º CPC (divórcio).

ii. Art. 80º CPC (ações com outro objeto).

iii. Art. 9º Regime Tutelar Cível (ações de poder paternal).

Competência Internacional

o Regra geral – art. 3º: são competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou

anulação do casamento, os tribunais do Estado-Membro:

a) Em cujo território se situe:

i. A residência habitual dos cônjuges, ou

ii. A última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou

iii. A residência habitual do requerido, ou

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iv. Em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou

v. A residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, no ano imediatamente

anterior à data do pedido, ou

vi. A residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, nos seis meses

imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado-Membro em questão quer,

no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu 'domicílio';

b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, do 'domicílio' comum.

o Art. 4º - O tribunal em que, por força do art. 3.º, estiver pendente o processo é igualmente competente

para conhecer da reconvenção, desde que esta seja abrangida pelo âmbito de aplicação do presente

regulamento.

o Art. 5º - extensão da competência: o tribunal do Estado-Membro que tiver proferido uma decisão de

separação é igualmente competente para converter a separação em divórcio, se a lei desse Estado-

Membro o previr.

o Art. 7º - competências residuais - se nenhum tribunal de um Estado-Membro for competente nos

termos dos arts. 3.º, 4.º e 5.º, a competência, em cada Estado-Membro, é regulada pela lei desse

Estado-Membro. Só se aplica a lei interna quando nenhum dos tribunais dos outros EM possa ser

competente, nos termos do Regulamento.

o Art. 6º - competências exclusivas – a competência definida nos arts. 3º, 4º e 5º têm caráter exclusivo

quando:

Qualquer dos cônjuges:

a) Tenha a sua residência habitual no território de um Estado-Membro; ou

b) Seja nacional de um Estado-Membro ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, tenha o seu 'domicílio' no

território de um destes dois Estados-Membros, só por força dos arts. 3.º, 4.º e 5.º pode ser demandado nos

tribunais de outro Estado-Membro.

Há que fazer, neste âmbito, uma distinção:

4. No art. 24º do Regulamento Bruxelas I bis, quando se fala em competência exclusiva, fala-se do

tribunal que é exclusivamente competente para conhecer determinadas ações.

5. Neste Regulamento de Bruxelas II bis, trata-se da exclusividade da aplicação do próprio Regulamento.

Competência nas ações de responsabilidade parental

▪ Regra geral – art. 8º: os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de

responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à

data em que o processo seja instaurado no tribunal.

Um Acórdão do STJ concretizou o conceito de residência habitual: ideia de estabilidade do domicílio, assente,

designadamente, num conjunto de relações sociais e familiares, demonstrativas da integração na sociedade

local.

▪ Art. 9º - deslocação lícita da criança de um EM para outro: quando uma criança se desloca legalmente

de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais

do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em

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derrogação do art. 8.º, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma

decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança,

desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no

Estado-Membro da anterior residência habitual da criança.

Esta solução não se aplica se o titular do direito de visita referido no n.º 1 tiver aceitado a competência dos

tribunais do Estado-Membro da nova residência habitual da criança, participando no processo instaurado

nesses tribunais, sem contestar a sua competência (nº 2).

▪ Art. 10º - rapto internacional de criança: em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança,

os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da

deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua

residência habitual noutro Estado-Membro.

▪ Art. 11º - é uma adaptação do que a Convenção de Haia dispõe quanto ao regresso da criança. Impõe-

se que, antes que se discuta o que quer que seja, a criança regresse ao EM onde residia antes do rapto.

▪ Art. 12º - extensão da competência: os tribunais do Estado-Membro que, por força do art. 3.º, são

competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são

competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com

esse, nas circunstâncias referidas por este artigo.

▪ Art. 13º - quando a criança não tem residência habitual: se não puder ser determinada a residência

habitual da criança nem for possível determinar a competência com base no art. 12.º, são

competentes os tribunais do Estado-Membro onde a criança se encontra. Esta solução é igualmente

aplicável a crianças refugiadas ou a crianças internacionalmente deslocadas, na sequência de

perturbações no seu país (nº 2).

▪ Art. 15º - foro não conveniente: quando o tribunal, apesar de ser competente, entende que, pelo

facto de a criança ter uma ligação particular, ou pelo objeto da causa, é mais conveniente para apreciar

essa causa, remetendo então para esse.

Este Regulamento não contém nenhuma regra sobre os pactos de jurisdição celebrados de forma expressa,

mas contém algumas regras das quais resultam pactos tácitos de jurisdição: se a parte demandada não

invocar a incompetência do tribunal, o tribunal que era incompetente passa a ser competente – art. 9º/2.

Medidas cautelares:

Art. 20º - em caso de urgência, o disposto no presente regulamento não impede que os tribunais de um

Estado-Membro tomem as medidas provisórias ou cautelares relativas às pessoas ou bens presentes nesse

Estado-Membro, e previstas na sua legislação, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal

de outro Estado-Membro seja competente para conhecer do mérito.

As medidas tomadas por força do n.º 1 deixam de ter efeito quando o tribunal do Estado-Membro competente

quanto ao mérito ao abrigo do presente regulamento tiver tomado as medidas que considerar adequadas (nº

2).

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Litispendência e ações pendentes:

Art. 19º - quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são

instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em

segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em

que o processo foi instaurado em primeiro lugar (nº 1).

Quando são instauradas em tribunais de Estados-Membros diferentes ações relativas à responsabilidade

parental em relação a uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em

que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida

a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar (nº 2).

Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar,

o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declarar-se incompetente a favor daquele.

Neste caso, o processo instaurado no segundo tribunal pode ser submetida pelo requerente à apreciação do

tribunal em que a acção foi instaurada em primeiro lugar (nº 3).

Pode suceder que haja falsas litispendências – quando os objetos não são iguais, mas só uma das ações pode

ser considerada procedente.

REGULAMENTO 4/2009

Este Regulamento é aplicável a todos os EM da UE, com uma nuance em relação à Dinamarca.

Âmbito material:

Este Regulamento é aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco,

de casamento ou de afinidade (art. 1º/1).

Além da competência internacional e do reconhecimento de decisões, este Regulamento estabelece também

a lei aplicável à obrigação de alimentos.

Aplicação universal do Regulamento

É aplicável independentemende do domicílio dos interessados – Considerando nº 15: “A circunstância de um

requerido ter a sua residência habitual num Estado terceiro não deverá mais ser motivo de não aplicação das

regras comunitárias em matéria de competência, devendo deixar de ser feita doravante qualquer remissão

para o direito nacional”.

Regras quanto à competência:

◊ Art. 3º - São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados-

Membros:

a) O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual;

b) O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual;

c) O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa ao

estado das pessoas, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa acção,

salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes – há aqui uma

extensão da competência;

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Direito Processual Civil I Leonor Branco Jaleco

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d) O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à

responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa

acção, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes – há aqui

uma extensão da competência.

◊ Eleição do foro – art. 4:

As partes podem convencionar que o seguinte tribunal ou tribunais de um Estado-Membro têm competência

para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir entre elas em matéria de obrigações

alimentares:

(a) O tribunal ou os tribunais do Estado-Membro no qual uma das partes tenha a sua residência habitual,

(b) O tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro de que uma das partes tenha a nacionalidade,

(c) No que se refere às obrigações alimentares entre cônjuges ou ex-cônjuges:

i. o tribunal competente para deliberar sobre os seus litígios em matéria matrimonial, ou

ii. o tribunal ou os tribunais do Estado-Membro em cujo território estava situada a sua última residência

habitual comum durante um período de pelo menos um ano.

As condições previstas nas alíneas a), b) ou c) têm de se encontrar reunidas aquando da celebração do pacto

relativo à eleição do foro ou quando a acção é instaurada no tribunal.

A competência conferida pelo pacto é exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário.

◊ Competência baseada na comparência do requerido – art. 5º: para além dos casos em que a

competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um

Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência

tiver como único objetivo arguir a incompetência.

◊ Competência subsidiária – art. 6º: quando nenhum tribunal de um Estado-Membro for competente

por força dos artigos 3º, 4º e 5º, e nenhum tribunal de um Estado parte na Convenção de Lugano que

não seja um Estado-Membro for competente por força do disposto na referida Convenção, são

competentes os tribunais do Estado-Membro da nacionalidade comum das Partes.

◊ Forum necessitatis – art. 7º: quando nenhum tribunal de um Estado-Membro for competente por

força dos artigos 3.o, 4.o, 5.o e 6.o, os tribunais de um Estado-Membro podem, em casos excecionais,

conhecer do litígio se não puder ser razoavelmente instaurado ou conduzido, ou se revelar impossível

conduzir um processo num Estado terceiro com o qual o litígio esteja estreitamente relacionado.

O litígio, contudo, deve apresentar uma conexão suficiente com o Estado-Membro do tribunal demandado.

DIREITO INTERNO PORTUGUÊS

Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos

internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos

elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º CPC ou quando as partes lhes tenham atribuído

competência nos termos do artigo 94.º CPC – art. 59º CPC.

Ou seja, só é possível recorrer ao regime interno português da competência quando nenhum dos

regulamentos europeus sejam aplicáveis.

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o Fatores de atribuição da competência internacional – art. 62º CPC

Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial

estabelecidas na lei portuguesa.

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos

factos que a integram – critério da causalidade. O Regente entende que, aqui, os tribunais se estão a

atribuir uma competência exorbitante, de forma excessiva.

c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território

português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro,

desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de

conexão, pessoal ou real – critério de necessidade.

o Competência exclusiva dos tribunais portugueses – art. 63º CPC

Os tribunais portugueses são exclusivamente competentes:

a) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território

português; todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso

pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes

os tribunais do Estado membro da União Europeia onde o requerido tiver domicílio, desde que o

arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo

Estado membro;

b) Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas coletivas

que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos;

para determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado;

c) Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal;

d) Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português;

e) Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas

coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português.

o Pactos de jurisdição – art. 94º CPC

As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios

eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão

com mais de uma ordem jurídica.

A designação convencional pode envolver a atribuição de competência exclusiva ou meramente alternativa

com a dos tribunais portugueses, quando esta exista, presumindo-se que seja exclusiva em caso de dúvida (nº

2).

Validade – art. 94º/3:

A eleição do foro só é válida quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

(a) Dizer respeito a um litígio sobre direitos disponíveis;

(b) Ser aceite pela lei do tribunal designado;

(c) Ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva

inconveniente grave para a outra – esse interesse sério tem de ser justificado pelas partes, aquando

da celebração do pacto de jurisdição;

(d) Não recair sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;

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(e) Resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito, devendo nele fazer-se menção expressa da

jurisdição competente - considera-se reduzido a escrito o acordo constante de documento assinado

pelas partes, ou o emergente de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação

de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham diretamente o acordo quer deles conste

cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja contido (art. 94º/5).

Este regime, contudo, cede perante o regime do art. 25º Regulamento 1215/2013. Ou seja, se o Regulamento

for aplicável, não se recorre ao art. 94º CPC.

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As Partes

As partes processuais constituem os sujeitos que requerem ou contestam a concessão de tutela judiciária

para uma determinada situação subjetiva ou que auxiliam a parte que a requer ou a contesta.

A parte que requer a tutela é o autor e a parte que a contesta é o réu. A parte que auxilia o autor ou o réu é

uma parte acessória. Podem ainda intervir no processo terceiros, que não sejam parte na ação – intervenção

de terceiro.

Note-se que nem todos os terceiros em relação ao processo são necessariamente terceiros perante a própria

parte que está em juízo. Por exemplo, art. 581º/2, a propósito das exceções da litispendência e do caso

julgado, que nos diz que na aferição destas exceções, quando há necessidade de verificar se as partes são as

mesmas, então o que se considera não é uma identidade física, mas sim uma identidade do ponto de vista da

qualidade jurídica. É o caso do de cuius e dos herdeiros, que possuem a mesma qualidade jurídica e, por isso,

constituem apenas uma parte – identidade de partes.

Deste modo, há que distinguir entre:

a) Terceiros perante o processo.

b) Terceiros perante as partes.

Esta distinção tem consequências, nomeadamente para efeitos de impedimento do juiz. Por exemplo,

imagine-se que é proposta uma ação contra um devedor solidário, e que esse devedor solidário é uma pessoa

completamente estranha ao juiz, mas sucede que o outro devedor solidário, que não foi demandado, é, por

exemplo, cônjuge do juiz: poder-se-ia dizer que neste caso não haveria nenhum impedimento a que o juiz

julgasse a causa, uma vez que o seu cônjuge não era parte no processo. Mas pergunta-se: irá mesmo o juiz

julgar uma causa em que o seu cônjuge é devedor solidário do réu? Tal não poderá acontecer, justificando

que o devedor demandado e o devedor não demandado não sejam partes diferentes.

Regras:

O representante (ex: em caso demenores) da parte não vê os efeitos refletirem-se na sua esfera, mas sim na

esfera jurídica do representado.

Não é possível que a mesma parte seja simultaneamente parte ativa e parte passiva (proibição do negócio

consigo mesmo). Por exemplo, duas filiais da mesma sociedade não podem litigar uma contra a outra.

» Identificação das partes – art. 552º (petição inicial):

Erro na identificação passiva quanto à pessoa – por exemplo, o autor engana-se e indica como réu uma pessoa

diferente daquela que deveria ter sido demandada. Em termos processuais, este é um erro “irrelevante”, na

medida em que não se pode corrigir em termos processuais. A consequência que virá daqui é a improcedência

da causa.

Erro na identificação passiva quanto ao nome – por exemplo, o demandado chama-se Joel e foi indicado

como chamando-se João. Se vier a ser citado o Sr. Joel, não haverá consequências; mas se realmente vier a

ser citada uma pessoa diferente daquela que o autor invocou, teremos uma situação de falta/inexistência de

citação: não pode ser citado numa ação alguém que não seja réu nessa mesma ação.

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» Partes principais vs partes acessórias:

São partes principais o autor e o réu. As partes acessórias são aquelas que assumem, em juízo, uma posição

de apoio/auxílio das partes principais, sendo que esse auxílio é resultante de o facto de as partes acessórias

serem titulares de uma relação jurídica ou de um interesse que possa ser afetado pela decisão que seja

proferida na ação. Por isso, a parte acessória tem interesse em que a ação seja julgada procedente quanto à

parte que auxilia.

Podemos ver nos arts. 326º e ss. uma modalidade de intervenção de terceiros que corresponde à modalidade

de intervenção de parte acessória – o assistente.

Esta distinção também tem reflexo na possibilidade de intervenção do MP numa ação. O MP, dentro das suas

funções, pode também intervir, quer como parte principal (numa posição equivalente à de autor ou de réu),

quer como parte acessória – art. 325º CPC.

❖ Pressupostos Processuais quanto às Partes

(1) PERSONALIDADE JUDICIÁRIA

A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte – art. 11º/1 CPC. Ou seja, para se ser parte,

é necessário que se tenha personalidade judiciária.

Pode dizer-se que a personalidade judiciária consiste na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida

qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei.

Note-se que este pressuposto é simultaneamente um pressuposto de todos os outros pressupostos

processuais relativos às partes, na medida em que, faltando a personalidade judiciária, não há sequer parte

no processo.

O processo exige, pelo menos, duas partes em posições opostas: autor e réu.

Imagine-se que é proposta uma ação contra uma pessoa coletiva que não existe ou contra uma pessoa

singular que faleceu: em ambos os casos se trata de situações de inexistência. O problema que se coloca é o

de saber se esta inexistência se reconduz a outra situação relativa às partes, ou se pelo contrário pode ser

reconduzida à falta de personalidade judiciária. TEIXEIRA DE SOUSA adota esta última posição, afirmando que

se se trata de uma situação de inexistência, a parte não tem personalidade judiciária, uma vez que nem sequer

pode ser parte.

Critérios de atribuição de personalidade judiciária:

1. Critério da coincidência (art. 11º/2) – quem tiver personalidade jurídica, tem também personalidade

judiciária. De acordo com o art. 66º/1 CC, a personalidade jurídica adquire-se no momento do

nascimento completo e com vida. Adquirida a personalidade jurídica (e porque esta corresponde à

capacidade civil de gozo e de direitos), qualquer pessoa, maior ou menor, capaz ou incapaz, pode ser

parte numa causa.

As pessoas coletivas, porque dotadas de personalidade jurídica, têm igualmente personalidade judiciária. É o

que se verifica em relação às associações constituídas por escritura pública e às fundações reconhecidas pela

autoridade administrativa independente (art. 158º CC), às sociedades comerciais devidamente registadas (art.

5º CSC) e às sociedades civis sob forma comercial (art. 1º/4 CSC).

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2. Critério da autonomia patrimonial (art. 12º) – este artigo estende a personalidade judiciária a

entidades que não têm personalidade jurídica. É o caso da herança jacente (art. 12º/a)) que

consubstancia os bens que determinado de cuius deixou e ainda não foram aceites (art. 2046º CC); e

ainda o caso dos patrimónios autónomos, tendo em consideração que o STJ entendeu que um fundo

de investimento imobiliário pode ser considerado um património semelhante ao da herança jacente,

não pela circunstância de não ter titulares, mas pela circunstância de os titulares desse fundo de

investimento serem de determinação muito difícil e de esta variar constantemente.

Personalidade judiciária das sucursais – art. 13º: uma sucursal, agência, filial, delegação ou

representação de uma sociedade não tem personalidade jurídica, uma vez que essa é atribuída à

sociedade. No entanto, o art. 13º/1 atribui às sucursais personalidade judiciária quando a ação

proceda de facto por elas praticados. O nº 2 deste artigo estende a atribuição de personalidade

judiciária a sucursal, na hipótese de a ação não derivar de facto praticado pela mesma, mas a

obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal,

no caso de a administração principal ter a sede ou o domicílio em país estrangeiro.

A personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações prevista no art. 13º

não impede, naturalmente, que nos casos aí indicados a ação respetiva seja diretamente proposta pela ou

contra a administração principal da pessoa coletiva.

Note-se que a regra do art. 13º/2 CPC cede perante a do art. 7º Regulamento 1215/2012. Isto porque o que

o art. 13º/2 CPC faz é alterar o réu (deixa de ser a sociedade-mãe para passar a ser a sucursal); apesar de

parecer que este art. está apenas relacionado com o pressuposto da personalidade judiciária, a verdade é que

existe uma “manipulação da competência”, na medida em que se vai alterar o domicílio do réu (deixa de ser

o domicílio da sociedade para passar a ser o domicílio da sucursal). Ora, se o CPC (lei interna) pode alterar as

suas próprias regras internas de competência, já não o poderá fazer quanto às regras internacionais. Assim,

se o Regulamento 1215/2012 for aplicável, não se poderá recorrer à regra do art. 13º/2 CPC, prevalecendo a

regra constante do art. 7º/5 do Regulamento.

NOTA: todas as entidades a que é reconhecida personalidade judiciária nos termos dos arts. 12º e 13º, são

representadas em juízo nos termos definidos pelo art. 26º.

Falta de personalidade judiciária

Uma vez que a falta de personalidade judiciária deriva da inexistência da pessoa jurídica, o vício é insanável.

Há, contudo, a exceção do art. 14º, que permite que a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências,

filiais, delegações ou representações possa ser sanada mediante a intervenção da administração principal e

a ratificação ou repetição do processado.

O art. 14º, contudo, não distingue consoante se trate de uma sucursal demandante ou de uma sucursal

demandada:

→ Quando a sucursal seja autora na causa, o juiz deve, cumprindo o art. 6º/2, ordenar a citação da

respetiva administração principal. Se esta intervir e ratificar o processo, fica regularizada a instância.

Se intervir, mas, em vez de ratificar, repetir o processado, tal garantirá também a regularização da

instância. Já se a administração principal não intervier, persiste o vício e o juiz absolverá o réu da

instância.

→ Se a sucursal for ré na causa, o juiz, ainda em cumprimento do art. 6º/2, deve também ordenar a

citação da administração principal da demandada, como meio de assegurar a regularização da

instância: assim, a administração principal pode intervir, ratificando ou repetindo o processado. Se

esta não intervir, não ratificando nem repetindo o processado, o problema já não se coloca ao nível

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do pressuposto da personalidade judiciária, uma vez que o vício foi entretanto suprido por via da

citação da administração principal. Neste caso, tudo se passa como se, desde o início, a ação tivesse

sido instaurada diretamente contra a administração principal, pelo que a contestação fica sem efeito

e o ente jurídico em causa incorre em revelia do réu (arts. 567º e 568º). Não haverá justificação neste

caso para a absolvição da instância, uma vez que tal configuraria uma vantagem injustificada para a

administração principal, com a agravante de isso ser pouco compatível com o princípio da economia

processual, na medida em que é previsível que uma nova ação (similar à primeira) venha a ser

proposta contra esta administração principal.

Note-se que a citação ordenada pelo juiz, à luz do art. 6º/2, não impede que a parte contrária à sucursal

requeira a citação da administração principal desta, como forma de tentar sanar o vício. Também será de

admitir a intervenção da administração principal por sua própria iniciativa.

Nas hipóteses em que a falta de personalidade judiciária não é sanável, consubstanciar-se-á uma exceção

dilatória (art. 577º/c)), que é de conhecimento oficioso (art. 578º). As consequências serão distintas,

atendendo ao momento em que se tem o conhecimento desse vício:

a) Se a citação do réu depender de prévio despacho judicial – art. 266º/4 – e se a exceção não for sanável

nos termos do art. 14º, pode o juiz, em vez de ordenar a citação, indeferir liminarmente a petição

inicial.

b) Se a falta de personalidade judiciária só for reconhecida no despacho saneador, deve o juiz proferir

despacho de absolvição do réu da instância por falta de um pressuposto processual.

Imunidades diplomáticas:

Gozam de imunidades de jurisdição, ou seja, não podem ser demandadas no tribunal de outro Estado:

(i) Diplomatas.

(ii) Certas organizações internacionais – ex: ONU.

(iii) Estados estrangeiros – depende, contudo, a que título é que o Estado age. Neste âmbito,

distinguem-se:

- Atos de soberania (ius imperii) – por estes atos, o Estado não pode ser demandado nos tribunais de outro

Estado.

- Atos de gestão – ex: a embaixada daquele Estado celebrar um contrato de empreitada. Por estes atos, o

Estado já poderá ser demandado no tribunal de outro Estado.

A imunidade é renunciável.

(2) CAPACIDADE JUDICIÁRIA

Temos uma noção legal de capacidade judiciária no art. 15º CPC: esta consiste na suscetibilidade de estar, por

si, em juízo. Isto quer dizer que a pessoa tem capacidade judiciária quando puder estar por si, pessoal e

livremente, em juízo. O nº 2 do art. 15º dispõe que a capacidade judiciária tem por base e medida a capacidade

do exercício de direitos; quer isto dizer que a capacidade judiciária decorre da capacidade jurídica prevista no

art. 67º CC.

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A possibilidade de poder estar por si em juízo implica a possibilidade de a parte, por si, tomar diversas decisões

relativas à lide, seja a de propor ou não propor a ação, de contestar ou não a ação, a de desistir da instância

ou do pedido, a de confessar o pedido e a de transigir.

Nos casos em que a parte não possa por si estar em juízo, a sua intervenção judicial deverá fazer-se através

de representante legal (art. 16º), assim ficando suprida a incapacidade, sob pena de violação de um

pressuposto processual.

Existe uma forma de representação, em muitas ações, que é a representação das partes por advogados –

patrocínio judiciário. Há determinados casos em que esta representação é obrigatória – patrocínio judiciário

obrigatório. Esta forma de representação distingue-se da capacidade judiciária pelo facto de a representação

ser feita para efeitos meramente técnicos (TEIXEIRA DE SOUSA não concorda).

Há duas grandes áreas no âmbito da capacidade judiciária:

➢ Pessoas coletivas em sentido amplo – só podem estar em juízo representadas (representação

orgânica). A lei trata da representação orgânica nos arts. 24º (representação do Estado) e 25º

(representação das outras pessoas coletivas e sociedades).

i. Art. 24º - o Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei

especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, cessando a intervenção

principal do Ministério Público logo que este esteja constituído.

ii. Art. 25º - encontra-se neste art. uma norma remissiva: “as demais pessoas coletivas e as

sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem” (art.

25º/1).

➢ Pessoas singulares – trata-se de uma capacidade natural, sendo que, em situações de incapacidade,

essa incapacidade poderá ser suprida pela representação.

O art. 26º refere-se aos casos em que as entidades têm personalidade judiciária, mas não têm personalidade

jurídica: Salvo disposição especial em contrário, os patrimónios autónomos são representados pelos seus

administradores e as sociedades e associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as sucursais,

agências, filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam como diretores, gerentes ou

administradores.

Suprimento da incapacidade judiciária – art. 27º:

Em primeiro lugar, temos de saber quem são as entidades dotadas de capacidade judiciária – o art. 15º/2

dispõe que a capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos.

Esta disposição levanta um problema de interpretação (MTS) – podemos ver esta capacidade de exercício em

função do ato que justifica o processo; mas podemos também ver esta capacidade de exercício em função dos

efeitos que podem decorrer do processo.

Por exemplo, no caso de uma doação feita a um incapaz, a lei estabelece que o incapaz tem capacidade para

aceitar a doação, contudo, sendo parte num processo, este não tem capacidade para estar em juízo, ou seja,

não tem capacidade judiciária.

Deste modo, quando se lê “por base e por medida a capacidade do execício de direitos”, deve entender-se

antes que a capacidade judiciária tem por base e medida a capacidade para produzir os efeitos que podem

decorrer da ação.

→ Há uma novidade legislativa, que suprime as categorias da interdição e da inabilitação, substituindo-

as pelo regime do maior acompanhado. Isto traduz-se, concretamente, em que há situações de

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incapacidade de exercício que são supridas pelo representante e, à luz deste novo regime, pelo

acompanhante e, no caso dos (antigos) inabilitados, através da autorização para propor a ação.

Quanto à parte passiva, não faz sentido autorizar alguém a ser réu e, por isso, não é exigida tal autorização.

Contudo, no caso de o réu estar sujeito a um regime de representação, a situação é diferente: exigir-se-á que

a ação seja proposta contra o incapaz, mas indicando o representante do incapaz.

» Em relação aos menores, o regime é o seguinte:

a) Da conjugação do art. 123º CC com o art. 15º/2 CPC, resulta que o menor não tem capacidade

judiciária. A incapacidade do menor termina quando ele atinge a maioridade ou é emancipado (arts.

129º, 130º, 132º e 133º CC).

b) Em princípio, a incapacidade dos menores é suprida pela representação por ambos os seus

progenitores de comum acordo (arts. 16º/2 e 3 CPC e 1901º/1 e 2 CC) ou, subsidiariamente, por um

tutor (art. 124º CC). Uma vez que a representação será feita, em princípio, por ambos os progenitores,

será de aplicar o art. 18º CPC em caso de desacordo entre ambos quanto à representação do menor.

c) Em regra, de acordo com o art. 1889º, os pais não necessitam de autorização para propor a ação; já o

tutor necessitará.

d) Quando os pais tenham sido excluídos, inibidos ou suspensos da administração dos bens do menor,

ser-lhe-á instituído um regime de administração de bens (art. 1922º CC).

e) A título excecional, reconhece-se validade a certos atos e negócios jurídicos praticados pelo menor

(arts. 16º/1 2ª parte CPC e 127º CC). Tendo capacidade jurídica para a prática desses atos e negócios,

pode então o menor litigar por si próprio em ações que os tenham por objeto.

f) Nas ações propostas contra o menor, ambos os progenitores devem ser citados – art. 16º/3.

» Em relação aos maiores acompanhados, o regime é o seguinte:

a) O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer,

plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus

deveres, beneficia de medidas de acompanhamento (art. 138º CC).

b) O acompanhamento é decidido pelo tribunal, após audição pessoal e direta do beneficiário, e

ponderadas as provas (art. 139º/1 CC). Em qualquer altura do processo, podem ser determinadas as

medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa

e bens do requerido (art. 139º/2 CC).

c) O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo

unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo

Ministério Público (art. 141º/1 CC). Esta autorização do beneficiário pode ser suprida pelo tribunal

quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal

considere existir um fundamento atendível (art. 141º/2 CC)

d) O pedido de suprimento da autorização do beneficiário pode ser cumulado com o pedido de

acompanhamento (art. 141º/3 CC).

e) O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou

pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente (art. 143º/1 CC). Na falta de escolha, o

acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o

interesse imperioso do beneficiário, sendo que o art. 143º/2 CC apresenta uma lista.

f) Se for um regime de representação, aplica-se o art. 16º/1 CPC.

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g) Se for um regime de autorização, aplica-se o art. 19º/1 CPC. A intervenção do maior acompanhado

quanto a atos sujeitos a autorização fica subordinada à orientação do acompanhante, que prevalece

em caso de divergência com o acompanhado.

Nomeação do representante legal:

Pode acontecer que o incapaz não tenha representante legal na altura em que se pretende propor uma ação

em seu nome ou quando a ação foi proposta contra ele. A lei admite, no art. 17º CPC, a designação de um

curador provisório em duas situações:

1- Quando o incapaz não tem representante legal e a ação é urgente – art. 17º/1.

2- Quando o incapaz deva ser representado por um curador especial/provisório – art. 17º/3. E quando é

que deve ser? Nas situações em que o litígio é entre o próprio representante e o representado (ex:

ação de impugnação da paternidade – art. 1846º/3 CC) e quando o próprio conflito seja entre

representados pelo mesmo representante.

Nos termos do art. 17º/2, o curador provisório pode praticar os mesmos atos que competiriam ao

representante geral, cessando as suas funções logo que o representante nomeado ocupe o lugar dele no

processo.

Se a questão da incapacidade judiciária surgir no momento da citação, por se ter verificado a impossibilidade

de o citando a receber, o incapaz será representado na ação por um curador especial – art. 20º.

Pode ainda surgir a necessidade de nomear um curador provisório, apesar de não faltar o representante legal.

É o que acontece quando, no decurso do processo, se verifica a falta de acordo dos progenitores quanto à

orientação da defesa dos interesses do menor – art. 18º/2.

Defesa do incapaz pelo MP (sub-representação) – art. 21º:

A lei procura salvaguardar os interesses dos incapazes e, por isso, perante uma situação em que o incapaz é

demandado e não contesta, a lei procura evitar que esta falta de contestação fique na negligência dos seus

representantes.

Assim, dá a lei ao incapaz uma segunda oportunidade de defesa, a cargo do MP (sub-representante), sempre

que o incapaz ou o seu representante legal, quando devidamente citados, não deduzirem oposição. Para isso,

é citado o MP e corre novamente o prazo para a contestação.

Quando o MP represente o autor, será nomeado um defensor oficioso – art. 21º/2. Este desempenhará o

papel que caberia ao MP.

A representação pelo MP ou pelo defensor oficioso cessa logo que seja constituído mandatário judicial ou

ausente do incapaz – art. 21º/3.

Sanação da incapacidade judiciária e da irregularidade de representação:

É importante ter em conta que ao autor incumbe assegurar os pressupostos processuais, mas já não lhe

incumbe assegurar os pressupostos dos atos processuais do réu.

O autor, para assegurar o pressuposto da capacidade judiciária deve:

a) Se for incapaz, estar representado;

b) Se for o réu o incapaz, propor a ação contra ele, mas indicando os seus representantes.

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A capacidade judiciária, contudo, também é um pressuposto de atos processuais: o ato praticado pela parte

não é válido se não for praticado pelo representante do incapaz. Mas aí a consequência é que é o ato

processual que fica sem efeito, não havendo situação de falta de um pressuposto processual.

De acordo com o art. 27º/1, a incapacidade judiciária e a irregularidade de representação são sanadas

mediante a intervenção ou citação do representante legítimo do incapaz.

O nº 2 do mesmo art. estabelece que se os representantes ratificarem os atos anteriormente praticados pelo

incapaz, o processo segue como se o vício não existisse. Ou seja, se o incapaz estiver por si em juízo, quando

só podia estar por intermédio do seu representante legal, verifica-se um caso de incapacidade judiciária, que

constitui uma exceção dilatória (art. 577º/c)). A incapacidade judiciária pode, no entanto, ser sanada a todo

o tempo pela intervenção do representante legítimo: basta que este ratifique o processado pelo incapaz para

que o vício se considere sanado.

No caso de não ratificar, fica sem efeito todo o processado posterior ao momento em que a falta se deu ou a

irregularidade foi cometida, correndo novamente os prazos para a prática dos atos não ratificados, que podem

ser renovados; ou seja, ter-se-á que repetir a prática dos atos.

Se o vício não for sanado (não houver ratificação nem repetição), ou seja, havendo omissão, há que distinguir

entre a situação de:

(a) Falta de um pressuposto processual – a consequência é a absolvição do réu da instância por

incapacidade judiciária, que constitui uma exceção dilatória (art. 577º/c)).

(b) Falta de um pressuposto de um ato processual – a consequência é que ato praticado pelo incapaz fica

sem efeito, originando uma situação de revelia; mas o processo continua. É o que sucede se faltar a

capacidade judiciária em relação a outros atos que não a P.I. (em relação à qual a representação, em

caso de incapacidade, é condição do pressuposto de capacidade judiciária), como por exemplo, a

réplica, esses ficarão sem efeito, mas o processo continua, uma vez que nestes casos a falta de

representação leva apenas à falta de um pressuposto de um ato processual.

Há que distinguir três situações:

1. Incapacidade stricto sensu – sucede quando, violando o art. 16º/1, o incapaz não está representado,

seja do lado passivo seja do lado ativo.

Nos casos de incapacidade, o regime aplicável é o do art. 27º/1, conjugado com o do art. 28º/2, sendo o

regime sempre o mesmo (o representante legal deve intervir, ratificando ou repetindo, caso contrário fica

sem efeito o processado pelo incapaz), dependendo depois do momento em que o juiz se apercebe do vício:

a) Se o vício se verificar logo na petição inicial:

(i) Se o incapaz for o autor e não houver ratificação nem repetição pelo representante, o juiz profere

despacho liminar, havendo lugar à absolvição da instância (arts. 577º/c) e 278º/1 c)).

(ii) Se o incapaz for o réu, o processo prossegue, produzindo-se as consequências próprias da omissão

do ato em causa, por invalidade do praticado pelo incapaz (citação do MP para assumir a sub-

representação e, se ele não contestar, revelia do réu).

b) Se o vício respeitar a ato processual posterior à propositura da ação – ou seja, o juiz apenas se

apercebe do vício posteriormente à P.I. (ex: réplica pelo incapaz) – o processo prossegue, produzindo-

se as consequências próprias da omissão do ato em causa, por invalidade do praticado pelo incapaz

(citação do MP para assumir a sub-representação e, se ele não contestar, revelia do réu).

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2. Irregularidade – sucede quando, embora o incapaz esteja representado em juízo, não o está pelo

devido representante legal.

Nos casos de irregularidade, aplica-se novamente o regime dos arts. 27º e 28º, dependendo novamente do

momento em que o juiz se apercebe do vício.

Se a irregularidade de verificada consistir na preterição de um dos pais, tem-se como ratificado o processado

anterior, quando o preterido, devidamente notificado, nada disser dentro do prazo fixado. Havendo desacordo

dos pais acerca da repetição da ação ou da renovação dos atos, esse desacordo será decidido em

conformidade com o disposto no art. 18º - art. 27º/3.

3. Falta de autorização (art. 29º) – trata-se da falta de autorização ou deliberação que o representante

da parte (incapaz, pessoa coletiva, ente com mera personalidade judiciária) devesse obter para

exercer a representação.

Tem de se distinguir se o vício afeta:

a) A parte ativa – se o representante do autor carece de autorização ou deliberação para a propositura

da ação, a sua não obtenção no prazo fixado pelo juiz, por traduzir a falta de um pressuposto

processual, dá lugar à absolvição do réu da instância (arts. 29º/2, 577º/d) e 278º/1 c)).

b) A parte passiva – se a autorização ou deliberação for exigida ao representante da parte passiva, que

não a obtém, fica a contestação, por falta de um pressuposto deste ato processual, sem efeito

continuando o processo como se o réu não deduzisse oposição (sem prejuízo, quando o réu for um

incapaz, do regime da sub-representação).

Concluindo, há várias situações em que a contestação fica sem efeito, sendo que a consequência geral é a

revelia; contudo, existe o regime especial que é aplicável antes de o incapaz se tornar revel (art. 21º - sub-

representação pelo MP): neste caso, a contestação fica sem efeito, mas como o incapaz tem de ser protegido,

ele não entra automaticamente em revelia; antes desta, suceder-se-á a possibilidade de o incapaz ser

representado pelo MP. Se o MP não contestar, então aí haverá revelia.

Hoje em dia, com a alteração legislativa (em que os regimes de inabilitação e de interdição foram unificadas

no regime do maior acompanhado), o curador tem funções de assistência e, nalgumas situações, de

representação. É isso que justifica que o atual nº 1 do art. 27º, além do representante legítimo, fale no curador

do incapaz.

(3) PATROCÍNIO JUDICIÁRIO OBRIGATÓRIO

O patrocínio judiciário consiste na assistência técnica prestada às partes por profissionais do foro. Trata-se de

uma situação de representação, mas não por um representante legal e sim por um profissional do foro.

Geralmente as partes não têm os conhecimentos indispensáveis para conduzir o pleito e, por isso, devem estar

representadas em juízo por técnicos devidamente habilitados para o fazer.

Atente-se que o patrocínio judiciário só constitui um pressuposto processual quando é obrigatório, ou seja,

quando é imposto por lei, o que permite concluir pela existência de causas em que as partes podem litigar

por si.

O direito ao patrocínio judiciário encontra-se constitucionalmente estabelecido no art. 20º/2 CRP.

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A representação da parte em juízo só pode ser feita por um advogado nos casos previstos no art. 40º CPC. O

art. 42º dispõe ainda que nas causas em que não seja obrigatória a constituição de advogado, podem as

próprias partes pleitear por si ou ser representadas por advogados estagiários ou por solicitadores.

O patrocínio judiciário não se confunde com a assistência técnica aos advogados, prevista no art. 50º. Esta é

prestada ao advogado e não propriamente à parte. Justifica-se nos casos em que no processo se suscitam

questões de natureza técnica para as quais o advogado não tenha a necessária preparação (ex: quando

estejam em causa questões do domínio da engenharia ou da medicina).

Constituição obrigatória de advogado

Em todas as causas é admitida a intervenção de advogados em representação das partes. Porém, há causas

em que, pela sua importância ou pela sua natureza, essa intervenção se torna obrigatória. Só nestas causas se

poderá falar deste pressuposto processual. Nos termos do art. 40º/1, é obrigatória a constituição de

advogado:

a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário –

refere-se às ações cujo valor exceda a alçada da 1ª instância e que, por isso, admitem recurso

ordinário. A admissibilidade de recurso ordinário resulta da conjugação do valor da causa com o da

alçada do tribunal que proferiu a decisão (art. 629º/1): é admissível recurso ordinário nos casos em

que o valor da causa é superior ao da alçada do tribunal de que se recorre (arts. 629º/1 CPC e 44º

LOSJ). Exclui-se deste critério os julgados de paz, que não têm alçada própria.

b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor – situações em que

mesmo que o valor da causa seja inferior à alçada do Tribunal que proferiu a decisão, é possível

recurso (art. 629º/2 e 3).

c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores – há casos excecionais em que a

possibilidade de recurso apenas se coloca num momento mais adiantado da causa, normalmente em

face da sentença, não pelo valor da ação, nem por se tratar de ação que versa sobre matérias

determinadas, mas sim em face do próprio teor da decisão. Assim acontece, por exemplo, nos casos

previstos nas alíneas b) e c) dos nº 2 e 3 do art. 629º. Esta norma é inconstitucional, quando

interpretada no sentido de ser obrigatório constituir advogado na fase de recurso da decisão que

indefere um pedido de apoio judiciário que inclua a nomeação de patrono e a dispensa total de

pagamentos dos respetivos honorários (ac. do TC).

NOTA: convém lembrar que há casos em que as ações são propostas nos Tribunais da Relação ou no STJ,

funcionando nesses casos como tribunais de 1ª instância. Nos tribunais superiores, é sempre obrigatória

a constituição de advogado, quer para a propositura das ações nos casos em que têm o seu início no TR

ou no STJ, quer nos casos em que as causas sobem ao tribunal superior pela via do recurso.

Mesmo nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, podem as próprias partes, por si sós, fazer

requerimentos que não envolvam questões de direito (art. 40º/2).

Mandato Judicial

A intervenção em juízo do advogado depende de um mandato, conferido nos termos do art. 43º, pelo qual a

parte (mandante) atribui ao advogado (mandatário) poderes para a representar em todos os atos e termos

do processo e respetivos incidentes (art. 44º/1). Estes são os chamados poderes forenses gerais (art. 45º/1),

nos quais se inclui o poder de substabelecer o mandato (art. 44º/2).

O art. 45º/2 estabelece poderes forenses especiais, que não estão incluídos na concessão do mandato judicial

– transação, confissão e desistência – apenas podendo o advogado praticar um destes atos se estiver munido

de uma procuração que os autorize expressamente a praticar qualquer desses atos. Se o mandatário praticar

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um desses atos sem procuração de poderes especiais, a parte tem a possibilidade de ratificar ou não: só

produz efeitos a transação, confissão ou desistência praticada pelo mandatário se for ratificada pela parte.

Porém, quando a nulidade da confissão, desistência ou transação provenha unicamente da falta de poderes

do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato, a sentença homologatória é notificada

pessoalmente ao mandante, com a cominação de, nada dizendo, o ato ser havido como ratificado e a nulidade

suprida; se declarar que não ratifica o ato, este não produz quanto a si qualquer efeito (art. 291º/3).

O mandato judicial pode ser conferido (art. 43º):

a) Por meio de instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e

da legislação especial. O DL 267/92 de 28/11, no seu artigo único, dispensou a intervenção notarial

nas procurações passadas a advogados para a prática de atos que envolvam o exercício do patrocínio

judiciário, quer concedam simples poderes forenses gerais, quer poderes especiais.

b) Por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo.

A eficácia do mandato depende de aceitação, que pode ser manifestada no próprio instrumento público ou

em documento particular, ou resultar do comportamento concludente do mandatário (art. 44º/4). O

comportamento concludente exprime-se normalmente pela junção da procuração ao processo.

Em geral, o mandato judicial é exercido por advogados, que têm de ser licenciados em Direito e de estar

inscritos na OA. Contudo, há duas situações em que o mandato pode ser exercido por alguém que não

advogado:

1) Os magistrados judiciais podem litigar em causa próprio;

2) O DL 148/200 de 19 de julho, que assegura a representação dos membros do Governo quando são

demandados pelo exercício das suas funções pelo órgão próprio do Estado.

Normalmente, a escolha do advogado cabe à parte. Contudo, isto pode não suceder:

(a) Quando a parte beneficie do apoio judiciário, caso em que será a OA a designar o advogado;

(b) Quando é o próprio tribunal, em caso de urgência, a nomear um advogado.

Revogação e renúncia do mandato:

O mandato pode ser revogado pela parte que concedeu os poderes e também pode o advogado renunciar ao

mandato recebido.

A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao

mandatário ou ao mandante, como à parte contrária (art. 47º/1). É a partir da notificação que se produzem

os efeitos da revogação e da renúncia (art. 47º/2).

Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não

constituir novo mandatário no prazo de 20 dias (art. 47º/3):

a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;

b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-

se os atos anteriormente praticados;

c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do

requerente, opoente ou embargante.

A diferença de sanções aplicáveis é compreensível:

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a) O autor está interessado em que o processo prossiga. Por isso, se não constituir novo mandatário, a

instância fica suspensa e, mais tarde, será considerada deserta, nos termos do art. 281º/1.

b) Se foi o réu que não constituiu novo mandatário, não se pode suspender a instância, porque isso seria

do seu interesse. Neste caso, o processo seguirá os seus trâmites, aproveitando-se os atos praticados

pelo advogado cujo mandato terminou.

Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou o requerido não puderem ser

notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do art. 51º/3 (art. 47º/4).

Patrocínio a título de gestão de negócios

O art. 49º CPC estabelece que, em casos de urgência, o patrocínio judiciário pode ser exercido como gestão

de negócios (art. 464º CC).

A gestão de negócios supõe a falta de procuração ou mandato. Esta falta equipara-se à nulidade da procuração

ou mandato, ou ao seu excesso.

Nestes casos, naturalmente que a gestão de negócios fica sujeita a ratificação do interessado, no prazo que o

juiz lhe fixar, sob pena de o gestor ser condenado nas custas que provocou e na indemnização do dano causado

à parte contrária ou à parte cuja gestão assumiu (art. 49º/2). A não ratificação determina, além disso, que

fiquem sem efeito os atos praticados pelo gestor.

A gestão de negócios não se confunde com os casos em que, apesar de ainda não existir procuração, já existe

um contrato de mandato e, portanto, também autorização para o mandatário intervir. Neste caso, o advogado

age como mandatário, embora ainda sem procuração, que terá de apresentar no prazo que lhe for fixado.

Falta ou irregularidade do mandato

1. Falta de constituição de advogado, sendo obrigatória – quando a parte não constitui advogado,

sendo obrigatória a constituição:

a) O juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o

constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, quando a falta é do

autor (art. 41º). Esta constitui uma exceção dilatória (art. 577º/h)), sendo que a consequência, na

falta de sanação do vício, é a absolvição do réu da instância, uma vez que o que está em causa é a falta

de um pressuposto processual.

b) Se o mandatário em falta for o do réu e não for sanada a falta no prazo fixado, ficará sem efeito a

defesa que tiver apresentado; se a falta de advogado constituído se verificar na fase de recurso, este

não terá seguimento. O que está aqui em causa é a falta de um pressuposto de um ato processual.

2. Há um advogado a atuar em juízo em representação da parte, mas não existe procuração, ou existe

mas é insuficiente ou irregular (art. 48º) – a falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade

podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo

tribunal. O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o

processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido

praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respetivas e, se tiver agido

culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa – isto é que acontece se o vício

respeitar à parte ativa (art. 577º/h)), sendo que a consequência, na falta de sanação do vício, é a

absolvição do réu da instância, uma vez que o que está em causa é a falta de um pressuposto

processual.

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Já se o vício respeitar à parte passiva, fica sem efeito tudo o que o mandatário judicial da parte passiva

tenha praticado, mas o processo continua (está em causa aqui a falta de um pressuposto de um ato

processual).

Responsabilidade do mandatário

O advogado tem o dever de não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem

promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta apreciação da lei ou

a descoberta da verdade – art. 85º/2 EOA.

Quando se reconheça que o mandatário da parte teve responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais

se revelou a má fé na causa, dar-se-á conhecimento do facto à AO ou à Câmara dos Solicitadores, para que

estes possam aplicar as sanções respetivas e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e

indemnização que lhes parecer justa – art. 545º.

Teoria da perda de chance – se um advogado deixar de interpor recurso, impedindo que a sentença não

favorável à parte possa vir a ser apreciada pelo Tribunal, a responsabilidade do advogado é aferida segundo

esta teoria: apesar de não haver garantia de que, mesmo que o recurso viesse a ser interposto, viesse a ser

procedente, o que releva aqui é a própria perda de chance. Contudo, o advogado só pode ser responsável se

o próprio tribunal decidir fazer um julgamento “dentro do próprio julgamento”, tendo de ser verificada se

haveria alguma chance de o recurso vir a ser favorável à parte.

(4) LEGITIMIDADE

A personalidade e a capacidade judiciárias constituem uma qualidade das partes, genericamente exigidas para

todos os processos ou alguns deles, ao passo que a legitimidade consiste na posição concreta das partes numa

determinada ação. A legitimidade como pressuposto processual exprime, assim, a relação entre a parte no

processo e o objeto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para ocupar-se

do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.

1. Legitimidade Singular:

Prende-se com a questão de saber quem pode ser autor e réu. Quando falamos de legitimidade falamos da

possibilidade de estar em juízo contra um certo objeto. Esse objeto tem de ter uma ligação com a pessoa para

que esta tenha legitimidade.

O art. 30º CPC (que provavelmente virá a ser reformulado) trata desta matéria, criando enormes complicações

neste âmbito (TEIXEIRA DE SOUSA).

Tradicionalmente, o nº 1 e 2 tinham um critério para aferir a legitimidade (critério do interesse) e o nº 3

estabelecia outro critério (critério da titularidade da relação material controvertida). Hoje em dia já não se

aprecia a legitimidade em função do critério do interesse.

Na maior parte das situações espera-se que a legitimidade seja reconhecida a quem tenha a titularidade do

direito – legitimidade direta. Mas a lei admite ainda a possibilidade de alguém que não é o titular do direito

tenha legitimidade – legitimidade indireta.

Legitimidade direta – legitimidade de quem é alegadamente o titular do direito.

O nº 1 do art. 30º começa por dizer que o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar;

o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. Isto é dizer, são partes legítimas o alegado

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titular do direito, porque é ele quem tem interesse em demandar, e é a contraparte quem tem interesse em

contradizer.

Ou seja, há que aferir, em regra, pela titularidade dos interesses no processo, isto é, como dizem os nºs 1 e 2

do art. 30º, pelo interesse direto em demandar, exprimido pela vantagem jurídica ou utilidade que resultará

para o autor da procedência da ação, e pelo interesse direto em contradizer, exprimido pela desvantagem

jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerado o caso julgado material formado pela

absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu).

O autor terá interesse em demandar porque tem interesse em obter uma decisão favorável (procedência da

ação) e o réu terá interesse em contradizer porque tem interesse numa decisão de improcedência da ação,

uma vez que é na sua esfera jurídica que se irá repercutir o efeito da eventual condenação. Sendo ambos

partes legítimas, a decisão terá efeito útil, ficando a causa definitivamente julgada.

TEIXEIRA DE SOUSA: se fizermos uma análise mais fina, verificamos que, no entanto, há situações em que

verdadeiramente não se pode falar na titularidade do direito: por exemplo, em relação à declaração de

nulidade, não se pode dizer que haja um direito à nulidade; assim, em termos estritos, não se pode dizer que

é parte legítima numa ação de nulidade o titular do direito, uma vez que este não existe.

Tal é confirmado pelo Direito positivo, nos arts. 286º e 287º CC que nos dizem que tem legitimidade para pedir

a declaração de nulidade quem tiver interesse nessa mesma declaração. Não se aplica aqui o critério da

titularidade do direito, mas sim o critério do interesse.

Outra situação em que não se pode falar na titularidade de um direito é nas situações de direitos absolutos

que têm um titular ativo mas não têm um titular passivo: não há uma relação credor-devedor. No art. 1311º

diz-se que a ação de reivindicação pode ser proposta contra o detentor da coisa: não havendo um titular

passivo, a lei tentou delimitar um quem pode ser demandado (quem é parte legítima).

No art. 30º encontramos não apenas a referência ao interesse no nº 1, mas a definição dos interesses em

demandar e em contradizer no nº 2. É aqui que, segundo MTS estamos fora do campo da legitimidade. Na

realidade, poderemos ter as seguintes situações:

a) O autor tem interesse em demandar e o réu não tem interesse em contradizer (é parte ilegítima).

b) O autor não tem interesse em demandar (parte ilegítima) mas o réu tem interesse em contradizer.

Isto serve para explicar que a legitimidade do autor e a legitimidade do réu são aferidas autonomamente.

Ora, o art. 30º/2 define que o interesse em demandar se exprime pela utilidade derivada da procedência da

ação – até aqui, faz sentido. Se isto é assim em relação ao autor, em relação ao réu deveríamos dizer que este

teria interesse quando a improcedência da ação lhe trouxesse alguma coisa (lhe fosse útil). Se assim fosse,

também seria lógico. Era isto que seria coerente (TEIXEIRA DE SOUSA).

Contudo, não é isto que está no nº 2 do art. 30º. Este art., em vez de utilizar utilidade vs utilidade, usa utilidade

vs prejuízo. Utilidade e prejuízo são conceitos correlativos: utilidade para o autor é prejuízo para o réu. Ora, a

legitimidade do autor e a legitimidade do réu são aferidas autonomamente: por isto mesmo, o critério do art.

30º/2 não se poderia utilizar, porque se estabelece que quando há utilidade para uma parte há prejuízo para

a outra, o que implica que se uma parte é legítima (ou ilegítima), a outra é necessariamente legítima (ou

ilegítima), o que não é verdade.

O nº 3 do art. 30º veio fornecer um critério subsidiário para efeito de determinação da legitimidade das

partes. Este nº 3 veio acrescentar que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do

interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada

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pelo autor. Na redação anterior à reforma do Processo Civil que entrou em vigor em 1997, não constava deste

preceito a expressão “tal como é configurada pelo autor”.

Comparando a redação anterior com a atual verificamos que num caso e no outro é tida sempre em conta a

relação controvertida; a diferença está no modo de encontrar a legitimidade dos sujeitos dessa relação.

Anteriormente eram partes legítimas as pessoas da relação controvertida que viessem a ser consideradas

como tal pelo juiz, depois de ouvidas as partes. Atualmente, a relação controvertida tem a configuração que

o autor lhe quis dar.

Com esta alteração o legislador quis pôr termo a uma questão desencadeada por um caso concreto julgado

no TR de Lisboa em 1918: tratava-se de um contrato de compra e venda de 60 toneladas de chumbo, que o

vendedor não cumpriu integralmente. O comprador demandou um comerciante português, como sendo este

o vendedor, na contestação, alegou o réu que se limitara a ser mero intermediário de uma sociedade

espanhola, sendo esta a verdadeira vendedora.

Assim, a querela radicava na questão de saber qual a relação controvertida a que se devia atender: a

apresentada pelo autor na PI ou a que viesse a resultar da própria causa?

a) Na tese defendida por BARBOSA DE MAGALHÃES, as partes eram legítimas, atendendo à relação

controvertida tal como configurara o autor. Por isso, nenhum obstáculo impedia o tribunal de

conhecer do mérito da causa. E, no caso de se provar que, na verdade, não foi o réu quem vendeu o

chumbo, a ação devia ser julgada improcedente, sendo o réu absolvido do pedido.

b) Na tese defendida por ALBERTO DOS REIS, o réu era parte ilegítima, por não ser o sujeito da relação

material controvertida litigada, visto não ser ele o vendedor. Sendo assim, o juiz não podia conhecer

do mérito da causa, por falta de um pressuposto processual. Devia, pois, absolver o réu da instância.

O legislador veio a optar pela expressão “tal como é configurada pelo autor”, aderindo à posição de BARBOSA

DE MAGALHÃES, o que faz corresponder a legitimidade das partes à titularidade da relação controvertida

descrita pelo autor na PI.

Legitimidade Indireta

Esta encontra-se consagrada na exceção enunciada no art. 30º/3 CPC (“na falta de indicação da lei em

contrário”). Esta legitimidade é também denominada substituição processual legal.

Esta pessoa vai litigar em nome próprio, mas com base num direito alheio. O art. 30º/3 diz então que a não

coincidência entre a parte e a titularidade do direito tem de resultar da lei.

Um caso frequente de substituição processual legal é o caso da solidariedade; outro caso é o do administrador

de insolvência. Outro caso particularmente importante é o previsto no art. 1405º CC da legitimidade cada um

dos comproprietários para reivindicar a coisa comum.

Temos também no CPC um outro caso de substituição processual, que é o que resulta do que se encontra do

art. 263º, em que durante a pendência da causa alguma das partes transmite esse direito litigioso a um

terceiro:

a) Se for o réu a transmitir o bem, a partir da transmissão do bem (em que o réu já não é o proprietário

do bem), o réu continua na ação, mas agora como substituto processual do adquirente desse bem,

tendo assim uma legitimidade indireta. Atente-se que quando o terceiro intervém em substituição do

réu na ação (art. 30º/1), a substituição processual termina.

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É possível uma substituição processual voluntária? TEIXEIRA DE SOUSA refere que em algumas OJ sim, mas

entende que em Portugal não: a substituição processual por iniciativa da parte (voluntária) só será possível

nos casos em que a própria lei a admitir – por exemplo, no art. 34º/1: a ação deve ser proposta por ambos os

cônjuges, ou por um deles com a autorização do outro.

Uma consequência da substituição processual é a de que o caso julgado obtido na ação contra o substituto

será extensível à parte substituída.

Ilegitimidade Singular:

A ilegitimidade singular é, pela sua própria natureza, insanável. Por isso, conduzirá à absolvição do réu da

instância – art. 278º/1 d). Trata-se, neste caso, de uma exceção dilatória (arts. 576º e 577º/e)).

(Note-se que a ilegitimidade singular pode, contudo, ser “sanada” mediante a figura da substituição

processual)

2. Pluralidade de Partes:

Sucede quando a ação é proposta por vários autores (pluralidade ativa) e/ou contra vários réus (pluralidade

passiva) (pluralidade mista, quando é proposta por vários autores contra vários réus).

A pluralidade pode ser inicial (quando se verifica logo no início da ação) ou subsequente (quando tem lugar

já na pendência da causa – exs: intervenção de terceiros espontânea ou provocada).

Assim, o facto de as partes serem titulares de um direito não assegura em si mesmo a legitimidade, porque

haverá sempre que analisar se não estará em causa uma situação em que as partes não são titulares exclusivos

do direito e que, por isso, outras partes terão que estar em juízo (litisconsórcio necessário).

As figuras de pluralidade de partes inicial são o litisconsórcio e a coligação.

(b) LITISCONSÓRCIO:

O litisconsórcio ocorre quando se discute em juízo uma determinada relação jurídica que envolve diversos

sujeitos, os quais, em virtude de serem titulares da relação controvertida, são partes principais na ação.

Classificações a fazer no âmbito do litisconsórcio:

◊ Litisconsórcio vs Coligação (arts. 36º e ss. CPC) – a coligação verifica-se nas situações em que há uma

pluralidade de partes, uma cumulação de pedidos (como sucede no litisconsórcio), mas com a

particularidade de que os pedidos que são cumulados são formulados individualmente por cada autor

(no caso de pluralidade de autores) ou contra cada réu individualmente (no caso de pluralidade de

réus). Ou seja, na coligação não só existe pluralidade de partes, como também existe diversidade de

relações materialmente controvertidas.

◊ Litisconsórcio inicial vs litisconsórcio sucessivo – verifica-se no início da causa vs intervenção de

terceiros.

◊ Litisconsórcio simples vs litisconsórcio recíproco – o segundo verifica-se nas situações em que há uma

multipolaridade, sendo que o pólo passivo está em oposição entre si.

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◊ Litisconsórcio subsidiário (art. 39º) – ex: A propõe uma ação contra E, e contra F subsidiariamente (o

pedido só lhe será imposto se não for possível satisfazê-lo contra E). Esta disposição legal consagra a

possibilidade de ser formulado um pedido principal contra aquele que se considera ser o provável

devedor e também um pedido subsidiário contra um outro suposto devedor. Tudo isto acontece por

existirem fundadas dívidas sobre se a titularidade da relação material controvertida pertence a um ou

a outro sujeito.

◊ Litisconsórcio voluntário vs litisconsórcio necessário – é a distinção principal que a nossa OJ utiliza.

Litisconsórcio voluntário – art. 32º CPC

Reconhece-se ao autor a possibilidade de propor a ação sozinho ou com outros autores ou contra um réu ou

vários réus. Ou seja, o direito ao interesse tem vários titulares. Significa isto que, embora a questão (relação

jurídica) diga respeito a vários interessados, a presença de todos na ação respetiva só se verifica porque o

autor decidiu propor a ação contra todos os interessados, ou porque vários interessados decidiram instaurar

em coautoria a ação.

De acordo o art. 32º/1, se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode

ser proposta por todos ou contra todos os interessados. Evidentemente que, respeitando a relação a vários

interessados e estando todos eles em juízo, a decisão a proferir na causa resolverá, em simultâneo e quanto

a todos, o diferendo submetido à consideração do tribunal.

Já se o autor optar por propor a ação sozinho ou contra um só dos interessados, o tribunal, nesse caso,

conhece apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja

a totalidade. Ou seja, nessa hipótese, a decisão a proferir deverá ficar circunscrita às partes presentes, isto é,

deverá vincular apenas estas.

O nº 2 deste art. dispõe que se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a

obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a

legitimidade. As hipóteses que caem aqui são designadamente, as situações de substituição processual – por

exemplo, no caso de obrigações solidárias, em que um titular substitui os outros titulares (art. 512º CC); ou

nas situações de compropriedade (art. 1405º CC); ou nos casos de obrigações indivisíveis.

Assim, por exemplo, o credor da obrigação solidária não poderá obter uma decisão válida relativamente a

todos os devedores, se optar por demandar apenas um dos devedores pela totalidade do crédito (arts. 522º,

512º/1 e 518º CC). No entanto, mesmo que demandado apenas por um dos devedores, não deixa de estar

assegurada a legitimidade, por força do disposto no art. 32º/2 CPC.

Litisconsórcio necessário – art. 33º CPC

O litisconsórcio é necessário quando a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação

controvertida. A falta de qualquer dos interessados é, portanto, fundamento de ilegitimidade dos que

interviram na ação. Ou seja, os intervenientes na ação não têm legitimidade se desacompanhados dos

restantes que nela deviam figurar.

A preterição do litisconsórcio necessário é, contudo, sanável através de formas de intervenção de terceiros:

por exemplo, a ação deveria ter sido proposta contra E e F e foi proposta apenas contra E – E não terá

legitimidade; contudo, poderá vir a tê-la com a intervenção de F na ação (arts. 311º e 316º/1). O art. 261º/1

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possibilita que o pedido para F intervir seja feito mesmo depois de o tribunal ter absolvido o réu da instância

por falta de legitimidade.

O art. 35º dispõe que, no caso de litisconsórcio necessário, há uma única ação com pluralidade de sujeitos e

no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de

independência em relação aos seus compartes. MTS sustenta que há aqui um equívoco, uma vez que este art.

pressupõe que a decisão no litisconsórcio necessário tenha necessariamente de ser uniforme para todas as

partes, o que está errado.

O litisconsórcio necessário pode ser:

Litisconsórcio necessário legal: quando deriva da exigência da lei (art. 33º/1).

Assim sucede, por exemplo, a propósito das obrigações indivisíveis com pluralidade de devedores, que só de

todos eles podem ser exigidas (art. 535º/1 CC), ou do direito de preferência pertencente simultaneamente a

vários titulares (art. 419º/1 CC).

O art. 34º regula autonomamente um caso de litisconsórcio necessário legal, resultante do casamento:

a) Litisconsórcio necessário conjugal ativo – ações que têm de ser propostas por ambos os cônjuges, ou

por um deles com o consentimento do outro (art. 34º/1).

(i) As ações de que possa resultar a perda e a oneração de bens que só por ambos possam ser

alienados.

(ii) As ações de que possa resultar a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos,

incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família

(arts. 1682º-A e 1682º-B CC).

Em ambos os casos estão patentes ações relacionadas com bens comuns – teremos de, à luz dos arts. 1717º

e ss. CC saber qual é o regime de bens do casamento (+ art. 1678º/3 in fine).

Em vez de ser proposta por ambos os cônjuges, pode a ação ser intentada por um deles com o consentimento

do outro. Se o cônjuge não der o seu consentimento, a falta pode ser judicialmente suprida, aplicando-se, com

as necessárias adaptações, o disposto no art. 29º (art. 34º/2). O processo de suprimento de consentimento

no caso de recursa encontra-se regulado no art. 1000º.

b) Litisconsórcio necessário conjugal passivo – ações que têm de ser propostas contra ambos os

cônjuges (art. 34º/3):

(i) As ações emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges;

(ii) As ações emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão

suscetível de ser executada sobre bens próprios do outro – temos de recorrer ao regime das dívidas.

Verifica-se, portanto, quando a ação diz respeito a um facto praticado por ambos os cônjuges, quando respeita

a dívidas comunicáveis (arts. 1691º e 1695º CC).

O Prof. LEBRE DE FREITAS acentua o “pretenda” referido no art. e concede ao credor uma possibilidade de

escolha em propor a ação contra apenas um dos cônjuges, apesar de a dívida ser comum. TEIXEIRA DE SOUSA

critica esta visão, uma vez que não considera a imperatividade do regime da responsabilidade pela dívida dos

cônjuges e é incompatível com o regime que se encontra estabelecido no âmbito da ação executiva (arts. 741º

e 742º).

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(iii) As ações compreendidas no nº 1 – quando da ação possa resultar a perda ou a oneração de bens que

só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos,

incluindo as ações que digam respeito à casa de morada de família.

Litisconsórcio necessário convencional (art. 33º/1): resulta da convenção substantiva e da tradução

da mesma no âmbito processual. Apesar de a lei ser omissa quanto à forma desta convenção,

entende-se que a mesma deve constar, pelo menos, de documento escrito, ou submeter-se à forma

mais solene, se for essa a do negócio a que respeita o litígio. Nos casos de litisconsórcio necessário

convencional, a falta de qualquer dos interessados origina a ilegitimidade dos restantes.

Litisconsórcio necessário natural (art. 33º/2): a intervenção de todos os interessados é necessária

para que a decisão produza o seu efeito útil normal, atenta a natureza da relação jurídica em

discussão.

O conceito de “efeito útil normal” é precisado no art. 33º/3: a decisão produz o seu efeito útil normal sempre

que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta

das partes relativamente ao pedido formulado. Por exemplo, no caso de uma ação de divisão de coisa comum

entre 3 comproprietários, não é pensável que a mesma seja feita apenas entre 2 comproprietários, uma vez

que aquilo que estes 2 dividirem entre si nunca regulará definitivamente a situação, uma vez que o 3º irá fazer

valer os seus direitos.

Este tipo de litisconsórcio consubstancia um litisconsórcio unitário, dado que a decisão tem de ser a mesma

para todos. Este não é, contudo, um requisito essencial; o que é essencial é que haja uma regulação definitiva

da situação.

Ao apelar à natureza da relação controvertida, o legislador remete para uma ponderação casuística,

conferindo a esta espécie de litisconsórcio necessário uma função residual ou supletiva, o que equivale a dizer

que tal espécie funciona em jeito de válvula de escape do sistema, destinando-se a cobrir situações que o

legislador até poderia ter previsto como casos de litisconsórcio necessário (que seria litisconsórcio legal) e

que, embora não previstos, exigem a presença em juízo de todos os interessados na relação controvertida.

◊ Litisconsórcio parciário vs litisconsórcio unitário – o primeiro é aquele em que, havendo uma

pluralidade de partes ativas e/ou passivas, pode haver decisões diferentes para cada uma dessas

partes, não tendo a decisão de ser uniforme para todas; no segundo, a decisão é necessariamente

uniforme para todas as partes.

Ilegitimidade Plural:

A ilegitimidade plural decorrente da violação do litisconsórcio necessário é suprível pela intervenção em juízo

dos titulares da relação controvertida que não seja, originariamente, partes (intervenção de terceiro) – art.

261º. A intervenção pode ser espontânea (arts. 311º e ss.) ou provocada (arts. 316º e ss.). A intervenção é

admissível até 30 dias depois de transitar em julgado o despacho que, conhecendo da ilegitimidade, pôs termo

ao processo. Admitido o chamamento da pessoa em falta, a instância extinta considera-se renovada – art.

261º/2.

No litisconsórcio necessário conjugal, a ilegitimidade ativa é sanável pela obtenção do consentimento do

outro cônjuge – art. 34º/2. A ilegitimidade passiva é sanável mediante a intervenção principal do outro

cônjuge, provocada pelo autor, dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do despacho que

determinou a absolvição da instância – art. 261º/1 e 2 – ou a intervenção provocada pelo cônjuge réu – art.

316º/1.

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(c) INTERVENÇÃO DE TERCEIRO:

Existe o princípio da estabilidade da instância (art. 260º), segundo o qual, uma vez proposta a ação, esta deve

permanecer a mesma em relação às partes e ao objeto. Contudo, há possibilidade de, durante a pendência

das partes, haver modificação das partes (art. 262º):

i) Uma parte é substituída por outra – fundamentalmente, o que está em causa são situações de

habilitação de herdeiros.

ii) Situações de intervenção de terceiros – temos uma causa pendente e verifica-se a intervenção de

alguém que não era parte na causa. Pode suceder de diferentes formas:

- Intervenção principal - o terceiro intervém como uma parte paralela, vindo assumir um interesse paralelo a

qualquer uma das partes em juízo. Esta intervenção principal de terceiro pode ser:

a) Espontânea (art. 311º) – por iniciativa do terceiro. Pode ser adesiva (art. 313º - o terceiro intervém e

adere àquilo que já foi feito, não apresenta um articulado próprio); ou autónoma (art. 314º - o

interveniente apresenta uma posição autónoma, através de um articulado próprio).

b) Provocada (art. 316º) – em que alguma das partes em juízo chama o terceiro a intervir. Temos de

distinguir duas situações:

(i) Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o

interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da

parte contrária.

(ii) Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte

do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos

termos do artigo 39º.

O art. 317º enuncia um caso de intervenção principal provocada: trata da situação em que estamos perante

uma dívida solidária, e em que se permite que o próprio devedor solidário, que foi demandado sozinho, possa

promover a intervenção dos restantes devedores solidários, dado que aquele tem um direito de regresso

sobre estes.

- Oposição – um terceiro vem opor-se às pretensões de qualquer uma das partes em juízo. A oposição pode

ser:

a) Espontânea (art. 333º) quando, estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, um terceiro

intervém nela como oponente para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio,

total ou parcialmente incompatível com a pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte;

b) Provocada, em que o réu chama um terceiro que tem um direito incompatível com o direito do autor.

Por exemplo: A põe contra B uma ação de cobrança de uma dívida e B vem entender que quem é o

devedor da dívida não é ele mas sim C e, portanto, ele próprio chama C a intervir na ação para que

este venha dizer se é ou não o devedor daquela dívida. Se A aceitar que B não é o devedor daquela

dívida, a ação ocorrerá entre A e C.

A oposição é uma figura que não é muito utilizada. Pelo contrário, nos arts. 342º e ss., está prevista uma

modalidade específica da oposição – embargos de terceiros – que é muito utilizada, nomeadamente no

âmbito da ação executiva, porque é através deste que um terceiro pode vir a opor-se à penhora de um bem

com o argumento de que o bem lhe pertence.

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- Intervenção acessória – um terceiro vem assumir uma posição de auxílio (de parte acessória) de qualquer

uma das partes principais.

Esta também pode ser:

a) Espontânea (ou assistência) – por iniciativa do próprio terceiro. Este é um auxílio interessado, porque

nos termos do art. 326º se estabelece que estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas,

pode intervir nela como assistente, para auxiliar qualquer das partes, quem tiver interesse jurídico

em que a decisão do pleito seja favorável a essa parte. Ex típico: alguém celebra um contrato de

arrendamento e o imóvel é reivindicado por um 3º: se a propriedade do imóvel não for reconhecida

ao senhorio, o inquilino veria o seu contrato de arrendamento cessar, pelo que o inquilino terá um

interesse jurídico em que a decisão seja favorável ao senhorio.

b) Provocada por uma parte em juízo (art. 321º) – sucede quando alguém tem um direito de regresso

contra o terceiro e, por isso, chama esse terceiro que, provavelmente, não está interessado em que o

réu seja condenado, uma vez que se tal acontecer ele fará valer o seu direito de regresso sobre si.

(5) INTERESSE PROCESSUAL

Este é também um pressuposto processual relativo às partes, ainda que não esteja genericamente consagrado

na lei.

O interesse processual ou interesse em agir consiste na indispensabilidade de o autor recorrer a juízo para a

satisfação da sua pretensão. Pode dizer-se que o autor só tem interesse em agir quando não dispõe de

quaisquer outros meios (extrajudiciais) de realizar aquela pretensão, seja porque tais meios de facto não

existem, seja porque, existindo, o autor os utilizou e esgotou sem sucesso.

O interesse processual visa então evitar as ações inúteis: ações que são propostas sem que delas resulte algum

resultado útil para o autor. Visa-se evitar o recurso desnecessário à tutela jurisdicional.

O interesse processual não se confunde com a legitimidade, porque o interesse direto em demandar e em

contradizer (que caracteriza a legitimidade) refere-se ao objeto da lide, ao conteúdo material da pretensão,

enquanto que o interesse processual respeita ao interesse no próprio processo, no recurso à via judicial, na

inevitabilidade do pedido de tutela jurisdicional apresentado em juízo.

Note-se que este pressuposto processual não diz apenas respeito à parte ativa (autor). A parte passiva (réu)

pode também ter interesse em que, depois de proposta, a ação prossiga. Por isso, a lei tutela os seus

interesses, fazendo depender a desistência da instância da aceitação do réu, se requerida depois de ter sido

oferecida a contestação – art. 286º/1.

Problema que se levanta na nossa OJ quanto à qualificação do interesse processual como

pressuposto processual:

O art. 535º (respeitante às custas) estabelece uma regra que constitui uma exceção: a regra é a de que quem

perde a ação paga as custas; este art. vem estabelecer que, apesar de o autor ganhar a ação, ainda assim ele

vai pagar as custas.

O problema surge em relação às situações em que esta regra se aplica: são estas as previstas no nº 2 do art.

535º, onde se encontram casos que se podem considerar como ações inúteis (as als. b), c) e d)).

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Ora, o que decorre deste art. é que, afinal, existem ações inúteis que não têm como consequência a falta de

um pressuposto processual (o interesse processual), que seria a absolvição do réu da instância (art. 278º/1):

o que sucede é que a ação procede, mas o autor paga as custas.

MTS: é verdade que temos ações inúteis cuja consequência não é a falta de interesse processual; mas tal não

impede que haja outras situações não englobadas nos casos do art. 535º, em relação às quais possamos utilizar

o interesse processual como pressuposto processual, caso em que, faltando esse pressuposto, haverá lugar à

absolvição do réu da instância. Por este motivo, não se deve obstar à qualificação do interesse processual

como pressuposto processual.

Onde se encontra então enquadrado o interesse processual como pressuposto processual?

No art. 30º/2: se o critério do interesse não é aplicável à legitimidade, ele é perfeitamente aplicável ao

interesse processual uma vez que este é aferido pela utilidade para o autor. Se há utilidade para o autor, há

prejuízo para o réu: ao contrário do que sucede para a legitimidade, em relação ao interesse processual, este

interesse será correlativo.

No art. 277º/e): existe ainda uma concretização genérica do interesse processual neste artigo que trata das

causas de extinção da instância. A al. e) fixa como causa de extinção da instância a impossibilidade ou

inutilidade superveniente da lide.

Ações de condenação in futuro: não se pode propor uma ação de condenação in futuro em toda e qualquer

situação; será necessário que esteja assegurado um interesse processual para o autor em obter uma

condenação para o futuro. O regime legal encontra-se no art. 557º, onde se encontram duas situações em que

se reconhece o interesse processual do autor na condenação para o futuro:

a) Pode pedir-se a condenação em prestações futuras quando se pretenda obter o despejo de um prédio

no momento em que findar o arrendamento e nos casos semelhantes em que a falta de título

executivo na data do vencimento da prestação possa causar grave prejuízo ao credor – nº 2;

b) Tratando-se de prestações periódicas, se o devedor deixar de pagar, podem compreender-se no

pedido e na condenação tanto as prestações já vencidas como as que se vencerem enquanto subsistir

a obrigação (neste segundo caso já estará em causa uma condenação in futuro) – nº 1.

Nas ações declarativas de simples apreciação torna-se mais difícil concluir pela existência do interesse

processual, uma vez que se trata de ações em que ainda não se verificou qualquer violação do direito. Nestas

ações, o autor pede o reconhecimento de um direito ou de um facto: mas pode pedir-se contra qualquer

pessoa e em qualquer situação? Não, tem de haver uma incerteza objetiva quanto ao direito ou quanto ao

facto que se pretende ver reconhecido para que se considere que haja interesse processual. A incerteza tem

de ser fundamentada em factos concretos, não sendo suficiente que exista apenas na mente do autor. Ou

seja, as ações de simples apreciação não são sequer pensáveis sem um interesse processual, avaliado caso a

caso, e com base nessa incerteza.

Falta de interesse processual

A falta de interesse processual, como pressuposto processual, constitui uma exceção dilatória (art. 577º/2),

tendo como consequência a absolvição do réu da instância.

Questiona-se, contudo, se se justificará em todo e qualquer caso que o tribunal deixe de apreciar o mérito da

causa se faltar o interesse processual. Ou seja, não se poderá aplicar nestes casos o previsto no art. 278º/3 2ª

parte?

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SIM – pode acontecer que falte o interesse processual, mas a melhor tutela do réu seja, não a absolvição do

réu da instância, mas sim a absolvição do pedido. Por exemplo: estamos perante uma ação de condenação

em prestações vincendas e o tribunal chega à conclusão de que não há mais prestações vincendas a prestar

no âmbito do contrato, tendo sido prestadas todas as prestações que deveriam ter sido prestadas. Ora, neste

caso, poderíamos pensar que neste caso não haveria interesse processual: mas não seria mais razoável

absolver o réu do pedido dizendo isso mesmo (absolvição de mérito)? Neste caso sim, esta seria uma tutela

mais forte, ao ter-se em conta a realidade substantiva, do que se se absolvesse a instância e ter em conta a

realidade processual.

Se a inutilidade da lide surgir em momento posterior à propositura da ação (ex: desaparecimento da coisa

reivindicada), deve a instância ser declarada extinta, nos termos do art. 277º/e).

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Fases do Processo Comum

Os atos da sequência processual ordenam-se em fases sucessivas, findas as quais pode precludir a

possibilidade de praticar atos que, nelas se integrando, não hajam sido praticados.

☼ Fases do processo comum na ação declarativa em 1ª instância e atos que as integram:

1- Fase dos Articulados

Esta é a fase ao longo da qual as partes alegam a matéria de facto e de direito relevante para a decisão e

requerem os meios de prova – art. 147º/1.

Os atos que integram esta fase são:

a) Petição inicial (art. 552º);

b) Distribuição (arts. 203º e 204º);

c) Citação do réu (arts. 219º/1 e 225º e 563º);

d) Contestação (arts. 569º/1, 571º e 572º) e sua notificação ao autor (art. 220º/2);

e) Eventualmente, a seguir, réplica (art. 584º), por exemplo, caso haja reconvenção;

f) Excecionalmente, despacho judicial liminar após a apresentação da petição inicial, precedendo a

citação (arts. 226º/4 e 590º/1).

Analise-se concretamente cada ato:

» Petição Inicial

Conteúdo e forma:

(1) Pedido

O processo inicia-se com a apresentação da petição inicial, considerando-se a ação proposta logo que o ato é

ou se tem por praticado (art. 259º/1). Constitui-se assim a instância como relação jurídica entre o autor e o

tribunal, dizendo-se a partir daí pendente a ação, e é impedida a caducidade do direito, através dela feito

valer, que só judicialmente possa ser exercido (art. 331º/1 CC).

A iniciativa do autor é insubstituível, pois só a ele cabe solicitar a tutela jurisdicional, que não pode ser

oficiosamente concedida (art. 3º/1). Assim, tem que ser o autor a requerer a providência jurisdicional

adequada para reparar a violação consumada, prevenir a violação ameaçada, declarar a existência ou

inexistência do direito ou do facto, ou alterar as situações jurídicas das partes em conformidade com o direito

exercido.

O autor formula, assim, na petição inicial, o pedido (art. 552º/1 e)), o qual se apresenta duplamente

determinado:

(i) Por um lado, o autor afirma ou nega uma situação jurídica subjetiva ou um facto jurídico de

direito material, ou manifesta a sua vontade de constituir uma situação jurídica nova com base

num direito potestativo.

(ii) Por outro lado, requer ao tribunal a providência processual adequada à tutela do seu interesse.

O pedido do autor, o objeto do processo, condiciona o conteúdo da decisão de mérito, com que o tribunal lhe

responderá: o juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua

apreciação”, não podendo ocupar-se de outras (art. 608º/2), e “não pode condenar em quantidade superior

ou em objeto diverso do que se pedir (art. 609º/1), sob pena de nulidade (art. 615º/1 d) e)).

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O pedido pode ser:

(a) Único ou múltiplo – a parte pode formular um pedido único ou múltiplo, em cumulação (art. 555º)

ou em relação de subsidariedade (art. 554º). Há, além disso, lugar à dedução de pedidos alternativos

(art. 553º) quando o direito que se quer fazer valer é, por sua natureza ou origem, alternativo (como

sucede na obrigação alternativa – art. 543º CC) ou pode resolver-se em alternativa.

(b) Genérico ou ilíquido – o segundo é respeitante a um bem não rigorosamente determinado. De acordo

com o art. 556º, é admitido o pedido genérico respeitante a:

- Uma universalidade de facto ou de direito – o autor não tem de individualizar os elementos que integram a

universalidade (herança, biblioteca, estabelecimento comercial, etc.).

- À indemnização decorrente de facto ilícito – o autor pede uma indemnização cujo quantitativo não precisa,

quer por tal lhe ser impossível (não é ainda conhecida toda a extensão do dano), quer por querer usar da

faculdade que lhe confere a 1ª parte do art. 569º CC (a de não indicar a quantia exata em que avalia o dano).

- A um quantitativo dependente de prestação de contas ou de outro ato a praticar pelo réu – é pedida a

condenação do réu no saldo que venha a resultar das contas que apresente ou no montante resultante de

outro ato que deva praticar.

Nos dois primeiros casos, a determinação do objeto a que o pedido respeito faz-se mediante o incidente de

liquidação, a deduzir, na ação declarativa, até ao momento do início da discussão da causa em 1ª instância

(art. 358º/1). No último caso, determina-se pela prática deste ato ou de outro que o supra, com

subconsequente pronúncia do tribunal (art. 943º para a prestação de contas).

(c) De prestações vincendas – aquele em que a parte formula o pedido de condenação da contraparte

numa prestação cujo cumprimento ainda não é exigível, ou seja, em que a parte requer uma

condenação in futurum (art. 557º). Para efeitos de determinação do valor da causa, o valor do pedido

de prestações vincendas cumula-se com o valor do pedido referido às prestações vencidas (art. 300º).

Este pedido só pode ter lugar nos casos excecionais em que a lei o admite, nomeadamente sempre

que a falta de título executivo no momento do vencimento da prestação possa causar grave prejuízo

ao credor (art. 557º/2 2ª parte). A determinação do objeto faz-se mediante simples cálculo aritmético

do seu quantitativo total (art. 609º/2).

(2) Causa de pedir

Ao autor não basta formular o pedido: este tem de ser fundamentado, de facto e de direito (art. 552º/1 d).

Os factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer ou negar, constituem a causa de pedir

(art. 581º/4).

A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a situação jurídica alegada pelo

autor, ou seja, é composta pelos factos constitutivos da situação jurídica invocada por aquela parte.

(i) Nas ações constitutivas, a causa de pedir é o facto que gera o direito potestativo que o autor

invoca e pretende exercer (art. 581º/4) e nas ações reais a causa de pedir é o facto que origina o

direito real (art. 581º/4). Assim, nas ações de reivindicação, a causa de pedir é o facto de que

resulta a aquisição, originária ou derivada, da propriedade.

(ii) Nas ações de simples apreciação, em que o autor afirma a existência de um direito seu, cabe a

este a prova dos factos constitutivos do seu direito (art. 343º/1 CC), bem como a sua alegação

(art. 584º/2) pelo que, sem prejuízo da dedução, sempre possível, de reconvenção (mediante a

formulação do pedido de condenação do autor ou até de pedido de natureza constitutiva), a ação

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de simples apreciação mantém-se, até à contestação, aberta a todos os eventuais factos

constitutivos do direito do réu. Assim, ao autor só é exigível, ao propor a ação, que alegue os

factos que são do seu conhecimento.

A procedência da ação depende quer da verificação dos factos alegados por uma parte, quer da não verificação

dos factos excecionados pela contraparte. Isto mostra que existe uma repartição do ónus de alegação entre

o autor e o réu: ao autor compete alegar os factos constitutivos da situação jurídica (arts. 552º/1 d) e 186º/2

a)); ao réu cabe invocar os factos impeditivos, modificativos e extintivos daquela situação (art. 572º/2 2ª

parte). Pode assim concluir-se que nem todos os factos dos quais depende a procedência da ação integram a

causa de pedir: desta só participam os factos constitutivos da situação subjetiva invocada pela parte, isto é,

os factos essenciais.

Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem

ser subsumíveis a uma norma jurídica, mas valem independentemente desta qualificação, dado que ela não é

vinculativa para o tribunal (art. 5º/3).

Os factos que integram a causa de pedir estão necessariamente referidos a um determinado momento. Deste

modo, causas de pedir constituídas por factos ocorridos em momentos diferentes são causas de pedir

distintas. Por exemplo, se uma ação, em que o autor pedia a execução específica de um contrato-promessa,

improcedeu por falta de interpelação da contraparte, nada obsta a que possa ser proposta uma nova ação,

entre as mesmas partes e com o mesmo pedido, fundada no incumprimento de uma interpelação posterior à

decisão daquela ação.

Sempre que há incumprimento do contrato, tem de se distinguir consoante aquilo que se está a pedir:

a) Se se pedir o cumprimento – a causa de pedir é a celebração do contrato, porque o direito de crédito

surge com a celebração do contrato (como facto complementar poderemos ter o incumprimento, na

tese de LEBRE DE FREITAS).

b) Se se pedir a indemnização pelos danos resultantes do incumprimento do contrato – a causa de pedir

é o facto danoso. Tem sempre de se referir a celebração do contrato, uma vez que o dano resulta do

incumprimento do contrato, mas não será essa a causa de pedir (poderá ser um facto complementar,

na tese de LEBRE DE FREITAS).

2- Fase da Condensação

Esta fase visa verificar e garantir a regularidade do processo, identificar as questões de facto e de direito

relevantes (com a possibilidade de serem suprimidas as insuficiências e imprecisões na alegação da matéria

de facto), decidir o que já possa ser decidido, enunciar os temas da prova e efetuar subsequentemente e

preparar as diligências probatórias:

a) Despacho pré-saneador (art. 590º/2 a 6);

b) Notificação das partes para a audiência prévia (art. 220º/1);

c) Audiência prévia (art. 591º);

d) Não havendo lugar a esta, despacho saneador (art. 595º), despacho de identificação do objeto do

litígio e enumeração dos temas da prova (art. 596º/1), despacho a marcar a data da audiência final

(art. 593º/2 d)), notificação desses despachos às partes (art. 593º/3), eventuais reclamações e

alterações dos requerimentos de prova (arts. 593º/3, 596º/2 e 598º/1);

e) Havendo reclamação, notificação das partes para audiência prévia (art. 593º/3) e realização da

mesma (art. 593º/3).

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3- Fase da Instrução

É repartida por atos de produção de cada meio de prova, tendencialmente concentrados na audiência final

(arts. 604º/3 a) a d) e 607º/1), mas tendo lugar antes dela quando a natureza do meio de prova, como é o caso

da perícia, ou outras circunstâncias (a urgência, a impossibilidade da comparência da testemunha ou da parte

no tribunal, a qualidade da testemunha, a conveniência em realizar a inspeção judicial antes da audiência:

arts. 419º, 456º, 457º, 490º, 491º e 503º a 506º) o imponham ou aconselhem.

A audiência final encontra-se no art. 599º.

4- Fase da Discussão e Julgamento

É a fase em que as partes expressam os seus pontos de vista sobre as decisões, de facto e de direito, a proferir

e o tribunal decide.

Os atos que integram esta fase são:

a) Alegações (sucessivas) do autor e do réu, com possibilidade de réplica (art. 604º/3 e));

b) Sentença (art. 607º);

c) Notificação da sentença às partes (art. 220º/1);

d) Eventuais reclamações das partes, quando não seja admissível recurso (arts. 615º/4 e 616º/3), e sua

decisão (art. 613º/2), seguidamente notificada (art. 220º/1).

Assim, terminado o processo em 1ª instância, pode abrir-se, no prazo do art. 638º (30 dias a contar a partir da

notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos nos arts. 644º/2

e 677º), instância de recurso ordinário dirigido à Relação. O processo seguirá então novas fases, mediante o

encadeamento de atos processuais igualmente tipificados na lei de processo.