direito natural

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[ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 – ISSN 2177-8701 ] [ 185 ] O Direito Natural em John Finnis: Uma res- posta jusnaturalista a falácia naturalista de David Hume João Gabriel Camillo de Camargo RESUMO O conceito de Lei Natural na filosofia do direito e na ética contemporânea encontra-se em situação de descrédito por parte das teorias juspositivistas, as quais predominam hodiernamente. Esse descrédito inicia-se na moder- nidade, devido também, a conceitos empiristas, como o de David Hume, que colocam em cheque o direito natural, ao desenvolver o que, posteri- ormente, foi chamado a falácia naturalista, ou problema do é-deve. Entre- tanto há autores contemporâneos que se esforçam em reafirmar a Lei Natural, procurando basear-se em autores clássicos. John Michel Finnis é um desses filósofos que busca na filosofia clássica e medieval, mais preci- samente em Santo Tomás de Aquino, respostas para solucionar o problema da falácia naturalista. Destarte, analisaremos a resposta de Finnis à falácia naturalista de David Hume, e como busca o restabelecimento do conceito de Lei Natural. Veremos que Finnis busca elementos na razão prática para justificar bens básicos, que por serem antecedentes a qualquer juízo moral, escapariam da falácia naturalista humeiana. Palavras-chave: Lei Natural. Falácia naturalista. Razão prática. Bens básicos. RESUMEN El concepto de Ley Natural en la Filosofia del Derecho y em le Ética con- temporánea se encuentran em situación de descrédito por parte de las teorias iuspositivistas, las cuales predominan hoy em dia. Ese descrédito empieza em la modernidad, debido tambien, el conceptos empiristas como el de David Hume, que ponen em jaque el derecho natural, al desenvolver, que, posteriormente, fue llamado al falácia naturalista, o problema del ser y deber. Sin embargo, hay altores contemporáneos que se esfuerzan em reafirmar la Ley Natural, buscando basarse en altores clássicos. John Michel Finnis es uno de esos filósofos que se apoya em la Filosofia Clássica y Medi- eval, sobre todo em Santo Tomás de Aquino, respuestas para el problema de la falácia naturalista. Sem embargo, analisaremos las respuestas de Finnis a la falacia naturalista de David Hume, y como busca el restableci-

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[ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 185 ] O Direito Natural em John Finnis: Uma res-posta jusnaturalista a falcia naturalista de David Hume Joo Gabriel Camillo de Camargo RESUMO O conceito de Lei Naturalna filosofia do direito e natica contempornea encontra-se em situao de descrdito por parte das teorias juspositivistas, asquaispredominamhodiernamente.Essedescrditoinicia-senamoder-nidade,devidotambm,aconceitosempiristas,comoodeDavidHume, quecolocamemchequeodireitonatural,aodesenvolveroque,posteri-ormente, foi chamado a falcianaturalista,ouproblema do-deve.Entre-tantohautorescontemporneosqueseesforamemreafirmaraLei Natural,procurandobasear-seemautoresclssicos.JohnMichelFinnis umdessesfilsofosquebuscanafilosofiaclssicaemedieval,maispreci-samente em Santo Toms de Aquino, respostas para solucionar o problema dafalcianaturalista.Destarte,analisaremosarespostadeFinnisfalcia naturalistadeDavidHume,ecomobuscaorestabelecimentodoconceito de Lei Natural.Veremos que Finnis busca elementos na razo prtica para justificar bens bsicos, que por serem antecedentes a qualquer juzo moral, escapariam da falcia naturalista humeiana. Palavras-chave: Lei Natural. Falcia naturalista. Razo prtica. Bens bsicos. RESUMEN ElconceptodeLeyNaturalenlaFilosofiadelDerechoyemleticacon-temporneaseencuentranemsituacindedescrditoporpartedelas teoriasiuspositivistas,lascualespredominanhoyemdia.Esedescrdito empieza em la modernidad, debido tambien, el conceptos empiristas como el de David Hume, que ponen em jaque el derecho natural, al desenvolver, que, posteriormente, fue llamado al falcia naturalista, o problema del ser y deber.Sinembargo,hayaltorescontemporneosqueseesfuerzanem reafirmar la Ley Natural, buscando basarse en altores clssicos. John Michel Finnis es uno de esos filsofos que se apoya em la Filosofia Clssica y Medi-eval,sobretodoemSantoTomsdeAquino,respuestasparaelproblema delafalcianaturalista.Semembargo,analisaremoslasrespuestasde FinnisalafalacianaturalistadeDavidHume,ycomobuscaelrestableci-[O Direito Natural em John Finnis ] [ 186 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] mento los conceptos de LeyNatural.Veremos queFinnis buscaelementos em la razon prtica que justificar bienes bsicos, que por seren anteceden-tes a cualquier juicio moral escapan de la falcia naturalista de Hume. Palabrasclave:LeyNatural.Falacianaturalista.Raznprtica.Bienesbsi-cos. leiparaSantoTomsumaordenaoda razovisandoumbemcomum,partindoda-quele que responsvel por legislar (Toms de Aquino, STh.,I-II,Q.90,a.1).Temosparaaleiumaordemracio-nalprovindadeumaleieternaqueseencontraem DEUS.Masconhecemosessaleiatravsdaparticipao da natureza na lei divina, a qual a razo pode, atravs da ordemimpostanocosmopeloordenadordalei,conhe-ceressalei.Estaleiconhecidapelarazochama-seLei Natural.EsseconceitodeLeiNaturalfoiaprofundadopor SantoTomsnaIdadeMdia.Mascomoadventoda filosofia moderna, na qual o homem se encontra no cen-trodoconhecimento,aticaeamoraltomamumnovo rumo.DavidHume(1711-1776)noseuTratadodaNatu-reza Humana acusa o pensamento tico clssico de come-terumerrolgicodeextrairumdeverdoser.Esse A [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 187 ] erro pode ser explicado a partir do seguinte exemplo: se todososanimaisprocriam,eossereshumanossoani-mais,portanto,ossereshumanosdevemprocriar.Apa-rentementetemosumerrolgico,jquedaspremissas apenaspoderamosextrairaconclusodequeosseres humanosprocriam.Assim,pois,afirmaHume,doser nosepodeconcluirumdever-ser,demodoqueoser nodeterminaemnadaamoral.Hume,comoseussu-cessores, exclui toda racionalidade no conhecimento dos bensmorais,afirmandooconhecimentodamoralidade atravs dos sentidos, excluindo assim qualquer universa-lidadedasleis.EliminandoaLeiNaturaldatica,ela fica a merc das convenes que podem variar conforme os legisladores e seus interesses, visto que nada existiria nanaturezaquepossaexigirfinalidade.Cria-se posteri-ormenteojuspositivismo,nodiretamentedeHume, mascomasdiversasevoluesdefilsofosposteriores, teoriaquebaseiaasleis,nonaLeiNatural,massim-plesmente no que podem ser positivado, conceitos emp-ricos convencionados.Por outro lado, na contemporaneidade, surge uma vertentequecomeaaresgataroconceitodeLeiNatu-ral, denominada de, [O Direito Natural em John Finnis ] [ 188 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] Novaescoladeleinaturalqueemborainspiradana tradicional teoria da Lei Natural a qual remonta a cle-bre autores como Plato, Aristteles, Ccero e Toms de Aquino,diferenciam-sedela, perestarcontextualizada scrticasvindasdopositivismojurdico(ROHLING, 2013). Umdessesfilsofoscontemporneosqueatual-mente tentou dar uma explicao falcia naturalista de DavidHumeJohnFinnis.Formulasuasteorias,tendo por base o conceito de Lei Natural tomista. Ao analisar a falcianaturalista,concordacomoerrolgicoidentifi-cadoporHume,tambmafirmandoquenosepode afirmarumdeverdeumser.Atesepropostapelo filsofo que a Lei Natural e a tica devem ser feitas com outrasbases,afimdenopassarilicitamentedoplano doserparaoplanododever.Atravsdaracionalidade prtica prope sete formas de desenvolvimento humano, asaber:avida,oconhecimento,ojogo,aexperincia esttica,asociabilidade, arazoabilidade e a religio. Es-sasformasbsicas,segundoFinnis,soauto-evidentes, incomensurveiseuniversais.Dessaauto-evidncia, Finnisdefendesuavalidadeirrestritasemterquefazer usodadeduodoser parapassaraodever,assimsem recair na falcia naturalista.[ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 189 ] Portanto,pode-seperceberqueFinnisapresenta umasoluoacusaodeD.Hume.Apartirdarazo prticaJohnFinnisparteparaexplicaodosbensbsi-cos,nosquaispodemserconhecidosedefinidoscomo essenciaisparaoserhumano.Masessesbensbsicos noexigemqualquervalormoralparaseexplicar.So anterioresatodojuzomoral,portantopassapelatan-gente da falcia naturalista, pois no de um ser que se descrevealgumdever,masdeconceitosdarazoabilida-deprticaqueidentificamcomoagirnaprtica.Como afirmaAlejandroAlvarez:arazoprticabuscacrit-riosparaagir,apartirdoconhecimentoprtico,eoco-nhecimentoprticotemseupontodepartidanospri-meirosprincpiosprticos,quenosodeduzidosdo conhecimento (especulativo) da natureza (2007, pg. 11). Masessarazoabilidadespodeserexplicarseexistir uma ordem na natureza humana, por isso a necessidade de se resgatar o conceito de Lei Natural. 1. LEI EM SANTO TOMS PrimeiramenteserdescritoLeiNaturalemSanto TomsdeAquino,pois,essaabasedafilosofiamoral [O Direito Natural em John Finnis ] [ 190 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] de John Finnis, no qual formula sua posio, baseado na visodeLeiNaturaltomista,dialogandocomasdiver-sas vises positivistas e pragmticas que predominam na ticacontempornea.Dessemodo,serexplicitadaa viso do Aquinate contida nas partes I-II da Suma Teol-gica,sobreaLeiNatural,maisprecisamenteentreas questesnoventae noventaecinco,partindoda suavi-so de lei, at chegar definio de Lei Eterna, Lei Natu-ral e Lei Positiva.Para So Tomas lei o ordenamento da razo vi-sandoumbemcomum,promulgadoporaqueleque responsvelpelacomunidade"(S.Th.,I-II,Q.90,a.2). Aparentementeumconceitosimples,mastrsconsigo detalhes de extrema importncia. A lei se baseia em uma ordem que pode ser conhecida pela razo humana e pos-teriormente serpositivadaanalisandoaregularidadede algumeventonatural,noqualsepodeuniversalizarca-daeventoemparticular.Assimnanatureza(node forma absoluta, usado aqui apenas como exemplo), a lei dagravidade,porexperinciaapreende-se quetodosos corposseguemumaordem,novoamouflutuam,eles caemparaocho,seguemumpadro.Dadasascondi-esespecificas,detalformaqueessarepetiodeda-[ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 191 ] dos ao ser analisado chega ao ponto de repeti-lo, por fim, demostrado por equaes matemticas. De forma anlo-ga pode-se aplicar aoutros aspectos como pararelaes humanas,poispelarazosepodechegaraoconheci-mentodarazoabilidadedeconceitosquedeterminama melhorformadoserhumanoagirvisandoumbemco-munitrio.Toda lei segue para um fim, ou seja, tem uma fina-lidade,etambmasleisseguemumordenamentono qualarazoprticapodeconheceratravsdaexperin-cia.Apartirdessaapreensodoparticulartirarconclu-sesuniversaisepromulgarumalei,essaleiprimeira-mentebuscaumbemcomum,essecundariamenteo bemdoindivduo.SantoToms,seguindoAristteles, indicaquealeipodeserconhecidapelarazodevidoa seu ordenamento natural. Buscar o bem comum, visando seufimltimo,queparaTomseAristtelesafelici-dade. Determinam-se assim trs tipos de Lei: a LeiEter-na, a Lei Natural e a Lei Positiva.Porprimeirofalar-se-sobreaLeiEterna,princi-pio de toda lei, pois, por mais longnquo que parea uma leidealgodivino,aleidanaturezadascoisastemseu incioemDeus.Ecomoditoanteriormentealeisegue [O Direito Natural em John Finnis ] [ 192 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] uma ordem, e essa no pode acontecer por si s, tem de haver algo fora dela para ser o seu princpio ordenador, princpioefimdetudoqueestejaforadaprprialei. Nadapodeserordenadodesdeoinfinito,tem-seum incioordenadordascoisas,eesseprincpioquegera todaordemumprincpiotranscendente,queprovm daprovidnciadivina.NessadivindadehumaLei Eterna ordenadora de todo universo e dela partem todas outrasleis,princpiotambmdetodasascoisaseopri-meirogovernadordanatureza.Essaleinoseconhece diretamentepelaintelignciahumana,elasomente inferida.Poderiaessaleieternaregerelamesma,viverin-trinsicamentenelamesmaeeternamente,nohaveriaa necessidade de nada fora dela. Mas o Fundamento dessa leiCriouanaturezaeimprimiunessamesmanatureza uma lei,um ordenamento. ExplicaToms que a lei na-tural a participao da lei eterna pela criatura racional (S.Th., I-II, Q.91, a.2). Portanto, a Lei Natural a impres-sodivinanocoraodohomem,naqualsomentea criaturaracionalparticipaepodeconhecer,ouseja,os animais irracionais no a conhecem. E pela razo huma-na,ohomemchegaao primeiro e principal princpio da [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 193 ] LeiNatural:fazerobemeevitaromal;daqualderiva todososoutrosconceitosdaLeiNaturalenelacontm todos os bens e fins necessrios para o homem conseguir alcanarasuafinalidadeltima,afelicidade.Estepri-meiroconceitodaLeiNatural,arazohumanapode chegarindependentedacultura,oulocalgeogrfico, com ou sem tecnologia, por simples apreenso o homem chega a esse conhecimento bsico da natureza humana, a partirdessedescobrirosoutroselementosdaLeiNatu-ral.Para o doutor anglico, aLeiNaturalpode ser co-nhecidaatravsdarazoprtica.Pode-sedizerqueos conceitosbsicossoevidentes,queporcertainclina-oapreendemosessesconceitos,chamadoporelede sindrese:um hbitonatural,queprocededeprincpios bsicosdanaturezanaalmahumanaearazohumana raciocina sobre ela para tirar alguma ao, uma primei-raapreensorealizadapelarazo.Umprocessoquese inicia apreendendo o bem nas coisas, um princpio prti-co, um hbito operativo e naturaldo intelecto, e atravs dessadisposionaturalquejulgamosaao.Portan-to,ohomem,comtodaasuacapacidaderacional,ca-pazdeconhecer aLeiNatural,por consequncia conhe-[O Direito Natural em John Finnis ] [ 194 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] cerseuprimeiroprincpio,buscarobemeevitaromal. Mas,oqueseriaessebemparaSantoToms?EleDes-creve trs preceitos desse bem: 1) conservao da vida, 2) unio dos sexos e educao da prole e 3) conhecer a ver-dade a respeito de Deus.(S.Th., I-II, Q.94, a.3).OutracaractersticadaLeiNaturalaimutabili-dade em si mesma e sua universalidade. Em seus princ-pios ela no muda, pois procede da lei divina que imu-tvel.Ento,nopodesermudaremsuaessncia.Os fatos histricos sociais no mudama LeiNatural, muito menosaopiniodeumgrupo,oumesmodamaioriaa muda,eladependeunicamentedaautoridadedivina. Mas a Lei Natural em seus processos secundrios admite certoacrscimoousubtrao,dependendodavidade certa comunidade, por exemplo, o direito propriedade privada(acrscimo),penademorte(subtrao),sempre visando o bem comum.ALeiNaturaldescreveoscasosuniversalmente, trabalha com os casos gerais da lei. Mas h as aplicaes dessaLeiNaturalemcasosparticulares.Umautorque tratounaIdadeMdiadessaleimaisparticularfoiTo-msdeAquino,chamando-atambmdeleihumana, quesoaspositivaesdaLeiNatural.Porexemplo,a [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 195 ] partirdosconceitosencontradosnaLeiNatural(como fazero bem e evitaro mal), um legislador aplicar a ca-sos especficos e particulares.Ohomemmunidodarazopodeaplicaracasos particulares a universalidade da Lei Natural, assim como deumaequaomatemticageralpode-seaplicaraca-sos particular sem se perder as caractersticas da equao geral,etem-seacadaequaoparticularumresultado. Aesse processo de positivao da LeiNaturalchama-se Lei Positiva. Cada comunidade tem a capacidade de jul-garsegundoarazoocomoaplicarparticularmenteos casosdaLeiNatural.MasensinaoAquinatequeaLei PositivatemquepartirdaLeiNatural,outeremosno uma leie simuma corrupo dela.Deve, a LeiPositiva, atentarparaseufimltimo,autilidadedohomem,ou seja, atender as disposies humanas, em todos os casos, semexceo.Elaestligadaacomunidade,aobemco-mum de cada lugar, na qual o legislador local tem auto-nomia dentro da racionalidade de normatizar leis espec-ficasparaobemdaquelacomunidade,baseandoepar-tindo da Lei Natural, constitui-se assim uma lei humana ou positiva.[O Direito Natural em John Finnis ] [ 196 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] Esse pensamento o ponto de vista da escolstica, baseado tambm na filosofia clssica que sobreviveu at amodernidade.Comoabandonodasbasesmetafsicas naticaedodireito.Esseabandonotrouxeconsequn-ciasserssimasquemudaramaticadefinitivamente, como por exemplo, na deciso do certo e errado, que no maisacontecepelarazoprtica,porumaespeculao metafsica,massimporumadecisodamaioria,por convenes,quesopormuitasvezessubjetivas,basea-das nas paixes humanas. Perde-se o valor racional, real e universal da lei e do direito e vive-se em uma socieda-de que no mais busca o bem comum, pois, a cada passo, acadacultura,acadamomentohistricomuda-sealei paraabarcarinteressenomaiscomum,masmuitas vezes de grupelhos. fato que excluindo a metafisica da tica,automaticamenteavisotomistadeLeiNatural perdeseulugaresuaimportncia.Porissodeve-sese retomar a viso clssica e escolstica da tica, mais preci-samentedaLeiNaturaledialogarTomsdeAquino com o mundo contemporneo . 1.1. Lei em John Finnis [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 197 ] John Finnis um dos autores contemporneos, que maisproduznareadafilosofiadodireitoedatica, tentandoutilizardafilosofiatomistapararecolocaro conceitodeLeiNaturalnaticaenodireitoatual.Des-creve os requisitos da razoabilidade prtica, que so evi-dentes por si mesmo. Essa uma novidade de Finnis, em descreveralgunsprincpiosprticosdarazoabilidade prtica que so anteriores a moral.Partindo do pensamento de Finnis, a lei: sempreumplanoparacoordenaoatravsdacoo-peraolivre.Emrazodaestruturadascoisassero que,osprincpiosdarazoprticaemoralidade(lei natural moral e direito natural) podem ser entendidos, aceitosevividospor,comoumadiretivaplenana conscincia,semanecessidadedeseremconsiderados como(oqueelesrealmenteso)umapelodoentendi-mentoaoentendimento,umplanolivrementefeito para ser livremente adotado para realizao humana integral.Comoumcriadordivinonofoiemsentido algumconstrangidoaescolhercriaresteuniversodis-tintamentedequalqueroutrobompossvel,assim,os legisladores humanos tm a ampla liberdade moral pa-raescolherentrearranjoslegaisalternativoseposs-veis,elaborandoumconjuntodeprovises legalmente e(presumidamente)moralmenteobrigatriaspelo simplesfatodeadota-lasisto,peloqueTomsde Aquino chama de determinatio dos legisladores: II, q. 95, a.2; q.99, a.3, ad.2; q.104, a.1 (FINNIS, 2007, pg.72). Assim, a lei est subjugada ao bem comum, faz um apelorazodeseuslegisladoresquedrazespara seremaceitasepromulgadas,procurandoumelemento [O Direito Natural em John Finnis ] [ 198 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] em comum, que esse a essncia da lei, dado pelo Cria-dor divino que providenciou toda lei.Ascaractersticasdaleiseequivalemaoconceito deimpriododireito,ouseja,aleidevesubordinaros juzes a legislar conforme elas obedecendo-a mesmo que parecercontrriaaevidncia.Easleisdevemproceder atravs da determinatio, de uma determinao, e para ser justa tem que estar de acordo com a razoabilidade prti-ca. Por um lado cuida das coisas essenciais deixando em abertocoisasacidentais,comoexplicaoprprioFinnis: umarquitetoquecuidadasdimensesparaconstruir umhospital,paraprojetarumamaternidadeenouma jaula de leo, e mesmo assim deixa uma poro de coisas emaberto,porexemplo:acordaparedeouasselees dematriasdeacabamentoentreoutrasqualidades (FINNIS, 2007, p.74).Poroutroladoaleitemquesercoercitiva,tendo comomonopliodaforaoresponsvelpelogoverno. Essaforaddireitoaogovernoeumaimposioda penacapital,pois,aquelesquedecidiramagircontraa normalidadedaleipodemsofremaforacoercitivada correo estipulado pelo governante. Finnis afirma ainda que Toms no s admite como fundamento da guerra a [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 199 ] defesa da prpria comunidade, mas tambm a correo e punio de algum erro de alguma comunidade.Primeiramente Finnis, na sua obraLei Natural e di-reitos naturais, para no falar diretamente de Deus, usa a letraDparadenominaracausaquecausatodosos estadoscausados(FINNIS,2006,p.368),quepodeser descritacomoumato,epodeserpensadacomopres-supondoalgocomonossoconhecimentodaspossibilida-des alternativas disponveis para serem levadas a se rea-lizaremporescolhaecriao(FINNIS,2006,p.368). AssimaogeneralizarDeus,Finnisabarcatodosos pensamentossobrealgumadivindade,easdiversasex-pressesreligiosas. Aintensodoautordemostraque osvaloresdaLeiNaturalsouniversaisquepodemes-tarcontidonasdiversasinterpretaesdeDeus.Ento, Finnis referindo-se a Toms afirma que a Lei Eterna pro-vinda de D, a conhecemos imperfeitamente, no somente por desconhecer a totalidade do globo, mas tambm pe-loslimitesentrealeiquevemdeDeaparticularinter-pretao, entretanto, conhecesse-se parte dela atravs da razo.Inicialmenteeleexplicaqueousodapalavrana-turalsedrazo,umaleiracionalomesmoque [O Direito Natural em John Finnis ] [ 200 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] dizer o predicado de algo, aquilo que esta de acordo com arazoprtica.Ascoisasnaturaissoaquelasquepo-demserconhecidasracionalmente. Portanto,aquiloque naturalmentebompodeserconhecidopelarazo,e fica-sesimobrigadopelarazoafazerescolhasboas,j que a razo pode conhec-lo.Todoserracional,dotadodasadedesuasfacul-dadesmentais,podereconhecerquealgunsaspectos bsicosdaexistnciahumanasoumbem,ouseja,coi-sas a qual o individuo pode buscar porque um bem, na qualbomt-las.Porm,algunsaspectosdamorals podemserpercebidoseidentificadosporaquelesapro-fundamnasquestesempauta.Eopresentefilsofo contemporneodefiniuLeiNaturalcomo:oconjunto deprincpiosdarazoabilidadeprticanoordenamento davidahumanaedacomunidadehumana(FINNIS, 2006,p.273).Portanto, a LeiNaturalpode ser identifica-dapelarazoprtica,porissocomumatodososseres racionais,quebuscaoordenamentodavidahumana, visandoobemcomum.Finnis,baseandonoAquinate, que LeiNatural aparticipaodo homem na LeiEter-na,explicitaquehnohomemumpoderdeinsight:a ativao de nossas prprias inteligncias individuais [...] [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 201 ] a partir de Deus que a mente humana participa da luz intelectual (FINNIS,2006,p.?). O homem diferente dos animais irracionais, que no podem conhecer a Lei Natu-ral,sosujeitosprovidnciadivina,almdisso,oho-memparticipantedaLeiEterna.Temosumainclina-o,explicaFinnisquepelarazosomosinclinadosa agirconformearazo,essainclinao,noslevaacom-preenderracionalmenteelementosbsicoscontidosna razo humana, a inclinar-se a agir conforme elas, ou seja, todas as coisas para as quais o homem tem uma inclina-onatural,arazoentendecomoboaeseuopostoco-moruim(seremevitadas),conclui-seassimquepela inclinatioohomemconheceoprimeirocontedobsico da Lei Natural: fazer o bem e evitar o mal.Finnisao tratarsobre a positivao da LeiNatural recorreaTomsparaexplicarqueleispositivassoas implicaes particulares partindo dos princpios morais mais elevados e gerais (FINNIS, 2007, p.95). So princ-piosaplicadosracionalmente,considerandoobemde umacomunidade,noalgoqueseaplicasozinho,mas partindode,sempredealgomaisgeral,esemprevi-sando um bem coletivo. Aqui pode ter leis diferentes em cadacomunidade,pois,cadaumaaplicadamelhorfor-[O Direito Natural em John Finnis ] [ 202 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] ma sobre as particularidades de cada grupo. Mas sempre h algo em comum, por partirem de algo comum, buscar o bem e evitar o mal, por exemplo. Sendo assim tem for-aapenasnesseparticularsistemapositivado.Estrela-cionado com a liberdade do legislador de aplicar sempre umprincpiogeralnaparticularizaoracionaldaLei Positiva(FINNIS,2007,p.97),eledeveescolhersempre tendo em vista o bem de todos, podendo conter elemen-tosdearbitrariedade,devidodependnciadolegisla-dor.Na viso de Finnis necessria a Lei Positiva, pois, primeiramente,ocontedodaLeiNaturalnosufici-ente para abranger todas as necessidades particulares da vida comunitria, e depois, para obrigar as pessoas ego-stasaagiremconformearazo(FINNIS,2006,p.255). Como de forma anloga, em um carro que leva nele alm das partes mecnicas essenciais, diversos acidentes vari-andoconformeogostodocliente,quesoindiferentes aobomoumaufuncionamentocomocarro,comopor exemplo, a cor do carro.A dificuldade que encontramos nas leis injustas ou corruptas, aquelas que no levam por pressupostos uma LeiNaturalderivadadeumaLeiEterna,quemuitas [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 203 ] vezesbuscandoobemcomumencontramesocorrem apenasumgrupoeosinteressesdoprpriolegislador. Pois,sebaseiamemconvenes,podendoaplicarqual-quercoisa,aplicandoassimemmuitoscasosumalei irracional,injusta.Issosermaisbemexplicadonalti-mapartedotrabalho,naqualtratardassoluesde JohnFinnis,retomandoopensamentoclssicoemedie-val sobre a moralidade e sua aplicao nas leis. 2. FALCIA NATURALISTA POR DAVID HUME Grandepartedadificuldade,nacontemporanei-dade,emconceberosconceitosdeumaLeiNaturalco-mo fundamento do direito e da moral provm dos filso-fos modernos, tambm nas ideias do empirista de David Hume. Nesta parte ser tratado o como sua filosofia des-cartouaLeiNatural,oudequalquerinfluncia racional nafilosofiamoral,inclusiveasdeprincpiosclssicose escolsticos.David Hume foi um crtico do racionalismo, filoso-fiaquepredominavaemsuapoca.Combateu-aforte-mente,principalmenteemseuTratadodaNaturezaHu-mana.Defendeuqueoempirismoconstituiabasede [O Direito Natural em John Finnis ] [ 204 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] todo conhecimento. Afirmou que nada mais h alm das percepes,naqualaraizdoconhecimentonoseda priori(racionalistas),masaposteriori(empiristas).Oco-nhecimento para Hume se d pelas paixes, que inicia-se pelapercepo,queparaele:comofaculdadesdos sentidosnoslevaateracompreensodaquiloquese observa uma forma mais vivencial do que a mera elucu-brao racional [...] se aplica tanto aos juzos pelos quais so distinguidos o bem e o malmoraisquanto qualquer outra operao da mente (NETO,n136/ ano 35, p.210). Portanto,oconhecimentoeadistinoentreobemeo malnosedracionalmente,masatravsdossentidos. ConcluindonaspalavrasdeHume:oqueconduza vida no a razo, mas o hbito (HUME, 2009, p.71).ParaHumenohumacausalidade,nanatureza nadapodeserprovadoporcausaeefeitoesimatravs da experincia. Diz ele: nenhuma questo de fato pode ser provada a partir de suacausaoudeseuefeito.Nadapodeserconhecido comosendocausadeoutracoisasenopelaexperin-cia. No podemos apresentar razo alguma para esten-der ao futuro nossa experincia do passado; mas somos inteiramentedeterminadospelocostumequandocon-cebemosumefeitoseguindo-seasuacausahabitual. Mas tambm cremos que um efeito se segue, ao mesmo tempo em que o concebemos.- Tal crena no acrescen-ta nenhuma ideia nova concepo. Apenas modifica a [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 205 ] maneiradeconcebereproduzumadiferenaparaa sensibilidade ou sentimento. A crena, portanto, em to-dasasquestesdefato,brotaapenasdocostume,e uma ideia concebida de um modo peculiar. (HUME, In John Finnis, 2006, p.81-82). Aquinota-seumapassagemimportantenasuafi-losofia, na medida em que se afasta dos filsofos anterio-resaele,pois,defendequeocostumearazodas leisenoalgoprvioaprprialeiquealegisla,noh para ele uma Lei Eterna que rege todo o cosmos em uma ordemquesepossa,porexperincia,verificarumpa-droeextrairpelarazoumaleidanatureza.Mas,por outro lado, se busca no costume e na experincia empri-ca basear e formular as leis. Para ele o conhecimento das propostasmoraisacontecepelossentidos,eessasso costumes produzidos porvalores e hbitos que no tem nenhum valor racional.Humenegacomojditoacimaquearazono podedistinguirentreobemeomal,afirmaele:im-possvel que a distino entre o bem e o mal morais pos-saserfeitapelarazo,jqueessadistinoinfluncia nossasaes,coisadequearazoporsisincapaz. (HUME, 2009, p. 501). E o que distingue ente um e outro, soassensaesdedoreprazereasimpressesque temosmedianteaspercepes,sesoprazerosasso [O Direito Natural em John Finnis ] [ 206 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] boas,masseassensaessodolorosas,ms.Amoral ento est relacionada s sensaes e no a razo prtica. Umadvidapodeaparecercomoconsequncia dessespensamentos.Comoidentificaralgumpadro moralnosatos humanos?Pois,seobemoumal morais estoligadosaossentidos,maisespecificamenteaspai-xes, como universalizar o julgamento dos fatos, o que bom para um individuo seria bom para outro? Seria sub-jetivo esse julgamento? Explica Hume nesse sentido que asleissurgempelanecessidadedemecanismosdecon-tenoparaaspaixes,assimasregrasorientamecon-duzemparaobemestardasociedade.Ecomoparaele no h uma lei provinda da razo (Lei Natural), o artif-ciousadoparaestabelecerasleisaconveno,quese estabelece entres os integrantes da sociedade.Apartirdesuasideiasempiristassobreamoral decorremgrandescriticasaodireitonaturaleaconcep-o de Lei Natural clssica. Ele trabalha sua crtica, prin-cipalmentenoseguintetrechodeseutratado,quese tornou conhecido como o problema do -deve: Em todo sistema de moral que at hoje encontrei, sem-prenoteiqueoautorseguedurantealgumtempoo modo comum de raciocinar, estabelecendo a existncia de Deus, ou fazendo observaes a respeito dos assun-toshumanos,quando,derepente,surpreendo-meao [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 207 ] verque,emvezdascpulasproporcionaisusuais,co-mo,noencontraumasproposioquenoesteja conectada a outra por um deve. Essa mudana imper-ceptvel, porm da maior importncia. Pois, como esse deve expressa uma nova relao ou afirmao, esta pre-cisariasernotadaeexplicada;aomesmotempo,seria precisoquesedesseumarazoparaalgoqueparece inteiramenteinconcebvel,ouseja,comoessanovare-laopodeserdeduzidadeoutrasinteiramentedife-rentes.Masjqueosautoresnocostumamusaressa precauo,tomareialiberdadederecomend-laaos leitores; estou persuadido de que essa pequena ateno seriasuficienteparasubvertertodosossistemascor-rentesdemoralidade,enosfariaverqueadistino entrevcioevirtudenoestfundadameramentenas relaesdosobjetos,nempercebidapelarazo. (HUME, 2009,p.509) Portanto,nopossvelsegundoHume,admitir um dever moral do ser, ou seja, de premissas que decor-remsobreoquenopodeconcluiralgumdever.Por exemplo:ohomemracional,todoserracionalbusca suaautoconservao,portantoohomemdevematar parasemantervivo.Seriaentoumerrolgico,pois, defendeDavidHumedequenenhumconjuntode premissasno-morais(ou,maisgeralmente,no-valorativas)podeacarretarumaconclusomoral(ou valorativas) (FINNIS, 2007, p.48). Dessa opinio admite ainda que de alguma percepo racional da moral no se pode deduzir alguma ao moral (FINNIS, 2007, p.48). A moralparaHumepuramentenormativa,ignorando [O Direito Natural em John Finnis ] [ 208 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] qualqueratoquearazopossaconhecer,pois,oque implica a moral so as paixes, anterior a razo. As pai-xesdiroojustoeoinjusto,noalgonatural,ouda especulaoprticadarazo,queparaelenadapode conhecer realmente.Afalcianaturalistaumdivisordeguas,pois ataquelemomento,nohaviadvidadoalcanceda razo em conhecer o certo e o errado. Determinar as leis e a aplica-las conforme conceitos racionais era um cami-nhonatural.DevidotambminflunciadoCristianis-moatento,mascomaperdadesta,nohaveriapro-blemaalgumemporemdvidaessetipodetica,bus-candoentoumanovavisoantropolgicacompleta-menteimanente,visandoapenassuassensaes.Como entenderelaseaplicarnaticaenamoral,ignorandoo conceito clssico de finalidade, a qual ele entende apenas comoumadescrio,enodeconceitosdecoisasque soinerentesnaturezahumana.Partindodissopara Hume a virtude uma adequao com a razo e o vicio umainadequaocomela.Humecolocaumaobriga-oanaturezahumana,separandomoraldarazo. DavidHumecontradizosfilsofosprecedentesquede-[ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 209 ] fendiam a viso de Direito Natural e coloca a lei sobre as paixes e no sobre razo.Outro ponto defendido por Hume para justificar e tentar explicar sua teoria a defesa de um interesse pes-soal.Segundoeleasconvenesexistentes,odeverde cumprirumapromessafeita,derivamdoprpriointe-resse de se cumprir as prprias promessas, no teria algo transcendenteaosujeito,queoobrigariaacumprir suaspromessasquenoestoforadosujeito,masdele mesmo provm todos os sentimentos pessoais. Portanto, osujeitobuscariaadquiriravirtudedecumprirsuas promessasnointeressedeserbemvistopelosoutros.E assimaplicveisemtodososcasosparticulares,uma obrigao, noderivadeumraciocnioprtico, masda-quilo que de interesse para o sujeito.ParaFinnis,Toms(juntamentecomAristteles) admitiriacomHume,queumdevernopodeserdedu-zidode,eaindanaquestodeadequaonatureza humanadointelectodeixaemabertodecomopoderia algumregularsuasaessegundoessanatureza.As-sim, afirma Finnis, Toms e Aristteles jamais cairiam no errolgico,mesmoHumetentandomostrarasuprema-cia das paixes sobre a razo, e mesmo a filosofia realista [O Direito Natural em John Finnis ] [ 210 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] cairia nesse erro. Toms, ainda rejeitaria em sintonia com Hume,queumavontadesuperiordariacontadasobri-gaeseainda queessa fosseuma questodeevitardi-versidadesdointelecto.Porm,Tomsdiscordariade Humequeodiscernimentodasvirtudesouvciosseria umaquestodesentimento(FINNIS,2007,p.57).Para Hume a razo pode conhecer o que , mas os atos morais so de outra natureza, as paixes que podem determinar esse aspecto, ou seja, ele acredita que a razo pode defi-niralgo,dizeroque,masnoqueelapossaalcanar algumconhecimentoprticoedefinirquaissoosatos morais. Diferentemente de Toms (Finnis o acompanha), que defendia o conhecimento dos atos ticos pela razo, nosomenteoquealgo,mascomoagir,partindoda razoabilidadeprtica.Seriamatosidentificadospela razo,masissonoobrigaqueumestejarelacionado com o outro, como acusa Hume na falcia naturalista.AssimpodemosconcluirdotrabalhodeDavid Hume que no acredita em uma ideia de ordem na natu-rezaaqualsepodeverificar,analisarracionalmentee extrair regrasprovindas dessa ordem. Para elea Natu-reza cega impregnadaporum grande princpio verifi-cador,equevertedeseucolo,semdiscernimentoou [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 211 ] cuidado parental, de seus filhos aleijados e malogrados (HUME, in FINNIS, 2007, p.362), ento da natureza nada podeserretirado,poisdemostracertaordem,masde forma ambgua e indefinida, incapaz de qualquer verifi-cao, ou explicao mais especifica.Esse pensamento humeano influenciou sua poca e inclusiveinflunciahoje.Admitindo-sequenohum principioordenador,provindodosercriadordessaor-dem na qual a razo pode conhecer. Ento, as leis j no sebaseiammaisemvaloresuniversaisalcanadospela razoeinterpretadaeaplicadabuscandoumbemco-mum. Agora tudo depende do meio em que se vive e da sociedade, e dos legisladores, que aplicaro a lei buscan-doconvenesdoqueumbematravsdaquiloque emprico. A lei, portanto a busca de interesse, em certo pontosubjetivoereducionista,poisabandonaqualquer outro tipo de conhecimento da natureza.Portanto,hcertarazonafalcianaturalistade David Hume, como detecta Finnis. Extrair do um dever aparentementecontraarazo,pois,suaspremissase suasconclusessotambmumerrolgico.Mas,cabe-riasaberseessasoluodeHumeseriaanica.Uma abordagemempiristadanatureza,extrairvaloresco-[O Direito Natural em John Finnis ] [ 212 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] munsapenasdecostumesoudeconvenesbaseados nosentimentoenapaixo,sabendopreviamentedadi-versidadedesereshumanosquesocadaumindepen-dentee diferente em receberpelos sentidos. Esse pensa-mentoinfluencioutododireitoposterioraele,eser mostradanoprximocaptuloumavisocontempor-nea, buscando dar uma resposta a Hume, e no resolver afalcianaturalista,pois, Finnisaaceita da forma apre-sentadaporHume.Masumarespostaqueantecedaao problema do -deve. 3. A RESPSTA DE JOHN FINNIS 3.1. Razoabilidade Prtica Frente acusao empirista de David Hume sobre afalcianaturalista,confrontahojeavisodeJohnFin-nis.No umcaminho simplestentarjustificar umavi-sonaturalistanodireito,poisquaseconsolidadoo descartedequalquervisonaturalistadevidoaosargu-mentosmodernos.Entretanto,Finnistemumasada plausvel, que soluciona os problemas da falcia natura-lista.[ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 213 ] PartindodaafirmaodeSantoTomsqueasleis so:proposiesuniversaisdarazoprtica(S.Th.,q. 90, a.1), Finnis assume que as leis devem ser oriundas da razo prtica. Nesse sentido o que faz John Finnis : sem nenhumjuzomoral,descrevealgunsbensbsicosque dizemrespeitoaosatosdoentendimentoprticonos quaisapreendemososvaloresbsicosdaexistnciahu-manae assim, tambm princpiosbsicos de todo racio-cnio prtico (FINNIS, 2006, p.67).OpontoimportantedopensamentodeFinnis que ele d, antes de tudo, uma explicao a falcia natu-ralista.Primeiramenteadmiteoerrolgicodemostrado por Hume, de concluir um dever do ser, o erro do -deve. Masporoutrolado,tentamostraressesvaloresbsicos provindo da razo prtica, que so anteriores a qualquer julgamentomoral.Portanto,poderiamseruniversaliza-dos esses conceitos, pois so racionais e anteriores a mo-ral. No enfrenta problema -deve, apenas faz uma cons-tatao de valores bsicos dos seres-humanos que devem serseguidosindependentesdaintenovalorativada lei. Ela anterior a qualquer julgamento moral. a con-formaodarazocomarealidade,darazoprtica, [O Direito Natural em John Finnis ] [ 214 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] dosinsightsqueseabstraemvaloresbsicossemqual-quer hierarquia entre eles.Arazoprticabuscacritriosparaagir,apartir doconhecimentoprtico,eoconhecimentoprticotem seupontodepartidanosprimeirosprincpiosprticos, que no so deduzidos do conhecimento terico (especu-lativo)danatureza.(Alvarez,2009,p.11),portanto elementospartidosdarazoquebuscamfundamento paraobemagir.Assim,aaohumanaageindepende de algo provindo do ser. Dessa forma, o dever no passa pelo erro lgico do -deve,ficalimitadorazoprticaquepodedizerque temumcarterdiretivo;orientaacondutanadireo deum fime, no ato da razo prtica(Alvarez, 2009, p. 13).Portanto,arazoprticadeterminavontadepara umfimindependentedarazoespeculativaetaldeter-minao anterior a concluso dessa.Assim, o intelecto consegueapreenderatravsdarazoabilidadeprtica conceitos para uma boa ao, buscando tambm o fim da ao.Finnis,assimcomoSantoToms,consideraqueo primeiroprincpiodarazoprticafazerobemevitar o mal, e seu significado : trata-se de um principio pr-[ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 215 ] tico bsico que orienta toda ao a um fim ou objeto, sem implicar que moralmente bom ou mal (Alvarez, 2009, p.13). Assim a razo prtica delimita bem os fins da ao humana, partindo de algo que no em si bom ou mal. Arazoprticaassimanterioraojuzomoral. Mas o fato de partir de uma especulao pr-moral, no significaqueposteriormentenosejapossvelrealizar distines morais. Finnis explica como sair dos conceitos pr-morais para chegar a alguma afirmao sobre o certo eoerrado,partindodosbensbsicosComomesmoele diz:Movemos da compreenso, em si mesma, pr-moral285, dos bens humanos bsicos, das razes prticas bsicas, para as distines e razes morais a parir, por exem-plo, dos bens da vida com sade, e integridade emoci-onal-racional,comseuscorrelativosmalesoudanos corporaisouperdaspsicossomticas,desarmoniae so-frimento,paraadistinomoralentreacrueldadeea infliobeneficentedesofrimentocomoefeitocolate-ral,porexemplo,decuraourecuperao(FINNIS, 2010, p. 218) Finnis apresenta sete valores bsicos, a saber: o co-nhecimento, a vida, o jogo, a experincia esttica, a ami-zadeousociabilidade,arazoabilidadeprticaeareli-gio.Essessovaloresquequalquerhomemfazendo uso de sua razo pode chegar. So assim universais, evi-

285 Pr-moral no significa no moral [O Direito Natural em John Finnis ] [ 216 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] dentesporsimesmoefundamentais,justamentepor serem pr-morais, pr-polticos e pr-jurdicos.Contemporaneamenteoconceitoevidenteporsi mesmo pode causar certo estranhamento por estar rela-cionadocomalgumsentidodecerteza.Masrealmente princpio de auto-evidncia, segundo Finnis: nosovalidosporimpresses,sensaesousenti-mentos.Pelocontrrio,elesprpriossocritriospor meiodosquaisdiscriminamosentreimpressese des-prezamalgumasdenossasimpresses(inclusiveim-pressodecerteza),pormaisintensasquesejam,por serem irracionais ou injustificadas, enganadoras ou ilu-srias. (FINNIS, 2006, p.76). Ento,acaractersticaevidenteporsimesmo desses valores bsicos no se baseia na certeza, tampou-coemsentimentos,masnarazoprtica.Porconse-quncia,podemosdizerqueessesvalores fundamentais eevidentesporsimesmossoassimuniversais.Assim Finnis afirma:Auniversalidadedeunspoucosvaloresbsicosem umavastadiversidadederealizaesenfatizatantoa conexo entre o mpeto/impulso/inclinao/tendncia humanobsicoeacorrespondenteformabsicade bemhumanoquanto,aomesmotempo,agrandedife-rena entre seguir um mpeto e buscar com inteligncia umarealizaoemparticulardeumaformadebem humano que nunca completamente realizada e exau-ridaporumanicaao,vidainstituiooucultura qualquer(nemporqualquernmerofinitodelas) (FINNIS, 2006, p. 90). [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 217 ] Portanto,hbensbsicosquesoacessveisa qualquer lugar ou cultura, e no somente hoje, mas sem-pre,umavezquesointrnsecosnaturezahumana. Assim, todo ser humanopelarazo prtica pode conhe-cer esses bens prticos e admiti-los universas e evidentes por si mesmo, independe da cultura.Parareforararazoabilidadeprticadosbensb-sicoseagrupa-los,Finnisdesenvolveedescreveoito condies para determinar uma deciso razovel na pr-tica, que so: (1) possuir um plano coerente de vida, (2) noterprefernciaarbitrriasporvalores,(3)sempre-fernciasarbitrriasporpessoas,(4)desprendimentoe compromisso,(5)arelevncialimitadadasconsequn-cias, (6) respeito por cada valor bsico em cada ato, (7) os requisitos do bem comum e (8) seguir os ditames da prpria conscincia.Aprimeiracondioderazoabilidadeprticaim-plicadiretamentenavida,poisnoracionalviverde momentoamomento,masexigecertaretidoexpressa pela responsabilidade com suas aes, responsabilidades comoscompromissos,aesquequalquerpessoapode almejar.[O Direito Natural em John Finnis ] [ 218 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] A segunda condio seria de como as escolhas de-vemserbemselecionadas,namedidaemquesefazem escolhasrazoveis,aquetrarummaiorbenefciopara cada situao em particular, na qual coloca como priori-dadesaquelesvaloresquerepresentamrealmenteum bem, no somente aqueles que esto relacionados com o prazer, mas os que realmente traro um bem.Acondioseguintemostraquedevebuscarpor primeiro o prprio bem-estar, o que razovel, no pelo fatodobem-estaralheioserinferior,massimplesmente por ser do interesse do prprio indivduo.Odesprendimentorelaciona-secomaprimeira condio,namedidaemqueterumplanocoerentede vidanecessitadeumavidaequilibradapararealizar boasescolhasegarantirumavidacoerente,praqueo individuoconsigaampliarseushorizontesdevidae realizar sbias escolhas. Tambm uma condio razovel pararealizare identificar um bem o comprimento dos compromissos,quecadaindivduopossacolocartodas as suas potncias para assumir os compromissos e reali-za-los bem.Aquinta condio exige decada um a eficcia em todas as aes, buscando realiza-las para extrair o mxi-[ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 219 ] modeproveitocomomtodoadequadoacadaao, buscandoevitarodesperdciodetempopormtodos ineficientes.Asextacondioexigedetodosumrespeitopor cadabembsico,quecomprometecadaindivduoato-marsuasatitudesbuscandoadequar-seaosvaloresb-sicos da razoabilidade prtica.Acondioseguinteexigeumcomprometimento comacoletividade,comacomunidade,quesemprea buscapelobemcomum,exigenteeextradooconceito de Lei Natural de Santo Toms.Eporfim,altimacondio,colocacadapessoa frenteasualiberdade,decadaumagirsegundoasua conscincia,agiremltimaanliseconformeasuara-zo.Portanto, essas condies tem que ser entendidas e vividasharmonicamente,sabendo-sequeelasestoem sintonia com a liberdade e a razo humana. 3.2. Bens Bsicos 3.2.1. Vida Oprimeirovalorbsicodebemcomum,apresen-tadoporJohnFinnisprimeiroporseromaiselemen-[O Direito Natural em John Finnis ] [ 220 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] tar. Tratado em sentido mais amplo possvel entendido como o bem mais bsico por corresponder a autopreser-vao.Carregaconsigotambmumsentidodevitalida-de,e,assimincluiosaspectosdasade,desuamanu-tenoepreservaoda vida.Oalcanceaquibemlar-go, pois discute como pode levar uma vida boa, livre de dores ou doenas. Pode-se ver nitidamente na histria da humanidadeaspectosintrnsecosnahistriadahuma-nidade,porexemplo,naevoluodamedicina,oho-membuscacomopreservarasuavidacadavezmais, nesse sentido afirma Finnis: Abuscaearealizaodessepropsitohumanobsico (ougrupodepropsitosintrinsicamenterelacionados) so to variados quanto o esforo e a prece do homem que caiu no mar e est tentando ficar a tona at que seu naviovoltepararecolh-lo;otrabalhodeequipedos cirurgiesedetodarededeapoio,serviosauxiliares, faculdadesdemedicinaetc.;leisepropagandasdese-gurananasestradas;campanhasdeerradicaoda fome;agricultura,criaoepesca;comercializaode alimentos;reanimaodesuicidas;tomarcuidadoao atravessar a rua (FINNIS, 2006, p.91) Essessoalgunsdosexemplosquepoderiacitar para demostrar como a vida foi e um valor bsico. Fin-nisnochegaafalardequestespolemicasedecorren-tesdesse,comoporexemplo,oscasosdeabortooude eutansia. Portanto, como explicado no incio inteno [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 221 ] dofilsofoemquestonopartirparaalgumjuzo moral, mas apenas mostrar como h valores bsicos pr-morais.Podemosestenderefazerjuzosmoraisapartir desseselementosbsicos,masantesdequalquerjuzo deve-seaceitarcomobsicoessevalor,ouumdosou-tros, e os elementos elementares que o compe. 3.2.2. O conhecimento Emseulivro,LeiNaturaledireitosnaturais,John Finnisdedicaumcaptuloapenaspara essebembsico, Paraapartirdaexplicaodeauto-evidnciaparaesse bembsico,deixarclaroquetambmsoexplicaes para os outros valores bsicos. Conhecimentoaqui,explicaFinnis,oconheci-mentodaverdade.Ento,poderamosdizerqueaver-dadeobembsiconoqualestamosinteressados. (FINNIS,2006,p.67).Portanto,busca-seaverdade,pro-varounegarcertasproposies.Assim,porumpuro desejodesaber averdadeeobteroverdadeiro conheci-mento, taldesejo : aatividade de tentar descobrir, en-tenderejulgarascoisascorretamente(FINNIS,2006, p.68)queimpulsionaoserhumanoaoconhecimento. [O Direito Natural em John Finnis ] [ 222 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] Finnisapontavriosexemplosdebuscadaverdade, comoumsimplesdesejodesaberseumboatoverda-deiroatumrebuscadoconhecimentocientfico.So exemplos simples, mas que mostram o desejo do homem de uma busca por conhecimento. Ento, o conhecimento um bem na medida em que buscado por si mesmo e noporinstrumentoparaatingirobjetivosouresulta-dos (ALVARES, 2009, p. 15). Ou seja, um bem buscar a verdade pela prpria verdade, ao passo que ao conhe-cer a verdade foge-se da ignorncia, como afirma Finnis; o conhecimento um bem a ser buscado e a ignorncia deve ser evitada (2006, p.71). Tambm ntido que um homembeminformadoetc.simplesmenteestemme-lhorsituao(asoutrascoisassendoiguais)doqueum homemqueconfuso,iludidoeignorante(FINNIS, 2006, p.78).Importante ressaltar que ao falar de conhecimento nosedeveconfundircomnvelacadmico,pode-se converterumacadmicoquesejaconhecedorde muitas coisas,maspodehaverno-acadmicosquepossuem conhecimentos em diversas reas. Mas independendo do conhecimentosempremelhorconhecerqueficarna absolutaignorncia.Outroaspectoquedeveserlevado [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 223 ] em considerao que Finnis no faz nenhum juzo mo-ral dos tipos de conhecimentos que podem ser buscados, masmostracomonoprimeirobembsico,quehele-mentospr-moraisquedemonstramaimportnciade buscar o conhecimento da verdade por simesmo, goste eu ou no disso (FINNIS, 2006, p.78). 3.2.3. Jogo Oterceiroelementobsicodobem-estarhumano podepassardespercebido,poisaparentementealgo irrelevante,masnosepodedeixardeobservarcomo umgrandeeirredutvelelementodaculturahumana (FINNIS, 2006, p.92). Para Finnis, cada um de ns pode ver do que se trata engajar-se em atividades que no tm qualquer propsito, alm de seu prprio desempenho, e quesodesfrutadasporsimesmas(FINNIS,2006, p.92). Dessa forma, entende-se que o jogo um bem b-siconamedidaemquesetornaumobjetodedistrao para o homem, seu fim estaria na prpria atividade. Essa atividadepodesersolitriaousocial,intelectualou fsica,tensoourelaxado,altamenteestruturadoourela-tivamenteinformal,convencionaloudepadroadhoc. [O Direito Natural em John Finnis ] [ 224 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] (FINNIS, 2006, p.92). Portanto, pode-se entender jogo no sentidomaisamplopossvel.Atividadesquetemseu fimemsimesmo,distraesldicas,jogosesportivos, etc. nos mais diversos tipos e formas de distrao. 3.2.4. Experincia Esttica Essa quarta forma de bem bsico, a experincia es-ttica,estinterligadacomojogo,poisumelemento indispensveldojogo.Masaquinoumbemquene-cessitedaaohumana,oquebuscadoevalorizado por si mesmo pode ser simplesmente a forma bela exte-riorpessoa,eaexperinciainteriordaapreciao de sua beleza. (FINNIS, 2006, p.93). Portanto, podemos terumaexperinciacomobeloindependedanossa ao, apenas por ver a beleza em alguma obra de arte ou mesmonanaturezaquedealgumamaneiraleveauma experinciasignificativaesatisfatria286,tantoexterior-mente como interiormente. 3.2.5. Sociabilidade (amizade)

286 FINNIS, 2006, p.93 [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 225 ] JohnFinnis,assimcomoAristteles,defendea amizade, arelao entre seres humanos de se relacionar ecriarlaos,comoalgoessencialaoser humano.Finnis ao descrever esse bem bsico abrange todas as formas de relao entre os seres humanos: assim o valor da socia-bilidade,queemsuaformamaisfracarealizadapor ummnimodepazeharmoniaentreoshomens,passa portodasasformasdecomunidadehumanaevaiat sua forma mais forte, no desabrochar da amizade plena. (FINNIS, 2006, p.93).Oautordescreveosentidoplenodaamizade quando entre dois amigos um age, ou pensa em agir, em benefcio alheio,isto, promoveum esquecimento desi prpriovisandoobemdoamigo.Assimseriaumaco-munidadeharmoniosa.Nessesentidoapontaquea amizadeopensamentomaiscomunal,emboranoa formamaisestendidaeelaboradadecomunidadehu-mana(FINNIS,2006,p.145).Portanto,umacomunida-deperfeitaquandoumindivduoagevisandoobem estar alheio, e no simplesmente o bem prprio. preci-soparaumaamizadeharmoniosaoesquecimentodo bemdesi,decertaformasacrificar-sepelobemdoou-tro.Comisso,Finnisaprofundaosentidodebemco-[O Direito Natural em John Finnis ] [ 226 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] mumcomosendoumbemparaossereshumanosna medida em que a vida o conhecimento, o jogo, a experi-nciaesttica,aamizade,areligioealiberdadenara-zoabilidadeprticasobonsparaquaisqueretodasas pessoas. (FINNIS, 2006, p.155).Portanto,aamizade,outambmchamadapor FinnisdeSociabilidade,podeservistonosentidomais amplo possvel, na medida em que um bem, traz bene-fcios individuais e comunitrios (bem comum). 3.2.6. Razoabilidade Prtica Esse o bem bsico de ser capaz de utilizar com eficincia a inteligncia (no raciocnio prtico que resulta em ao) nos problemas de escolher as aes, o estilo de vida e dar forma ao carter. (FINNIS, 2006, p.93). Isso implica na autonomia do indivduo de usar a razo e com liberdade fazer suas escolhas acertadamente, impor s aes uma ordem razovel que convm prpria ao.Essa ordem realiza-se de duas formas: internamen-te e externamente. A primeira est relacionada com os afetos e sentimentos internos, na qual o individuo traba-[ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 227 ] lha para colocar em harmonia de uma paz de esprito interna (FINNIS, 2006, p.94) os seus sentimentos inter-nos. Por outro lado, a segunda est relacionada s aes exteriores do sujeito que so resultados de suas reflexes livremente ordenadas (FINNIS, 2006, p.94). Esse bem prtico envolve razo e liberdade o que o torna muito complexo.Finnis explica ainda que essa ordem que a razoabi-lidade prtica busca, relaciona-se com a busca de uma coerncia de vida do indivduo. Viver sem preferncia arbitrria tanto de valor quanto de pessoa, buscando sempre encontrar a sintonia entre os atos humanos e a razo prtica, pois essa busca sempre discernir e direcio-nar os atos humanos para o bem (prprio ou da comuni-dade). Esse bem prtico est diretamente relacionado com os outros bens, por que para o bom andamento de cada bem prtico necessrio o uso da razoabilidade prtica no discernimento para um bem. 3.2.7. Religio Finnisaocomentarsobreessebembsicofazal-gumasindagaessobreosordenamentosnaturais,que [O Direito Natural em John Finnis ] [ 228 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] direcionamparaumfimtodososbensbsicos,afirma Finnis: A busca da vida, da verdade, do jogo e da experincia esttica em uma ordem de prioridades e padro de es-pecializaoindividualmenteselecionados,eaordem que pode ser imposta s relaes humanas por meio da colaborao,comunidadeeamizade,eaordemque deveserimpostaaocartereatividadepormeioda integridadeinternaedaautenticidadeexterna(FIN-NIS, 2006, p.94) Essesquestionamentosapontamparaumordena-dortranscendente.NesseaspectoFinnisapontapara umarazoabilidadedointelectodeconceberaideiado transcendente e da necessidade do homem estar ligado a Deus.Afirmaele que um dosvaloreshumanos bsicos oestabelecimentoeamanutenodasrelaesapro-priadas entre a prpria pessoa (e as ordens que a pessoa podecriaremanter)eadivindade.(FINNIS,2006, p.94).Assim,ficaclaraaideiadeumordenadortrans-cendente,queimplicaanecessidadedeserelacionar comadivindade.Essarelao,porsuavez,exigeum comprometimentodapartedoserhumanoemsecon-formaraoprincpioordenador.Nessalinhadepensa-mento questiona Finnis:[ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 229 ] seexisteumaorigemtranscendentedaor-demuniversaldascoisas,daliberdadehu-manaedarazo,entoavidaeasaesda pessoa estoemdesordem fundamentale se nosopostas,damelhormaneirapossvel, em algum tipo de harmonia com o que pode serconhecidoouconjecturadoarespeito desseoutrotranscendenteesuaordemdu-radoura? (FINNIS, 2006, p.94) Ouseja,Finnisapontaparaumaresponsabilidade do indivduo em responder a esse ser transcendente, em todososoutrosbembsicos,ecolocar neleseentreeles uma ordem baseada nessa ordem transcendente. CONCLUSO Nodecorrerdessaexplanaobuscou-seexplicar primeiramenteavisoTomistasobreLeiNatural,de-mostrando basicamente sua viso sobre o assunto dentro daSumaTeolgica.Emseguidafoiapresentadaafalcia naturalistadescritaporDavidHumebemcomosuas falhas.Porfim,demostrou-seainovaodeJohnFinnis em dialogar o jusnaturalismo com o juspositivismo, con-trapondo-se falcia de Hume. Noprimeirocaptuloficouclarocomoavisona-turalista da escolstica de lei depende de uma explicao [O Direito Natural em John Finnis ] [ 230 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] metafisica,pois,paraoAquinatedaLeiNaturalna mente humana que procede a lei civil, na qual deve ma-nifestar a inclinao natural lei eterna [...] da lei natural que representao da leidivina humana que emerge aleimoral.(FAITANIN,2010,p.32).Portanto,para SantoToms,emltimaanliseaLeiHumanaprovm daLeiEternaqueestemDeus,completamentetrans-cendente. Finnis, apesar desse vis metafsico da Lei Na-tural de Santo Toms, a descreve bem e a usa como base desuateoria,mostrandoquenofoisuperadaateoria deLeiNaturalclssica,equeaoinvsdeignora-la,de-ve-se partir dela, pois, tem condies de corresponder s problemticas atuais no direito, e superar as noes sim-plistas do juspositivismo. NocaptuloseguintefoimostradocomoDavid Hume atravs do empirismo, coloca a moral no nvel dos sentidos e das paixes. Exclui qualquer racionalidade no conhecimentodamoral,reduzaleimeraconveno entreosmembrosdasociedade.Vinculaavirtudeao prazereovcioador.Ignoraqualquerfatoouao transcendenteeeliminatodacausaeefeito,todacausa-lidade e asfinalidades existentesna natureza. Era o que afirmava todo empirista. Ento, no haveria outro cami-[ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 231 ] nho a no ser o de excluir a razo da moralidade e acu-sar os clssicos de falaciosos, por descrever erroneamen-tealgumdeverdeumser.Mas,comodescrito,Finnis mesmoconcordandoprimeiramentecomHumeconse-gue uma soluo que no passa pela acusao da falcia naturalistaaocolocarosbensbsicoscomoanterioresa qualquer julgamento moral.Altimapartedescreveateoriafinisiana,ecomo restabelece a Lei Natural no direito. John Finnis a princ-pionosedistnciaessencialmentedeSantoToms,no quedizrespeitorazoprtica.Mascolocaemconso-nncia o pensamento do Aquinate com o juspositivismo, oobjetivodeFinnisderealizaracontemplao,por assimdizer,dopositivismopelojusnaturalismo,resul-tado da a noo do direito positivo como caso central do direito. (ROHLING, 2013). Finnis ento, para desviar da falcia naturalista e se contrapor a David Hume, se colo-ca no nvel do juspositivismo, na medida em que se uti-lizadesuametodologia,econduzaoreconhecimento porpartedaLeiNaturalcomocritriodadescriodo direito(ROHLING,2013).Porissosetornaimportante razoabilidadeprtica,paraaelevaododireito,mas sempreemconcordnciacomastesesclssicasdeLei [O Direito Natural em John Finnis ] [ 232 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] Natural. Pode parecer a princpio um reducionismo, pois colocaalei no nvelda razo. Mas acontece o contrrio: aoelencarosbensdarazoabilidadeprticaFinnisvalo-rizaarazo,pormapenasacolocanolugardevido, buscandotambmumaconsonnciacomarealidadee comomundocontemporneo,noexcluindoaLeiNa-tural, antes a incluindo no direito.Assim,Finnisaoinserir os bens prticos da razoa-bilidadeprtica,conseguecontradizeroempirismode DavidHumequereduzanaturezapuraabstraode fatos,poisdemostracomoarazopodechegarapartir dosinsightsetirarconclusesprticasquearazocon-segueidentificaruniversalizar,independentedealgum julgamento moral. Pois, a razo prtica identifica os bens prticoscomopr-morais,ouseja,anterioraqualquer julgamentomoral.Dessaforma,consegueresolvera acusao da falcia naturalista, pois, sua teoria no passa pelo erro lgico do -deve. Portanto, constata que a razo prtica ao identificar algum ser, nesta j est incluso seu prprio dever, no deriva o dever do ser, o fazer o bem eevitaromaltrsconsigodeveresimplcitos,noso derivaes como defendia Hume. [ Joo Gabriel Camillo de Camargo ] [ Sapientia Fidei, v. 1, n. 1, 2014 ISSN 2177-8701 ][ 233 ] Portanto, Finnis consegue reestabelecer a Lei Natu-ralnodireito,contrapondoasteoriasdominantesdo juspositivismo que gerou um grande ceticismo nas teori-asnaturalistas,econseguiuincluirvaloresuniversais ditados pela razo prtica e no apenas por costumes ou interessesquemuitasvezessosubjetivos.Comisso abre-secomFinnisaportadodireitonaturalcomodis-cussofilosficanodireito,comconclusesracionaise bem dispostas, dialogando com o pensamento positivista contemporneo. Mesmo que no se admita tal coisa, pelo menos so concludos pensamentos plausveis acerca do direitonatural,que,aomesmotempo,temporbasea filosofia clssica. [O Direito Natural em John Finnis ] [ 234 ] [ Instituto Filosfico-Teolgico So Jos - IFTSJ ] REFERNCIAS ALVARES, Alejandro Bugallo. A Reabilitao Da Teoria Do Direito Natural Em John M. Finnis: Pressupostos e Implicaes. In: I.ALVEZ, Francisco. II SALLES, Srgio de Souza. (Organizadores). 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