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Direito das Sociedades Maria Beatriz Tacão, Turma B, 2018/2019 Das Sociedades em Geral Noção: O artigo 980º CC oferece-nos uma noção de contrato de sociedade; já no artigo 1º CSC, aparece a sociedade primária e dominantemente como entidade. Como deflui do nº1 do artigo 1º CSC, preferimos falar em sociedade ato-jurídico, em vez de contrato ou negócio, pois existem atos constitutivos de sociedades sem natureza contratual (Ex. no caso das sociedades unipessoais) e sem natureza obrigacional (Ex. no caso das sociedades anónimas de capitais públicos). Preferimos também referir sociedade-entidade, em vez de coletividade ou pessoa jurídica, dada a existência de sociedades unipessoais e de sociedades sem personalidade jurídica. Entre o ato jurídico constituinte e entidade societária há uma íntima ligação: o ato faz nascer a entidade. Por outro lado, há um desprendimento da sociedade-entidade relativamente ao ato constitutivo: a organização e funcionamento internos da sociedade são em larga medida independentes do ato de constituição (regidos diretamente pela legislação societária) e a sociedade é novo sujeito (distinta dos sócios que por si atuam e relacionam com outros sujeitos). Segundo o Professor Coutinho de Abreu e Menezes Cordeiro, no decorrer da análise do artigo 980º CC e 1º CSC, concluímos que o conceito de sociedade tem de integrar os seguintes elementos: -Sujeito ou agrupamento de sujeitos/Pessoal: regra geral, a sociedade é composta por dois ou mais sócios (art.980º CC e 7º CSC), sendo a sociedade uma pessoa coletiva à qual corresponderia uma pluralidade de sócios. Os sócios, segundo o art.9º/1/a) podem ser pessoas singulares ou coletivas. Todavia, há exceções: sociedades supervenientemente unipessoais (reduzidas a um só sócio, embora hajam sido constituídas por mais- art.1007º d) CC (sociedades civis puras podem manter-se unipessoais durante 6 meses), 142º/1/a) CSC, 270º- A/1 CSC e 464º/3- tratando-se do Estado, a unipessoalidade mantem-se sem limites); sociedades originariamente unipessoais (constituídas por um só sujeito-sociedades por quotas, anónimas ou comanditas por ações- art.488º/1 CSC e 481º/1; -Substrato Patrimonial/Patrimonial: qualquer sociedade exige um património próprio, património esse inicialmente constituído ao menos pelos direitos correspondentes às obrigações de entrada- art.980º, 983º/1 CC e art.20º/a) CSC-, para o exercício em comum de certa atividade que não seja de mera fruição. Ainda quando as obrigações de entrada não sejam realizadas ou cumpridas nesse momento, já existe património social, pois a sociedade adquire o direito (de crédito) às entradas. À medida que corre a vida da sociedade, vai-se alterando o património social. É até de admitir que a contribuição seja apenas a inclusão do seu nome (de sócio) na sociedade.

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Direito das Sociedades Maria Beatriz Tacão, Turma B, 2018/2019

Das Sociedades em Geral

Noção: O artigo 980º CC oferece-nos uma noção de contrato de sociedade; já no artigo 1º CSC,

aparece a sociedade primária e dominantemente como entidade.

Como deflui do nº1 do artigo 1º CSC, preferimos falar em sociedade ato-jurídico, em vez de contrato ou negócio, pois existem atos constitutivos de sociedades sem natureza contratual (Ex. no caso das sociedades unipessoais) e sem natureza obrigacional (Ex. no caso das sociedades anónimas de capitais públicos). Preferimos também referir sociedade-entidade, em vez de coletividade ou pessoa jurídica, dada a existência de sociedades unipessoais e de sociedades sem personalidade jurídica.

Entre o ato jurídico constituinte e entidade societária há uma íntima ligação: o ato faz nascer a entidade. Por outro lado, há um desprendimento da sociedade-entidade relativamente ao ato constitutivo: a organização e funcionamento internos da sociedade são em larga medida independentes do ato de constituição (regidos diretamente pela legislação societária) e a sociedade é novo sujeito (distinta dos sócios que por si atuam e relacionam com outros sujeitos).

Segundo o Professor Coutinho de Abreu e Menezes Cordeiro, no decorrer da análise do artigo 980º CC e 1º CSC, concluímos que o conceito de sociedade tem de integrar os seguintes elementos: -Sujeito ou agrupamento de sujeitos/Pessoal: regra geral, a sociedade é composta por dois ou mais sócios (art.980º CC e 7º CSC), sendo a sociedade uma pessoa coletiva à qual corresponderia uma pluralidade de sócios. Os sócios, segundo o art.9º/1/a) podem ser pessoas singulares ou coletivas. Todavia, há exceções: sociedades supervenientemente unipessoais (reduzidas a um só sócio, embora hajam sido constituídas por mais- art.1007º d) CC (sociedades civis puras podem manter-se unipessoais durante 6 meses), 142º/1/a) CSC, 270º-A/1 CSC e 464º/3- tratando-se do Estado, a unipessoalidade mantem-se sem limites); sociedades originariamente unipessoais (constituídas por um só sujeito-sociedades por quotas, anónimas ou comanditas por ações- art.488º/1 CSC e 481º/1; -Substrato Patrimonial/Patrimonial: qualquer sociedade exige um património próprio, património esse inicialmente constituído ao menos pelos direitos correspondentes às obrigações de entrada- art.980º, 983º/1 CC e art.20º/a) CSC-, para o exercício em comum de certa atividade que não seja de mera fruição. Ainda quando as obrigações de entrada não sejam realizadas ou cumpridas nesse momento, já existe património social, pois a sociedade adquire o direito (de crédito) às entradas. À medida que corre a vida da sociedade, vai-se alterando o património social. É até de admitir que a contribuição seja apenas a inclusão do seu nome (de sócio) na sociedade.

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A sociedade representa uma organização humana, com objetivos patrimoniais, pelo que deve dispor de bens e direitos afetos aos seus fins, o que é dizer: um património- que responderá pelas dividas da sociedade. -Objeto da Sociedade/Teleológico: o objeto da sociedade é a atividade económica que o sócio ou sócios se propõem a exercer mediante a sociedade. A sociedade civil pura visa ‘’o exercício em comum de certa atividade económica’’- art.980º CC. Trata-se do escopo, do fim social da sociedade. A sociedade visa também obter lucros, mesmo quando tal não suceda, pois, toda a atividade societária está articulada em função dessa realidade. A obtenção de lucros é o objetivo final de qualquer sociedade. O objeto das sociedades comerciais deve traduzir-se na prática de atos de comércio- art.1º/2 CSC. Não basta que se procurem lucros, há que fazê-lo de forma comercial. De toda a forma, podemos considerar que uma atividade lucrativa, levada a cabo por uma sociedade comercial, é, pelo menos, subjetivamente comercial. O objeto da sociedade poderá abranger uma ou mais atividades principais- exprime o objeto essencial da sociedade considerada (atividade típica, regulada na lei e designada por uma locução que traduza a atuação em jogo); atividades secundárias- seria o caso de se fixar, como escopo social ‘’industria e comercio de conservas de peixe’’, bem como a sua embalagem: esta última seria uma atividade secundária; atividades acessórias- incluem-se no objeto social (Ex. contratação de trabalhadores e contrair créditos). O objeto da sociedade deve constar dos seus estatutos- art.9º/1/d) CSC. A atividade depende de uma sucessão de atos, não podendo também ser objeto de ‘’mera fruição’’, simples desfrute ou de mera perceção dos frutos (Todavia, sociedade de simples administração de bens, mero gozo de simples vantagens proporcionadas pelos bens sociais, etc- não são comerciais nem civis, sendo apenas sociedades no geral. Não obstante, as sociedades de simples administração que não tenham por objeto atos de comércio, podem adotar tipos comerciais- art.1º/4 CSC). Para não causar equívocos: não são de ‘’mera fruição’’ sociedades comerciais dedicadas à administração ou gestão de bens. A atividade deve ser certa e determinada- art.980º CC e 11º/6 CSC. Os sócios exercem em comum a atividade da sociedade- podem participar na condução ou controlar a atividade; O objeto deve manter-se durante toda a vida da sociedade, bastando ver que a sua realização completa ou ilicitude superveniente constitua casos de dissolução imediata- art.141º/1/c) e d). O objeto da sociedade condiciona as deliberações dos sócios, sob pena da violação dos próprios estatutos sociais e baliza a atuação dos administradores. -Fim da sociedade: segundo o artigo 980º CC, o fim ou escopo da sociedade é a obtenção de lucros (lucro objetivo), através do exercício da sociedade, e a sua repartição pelos sócios (lucro subjetivo). Lucro traduz-se num ganho traduzível num incremento do património da sociedade. Tem um caráter injuntivo, na medida em que proíbe os pactos leoninos-art.994º CC. -Formal: a sociedade comercial deve assumir uma das formas previstas no próprio CSC. A civil quedar-se-á pelo disposto nos artigos 980º e ss. CC. Deste elemento deriva a organização: as sociedades comerciais implicam, por força da lei, uma estrutura interna, com órgãos diferenciados e esquemas de representação; também as sociedades civis puras, embora mais lassas, acabam por apresentar uma estruturação interna e uma face externa, explicitadas na lei. A tipicidade tem diversas implicações: -Numerus clausus: não são possíveis esquemas societários não previstos na lei; -Natureza delimitativa: por uma razão de consistência, as regras de cada tipo não podem ser afastadas pela autonomia privada;

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-Limitação à analogia: não é possível o recurso à analogia para constituir diferentes tipos dos previstos na lei- art.2º in fine. Da tipicidade, adveio limites à autonomia privada. Motivos justificadores: -no interesse público, exigia conhecer os entes coletivos; -na proteção dos sócios, que não poderiam ser levados a aceitar excessivas compressões dos seus direitos; -na tutela dos credores, que mais facilmente mediriam os riscos das suas operações. Os valores em jogo são suficientemente flexíveis para não exigir uma tipicidade absolutamente fechada. O modelo legal pode ser tomado como um contrato-quadro; quer isto dizer, que perante cada tipo de sociedade, haverá que indagar até onde vai a autonomia das partes, podendo as partes conformar livremente o conteúdo do contrato. As regras são imperativas quando estão em jogo interesses do mercado ou tutela de terceiros ou sócios débeis, nos restantes casos, a autonomia privada recupera a primazia. O tipo societário é integrado por normas que têm a ver com os pontos seguintes: -Conformação da firma (bastará vê-la ou ouvi-la para qualquer interessado ficar inteirado pelo tipo de sociedade); -Regime de responsabilidade por dívidas (é expresso pela firma- o comércio jurídico e a confiança suscitada pela sociedade disso dependem); -Regras básicas atinentes às participações sociais (qual a sua conformação e em que se traduzem). O professor Menezes Cordeiro refere ainda um quinto elemento, que seria a intenção de formar a sociedade ou affectio societatis. A sua análise reconduz à própria vontade contratual de formar a sociedade, não tendo relevo enquanto elemento. No fundo, sociedade é a entidade que, composta por um ou mais sujeitos, tem um património autónomo para o exercício de atividade económica, a fim de obter lucros e atribuí-los aos sócios ou sócio- ficando este ou estes sujeitos a perdas. Substrato Obrigacional e Organizacional:

Quando duas ou mais pessoas se encontram com um projeto societário, elas atuam em duas vertentes: -Assumindo obrigações umas para com as outras (será máximo nas sociedades civis puras, vindo a diminuir, sucessivamente nas sociedades em nome coletivo, por quotas e anónimas); -Fixando um quadro de organização que, depois, irá desenvolver novas atuações produtivas (aquele mesmo substrato varia na razão inversa).

Princípios Gerais das Sociedades: Art.2º/3- aplicar-se-ão as regras do Direito civil sempre que não se contrariarem as

regras do Direito Comercial. -Autonomia Privada: em regra e por defeito, as sociedades derivam de contratos livremente celebrados entre entidades que se posicionam num plano de igualdade. Esses

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contratos elegem o tipo de sociedade pretendido e o seu funcionamento, com direitos e deveres para os sócios. Uma vez constituídas, as sociedades podem fazer tudo quanto não lhes seja proibido. A autonomia privada conhece vários níveis de delimitação: -Os limites gerais dos negócios jurídicos: lei, bons costumes e ordem pública- art.56º/1/d) CSC; -Os limites induzidos dos vetores profundos de ordem jurídica, expressos pela regra da boa-fé- art.58º/1/b) CSC; -Os limites derivados das regras injuntivas dirigidas às sociedades em geral- dirigidas a defender os interesses de terceiros e os do mercado em geral; -Os limites próprios dos tipos societários considerados. -Boa-Fé e tutela da confiança: a boa-fé e a tutela da confiança operam em numerosos dispositivos destinados a proteger terceiros que entrem em contacto com a sociedade e que, sem culpa, desconheçam aspetos em presença. Vamos referir: -A invalidade proveniente dos vícios elencados no artigo 52º/3 CSC não pode ser oposta a terceiro de boa-fé; -A declaração de nulidade ou a anulação de deliberações sociais não prejudica os direitos adquiridos por terceiros de boa-fé- art.61º/2 CSC; -A nulidade da fusão só pode ser declarada em certos termos- art.117º/1. -Tutela da confiança suscitada pelas publicações obrigatórias- art.169º/3 CSC. A tutela de terceiros que aceitem as manifestações exteriores só se justifica quando estejam de boa fé, ou seja, quando sem culpa ignorem os óbices em presença. Ainda como manifestação deste princípio, temos deveres de lealdade: entre sócios e entre estes e os administradores. A realidade societária exige que as pessoas possam confiar umas nas outras, pelo menos funcionalmente. -Igualdade e a justiça distributiva: vamos recordar algumas soluções onde aflora uma ideia de igualdade: -Proibição de pactos leoninos- art-22º/3 CSC; -Regra de participação nos lucros e perdas de acordo com a participação no capital- art.22º/1 CSC; -Necessidade de convocação de todos os sócios para a assembleia poder deliberar validamente- art.56º/1/a) - ou de todos terem sido convidados para haver voto escrito- idem b); -Princípio do igual tratamento dos acionistas, no tocante a ações próprias- art.321º CSC; -Restrições quanto ao voto plural, que valha para além da sua participação- art.531º CSC. -Controlo do Direito Sobre a Economia- Concorrência e tutela das minorias: a igualdade entre os sócios pode levar a um estrangulamento das minorias pelas maiorias. Procurando evitá-lo, a lei determina diversas soluções que atribuem, a sócios minoritários, poderes que ultrapassam os que lhes adviriam da mera proporção do capital detido. Assim: -Os sócios que representem 5% do capital social podem requerer a designação de representantes especiais, em ações de responsabilidade- art.76º/1 CSC; -Os sócios que representem 5% do capital social podem propor ação social de responsabilidade contra os administradores- art.77º/1 CSC; a percentagem desce 2% no caso das sociedades cotadas; -Diversas deliberações exigem ou podem exigir maiorias qualificadas ou, mesmo, a unanimidade- art.86º/1 CSC.

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-O modo coletivo; autonomia funcional e patrimonial e a limitação da responsabilidade: as sociedades atuam de modo coletivo. A consequência direta do modo coletivo em que funciona o Direito das Sociedades é a existência de autonomia funcional e patrimonial. Assim: -As sociedades prosseguem fins próprios e detêm objetos formalmente seus; além disso, dispõem de esquemas destinados à elaboração de uma vontade que lhes é imputada; -As sociedades dispõem de um património próprio, o qual, preferencial ou mesmo exclusivamente, responde pelas suas dívidas. As sociedades implicam uma limitação do risco ou da responsabilidade das pessoas nelas envolvidas. Com efeito, a autonomia patrimonial leva a que os sócios não respondam direita e imediatamente- art.997º/2/3 CC e 175º/1 CSC- sociedades de responsabilidade ilimitada; ou não respondam de todo- art.197º/1 CSC e 271º CSC- sociedades de responsabilidade limitada. -Princípio da Lealdade: diz-se haver lealdade na atuação de quem aja de acordo com uma bitola correta e previsível. Perante uma pessoa leal, o interessado dispensa a sua confiança. Daí resulta: a confiança, a entrega e o investimento. A lealdade tem um longo historial. No Direito Privado, encontramos quatro áreas preferenciais de aplicação da lealdade: -lealdade como dever acessório (art.762º/2 CC- especial apelo à boa fé), -lealdade como especial conformação de prestações de serviços, -lealdade como configuração das atuações requeridas a quem gira um negócio alheio (nesta vertente, a lealdade tem um conteúdo fiduciário, próximo dos deveres do gestor ou do mandatário. Os deveres de lealdade distinguem-se dos deveres de proteção e de informação: visam condutas positivas e promovem diretamente o escopo almejado pelo credor. O contrato de sociedade mais habitual ocorre intuitu persona, em que as partes o celebram na medida em que tenham uma especial confiança nas qualidades da outra parte. A lealdade decresce nas sociedades por quotas e ainda mais nas anónimas. Com a evolução, tanto jurisprudencial como doutrinária, ficou claro que os deveres de lealdade conheciam campos distintos de aplicação. Parece razoável supor que tais campos originaram três áreas distintas: -Lealdade exigível aos sócios, seja nas relações entre si, seja como referência à própria sociedade (inscreve-se no próprio status dos sócios, que exprime uma série de direitos e deveres- a lealdade, que se traduz na tutela da confiança e na materialidade subjacente-, ínsitos na ideia de participação social; -Lealdade da sociedade para com os sócios (traduz-se num alargamento das competências da assembleia geral e a adoção de certas deliberações por maioria qualificada); -Lealdade requerida aos próprios órgãos societários (deveres de lealdade dos administradores- art.64º/1/b)). Os Tipos Societários:

O tipo de responsabilidade assumida pelos sócios revela-se um elemento fulcral para a definição de cada tipo de sociedade, mas, a par desse elemento, a estrutura organizatória (definida pela lei para cada um dos tipos) também é elemento necessário na definição de cada tipo.

Existe uma relação de mútua implicação entre a estrutura organizatória e a natureza da responsabilidade dos sócios de cada tipo de sociedade- devido ao equilibro interno de cada sociedade que se revela essencial para a prossecução dos interesses da mesma e o princípio da tipicidade.

1. Delimitação da responsabilidade dos sócios

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SOCIEDADES EM NOME COLETIVO (SNC)- ART.175º CSC

Cada sócio responde pela respetiva obrigação de entrada. Refere ainda o art.175º/1,

que respondem perante os credores da sociedade e pelas obrigações desta-responsabilidade subsidiária face à sociedade e solidária entre os sócios. ‘’Subsidiariamente’’- significa que exaurido o património social, podem os sócios responder pelas dívidas da sociedade (Responsabilidade Ilimitada). ‘’Solidariamente’’- esses sócios respondem pelas dividas da sociedade a terceiros de forma solidária (nos termos de uma obrigação solidária, em que o interpelado responde por todos, tendo depois o direito de regresso). Quando algum sócio entre com bens em espécie e os mesmo não sejam verificados e avaliados nos termos do art.28º, têm os sócios de assumir expressamente no contrato social responsabilidade solidária pelo valor que atribuam aos mesmos bens (art.179º). Nesta, torna-se muito difícil delimitar o risco a que posso estar subjacente.

SOCIEDADES POR QUOTAS (LDA)- ART.197º E 198º

Art.197º/1/3: Respondem perante a sociedade pela sua obrigação de entrada e pela realização das entradas dos seus consórcios, solidariamente. Assim, posso correr o risco de perder todas as entradas. Deixo de ter risco, quando todos os sócios realizaram as suas entradas. Um ou mais sócios podem ainda ficar obrigados perante as sociedades a prestações acessórias e suplementares (art.197º/2, 209º, 210º, ss). Não respondem perante os credores da sociedade, sendo que só o património social responde para com os credores pelas dividas da sociedade (Responsabilidade Limitada). Todavia, o art.198º permite estipulações contratuais distintas em que um ou mais sócios podem responder perante os credores sociais até determinado montante. Esta possibilidade vem impedir a afirmação que a irresponsabilidade dos sócios perante os credores sociais é uma caraterística essencial da sociedade por quotas- traço regra de caráter supletivo. O elemento nuclear é a limitação da responsabilidade- os sócios podem responder pelas dividas da sociedade, mas nunca ilimitadamente. Esse montante da limitação tem de corresponder mais ou menos à atividade social, não podendo ser desajustado da faturação da sociedade, uma vez que tal pode servir para mascarar o regime das responsabilidades, passando a ser ilimitado. O Professor JCG defende que esta é uma margem parametrizada, em que o sócio pode admitir responder perante os credores da sociedade, parâmetros esses dados por contrato e até ao montante máximo coerente com o capital social (senão desvirtuava-se a norma e teríamos uma SNC).

SOCIEDADES ANÓNIMAS (SA)- ART.217º

Sociedade duplamente limitada:

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-Internamente- respondem perante a sociedade pela sua obrigação de entrada apenas e não responde para além de nenhuma dívida (art.271º). Pode, no entanto, o estatuto social impor que um ou mais sócios fiquem obrigados a prestações acessórias (art.287º); -Externamente- não respondem perante os credores da sociedade pelas dívidas desta.

SOCIEDADES EM COMANDITA SIMPLES

Existem dois grupos de sócios: -Comanditados- assumem uma responsabilidade igual à dos sócios das

sociedades em nome coletivo; -Comanditários- respondem apenas pela sua entrada (art.465º/1) Por isso, fala-se que esta pode ser uma sociedade de tipo misto ou híbrido- reúne numa

mesma sociedade sócios com responsabilidade limitada e outros com responsabilidade ilimitada.

SOCIEDADES EM COMANDITA POR AÇÕES

Responsabilidade igual às sociedades em comandita simples. As diferenças não

operam no campo da responsabilidade. 2. Transmissão de participações sociais inter vivos A transmissão de participações sociais inter vivos, traduz-se na venda da percentagem

que o sócio detém no capital social da sociedade. A vender tudo, deixa de ser sócio, pois a qualidade de sócio é inerente à detenção do capital social (Não obstante, se ficar com 1% ainda é sócio).

Tem de conciliar interesses antagónicos: -Interesse do sócio que pretende transmitir a sua participação (pretendendo

máxima liberdade para essa transmissão, de forma a mobilizar quando e como quiser o seu património e poder desvincular-se do grémio social);

-Interesse dos restantes sócios e da própria sociedade (pretendendo impedir a transmissão quando tal for indesejável).

A solução encontrada para a composição de tais interesses difere do tipo de

sociedade, pois a medida/intensidade desses interesses também não é a mesma em todos os tipos.

SOCIEDADES EM NOME COLETIVO (SNC)- ART.182º/1 E 185º/1/A)

Primazia ao interesse dos sócios (enquanto sócio individual) subsistentes na sociedade em não passarem a ter, sem o seu expresso consentimento, um novo sócio. Tal faz sentido devido à responsabilidade ilimitada decorrente desta sociedade e às consequências negativas que podiam advir da entrada de um estranho (indesejado) na sociedade.

SOCIEDADE POR QUOTAS (LDA)- ART.228º/2 E 242º-A Regime supletivo para a cessão de quotas difere consoante a pessoa do cessionário:

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-É livre para o cônjuge, ascendente ou descendente, bem como entre sócios (art.228º/2); -Depende de consentimento da sociedade todas as outras cessões (art.242º-A) - nestes casos, o consentimento é dado pela sociedade e não pelos sócios (deliberação em que o sócio alienante não pode votar). Não obstante, este regime pode ser amplamente derrogado no contrato de sociedade- art.229º. Pode tornar mais fácil ou mais difícil a transmissão de participações, uma vez que a conformação da sociedade está especificamente na autonomia dos sócios. Tutelam-se, todavia, os interesses do sócio que quer sair, pois aquele a quem é recusado o consentimento, terá sempre a possibilidade de realizar, ao menos parcialmente, o seu interesse- art.231º. Difere esta das SNC, pois há casos em que não é necessário o consentimento (art.228º/2 in fine) e este é dado pela sociedade e não pelos sócios.

SOCIEDADES ANÓNIMAS (SA)- ART.328º

Neste caso, será a transmissão, em princípio, livre: basta o sócio querer alienar a sua participação.

O art.328º limita (nunca exclui) a transmissão das ações nominativas, mas não as ações

ao portador. Os sócios podem limitar, mas nunca excluir (enquanto que nos outros tipos societários pode haver essa exclusão). Esta limitação está sujeita aos prazos do art.329º, que uma vez ultrapassados, tornam a transmissão livre.

Alei reduziu o âmbito para a derrogação do regime da liberdade, por via do contrato;

tal acontece, devido à AS estar gizada para a disseminação do seu capital, o que impõe a fácil circulação das ações.

SOCIEDADES EM COMANDITA- ART.469º/1, 475º, 478º.

3. Estrutura Organizatória

Segundo o Professor Coutinho de Abreu, os órgãos sociais são centros institucionalizados de poderes funcionais a exercer por pessoa/pessoas com o objetivo de formar/exprimir a vontade juridicamente imputável às sociedades.

A Assembleia Geral, é órgão deliberativo-interno, de formação da vontade das

sociedades (art.53º). A Gerência, é o órgão de administração e representação das sociedades.

SOCIEDADES EM NOME COLETIVO (SNC)- ART.189º E SS

Poder supremo sobre a sociedade pertence à coletividade de sócios: Assembleia de Sócios. Este órgão, nos termos do artigo 189º, pode deliberar sobre todos os assuntos.

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Aos gerentes, cabe a administração e representação da sociedade- art.192º, 191º e 193º. Em regra, são gerentes todos os sócios- art.191º/1- o que se compreende, dada a responsabilidade ilimitada de cada um deles perante os credores sociais. Só assim não será, quando o contrato social determine diversamente e quanto a sócios-entidades coletivas (art.191º/2/3). Não-sócios podem ser gerentes somente quando os sócios os designem por deliberação unânime (art.191º/2).

SOCIEDADE POR QUOTAS (LDA)- ART.246º-252º E SS

Transmite o art.246º o órgão de coletividade dos sócios: a Assembleia dos Sócios. Esta,

segundo o art.247º/1, delibera de forma unânime por escrito (art.54º) e pode decidir mediante deliberação em assembleia geral.

O art.246º/1 enuncia o conjunto imperativo de competências que não podem ser

remetidas para outro órgão e de que dependem de deliberação dos sócios; o nº2 reflete um conjunto de competências supletivas, que podem ser remetidas para outro órgão, caso o contrato social não disponha diversamente.

-Administração/Representação: cabe ao Gerente (art.252º e 261º); -Deliberação: cabe à Assembleia Geral (art.248º); -Fiscalização: cabe ao Conselho Fiscal (art.262º) ou Fiscal Único (que a ser, é ROC-

art.414º). Se não tiver Conselho Fiscal, pode ter um Revisor Oficial de Contas, atendendo aos requisitos do art.262º/2. Nem sempre tem este órgão de fiscalização, só nestes casos e atendendo ao volume de negócios. Quanto não tem este órgão, quem fiscaliza são os próprios sócios.

SOCIEDADES ANÓNIMAS (SA)- ART.278º

Segundo o art.278º/1, pode estruturar-se segundo três modalidades distintas:

a) MONISTA/LATINA: -Administração: um só órgão (Conselho de Administração ou Administrador Único- art.390º, 424º/2); -Fiscalização: Conselho Fiscal (art.413º/1); Os administradores não têm de ser sócios (art.390º/3, 425º/6), mas têm de ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena (art.390º/3/4, 425º/6/d) /8), salvo se integrarem a comissão de auditoria (art.423º-B/6).

b) ANGLO-SAXÓNICA: -Administração: um órgão (Conselho de Administração). Parte desses membros do Conselho de Administração integram outro órgão de fiscalização (Comissão de Auditoria- art.423º-B) e os membros da Comissão de Auditoria- órgão de fiscalização da sociedade- são simultaneamente administradores membros do Conselho de Administração; -Construído sobre o sistema Monista, mas difere na parte em que destaca do Conselho de Administração um outro órgão a quem compete genericamente fiscalizar a atividade da administração da sociedade; -Aparentemente, mantém-se idêntico tanto o quadro de competências como o estatuto individual dos administradores e o funcionamento do Conselho de Administração;

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-Fiscalização: ROC (art.446º e 413º/2);

c) DUALISTA/GERMÂNICA: -Administração: dois órgãos: Conselho de Administração Executivo (424º e ss.) e Conselho Geral e de Supervisão (art.434º e ss); -Fiscalização: ROC (art.446º).

Existe sempre um órgão de coletividade de sócios que não tem as mesmas competências em todas as estruturas admitidas por lei. -Não tem de compor-se por todos os sócios e pode haver ações preferenciais sem voto (art.343º/1 e 379º/2) ou exigir número mínimo de ações (art.379º/3 e 384º/2/a)); -Não podem deliberar fora dos casos previstos na lei, sobre matérias de gestão da sociedade- a não ser no caso do art.373º/3.

SOCIEDADE EM COMANDITA

Por remissão dos art.474º (simples) e 478º (por ações) aplicam-se as disposições relativas às sociedades em nome coletivo e às sociedades anónimas, em tudo o que não for contrariado por normas específicas destes tipos. Gerência deve ser composta por sócios comanditados- art.470º/1.

4. Número mínimo de sócios

A regra geral encontra-se presente no art.7º/2 CSC, que prevê o número mínimo de dois ou mais sócios. Todavia, a sociedade por quotas pode ser constituída por um único sujeito (sociedade por quotas unipessoal- art.270º-A/1), as sociedades anónimas têm de ser constituídas por cinco sócios (art.273º/1). Durante a vida toda da sociedade, devem os referidos números ser respeitados, sob pena de dissolução (art.142º/1/a) /3).

5. Capitais Sociais

O capital social é, em geral, uma cifra representativa da soma dos valores nominais das participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie. As entradas devem ter um valor idêntico ou superior ao valor atribuído aquelas participações- art.25º/1/2.

As SNC constituídas por sócios que entrem somente com a sua indústria ou

trabalho não têm capital social (art.9º/1/ f) e 178º/1). Para o valor nominal, não está fixado qualquer valor mínimo.

Para as SA, o capital social mínimo há-de ser constituído: 50 000 € (art.276º/5 e 478º). Para as SQ, o capital social é livremente acordado pelos sócios- a partir de 1 € (se for

um sócio), 2 € (dois sócios), etc. (art.201º e 219º/3). Tipos doutrinários societários -Sociedades de pessoas: são em grande medida dependentes da individualidade dos sócios, o intuitus persona é manifesto. São caracterizadas: pela responsabilidade dos sócios

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pelas dívidas sociais; a impossibilidade ou dificuldade dos sócios mudarem; o grande peso dos sócios nas deliberações sociais e na gestão das sociedades; a necessidade de a firma conter nome ou firma de sócio; o dever dos sócios não concorrerem com as respetivas sociedades, salvo consentimento de todos os outros sócios; o direito alargado de cada sócio à informação sobre a vida da sociedade. Arquétipo: sociedade em nome coletivo. -Sociedades de capitais: assentam principalmente nas contribuições patrimoniais dos sócios. Caraterísticas: não responsabilidade dos sócios pelas dividas sociais; a fácil mudança ou substituição dos sócios; o peso dos sócios nas deliberações sociais e na gestão das sociedades é determinado pela importância das respetivas participações de capital; a firma não tem qualquer nome ou firma de sócio e é geralmente firma-denominação; os sócios não administradores podem concorrer com as respetivas sociedades. Arquétipo: sociedades anónimas. E as Sociedades por Quotas? Há quem situe as sociedades por quotas no quadro das sociedades pessoas e quem as coloque entre as sociedades de capitais, devido ao seu caráter supletivo em muitas das suas normas. Em abstrato, o modelo que o legislador seguiu foi o personalístico, uma vez que se os sócios não afastarem o regime supletivo, esta sociedade apresenta-se como uma sociedade de pessoas. -Sociedades Abertas: são principalmente as sociedades anónimas, especialmente abertas aos mercados de capitais. -Sociedades Fechadas: as respetivas participações não são negociáveis em mercados públicos. É o caso das sociedades em nome coletivo e por quotas. Todavia, há sociedades que embora tipicamente abertas, são especialmente fechadas: é o caso das sociedades unipessoais e sociedades com número reduzido de sócios. Personalidade Jurídica Incluímos, entre os princípios gerais do Direito das sociedades, o recurso ao modo coletivo de estatuir, o que é dizer: à técnica própria da personificação de uma realidade não-humana, com tudo o que isso implica em termos técnicos e significativo-ideológicos. A personalidade coletiva está ligada às sociedades, particularmente às comerciais. Apesar da sua importância, as fronteiras da personificação das sociedades ainda não estão, esclarecidas. Sociedades Civis Puras O CC não atribui, com clareza, personalidade coletiva às sociedades civis que regula. Mas também não a nega. Na origem da discussão ora em estudo, surge-nos Dias Ferreira que, anotando a sociedade civil do Código de Seabra, a considera como: (...) pessoa jurídica com direitos e obrigações, não só entre os seus membros, mas em relação a terceiros (...)

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Guilherme Moreira, a quem se deve a expressão ‘’pessoa coletiva’’, vem tomar posição diversa. Para ele, a personalidade só surgiria quando se verificasse total independência patrimonial em relação aos sócios ou associados. Isso leva-o a considerar que as sociedades civis puras não seriam pessoas coletivas. José Tavares, numa análise ponderosa, vem tomar posição oposta: de facto, diversos preceitos no Código de Seabra reconheciam, na sociedade civil, uma entidade juridicamente diferenciada dos seus sócios, capaz de direitos e obrigações, atribuindo e reconhecendo as garantias mais caraterísticas de uma personalidade jurídica. Logo, não seria lógico contestar-lhe a natureza de pessoa jurídica idêntica/análoga às das sociedades comerciais. Cunha Gonçalves, vem negar a personalidade coletiva das sociedades civis puras. Invoca argumentos de tradição e explica que a sociedade é de tomar com o sentido dos ‘’diversos sócios’’. Após a publicação do CC de 1996, o problema manteve-se, remetendo o legislador o problema para a doutrina. Contra a personalidade coletiva das sociedades civis puras manifestaram-se Ferrer Correia (defende que o conceito de sociedade varia consoante os autores e escolas e para ele, não passa de um simples caso de comunhão em mão comum- defendem o mesmo os Autores alemães, quanto à sociedade do BGB), Pires de Lima e Antunes Varela (apesar dos preceitos atribuírem alguns direitos e obrigações às sociedades civis puras, isso não permitiria uma generalização conceptualista), Mota Pinto (sublinha a ausência de qualquer norma do CC que, genericamente, lhes atribua personalidade coletiva) e Isabel Magalhães Collaço. A favor, com algumas reservas, depunha Paulo Cunha (partia das sociedades civis puras e, depois, por outros preceitos, apurava-se a sua personalidade e falava-se em analogia. Introduzia uma dupla restrição: ficavam de fora as parcerias rurais, consideradas sociedades pelo Código de Seabra, mas não pelo CC atual e as sociedades puras teriam de ter os estatutos aprovados por escrito e aprovados para adquirirem personalidade); também com reservas, ela é propugnada por Marcello Caetano (surge através do art.157º CC: quando elas tivessem substrato e houvesse um reconhecimento, impor-se-ia a analogia prevista naquele preceito, surgindo a personalidade), Castro Mendes (adota a orientação de Marcello Caetano), Carvalho Fernandes (aperfeiçoa a orientação de Marcello Caetano, referindo que a personalidade surgiria desde que as sociedades civis recorressem à escritura pública) e Pedro Pais Vasconcelos. POSIÇÃO ADOTADA: Parece claro que o CC se exprime, em relação às sociedades civis puras, em modo coletivo. Será quimérico tentar convolar todas as regras em que se refere a sociedade para regras reportadas aos sócios. Além disso, o CC postula, várias vezes, a possibilidade de, por maioria, se formar uma vontade social. O RNPC contém elementos com interesse. O seu art.42º, dispõe expressamente sobre as denominações das sociedades civis sob forma civil. Todavia, não é obrigatória tal inscrição até porque, o art.6º refere ‘’pessoas coletivas’’, não sendo necessariamente sociedades civis puras. Contudo, o art.4º/1/d) RNPC, refere que as sociedades civis puras devem ser inscritas no RNPC, ou mais precisamente- art.10º/1- devem sê-lo:

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-A sua denominação (torna-se efetiva nos termos do art.54º/2, quando se concretize por escritura pública); -A sua sede ou endereço postal; -O objeto social ou atividade exercida; -O início e a cessação da sua atividade. A sociedade civil pura, constituída por escritura pública ou equivalentes, dotada de denominação, devidamente inscrita no RNPC, dado o âmbito dos art.980º ss. CC, é uma pessoa coletiva em tudo semelhante às demais sociedades. De acordo com a metodologia de Paulo Cunha podemos, então- e só então- recorrer ao art.157º CC. Verifica-se analogia que permite a aplicação dos art.158º/1 e 167º/1 CC: as sociedades puras, desde que constituídas por escritura pública ou por outro meio legalmente admitido e com as especificações prescritas, nos seus estatutos, são pessoas coletivas plenas. Cumpre chamar a atenção para as sociedades civis sob forma civil que adquirem personalidade coletiva por via de leis especiais. Assim sucede com as sociedades de advogados, que adquirem personalidade pela inscrição na AO.

Sociedades Comerciais Perante o art.5º, a personalidade coletiva das sociedades comerciais parece não oferecer dúvidas. Anteriormente, dispunha o art.180º do CC: ‘’as sociedades comerciais representam para com terceiros uma individualidade jurídica diferente da dos associados’’. A generalidade da doutrina entendia que, por via deste preceito, todas as sociedades comerciais eram dotadas de personalidade jurídica. Contra depunha Guilherme Moreira, uma vez que para este, o conceito era limitativo, traduzindo apenas autonomia patrimonial. A sociedade comercial deixa de ser um conjunto de obrigações entre sócios, para passar a tornar um novo sujeito de direitos. A doutrina atual distingue entre autonomia patrimonial e personalidade jurídica: na primeira, a lei opera no âmbito objetivo da sociedade; na segunda, fá-lo no âmbito subjetivo- tendo apenas as sociedades de capitais personalidade jurídica. Na Alemanha, as sociedades civis puras e as em nome coletivo, também não tinham personalidade jurídica, por falta de reconhecimento legal. A doutrina mais recente admite, todavia, uma reponderação: estas sociedades aproximam-se das sociedades de capitais, pelos sucessivos poderes que lhes vêm sendo reconhecidos, assumindo uma personalidade ‘’rudimentar’’. O Direito Comercial Português acaba por assentar na solução mais generosamente radical: atribuir personalidade coletiva a todas as sociedades comerciais. Levantamento da Personalidade O poder de atuar através de sociedades tem limites intrínsecos. Logo à partida, seria estranho que tal poder fosse absoluto, permitindo contrariar os dados fundamentais do ordenamento. A doutrina que sustenta, explica e aplica tais limites é a do levantamento da personalidade.

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O levantamento da personalidade não deriva de meras lucubrações teóricas. Trata-se de um instituto surgido à posteriori para sistematizar e explicar diversas soluções concretas, estabelecidas para resolver problemas reais, postos pela personalidade coletiva. Na sua origem, encontramos uma multiplicidade de casos concretos. A doutrina que se tem preocupado com o levantamento procede a classificações, agrupamentos ou ‘’constelações’’ de hipóteses em que ele se manifesta: -A confusão de esferas jurídicas: A confusão de esferas jurídicas verifica-se quando, por inobservância de certas regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objetivas, não fique clara, na prática, a separação entre o património da sociedade e o do sócio ou sócios. Estes casos reportam-se, sobretudo, às chamadas sociedades unipessoais. Exemplo: A e B, casados, únicos sócios de uma sociedade por quotas, comportam-se habitualmente como se o património social fosse património comum do casal: frequentemente, circulam bens de um para o outro, sem registos contabilísticos ou com registos insuficientes, tornando-se inviável distinguir com rigor os patrimónios dos sócios e da sociedade e controlar a observância das regras relativas à conservação do capital social. Nestes casos, consequentemente, se a sociedade cair em situação de insolvência, não poderão os sócios opor aos credores sociais a responsabilidade limitada e irresponsabilidade pelas dívidas societárias. Porque desrespeitaram o ‘’princípio da separação’’, não há que observar a autonomia patrimonial da sociedade, respondendo assim, perante os credores. -Subcapitalização: Verifica-se uma subcapitalização relevante, para efeitos do levantamento da personalidade, sempre que uma sociedade tenha sido constituída com capital insuficiente para o exercício da respetiva atividade e esta insuficiência nem sequer é suprida por empréstimos dos sócios. A insuficiência é aferida em função do seu próprio objeto ou da sua atuação surgindo, assim, como tecnicamente abusiva. Para efeitos do levantamento, cumpre distinguir entre a subcapitalização nominal- onde a sociedade considerada tem um capital formalmente insuficiente para o objeto ou para os atos a que se destina, podendo, não obstante, acudir com capitais alheios- e material- onde há uma efetiva insuficiência de fundos próprios ou alheios. Esta apenas releva, para efeitos de levantamento, quando o problema não seja resolvido com recurso a uma norma de Direito estrito. A subcapitalização pode auxiliar no apuramento do escopo das normas em presença: estaria em causa a possibilidade de se apontar a função do capital social como uma regra de tutela dos credores. Surgem ideias promissoras, como a de Vonne-Mann, quando apela a um princípio de justa repartição de riscos, entre os sócios e os credores sociais. A própria jurisprudência faz um apelo direto aos bons costumes e à boa-fé. Exemplo: quando os sócios introduzem no comércio jurídico uma sociedade, ou mantêm nele, apesar de sofrer manifesta subcapitalização material. Se a sociedade, porque subcapitalizada, cai em situação de insolvência, pela via do levantamento da personalidade jurídica, serão os sócios chamados a responder (subsidiária, mas) ilimitadamente perante os credores sociais. Todos os sócios, em princípio, se a

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subcapitalização for originária ou inicial (sendo manifesta, a culpa atingirá todos os sócios fundadores); ou o sócio ou os sócios controladores (com poder de voto para deliberar o aumento do capital ou a dissolução da sociedade), se a subcapitalização for superveniente. Não devem beneficiar da referida responsabilidade os credores voluntários ‘’fortes’’ que conheciam a situação de subcapitalização e/ou assumira, com escopo especulativo, os riscos. -O atentado a terceiros e o abuso de personalidade: O atentado a terceiros verifica-se sempre que a personalidade coletiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar. Não basta uma ocorrência de prejuízos causada a terceiros através da pessoa coletiva: para haver levantamento, será antes necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. Sub-hipótese particular é a do recurso a ‘’testas de ferro’’, numa situação que autorizaria a procurar o real sujeito das situações criadas. O abuso do instituto da personalidade coletiva é uma situação de abuso do direito ou de exercício inadmissível de posições jurídicas, verificada a propósito da atuação do visado, através de uma pessoa coletiva. No fundo, o comportamento que suscita a penetração vai caraterizar-se por atentar contra a confiança legítima (venire contra factum proprium, supressio ou surrectio) ou por defrontar a regra da primazia da materialidade subjacente (tu quoque ou exercício em desequilíbrio). O atentado à boa-fé deve ser muito nítido para justificar o levantamento. Exemplo: uma sociedade de ‘’responsabilidade limitada’’ que tem problemas de liquidez; os sócios deslocam a produção, ou boa parte dela, para a sociedade nova por eles constituída, com objeto igual ou semelhante, ou para sociedade já existente e de que eles são sócios; a primeira sociedade cessa a atividade ou diminui-a grandemente e a breve trecho fica exangue, impossibilitada de cumprir obrigações para com terceiros. Estando uma sociedade em crise, os sócios não têm o dever de recapitalizar. Menos ainda quando, em vez de (re)investirem na sociedade em crise, investem noutra e descapitalizam (mais) a primeira, desacautelando direitos e interesses dos credores desta. Havendo abuso de direito, há ilícito. Se houver também culpa dos sócios, dano para os credores e nexo de causalidade entre ele e o comportamento ilícito e culposo, temos os pressupostos para responsabilizar os sócios para com os credores sociais. Não obstante, haverá entre nós a tentação de invocar o abuso de direito por violação dos bons costumes (art.334º CC), o que não teria o inconveniente de se exigir dolo. Mas, prefere o professor Coutinho de Abreu, no quadro do art.334º CC, a ideia do abuso institucional- associada à derrogação da autonomia patrimonial da sociedade devedora (ao património social junta-se o património dos sócios para satisfação dos credores da sociedade). Antes do acórdão ‘’Trihotel’’, vários autores fundavam a responsabilidade dos sócios perante a sociedade, com base no desrespeito do dever de lealdade dos sócios para com a sociedade. Na verdade, no exemplo enunciado supra, é violado o dever de lealdade- o dever que impõe que cada sócio não atue de modo incompatível com o interesse social ou com interesses de outros sócios relacionados com a sociedade. Consequentemente, os sócios desleais podem ter de responder perante a sociedade. Ainda assim, assume o professor Coutinho de Abreu, que nestes casos é preferível responsabilizar os sócios perante os credores sociais pela via do levantamento da

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personalidade coletiva. Utilizando esta de forma abusiva, os sócios causam danos mais relevantemente aos credores sociais. As teorias explicativas

-A teoria Subjetivista: A teoria subjetivista foi defendida pelo próprio Serick. Segundo este autor, a autonomia da pessoa coletiva deveria ser afastada quando houvesse um abuso da sua forma jurídica, com vista a fins não permitidos e, ainda, com a intenção do próprio agente. A fase subjetiva surge, assim, como um episódio natural, dentro da evolução geral da ideia de levantamento: jogam-se, tão-só, os pressupostos da responsabilidade civil. Todavia, esta teoria tem vindo a ser rejeitada, uma vez que a exigência do elemento subjetivo específico iria provocar insondáveis dificuldades de prova. Devemos ainda atentar na concreta solução pretendida com o levantamento considerado. Se se tratar, simplesmente, de fazer responder o património do sócio por dívidas da sociedade, não se requer qualquer culpa subjetiva. Pelo contrário, visando-se responsabilidade civil por atos ilícitos ou pelo incumprimento das obrigações, a culpa é requerida. Tratar-se-á, antes, dos comuns pressupostos da responsabilidade civil. -A teoria Objetiva: As teorias objetivas resultam, à partida, da rejeição de elementos subjetivos para fazer atuar o levantamento. Numa primeira fase, tudo é feito depender das (más) intenções do agente. Conquistado o instituto, este é objetivado, passando a depender da pura contrariedade do ordenamento. Abandonada a intenção, o levantamento exigiria a ponderação dos institutos em jogo. Quando, contra a intencionalidade normativa, eles fossem afastados pela invocação da personalidade, esta deveria ser levantada. Desde o momento em que tudo dependa da articulação entre os institutos em jogo, o levantamento vai exigir a cuidada interpretação das regras em presença. -A teoria da Aplicação das normas:

Apresentada por Muller-Freienfels, visava constituir uma alternativa à orientação de Serick. Segundo esta orientação, o levantamento não traduziria, propriamente um problema geral de personalidade coletiva: tratar-se-ia antes de uma questão de aplicação das diversas normas jurídicas. Quando, particularmente por via do seu escopo, elas tivessem uma pretensão da aplicação absoluta ou visassem atingir a realidade subjacente à própria pessoa coletiva, aplicar-se-iam. Ou seja, haveria levantamento sempre que, por exigência de uma norma concretamente prevalente, não tivesse aplicação uma norma própria da personalidade coletiva. A teoria da aplicação das normas não deve, porém, esquecer que a personalidade coletiva tem valores próprios, não sendo um mero jogo de normas. -As teorias Negativistas:

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Estas teorias, negam, direta ou indiretamente, a autonomia do levantamento da personalidade enquanto instituto. O levantamento lidaria com proposições vagas, conduzindo à insegurança. Assim, haveria antes que determinar os deveres concretos, em certos casos, que incidam sobre os membros das pessoas coletivas. No limite, apenas poderíamos responsabilizar os dirigentes ou administradores das pessoas coletivas, por falta de diligência. Há também quem defenda um negativismo indireto, em que o levantamento diluir-se-ia no vetor mais amplo a que se reconduz a fraude à lei, sem apresentar autonomia dogmática. POSIÇÃO ADOTADA Perante a apontada diversidade, seria vão procurar uma noção explícita de levantamento ou indagar, para ele, uma natureza unitária e autónoma. Tão-pouco adianta reportar o assunto à fraude à lei: figura que não tem autonomia no Direito Português. No fundo, as teorias historicamente surgidas para explicar o levantamento estão todas representadas no objeto do mesmo. As diversas teorias documentam facetas próprias do levantamento, correspondendo a progressões da mesma ideia, pelo que elas não se opõem: completam-se. O levantamento conquistou assim uma autonomia dogmática, enquanto instituto de enquadramento. No fundamental, ele traduz uma delimitação negativa da personalidade coletiva por exigência do sistema, ou exprime situações nas quais, mercê de vetores sistemáticos concretamente mais ponderosos, as normas que firmam a personalidade coletiva são substituídas por outras normas. Em estudos anteriores, o professor Menezes Cordeiro procurou fazer uma distinção entre levantamento amplo e levantamento estrito: o primeiro abrangia todas as situações de levantamento, enquanto o segundo se reportaria apenas àquelas em que isso ocorra por exigência da boa-fé. A Capacidade de Gozo das Sociedades Quanto às pessoas coletivas, uma orientação com certa tradição, entre nós, pretende que a sua capacidade seria limitada pelo princípio da especialidade: ela (apenas) abrangeria os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins. A ideia do princípio da especialidade teve uma dupla origem: a doutrina ultra vires anglo-saxónica e as restrições continentais aos bens de mão-morta. Não obstante, o princípio da especialidade perde os seus dois pilares histórico- dogmáticos, tendendo a ser abandonado, enquanto elemento limitador da capacidade jurídica das pessoas coletivas. O professor JCG, admite a aplicabilidade do princípio da especialidade, relativamente ao objeto mediato da sociedade (obtenção de lucro). No que toca ao objeto imediato (prática de atos), o professor desconsidera o princípio. Razões para as limitações da sociedade: -Fim último; -Fim imediato/objeto social; -Lei; -Natureza das coisas;

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-Vontade dos sócios. Atos gratuitos e garantias O art.6º/1 CSC considera não serem contrários ao fim da sociedade ‘’as liberdades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade’’. Se as liberalidades são usuais, não são doações (art.940º/2 CC), sendo permitidas segundo as circunstâncias da época e condições da própria sociedade não contrárias ao fim. Quando não são usuais, são admitidas se poderem servir o interesse da sociedade, tal como definido pelos órgãos competentes. JCG: a prática de atos gratuitos pode ser compatível com a prática societária se tal não ofender o fim mediato da sociedade (lucro). Assim, não se desconsidera a posição restritiva do legislador e assegura uma margem de manobra ampla às Sociedades. (Podem, pontualmente, ser nulas). Segundo o professor Coutinho de Abreu, não devemos confundir o espirito de liberalidade com a liberalidade em si, pois é perfeitamente possível uma sociedade conceder uma liberalidade, com fim ao lucro desta. A escola de Coimbra defende uma interpretação restritiva do art.6º/2, que são contrárias ao fim da sociedade. Nenhuma razão se visualiza para considerar as doações fora da capacidade de qualquer pessoa coletiva, mesmo tratando-se de uma sociedade. Em casos concretos, determinadas doações poderão ser inválidas: mas por força de regras específicas, que as proíbam. Subproblema muito relevante é o da prestação de garantias a terceiros. Tal prestação poderia surgir como um ‘’favor’’ e, portanto, como um ato gratuito, que iria depauperar o património do garante, à custa dos sócios e dos credores. Sendo um ato gratuito, se for, irá contra o fim da sociedade: obtenção de lucros. O art.6º/3 CSC dispôs sobre as garantias, proibindo, pura e simplesmente, as sociedades de prestar garantias, salvo nas condições que ela própria prevê. São elas: -Justificado interesse próprio da sociedade garante (definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos. Segundo JCG, quem tem de demonstrar interesse próprio é, em função da especificidade da matéria, quem se pretende valer. A sociedade pode ter vantagens de profit com estas ações); -Sociedade em relação de domínio ou de grupo (são relações estabelecidas entre sociedades, o de grupo-são sociedades coligadas- domínio- pode ser total e de grupo- paritário ou subordinação que só decorre de um contrato- é de quase nula utilização. (a situação de domínio (art.486º) - basta estar nesta relação para que seja possível prestar garantias, a lei não distingue as posições e nem faz sentido distinguir- há um qualquer caso de grupo, ‘’interesses de grupo’’. Todavia, a sociedade garante não pode, com a prestação de garantia, descurar o próprio interesse e o interesse dos seus credores. Ainda por mais, a sociedade dominante terá sempre interesse no bom andamento da dominada e não é assim na perspetiva contrária. Por isso, só pode a sociedade dominante prestar garantias à dependente- e a de grupo (art.488º e ss) podem ser alargadas ao grupo de facto- e serve a ideia supra também para este grupo. Deve assim a parte final do nº3 ser interpretado restritivo-teleologicamente. Relação de domínio: conceito técnico-jurídico ou económico? Quem defende um conceito técnico-jurídico, refere que existe no mesmo código, no art.6º/3, um conceito

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técnico-jurídico- autores da escola de Coimbra. São também pessimistas, porque referem que as sociedades dominantes podem prestar garantias às dominadas, mas o contrário não seria admitido. Se estiver em causa um conceito económico, temos de olhar para os intervenientes e a forma como se comportam, como grupo- casos em que sociedades são detidas através de influências dominantes pelos mesmos sócios. Nesta perspetiva, ambas as sociedades podem prestar garantias uma à outra. Estas exceções são de tal ordem, que acabam por consumir a regra. O ‘’justificado interesse’’ é definido pela própria sociedade. É evidente que quando se presta uma garantia, é facílimo invocar interesse próprio justificado. A jurisprudência afirma ainda que o interesse pode ser ‘’indireto’’- TRL 11/03/04. Quanto às relações de domínio ou de grupo, surgem fáceis, sobretudo aplicando a regra aos grupos de facto. Resta concluir que o art.6º/3 acaba por funcionar, apenas, perante situações escandalosas e, ainda aí, havendo má-fé dos terceiros beneficiários. Celebrada a garantia, cabe o ónus da prova à sociedade que invoque a nulidade- escola otimista. É o credor da entidade cuja dívida foi garantida que deve provar, se quiser ver reconhecida a validade da garantia, que se verifica a exceção de que a sociedade garante tinha justificado interesse próprio (e não dos sócios) na prestação de garantia. Os pessimistas referem que quem quer salvar a garantia é que tem de provar a validade da garantia. Januário: interpretação do art. 6º, tendo em conta este progressivo abandono do princípio, é aquela que faz uma articulação entre o objeto imediato (prática de atos comerciais) e o objeto mediato (lucro – art. 980º CC). Capacidade da Sociedade é realizar o objeto imediato tendo sempre em vista e não podendo contradizer o objeto mediato. (Constituir uma hipoteca coloca em risco os ativos dados em garantia). As garantias problemáticas são aquelas que não tem qualquer remuneração ou aquelas que não têm em conta garantias adequadas. Pode chocar com o fim da sociedade, uma vez que coloca imensos riscos. Quem defender o princípio da especialidade, irá referir o caráter teleológico da norma e considerando, à luz do art.6º/1, que é inconveniente. Quem é otimista, defende que o interprete deve utilizar todos os meios interpretativos ao seu dispor, para referir que isto é a forma que salva a segurança jurídica no tráfego jurídico ou de outra forma, estarei sempre a invalidar garantias. Prestações assistenciais Particularmente cadente será saber se as sociedades têm capacidade suficiente para atribuir prestações de reforma aos seus antigos administradores. À partida, a matéria assistencial deve ser gerida por organismos especializados: públicos ou privados. Em regra, uma sociedade comum não está apetrechada para tal competência. Obrigar-se, para sempre, a pagar uma pensão de reforma é um ato aleatório, que deve ser reservado à indústria seguradora ou entidades profissionais. Tomada em si, a prestação de reforma poderá não ser um ato gratuito: antes assume uma dimensão de um complemento remuneratório. Todavia, o CSC, no seu art.402º/1 permite

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que o contrato de sociedade anónima possa estabelecer um regime de reforma por velhice ou invalidez dos administradores. O nº2 explicita que também é possível a assunção, pela sociedade, de complementos de reforma. A reforma a cargo da sociedade não contradiz a sua natureza lucrativa. Todavia, deve estar prevista no próprio contrato de sociedade, não podendo ser criada, ex novo, pela assembleia geral. A natureza especial e delicada da atividade assistencial, no interesse de todos os envolvidos, deve, em definitivo, reservá-la para as entidades especializadas. Os preceitos permissivos terão, deste modo, de ser interpretados em termos restritivos. As limitações específicas: naturais, legais e estatutárias Apesar do princípio da especialidade não ter alcance dogmático, a capacidade de gozo das pessoas coletivas pode sofrer limitações: -Limitações ditadas pela natureza das coisas: Segundo o art.6º/1, excetuam-se ao âmbito da capacidade de gozo das pessoas coletivas os direitos e obrigações inseparáveis da personalidade singular’’. Trata-se: -Situações Jurídicas familiares ou sucessórias que, pela sua natureza, visam apenas pessoas singulares; -Situações de personalidade, também centradas nas pessoas singulares (direito à vida, integridade física, etc); -Situações Patrimoniais, mas que pressupõem a intervenção de uma pessoa singular (trabalhador subordinado, por exemplo); A violação de limitações impostas pela natureza das coisas implica a nulidade do negócio, por impossibilidade legal- art.280º/1 CC-, atingindo as inerentes deliberações sociais por via do art.56º/1 c). -Limitações legais: A referência feita no art.6º/1, a ‘’...direitos e obrigações vedados por lei...’’ é, tal como no princípio da especialidade, herdeira das antigas leis de desamortização, que visavam prevenir a acumulação de bens. Se bem atentarmos, não há aqui um problema de capacidade, mas sim de proibição legal. Pode acontecer que a prática de determinado negócio se inscreva, perfeitamente, nas finalidades coerentes de certa pessoa coletiva, mas que, não obstante, o legislador proíba a sua celebração. Pode ainda suceder que o legislador proíba um ato e, depois, o venha permitir e proibir de novo. A inobservância das limitações legais à possibilidade de prática pelas pessoas coletivas, de certos atos, conduz, em princípio, à nulidade do ato por violação de lei expressa (art.294º) ou por ilicitude (art.280º/1): não por incapacidade. -Limitações estatutárias:

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Os estatutos podem limitar, pela positiva, a atuação da sociedade a que respeitem, restringindo-a à prática de certos atos ou, pela negativa, vedar-lhe a prática de determinados atos. Todavia, as limitações estatutárias são meras regras de conduta internas. Adstringem os órgãos da pessoa coletiva a não praticar os atos vedados, sem, contudo, limitarem a capacidade da sociedade- art.6º/4. Um ato social excede ou é alheio ao objeto da respetiva sociedade quando, atendendo ao momento da sua prática, se revele inservível para a realização da atividade que a sociedade pode, nos termos do estatuto, exercer; quando entre o primeiro e o último não exista uma relação de meio-fim, refere o professor Coutinho de Abreu. Nas sociedades SNC, os gerentes têm ‘’falta de poderes’’ de representação para a prática de atos fora dos limites do objeto social (art.192º/2/3). Em consequência, os atos serão ineficazes relativamente à sociedade (art.268º/1 CC); só assim não será se tais atos forem ratificados por unânime deliberação, expressa ou tácita, dos sócios (art.192º/3). Nas SQ e SA, têm em regra os gerentes ou administradores os poderes de representação suficientes para as vincularem por atos alheios ao objeto social (art.260º/1, 409º/1, 431º/3, 478º). Só assim não é, quando se verifique o previsto no art.260º e 409º nº2: a sociedade pode invocar a ineficácia dos atos que ultrapassem os limites do objeto social somente quando se verifiquem duas condições: -Prova feita pela sociedade que o terceiro sabia, ou tinha de saber, tendo em conta as circunstâncias, que o ato excedia o objeto social; -Não assunção do ato pelos sócios, entretanto, através de deliberação. Os fundamentos para esta limitação, para alguns, será o princípio da especialidade, a tutela da confiança de terceiros. Temos ainda um fundamento normativo muito importante, que será a transposição da 1ª Diretiva Europeia que é fonte desta norma. Outras possíveis sanções são a responsabilidade civil de membros da administração para com a sociedade (art.6º/4, 64º, 72º) e a destituição com justa causa de membros da administração (art.6º/4, 191º/4-7, 257º, 403º, 430º, 471º). Importa ainda ter em conta o art.11º/4/5. Segundo o nº4, pode uma sociedade, sem necessidade de autorização estatutária ou deliberação dos sócios, adquirir participações em sociedades de responsabilidade limitada, cujo objeto seja igual ao que a sociedade vem efetivamente exercendo; não será assim, contudo, se o estatuto dispuser diversamente. Há, todavia, uma especialidade de regime quando a sociedade adquirente seja SQ: se o estatuto não dispuser diversamente, compete aos sócios deliberar ‘’a subscrição ou aquisição de participações noutras sociedades’’ (art.246º/2/d)). Segundo o nº5, somente quando o estatuto autorize, livre ou condicionalmente, pode uma sociedade adquirir participações como sócia de responsabilidade ilimitada ou participações em sociedades com objeto diferente do que ela vem exercendo, em sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas. -Limitações deliberativas:

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Limitações que deliberações internas da própria pessoa coletiva ponham à prática, por ela, de certos atos. O desrespeito por tais deliberações responsabiliza o seu autor: a capacidade da pessoa coletiva mantém-se, porém, intacta. A Capacidade de exercício das Sociedades As pessoas coletivas movem-se num universo diferente, tecido sobre normas e princípios jurídicos. A regra é a da plena capacidade de exercício: quem tiver direitos, deve poder exercê-los, por definição, pessoal e livremente. As únicas exceções derivam da natureza das coisas ou limites legais. Os ‘’representantes das sociedades’’ As sociedades comerciais são representadas pelos administradores respetivos. Trata-se de uma regra constante do art.996º/1 CC e dos art.192º/2, 252º/1 e 405º/2 CSC. Todavia, estamos perante uma representação orgânica, pois o que está em jogo é um problema de organização, exigindo que a pessoa coletiva se autodetermine e se manifeste para o exterior, através dos seus órgãos. A tutela de terceiros As regras referentes à orgânica das sociedades acabam por se refletir nos poderes de representação dos seus administradores. Compreende-se que logo a 1ª Diretriz do Direito das Sociedades (Diretriz nº68/151, 9 de março), tenha disposto no sentido de garantir a posição de terceiros perante todas essas eventualidades: -As eventuais irregularidades registadas na designação de representantes das sociedades são inoponíveis a terceiros, salvo se a sociedade provar que estes a conheciam (8º); -As sociedades vinculam-se perante terceiros pelos atos praticados pelos seus órgãos, mesmo quando alheios ao objeto social, exceto se for excedido o que a lei atribuir ou permita atribuir a esses órgãos (9º/1); -As limitações estatutárias aos poderes dos órgãos, bem como as derivadas de deliberações, são sempre inoponíveis a terceiros, mesmo quando publicadas (9º/2). Estas regras constam também no Direito Português, de forma repartida. Desde logo, a designação dos administradores está sujeita a registo comercial-art.3º/1/m) CRC. Quando o registo seja declarado nulo, são protegidos os direitos entretanto adquiridos por terceiro, a título oneroso e de boa fé (art.22º/4): trata-se de uma manifestação de publicidade positiva. Para se desencadearem os efeitos próprios da representação orgânica, basta que o administrador pratique um ato invocando essa qualidade e o estar a agir em nome (contemplatio domini) e por conta da sociedade. Não se requer qualquer autorização, para que surja a imputação dos atos à sociedade. Assiste-se, aqui, a uma total primazia dos interesses dos terceiros, ficando sempre ressalvada a hipótese da má-fé do terceiro: conhecimento da falta de poderes orgânicos ou a violação de um dever elementar de indagação de tais deveres.

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A falsa invocação da qualidade de administrador, não havendo registo, não permite a imputação à sociedade. A responsabilidade das pessoas coletivas Os art.165º e 998º/1 CC, dispõem que as pessoas coletivas respondem pelos atos ou omissões dos seus representantes, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos dos seus comissários. Já o art.6º/5 CSC, usa uma fórmula diferente, referindo que a sociedade responde pelos atos de quem as legalmente represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos atos dos comissários. A responsabilidade do comitente consta do art.500º, enquanto a do representante deriva do art.800º do CC. Adiantamos que estas fórmulas e remissões não são satisfatórias. Não obstante, se forem bem interpretadas, poderemos colocar o Direito Civil português dentro dos atuais parâmetros da responsabilidade civil das pessoas coletivas. Numa fase inicial, as pessoas coletivas eram consideradas insuscetíveis de incorrer em responsabilidade civil. Tal ocorria, pois quedavam dificuldades de fundamentação: a responsabilidade teria de se basear sempre na culpa e uma pessoa coletiva não poderia ter culpa. Além disso, sendo uma pessoa coletiva ‘’incapaz’’, teria sempre de se fazer representar e os poderes de representação não se alargariam a atos ilícitos. Assim, procedeu-se a duas fases para estabelecer a responsabilidade civil: (1) responsabilidade contratual- fácil de demonstrar que a pessoa coletiva podia não cumprir as suas obrigações; (2) responsabilidade delitual ou aquiliana- onde a dificuldade era maior. Procedeu-se, então, à utilização do esquema da responsabilidade do comitente por risco: o comitente deveria, também, correr o risco de as condutas alheias se revelarem danosas: responderia, pois, objetivamente, ou seja, sem culpa. Não obstante, esta solução não era satisfatória: nem em termos jurídico-científicos (verifica-se a pessoa coletiva como ‘’incapaz’’), nem em termos práticos (a pessoa coletiva acabaria por ter um tratamento mais favorável que as pessoas singulares). Numa terceira fase, a pessoa coletiva responde diretamente pelos atos ilícitos dos titulares dos seus órgãos, desde que tenham agido nessa qualidade. Perante o teor literal dos art.165º e 998º/1 CC, reforçado pelo art.6º/5 CSC, alguma doutrina tem sido levada a pensar que, para efeitos de responsabilidade civil aquiliana, a pessoa coletiva é um ‘’comitente’’, sendo o titular do seu órgão um ‘’comissário’’, de modo a aplicar o art.500º. Não obstante, há que procurar uma solução alternativa: referem Manual de Andrade, Ferrer Correia e Januário da Costa Gomes que o art.165º CC tem que ver com os representantes, voluntários ou legais, eventualmente constituídos para determinados efeitos, dos seus agentes e mandatários. Sendo que o art.164º fala de titulares dos órgãos das pessoas coletivas, no prisma da representação orgânica, o art.165º quando refere representantes das pessoas coletivas, não poderá querer dizer os mesmos titulares dos órgãos. Assim, quando age através de órgãos, é a própria sociedade a agir, aplicando-se diretamente o art.798º e 483º CC. O art.500º aplica-se apenas para mandatários e etc. O Contrato de Sociedade

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O contrato de sociedade é um contrato nominado e típico: além de dispor nomen iuris, ele vem regulado na lei civil e comercial: art.980º CC e 7º e ss. CSC. O contrato de sociedade é ainda um negócio jurídico: de fim comum (a obtenção de lucros distribuíveis pelos sócios) e de organização (o negócio faz nascer uma entidade estruturada orgânico-funcionalmente). Segundo Coutinho de Abreu, o ato constituinte das sociedades unipessoais, ab initio, é um negócio jurídico unilateral de organização e não de fim comum.

Trata-se de um ato marcado pela liberdade de celebração e pela liberdade de estipulação: as partes podem optar não só por celebrar o contrato como, fazendo-o, têm a liberdade de nele opor as cláusulas que entenderem. De entre os elementos que estão na sua disponibilidade, conta-se a escolha do tipo societário. Todavia, não é um negócio corrente, precedendo-se de negociações efetivas. Porém, a sociedade encobre, por vezes, interesses familiares, afastando as negociações, já que os interesses não são contrapostos: antes se adotará um figurino. Pinto Furtado admite que se possam criar sociedades por ato administrativo. A sociedade comercial forma-se por via de um processo, sendo o registo o ato que atribui personalidade jurídica à sociedade (ela já existe antes do registo, podendo até atuar antes). As partes À luz do art.7º/2 CSC, a sociedade tem de ser constituída, pelo menos, por duas partes. Quando as partes estabeleçam, ab initio, uma posição ou participação em regime de contitularidade, as pessoas assim envolvidas valem apenas como única parte. Podem ser partes em contratos de sociedade não apenas pessoas singulares, mas ainda pessoas coletivas- é o que resulta da lata capacidade de gozo que é hoje reconhecida às pessoas coletivas. Até o próprio Estado pode ser parte em sociedades. Há mesmo sociedades que só podem exercer a sua atividade através de outras sociedades cujas participações detenham: é o caso das Sociedades Gestoras de Participações Sociais. Também as pessoas rudimentares podem constituir sociedades, desde que, em função do objeto ou de outras circunstâncias, se possam reconduzir à janela da personalidade que lhes seja reconhecida. Cônjuges e menores Desde que os cônjuges constituíssem uma sociedade para a qual contribuíssem com os seus bens ficariam- ou poderiam ficar- em causa o regime de bens estipulado para o casamento (sendo essas regras substituídas pelas do funcionamento da sociedade), o então denominado ‘’poder marital’’ (a chefia assegurada pelo marido daria lugar aos esquemas de formação de vontade social), o sistema de responsabilidade dos bens dos cônjuges ou do casal (seria substituídos pelo regime do tipo social adotado).

A grande questão levantava-se aquando do art.1714º CC, referente à imutabilidade das convenções antenupciais, uma vez que a participação dos cônjuges em sociedades poderá ir contra o regime em convenção antenupcial. Haverá, por isso, segundo Rita Lobo Xavier e Menezes Cordeiro, que compatibilizar o art.8º CSC com o art.1714º CC verificando, contrato a contrato, se a imutabilidade das convenções é respeitada. Para além disso, segundo o art.8º CSC, a constituição de sociedades entre cônjuges, assumindo ambos responsabilidade ilimitada é proibida- aplica-se também às sociedades comerciais puras.

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Segundo o art.8º/2 CSC, quando uma participação seja comum a ambos os cônjuges, será sócio aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou aquele por que, a participação tenha vindo ao casal. No que toca aos menores, podem ser parte em contratos de sociedade. E poderão fazê-lo pessoal e livremente sempre que a sociedade em vista esteja ao seu alcance, perante o art.127º CC. Os menores poderão celebrar contratos de sociedade através dos pais, como representantes legais. Só será necessária autorização no caso das sociedades em nome coletivo e em comandita simples ou por ações- art.1889º/1/d) CC. Tratando-se de menor sob tutela, a entrada deve ser autorizada art.1938º/1/a), b), d) CC. É este regime aplicado aos interditos com as necessárias adaptações- art.1399º e 144º CC. Quanto ao inabilitado, tudo depende da competente sentença- art.153º/1 CC. Forma O contrato de sociedade é um contrato formal- art.7º/1 CSC- requerendo forma escrita com reconhecimento presencial das assinaturas dos subscritores, salvo se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade. A sociedade civil é consensual, apenas exigindo escritura pública quando a natureza dos bens a transferir para a sociedade assim o exija- art.981º CC- ou quando se pretenda assumir personalidade jurídica plena- art.158º e 157º CC. Se percorrermos os contratos próprios deparamo-nos com: -Acordos parassociais (art.17º- liberdade de forma); -Aquisição de bens a acionistas por sociedades anónimas (art.29º/4- deve ser reduzida a escrito); -Alteração do contrato de sociedade (art.85º/4- deve ser reduzida a escrito); -Aumento de capital e outras alterações (art.88º, 93º, 274º, 370º/1, 456º/5- objeto de declaração escrita); -Fusão de sociedades (segue a forma exigida para a transmissão dos bens das sociedades incorporadas- art.106º) ou no caso de constituição de nova sociedade (art.106º). Cisão (art.120º); -Dissolução (não depende de forma especial, quando tenha sido deliberada em AG- art.145º/1) -Contrato de subordinação (forma escrita- art.498º). No tocante aos diversos contratos de sociedade, dá-se alcance à regra geral do art.7º/1 e referem-se os aspetos atinentes ao conteúdo dos contratos- art.176º, 199º, 272º, 466º. No domínio da transmissão de partes sociais, a lei exige forma escrita: -Para a transferência das partes de um sócio de sociedade em nome coletivo (art.182º/2º); -Para a transferência de quotas (art.228º/1).

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A transformação de uma sociedade por quotas em sociedade unipessoal exige documento particular quando, da sociedade, não façam parte bens cuja transmissão exija essa forma solene- art.270º-A/3 (regra similar para a constituição originária-art.7º/1). O contrato de suprimento não está sujeito a qualquer forma- art-243º/6. Tratando-se de negócio entre a sociedade e o seu único sócio, deve ser observada a forma escrita, quando outra não esteja prescrita para o negócio em jogo- art.270º-F/2. Natureza Existem divergências quanto à natureza do ato constitutivo de sociedade. Estas ocorreram em diversos países da família romano-germânica, inclusive em Portugal. Para Menezes Cordeiro, não há dúvidas que está no campo negocial, tendo as partes a liberdade de estipulação e de celebração, colocando este contrato no campo da autonomia privada. Na sua configuração mais natural e típica, a sociedade traduz-se num encontro de várias vontades, que se põem de acordo para concretizar um projeto comum (sendo necessariamente um contrato e não um negócio unilateral, como dizia Guilherme Moreira). Constituição por negócio não contratual -Constituição por fusão, cisão ou transformação (art.7º/4 e 97º e ss.); -Constituição de sociedade anónima com apelo a subscrição pública (art.279º ss); -Constituição originária de sociedade unipessoal por quotas (art.270º-A/1); -Constituição originária de sociedade anónimas (art.488º/1). -Constituição por diploma legal e por decisão judicial. O conteúdo Em rigor, o conteúdo de um contrato traduz a regulação jurídica por ele introduzida, no âmbito delimitado pelas partes. Nas sociedades comerciais, a locução abrange ainda elementos que, não sendo em si regulativos, se tornam essenciais para depreender o regime fixado pelo contrato. O artigo 9º contém os elementos necessários. Diversos preceitos complementam o conteúdo do contrato, a propósito dos vários tipos sociais: art.176º (SNC), 199º (SQ), 272º (SA). A sua eventual ausência conduziria à invalidade do contrato, nos termos do art.42º/1 (para as SNC, art.43º). O art.42º/2 distingue, destes vícios, os sanáveis por deliberação dos sócios, tomada nos termos prescritos para a alteração do contrato: a falta de firma, de sede ou valor da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta. A contrário, a falta do objeto ou do capital seriam insuscetíveis de sanação. Apesar do silêncio da lei, a não indicação do tipo de sociedade, quando insuprível, deve ser considerada insanável (o processo de constituição teria de ser retomado desde o início). Interpretação e integração do contrato A sociedade não pode ser considerada um contrato comum, pois poderiam conduzir a que um terceiro, tendo contactado com uma sociedade, deparasse, quanto aos estatutos, com um sentido inexcogitável. Ele não é eficaz inter partes ou apenas inter partes: originando, pelo registo, um ente coletivo personalizado, ele vem produzir efeitos erga omnes.

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Designadamente: efeitos perante os novos sócios; efeitos perante terceiros estranhos; efeitos perante os credores da sociedade. A interpretação dos pactos sociais é fundamentalmente objetiva, devendo seguir o prescrito para a interpretação da lei (art.9º CC), com inevitáveis adaptações. O art.236º pressupõe o paradigma do declaratário normal. Deve ser feita uma interpretação objetiva do contrato de sociedade, não há que indagar a vontade real dos sujeitos do ato constituinte para a fixação do sentido das cláusulas, nem atender a elementos extrínsecos ao estatuto, mas com duas cedências aos princípios gerais de interpretação e integração: -Presença de cláusulas extrassociais: se for inserida uma cláusula que nada tem a ver com o contrato de sociedade, deve seguir os cânones interpretativos negociais comuns; -Proibição de venire contra factum proprium: deriva da boa fé e impede que uma parte interprete subjetivamente o pacto e depois se faça valer da interpretação objetiva. O método tem de ser mais objetivo, encontrando no texto das cláusulas estatutárias e no contexto estatutário. Tal vale tanto nas sociedades de pessoas como de capitais, mas nas sociedades de pessoas há maior espaço para a consideração das vontades, representações e interesses dos diversos sócios. Firma Presente no art.10º CSC. Os princípios constantes do art.32º ss RNPC devem aplicar-se às sociedades comerciais, cumulativamente com o art.10º CSC. Os contratos de sociedade não podem ser celebrados sem fazer referência à emissão do certificado de admissibilidade da firma, através da indicação do respetivo número e data de emissão- art.54º/1 RNPC. Cabe às partes a autonomia, no campo da firma das sociedades comerciais, de escolher a firma- é limitada pela lei, moral e bons costumes (art.10º/5/c) e 32º/4, b), c), d)). O art.9º/1 c) CSC, prevê a firma como elemento necessário de qualquer contrato de sociedade. O art.10º/5/a) veda expressões que possam induzir em erro quanto à caracterização jurídica da sociedade e na alínea b), proíbe as que sugiram, de forma enganadora, uma capacidade técnica ou financeira ou um âmbito de atuação desproporcional, relativamente aos meios disponíveis. Art.10º/2/3 prevê que as firmas devem ser distintas das já registadas. O nº4 não permite ainda a apropriação de vocábulos de uso corrente e dos topónimos, bem como qualquer indicação de proveniência geográfica. A firma deve conter: SNC- art.177º/1 (quem não cumprir, ficará responsável pelas dívidas, nos termos do art.175º); SQ- art.200º/1/2 (alterando-se o objeto da sociedade, altera-se a firma- princípio da verdade e estabilidade. Porém, como nada impede que os pactos sociais multipliquem objetos e que depois não os prossigam, a eficácia destes preceitos não é significativa); SQU- art.270º-B/G; SA- art.275º. O objeto; a aquisição de participações

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O objeto mediato da sociedade é constituído pelas atividades a desenvolver pelo ente coletivo- art.11º. O objeto da sociedade deve constar de indicação corretamente redigida em língua portuguesa. Todavia, apesar de não estar descrito no artigo, todos os restantes elementos têm de preencher o requisito (ex. o próprio contrato de sociedade não pode ser exarado num texto incompreensível). Como objeto devem ser indicadas as atividades que os sócios se proponham para a sociedade- art.11º/2. O nº3 permite uma série de atividades não efetivas, onde posteriormente os sócios escolhem aquela ou aquelas atividades que a sociedade efetivamente exercerá, bem como deliberar sobre a suspensão ou a cessação de uma atividade que venha sendo exercida. A prática vai assim no sentido de alongar o objeto da sociedade com toda uma série de hipóteses de atuação. O grande papel do objeto poderia residir na delimitação da capacidade da sociedade, em virtude do princípio da especialidade. Todavia, esse princípio encontra-se hoje superado, não limitando já essa capacidade. O objeto da sociedade tem a ver primordialmente com o funcionamento da própria sociedade e com a responsabilidade dos titulares dos seus órgãos. Art.11º/4 e 11º/5 enunciam a problemática da sociedade poder adquirir participações noutra sociedade. O professor JCG tem dúvidas se o art.11º/6 é compatível com o art.980º CC- levanta a dúvida se esta ‘’gestão’’ não é uma atividade de mera fruição, estando fora do universo das sociedades comerciais. A sede e as formas locais de representação A sede é um dos elementos essenciais do contrato de sociedade- art.9º/1/e). Segundo o art.12º/1, a sede da sociedade deve ser estabelecida em local concretamente definido. Aliás, pelo art.10º/1/b) RNPC, a sede, domicílio ou endereço postal de pessoas coletivas estão sujeitos a inscrição no FCPC. Na falta de indicação da sede, no caso das SQ e SA, surgirá a nulidade- art.42º/1/b) - ainda que sanável- nº2. Todavia, apesar de não se poder recorrer diretamente ao art.159º CC, refere o professor Menezes Cordeiro que se pode lá chegar por analogia ou com recurso ao art.157º: mesmo nula, a entidade viciada pode valer como irregular. Sucursal- centro autónomo de negócios, apetrechado para a celebração de todos e quaisquer negócios, sendo como que uma espécie de sede secundária; Agência- local de angariação de clientela, sendo encaminhados para a sede para a conclusão dos negócios; Delegação- limita-se a atuar recebendo instruções da sede. Outras formas de representação- secções, interpostos, postos de venda, postos de distribuição, lojas móveis, etc. Distinta da sede estatutária (lugar concretamente definido onde a sociedade se considera situada para a generalidade dos efeitos jurídicos em que a localização seja relevante) é a sede principal e efetiva de administração da sociedade (lugar onde são tomadas e mandadas executar as decisões de gestão societária, determinando a lei pessoal das sociedades- art.3º/1 CSC).

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Capital Social O capital social não é um elemento essencial do contrato de sociedade, uma vez que não ocorre nas sociedades em nome coletivo, nas quais todos os sócios apenas contribuam com a sua indústria. Também não há capital nas sociedades civis sob forma civil- art.980º CC. Tratar-se-á de um elemento próprio das restantes sociedades. Em termos materiais, o capital de uma sociedade equivale ao conjunto das entradas a que os diversos sócios se obrigaram ou irão obrigar. -Capital Subscrito vs. A Subscrever: consoante as pessoas interessadas se tenham já vinculado ou não às inerentes entradas; -Capital realizado vs. Não realizado: consoante terem sido ou não concretizadas as entregas à sociedade dos valores que ele postule; -Capital realizado em Espécie ou Dinheiro: consoante o tipo de entradas a que dê azo. Em termos contabilísticos, o capital exprime uma cifra ideal que representa as entradas estatutárias, surgindo, como tal, nos diversos instrumentos de prestação de contas. Ele poderá já nada mais ter a ver nem com o real património da sociedade em jogo, expresso pela relação ativo/passivo, nem com o valor de mercado da mesma sociedade. Nas SNC, podem ocorrer sócios de indústria, isto é, sócios adstritos a prestações de facere, por oposição a obrigações de entrega, em dinheiro ou em bens. Este não é computado no capital social- art.178º/1. SNC- partes de capital- art.176º/1/c); SQ- quotas- art. 197º/1; SA- ações- art.271º. Capital contabilístico- cifra que consta do balanço, como passivo, correspondente às entradas realizadas dos sócios; quando por realizar surgem no ativo; Capital estatutário ou nominal- valor inserido nos estatutos e que traduz, de modo abstrato e formal, o conjunto das entradas dos sócios; Capital real ou financeiro- expressão dos denominados capitais próprios ou valores de que a sociedade disponha como seus; Capital económico- imagem da capacidade produtiva da sociedade, enquanto empresa ou conjunto de empresas.

Segundo JCG, o capital tem implicações de regime e não pode ser confundido com o património.

A Duração Resulta do art.15º/1 que a sociedade dura por tempo indeterminado. Às partes cabe,

no pacto social, fixar uma duração determinada para a sociedade, altura em que ela só pode ser aumentada por deliberação tomada antes do prazo ter terminado- art.15º/2. De outra forma, esse mesmo preceito manda aplicar as regras referentes ao regresso à atividade, previstas no art.161º.

A fixação da duração de uma sociedade poderá, ainda, ser feita por remissão para

termo certo. Estas considerações permitem também condicionar a duração da sociedade.

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Se não for estabelecida duração, ela subsiste indefinidamente havendo relações tendencialmente perpétuas entre os sócios.

Vantagens, retribuições e indemnizações O art.16º acrescenta, ao rol de elementos do contrato de sociedade, ainda um fator

eventual: a indicação de vantagens, indemnizações e retribuições. Não está presente no art.9º, mas também deve constar do estatuto das sociedades as

vantagens especiais concedidas a sócios. Por sua vez, os direitos especiais dos sócios só existem quando previstos no contrato social- art.24º.

Tal serve para que as inerentes obrigações sejam oponíveis à sociedade- art.16º/2. Processo de Formação das Sociedades Fases necessárias: 1. Contrato escrito, com assinaturas presencialmente reconhecidas (art.7º/1); 2. Registo (art.18º) - contratos de sociedade devem ser inscritos no registo comercial

(art.18º/5 CSC e 3º/1/a) CRCom). O registo tem o efeito de atribuir personalidade jurídica à sociedade constituída naquele ato constituinte- art.5º CSC. Todavia, a personalidade só pode ser invocada após o registo definitivo do ato constituinte (registo constitutivo). A eficácia constitutiva do registo não significa que sem ele o ato constituinte não produz qualquer efeito, pois a sociedade existe ainda antes do registo e há disposições legais de natureza societária que lhe são aplicáveis. Com registo, há consequência para a sociedade da ‘’assunção’’ ipso iure de direitos e obrigações decorrentes de atos em nome dela realizados antes do registo- art.19º. Atos sujeitos a registo: art.3º a 8º CRCom. Acrescenta oart.10º outros factos sujeitos a registo. Quanto ao código das sociedades comerciais: art.5º, 112º, 120º, 160/2º. A falta de registo traduz-se, essencialmente, na não-limitação da responsabilidade dos sócios.

3. Publicações Obrigatórias (art.167º) – a fim de potenciar a publicidade dos atos constituintes das sociedades (publicidade já visada pelo registo comercial, art.73º ss CRCom). Publicação obrigatória do ato constituinte são promovidas pela conservatória- art.71º CRCom. Esta publicação é condição de eficácia ou oponibilidade do registo a terceiro (art.168º/2 CSC).

Havendo registo prévio, art.18º/1, a sequência é: registo prévio- contrato escrito

registo definitivo- publicações obrigatórias. Segundo o professor JCG, há um roteiro normal, mas as pares podem optar por

constituir sociedades de outra forma- art.18º/1. Fases eventuais: -Acordos de princípios, memorandum of understanding- no âmbito da contratação

mitigada; -Promessas de sociedade: não é frequente em pequenas/médias sociedades por

quotas, mas é possível. Será possível a execução específica? Depende do societário; tem de se perceber se a

natureza da obrigação assumida é compatível com a execução específica. Essa indagação tem

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de ser de acordo com o tipo. Segundo JCG, não pode haver execução específica quando houver posições em que a responsabilidade do sujeito em causa, sendo/quando for sócio, seja uma de responsabilidade ilimitada. Haveria responsabilidade civil.

A formação de uma sociedade implica, ou pode implicar, negociações demoradas-

durante a constituição da sociedade devem ser observadas regras da boa-fé (art.227º CC). A situação jurídica dos sócios À partida, os sócios corresponderiam às pessoas que celebraram o contrato de

sociedade, dando lugar à organização dele derivada e ingressando, nela, com a posição que tenha sido acordada. No entanto, devido à possibilidade de alteração de sócios, a qualidade de sócio passa a ser expressa pela titularidade dessa posição. Pode ser original (quando o próprio sócio considerado tenha participado na celebração do contrato constitutivo) ou adquirida (interessado veio, por uma das vias possíveis no Direito Societário, a subingressar na posição considerada).

Evolução progressiva desta situação: -Sociedades de Pessoas: qualidade de sócio; -Sociedades Mistas: titularidade de uma posição; -Sociedades de Capitais: própria posição, per si, independentemente do seu titular. Estas devem ser as considerações que enquadrem uma parte geral, que permite

melhor conhecer e depois densificar as regras próprias de cada tipo societário. Enumeração legal de direitos e deveres Art.9º- celebração e registo- art.9º/1/f) - capital social- art.9º/1/g) - quota de capital e

a natureza da entrada de cada sócio, bem como os pagamentos efetuados por conta de cada quota;

Art.16º- vantagens, indemnizações e retribuições; Art.17º- acordos parassociais podem ser fonte de diversos direitos; Art.20º- obrigação de entrada e o dever de quinhoar nas perdas; Art.21º- quinhoar nos lucros, participar nas deliberações sociais, obter informações e o

de ser designado para os órgãos sociais; Art.22º- proíbe os pactos leoninos e a remissão para critério de terceiros; Art.23º- usufruto e penhor de participações; Art.24º- direitos especiais; Art.25º a 35º- obrigações de entrada e conservação de capital; Art.53º a 63º- deliberações dos sócios. Há omissão de alguns deveres, segundo o Professor Menezes Cordeiro, que depois são

repetidos a propósito de todos os tipos societários. Por exemplo, a proibição de concorrência (art.180º, 254º, 398º/3, 477º, etc).

As posições jurídicas dos sócios assumem uma configuração nuclear, presente nas

diversas posições societárias. Existem factos suscetíveis de influenciar a concreta composição dos direitos dos sócios, como por exemplo, o tipo societário, a forma como a sociedade é estatutariamente configurada- são direitos patrimoniais privados que não podem ser arbitrariamente suprimidos, sob pena de violar o art.62º/1 CRP.

Os Direitos Especiais

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Schmidt tenta sistematizar os múltiplos exemplos dados pela doutrina alemã em 3

categorias: direitos de participação, direitos de permanência e direitos patrimoniais. O art.24º anuncia a categoria dos direitos especiais dos sócios em termos gerais e não

concretiza que precisos direitos podem estar em causa. Não podem ser suprimidos ou coarctados sem o consentimento do respetivo titular- nº1 e 5.

Com base na jurisprudência portuguesa, podemos apontar os seguintes exemplos: -Direito de vincular uma sociedade por quotas em juízo ou fora dele, apenas

com a assinatura do beneficiário; -Direito de exercer atividade concorrente com a da sociedade; -Direito de dividir ou alienar a sua quota sem as autorizações exigidas aos

demais; -Direito de alienar quotas sem possibilidade de exercício de preferência pelos

demeais; -Direito de veto em todos ou alguns assuntos. Os direitos especiais são intuitu personae: estabelecidos em função do concreto

titular, não sendo transmissíveis a terceiros junto com a respetiva quota. Não obstante, pode haver cláusula expressa a facultar essa possibilidade (art.24º/3).

Quando os estatutos atribuam uma certa posição a uma pessoa, será questão de

interpretação o saber se se trata de um verdadeiro direito especial, sujeito ao art.24º ou se antes se verifica uma mera designação em pacto especial. Não basta a atribuição de um direito, é necessária uma atribuição especial. Estes direitos não são especiais por pertencerem a alguém; são especiais por pressuporem, em si, um regime especial, diferente do comum.

O art.24º/2/3/4 fixa, depois, regras para as sociedades em nome coletivo, por quotas e

anónimas. Nos termos seguintes: SNC- os direitos especiais são intransmissíveis, salvo cláusula em contrário; SQ- os direitos especiais patrimoniais são transmissíveis e intransmissíveis os

restantes, salvo cláusula em contrário; SA- os direitos especiais são atribuídos a categorias de ações, transmitindo-se

com estas. A posição jurídica de sócio é complexa e os diversos direitos dos sócios são suscetíveis

de se concretizar, ou não, consoante os eventos subsequentes que rodeiem a vida da sociedade, por exemplo, o direito a lucros depende de haver, efetivamente, lucros e de se ter optado pela sua distribuição; o dever de informar pressupõe que haja algum elemento com interesse e assim por diante.

No essencial, o sócio tem o dever de entrada inicial e, depois, o direito ‘’de sócio’’.

Tudo o resto é mero potencial, dependendo de fatores de natureza muito variada. Quedam-se por isso, tanto Menezes Cordeiro, PPV como Costa Gonçalves, pela ideia

de estado. Usamos a ideia de sócio como estado, para exprimir, em termos sintéticos, as muitas

variáveis capazes de interferir nas posições dos sócios. Pode ser entendido numa de três aceções:

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-Estado-qualidade, correspondente a uma determinada posição da pessoa; -Estado como complexo de situações jurídicas correspondentes a essa

qualidade ou por ela potenciadas ou condicionadas; -Estado enquanto complexo de normas jurídicas reguladoras dessa massa de

situações.

Estas aceções estão interligadas. Ao admitirmos o estado de sócio, podemos exprimir, de modo sintético, todo um mutável, mas consistente conjunto de posições jurídicas que, por lei, pelo contrato de sociedade, por outros acordos e por deliberações societárias lhe possam advir. Direitos e Deveres dos Sócios De acordo com um critério de concretização ou de consubstanciação, contrapomos os direitos abstratos aos direitos concretos. O direito abstrato é uma posição favorável protegida pelo Direito e que, verificando-se certas ocorrências, permitirá ao sócio ver surgir um direito concreto correspondente. Os direitos concretos são o produto da concretização de uma prévia posição favorável, que assistia ao sócio. (Por exemplo, o direito aos lucros, do art.21º/1/a) é um direito abstrato, que permite ao sócio encabeçar numa pretensão efetiva de um lucro concreto). O direito abstrato surge como uma expetativa em relação a um bem final futuro, pressupondo um processo no termo do qual esse bem poderá surgir. É uma expectativa juridicamente tutelada: diversos procedimentos instrumentais estão previstos e devem ser respeitados, sob cominações jurídicas. Pressupõe ainda direitos instrumentais que são suscetíveis de efetivação. Segundo o professor Menezes Cordeiro, estes são verdadeiros direitos, porque permitem exprimir uma posição favorável do sujeito, tutelada pelo Direito, de exercício permitido e reportado a vantagens suscetíveis de expressão linguística unitária. Inscrevem-se no estado de sócio. O estado de sócio tem diversos direitos que podem ser objeto das mais diversas classificações: -Valores Patrimoniais: direito aos lucros ou ‘’quinhoar nos lucros’’ (art.21º/1/a)) que pode implicar outros direitos instrumentais. Há diversas posições ativas de tipo patrimonial (art.24º/1, 29º/1, 31º a 35º, 77º/1, 37º/2/2ª parte, 94º/1 e 15º/4/d), 105º/1, 112º/b), 120º, 137º/1, 147º/1, 148º/1, 156º/1 e 164º/1). Podem ainda dispor da participação atendendo ao disposto para o tipo societário correspondente; -Valores que se prendem com o funcionamento da sociedade: direitos participativos que dão a possibilidade aos sócios de ingressar no modo coletivo de gestão dos interesses, inserindo-se na organização social e atuando nos esquemas de cooperação por ela previstos. Correspondem a concretizações dos direitos ao trabalho e à livre iniciativa constitucionalmente garantidos- art.21º/1/b), c), d); -Valores pessoais do sócio: há uma teia de direitos e deveres mútuos surgindo ainda diversas outras posições ativas. Exemplo: direitos parassociais- posições pessoais obtidas por força dos acordos, mas, apenas devido à qualidade de sócio e no âmbito do status deste- art.17º; direito à lealdade- relações entre sócios e destes para com a sociedade. Concretiza-se

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na proibição da concorrência, por exemplo; direito ao respeito do estado de sócio- é qualidade do sujeito que deve ser respeitada (Por exemplo, ser impedido de falar numa assembleia geral, pode representar uma violação dos seus direitos participativos e configurar-se um atentado à sua integridade moral). Direitos dos sócios, presente no art.21º: -Direitos de participação: nas deliberações sociais e em órgãos de administração e participação; -Direitos patrimoniais: direito de quinhoar nos lucros, preferência e quota de liquidação; -Direitos de controlo: direito de informação, ação judicial e etc. Os direitos gerais pertencem, em regra, a todos os sócios da mesma sociedade, ainda que em medida diversa. Os direitos especiais, atribuídos no contrato social a certos sócios ou a sócios titulares de ações de certa categoria, conferindo-lhes uma posição privilegiada que não podem em princípio ser suprimida ou limitada sem o consentimento dos respetivos titulares (Ex. ceder a quota sem necessidade de consentimento da sociedade- art.228º/2 e 229º/2). A simples designação de gerente no contrato de sociedade significa a atribuição de um direito especial à gerência? Não, a designação de gerentes no contrato social é um modo alternativo da eleição posterior por deliberação dos sócios (art.252º/2). O art.24º traduz que, sem cláusula estatutária correspondente, estes direitos especiais não existem, ou melhor, são ineficazes em relação à sociedade (ainda quando todos os sócios tenham acordado na sua criação). Levanta-se a questão de se é possível criar direitos especiais para sócios por alteração do contrato social (com nova cláusula, art.85º)? A resposta é positiva, se a alteração contratual for votada por unanimidade (devido ao princípio da igualdade do tratamento dos sócios). Não obstante, uma deliberação tomada por maioria qualificada que introduz no contrato uma cláusula conferindo direito especial a apenas um/alguns sócios, pode ser válida e não violar o princípio do tratamento igual, quando o interesse social impõe ou recomenda essa alteração estatutária.

Outros dos direitos do sócio é o da Participação Plena nas Deliberações e Direito de

Voto: -Participação Plena: além do direito de estar presente (real ou virtualmente)

nas assembleias e de nelas discutir os assuntos sobre que se deliberara, tem o direito de votar as propostas;

-Direito de Voto: poder que o sócio tem de participar na tomada de deliberações através da emissão de votos- declarações de vontade que formam ou contribuem para formar as deliberações.

Obrigações dos sócios Situações passivas (art.20º): -Obrigação de entrada (art.25º); -Sujeição às perdas: tem duplo alcance e represente a frustração de

contrapartidas esperadas pelas entradas, bem como traduzir o funcionamento das regras de responsabilidade dos sócios.

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Depende também do tipo societário e podem haver outras prestações devidas. Há vários casos em que há deveres como contrapartida de diversos direitos: há o direito à participação, pelo que cada um tem o dever de possibilitar essa participação.

Obrigação de entrada O art.980º CC e o art.20º CSC apresenta a entrada como elemento essencial do

contrato de sociedade. Uma pessoa para ser sócia, tem de contribuir para o elemento constitutivo; a participação social só pode ser atribuída conforme a entrada.

A obrigação de entrada não podem ter um valor inferior ao da participação nominal

(parte, quota ou ações) atribuída ao sócio. Segundo JCG, o princípio que o valor nominal não pode ser superior ao valor da entrada- na prática significa que o valor da entrada é o limite máximo do valor nominal da participação social, apesar de não terem de coincidir.

Poderá, eventualmente, ser superior: diz-se então, acima do par. Teremos, nessa eventualidade, um ‘’prémio de subscrição’’ ou de ‘’emissão’’, também dito ‘’ágio’’, que passará a integrar as reservas- art.295º/3/a).

O Ágio/Emissão acima do par (em regra nas SA), justifica-se por 3 ordens de razões,

que muitas vezes operam em conjunto: -Constituição de sociedade e congregação de esforços nesse sentido vale

dinheiro; -Sociedade pode gerar expectativas de negócio que conduzam a uma

sobrevalorização de mercado; -Sociedade pode representar um valor real que ultrapasse o valor nominal do

capital. Segundo Ana Perestrelo de Oliveira, o ágio exprime a diferença entre o valor com que

o sócio efetivamente entra para a sociedade e o valor nominal ou de emissão da participação. O prémio de emissão calcula-se pela diferença entre o preço de subscrição efetivo e o preço de subscrição mínimo, que, por sua vez, toma como referência o valor do capital social de cada emissão (art.295º/3).

As reservas de ágios só são indisponíveis até ao limite do valor da reserva legal: apenas o montante necessário para completar a reserva, se esta não estiver totalmente integrada, não é, em rigor, de utilização livre. Geralmente serve para acertar aquilo que os sócios têm e aquilo que esperam vir a ter. Pagam-se quando o capital não traduz o património liquido da sociedade.

Valor nominal da entrada: valor da participação social correspondente à entrada (art.25º/1- não pode exceder);

Valor real da entrada- valor que corresponde à cifra, em dinheiro, em que ela se traduza, quando pecuniária ou ao valor dos bens que implique, quando em espécie. A participação social é o conjunto unitário de direitos e obrigações atuais e potenciais

do sócio, enquanto tal. O titular da participação social respeitante a determinada sociedade é sócio dessa, nessa sociedade. A aquisição da participação pode ser originária ou derivada (que pode ser por transmissão mortis causa ou entre vivos).

Segundo o professor Coutinho de Abreu, a obrigação de entrada é a primeira e

fundamental obrigação de todos os sócios primitivos de uma sociedade. Sem esta obrigação

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cumprida, a sociedade não terá meios para poder desempenhar a sua atividade. Paralelamente, os sócios não terão título de legitimidade para recolher lucros e para pretender intervir na vida da sociedade.

O tipo de entrada é definido no contrato de sociedade nos termos do art.9º/g/h- quer

quantitativa quer qualitativamente. A entrada não se tem de destinar necessariamente à cobertura do capital social-

art.178º/1 CSC. A obrigação de entrada é, à partida, uma obrigação comum em que, como devedor, surge o sócio e, como credor, a própria sociedade.

Quanto ao momento do cumprimento da obrigação de entrada, ela deve ser realizada

no momento da outorga da escritura, salvo quando o contrato preveja o diferimento das entradas em dinheiro e a lei o permita, o que sucede: SQ- art.202º/2 e 201º; SA- art.277º/2- afere-se sócio a sócio, pois as regras são regras que aferem a seriedade da vinculação dos sócios; se se aferisse globalmente, justificávamos com o interesse dos credores.

Para as entradas em espécie, não há diferimentos, assim com os não haverá para as SNC.

Existem três momentos: constituição, primeiro momento económico (art.202º/4- só se aplica às sociedades por quotas), diferimento (SQ e SA- art.203º e 277º/2).

Quanto à forma do cumprimento das obrigações de entrada, a lei apenas regula

quanto às SQ- art.202º/2- e às SA- art.277º/3: a soma das entradas em dinheiro já realizadas deve ser depositada em instituição de crédito, antes de celebrado o contrato, numa conta aberta em nome da futura sociedade, devendo ser exibido ao notário o comprovativo de tal depósito por ocasião da escritura.

Quanto às garantias da obrigação de entrega, cumpre salientar o art.27º.

-Entradas em dinheiro: Refere-se à assunção de uma obrigação pecuniária. Segundo Coutinho de Abreu, tudo

aquilo que num determinado espaço é aceite consensualmente como meio de pagamento. As entradas em dinheiro têm de ser com moeda em curso legal em Portugal (art.14º) - tem de se atender ao princípio do nominalismo.

-Entradas em espécie: As entradas podem ser em espécie, isto é: traduzir-se na transferência para a

sociedade, de direitos patrimoniais, suscetíveis de penhora e que não se traduzam em dinheiro. Falamos em direitos: pode ser direito de propriedade, uso e fruição, direitos sobre bens imateriais, tais como patentes ou técnicas de know-how. O art.28º/1 refere: ‘’bens diferentes de dinheiro’’- trata-se de uma fórmula excessivamente empírica para exprimir a ideia dos referidos direitos patrimoniais.

Em cima referimos o know-how. Mas será possível entrar para a sociedade com este

conhecimento? Segundo JCG, não se coloca quanto ao patenteado e tem de ser objeto de avaliação pelo art.28º. A tendência é de se admitir que a entrada com saber-fazer, quando os conhecimentos técnicos se encontram materializados e incorporados num suporte, permite

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que outra pessoa além do sócio o possa utilizar. Todavia, a sociedade deve estar em condições de poder utilizar o know-how com independência do sócio que realizou essa entrada.

Será que têm mesmo de ser bens suscetíveis de penhora? A doutrina tem vindo a

referir que esta opção do legislador é uma hiperbolização da função de garantia- tem de se agilizar estas questões. O art.20º/1/a) é inspirado na Diretiva da União Europeia cuja refere ‘’bens suscetíveis de avaliação económica’’- se interpretarmos de acordo com esta, a entrada pode ser constituída por qualquer bem suscetível de ser avaliado economicamente, o que não é sinónimo de ‘’bens suscetíveis de penhora’’.

Levanta-se a questão de saber se os sócios podem entrar na sociedade, atribuindo-lhe

o gozo de bens a título obrigacional. A resposta é positiva. O valor imputável às entradas em espécie de mero gozo é o valor atual de um rendimento futuro- art.25º/4.

O dinheiro é de fácil avaliação: basta ver o montante, em função do princípio do

nominalismo. Já a ‘’espécie’’ pode ter valores subjetivos- pelo facto de a sociedade ter um património objetivo, que interessa à comunidade e em especial aos credores, o Direito preocupa-se com o conhecimento do valor exato dos ‘’bens’’, procurando que seja devidamente determinado. Assim sendo, o art.28º prevê a preparação de um relatório elaborado por um revisor oficial de contas, devidamente distanciado e que avalie, objetivamente, os bens, explicando os critérios usados e declarando formalmente se o valor deles atinge o valor nominal indicado pelos sócios- nº3/d) (ao relatório deve ser dada especial publicidade- art-28º/5). Tal acontece, pois existem várias perturbações que são possíveis- art.25º/3- os sócios respondem perante os credores.

O art.29º enuncia a entrada em espécie dissimulada ou oculta, nas SA ou comandita

por ações. Segundo o professor JCG, é difícil fazer uma interpretação extensiva do art.29º para as SQ, por isso grande parte da doutrina entende que não é possível. Estas situações geram uma suspeição que pode ser sindicada, pelos sócios e outros órgãos próprios da sociedade. O professor refere que este artigo devia ser alvo de reponderação, de iure condendo. Ao levantar suspeição, provoca reação mais acutilante dos órgãos próprios da sociedade- o órgão de fiscalização e administração tem o dever de vigilância.

A limitação às SA e comandita por ações resulta, apenas e somente, da simples

transposição do art.11º da Segunda Diretiva das Sociedades (atual at.13º da Diretiva), que também refere que este regime se aplica apenas às SA. Fernando Sá Oliveira, defende uma aplicação analógica às sociedades por quotas ou ao funcionamento pleno do instituto da fraude à lei. Aplicação analógica, era preciso que os motivos de aplicação sejam os mesmos e que haja uma lacuna, falta involuntária de regulamentação; é difícil, pois o legislador poderia ter perfeitamente aplicado esta norma às SQ, ainda por cima por ter colocado o artigo na parte geral, se não colocou para as SQ foi porque não quis. Para as SQ a doutrina teve de encontrar soluções diferentes e tem entendido que se deve responsabilizar, solidariamente, os sócios fundadores pelos danos causados à sociedade em virtude das aquisições de bens efetuadas nos termos do art.29º, desde que estes tenham agido com dolo ou culpa grave- art.71º/3. No que toca à responsabilidade da própria SA, os sócios fundadores serão solidariamente responsabilizados, se a aquisição de bens não seguir o regime do art.29º, ou seja, se a aquisição for feita a um sócio fundador ou a pessoa que desta se torne sócio nos dois anos

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seguintes ao registo do contrato de sociedade ou do aumento do capital, se o contravalor exceder determinado preço e, ainda, se esta aquisição for feita antes da celebração do contrato de sociedade, simultaneamente com este ou nos dois anos seguintes ao registo do contrato de sociedade ou do aumento do capital.

-Entradas em Indústria: Traduzem-se em serviços humanos não subordinados, senão seria trabalho o que

estaria sujeito a diversa disciplina jurídica. São entradas de execução continuada. O sócio de indústria fica vinculado a partir do contrato social, mas o cumprimento da obrigação prolonga-se no tempo.

Estas não são compatibilizadas no capital social, pois são mais difíceis de avaliação,

não há deliberação instantânea e a indústria vai sendo cumprida. Aqui, é impossível a execução específica.

Só se admitem estas entradas nas SNC, e isso é um afloramento de que as SNC

personificam as Sociedades-Pessoas: tem esta nota de personalidade devido às características de confiança que têm este tipo de entradas.

-Direitos dos credores: Art.30º/1 veio referenciar dois direitos dos credores, pois a efetivação das entradas

interessa aos credores da sociedade, uma vez que releva para a cobertura patrimonial dos seus direitos:

-Exercer os direitos da sociedade relativos às entradas não realizadas, a partir

do momento em que se tornem exigíveis- a); -Promover judicialmente essas entradas, mesmo antes de se tornarem

exigíveis, desde que isso seja necessário para a conservação ou satisfação dos seus direitos. O art.30º/2 prevê ainda que a sociedade possa obstar ao pedido desses credores,

‘’satisfazendo-lhes os seus créditos com juros de mora, quando vencidos, ou mediante o desconto correspondente à antecipação, quando por vencer, e com as despesas acrescidas’’. Este preceito em rigor é dispensável, já que o pagamento pode ser feito por terceiro (art.767º/1) e antecipado pelo devedor (art.779º CC).

Obrigações Acessórias e Prestações Suplementares A propósito das entradas, estas devem ser complementadas com as Obrigações Acessórias (sociedades anónimas e sociedades por quotas) e Prestações Suplementares (só para as sociedades por quotas) - art.209º-210º e ss. Além das obrigações principais, aos sócios pode ser imposto outras obrigações de entrada- prática de os sócios disponibilizarem meios financeiros à sociedade para além das entradas para o capital- Ana Perestrelo Oliveira: estas obrigações são previstas no contrato de sociedade, qua tale- necessidade de realizar essas prestações não carece de nova deliberação

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da sociedade; obrigações que são previstas pelo contrato social, mas que requerem uma deliberação social. Estas são ainda obrigações que não têm lugar em todos os tipos societários e, nas sociedades que operam, não têm de vincular todos os respetivos sócios. Não obstante, o caráter eventual destas obrigações resulta, sobretudo, do facto de só existirem quando tal seja determinado pelo estatuto social e/ou por deliberação. -Obrigações de Prestações Acessórias: Art.209º para as sociedades por quotas e Art.287º para as sociedades anónimas. São prestações acessórias que acrescem às obrigações principais e introduzem elementos personalísticos na sociedade: fornecimento de coisas, aquisição de produtos, assistência técnica, prestação de garantias, etc. É possível alterar os estatutos e introduzir cláusulas relativas a estas obrigações (art.85º, 265º, 386º/3/4). Porém, deliberada uma tal introdução, ela não produz efeitos relativamente aos sócios que não a tenham votado favoravelmente, não ficando eles obrigados a efetuar prestações acessórias- art.86º/2. Estas prestações têm de estar previstas no estatuto social originário ou alterado; podem ficar logo perfeitamente determinadas, mas os art.209º e 287º bastam-se com a fixação de critérios, mesmo que não se conheça imediatamente a medida das prestações. Tem ainda de ser explicitado se as prestações se efetuam onerosa ou gratuitamente- pode ser uma estipulação implícita que se retiram de outros dizeres (se não for especificado (explicita ou implicitamente) a cláusula estatutária é nula). O art.287º/3 tem mais disposições que o art.209º/3- o que se estatui a mais para as sociedades anónimas, aplica-se por analogia às sociedades por quotas. A contraprestação a cumprir pela sociedade, pela prestação acessória, pode ser determinada posteriormente, mas não pode exceder o valor de mercado da prestação acessória, pois tal abriria uma porta para a descapitalização das sociedades e para a restituição de entradas aos sócios.

Os artigos 209º/2 e 287º/2 nada dizem acerca das transmissões das obrigações. Estas são elementos das participações sociais, portanto transmitem-se, por ato inter vivos ou mortis causa, quando se transmitam as respetivas participações sociais. Porém, as transmissões destas não envolverá a daquelas quando o objeto das prestações acessórias for infungível. Os artigos 209º/4 e 287º/4 referem que a participação social, direitos e obrigações dos sócios não são afetados pelo simples facto do não cumprimento da obrigação de prestações acessórias. O não cumprimento segue as consequências gerais do Direito Civil. O art.209º/4 permite a aplicação do art.204º- via de reação por parte da sociedade é a via obrigacional. Levanta-se a questão de saber se os credores podem agir ao abrigo do art.30º: nos termos tout court do art.30º não podem, uma vez que não há remissão plena do art.209º para o regime das entradas. Nos termos gerais, têm o art.606º CC. Todavia, o estatuto social pode prever sanções que afetem a situação do sócio como tal, designadamente a sanção da exclusão (art.241º e 347º). -Obrigações de Prestações Suplementares:

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Presente no art.210º-213º, diferem das prestações acessórias quanto à raiz que têm de estar no contrato de sociedade para ser exigida- exigência de dupla fonte: contrato de sociedade + deliberação pelos sócios. Este é um meio de financiamento privativo das sociedades por quotas- prestações em dinheiro sem juros que a sociedade exigirá aos sócios quando, havendo permissão do estatuto, uma deliberação social o determine. O estatuto pode ser originário ou alterado (alteração para a qual se exige maioria qualificada- art.265º/1- tendo em conta o art.86º/2, estas não poderão ser exigidas aos sócios minoritários que não tenham aprovado a alteração estatutária). Fixará o montante global destas prestações (art.210º/3/a) e 210º/4) e têm sempre dinheiro como objeto; se não referir qualquer montante ou se referir um montante impreciso, a cláusula é nula. Enquanto se mantiver a cláusula estatutária que permite prestações suplementares, a sociedade não pode (quer por deliberação dos sócios ou decisão do órgão de administração) exonerar os sócios da obrigação, atual ou potencial, de as efetuarem (art.212º/3). Embora necessária, a permissão estatutária não é suficiente para constituir as obrigações de prestações suplementares. Elas (bem como o correspondente direito de crédito da sociedade) só nascem se e quando os sócios deliberem que lhes sejam exigidas prestações em dinheiro (art.211º). Estas podem ser restituídas desde que a deliberação dos sócios o autorize (art.213º). A doutrina tem entendido que a sociedade anónima não é compatível com este quadro das prestações suplementares. O professor JCG entende que não parece fazer sentido que à partida haja impedimento numa sociedade anónima que a prestação seja em dinheiro. Mas, pode haver solução em que o contrato de sociedade preveja essa opção? O professor diz que sim, mas que não se aplica a totalidade do regime. Há um cherry-picking desse regime e aplica-se o que é compatível com as sociedades anónimas. A professora Ana Perestrelo Oliveira refere que a analogia não pode ser feita, devido à regra da nominatividade obrigatória das ações (art.299º/2/e), por analogia). O professor Olavo Cunha nega a aplicação por analogia, uma vez que regras excecionais são insuscetíveis de analogia, mas não obstante, não nega a ideia de que os acionistas ficam obrigados a realizar prestações suplementares de capital. PPV rejeita estas prestações, quaisquer que sejam a forma que revistam- no mesmo diapasão: Mota Pinto e Coutinho de Abreu- refere que estas ações foram recebidas na LSQ de 1901, sendo que o Ccom, para as sociedades anónimas, não as previa, continuando o CSC a não prevê-las; seria excessivo admitir que os acionistas devedores de prestações suplementares ficassem sujeitos ao regime gravoso previsto no art.212º/1, excessivo e contraditório com o propósito da lei de assegurar a transmissibilidade rápida e segura das ações, bem como a certeza na delimitação da sociedade acionista. Participação nos Lucros e nas Perdas

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O funcionamento de uma sociedade comercial é suportado por fluxos monetários, aplicando-se-lhe regras especializadas que a comercialística chama a ‘’constituição financeira das sociedades’’. A sociedade visa o lucro económico, repartindo-o pelos sócios- noção clara retirada do art.980º CC e do art.21º/1/a) CSC. Preceitos das partes especiais impõem, à sociedade, a distribuição de, pelo menos, uma parcela dos seus lucros pelos sócios, com determinadas exceções: art.217º e 294º, quanto às sociedades por quotas e anónimas, respetivamente. É evidente que a perspetiva do lucro anima todas as iniciativas societárias e dá corpo a um mercado mobiliário. A contrapartida do lucro é o risco. Muitas vezes, os empreendimentos mais lucrativos são, precisamente, os mais arriscados. Também aqui o direito é chamado a intervir, particularmente nos casos em que as perdas tenham também de ser repartidas- art.22º (retira-se o caráter supletivo à proporção nominal das prestações respetivas, e para além disso, cabe à autonomia privada estabelecer outras eventuais repartições). -Proibição dos pactos leoninos: A tradição românica dos pactos leoninos surgia no art.1242º do Código de Seabra e com base nele, o nosso atual CC procedeu a uma proibição mais aperfeiçoada no seu art.994, escolhendo uma fórmula muito semelhante à italiana. A regra foi retomada no art. 22º/3 CSC. Para os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, há uma tendência de aproximar a proibição do pacto leonino da própria natureza da sociedade: sem uma participação nos lucros, não haveria sociedade, visto o art.980º CC. Contrapõe o professor Menezes Cordeiro referindo que até aqui, tudo bem, só que nessa altura, o contrato leonino poderia subsistir como qualquer outro contrato de não-sociedade, não se percebendo o porquê da proibição. Quanto às perdas, os professores PL e AV já não aproximam de qualquer objetivo da sociedade, pois não faz parte comungar em prejuízos. Sendo assim, estes apelam a razões justificativas de ordem moral e social e não jurídica. Para o professor MC, tal solução é incompreensível, no próprio plano ético-social: não poderá um pai fazer uma sociedade com os filhos menores, comprometendo-se a arcar com os prejuízos, se os houver, e isso em nome da moral? O professor refere ainda que não pode o Direito demitir-se de explicar juridicamente as suas soluções. Para o professor MC, ainda antes de justificar a invalidade dos pactos leoninos, afirma que devemos afirmar a unidade do instituto: o sócio que abdique de lucros vai sujeitar-se a eventuais prejuízos e o que aceite todos os prejuízos vai submeter-se, eventualmente, aos que ocorram. Sendo assim, o professor justifica a proibição, pois entende que esta envolve um misto de renúncia antecipada aos direitos e de doação do que (ainda) não se tem. Verificada a nulidade do pacto leonino, a doutrina tem reclamado, sob inspiração italiana, a aplicação do instituto da redução: a sociedade vigoraria sem a parte viciada, salvo se se demonstrasse que, na sua falta, as partes não teriam contratado- art.292º CC. Para o professor MC esta não é a solução a aplicar: sendo a sociedade leonina um negócio uno e distorcido em toda a sua conceção, a redução não o pode salvar: apenas a conversão o valeria, desde que verificados os requisitos do art.293º CC (atender ao fim das partes e vontade hipotética das mesmas, com uma diferente distribuição do ónus da prova). -Constituição Financeira; capitais próprios:

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Capital Social: cifra representativa da soma dos valores das entradas dos sócios. O professor Coutinho de Abreu discorda, pois refere que como o valor das entradas em indústria não é computado no capital social, o valor das entradas em dinheiro ou espécie podem ser superiores ao valor das participações sociais e etc, propõe a definição como a cifra representativa da soma dos valores nominais das participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou espécie. Capital Social Real: montante de bens da sociedade destinados a cobrir o valor do capital social estatutário. Integra-se no património líquido da sociedade, mas não se confunde com este. Património Social: conjunto de relações jurídicas com valor económico. Pode ser considerado o património global, bruto ou líquido. Se nem todas as sociedades têm de ter capital social, todas têm património- logo no momento inicial, ele é constituído pelos direitos correspondentes às obrigações de entrada. À medida que decorre a vida societária, o património vai-se alterando coma entrada e saída de outros direitos ou bens e de obrigações. O capital Social, na vida corrente da sociedade, traduz duas principais funções: -O financiamento da sociedade: o valor do património inicial deve ser pelo menos idêntico ao capital social, o que é naturalmente um meio de financiamento próprio da sociedade; -Ordenação: determina a medida de direitos e obrigações dos sócios, a existência de certos direitos na titularidade dos sócios e quóruns deliberativos. Este serve como garantia para os credores sociais: a garantia geral das obrigações da sociedade está (nos bens penhoráveis do) património social e não no capital nominal, mas, não obstante, os credores da sociedade são protegidos pela proibição de o património social líquido se tornar inferior ao valor do capital e reservas legais estatutárias em virtude de distribuições de bens aos sócios. O capital social enquanto ‘’cifra de representação’’ é cifra de proteção dos credores sociais. Art.35º.

Capitais Próprios: entradas, prestações acessórias e suplementares, reservas; Para a professora Ana Perestrelo Oliveira, os capitais próprios são meios de

financiamento que têm origem nos detentores do capital social e que, nessa medida, apresentam caráter definitivo. Não são objeto de restituição, de tal maneira que não têm prazo e não obrigam a pagamentos regulares. Capitais alheios: obrigações, opções, covertible bonds, títulos de participação nos lucros e outros empréstimos. Traduzem-se nos pagamentos regulares associados e um prazo de vencimento, sendo pagos com prioridade relativamente aos capitais próprios. Capital Social (nominal): cifra estável que representa a soma dos valores nominais das participações sociais assentes em entradas em dinheiro ou em espécie ou dos valores de emissão das ações sem valor nominal. É um valor abstrato constante dos estatutos e não se modifica (salvo alteração, por iniciativa dos sócios). Difere do património social que corresponde ao conjunto das situações jurídicas de valor económico de que a sociedade é

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efetivamente titular. Quando ao ágio, tal não é computado no capital social, pelo que nunca se pode dizer que o capital social é a soma das entradas. Capital Social (real): parte do património da sociedade que é necessária para cobrir a cifra do capital social. Tem correspondência efetiva no património e é uma fração deste, correspondente a bens ou situações jurídicas não especificadas ou não concretamente determinadas, ou seja, é a parte ideal necessária para cobrir o valor do capital social. O direito toma diversas medidas destinadas a proteger o capital social: elas visam a defesa de terceiros, particularmente quando credores e, ainda, a tutela das próprias sociedades, dos sócios e do comércio em geral. As leis de proteção regulam a hipótese de distribuição de lucros aos sócios. Tal distribuição pode afetar duplamente as reservas: ora impedindo a sua formação, ora implicando o seu desaparecimento. Há, pois, que encontrar uma bissetriz justa e adequada entre a tutela dos valores em jogo, que exige certas reras atinentes aos capitais próprios e à proteção do lucro, condição sine qua non de funcionamento do sistema. Relatório Rickford vem tecer muitas críticas ao modelo do capital social e a sua aplicação às sociedades. Este relatório, tomando como ponto de partida a proteção dos credores, propõe um modelo alternativo: tem de se assegurar aos credores, através do balanço razoável ou de proporcionalidade, uma expectativa razoável e justa de obterem o pagamento, ao mesmo tempo que se confere aos acionistas uma expectativa de retorno ao seu investimento. Estes interesses não são opostos, na medida em que também é do interesse dos credores que a empresa tenha meios para angariar capital, o que exige que o investimento em capital tenha uma probabilidade razoável de retorno. Propõe um teste de liquidez e um teste de solvência, que veio exigir regras de responsabilização pessoal dos administradores muito aprofundada. Independentemente das críticas em que está envolto o conceito de capital social e das dúvidas sobre a respetiva capacidade de tutelar os credores, esta é atualmente a base de um sistema de proteção que radica em dois princípios: -Princípio da constituição ou formação real do capital social: visa garantir que, pelo menos no momento inicial da constituição da sociedade, a cifra correspondente ao capital tem, efetivamente, correspondência em bens ou património social; -Princípio da conservação ou intangibilidade do capital social: visa evitar que o património social seja diluído em virtude de distribuições a favor dos sócios, efetuadas em situações em que o montante em causa poderia ser necessário para a sociedade cumprir as suas obrigações perante os credores. -Distribuição de bens aos sócios: Consequência direta da personalização das sociedades é a separação patrimonial: os bens da sociedade não se confundem com os dos sócios. A questão coloca-se, pois são os sócios que têm, no seu conjunto, o controlo da sociedade. Como se compreenderá, especialmente nas sociedades de capitais cuja responsabilidade é limitada, não é indiferente

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aos credores a consistência do património da sociedade e os bens que, no mesmo, se encontrem. Além disso, deve haver uma confiança na comunidade dos entes coletivos. Não se compreenderia, sem mais, que os bens circulassem entre a sociedade e os sócios. O art.32º/1 contém uma norma básica para a tutela dos credores. No fundo, esta norma pretende que apenas possam ser distribuídos aos sócios valores que, tecnicamente, se devam considerar lucros. Em princípio, no que a situação líquida ultrapasse o capital e as reservas não distribuíveis, há lucro. Na hipótese de o próprio capital ser considerado excessivo, queda a solução da redução do capital: equivale a uma modificação do contrato- art.85º e ss- com regras próprias- art.94º ss. Consta do art.31º a distribuição de bens.

O lucro traduz-se num ganho traduzível em incremento do património da sociedade.

Lucro de Balanço: acréscimo patrimonial, revelado em balanço equivalente à diferença

entre, por um lado, o valor do património social líquido e, por outro lado, o valor conjunto do capital social e das reservas indisponíveis. Este lucro marca o limite máximo dos bens que, durante a vida da sociedade, podem ser distribuídos aos sócios (art.32º);

Lucro de exercício: excedente do valor patrimonial social líquido no final do exercício

sobre valor do património social líquido no início do mesmo período. Releva para a constituição de reservas;

Lucro final: apurado na fase terminal da sociedade, nas contas finais de liquidação, e

corresponde ao excedente do património social líquido sobre o capital social. Todo o sócio tem o poder de exigir parte dos lucros (na proporção do art.22º/1)

quando os mesmos sejam ou tenham de ser distribuídos- art.21º/1/a). todo o sócio tem o poder jurídico de exigir permanentemente da sociedade que não seja excluído da comunhão dos lucros- direito abstrato aos lucros não é mera expectativa jurídica e contém já direitos concretos, poderes ou faculdades atualmente exercitáveis.

Em regra, os sócios não têm um direito propriamente dito ao lucro de balanço ou total,

pois esse é balizado no art.32º. Têm é direito de exigir anualmente que a administração lhes apresente um relatório de gestão (art.65º/1/5) contendo também uma proposta de aplicação de resultados (art.66º/5/f) e de deliberar sobre tal aplicação (art.189º/3, 246º/1/e), 376º/1/b)). Têm limites presentes nos art.341º/2, 342º+217º/1+294º. Adotada uma deliberação de distribuição de lucro, ficam os sócios com direito de crédito relativamente aos quinhões respetivos- deve a sociedade, pelos administradores, executar a deliberação e satisfazer o crédito.

No que toca à distribuição de lucros de exercício (art.217º e 294º), verificando pelo

balanço que existe lucro de exercício distribuível, se o estatuto social não dispuser diferentemente e os sócios não deliberarem, com maioria qualificada, distribuir menos de metade, então a sociedade fica obrigada a distribuir aos sócios metade do lucro de exercício e os sócios têm direito a essa distribuição. Os lucros têm de ser distribuíveis. Os bens indevidamente recebidos pelos sócios devem ser restituídos à sociedade- art.34º. Todavia, fica protegida a posição dos sócios de boa-fé- art.34º/1- sendo o todo

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aplicável aos transmissários dos direitos dos sócios- nº2. Os credores podem propor ação para restituição- nº3. Temos aqui manifestações do instituto da repetição do indevido- art.476º CC. Segundo a professora Ana Perestrelo Oliveira, importa ponderar o problema da saída dos bens da sociedade a favor dos sócios, seja título de lucros ou qualquer outro. De recordar que o capital subscrito pelos sócios se encontra disponível para a atividade económica da empresa, mas que não pode ser restituído aos acionistas a não ser que estejam salvaguardados os direitos dos credores ou em caso de liquidação, depois de todos os credores terem sido satisfeitos. A distribuição de lucros e outros bens aos sócios constitui dois níveis de preocupações: -Proteção de credores: que contam com o património da sociedade para a satisfação dos seus créditos; -Proteção dos sócios: que têm exigências de igualdade entre eles e o art.22º dispõe, supletivamente, a distribuição dos lucros na proporção das respetivas participações sociais, não podendo tal ser afetado por distribuições indiretas. O processo de distribuição de lucros aos sócios assenta num processo que começa pela determinação do lucro distribuível a partir dos documentos contabilísticos da sociedade (art.65º, 66º, etc). Materialmente, a distribuição de lucros aos sócios está sujeita a limites máximos (art.32º e 33º) e mínimos (art.217º e 294º). Máximos:

O art.32º tem nota destes limites- toda e qualquer distribuição que tenha por objeto dinheiro, terá de respeitar a regra do artigo (apesar do acórdão do STJ de 10/05/2011 não ter assim considerado).

Como é sublinhado pelo relatório Rickford, as distribuições aos sócios tipicamente

assumem a forma de dividendos, mas podem também ter lugar através da compra ou amortização de ações próprias. Devido ao art.34º/5, é possível que haja distribuição de lucros também em termos indiretos, o que é contemplado pelo art.32º.

O critério da possibilidade de distribuição é meramente contabilístico e em caso de

violação dos limites à distribuição, as consequências são: nulidade da deliberação (art.56º/1/d)); não deve ser executada pelos administradores (art.32º/2/b)); há obrigação de restituição, mas a confiança dos sócios de boa fé é protegida, não havendo lugar a repetição (art.34º); há lugar a eventual responsabilidade civil dos administradores (art.72º) e responsabilidade penal (art.514º).

Mínimos: A natureza societária do contrato, estabelecido nos termos do art.980º, não se

descaracteriza quando não é visado o lucro ou a sua distribuição pelos sócios. O próprio MC refere que nada impede que as sociedades tenham uma função puramente benemérita.

Não há razão para se interpretar restritivamente os art.217º e 294º quanto à cláusula

contratual derrogatória da obrigação de distribuição de lucros. Para o professor Cassiano dos Santos, esta assenta numa petição de princípio a posição segundo a qual a atividade da sociedade terá de ser lucrativa e o lucro apurado distribuído aos sócios, ou seja, ao lucro objetivo acresceria necessariamente o lucro subjetivo, de tal maneira que a cláusula

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estatutária em contrário, referida no art.217º e 294º, deveria ser objeto de entendimento restritivo. Existindo lucro, o sócio vê automaticamente constituído na sua esfera um direito de crédito relativo à sua quota-parte nos lucros? Não, pois tem de haver sempre deliberação social para eu se constitua, na esfera jurídica do sócio, o direito aos dividendos. Mas, se não tiver havido aprovação de contas, é indiscutível que não se formou ainda qualquer direito aos dividendos, há que não se verificou o apuramento dos lucros para os efeitos legais. Se tiver havido aprovação de contas, mas o art.217º e 294º foi violado pela deliberação de aplicação de resultados- a deliberação é anulável, mas tendo em conta o art.58º/1/a). A lei prevê ainda a distribuição antecipada de lucros, ou seja, na pendência do exercício económico (art.297º), decidida pelo órgão de administração, mediante parecer prévio do órgão de fiscalização e sujeita a uma série de exigências. A decisão tem de ser sempre sujeita e aprovada em assembleia geral e os sócios têm de votar unanimemente- mesmo que não seja unânime, é válida desde que respeite os art.32º/33º. Perdas As perdas sociais são decréscimos ou quebras no património da sociedade. De balanço: diferença negativa, registada em balanço, entre o valor do património social líquido e o valor do capital social e reservas indisponíveis; De exercício: diferença para menos do valor do património social líquido no final do exercício relativamente ao que se verificava no início desse mesmo período; Final ou de Liquidação: diferença negativa entre património social líquido no termo da liquidação da sociedade e o capital social. Todo o sócio corre o risco de perder o investimento feito como contrapartida da aquisição da participação social- art.20º/b) e 22º/3. O professor JCG questiona como é que a obrigação de quinhoar nas perdas se relaciona com o tipo? A previsão tem sentido específico e é diferente consoante o tipo, tendo de ser articulado com o regime da dissolução e liquidação. O Art.29º/b) não pode ser igual para todos os tipos. Quinhoar nas perdas significa suportar a perda da entrada, no momento da extinção. Este artigo deve ser lido conforme o art.178º. -Lucros e reservas não distribuíveis:

O art.33º dispõe de lucros e reservas não distribuíveis. O nº1 deste preceito proíbe a

distribuição de lucros do exercício que se mostrem necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas obrigatórias, por lei ou pelos estatutos. A contrário, cabe distribuição de lucros quando os prejuízos transitados possam, legalmente, ser cobertos de outra forma. O nº2 aflora esta solução: trata-se de despesas de lançamento de sociedade; se ainda não estiverem cobertas, não há, em bom rigor, lucros. Não obstante, a proibição cessa se o montante de reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos,

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igual ao dessas despesas não amortizadas. E também não faz sentido quando existam esquemas reais e efetivos que assegurem a pretendida cobertura. O legislador pretende mesmo que certas despesas não sejam deixadas a descoberto, a pretexto de distribuição de lucros.

O art.33º/3 proíbe a distribuição das chamadas ‘’reservas ocultas’’, pois sendo ocultas,

escapam ao conhecimento e ao controlo dos sócios e credores e põem em crise a verdade do balanço e da prestação de contas. À contrário diz-nos que podem ser distribuídas as reservas cuja existência e cujo montante figurem, expressamente, no balanço.

O nº4 traduz um afloramento do princípio da verdade e da transparência: havendo

distribuição, a deliberação deve mencioná-lo, de modo expresso. Encontramos no art.295º a imposição da reserva legal, cujo é completado pelo

art.296º. O quadro do regime da reserva legal é claro: -Advém de, pelo menos, 1/20 dos lucros anuais; -Até atingir 1/5 do capital social; -Só pode ser usada para os fins do art.296º. Podem ser majoradas pelo pacto social, mas nunca diminuídas. O nº3 do art.295º refere os ágios. Pergunta-se se as reservas em causa ficam sujeitas a

todo o regime legal ou apenas a parte dele: -Se for a todo o regime legal: as reservas facultativas do nº2 só ficariam

congeladas até à concorrência de 1/5 do capital social; -Se for a parte do regime: sendo a ‘’parte’’ o art.296º- ficariam congeladas sem

limite de montante. Para o professor MC a questão nem se coloca, pois, remetendo a lei para o regime

legal, é obviamente todo o regime. O art.218º/2 refere os 2.500 para as SQ, uma vez que antigamente era necessário

5.000 para constituir a sociedade. Tudo indica que esta regra desapareceu e que o legislador se esqueceu de a apagar, por causa da regra dos 2 euros mínimos para a constituição do capital.

-A manutenção das reservas legais: A reserva societária é a cifra representativa dos valores patrimoniais da sociedade,

derivados normalmente de lucros que os sócios não podem ou não querem distribuir, que serve principalmente para cobrir eventuais perdas e para autofinanciamento.

As reservas são regras de prudência- limiar a partir do qual não se podem distribuir

ativos- uma vez que, por vezes, as pessoas não se acautelam pelos riscos. Reservas Legais: art.218º/295º; Reservas estatutárias: os sócios podem estabelecer que certa percentagem dos lucros

de exercício será afetada por uma reserva.

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O facto de uma reserva ter uma destinação específica, não impede que ela seja aplicada na cobertura das perdas (art.296º/a), b)). As deliberações que desrespeitem são anuláveis (art.58º/1/a), in fine), mas são nulas as deliberações de distribuição de bens sociais que desrespeitem a intangibilidade da reserva estatutária, a sua constituição ou reconstituição (art.32º, 33º/1, 56º/1/d)).

Reservas livres: constituídas por deliberação dos sócios, respeitando as balizas dos

art.217º e 294º, que afetam a estas reservas a totalidade ou parte dos lucros de exercício distribuíveis.

O art.295º/2, quando sujeita ao regime das reservas legais, fá-lo apenas nos limites de

1/5 do capital social e isso se essa parcela não estiver já coberta pela reserva legal e na medida em que isso (não) suceda.

Segundo o professor MC: O artigo não distingue no seu nº2 os regimes, pelo que é todo o regime. Um dos traços

mais marcantes será o limite quantitativo: 1/5 do capital (elemento gramatical). Por conseguinte, o nº1 indica o modo de constituição e o montante e é nessa

sequência que o nº2 explicita que ficam sujeitas ao regime (elemento sintático), parecendo impensável escamotear este aspeto.

Ainda, todo o sistema do código aponta para um regime de ‘’mínimos’’, os quais

ultrapassados por expressa disposição estatutária. Alcançados, a própria reserva excedentária fica disponível. Não se compreende assim, como o legislador iria ampliar a latere, sem limite e à custa da liberdade empresarial, as verbas congeladas.

Assim sendo, a globalidade do sistema, com apoio da autonomia privada e no espaço

de liberdade nas sociedades, faz sentido a solução apresentada. A hipótese contrária, por contrariedade ao sistema e a valores fundamentais, suscitaria problemas de inconstitucionalidade, a prevenir pela interpretação.

Contrato de Suprimento: Considera-se como contrato de suprimento o contrato (nominado e típico) pelo qual o sócio empesta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo caráter de permanência- art.243º/1. Apresenta duas modalidades: empréstimo de dinheiro ou outra coisa fungível e diferimento de crédito. São também caraterísticas essenciais a qualidade das partes (sociedade e sócio) e o caráter de permanência do crédito do sócio relativamente à sociedade. Mesmo na modalidade do empréstimo, o contrato de suprimento não se confunde com o contrato de mútuo. Estatui o nº5 do art.243º que fica sujeito ao regime de crédito de suprimento o crédito de terceiro contra a sociedade que um sócio adquira por negócio entre vivos (art.557º ss CC) desde que se verifique alguma das circunstâncias estipuladas no nº2 e 3 daquele artigo. Este

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preceito, que visa prevenir a defraudação do regime legal dos suprimentos, não introduz uma terceira modalidade de contrato de suprimento, pois não há nesse caso qualquer acordo entre o sócio e a sociedade; trata-se antes de um caso em que, por força da lei, certos créditos de sócios ficam sujeitos ao regime de suprimentos. Admite-se, porém, a hipótese que um crédito originariamente de um sócio seja cedido a terceiro, continuando esse crédito sujeito ao regime dos suprimentos. O caráter de permanência é essencial. Tal explica-se pela função que vem sendo reconhecida aos suprimentos: suprirem insuficiências do capital social, substituírem novas entradas de capital. Para o professor JCG, explica-se em função especificamente societária deste regime: suprir insuficiências de capital da sociedade, tendo uma vocação de substituir novas entradas- lógica de mecanismo substitutivo de novas entradas. São atos de suprimento, aqueles que estando a sociedade em situação de crise financeira ou tendo decidido ampliar a atividade ou os investimentos, as necessidades sociais sejam por eles satisfeitas em vez de serem por novas entradas de capital. O nº2 e 3 do art.243º contêm índices do caráter de permanência, ou presunções ilidíveis- nº4. Não obstante, os sinais reveladores dos suprimentos não se esgotam nestes índices: art.243º/4 1ª parte- apesar de o crédito se ter mantido menos de um ano, podem os credores da sociedade provar que ele era um crédito de suprimento, porque tinha caráter supletivo do capital social. Deve dizer-se mais: a prova do caráter de permanência dos créditos pode também ser feita quando ocorram circunstâncias diversas das previstas na 1ª parte do nº4. Os índices previstos no nº2 e 3 são presunções legais, mas iuris tantum, ilidíveis pelos sócios credores mediante prova em contrário. Pode um sócio demonstrar que um contrato pelo qual ele emprestou dinheiro à sociedade por prazo superior a um ano ou diferiu o vencimento de crédito seu sobre ela de modo a este durar pelo menos um ano não é, afinal, um contrato de suprimento, exatamente porque o crédito não faz as vezes de nova entrada de capital que o sócio enquanto tal deveria ou poderia ter realizado, justificando-se antes por condições objetivas relativas ao negócio, com indiferença pelo facto de o credor ser sócio. A validade do contrato não depende de forma especial, como refere o art.243º/6. Uma vez típico e nominado, não confundível com o contrato de mútuo, se a lei nada dissesse impor-se-ia o princípio da liberdade de forma (art.219º CC). Refere Coutinho de Abreu que parece preferível interpretá-lo como explicitação de que também estes negócios, quando não qualificáveis como contratos de suprimento, não exigem forma especial. Relativamente aos juros, nada parece impedir que se estipule o pagamento de juros como remuneração dos suprimentos. Para o professor Coutinho de Abreu, as normas do contrato de mútuo não se podem aplicar ao caso, nem diretamente, pois como sabemos o contrato de suprimento é distinto do contrato de mútuo. Nem mesmo por analogia, pois no caso omisso do CSC não procedem razões justificativas da presunção do vencimento de juros fixada na lei para o mútuo. Na verdade, quem empresta ou permite o diferimento é um sócio, não um ser qualquer alheio à sociedade. É um sócio que proporciona à sociedade bens substitutivos de novas entradas para satisfação imediata de necessidades sociais não passageiras e para satisfação mediata dos seus interesses enquanto sócio. Por outro lado, o regime legal dos suprimentos está fortemente imbuído por preocupações de tutela dos interesses dos credores sociais. Assim, os suprimentos só serão retribuídos com juros, quando tal seja estipulado. E se nada for dito? Para o professor JCG, não se deve partir da presunção de onerosidade. Tem-se atenção ao art.209º quanto às prestações acessórias, que se aplica

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aqui inteiramente. A obrigação de efetuar suprimentos não pode vincular os sócios que não votaram a favor dessa deliberação. E se se estabelecer juros, há limitação face à taxa de juro? Para a professora Madalena Perestrelo de Oliveira não há limites; para Francisco Rocha, impõem-se os limites do CC (art.555º com articulação do art.1146º CC); para o professor JCG, movemo-nos numa lacuna que tem de ser integrada recorrendo ao CC, pois o negócio em causa não é comercial e está sujeito à lógica civil (aplicam-se os limites e regimes do CC). Pode ainda o estatuto social fazer depender de prévia deliberação dos sócios a celebração- art.244º/3. Importa, no entanto, assinalar a possibilidade de a obrigação de efetuar suprimentos ter por fonte não um contrato autónomo, mas o próprio estatuto social ou uma deliberação dos sócios- art.244º/1/2. Assim, deve o estatuto fixar os elementos essenciais da obrigação- o sócio ou sócios vinculados, as modalidades dos suprimentos, o montante dos suprimentos- bem como especificar se os suprimentos vencem ou não juros. A obrigação de efetuar suprimentos pode também ser constituída por deliberação dos sócios, mas- na linha da responsabilidade limitada dos sócios perante a sociedade- somente os sócios que votem a favor da proposta aprovada ficam vinculados por essa obrigação- art.244º/2. Diz-se, comummente, que o contrato típico de mútuo é contrato real quoad constitutionem. O professor Coutinho de Abreu discorda. E discorda, sobretudo, porque o contrato de suprimento é um contrato típico não confundível com aquele e que se compreende unitariamente num contexto societário. Assim, se o sócio não cumpre a obrigação de entregar dinheiro derivada de contrato de suprimento, tem a sociedade o direito de exigir judicialmente o cumprimento e executar o património do sócio. Do próprio contrato social nasce a obrigação de efetuar suprimentos, que integra a quota dos sócios vinculados. Não é necessário efetuar logo qualquer entrega de dinheiro nem tem de haver um autónomo contrato de suprimento para que se possa dizer constituída a obrigação. A posterior entrega do dinheiro é execução do contrato social, não é elemento constitutivo de um contrato real. Para o professor JCG, no campo bancário há uma tipicidade social que os mútuos bancários não são contratos reais quanto à constituição, apesar da remuneração só fazer sentido após a coisa ser entregue. É formalista e artificioso e exagerado, sem contemplar especificidade de lógica societária (art.243º/6), considerar este como um contrato real quanto à constituição. Não faz sentido essa caracterização para que se aplicasse rigidamente o direito civil. O credor por suprimentos tem direito a ser reembolsado. A restituição é, em certos casos, condicionada pelos interesses da sociedade e dos credores sociais. O art.245º contém outros preceitos especialmente destinados a acautelar os interesses dos credores sociais. Sendo a sociedade declarada em situação de insolvência, podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os reembolsos de suprimentos efetuados no ano anterior à data do início do processo de insolvência, nos termos previstos nos art.120º ss CIRE. Não obstante, não podem ser eles próprios a requerer a insolvência da sociedade por desrespeito dos respetivos créditos- art.245º/2. Levanta-se a questão de saber se a disciplina dos suprimentos se aplica a sociedades de outros tipos. -Para as sociedades Anónimas: JCG, Coutinho de Abreu, Brito Correia e Olavo Cunha tem respondido afirmativamente. Em qualquer sociedade é possível ocorrerem insuficiências de capital, possível sendo também que tais insuficiências sejam supridas com meios que o art.243º qualifica de suprimentos. É, pois, razoável que a proteção dos interesses das sociedades e dos credores concedidos pelo regime do suprimento seja aplicável a outras

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sociedades. Sabemos que os acionistas podem ficar obrigados pelo estatuto a prestações acessórias. Estas prestações podem corresponder a um contrato típico, aplicando-se a regulamentação desse mesmo contrato: o contrato de suprimento é típico, pelo que é lícito. Contrariamente manifesta-se a doutrina Alemã (Raúl Ventura Concorda), cuja refere que este contrato só se aplica, tão somente, aos acionistas com verdadeiros interesses societários ou empresariais: aqueles que possuam ações correspondentes a 10% ou mais do capital social. Coutinho de Abreu não concorda, pois todo e qualquer acionista pode ter créditos sobre a sociedade com caráter de permanência e funcionalizados a suprir insuficiências do capital social e todo o acionista pode ser credor da sociedade não como simples ou normal credor, mas como sócio. Pelo mesmo diapasão afina-se o professor JCG, cujo questiona o porquê de se exigir 10, por ser manifestamente infundado. Afirma que qualquer acionista pode ser credor por suprimento, uma vez que há sócios com 2%, mas que têm interesse em que a sociedade não esteja com insuficiência de capital. Para o professor MC: elemento de analogia é quando o acionista ordenado faz uma aplicação/contribuição do capital. Na tese de Raúl Ventura, os 10% definem o envolvimento maior na vida da sociedade, mas não se deve ter essa bitola- portanto, para concluir que o acionista está de tal modo envolvido na sociedade, é através do critério do acionista ordenado: acionista medianamente diligente e alinhado com o interesse da sociedade. -Quanto às sociedades em nome coletivo: o regime é-lhes em geral também aplicável por analogia. Todavia, dada a responsabilidade ilimitada dos sócios, não serão aplicáveis algumas normas especialmente tuteladoras dos interesses dos credores sociais externos (designadamente o art.245º/3). Direito de Informação O art.21º/1/c) inclui o direito de o sócio obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato. O direito das sociedades só funciona através de intricada e permanente rede de informações, trocadas com a maior naturalidade entre todos os intervenientes. A dogmática da informação é preenchida, fundamentalmente, com uma ponderação de diversas classificações de deveres: dão uma ideia imediata sobre vários parâmetros do seu regime. Assim, distinguimos: a base jurídico-positiva; a fonte; o conteúdo; a determinação; a inserção sistemática. Quanto à base jurídico-positiva: -Regras indeterminadas: institutos carecidos de concretização, como por exemplo, o dever de informar pré-contratual, assente na boa fé- art.277º/1 CC- ou o dever de informar na pendência do contrato, derivado da mesma bona fides- art.762º/2 CC; -Regras estritas: prescrições de informação que definem deveres à partida mais densos. Nestas, impõe-se uma subdistinção: -Regras estritas comuns: cobrem uma generalidade indeterminada de situações hipotéticas: regra do art.573º ss. CC. O regime geral destes artigos é importante- terá aplicação, em todas as situações relevantes, em termos de informação, sempre que lei especial não imponha regime diverso- alguém tem de ter uma dúvida fundada quanto à existência ou ao conteúdo de um direito, estando outrem em condições de prestar

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informações necessárias; podendo o direito efetivar-se por via judicial, se não for espontaneamente acatado; -Regras estritas especiais: impõem-se mercê de normas jurídicas destinadas a contemplar situações regulativas próprias de setores delimitados (Ex. art.21º/c)). A fonte: A fonte será o facto jurídico que dê azo ao dever de informação. Na origem encontramos: um direito duvidoso, quanto à existência ou ao teor e alguém em posição de esclarecer. Temos, porém, uma contraposição interessante: -Facto específico: precisa eventualidade que gere o dever de informar, por exemplo, a ocorrência de negociações pré-contratuais ou o evento de feição incerta que acione certas regras; -Status: qualidade geral do sujeito que o habilita a colher informações. Neste caso, o beneficiário poderá ficar isento de provar os concretos elementos que fundariam o direito à informação: é o que sucede com o sócio. O conteúdo: O dever de informação poderá assumir as mais variadas feições, tudo depende do teor da comunicação a veicular. Distinguem-se: -Deveres de informação substanciais: o obrigado está adstrito a veicular a verdade que conheça, descrevendo-a de modo compreensível e explícito; -Deveres de informação formais: compete-lhe tão-só transmitir elementos prefixados ou, se se quiser, ‘’informação codificada’’. Assim, na boa-fé in contrahendo, o visado deverá descrever correta e cabalmente a situação que conheça. Podemos estabelecer uma tendencial relação inversa entre a substancialidade de uma informação e a sua precisão inicial: quanto mais precisa for a comunicação, mais foral é o seu cumprimento. A determinação do dever de informar: Cumpre contrapor: -Autodeterminação: cabe ao próprio obrigado, à medida que a situação progrida, fixando os termos a informar e a matéria a que eles respeitem; no limite, só ele estará em condições de poder precisar o universo sobre que deverá recair a informação; -Heterodeterminação: compete ao interessado definir a matéria sobre que deseja ser informado. As informações a fornecer pelos administradores das sociedades anónimas, aos sócios e em assembleia geral- art.290º/1. Quanto à inserção sistemática: A informação pode tomar corpo em:

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-Prestações principais: perante um vínculo destinado a informar, a informação integra a prestação principal; -Prestações secundárias: em situações mais amplas que integrem, estruturalmente, informações, estas preenchem o conteúdo de prestações secundárias: contrato de engenharia financeira ou o status de sócio; -Deveres Acessórios: podem acompanhar quaisquer vinculações, ex bona fide. No direito das sociedades comerciais, o direito dos sócios à informação desenvolveu-se, em especial, no domínio das sociedades anónimas. Por um lado, é o setor societário mais evoluído e que serviu, de resto, como grande matriz para todo o ramo jurídico-científico que ora nos ocupa. Por outro, é precisamente nas sociedades anónimas que a distanciação entre o sócio e a sociedade e que a própria imaterialidade das situações mais requer, em termos informativos. De todo o modo, não oferece dúvidas o facto de o dever de informar se impor nos diversos tipos sociais. O direito à informação encontra-se disperso por diversas fontes legais: -Art.988º/1 CC: os sócios têm, injuntivamente, o direito de obter dos administradores as informações que necessitem sobre os negócios das sociedades; -Art.21º/1/a): direito geral de obter informações ‘’sobre a vida da sociedade’’; -Art.35º/1, 65º e 66º: dever de relatar a gestão, com determinados elementos; -Art.91º/2, 94º, 98º a 101º, 119º, 120º e 132º: deveres de informação relacionados com alterações de capital, fusões, cisões e transformações de sociedades; -Art.146º/2, 152º/1, 155º e 157º: deveres de informação cometidos, direta ou indiretamente, aos liquidatários; -Art.181º, 214º a 216º e 288º a 293º: direito à informação nas sociedades em nome coletivo, por quotas e anónimas, respetivamente. Estas normas surgem algo tópicas: muito ligadas aos problemas que as vieram a ocasionar. Podemos proceder à sua ordenação; a informação pode ser: -Ordinária: quanto tenha a ver com a gestão comum da sociedade e com os negócios que não caiam sob específicas previsões de informar; -Extraordinária: sempre que se reporte a hipóteses específicas: reduções ou aumentos de capital, fusões, cisões e transformações de sociedades: todas essas eventualidades obrigam a específicas informações. -Permanente: prestada a todo o momento, a pedido do sócio, ela prevalece nas sociedades de pessoas; -Prévia: ocorre antes de cada assembleia geral, como prelúdio para uma deliberação esclarecida; prevalece nas sociedades de capitais; -Assembleia: efetivada em plena assembleia, como modo de instruir o debate; normalmente têm-se em vista as sociedades anónimas; todavia, também se aplica às sociedades por quotas. Estes tipos de informação tomam corpo, quanto às sociedades anónimas, nos art.288º, 289º e 290º, respetivamente.

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Nem sempre os assuntos relativos às sociedades podem, ad nutum, ser dados a conhecer a todos os sócios. Basta ver que a sociedade poderá ser detentora de segredos vitais e até mesmo a própria qualidade de sócio pode ser totalmente circunstancial ou passageira. A benefício de inventário, vamos adiantar a existência de quatro círculos de matéria informativa societária, ordenados em função do acesso que a eles se tenha: -Informação pública: é disponibilizada a todos os interessados, sócios ou não sócios. Resulta do registo comercial e das publicações obrigatórias, nos termos acima apontados; -Informação reservada: é a que assiste aos sócios, devendo ser colhida nos termos da lei e do contrato, nas palavras do art.21º/1/c). Tendencialmente, ela deveria assistir a todos os sócios; porém, a extrema dispersão do capital de certas sociedades anónimas, levou a limitar, nas anónimas, alguma informação reservada, aos detentores de 1% de capital social- art.288º/1; -Informação qualificada: assiste apenas a sócios que detenham posições mais consideráveis no capital da sociedade: participações ditas qualificadas. Nas sociedades anónimas, para se aceder a determinados elementos, requer-se 10% do capital social agrupado (art.291º) ou com as sociedades por quotas onde, em princípio, todas as participações são consideradas, para este efeito, qualificadas (art.214º). A informação qualificada mergulha mais fundo na vida da sociedade; -Informação secreta: pura e simplesmente, não pode ser disponibilizada aos sócios. Trata-se, fundamentalmente, de informação sujeita a sigilo profissional ou de informação que, a ser divulgada, poderia prejudicar os sócios ou a própria sociedade. A grande questão que se põe é a de saber se a enumeração legal de elementos, aqui exemplificada com as sociedades anónimas, sobre que deva recair a informação, é taxativa ou se, a eles, há que acrescentar todos os outros suscetíveis de integrar a ‘’vida da sociedade’’. Perante o revogado art.189º do Código Veiga Beirão, perguntava-se se todos os elementos da escrituração da sociedade deviam ser patentes aos acionistas ou se apenas alguns, indicados para o efeito: Cunha Gonçalves, optava pela primeira solução e Fernando Olavo pela segunda e esta última viria a ter o apoio da jurisprudência e do código vigente. Assim, os elementos indicados pela lei como objeto de informação são taxativos. Já as informações a prestar em assembleia geral assumem uma dimensão substantiva- art.290º/1. Aqui, é inevitável opor limites: -A informação pedida não se enquadra na previsão do art.290º/1; -A informação pedida é consumida pelo previsto no art.289º ou por informações públicas; -A informação pedida é suscetível de ocasionar grave prejuízo à sociedade ou a outra sociedade com ela coligada- art.290º/2; -A informação pedida envolve segredo imposto por lei- art.290º/2 in fine. O art.290º/1 é lato, mas não abrange tudo. Abrange apenas matéria pertinente com o que se delibere. A informação qualificada, de acordo com o esquema proposto, é a dispensável, apenas a sócios que detenham uma participação significativa no capital social- art.214º/1 para os quotistas e 291º para os acionistas. No primeiro caso não há limites, a não ser os que advenham do próprio contrato ou, assim o pensamos, de aplicação analógica dos art.290º/2 e

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291º/4. No segundo, exige-se uma participação de 10% do capital social; acionistas que não atinjam essa cifra, poderão agrupar-se para o efeito. A lei dá um direito reforçado de informação quando estejam em causa elementos capazes de responsabilizar os administradores (art.214º/2) ou estes, os membros do conselho fiscal ou os do conselho geral (art.291º/2). Mesmo então, há que ressalvar dois casos: -O de, pelo conteúdo do pedido ou por outras circunstâncias, ser patente não ser esse o fim visado pelo pedido de informação; -O de se tratar de informação secreta. O art.291º/4 parece fazer ceder a informação secreta perante a invocação de se tratar de efetivar a responsabilidade dos administradores ou de outros titulares de órgãos. Tem de ser interpretado restritivamente. O segredo profissional não pode ceder a não ser em casos previstos na lei e com intervenção do juiz. A informação secreta fica logo abrangida pelo segredo profissional- art.291º/4/c). Além disso, informação a usar fora dos fins da sociedade ou para prejudicar seja a sociedade, seja algum acionista- art.291º/4/a) - ou informação que, de todo o modo, possa prejudicar relevantemente a sociedade ou algum acionista- art.291º/4/b). Muitas vezes, os 10% de acionistas que pretendem aceder aos assuntos da sociedade são, muitas vezes, elementos de grupos concorrentes, que obtiveram na bolsa ou em processos de reprivatização, as participações que invocam. Nessas condições, pensamos que a informação pode ser negada, ao abrigo da cláusula do maior perigo. O Regime: Questão prévia é a de determinar o escopo ou finalidade do direito à informação dos sócios. Esse escopo articula-se com duas grandes dimensões das sociedades: -Colaboração: os sócios só poderão produzir trabalho útil, em prol da sociedade e no seu âmbito, se tiverem conhecimento do que se lhes exige e do que é útil. A informação surge como condição prévia de qualquer colaboração. Predomina nas sociedades de pessoas. Nas sociedades de capitais poder-se-ia considerar que a informação aos sócios seria dispensável. Todavia, a dimensão organizatória justifica ainda, e por várias vias, a informação aos sócios; -Organização: esta opera como pressuposto do voto em assembleia geral, como meio de legitimação dos investimentos e do mercado, como forma de fiscalização da administração, como tutela das minorias. Os sujeitos da obrigação de informar são, respetivamente, os sócios e a própria sociedade. Para o efeito, o sócio pode-se fazer representar, nos termos gerais. Os estatutos não podem limitar a representação em assembleia geral, segundo a atual redação do art.380º: isso vale, ipso iure, para o exercício do direito à informação em assembleia (art. 214º, 293º, 573º CC). Como sujeito passivo, temos a sociedade, representada pelos administradores. Quando a informação disponível esteja na posse de algum trabalhador ou de terceiros vinculados à sociedade, cabe à hierarquia- à administração- acionar os mecanismos competentes para conseguir os elementos pretendidos.

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O pedido de informação pode ser oral ou escrito: não depende de forma especial, salvo quando a lei diga o contrário. De todo o modo, o sócio tem o ónus de se identificar como tale de explicitar o que pretenda. O objeto da informação é a informação em jogo: autodeterminada, heterodeterminada, substancial ou formal, aberta ou reservada, conforme as circunstâncias. A obrigação pode ser cumprida oralmente; por escrita quando a lei o preveja e como tal seja pedida- art.14º/1 in fine. Admitimos que os estatutos possam impor outras formas mais solenes para a prestação de certas informações. O direito à informação é, em princípio, irrenunciável e inderrogável. Não pode haver renúncias prévias ao seu exercício, visto o disposto no art.809º CC, aqui aplicável. Possível é, sim, o seu não exercício in concreto e, dentro dos limites dos bons costumes e ordem pública, a assunção, subsequente, do dever de não o exercer. Também não pode haver derrogações: quer pelos estatutos, quer por deliberação social. O art.214º/2 admite que se regule, desde que não ponha em causa o seu exercício efetivo. O direito à informação não se constitui quando impossível; cessa, ainda, por impossibilidade superveniente e, em especial, pela perda da informação solicitada. Extingue-se nos termos gerais, pelo cumprimento e por renúncia. Abuso: O direito à informação é uma posição pessoal que integra o status de sócio. Podemos distinguir o direito abstrato à informação ou a pedir informações e o direito concreto, potestativamente constituído, perante situações que possibilitem a sua efetivação. Trata-se, de todo o modo, de uma posição ativa de cariz potestativo, que se vai adaptando aos diversos tipos societários. Podemos genericamente apontar a possibilidade de bloquear o direito por abuso ou por violação da lealdade. Estarão ainda em causa as sub-hipóteses: venire contra factum próprio, tu quoque, desequilíbrio no exercício e insider trading (trata-se de usar informação que se tenha obtido a título interno e que não seja conhecida pelas outras pessoas, para conseguir vantagens extraordinárias). Importa aqui perguntar se o direito à informação é meramente instrumental ou puramente funcional. O direito português configura a informação como um elemento a se: autónomo de quaisquer concretas finalidades. Estas só relevam pela negativa, quando se pretenda usar a informação para fins estranhos à sociedade ou para prejudicar terceiros. A informação é parte integrante do status do sócio, que dá corpo à propriedade privada, à livre iniciativa económica e à própria liberdade de associação. Vale por si. Não é instrumental. Garantia: O direito à informação é rodeado de garantias. Desde logo, temos sanções penais- art.518º e 519º. Temos ainda a anulabilidade das deliberações sociais, causada pela recusa injustificada de informações- art.58º/1/c) e 290º/3. É-nos ainda configurado a indemnizações conexas: danos patrimoniais e não patrimoniais- embora o direito à informação se inscreva num status essencialmente patrimonial, ele envolve uma dimensão pessoal. O sócio a quem, para mais em público, seja recusada informação pertinente vê atingida a sua honra e o seu direito de participar, ativamente, em iniciativas que lhe competem.

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Certas informações dispõem de garantias específicas. A não apresentação do relatório de contas, das contas de exercício e dos demais documentos de prestação de contas dá azo ao inquérito previsto no art.67º/1. O juiz, ouvidos os administradores, poderá então adotar uma das medidas previstas no nº2 desse preceito. Deliberações Sociais Comecemos por recordar que o Código refere ‘’deliberações dos sócios’’, uma vez que os sócios podem deliberar não só em assembleia, mas também, noutros casos, diretamente, sem reunião. A deliberação é uma manifestação da vontade da pessoa coletiva- essa ‘’vontade’’ resulta de um esquema abstrato um conjunto com normas jurídicas que permite imputar à pessoa coletiva uma proposição tomada por vontades humanas. De facto, os sócios emitem declarações de vontade, maxime: votam. A deliberação é do órgão a que pertençam, sendo imputável à sociedade. As deliberações são articuladas por diversas vontades humanas, pelo que tende a haver uma construção dogmática em torno desta figura: para Pinto Furtado, a deliberação integra um ato colegial e não um negócio; para Coutinho de Abreu, por vezes as deliberações não têm substância jurídica, não sendo aí negócios jurídicos; para MC, no âmbito dos negócios as deliberações ocupam um lugar próprio, com um regime específico- sendo um negócio deliberativo ou simplesmente uma deliberação; para JCG, tende a radicar-se na tese de que estamos perante um negócio jurídico, onde se encontram requisitos como a liberdade de estipulação e celebração. O art.53º/1 parece impor uma regra de tipicidade no tocante às ‘’formas’’ de deliberações dos sócios: só podem ser tomadas por algum dos modos admitidos por lei para cada tipo de sociedade. A lei pretende dizer que os órgãos sociais estão sujeitos ao princípio da tipicidade: os sócios não podem, pois, ‘’deliberar’’ fora dos figurinos orgânicos previstos para cada uma delas. No tocante à ‘’forma’’ mantém-se uma regra de liberdade: quando muito, admitimos que os estatutos fixem regras, nesse domínio. Não o fazendo, a forma de deliberação será fixada por deliberação dos sócios ou por decisão do presidente da mesa da assembleia (art.348º/8). Resulta do art.54º/1 a possibilidade de dois grandes tipos de procedimento: -A deliberação em assembleia; -A deliberação por escrito. O grande modelo é a deliberação por assembleia e quanto a assembleias a matriz é, naturalmente, a das sociedades anónimas. O processo deliberativo: A deliberação exige uma coordenação entre diversas pessoas. Podemos falar num processo deliberativo: um conjunto de atos concatenados para a obtenção de um fim: a própria deliberação. A matéria, versada a propósito das sociedades anónimas, pode explicar-se nos pontos seguintes:

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-Uma convocatória cabal: dependerá das circunstâncias, do órgão e do tipo de sociedade em causa. Ela deverá ser dirigida a todas as pessoas que tenham o direito de participar na assembleia, indicando o local, a hora e a ordem de trabalhos. Deverá, ainda, ser assinada pela pessoa com competência para a convocação. Nalguns casos, a convocatória deve ser publicada (art.377º/2), podendo bastar-se com esse tipo de comunicação; -Uma reunião da assembleia, com presidência, secretariado, verificação de presenças e ata: reunião, em termos ordeiros, mesa (presidência e secretariado), verificação de presenças (pode, eventualmente, haver representações) e realização da ata, fundamental para provar qualquer deliberação em assembleia; -Uma ou mais propostas: poderão surgir propostas, as quais cairão na matéria da ordem do dia- apenas sobre propostas se poderá formar a aquiescência ou a rejeição dos sócios. -Um debate: havendo propostas é normal haver debate. Este momento é, muitas vezes, o indicado para pedidos de informação (art.290º). todavia, o debate pode ser dispensado; -Uma votação, com escrutínio e proclamação do resultado: normalmente, por maioria do capital representado. Poder-se-á, porém, exigir alguma maioria qualificada, ou até, unanimidade. A deliberação corresponderá à proposta aprovada. A ‘’aprovação com modificações’’ é, na realidade, a aprovação de uma proposta modificada em relação a uma outra, inicialmente apresentada. Feita a votação haverá que contar os votos- o voto é real, não pessoa, pelo que depende do capital detido ou representado por cada votante; -A elaboração da ata: o resultado é proclamado, constando da ata. Deliberações por escrito e assembleias universais: A deliberação pode ser tomada por escrito, independentemente da reunião dos sócios em assembleia. O art.54º/1 admite este tipo de procedimento, desde que haja uma aprovação por unanimidade- tudo isto deve ser interpretado em termos atualistas. Admitimos ainda que os estatutos possam prever uma reunião por teleconferência: tratar-se à, então, de uma verdadeira assembleia. Há uma assembleia quando não haja um lapso de tempo juridicamente relevante. A deliberação por escrito corresponde a algo diverso: os sócios prescindem da troca de opiniões e de argumentos e da obtenção de novas informações. Vão emitindo as vontades respetivas em separado e podendo ocorrer lapsos de tempo relevantes entre eles. A referência a ‘’escrito’’ pode ser alargada: a vontade pode ser depositada em gravação, vídeo, áudio, vontade por núncio ou vontade teletransmitida, mas sem reunião. Esta é diferente das deliberações unânimes por escrito (DUPE)- nesta prescinde-se da troca de opiniões e há apenas um texto que circula pelos sócios e em que aderem à posição. A especialidade reside na exigência de unanimidade: ninguém pode ser despojado do direito de argumentar e de colocar questões aos proponentes e à administração. Logo, todos terão de prescindir, livremente, dos inerentes direitos. No entanto, parece possível que, por unanimidade, se delibere adotar o voto ‘’por escrito’’. Dado esse passo, os votos podem não ser unânimes, prevalecendo, então, a maioria. Surge ainda a assembleia universal, a qual dispensa o esquema das convocatórias. Ela é operacional em sociedades com um pequeno número de sócios, marcadas pela confiança

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mútua. Logicamente, a assembleia universal não tem ordem do dia: só pode deliberar, ainda que por maioria, sobre assuntos que todos os sócios tenham concordado pôr à apreciação do coletivo societário. Depois de montada e em funcionamento, com o acordo de todos quanto à ordem do dia, ela pode funcionar por simples maioria, nos termos gerais- art.54º/2. A ata: Diz-se, em geral, ata o documento de onde conste o relato, mais ou menos pormenorizado, do decurso de uma reunião. Tratando-se de deliberações de sócios, a ata reportar-se-á à assembleia. Para o professor Coutinho de Abreu, a ata trata-se do registo em documento escrito das deliberações tomadas pelos sócios em assembleia ou por voto escrito, e ainda de outros dados do respetivo procedimento deliberativo. O art.63º/2 regula o conteúdo mínimo da ata. A ata é um documento escrito- a mera gravação, ótica, sonora ou vídeo da reunião não vale como ata. As atas devem ser lavradas no ‘’respetivo livro’’ ou em folhas soltas (art.63º/4, 1ª parte). A primeira hipótese é mais manuseável e dá garantias de não serem tiradas ou aditadas folhas; pressupõe, todavia, atas manuscritas, de elaboração e leitura lentas. Quando as deliberações constem de escritura pública ou de instrumento fora de notas, devem os administradores inscrever no livro a sua existência (art.63º/4, 2ª parte). Deve ser lavrada uma ata por reunião (art.388º/1). A ata deve ser assinada por todos os sócios que tomaram parte na assembleia (art.63º/3, 1ª parte). No caso das sociedades anónimas, a ata é assinada pelo presidente da mesa e pelo secretário (art.388º/2). Aos prevaricadores, cabe, com pena, multa até 120 dias (art.521º). Quando algum sócio, podendo assinar, o não faça, deve a sociedade notificá-lo judicialmente para que, em prazo não inferior a 8 dias, assine. Quanto mantenha a negativa, a ata terá o valor probatório ‘’comum’’, desde que esteja assinada pela maioria dos sócios que tomaram parte na assembleia, sem prejuízo do direito dos que a não assinaram de invocarem, em juízo, a sua falsidade (art.63º/3). Note-se, pelo art.63º/8, que nenhum sócio tem o dever de assinar atos que não estejam consignados no respetivo livro ou nas folhas soltas, devidamente numeradas e rubricadas. As atas podem ser lavradas por notário, mais precisamente, através de instrumento avulso. Assim sucederá, segundo o art.63º/6. Permitindo a lei escolher a forma notarial da ata, a escolha cabe a quem presidir à reunião: motu próprio ou a requerimento de alguns sócios; pode ainda a assembleia deliberar nesse sentido- art.63º/6. Na sequência do DL nº257/96, de 31 de Dezembro, temos ainda outro tipo de atas: as lavradas pelo secretário da sociedade- art.446º-B/b)- trata-se de uma figura que deve ser designada pelas sociedades anónimas cotadas em bolsa de valores. Muitas vezes procede-se, na sessão seguinte à da reunião que lhe deu azo, à aprovação da ata. O art.388º/3, a propósito das sociedades anónimas, fixa uma norma que nos parece generalizável: a assembleia pode determinar que a ata seja submetida à sua aprovação, antes de assinada. Não se trata de uma ‘’declaração social’’ de vontade, antes será uma constatação ou um controlo de fidelidade do texto da ata. Segundo o sistema Alemão, todas as deliberações de assembleia geral devem ser notarialmente tituladas, sob pena de nulidade;

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O sistema latino, presente no art.2375º Código Italiano, apenas exige atas assinadas pelo presidente e pelo secretário, e a falta da ata não invalidaria a deliberação, que poderia ser provada por qualquer outra forma. No âmbito da preparação do Código, Vaz Serra propôs a solução alemã da nulidade por inobservância da formalização prescrita para a ata. Esta, no meio de uma multiplicidade de fontes inspiradoras, acabaria por enformar, ainda que de modo algo indireto, no art.63º/1. A ata tem, pois, uma função probatória forte: e um meio exclusivo de prova. o art.63º/1, acima transcrito, retoma, efetivamente e em termos práticos, a jurisprudência tradicional, que retirava eficácia às deliberações não reduzidas em ata. A questão é que, numa assembleia de sócios, podem participar muitas pessoas. Por isso, torna-se difícil, perguntando às pessoas, mesmo partindo do princípio de que são todas honestas e apenas dizem a verdade, descobrir, afinal, o que se passou numa assembleia. Com o passar do tempo, as dificuldades aumentam: a memória humana é falaciosa e só retém, mesmo de boa fé, ou o que impressiona ou o que convém. Tudo isto leva a que, no interesse dos participantes, se deva fixar em documento oficial o que se discutiu e, sobretudo, o que se decidiu. A partir dai, só vale o que constar do documento em causa. Mesmo para terceiros que tenham interesse legítimo em conhecer o que foi deliberado, o sistema da ata ajuda. E não havendo, de todo, ata? Aí, a deliberação está incompleta. Embora a fase da manifestação da vontade social se baste com a votação e o seu apuramento, ela tem de ser formalizada e exteriorizada- donde o papel da ata. A lei admite, no art.63º/7, atas sem os requisitos legais e, designadamente, as ‘’atas constantes de documentos particulares avulsos’’. Estas atas, mesmo quando assinadas por todos os sócios que participaram na assembleia, constituem (mero) princípio de prova. Assim, concluí o professor Menezes Cordeiro, que a ata se trata de uma formalidade ad probationem: condiciona a prova da deliberação e a sua falta torna a deliberação ineficaz. Esta pode ser afastada por falsidade sem que, para o efeito, o Direito limite os meios de prova. Já para o professor Coutinho de Abreu, uma deliberação adotada pelos sócios sem forma apropriada é, apesar da falta de ata, de facto, juridicamente existente. O professor refere que a ata é a forma de expressão da vontade deliberativa, não sendo forma nem formalidade ad substantiam, por isso não é nula a deliberação sem ata. A falta desta não inquina o conteúdo da deliberação e não vicia o procedimento deliberativo e a ata não é condição de eficácia da deliberação. A função da ata é certificativa, atestando o que mais releva da atividade deliberativa, promovendo assim maior segurança no funcionamento societário e informação mais certa dos sócios. A ata é meio de prova, não condição de eficácia das deliberações. Em certos casos, a lei dispensa a ata como é o caso do art.59º/4, para a ação de anulação. Não obstante, a ata mantém o seu poder probatório especial, uma vez que o processo aguarda. Se não houver ata, o juiz deve concluir que não há deliberação. Na falta de deliberação, não pode haver anulação. Finalmente, a deliberação constante de ata goza de proteção; declarada nula ou anulada a competente deliberação, não pode a sentença prejudicar os direitos adquiridos de

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boa-fé por terceiros, com fundamento em atos praticados em execução da deliberação- art.61º/2. Ineficácia: Antes de mais, parece útil estabelecer um quadro geral das ineficácias, latu sensu, suscetíveis de afetar as deliberações sociais. O vício de uma deliberação pode resultar: -De vícios formais: a deliberação, em si, é possível, mas não foi respeitado o processo previsto para a sua emissão. Assim sucederá quando a assembleia geral não tenha sido convocada- art.56º/1/a) - ou quando se tenha recorrido ao voto escrito sem que todos os sócios tenham sido convidados a emitir o seu voto- b); -De vícios substanciais: o procedimento prescrito foi seguido, mas a própria deliberação defronta a lei ou os estatutos. Uma das consequências do vício, são as deliberações aparentes. Estas, serão as que sejam levadas ao registo comercial e na base das quais certos terceiros tenham adquirido direitos, de boa-fé. Mesmo quando não correspondam a qualquer materialidade, elas produzirão os seus efeitos, de acordo com as regras do registo. Deliberações ineficazes: As deliberações ineficazes, em sentido estrito, são aquelas que, por razões extrínsecas, não produzam efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que se destinariam a comportar- art.55º. A hipótese de a lei exigir o consentimento de determinado sócio (este consentimento pode ser dado nas deliberações ou fora delas; não tem de ser de determinado sócio, pode ter de ser de sócios determinados, pode em alguns casos ser um consentimento formado colegial-maioritariamente (art.24º/6)), recorda logo os direitos especiais dos sócios, previstos no art.24º. A solução da lei levanta dúvidas. Poder-se-ia entender que, perante as regras gerais, quando fosse atingido um direito especial de um sócio estaria em causa uma nulidade- art.56º/1/c) - ou uma anulabilidade- art.58º/1/a). No silêncio da lei assim seria. O art.55º tem, todavia, o efeito de retirar as situações nele previstas do regime comum, sujeitando-as à ineficácia. Não obstante, o artigo não é estanque: as regras gerais facultam, efetivamente, encontrar outras situações de ineficácia, no campo das deliberações sociais (Ex. art.86º/2 e 244º/2). As deliberações ineficazes não produzem os efeitos a que tendiam. Não obstante, pode suceder que órgãos societários atuem em conformidade com elas- justifica-se então a admissibilidade de ações de simples apreciação com o fim de obter a declaração judicial de ineficácia das deliberações- aplica-se analogicamente o art.57º e 60º. Nulidade: Lembramos que a nulidade é declarada pelo tribunal, a pedido de qualquer interessado. Recordamos ainda que, no domínio das sociedades, a regra é a da anulabilidade (direito potestativo na esfera de determinados interessados; é atuada pelo tribunal, quando devidamente instado) - esta cabe sempre que a lei não determine a nulidade, tal como se

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infere do art.58º/1/a). Podemos considerar, assim, que os casos de nulidade são taxativos- todavia, elas abrangem situações de tal modo amplas, que não parece viável trabalhar aqui com uma verdadeira tipicidade taxativa. Art.56º/1: -No primeiro grupo- vícios de procedimento (alínea a) e b)) - incluem-se deliberações surgidas no termo de processos em que não foram observadas formalidades essenciais. A alínea a) explicita a assembleia geral não convocada (vício muito grave, na medida em que afasta os sócios do exercício de direitos fundamentais da sociedade), salvo se tiverem estado presentes ou representados todos os sócios e a b) o equivalente vício, na hipótese de voto escrito- as deliberações por escrito são afetadas quando nem todos os sócios foram convidados a votar por escrito, pois é o que melhor se encaixa neste artigo (art.247º para as SQ). E na situação de não ter sido convocado determinado sócio, mas sendo seguro e confirmado que a sua presença não alteraria o sentido da deliberação? Mesmo então é nula- trata-se de respeitar um ritual legitimador, sem o qual todo o edifício societário fica descaracterizado. No entanto, se não se respeitar um dos requisitos da assembleia universal, será anulável (art.58º/1/a)). A grande diferença entre os vícios de procedimento e os de substância, reside na natureza sanável dos primeiros. A sanção opera quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na deliberação escrita deem, por escrito, o seu assentimento na deliberação- art.56º/3. Quando haja um vício de substância, a sanação não é possível, tendo que repetir a deliberação. Além disso, a deliberação é renovável por outra deliberação à qual, ressalvados direitos de terceiros, se pode atribuir eficácia retroativa- art.62º/1. A contrario, não é possível em vícios de conteúdo. -No segundo grupo- vícios de substância (alínea c) e d)) – a questão coloca-se de se saber que deliberações poderão ter um conteúdo que não esteja, por natureza, sujeita às deliberações dos sócios. Existem duas teorias: -Teoria da incompetência: a alínea c) invalidaria os atos estranhos à competência da assembleia geral e, ainda, atos que interferissem com terceiros. Por esta bitola afinam-se Lobo Xavier, Raúl Ventura, Brito Correia, entre outros; -Teoria da impossibilidade: cuja defende que a mera inobservância de regras internas não poderia ser tão grave que justifique a nulidade; além disso, quando prejudicados terceiros ou quando atingidas regras legais de competência, cair-se-ia seja na ineficácia, seja na alínea d). Assim, Pinto Furtado apresenta esta teoria, considerando nulas as deliberações fisicamente impossíveis. No fundo, este pensamento visa reconstruir o art.280º CC. Esta ideia é sedutora, mas tem alguns óbices, embora menores do que os da teoria da competência: cinde as impossibilidades física e legal, causa embaraços perante a figura da impossibilidade superveniente e rema contra a atual corrente jurídico-civil.

Assim, refere o professor Menezes Cordeiro que a natureza se reporta ao que, pelo seu teor, não caiba na capacidade da pessoa coletiva considerada- os próprios negócios celebrados fora da capacidade natural ou legal da sociedade serão nulos, por impossibilidade legal ou por ilicitude. Uma segunda previsão está na alínea d): o professor Menezes Cordeiro refere que o CSC utiliza a noção comum de ‘’bons costumes’’ e essa noção não se confunde com a de ordem pública, tão-pouco absorve esta última. Assim, a previsão de nulidade por atentado aos

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bons costumes será aquela que assuma um conteúdo sexual ou venha bulir com relações reservadas ao Direito da família ou atente contra deontologias profissionais (por exemplo, assembleias de sociedades de advogados ou de jornalistas que deliberem em sentido contrário ao do sigilo profissional). O professor JCG refere que o conceito adotado pelo MC é demasiado limitado- tem de ser mais amplo e não é só de moral sexual e relacionado com a família, tem margem de maior potenciação. Para Coutinho de abreu, o conceito de bons costumes é fluido e a sua interpretação varia consoante o espaço e o tempo e, num determinado espaço e tempo, é tarefa complicada delimitar as regras de conduta aceites como boas pela consciência geral dominante. A jurisprudência portuguesa tem vindo mesmo sem o assumir, a detetar uma deontologia comercial que deve presidir às deliberações sociais, sob pena de nulidade: não distribuição de lucros durante muitos anos ou a venda de bens sociais por preço muito inferior ao real. A 2ª parte da alínea d) visa ainda as deliberações contrárias a normas legais imperativas. A sua redação presta-se a críticas, pela confusa fórmula que veio adotar. Devemos ter presente que o Direito das Sociedades é direito privado. Nessa medida, é tendencialmente supletivo. Infere-se daqui que, quando outra coisa se não conclua, não há nulidade por atentado à lei, quando esta não seja imperativa. Grosso modo, podemos dizer que uma regra é imperativa quando integre a ordem pública, quando concretize princípios injuntivos ou quando institua ou defenda posições de terceiros. A jurisprudência confirma as asserções acima produzidas, ainda recorrendo, certos casos, a outras terminologias: -é nula a deliberação que limite os poderes representativos de um gerente numa SQ (está em causa a ordem pública societária); -é nula a deliberação social que vise impedir um terceiro de ser representante de uma sociedade associada ou, em geral, a deliberação que atente contra interesses de terceiro; é nula a deliberação que ponha em causa o princípio da distribuição de lucros pelos sócios (norma injuntiva). A alínea d) prevê ainda a hipótese de tal suceder em termos indiretos. Em bom rigor, é nula a deliberação que determine ou permita que outro órgão viole normas injuntivas ou atente contra os bons costumes. Atente-se, ainda, ao art.58º/2, cujo refere que pode acontecer que um contrato de sociedade reproduza regras legais injuntivas. Quando isso suceda, considera-se que, havendo violação, tais regras são diretamente violadas e não, apenas, as contratuais, com a consequência de se aplicar a nulidade e não a mera anulabilidade. A nulidade pode ser invocada a todo o tempo e por qualquer interessado: é o que extraímos do art.286º CC, em termos confirmados pelo art.59º/1/2 à contrário do CSC. Como se vê, ela faz pairar graves incertezas sobre a sociedade, o que explica as restrições legais e o facto de, por defeito, prevalecer a anulabilidade. Perante deliberações nulas, o art.57º faculta a iniciativa do órgão de fiscalização. Repare-se que é do interesse da própria sociedade e dos seus sócios o não deixar pendentes situações de nulidade que poderão, depois e em qualquer altura, ser invocadas, com danos para todos. Anulabilidade: O art.58º/1/a) traduz a cláusula geral da invalidade das deliberações sociais. Esta alínea move-se entre dois valores, aparentemente contraditórios: a necessidade de segurança jurídica e a justiça. A primeira fonte deriva da violação de lei: tratando-se de vícios de forma ou de omissão de formalidades, prevalecerá a nulidade; só haverá anulabilidade quando a falha verificada possa influenciar o sentido da deliberação. Exemplos jurisprudenciais: a convocação sem antecedência conveniente, a violação de normas imperativas de mero procedimento por oposição ao conteúdo- aumento do capital votado sem atingir a maioria de ¾ dos votos-, a

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convocação da assembleia por aviso postal, quando era exigível a publicação no DR e a falta, na convocatória, de referência à destituição do gerente, a qual ocorreu de modo não unânime. Como vimos haverá nulidade quando as deliberações defrontem normas jurídicas injuntivas. Logicamente, haverá anulabilidade quanto as normas atingidas sejam dispositivas ou supletivas (significa que a norma pode ser afastada pelo contrato de sociedade e não por mera deliberação dos sócios- não devem ser surpreendidas com deliberações maioritárias que equivalham à alteração do jogo inicialmente fixado). A referência à lei deve ser entendida como violação do Direito: fica incluída a norma legal expressa, o princípio, o conceito indeterminado e o Direito consuetudinário. Entre os princípios societários cuja violação pode gerar anulabilidade temos o do igual tratamento, o da lealdade e o do interesse da sociedade. Quer isto dizer que o abuso de direito, quando não seja consumido pela alínea b), pode ser sancionado através da alínea a). Exemplos judiciais: a deliberação que, alterando os estatutos, crie direitos especiais dos sócios, sem ser por unanimidade; a deliberação respeitante à não distribuição de lucros; a deliberação que desrespeite o art.399º. A alínea a) in fine, prevê a anulabilidade pela violação do contrato de sociedade. Quando a violação seja decidida por unanimidade, nenhum dos sócios a poderá impugnar, devendo-se então entender que o órgão de fiscalização também o não pode fazer. Deverá entender-se que os estatutos foram modificados, de modo informal, pela unanimidade dos sócios, a não ser que se defronte com uma norma injuntiva- art.56º/1/d). Não obstante, as violações insignificantes não são causa de anulabilidade: de minimis non curat praetor; e não são causas de anulabilidade simples violações de acordos parassociais. Exemplos: omissão do envio de uma carta registada para convocar a assembleia geral, convocação de uma assembleia com acatamento das exigências diretamente impostas por lei, mas omitindo-se as complementares decorrentes dos estatutos. A alínea b) refere-nos a anulabilidade por votos abusivos. Historicamente, este preceito foi adotado para cobrir as hipóteses de invalidade engendradas por elementos exteriores à própria deliberação. De todo o modo, exigia-se uma adequação objetiva; tal adequação está presente no art.58º/1/b), embora com menos clareza que no texto dador. Tomando o preceito tal como está, ele atinge as deliberações que tenham, subjacentes, denominados votos abusivos que: acarretem vantagens especiais para o próprio, em detrimento da sociedade ou de terceiros; ou tenham natureza emulativa, visando prejudicar a sociedade ou outros sócios. As vantagens especiais traduzem-se àquelas que assistam particularmente a um sócio ou a terceiros e não a todos e traduzem uma atuação com falta de direito; a intenção terá de se inferir da conduta exterior do sócio- bastará o dolo eventual, provado por quem impugna a deliberação (para o professor Coutinho de Abreu, dever-se-ia omitir este elemento subjetivo, pois a sociedade é um mecanismo para todos os sócios obterem vantagens comuns e se tal mecanismo é utilizado para uns ficarem especialmente avantajados, há objetivamente uma disfunção). O ato emulativo é o que vise provocar danos gratuitos a outrem- abuso na vertente exercício em desequilíbrio. Tudo isto se caracteriza em grupos de casos típicos: inalegabilidades formais, venire contra factum proprium, suppressio surrectio, tu quoque e exercício em desequilíbrio. Uma interpretação rigorosa desta alínea, permitiria concluir que salvo o ato emulativo, não estamos perante um abuso de direito, apenas a recordação de que certos votos não podem prosseguir finalidades ‘’extra-sociais’’.

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O professor Menezes Cordeiro propõe a aplicação do art.58º/1/b) às situações nele previstas; além disso, as deliberações que incorram, nos termos gerais, em abuso de direito, serão anuláveis, por via da alínea a). Os votos abusivos obrigam ainda a indemnizar a sociedade e outros sócios, pelos prejuízos que causem- art.58º/3. A alínea c) tende a ser explicitada pelo nº4 do preceito. Em rigor, a violação das regras sobre informação prévia tem a ver com a inobservância das normas de processo, caindo no art.58º/1/a), tal como entende o professor Coutinho de Abreu e considera a doutrina Alemã. Ação de anulação: A legitimidade para a ação de anulação é conferida, pelo art.59º/1: ao órgão de fiscalização e a qualquer sócio que não tenha votado no sentido do vencimento nem, posteriormente, tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente. A atuação do órgão de fiscalização, que não estava prevista no projeto de Coimbra, só se admite, mesmo perante a lei em vigor quando a deliberação não tenha sido integralmente adotada ou confirmada. Dogmaticamente, a anulabilidade fica na disponibilidade dos sócios, não se entendendo a concessão, aos fiscalizadores, de poderes funcionais nesse domínio. A intervenção de qualquer sócio, surge de modo a prevenir o venire contra factum proprium. O art.59º/6 ocupa-se, a tal propósito, do voto secreto. Quer isto dizer que, havendo voto secreto, a deliberação tornar-se-á impugnável, se não tiver sido, por algum sócio, seguido o apontado procedimento. O prazo é de 30 dias contados- art.59º/2. A assembleia pode sofrer interrupções, permitindo o nº3 que, se a interrupção durar mais de quinze dias, a ação de anulação de deliberação anterior à interrupção seja proposta nos 30 dias seguintes àquele em que ela tinha sido tomada. O interessado poderá escolher deixar seguir a assembleia até ao fim, podendo, assim, colher novos elementos e fundamentar a sua pretensão. Eis algumas precisões jurisprudenciais: o prazo de 30 dias tem natureza substantiva, aplicando-se-lhe, segundo o art.298º/2 CC, o regime da caducidade; havendo irregularidades na convocatória, o prazo conta-se a partir do momento em que o sócio teve conhecimento da deliberação, por analogia ao art.59º/2/c); a prova de já ter decorrido os 30 dias incumbe à sociedade ré. Proposta ação anulatória por sócio para tal legitimado, mas que depois aliena toda a sua participação social, pode a ação continuar com ele como atorou extingue-se a instância por superveniente inutilidade da lide? Se ele mantiver interesse, não perde a legitimidade e a ação pode prosseguir com ele. O adquirente da participação social pode também substituir o alienante na ação anulatória. Consequência importante da natureza deste prazo é o facto de ele só ser impedido pela interposição da ação de anulação. Não é demasiado enfatizar o prazo de 30 dias e os valores substantivos que serve: pretende-se, quanto antes, pôr cobro à pendência de dúvidas, no tocante às deliberações societárias. Disposições comuns à nulidade e à anulabilidade: Recorde-se, antes de mais, que este tipo de ações decorre perante os tribunais de comércio: art.89º/1/d), da Lei nº3/99, de 13 de Janeiro.

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O art.60º/1, cujo decorre do art.117º do Projeto de Coimbra, traduzem-nos que qualquer sociedade corre o risco, só por o ser, de ser demandada em ações relativas às deliberações tomadas pelos seus sócios. Levanta-se a questão se as ações de ineficácia ou de inexistência de deliberações sociais também são intentadas contra a sociedade. A resposta é positiva, por interpretação extensiva ou por aplicação analógica do preceito em causa, mas isso na medida em que faça sentido admitir tais ações. Em qualquer dos casos, impugnam-se deliberações e não votações. O vício do voto comunica-se à deliberação, quando se enquadre nas previsões de nulidade ou anulabilidade. A prova de resistência consiste em verificar se determinado voto tem relevância para a deliberação concreta- não a tendo, tornam-se ineficazes, para o tema em estudo, quaisquer vícios que o possam afetar. Pode acontecer que surjam diversas ações de invalidade, razões pelas quais o art.60º/2 determina a sua apensação. As ações podem ser propostas pelo órgão de fiscalização ou, na sua falta, por qualquer gerente- art.57º/2. Explicam os tribunais que, neste âmbito, o conselho fiscal tem personalidade judiciária para intentar ações, não para pedir a confirmação da sua validade. Tais encargos são suportados pela sociedade, mesmo que as ações sejam julgadas improcedentes- art.60º/3. Assim não deverá ser quando haja condenação por litigância de má fé ou quando se verifique abuso do direito de ação- devem ser reconduzidas aos princípios gerais que norteiam esses institutos. Pode ainda ocorrer que as ações de anulação ou de declaração de nulidade de uma deliberação social possam ser abusivas. Assim sucederá, nos termos gerais quando, por defrontar a confiança ou a materialidade subjacente, elas se apresentem contrárias à boa fé. Esta dimensão é importante, pois as sociedades tornam-se facilmente raiders que impugnam, sem fundamento, as mais diversas deliberações sociais. Eficácia do caso julgado: O art.61º, reporta-se à eficácia interna- nº1- e à eficácia externa- nº2. A jurisdição será aqui de mera legalidade. Desde logo, porque o juiz apenas pode invalidar deliberações e não substituir por outras, mais oportunas, e também porque não lhe são pedidos juízos técnicos, no plano da gestão: apenas uma verificação de conformidade com as regras aplicáveis. Não obstante, o juiz poderá ter de concretizar conceitos indeterminados. Assim sucederá em 3 eventualidades: -Na da própria ação de invalidação ser abusiva; -Na de se jogar a violação da boa-fé; -Na de estarem em causa votos abusivos. Em suma, temos um contencioso de legalidade, mas no qual o mérito pode fazer a sua aparição. No que toca à eficácia interna, o preceito enuncia duas delimitações: o caso julgado assim formado não opera quando a causa de invalidação seja diversa; todavia, isso funciona para causas de pedir diferentes e não para fundamentações distintas, uma vez que estas não são cobertas pelo caso julgado. No que concerne à eficácia externa, as sociedades constituem entes coletivos autónomos. Opõem-se, por si, erga omnes. As suas deliberações tendem, assim, e também, a

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contundir com terceiros. Donde a necessidade de, aos casos julgados que se formem nesse âmbito, atribuir eficácia perante terceiros ou eficácia externa. Desta forma, o preceito visa tutelar a confiança de terceiros. As ações de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações sociais estão sujeitas a registo comercial- art.9º/e) CRCom. Não obstante, compreende-se ser inexigível a um terceiro ir indagar junto do registo se não está pendente alguma ação. O registo não impede, pois, a boa fé. Por força de vetores gerais do ordenamento, a boa-fé in casu é a na sua dimensão ética: ignorância desculpável, aquela cuja não derive da inobservância de deveres de cuidado aplicáveis. A renovação de deliberações: Uma vez intentada, a ação de invalidação poderá pender durante anos, com tudo o que isso representa de incerteza e de publicidade negativa para a sociedade e os seus sócios. Este problema te uma saída através da renovação da deliberação inválida, renovação essa que poderá operar ad cautelam: afirmada a presença de certo vício e independentemente de se aceitar tal asserção, poder-se-ia retomar a deliberação sem o ponto questionado. Da primeira previsão do art.62º compreende-se que possa ser tomada uma segunda deliberação com o mesmo conteúdo, mas que corrija o óbice antes verificado. A essa deliberação pode a assembleia atribuir eficácia retroativa, ressalvados os direitos de terceiros. Não se trata de uma convalidação ou de uma sanação da primeira deliberação, antes ocorre uma segunda e própria deliberação, que visa produzir os mesmos efeitos jurídicos da anterior, mas agora sem a pendência da invalidação. A contrario sensu, não é possível renovar as deliberações nulas por força do art.56º/c) e d): a nova deliberação, para ser válida, teria de ser forçosamente diferente da anterior. O nº2 deste preceito não distingue vícios formais de substantivos, o que pode ser proveitoso: pode haver vícios substanciais que, em nova deliberação, não mais possam ser invocados; basta, para tanto, a aprovação unânime dos sócios. Também aqui se pode atribuir eficácia retroativa, como se extrai da 2ª parte deste artigo. A retroatividade já não seria aplicável quando estejam em causa institutos de Direito Civil como, por exemplo, uma assembleia de condóminos. O nº3 permite que a sociedade, ré numa ação de impugnação, requeira ao tribunal um prazo para renovar a deliberação. Todavia, o tribunal só o concederá quando a deliberação em jogo for renovável- novo elemento de favor societatis. Administração e Fiscalização No centro de toda a problemática societária, encontramos a administração, que traduz o conjunto de pessoas que têm a seu cargo a função de administrar uma sociedade (aceção subjetiva) e o ato ou o efeito de administrar essa mesma sociedade (aceção objetiva). Façam o que façam ou deixem de fazer as sociedades, nas mais diversas circunstâncias, lícita ou ilicitamente, é obra dos administradores. Assim, as regras destinadas às sociedades são, no fundo, comandos dirigidos às administrações. As decisões societárias mais relevantes são-no dos administradores. A administração das sociedades constitui o cerne do Direito e das sociedades: ponto em torno do qual tudo orbita e destino final de todas as construções e institutos.

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Não obstante tudo isto, não faz sentido falar em administração sem saber o que é o Governo das Sociedades ou Corporate Governance. Governo das Sociedades = Corporate Governance O corporate governance é um conceito anglo-saxónico que postula quadros jurídicos e conceituais quanto à organização da sociedade e às regras aplicáveis ao funcionamento da sociedade. Segundo a definição do relatório (inglês) Cadbury de 1992, traduz-se no sistema no qual as sociedades são controladas e feridas. O Corporate Governance trata de: -Relações: relações entre diversos sujeitos que integram as Sociedades; sujeitos que têm interesse no desenvolvimento da sociedade; -Estruturas: pelas quais a sociedade desenvolve os seus objetivos, escolhendo os meios para os obter. É uma dimensão institucional de estruturação para desenvolver a sua atividade e o controlo da mesma. No fundo, houve reforçou o modelo da fiscalização, com múltiplos reflexos na prestação de contas. Abrange um conjunto de máximas válidas para uma gestão de empresas responsável e criadora de riqueza a longo prazo, para um controlo de empresas e transparência. A grande vantagem é que lidamos com regras flexíveis, de densidade variável, adaptáveis a situações profundamente distintas e que não vemos como inserir num CSC. Desta forma, deram-se dois grandes passos no tocante à administração, em nome do governo das sociedades: -Alterou-se o artigo 64º; -Introduziu-se o business judgement rule. Modelos de Governo O conteúdo de cada tipo legal de sociedade conjuga-se em três elementos: tipo de responsabilidade assumida pelos sócios, limites à transmissibilidade das participações sociais e a estrutura organizatória- tema que se discute ao nível de todos os tipos de sociedades. Conceito de órgão social: na base de qualquer órgão social, está uma pessoa coletiva, que segundo a conceção normativista/analítica da pessoa coletiva, é um regime jurídico através do qual se determina a conduta de pessoas singulares. Os órgãos sociais são centros de imputação de normas jurídicas, correspondentes a estruturas de organização humana permanentes, funcionalmente ordenadas à prossecução dos interesses da pessoa coletiva, nos termos das competências atribuídas a cada um, e que, em conjugação entre si, permitem a autodeterminação da mesma. Então, que tipo de órgãos temos? -Coletividade de Sócios: sócios que operam em dimensão coletiva; posição institucional dos sócios em modo coletivo;

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-Órgãos de administração: plural ou singular com regras específicas; -Órgão de fiscalização: global (sociedade como um todo), contabilístico (as contas) - que as sociedades podem ter ou não. Não obstante, cada sociedade tem o seu específico equilíbrio interorgânico, diferenciando-a das demais sociedades. As sociedades anónimas estruturam-se segundo um de três modelos de governo, que segundo Paulo Câmara, traduzem-se em fórmulas matriciais de organização da administração e fiscalização das sociedades anónimas: Art.278º CSC: -Modelo tradicional português: composto por um conselho de administração (ou administrador único), conselho fiscal (com ROC) ou fiscal único (ROC) e ROC (dissociado ou não do Conselho Fiscal); -Modelo anglo-saxónico: composto por um conselho de administração, comissão de auditoria e ROC; -Modelo germânico: composto por um conselho de administração executivo (ou administrador único), conselho geral e de supervisão e ROC. Ao analisarmos os modelos supra, reparamos que todos são modelos dualistas: todos compreendem um órgão de administração e fiscalização (global), aos quais acresce um ROC/SROC, são eleitos pela coletividade dos sócios e com competências próprias definidas por lei (competências essas que não podem ser derrogadas). O que diferencia cada modelo são os poderes do órgão de fiscalização e a relação que se estabelece entre ele e o órgão de administração. O modelo tradicional português tem um órgão de fiscalização que tem pouco poder e só sabe fazer ‘’queixinhas’’. O conselho fiscal apresenta-se como uma instância exterior ao management, sem uma atuação permanente e, através de diversos expedientes, possível de contornar. O modelo anglo-saxónico apresenta a comissão de auditoria que opera paredes-meias com a administração, podendo comprometer-se com ela. O modelo germânico, com o conselho geral e de supervisão, sempre em funções e podendo especializar os seus membros, de acordo co os pelouros da sociedade, tem outras hipóteses, sobretudo quando a direção dependa dele. Em termos de eficácia, esta opção parece a melhor. Administração A sociedade corresponde a um modo coletivo de funcionamento do Direito. Dirigir uma regra a uma pessoa coletiva implica depois, através desta, o acionamento de muitas outras regras que irão, mais ou menos imediatamente, desembocar em incumbências que recaem sobre pessoas singulares.

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Como já referimos, para o professor Menezes Cordeiro, a administração societária traduz-se num ato ou efeito de administrar a sociedade (administração em termos objetivos) ou no conjunto de pessoas que têm a seu cargo a função de administrar uma sociedade (administração em termos subjetivos)- aqui, a expressão administrador cobre a figura dos gerentes, dos administradores stricto sensu e dos administradores executivos, em função do concreto tipo societário em jogo. Centralidade da administração: órgão mais central para se compreender tudo o que se passa dentro de uma sociedade. Em corporate governance, administração é o órgão que comanda os destinos da sociedade e o primeiro fiscalizador da mesma.

Quando se discute a competência do órgão de administração, discute-se uma obrigação da administração: ele tem de administrar (a situação jurídica da administração é passiva, não há liberdade para administrar ou não, têm de administrar) e há liberdade em como se concretiza essa administração (concretização da obrigação de administração tem conteúdo indeterminado, tendo de perceber qual o grau de esforço que o direito exige para se cumprir essa obrigação: bitola de diligência normativa, de um gestor criterioso e ordenado (é mais exigente que o bónus pater famílias, aqui, temos de questionar o que faria um gestor desta natureza para melhor assegurar os interesses da sociedade e como faria perante determinadas circunstâncias- são obrigados a administrar diligentemente).

Os administradores têm dois poderes, cujos não foram concretizados no CSC na sua

parte geral, pelo que se recorreu aos diversos tipos societários para explicar como se efetivam estes poderes (art.192º, 252º, 405º/1/2):

-Poder de gestão: direito funcional potestativo que traduz a permissão

normativa que os administradores têm de decidir e de agir, em termos materiais e jurídicos, no âmbito dos direitos e deveres da sociedade- poder para a sociedade decidir os seus destinos e meios para alcançar objetivos, dentro do equilíbrio interorgânico de até onde o órgão pode atuar;

-Poder de representação: vínculo jurídico de base legal que permite imputar à

pessoa coletiva os atos dos seus órgãos, quer isto dizer que se imputa à sociedade a atuação dos administradores. Este modelo apresenta e exprime os nexos de organicidade, que ligam os sujeitos à sociedade. Este é também um direito funcional potestativo, pois envolve a permissão de, agindo em nome e por conta da sociedade, produzir efeitos jurídicos que se projetam imediata e automaticamente na esfera desta. Não obstante tudo isto, tem ainda o poder para vincular externamente a sociedade perante terceiros, quando se relaciona com outros no comércio jurídico.

Lógica organizacional: -SNC: a administração e representação cabe aos gerentes (art.192º/1); -SQ: a administração e representação cabe aos gerentes (art.252º/1); -SA de tipo latino: conselho de administração gere as atividades da sociedade e

o conselho de administração tem exclusivos e plenos poderes de representação da sociedade (art.405º/1/2);

-SA de tipo germânico: conselho de administração executivo gere as atividades e tem plenos poderes de representação da sociedade (art.431º/1/2).

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Artigo 64º CSC: Deveres Fundamentais dos Administradores

Este artigo não corresponde a quaisquer desenvolvimentos nacionais doutrinários ou jurisprudenciais. Ele traduz uma série de aportações retiradas de fontes exteriores, desinseridas dos sistemas que as originaram. Desta forma, para encontrar um equilíbrio e um sentido de conjunto coerente, temos de estudar as parcelas que o compõem.

1. Diligência de um gestor criterioso:

Bitola de inspiração Alemã, onde fundamentalmente está em causa a compatibilização entre a discricionariedade empresarial e as restrições impostas, quer pelo ordenamento, quer elas realidades da sociedade. Em sentido normativo, a diligência equivale ao grau de esforço exigível para determinar e executar a conduta que integra o cumprimento de um dever- parte de uma regra de conduta que deve ser determinada independentemente de qualquer responsabilidade (logo, de culpa). A violação deste dever de diligência dá azo a ilicitude e não a mera medida de culpa, segundo o professor Menezes Cordeiro. 2. Interesses da Sociedade, dos Sócios e dos Trabalhadores:

O termo interesse é ambíguo, pelo que nos cabe, nesta sede, proceder à sua clarificação. Numa noção objetiva e normativa, o interesse representa a porção de realidade protegida e que, quando violada, dá lugar a um dano. O professor Menezes Cordeiro, na esteira do professor Paulo Mota Pinto, defende que o interesse é uma realidade protegida por normas jurídicas as quais, quando violadas, dão azo a dano; são realidades juridicamente relevantes que tenham tutela jurídica. O papel útil da referência a interesses da sociedade cifra-se em determinar que os administradores, ao agir no âmbito das suas funções, o façam em prol dos sócios, mas em modo coletivo. Este modo coletivo refere que não se trata de propugnar vantagens casuisticamente, mas antes numa panorâmica possibilitada pelo conhecimento do cenário global, de defender, societariamente, as saídas mais promissoras. No fundo, a maioria da doutrina portuguesa reconduz o interesse da sociedade aos interesses dos sócios. Porquê? Porque em sentido subjetivo, a sua definição caberia aos sócios; em sentido objetivo, surgem regras injuntivas que se fundirão com as que definam o ‘’interesse objetivo’’ da própria sociedade. Confirma-se, assim, o círculo: no que a lei permita, cabe aos sócios definir os interesses da sociedade. A grande questão é que a sociedade é sempre um regime jurídico: ela não sofre, nem ri. Separar a sociedade dos sócios só iria despersonalizar um instituto que uma longa experiência mostrou melhor estar no Direito Privado. A referência a outros interesses significa que na concretização do esforço exigível haverá que ter em conta as dimensões sociais da sociedade. A ver bem, os interesses da sociedade relevam para a modelação da obrigação de administração. O vetor essencial que é o órgão de administração, tem a iniciativa na promoção dos melhores interesses da sociedade. Iniciativa é o fundamental e o que distingue de outros órgãos. 3. Deveres de cuidado:

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Sob a especial técnica anglo-saxónica, que não separa a ilicitude de culpa, o dever de cuidado exprime as regras de conduta e a carga de não-censura necessárias no exercício das funções de administrador, para que ele não incorra em responsabilidade negligente. Todavia, não é possível transpor a técnica anglo-saxónica para o Direito Continental.

Não obstante o professor Menezes Cordeiro tece uma critica relativamente a este dever, pois aparentemente a diligência de um gestor criterioso e os deveres de cuidado dizem o mesmo, mas um em linguagem continental e outro em linguagem anglo-saxónica. Não se entende a inserção de um elemento de responsabilidade civil aqui (que a ser necessária, estaria no art.72º); a bitola de diligência antes acompanhava todos os deveres dos administradores e agora parece confinada aos deveres de cuidado. O artigo deve, assim, ser interpretado no seu conjunto, exprimindo a boa velha e sempre útil bitola de diligência, mas acompanhada de algumas precisões. No fundo, ocorreu um problema de tradução, pois a CMVM queria trazer os duties of care americanos para a nossa lei, mas esses duty of care são concretizações do duty to act with care, ou seja, concretizações de atuar com diligência- significaria que os administradores estariam obrigados a administrar diligentemente. Mas, cuidado não se confunde com diligência, pelo que ocorre aqui o problema. Como refere o professor Coutinho de Abreu, este dever é um dever geral de cuidado e a situação jurídica fundamental dos administradores seria esse cuidado. Assim, este dever é uma concretização do dever geral de respeito, de modo a evitar situações de responsabilidade aquiliana, pelo que se fala em deveres de prevenção de perigo. A situação jurídica fundamental é a obrigação de administrar, pelo que este dever se acaba por traduzir num dever de proteção, não confundido com a diligência. O legislador, ao referir os deveres de cuidado, especificou: disponibilidade, competência técnica e conhecimento da atividade da sociedade. 4. Deveres de lealdade:

Os vínculos dos administradores às sociedades implicam deveres acessórios onde se enquadra a boa fé. A exigência da boa fé prende-se perante o facto de estarmos em face de uma gestão de bens alheios. A lealdade é para com a sociedade ou para com os sócios, mas em modo coletivo. A lealdade ganha conteúdo positivo mecê da própria aproximação do sistema e à boa fé na vertente da primazia da materialidade subjacente- dever de lealdade implica a boa prossecução efetiva de um escopo e não meras atuações formais. A lealdade tem duas formulações: -Negativa: não fazer algo que prejudique a sociedade; -Positiva: é consumida pela obrigação principal, de onde resulta o tal fazer tudo para promover os interesses da sociedade. No fundo, refere Carneiro da Frada, com influência alemã dos anos 50, este é o dever de sobreordenar o interesse da sociedade sobre os outros interesses em presença: a lealdade exige que o interesse da sociedade seja ordenado primeiro que todos os outros interesses.

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Síntese do professor Menezes Cordeiro:

Alínea a) - o artigo 64º tem normas de conduta, pretendendo reger a atuação dos administradores. Sistematicamente, está desligado quanto aos preceitos relativos à responsabilidade dos administradores. Quando violadas estas normas de conduta, temos de apelar a outras regras para determinar uma eventual responsabilidade civil. Os deveres de cuidado reportam-se a elementos que constituem, em moldes não taxativos, o teor do ‘’cuidado’’. Referência à bitola da diligência reporta-se às funções do administrador e não apenas aos deveres de cuidado. Obviamente, o administrador deve ser diligente na execução de todos os seus deveres e não, apenas, nos de cuidado. A diligência, enquanto medida objetiva e normativa do esforço exigível, mantém-se, tudo visto, como uma regra de conduta incompleta: regra que dobra todas as outras, de forma a permitir apurar a efetiva atuação exigida aos administradores. Alínea b) – deveres de lealdade são deveres fiduciários que recordam estar em causa a gestão de bens alheios. Os administradores são leais na medida em que honrem a confiança neles depositada. Ficam envolvidas as clássicas proibições já examinadas: concorrência, aproveitamento dos negócios, utilização de informação, parcialidade, etc. A lealdade exige condutas materialmente conformes com o pretendido e não meras conformações formais. Situação Jurídica dos Sócios:

1. Orientação contratual- apelo ao mandato:

Por influência do Code de Commerce francês de 1807 e cumpria objetivos políticos (os administradores eram colocados ao serviço dos sócios, sem veleidades de intervenção de poderes políticos) e técnico-jurídicos (enquadrava-se a problemática da questão de bens alheios como a da representação). Segundo o professor Januário Costa Gomes, os administradores são mandatários, sendo o mandatário um gestor, gestor de negócios. O mandato é o paradigma dos contratos de gestão e a referência à boa gestão assenta no regime do mandato. Para o professor, a situação de administrador, para ser caracterizada, tem de ter uma primeira referência contratual: Os administradores estão adstritos a deveres de administração, mas a administração de bens alheios, da sociedade. Tendencialmente, o CSC identifica o interesse da sociedade como sendo diferente do interesse dos sócios e o administrador não só tem em mente os interesses próprios, como tem de garantir os interesses da sociedade- assim, enquadra-se como um mandatário, gerindo a sociedade. Não obstante, esta visão é bastante criticada pela doutrina alemã, cuja tece uma critica interna: referem que o mandato não envolve necessariamente a representação e ter-se-ia de conceber outra fonte para os incontornáveis poderes de representação assumidos pelos administradores; e pela doutrina italiana, que tece uma critica externa: porque os administradores das sociedades estão cada vez mais sujeitos a deveres que resultam da lei, não se compreendendo plenamente com uma lógica de

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mandato tout cour. As realidades tornam-se incompatíveis da situação do administrador como correspondente a um contrato de mandato. Assim, a relação de administração é contratual: existe uma relação de trabalho em sentido amplo, envolvendo uma prestação de serviços por conta de outrem. 2. Orientações unilaterais:

Desde o momento em que a escolha de um administrador assenta numa deliberação, a situação já não pode ser considerada contratual- ao ato deliberativo não podem ser aplicadas as regras do negócio jurídico. A deliberação não é negociável com o exterior e é encontrada no seio do órgão deliberativo, ficando perfeita a esse nível. 3. Construções analíticas:

A posição jurídica dos administradores tem a sua génese num ato duplo: nomeação pela sociedade e celebração do contrato de emprego com essa pessoa. 4. Construção laboral:

Para o professor Menezes Cordeiro, não é viável, por incompatibilidade valorativa, no Direito positivo português vigente, laboralizar a situação jurídica dos administradores. A questão é que o fator juslaboral tem de ser considerado. Todavia, nos casos em que o trabalhador da sociedade é nomeado administrador da sociedade, o contrato de trabalho suspende-se. Como refere o professor Januário, seria uma situação esdruxula se o administrador continuasse a ser trabalhador. Na lógica do trabalho subordinado, a alteridade é essencial, e aqui não existiria- como refere Januário, o contrato de trabalho supõe subordinação jurídica e, neste caso, não há alteridade para que tal se possa estabelecer. Apesar o fator juslaboral ter de ser considerado, a aproximação a este quadro tende a ser complicada, (por exemplo, nas sociedades anónimas, existem casos em que os administradores não se identificam com os trabalhadores- não existe uma equiparação de classe entre trabalhadores e administradores, apesar de não serem os capitalistas. Os administradores aparecem antes como especialistas de gestão, que compreendem o negócio e a atividade da sociedade). Não obstante, tal não significa que em certos casos, como para a segurança social, os administradores não sejam equiparados a trabalhadores. O princípio vigente nos casos de cessação da situação de administradores, é a livre destituição dos administradores e essa pouca proteção está nos antípodas do direito do trabalho. 5. Doutrina Portuguesa:

Como refere o professor Ferrer Correia, a situação jurídica de administrador é reconduzida a um Contrato de Administração. O professor Menezes Cordeiro discorda, pois refere que a situação jurídica de administração não pode ser definida com recurso à via da sua constituição: é que, procurar reconduzir a contratos os modos de designação dos administradores de sociedades, releva uma alquimia puramente irreal. A própria conjunção eleição-aceitação, tendo embora natureza voluntária, não é

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contratual. Pela mais simples e definitiva das razões: não se lhe aplica o regime dos contratos, mas, antes, um conjunto preciso de regras de natureza deliberativa e societária. A situação jurídica de administração tem de ser fixada pelo seu conteúdo (que deriva da lei, dos estatutos e deliberações sociais) e não pela forma da sua constituição. Estruturalmente, a situação jurídica de administração não pode ser deixada de ser qualificada como absoluta, no sentido preciso de não implicar uma relação jurídica. De facto, o administrador tem, no essencial, os poderes de representar e gerir que são, tecnicamente, posições potestativas e como tal absolutas. Chegados a este ponto, refere Menezes Cordeiro, que resta considerar a situação jurídica de administração como uma realidade autónoma, de cariz societário, com factos constitutivos múltiplos, privada, patrimonial, complexa, compreensiva e nuclearmente absoluta. O seu conteúdo deriva da lei, dos estatutos e de deliberações sociais, podendo, ainda, ser conformado por contrato ou por decisões judiciais. Esta situação, quando se verifique, seja por que via for, coloca logo o administrador numa teia de direitos simples e funcionais e deveres. Trata-se, assim, de um status ou estado, querendo aqui referir-se a uma qualidade ou prerrogativa que implica e condiciona a atribuição de uma massa prévia de elementos juridicamente relevantes, incluindo deveres, direitos funcionais e obrigações.

O facto de os administradores das sociedades em geral, à luz do CSC, terem uma situação jurídica peculiar, é o que justifica que essas pessoas tenham alguns traços que são típicos da proteção dos trabalhadores- mas que não o são. Tendo tudo isto em mente, concluímos que seria forçado admitir um contrato como uma forma de estabelecimento de administradores. Assim, tem de se qualificar como situação jurídica- não relacional, pois não há contrato, mas pode haver obrigações que derivam de uma relação contratual, mais concretamente, do contrato de sociedade. Direito à remuneração: O primeiro direito do administrador será o direito à retribuição: SNC-192º/5; SQ- art.255º; SA- art.399º/429º. A remuneração dos administradores no caso das sociedades anónimas, apresenta uma estrutura mais complexa. Por razões de ordem social e fiscal, elas têm vindo a assumir composições parciais e crescentemente não-monetárias. O exercício das funções de administração pode ainda facultar diversas regalias sociais: para além das regras gerais da segurança social, os administradores podem desfrutar de esquemas específicos, previstos nos estatutos da sociedade ou em regulamentos a ele anexos. Pois bem: todas as vantagens patrimoniais dispensadas ao administrador nessa qualidade têm natureza retributiva. A retribuição aos administradores tem estado na ordem do dia após a crise do subprime. Mas a novidade reside no art.288º/1/c), cujo apenas obriga a divulgar os montantes globais pagos e não os montantes individuais. De facto, em certos casos, o montante individual pode estar associado a índices de produtividade setorial que não convenha tornar públicos, por razões de negócios; até porque os montantes exatos são sempre conhecidos pela Administração Fiscal. Ainda por mais, a divulgação individual permite comparações dentro da empresa e conduz ao nivelamento e, portanto, ao fim da recompensa pelo mérito. Não

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obstante, o Direito há muito que tem instrumentos para lidar com situações de excesso. Para além da cláusula geral do abuso de direito, recordamos o art.255º/2, que permite a redução da remuneração dos sócios gerentes, pelo tribunal, a requerimento de qualquer sócio, em processo de inquérito judicial, quando forem gravemente desproporcionadas quer ao trabalho prestado, quer à situação da sociedade. Esta regra pode ser aplicada a outros tipos de sociedades, por analogia. Deveres dos administradores: De acordo com a fonte, os deveres dos administradores podem ser legais, estatutários, contratuais ou deliberativos, conforme provenham diretamente de preceitos legais, do pacto social, de contrato ou de deliberação dos sócios ou do próprio conselho de administração. As normas em causa podem originar deveres fiscais, de segurança social, laborais, cambiários ou societários. Deveres genéricos: resultam da mera existência de direitos alheios ou normas de proteção; Deveres específicos: têm a ver com obrigações legais, estatutárias ou convencionais. Existem deveres solidários, deveres de meios e de resultado e obrigações de facere, de dare e de pati. Os deveres dos administradores podem ser determinados ou indeterminados. Estes últimos, que carecem em cada caso de atravessar um competente processo de concretização, abrangem, em particular, deveres de cuidado, de lealdade e informação. Constituição e Termo da situação de administrador: Constituição: SNC: art.191º- a posição de gerente é a decorrência da posição de sócio. Tal ocorre, pois, cada sócio pode vir a responder com o seu património, pelo que se justifica que ele possa tomar decisões na vida societária que possam ter impacto no património social.

O facto constitutivo essencial é o contrato de sociedade e a lei não prevê um contrato de ‘’gerência’’ autónomo. Quando a gerência recai sobre um não sócio, o facto constitutivo é a própria deliberação dos sócios. Pode ainda haver uma terceira situação de eficácia conjunta do pacto social e de deliberação de entidade terceira, na hipótese de pessoa coletiva sócia.

SQ: art.252º e 253º; SA: podem ser designados nas formas descritas nos artigos 391º/1/5, 393º/1/d),

392º/1, 393º/3/a), b), c) e 394º/1. Termo: A situação jurídica de administração não é, por natureza, perpétua. Diversas formas de

cessação das situações jurídicas têm, aqui, aplicação: a caducidade, a revogação, a resolução e a denúncia.

A caducidade sobrevém por morte, interdição, incapacitação, inabilitação ou reforma

do administrador. Quanto à inabilitação, é de relevar a situação correspondente, por exemplo,

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à cassação da carteira ou à não-autorização de entidade competente para o desempenho do lugar. Também há caducidade quando expire o prazo por que foi feita a designação- no caso das sociedades anónimas, releva o prazo máximo de quatro anos, fixado no art.391º/3. Outra hipótese de caducidade é a extinção da sociedade ou a passagem do administrador a liquidatário. Também podemos falar em caducidade, na hipótese da extinção do órgão ou do lugar; porém, aqui, a materialidade da situação subjacente poderá requerer a aplicação do regime da destituição.

A revogação corresponderia à cessação da situação jurídica de administração, por

acordo das partes. Porém, um verdadeiro ‘’acordo’’ exigiria aqui que a constituição da situação fosse contratual, o que é tudo menos seguro. Fica-nos a revogação unilateral, por decisão de entidade competente para a designação. As exigências próprias do Direito societário levaram a que, neste ponto, a revogação e resolução tenham sido fundidas numa figura própria e autónoma: a destituição dos administradores.

SNC: art.191º; SQ: art.257º; SA: art.403º. Livre destituibilidade e exigência de justa causa: O princípio da livre destituibilidade consagrado no CSC, em que a justa causa apenas

serve para decidir se a destituição opera ou não com indemnização. SQ: art.257º/6 e 254º/5; SA: art. 403º/4 e 430º/2. A noção de justa causa, na época, não era pacífica: -Noção mais civilística: segundo a qual a justa causa seria qualquer motivo

justificado, a apreciar livremente pelo tribunal; -Noção mais laboral: via na justa causa um comportamento culposo desde que,

pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a sua manutenção em funções.

Segundo o professor Menezes Cordeiro, a noção mais laboral é a que merece ser

acolhida. Há boas razões de fundo para dispensar, aos administradores das sociedades, uma certa proteção semelhante à que a lei concede aos trabalhadores subordinados. Não pode ter a mesma intensidade, mas sempre será alguma: a total desproteção dos administradores iria repercutir-se no seu profissionalismo, com danos para a própria sociedade. Particularmente em jogo está a situação da mudança de orientação da sociedade: poderá, então, haver que dispensar os administradores, mas o risco é da sociedade; se os administradores estiverem ainda dentro do mandato, têm direito a diversas compensações: não há justa causa.

Segundo o Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/Dez/2005, a destituição com justa

causa será aquela que tenha por fundamento a verificação de um motivo grave, de tal modo que não seja exigível à sociedade, manter a relação de administração.

Outra questão que se levanta é quanto à limitação indemnizatória do art.403º/5.

Segundo o professor Menezes Cordeiro, a limitação é inconstitucional, pois perante a responsabilidade por atos ilícitos, todos os danos devem ser ressarcidos. De outro modo, estaremos a admitir o desrespeito pela propriedade privada, perante danos patrimoniais e a

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desconsideração pela dignidade da pessoa, perante danos morais. O professor Januário compreende esta limitação, pois sendo os administradores gerentes da sociedade, estamos na lógica societária.

Responsabilidade Civil dos Administradores para com a Sociedade: Responsabilidade obrigacional: Art.72º/1: concretização do art.798º e 799º CC em que os administradores respondem

para com a sociedade por danos ilícitos, provocados pela inobservância de deveres específicos e com presunção de culpa (violação do art.6º/4, 31º/2, 35º/1, 65º/1, 70º, 93º/1.

A presunção de culpa: num sentido estrito, traduz-se num juízo de censurabilidade do

sistema sobre o sujeito que atuou ilicitamente (tem de se fixar um primeiro pressuposto do que é a ilicitude para depois se perceber que ocorreu essa violação). Para o professor Menezes Cordeiro, a culpa referia é em sentido amplo, ou seja, é uma presunção de faute, misto de ilicitude e culpa: só faz sentido presumir a culpa se o sujeito tiver atuado ilicitamente, daí que se presuma a ilicitude e culpa, sendo um juízo de faute. Segundo esta posição, o ónus recai sobre o réu (administrador). Na posição de Menezes Leitão, separando claramente a ilicitude e a culpa, caberia ao autor (sociedade) demonstrar ilicitude e se demonstrada, caberia ao réu (administrador) demonstrar que não teve culpa. A questão é que, como refere o professor Pedro Pais Vasconcelos, quando a ação é movida pela sociedade, tem todos os documentos disponíveis e pode fazer prova contra o administrador; mas, em muitos atos societários, não existe base documental e quanto têm, é incompreensível, tornando-se muito difícil que a sociedade prove que o ato foi ilícito. Mesmo seguindo a teoria de Menezes Leitão, e concluindo que não há inversão do ónus da prova, o facto é complexo e pode levar a conclusões que o tipo de prova feita para cada um dos factos não tem a mesma intensidade.

Art.72º/2: business judgment rule: está em causa uma conclusão de jurisprudência

americana, cuja defende que os administradores têm discricionariedade empresarial no seio da sua atividade. O administrador decide com base na informação que dispõe e são contratados para assumir riscos.

A questão é que, quando se aplica a lei ao caso concreto, chegar-se-ia à conclusão que

o administrador poderia ter adotado outra conduta. Segundo o insight bias, quando se olha para um facto depois de ocorrer, parece muito mais provável ter ocorrido ter ocorrido o facto no momento em que ocorreu. Existe uma tendência do juiz, de acordo com a psicologia cognitiva, de perceber as coisas como mais óbvias depois de acontecerem.

O art.72º/2 não tem presunção de ilicitude, essa provém do nº1. Existe sim um dever

de obtenção de informação conjuntural (soma-se ao art.64º/1, a)), um dever de atuação livre de interesse pessoal (soma-se ao art.64º/1, b)), e um dever de atuar segundo critérios de racionalidade empresarial, de forma fundamentada, com ponderação das alternativas, dos riscos inerentes, das vantagens e desvantagens, não bastando uma intuição na gestão de bens alheios.

Segundo a doutrina, o artigo consubstancia um privilégio de limitação de

responsabilidade civil que opera ao nível do dever de indemnização, um padrão de apreciação judicial, uma causa de exclusão de faute ou culpa, e uma concretização do dever de administrar, contribuindo para fixar a ilicitude.

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Porque os deveres procedimentais não esgotam o conteúdo da obrigação de administração, não basta o seu cumprimento para afastar o juízo de ilicitude. Como em geral reconhece a doutrina, a adoção de um procedimento correto não justifica o incumprimento de um comando normativo determinado. É sindicável tanto o procedimento como o mérito das decisões dos administradores e tal sindicância não é, contudo, ilimitada: a sua fronteira é definida pelo reconhecimento de alternativas de ação normativamente admissíveis, após a concretização da obrigação ex ante indeterminada.

Art.72º/3: todos esses deveres não esgotam as obrigações que decorrerem da

diligente administração, esta conhece diferentes concretizações. Art.72º/4: não existe nenhum direito de oposição- há sim o dever de oposição a todos

os atos que sejam prejudiciais ao interesse da sociedade o administrador tem de se opor aos atos prejudiciais, sendo isso uma concretização do seu poder de administração.

Art.72º/5: quando o voto é nulo e a deliberação anulável. Este artigo tem de ser lido

de forma restritiva- não se aplica às sociedades anónimas, cuja administração é autónoma dos sócios. Os administradores não respondem quando o ato ou omissão danosa assentem em deliberação dos sócios, ainda que anulável.

Art.73º, da solidariedade passiva: esta, depende de, em momento prévio, se poder

afirmar que os envolvidos são responsáveis. Ela não funciona como fonte autónoma de responsabilidade. Sendo demandado algum administrador, este pode defender-se, nos termos gerais, quer com meios pessoais, quer comuns (art.514º/1 CC). Quando satisfaça a indemnização para além do que lhe compita, tem direito de regresso (art.73º/2 e 524º CC). Existe na medida das respetivas culpas e suas competências; à partida, as culpas presumem-se iguais (art.73º/2). Esta regra, retirada do art.497º/2 CC é útil: este último preceito, típico da responsabilidade aquiliana, não teria aqui aplicação direita.

Art.74º, das cláusulas nulas, renúncia e transação: as cláusulas de exclusão são nulas,

ao abrigo do princípio geral do art.809º CC: é nula a renúncia antecipada de direitos. Na altura, ninguém pode estar consciente do que venha a suceder, pelo que tal renúncia seria um salto no escuro, totalmente aleatório. Além disso, pelo prisma do Direito das sociedades, seria um grave perigo erga omnes permitir atuações irresponsáveis, em qualquer pessoa coletiva.

Responsabilidade Extracontratual: A responsabilidade aquiliana por violação de direitos subjetivos da sociedade deverá

efetivar-se através de outros administradores que representem a sociedade- é possível através dos termos gerais: art.483º CC- 509º, 510º, 511º, 512º, 518º, 519º, 523º e 525º.

Os deveres de cuidado, com a trilogia constante da lei (art.64º), operam como deveres

incompletos (porque daqui nenhum operador vai retirar condutas concretas): só por si não são violáveis, em termos de responsabilidade civil, mas em conjunto com outras normas, a violação torna-se possível, seguindo-se um regime operacional. Ninguém pode ser responsabilizado por, em abstrato, não ter disponibilidade. Mas, poderá sê-lo se, perante determinado desempenho, se verificar que o administrador não organizou a sua vida, de modo a poder honrá-lo.

Os deveres de lealdade concretizam uma obrigação ainda despida do dever de prestar

principal, à partida, ninguém lhes poderá conhecer o conteúdo. Perante isto, os administradores devem respeitar as situações de confiança legítima e a materialidade

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subjacente. A prática documenta linhas de concretização, como os deveres de não concorrência, de não aproveitamento das oportunidades de negócio surgidas para a sociedade e outras. Assim, consoante as eventualidades, o dever de lealdade daria azo a deveres acessórios de segurança, de tutela da confiança ou de informação e a verdadeiras prestações principais de facere ou non facere.

Como se efetuam assim as pretensões de responsabilidade? Ações social ut universi (art.75º a 76º CSC): esta é uma ação deliberada pelos

sócios e é a própria sociedade que move a ação contra os administradores. O art.76º prevê ainda que possam haver representantes especiais da sociedade, escolhidos por sócios. O art.75º exige uma prévia deliberação e essa ocorre, para intentar ações ut universi, porque os esquemas dos representantes implicam que seja possível organizar uma cooperação concertada e isso à margem da administração. É difícil, por isso, há que limitar a ação social a assuntos estritamente societários.

Ação social ut singuili (art.77º CSC): um sócio individualmente considerado

pode fazer valer uma pretensão indemnizatória da sociedade. Mas esta não se confunde com a ação singular, em que o sócio faz valer interesses seus e não da sociedade. Esta é uma ação movida por um sócio por ter a qualidade de sócio e na qual ele faz valer uma pretensão indemnizatória da sociedade. Para o professor Menezes Cordeiro, esta ação faz sentido quando a própria sociedade, através de AG, não intente ação ut universi- por isso, tem natureza subsidiária.

Responsabilidade dos administradores para com credores, sócios e terceiros: Art.78º CSC e 483º/1 CC: responsabilidade para com os credores por violação de

normas de proteção. O professor Menezes Cordeiro refere que a remissão do art.78º/5 para o 72º/2 só pode ser lapso, uma vez que o business judgment rule só funciona na relação administração/sociedade e nunca fora desse círculo. O art.78º CSC faz depender a responsabilidade dos administradores da violação de normas de proteção, assim, no caso de violação de normas concretas, não se aplica este artigo, mas o artigo 798º CC.

Para o professor Menezes Cordeiro, o nº2 e nº3 são normas úteis, mas dispensáveis.

Primeiro, porque o nº2 recorda regras que teriam sempre aplicação, por via da responsabilidade civil. Segundo, o nº3 é óbvio: estão em causa posições de terceiros que não estão na disponibilidade da própria sociedade

Art.79º: responsabilidade para com sócios e terceiros- remete-nos para o art.483º/1

CC, da responsabilidade aquiliana: todavia, tal responsabilidade sofre uma especial delimitação, apenas cobre danos diretamente causados. A responsabilidade é direta quando não intervêm outros eventos, ou seja, quando há práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado ou há práticas negligentes grosseiras, cujo resultado é inelutavelmente a verificação do dano em causa. Neste artigo, refere o professor Menezes Cordeiro, que ocorre o mesmo lapso que no art.78º, pois não se entende como é que uma realidade interna, exclusiva da sociedade, pode permitir, aos administradores, vir causar danos direitos aos sócios ou a terceiros.

Responsabilidade dos administradores de facto:

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Art.80º CSC: sendo um administrador de facto, está sujeito aos mesmos direitos e deveres dos administradores de direito, por esta razão, temos de ter cuidado quanto à afirmação de que certa pessoa é administradora de facto.

Ricardo Costa aborda este assunto; é administrador de facto, quem: -Quem não tem título bastante, ou seja, quem não foi validamente designado

como administrador. Há uma omissão do título formal; -Quem atua de forma típica e positiva- requer uma intensidade qualificativa,

ou seja, os atos que ele pratica são atos próprios e típicos de um administrador de direito, de administração de sociedades comerciais. Por isso, o que interessa é olhar para o que o sujeito fez, verificando se aqueles atos configuram a atuação de um administrador;

-Quem atua com autonomia- intensa conversão da esfera do livre decisor. Ricardo Costa diz que a pessoa tem um poder ilimitado, atuando com o mesmo poder atribuído ao administrador de direito;

-Quem tem uma atuação diferida no tempo, não sendo uma atuação pontual. Podemos utilizar aqui um paralelo da qualificação de prática continuada, no caso dos comerciais, por Menezes Cordeiro. Se tivermos uma prática pontual, decidida exclusivamente por alguém, que parece ser administrador, mas é só uma atuação, não sendo diferida no tempo, será que temos um administrador de facto? Temos de aferir a intensidade do ato. Se for uma decisão que onera 80% do património da sociedade? O professor David Reis diria que não, mas é um ponto discutido. -Quem atua com conhecimento da sociedade- atuação tem de ser pelo menos tolerada pela sociedade. Mas como medimos este consentimento da sociedade? Exige-se maioria dos votos, ou número de assinaturas necessárias para a vinculação da sociedade? Ricardo Reis fala em maioria dos votos. Pergunta-se, então, se o art.80º CSC permite a aplicação direita quanto aos artigos 70º ss. Ricardo Costa diz que não- se assim fosse, estaríamos a aligeirar os requisitos do administrador de facto. Se permitíssemos a aplicação direta do art.80º aligeirava-se a verificação dos requisitos. Por isso, há um perigo na aplicação direta. Mas depois, o próprio artigo 80º seria insuficiente, porque diz ‘’a quem sejam confiadas funções’’, ou seja, tem de haver um ato de atribuição, tendo alguém de conferir a outrem poderes. Isso não corresponde a alguns casos de administradores de facto, como o caso dos shadow directors. Elisabete Ramos entente contra Ricardo Costa, pois refere que há uma sujeição direta, assim como Tânia Meireles da Cunha. A posição de Fátima Ribeiro diz que a letra da lei não tranquiliza o interprete, mas usa argumentos de maioria de razão: se a lei manda aplicar o regime dos artigos 72º ss aos sujeitos a quem foram confiadas funções de administração, aplicar-se-ão esses artigos a quem por sua conta se arrogar poderes de administração. O professor David Reis diz que não é imprescindível, mas é um artigo útil. O próprio sistema optou por um sistema funcional na alocação da responsabilidade dos administradores- porque entende que não interessa se ele é ou não. Prescinde do vínculo formal, optando pelo funcional. Vale aqui o argumento usado à fortiori pela professora Fátima. É curioso ver que o próprio artigo 80º foi tido pela CMVM, em 2006, como abrindo portas aos administradores de facto, sendo esta mais uma confirmação de que o artigo 80º nota uma responsabilização dos administradores de facto. Assim, não há aplicação direta do artigo 80º, mas por interpretação extensiva- segundo MTS entende que é quando o espírito vai além da sua letra. Da fonte permite-se inferir uma regra que estava na sua letra. Assim, salta-se por cima da discussão, sem saber se o artigo abrange todos os tipos de administrador de facto, ficando com a ratio de se saber se se vai responsabilizá-los.

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Fiscalização: A fiscalização exprime a ideia de constatar o efetivo cumprimento de determinadas regras. A fiscalização das sociedades define-se pelo seu conteúdo e, em paralelo, pela sua função ou dimensão teleológica. O conteúdo abrange todas as situações que, segundo as circunstâncias, permitam dotar os sócios das informações necessárias, quanto ao estado da sociedade e à sua administração. A função explica que as informações em jogo se destinam a corrigir desvios e a sancionar observâncias. A fiscalização pressupõe, por parte de quem a leva a cabo, poderes de autoridade- traduz o exercício de um direito potestativo. No campo das Sociedades Anónimas, o art.278º/3 tem presente 3 tipos de estrutura de fiscalização: -Sistema de tipo latino: com um conselho de administração e o conselho fiscal; -Sistema anglo-saxónico: com a comissão de auditoria integrada no conselho de administração; -Sistema dualista: com um conselho de vigilância (ou conselho geral e de supervisão) e a direção. O conselho fiscal apresenta-se como uma instância exterior ao management, sem uma atuação permanente e, através de diversos expedientes, possível de contornar. A comissão de auditoria opera paredes-meias com a administração, podendo comprometer-se com ela. Já o conselho de vigilância, sempre em funções e podendo especializar os seus membros, de acordo com os pelouros da sociedade, tem outras hipóteses, sobretudo quando a direção dependa dele. Em termos de eficácia, para o professor Menezes Cordeiro, a terceira parece a melhor. As formas mais puramente societárias de fiscalização são a inorgânica, levada a cabo por qualquer dos sócios e a orgânica, encabeçada por um órgão especial de fiscalização: o conselho fiscal, o conselho geral e de supervisão ou a comissão de auditoria- os sócios percebem que há necessidade de fiscalização da sociedade, podendo ser exercida por eles próprios através de perguntas e sindicância, ou através de outras entidades dentro da sociedade ou fora. Após a reforma de 2006, e a crise de 2009, ficou patente a necessidade de fiscalização mais agressiva: que fosse preventiva e repressiva, operando nestes dois planos. Segundo o professor Engrácia Antunes, a ratio subjacente às regras de fiscalização, é a tutela de interesses públicos (interesse dos credores e do mercado) e a independência do órgão de fiscalização (sendo independente, prossegue melhor as suas funções). Fiscalização externa: reguladores e supervisores (ANACOM, Banco de Portugal, CMVM); Fiscalização interna: orgânica (dentro da sociedade por um órgão social) e inorgânica (levada a cabo por sócios- pedidos de informação em sentido amplo, ou seja, exercício de direito de informação, e impugnação de deliberações sociais) Mas, não haverá uma confusão na fiscalização orgânica interna, por ser feita por um órgão dentro da sociedade? Não, por força da imputação da personalidade das sociedades, elas carecem de órgãos, mas a alocação da vontade da sociedade não depende da posição apenas do órgão de fiscalização. Nessa medida, não há sobreposição. A compliance:

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A particular focagem implícita nos temas da fiscalização levou à utilização do termo anglo-saxónico compliance. A compliance (to comply, agir de acordo com uma regra ou instrução) abrange o conjunto dos procedimentos que: -Identifiquem as atuações devidas, derivadas de leis, de regulamentos, de contratos, de estratégias e de opções políticas; -Acompanhem o seu estado de execução; -Avaliem os riscos e os custos potenciais do não-cumprimento; -Definam prioridades; -Preconizem corretivos para as falhas que ocorram. A compliance é assim apontada como uma reação de defesa perante os riscos crescentes de responsabilização que afetam as empresas e as administrações. Não substitui a fiscalização tradicional, entregue aos seus órgãos especializados. Dá-lhe, todavia, uma coloração mais dinâmica e menos dogmatizada.