direito e inclusão digital

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Sérgio Iglesias Nunes de Souza Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUCSP Docente em Direito Civil na graduação e pós-graduação das FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas Advogado CURSO: O DIREITO ELETRÔNICO - ASPECTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL E DOS CONTRATOS NAS RELAÇÕES JUSCIBERNÉTICAS PROFESSOR SÉRGIO IGLESIAS AULAS EXIBIDAS NOS DIAS 15,15,17,18,19 DE JUNHO DE 2009 AULA 01 – O DIREITO ELETRÔNICO NA NOVA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Importância das questões digitais no mundo do direito. Inovações a ser enfrentadas pelos tribunais brasileiros Noções introdutórias sobre Sociedade da Informação Noções da nova disciplina em Direito informacional Direito à inclusão digital e o princípio da liberdade das formas A fonte do direito na Sociedade da Informação O direito civil, de consumo e o e-commerce das relações juscibernéticas A informação como objeto de uma relação jurídica e sua natureza de bem jurídico e o direito à informação Avenida Paulista, 326, conj. 37, Cerqueira César, CEP: 01310-902, São Paulo – SP, Brasil E-mail: [email protected] www.iglesias.adv.br Tel./fax: (11) 3284-0138

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CURSO: O DIREITO ELETRÔNICO - ASPECTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL E DOS CONTRATOS NAS RELAÇÕES JUSCIBERNÉTICAS

PROFESSOR SÉRGIO IGLESIAS

AULAS EXIBIDAS NOS DIAS 15,15,17,18,19 DE JUNHO DE 2009

AULA 01 – O DIREITO ELETRÔNICO NA NOVA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Importância das questões digitais no mundo do direito. Inovações a ser enfrentadas pelos tribunais brasileiros

Noções introdutórias sobre Sociedade da Informação Noções da nova disciplina em Direito informacional Direito à inclusão digital e o princípio da liberdade das formas A fonte do direito na Sociedade da Informação O direito civil, de consumo e o e-commerce das relações juscibernéticas A informação como objeto de uma relação jurídica e sua natureza de bem jurídico e

o direito à informação

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a) A natureza jurídica da expressão “Sociedade da Informação”

Nos últimos anos, o conceito de “Sociedade da Informação” 1

adquiriu importância em escala mundial, fundamentado na crença de que sua

consolidação favorece a integração global nos diferentes âmbitos em que se

desenvolve a vida humana: na economia, no conhecimento, na cultura, no

comportamento humano e nos valores.

O termo “Sociedade da Informação” consolidou-se, em

verdade, na Europa na Conferência Internacional celebrada em 1980, onde a

comunidade econômica européia reuniu estudiosos para analisarem o futuro de

uma nova sociedade assim denominada por convenção, pelo interesse em

regulamentação da liberdade de circulação de serviços e de medidas para a

implementação de mecanismos de comunicação que permitiriam aos Estados

1 José de Oliveira Ascensão afirmou que a expressão “Sociedade da Informação” “não é um conceito técnico: é um slogan. Melhor se falaria até em sociedade da comunicação, uma vez que o que se pretende impulsionar é a comunicação, e só num sentido muito lato se pode qualificar toda a mensagem como informação”, Direito da internet e da Sociedade da Informação , Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 71. A expressão “Sociedade da Informação” surgiu, inicialmente, pelo sociólogo e professor emérito da Universidade de Harvard, Daniel Bell, The coming of post-industrial society – o advento da sociedade industrial, EUA, [s. n.], 1973, p. 10 e ss., em que, segundo aquele autor, o ponto central dessa “Sociedade da Informação” será o conhecimento teórico e adverte que os serviços baseados no conhecimento terão de se converter em uma estrutura central da nova economia e de uma sociedade sustentada na informação, onde as ideologias serão absolutamente supérfluas. A expressão reapareceu com maior força nos início dos anos 80, no contexto do desenvolvimento da internet e das tecnologias da informação e comunicação, ganhando a roupagem atual abordada nesse nosso estudo no início da década de 90. Em 1995, foi incluída na agenda das reuniões do G7 (depois, G8 – onde se reúnem os chefes de Estado ou governos das nações). Foi admitida em fóruns da Comunidade Européia e adotada também pelo governo dos Estados Unidos da América, bem como por várias agências das Nações Unidas e pelo Banco Mundial. A partir de 1998, foi eleita na União Internacional de Telecomunicações e, posteriormente, na ONU para nome da Cúpula Mundial de 2003 e 2005.

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membros da União Européia estarem informados e terem acesso aos bens e

serviços, sob a sigla TIC (Tecnologias de Informação e de Comunicação). 2

A denominação “Sociedade da Informação” é,

primordialmente, uma expressão concebida que traduz, para nós, um novo

conceito de proteção dos direitos humanos fundamentais, uma nova orientação

internacional em busca do direito ao desenvolvimento através da interação da

comunicação e da telemática, em uma nova era de informações em tempo real,

com transmissão global e assimilação simultânea. 3

Percebe-se que os interesses jurídicos e sociais são

exatamente os mesmos, isto é, proteger os direitos do indivíduo e os direitos

sociais para procurar uma convivência humana estável, em sistemas jurídicos e

políticos democráticos em nome do direito ao desenvolvimento.

A natureza jurídica da expressão “Sociedade da Informação”

é tratar substancialmente de um direito humano fundamental reconhecido pelas

comunidades internacionais, isto é, o direito à interação e ao desenvolvimento 2 Máster Alejandra Castro Bonilha, “La Sociedad de la información”, Revista de Ciências

Jurídicas, Universidad de Costa Rica: Faculdad de Derecho, fev. – abr. 2003, p. 149. No Conselho Europeu, em 1993, o então Presidente da Comissão Européia Jacques Delors desenvolveu a idéia das infra-estruturas da informação, do termo já criado no início da década de 80. Garcia Marques e Lourenço Martins, Direito da informática. Coimbra: Almedina, 2000, p. 43.

3 Pierre Lévy, o filosófo francês, relata que teria dito Albert Einstein em uma entrevista realizada na década de 50 que três grandes bombas haviam eclodido no século XX: a bomba demográfica, a bomba atômica e a bomba das telecomunicações, tratando a informação como um verdadeiro “segundo dilúvio” decorrente da natureza exponencial, explosiva e caótica de seu crescimento, complementa aquele filósofo. Pierre Lévy, Cibercultura, Tradução Carlos Irineu da Costa, 3ª ed., São Paulo: Editora 34, 2001, p. 13.

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humano seguro pela nova comunicação e telemática virtual, de troca de bens e

serviços, pois a soberania plena sobre todas as riquezas e recursos naturais

(comunicação e interação humana) é direito inalienável à luz do art. 1 o, item 02

da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986.

Por essa razão, a Organização das Nações Unidas criou a

agência da União Internacional das Telecomunicações (UIT) cuja intenção,

inicialmente, não é o controle da internet mundial, tampouco a retirada desse

controle pela Icann (Internet corporation for assigned names and numbers),4

porém, tem como objetivo estabelecer um acordo internacional envolvendo

4 É uma organização americana privada internacional, sem fins lucrativos que administra o funcionamento da internet. A Icann é uma entidade de coordenação técnica, com uma diretoria internacional composta por membros de vários países. Nos últimos 10 anos, através de um sistema desenvolvido, a Icann designou oficialmente nomes de domínio e assegurou o funcionamento convencional da infra-estrutura correspondente. Os governos do mundo desejam o controle da internet por várias razões. Regimes autoritários como a China, o Irã e a Arábia Saudita, temem o poder que a internet confere ao cidadão comum. A maioria deles não vê com bons olhos o controle dos Estados Unidos sobre a Icann e a capacidade dos americanos de agir unilateralmente dentro da Rede, monitorando e rastreando informações, bloqueando sítios e home pages e até procedendo ao virtual desligamento de uma conexão eletrônica, tal como ocorreu com sítios iraquianos no período de invasão do Iraque. Fonte: Revista eletrônica Consultor Jurídico, < htttp: // www.conjur.com.br>. Acesso em 30.01.07, artigo “Reinado na Web”, por Nehemias Gueiros Jr., 2005.

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empresas do setor para garantir a paz no ciberespaço, 5 a segurança na rede,

principalmente, pelo temor de sua utilização por grupos terroristas. 6

A igualdade de oportunidade para todos com acesso aos

recursos básicos é dever do Estado 7 que tem a responsabilização primária de

criação das condições nacionais e internacionais favoráveis à realização do

direito ao desenvolvimento (art. 3o e 8o), tratando-se, em outras palavras, na

questão da necessidade dos indivíduos terem o poder de auto-regulamentação e

5 No Icann Meeting 2006, evento ocorrido em dezembro em São Paulo, houve o destaque ao papel do Comitê Gestor da Internet no Brasil e a fertilidade das discussões e iniciativas de sua regulamentação, ao mesmo tempo centralizada e fracionada. Nesse evento, merece registro a formação da primeira Organização Regional “At large” para América do Sul e Caribe, para representatividade da sociedade civil junto ao órgão maior da Internet mundial. O Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) foi a primeira entidade brasileira habilitada como “Estrutura at large” junto ao Conselho Consultivo "At large"  (ALAC) da Icann. Dentre as inúmeras atribuições do Comitê Gestor Internet do Brasil, cite-se algumas: a) adotar medidas de implantação e funcionamento da internet; b) estabelecer critérios e normas para certificação da AC Raiz (Autoridade Certificadora Raiz representada pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação); c) homologar e fiscalizar a AC Raiz, bem como autorizá-la a emitir certificados; d) estabelecer diretrizes e normas para certificados e níveis de certificação; e) negociar e aprovar acordos de certificação bilateral e regras de cooperação internacional.

6 A idéia do desenvolvimento seguro na internet ficou evidenciada na cúpula da “Sociedade da Informação” realizada pelos membros internacionais da UIT em 2005. O pensamento é de que não haverá desenvolvimento sem segurança e nem segurança sem desenvolvimento, devendo se evitar uma ciberguerra entre os governos. A sugestão brasileira, evidenciada pelo Livro verde da Sociedade da Informação no Brasil, é a de uma democratização da internet com o objetivo de um controle descentralizado pelos países, não o deixando para uma única empresa privada, como atualmente ocorre através da Icann. O próximo encontro a partir de 2006 será realizado no Brasil com o objetivo de reinserir o tema da democratização na pauta da agenda perante os países internacionais e membros da UIT.

7 O primeiro passo do governo brasileiro é de criar condições para que haja confiança pública na “Sociedade da Informação”, conf. Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia e Governo Federal. Livro verde da Sociedade da Informação no Brasil . Tadao Takahashi (Org.). Brasília, set. 2000, p. 13. O Governo Federal, através do Ministério da Ciência e Tecnologia criou o Programa para a “Sociedade da Informação”, adotando diretrizes através da edição do referido Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil, desde 1997, objetivando estimular a evolução tecnológica de forma adequada à estruturação da realidade nacional.

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socialização virtual no novo contexto mundial em que vivenciamos: a internet e

os sinais digitais similares.

Apesar desses esforços realizados e do entusiasmo mundial,

com sustentação nesses direitos humanos, não estão claras as implicações

práticas e jurídicas que a “Sociedade da Informação” terá na vida das pessoas.

O ritmo acelerado de desenvolvimento e as novas prementes necessidades da

vida moderna traduzem uma conseqüência natural da crise econômica mundial,

refletindo nas relações jurídicas privadas.

No conceito de “Sociedade da Informação” existe uma idéia

de globalidade, contudo, devemos aprimorar esse conceito na seara jurídica sob

o enfoque dos direitos humanos para o fim de adaptarmos o novo

desenvolvimento social às particularidades de cada nação, conforme sua

legislação interna. Trata-se de uma nova realidade, mas não uma continuação no

mesmo nível, mas de uma questão permeando um novo início, isto é, da entrada

em uma dimensão diferente do físico-aéreo para o digital-eletrônico, 8 numa

nova perspectiva de direito humano social que é, conforme sustentamos, a

“Sociedade da Informação”.

8 Para entendermos a essência dessa realidade, citemos o seguinte exemplo: alguém residente na cidade de São Paulo e deseja conversar com seu amigo no Rio de Janeiro. Não há nenhuma possibilidade de intensificar sua voz e vencer a distância física dessas localidades. Porém, se esse amigo estivesse diante de um microfone e um computador, poderia falar serenamente seja qual lugar estivesse a outra parte. É uma nova experiência direta e já intuitiva na sociedade moderna, assim como uma criança brinca com o telefone de brinquedo para conversar com familiares.

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Se a “Sociedade da Informação” é vista como um princípio

de natureza socioeconômico, devemos perceber também que se prestando como

um elemento jurídico, dando origem a segmentos específicos do direito, com

fundamento basilar nos direitos humanos, é inevitável as conseqüências de suas

implicações com outros institutos jurídicos. Deve haver um estudo lastreando-se

nos reflexos desse posicionamento científico como poderá acontecer com a

lesão.

b) Caracterização das espécies conceituais de “Sociedade da Informação”

Percebemos, particularmente, que o conceito de “Sociedade

da Informação” está dividido atualmente em duas perspectivas concebidas, em

que denominaremos o estrutural e o fático-social.

No enfoque estrutural, conceitua-se a “Sociedade da

Informação” como sendo o desenvolvimento das novas tecnologias da

comunicação por meio de fibra óptica e similares conjugada com o recurso a

meios informáticos de avanços técnicos que dão base de estruturas globais de

comunicação, dentro do movimento geral da globalização. 9 Desse modo, a

comunicação das imagens, som e idéias são mais fáceis e com muito maior

agilidade do que em qualquer outra altura da nossa história. 10 A grande

9 José de Oliveira Ascensão e et all, Sociedade da Informação: estudos jurídicos, Coimbra: Almedina, 1999, p. 07.

10 César Fernandez Beobide, “Las nuevas tecnologias y las creaciones intelectuales. Aspectos positivos”, El derecho de propiedad intelectual las nuevas tecnologías , Madrid: Ministério de Cultura, 1996, p. 53 e ss.

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tendência da tecnologia moderna será a fusão total de aparelhos ou dispositivos,

equipamentos e sistemas, numa nova forma de convívio social. Com as redes

sem fio domésticas, tudo se interage, se conecta e ganha mobilidade, atribuindo-

se um novo conceito de “casa digital” ou “casa conectada”, bem como na

eletrônica pessoal dos celulares e similares, com a convergência de todas as

formas de serviços, conteúdos e entretenimento, tais como internet, áudio,

vídeo, dados, programas de computador de servidores domésticos, IPTV

(televisão sobre protocolo da internet), jogos de diversão e dezenas de outros

sistemas e programas de computador. 11

Garcia Marques e Lourenço Martins conceituam a

“Sociedade da Informação” como sendo a constituição em tecnologias de

informação e comunicação que envolve a aquisição, o armazenamento, o

processamento e a distribuição da informação por meios eletrônicos, como

rádio, televisão, telefone e computadores, entre outros. Essas tecnologias não

transformam a sociedade por si só, mas são utilizadas pelas pessoas em seus

contextos sociais, econômicos e políticos, criando uma nova estrutura social que

tem reflexos na sociedade local e global. 12 Nesse aspecto estrutural, a

“Sociedade da Informação” tem como característica as Tecnologias da

Informação (TIs) e, no pensamento de David Lyon e Daniel Bell, os seus

11 Ethevaldo Siqueira. “A mágica e o mágico”. Revista Veja, São Paulo: Editora Abril, n. 02, ano 40, jan. 2007, p. 54-67.

12 Garcia Marques e Lourenço Martins, Direito da informática. Coimbra: Almedina, 2000, p. 43.

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reflexos nas questões da produção pela substituição do homem pela máquina

surtirão efeitos diretos na economia. 13

A visão estrutural consiste, ainda, na análise da “Sociedade

da Informação” sob o objeto relacionado às informações por criptografia,

códigos e informações virtuais que formam o universo informático e da ciência

em desenvolvimento do estudo da inter-relação do ser humano e a máquina, o

computador e a internet.

Sob o aspecto fático-social, a “Sociedade da Informação” é a

sociedade contemporânea 14 da inter-relação do ser humano ao ser humano, sendo a

máquina e a internet apenas um meio tecnológico dessas novas comunicações, troca

de bens e serviços e direitos envolvidos entre as partes pelos meios eletrônicos. É

nesse aspecto que interessa para a ciência jurídica, apesar de ambas as idéias serem

o conjunto dessa nova realidade. No fático-social há um estágio atual de

desenvolvimento social que, para Manuel Castells, seria, portanto, a “Sociedade

Informacional”, 15 caracterizado pela capacidade de seus membros, cidadãos,

empresas e administração pública, de obter e compartilhar qualquer informação,

instantaneamente, de qualquer lugar e da maneira mais adequada. Nesse novo

estágio de desenvolvimento social o seu fator diferencial é que cada pessoa e

13 David Lyon, The information society – issues and illusions. Tradução Raul Sousa Machado, Oeiras: Celta Editora, 1992, p. 03.

14 Neste sentir, Rodrigo da Cunha Lima Freire, O processo civil na sociedade da informação: estudo de um caso. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, n. 17, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 247.

15 Manuel Castells, A era da informação: economia, sociedade e cultura. 5a ed., São Paulo: Paz e Terra, 2001, v. 01, p. 32 e ss.

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organização não só dispõem de meios próprios para armazenar conhecimento, 16 mas

também têm uma capacidade quase ilimitada para acessar a informação gerada pelos

demais e, ainda, potencial para ser um gerador de informação para outros. Embalde

essa capacidade sempre tenha existido, de forma seletiva e rudimentar, comparado

ao que é atualmente, o peculiar da “Sociedade da Informação” é o caráter geral,

ilimitado, sob necessidades ágeis de acesso à informação, inclusive, a de celebração

de contratos. De fato, a idéia inicial do conceito de direito de ser informado deu-se

dentro de um processo maior e mais abrangente: o do desenvolvimento da idéia de

16 Aqui, não nos referimos a idéia sinônima de sociedade do conhecimento. Vivenciamos o mundo do recebimento e da troca da informação. Já a sociedade do conhecimento é outro conceito relacionado à possibilidade do ser humano adquirir o conhecimento. A “Sociedade da Informação” tem os seguintes problemas a serem superados: o excesso da informação além da capacidade humana; poderemos ser a sociedade da redução da informação útil, gerando a própria desinformação e, ainda, a possibilidade da “Sociedade da Informação” ser a sociedade da monopolização da informação, conforme bem ponderou José de Oliveira de Ascensão, Direito, cit., p. 144-5. A informação é o novo paradigma da sociedade aceitando-se em um conceito amplo como sendo a “A Era do Conhecimento”. Dessa forma, tais inovações constituem-se em elementos de ruptura (para alguns), ou de forte diferenciação (para outros), em relação ao padrão precedente, ainda que resultantes, em grande medida, de tendência e vetores que não são propriamente novos ou recentes, conforme Helena Maria Martins Lastres e Sarita Albagli, “Chaves para o terceiro milênio na era do conhecimento” , Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999, p. 08. A UNESCO, porém, adotou o termo “sociedade do conhecimento” ou sua variante “sociedades do saber” dentro de suas políticas institucionais. A noção de “sociedade do conhecimento” (knowledge society) surgiu no final da década de 90. É empregada, particularmente, para fins acadêmicos como nova proposta que alguns preferem à expressão “Sociedade da Informação”. Enfatiza Manuel Castells (A era da informação: economia, sociedade e cultura. 5a ed., São Paulo: Paz e Terra, 2001, v. 01, p. 32 e ss.) que a sociedade do conhecimento se trata de uma sociedade em que as condições de geração de conhecimento e processamento de informação foram substancialmente alteradas por uma revolução tecnológica centrada no processamento de informação, na geração do conhecimento e nas tecnologias da informação. Castells batiza de “informacionalismo” preferindo o termo “sociedade informacional” do que “Sociedade da Informação” (fazendo uma nítida comparação com a diferença entre indústria e industrial). Ele destaca que o conhecimento e a informação são elementos decisivos em todos os modos de desenvolvimento, pois o termo informacional indica o atributo de uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão de informação se convertem nas fontes fundamentais da produtividade e do poder por conta das novas condições tecnológicas surgidas neste período histórico.

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“direito à informação”, iniciado em 1927 com a Conferência de Genebra, promovida

pela Sociedade das Nações. 17

A “Sociedade da Informação” é a etapa no desenvolvimento da

civilização moderna que é caracterizada pelo papel social crescente da informação,

por um crescimento da partilha dos produtos e serviços de informação no PIB e pela

formação de um espaço global de informação. 18 Trata-se de uma nova situação entre

Estado e entes privados que gera o direito subjetivo de ser informado, na qualidade

de um “direito de crédito” válido tanto diante do Estado, quanto em face dos

próprios meios de comunicação que se ocupam da atividade informativa. De fato, é

o novo realçar da função pública de entes privados, como as empresas particulares

dedicadas a essa atividade. A conscientização universal a respeito dos profundos

vínculos existentes entre a informação, o poder e o anseio generalizado de que se

dêem limites e transparência a este último, seja ele estatal ou não-estatal, sob a

característica concomitante do Estado como prestador de serviços e do indivíduo

como consumidor, constituem ambos, sem dúvida, em fenômenos típicos de nosso

tempo. 19

Essa mudança que permite as facilidades no acesso à

informação é o principal fator que desencadeia inúmeras transformações sociais

17 Airton C. Leite Seclaender, “O direito de ser informado – base do paradigma moderno no direito de informação”, Revista do Direito Público, n. 99, ano 25, jul. – set. 1991, p. 147.

18 Nesse sentido, veja: José Palma Fernandes (Coord.). Glossário da Sociedade da Informação. Lisboa: Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação, 2005.

19 Airton C. Leite Seclaender, “O direito de ser informado – base do paradigma moderno no direito de informação”, cit., p. 147.

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de elevado alcance. Daí a preocupação jurídica desse novo fato social. 20 A

disponibilidade de novos meios tecnológicos provoca alterações e preocupações

nas formas de atuar nos processos de inter-relação que redundam, na maioria

das vezes, dentre outros tantos fatores, na elaboração de contratos ou quanto ao

modo de sua execução. E, quando várias formas de atuar sofrem modificações,

resultam em mudanças, inclusive, na maneira de “ser” de cada um de nós. É

inegável que as novidades tecnológicas chegam a propiciar alterações de

valores, tornando-nos exigentes quanto à agilidade das atividades, de atitudes e

de comportamento e, com isso, a cultura e a mudança da própria sociedade.

Essa mudança é acelerada em progressão geométrica que, sob o cunho

valorativo e do ordenamento jurídico, deverá nos ater com uma maior

preocupação. 21

As conseqüências finais que a “Sociedade da Informação”

suportará é algo, realmente, imprevisível. Não obstante a fase inicial de criação

de infra-estruturas, ela já é percebida, ao mesmo tempo, com reflexos nos

primeiros efeitos de sua aplicação quanto aos valores, atitudes e as novas 20 Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia e Governo Federal. Livro verde da Sociedade da

Informação no Brasil. Tadao Takahashi (Org.). Brasília, set. 2000, p. 3 e 137: “... essa nova sociedade não é livre de riscos. Isto porque noventa por cento da população do planeta jamais teve acesso ao telefone. Como evitar, então, que as novas tecnologias aumentem ainda mais a disparidade social entre as pessoas, as nações e os blocos de países? Os países e blocos políticos, desde meados da década de 90, defrontam-se com as oportunidades e os riscos que cercam o futuro e, reconhecendo a importância estratégica da “Sociedade da Informação”, vêm tomando iniciativas para assegurar que essa nova era venha em seu benefício”.

21 José Oliveira Ascensão indaga sobre quais seriam os novos caminhos que o Direito terá que percorrer para permitir que de uma forma justa e eqüitativa os fornecedores de serviços, os autores e os utilizadores, enfim, toda a sociedade possa beneficiar deste novo mundo. José Oliveira de Ascensão, Sociedade, cit., p. 07.

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possibilidades de transformação social. Apesar de os meios tecnológicos atuais

serem conhecidos e até previsíveis a sua evolução técnica em curto prazo, é

absolutamente uma incógnita o tipo de sociedade que realmente se quer atingir,

o preço que será suportado e o que realmente se conseguirá transformar no

futuro. A nossa tarefa fundamental, isto é, da ciência, é traçar linhas, ainda que

iniciais, de como conduzir de forma conciliadora esse novo estágio da evolução

humana contemporânea, sob as bases principiológicas e igualmente evolutivas

dos fundamentos de nossos institutos jurídicos. Deveras, não é tarefa da ciência

e do jurista profetizar o futuro, mas explicar o que acontece, suas implicações

legais e jurídicas no presente. 22

Para fins de estudos sobre a temática que envolver a

“Sociedade da Informação” pensamos que assim deverá ser na análise da inter-

relação humana fático-social. Desse modo, no estudo da lesão negocial percebe-

se evidente o processo de agilização das transações em nome da necessidade

contratual, ponto este essencial da lesão como vício de consentimento,

permitindo-se um equilíbrio necessário nas relações contratuais eletrônicas.

A distinção entre a informação e conhecimento fica

evidenciada a partir da grande bagagem informacional que necessita ser filtrada

22 José Oliveira Ascensão, Direito, cit., p. 146: “O futuro está sempre em aberto. Não é função do jurista ser o arauto do que acontece, mas sim ser um construtor do equilíbrio dos fatores que sirva verdadeiramente a sociedade em que se insere. Limitando-se a explicar o que acontece, o jurista é um “profeta do presente”. Trai a verdadeira função profética ou de construção do futuro, que lhe cabe desempenhar”.

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Docente em Direito Civil na graduação e pós-graduação das FMU – Faculdades Metropolitanas UnidasAdvogado

a partir da reflexão do pensamento humano, permitindo a formação de seu

intelecto. As novas relações sociais virtuais e conflitos aparecem

gradativamente, apesar do seu dinamismo. É nas questões virtuais que mais se

percebe a oportunidade de exemplo de socialidade instigado pelo Código Civil

de 2002. Nas comunidades da internet a boa conduta em prol de interesses

coletivos geram benefícios cada vez mais inspiradores do que qualquer outra

conduta ilícita ou alheia ao direito. Apesar do próprio interesse maior na

interação sadia, honesta e ética nas questões virtuais, é preocupante as inúmeras

questões e conflitos que dela decorre pela ilicitude de alguns. Assim como no

mundo real, o mundo virtual repete a necessidade de proteção jurídica ante aos

conflitos de interesses de uma parcela da sociedade.

A questão da auto-regulamentação tem grande significado e

importância no mundo virtual. Naturalmente, em razão da fase embrionária que

a virtualidade já pode oferecer, a ausência legislativa e regulamentação de

certos limites alavanca com maior força o próprio princípio da autonomia da

vontade privada. Não só nas relações contratuais, mas na prática de qualquer ato

virtual, de qualquer natureza dos ramos do direito, desencadeia inúmeros

reflexos e conseqüências jurídicas. É a própria necessidade de normatização, o

cerne da própria constituição de sociedade e direito. E, nas questões contratuais,

a força reagente do princípio da heteronomia da vontade.

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Surge, portanto, um novo direito, autônomo e independente,

apesar de sua característica interdisciplinar, isto é, o direito da Sociedade da

Informação, com características próprias e autônomas, com necessidade de

auto-regulamentação, mas também de uma inafastável intervenção normativa,

daí porque expressamos a idéia essência de relações jurídicas juscibernéticas.

Não se trata mais da observação da juscibernética como toda e qualquer

aplicação da cibernética ao direito,23 mas, a nosso ver, do direito à

colmatação e regulação da cibernética. Essa é a proposta, porém,

respeitando-se a realidade social- virtual sem divergir da realidade

jurídica. O termo sociedade informacional, à luz do entendimento de Manuel

Castells, 24 em nítida comparação com a diferença entre indústria e industrial,

expressa um atributo de uma forma específica de organização social em que a

geração, o processamento e a transmissão de informação se convertem nas

fontes fundamentais da produtividade e do poder por conta das novas condições

tecnológicas nesta sociedade contemporânea. As relações jurídicas

juscibernéticas sugerem a necessidade de uma nova normatização e a criação de

um DIREITO INFORMACIONAL, isto é, a proposta de um novo ramo da

ciência jurídica que visa o estudo e a regulação das relações sociais virtuais. É

uma nova Jurisprudência (ciência), pois possui caráter científico, por se tratar

23 A idéia de juscibernética como toda e qualquer aplicação desta ao direito iniciou-se a partir de Mário G. Losano, Informática Jurídica, São Paulo: Saraiva: USP, 1976, p. 14.

24 Manuel Castells, A era da informação, cit., p. 32.

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de conhecimento sistemático, metodicamente obtido e demonstrado, dirigido a

um objeto determinado: a informação.

c) Direito à inclusão digital e o princípio da liberdade das formas

É preciso percebermos que o fato de convivermos na seara

da Sociedade da Informação, não significa que haja um dever jurídico das

pessoas de se submeter, obrigatoriamente, à tecnologia dos contratos

eletrônicos. A indagação que se faz é: é dever jurídico da parte ter que se

submeter ao contrato eletrônico? A prestação do serviço deve ou pode ser

somente pela internet, principalmente, em relações de consumo? É um direito

ou dever?

Não podemos confundir direito à inclusão digital com o

dever da pessoa incluir-se. O direito de informar, direito de se informar e o

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direito de ser informado,25 não se confundem com o dever da parte de ter que se

submeter à inclusão digital. 26

O direito de informar é uma prerrogativa constitucional, isto

é, uma permissão concedida às pessoas naturais ou jurídicas, conforme

preceitua o art. 220 da Constituição Federal de 1988.27 Trata-se de norma pétrea

das garantias fundamentais, assim como dispõe o inciso IX do art. 5º do texto

constitucional.

25 Há o dever de informar. O dever de informar é o dever de lealdade, como ocorre com o art. 157 da Lei 6.404/76 que dispõe sobre o dever de informar a respeito de fatos relevantes de uma determinada empresa, tais como a relação negocial entre o administrador e a companhia que precisam ser cientes a respeito do mercado de capitais. Igualmente, a divulgação de fato relevante é feita pela imprensa, por meio de jornais da qual a empresa tenha interesse em realizar, pois as informações via internet não dispensa, de modo algum, as publicações em meios tradicionais. Isso porque, o insider trading é o temor das pessoas em relação àqueles que ocupam cargos de posição na companhia ou na atividade que exerce em que são capazes de afetar a cotação dos valores mobiliários da sociedade aberta, utilizando-se dessa informação para benefício próprio ou de outrem, por terem acesso a dados sigilosos antes da divulgação no mercado (inside information). Nas relações de consumo, o inciso III do art. 6º do CDC estabelece o direito básico do consumidor de obter informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, caracteríticas, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem, aplicando-se esta regra tanto para a informação via virtual ou tradicional.

26 Se hipoteticamente, o sinal de transmissão da televisão for somente através de tecnologia digital, a concessão de aparelhos decodificadores a baixo custo não isenta o Estado de respeitar o direito à inclusão digital de todos. Aqueles que, comprovadamente, não tiverem recursos financeiros para custear um aparelho decodificador, ainda que de baixo custo, uma vez inexistente o sinal televisivo na forma atualmente tradicional, há o dever do Estado em garantir a inclusão digital dessas pessoas, ainda que minoria no contexto social, diante do direito ao desenvolvimento conquistado pelo próprio Estado.

27 Art.: 220: A manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

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O direito de se informar é uma prerrogativa concedida às

pessoas, indistintamente. Esse direito surge através do bem que é a informação.

No inciso XIV do art. 5º é assegurado esse direito no que se refere à informação

em geral, garantido o direito de sigilo da fonte, quando necessário ao exercício

profissional, assim como acontece nos incisos X e XXXIII do art. 5º que se

referem a este direito.28

Assim, na Constituição Federal de 1988 o direito de ser

informado surge em razão do dever de alguém ter que informar. Daí aparece o

direito de ser informado.

Todavia, a questão da informação e a submissão aos meios

tecnológicos não se trata de um dever propriamente dito.

Seria o direito à inclusão digital um direito, um dever ou uma

garantia preservada constitucionalmente, em virtude do art. 5o da Constituição

Federal? Trata-se de clássica distinção da doutrina alemã, como ressalta Canotilho,

segundo a qual as garantias institucionais (Einrichtungsgarantien) compreendiam as

28 Art. 5º, inciso X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Inciso XIV: é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Inciso XXXIII: todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

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garantias jurídico-públicas (Institutionnelle Garantien) e as garantias jurídico-

privadas (Institutsgarantie).29

As garantias institucionais, não obstante serem previstas e

protegidas pelo ordenamento constitucional, não seriam, segundo a referida

classificação, direitos atribuídos diretamente às pessoas, mas a determinadas

instituições que possuem sujeito e objeto diferenciado. Dessa forma, a

maternidade, a família, a liberdade de imprensa, o funcionalismo público, os

entes federativos são instituições protegidas diretamente como realidades

objetivas e só indiretamente se expandem para a proteção dos direitos

individuais. Alguns direitos são reconhecidos pela Constituição Federal de

1988, garantindo-os, como ocorre com o direito de propriedade, direito de

resposta, de prestação de assistência religiosa e, outras vezes, garantias são

mencionadas através da inviolabilidade do elemento assecuratório, como prevê,

por exemplo, o inciso XI do art. 5o da Constituição Federal: “a casa é o asilo

inviolável do indivíduo”.

Contudo, sob o prisma do direito contratual à luz do direito

civil, devemos notar que apesar de todos terem o direito de acesso à

informação, à inclusão cibernética, não se pode cogitar no dever de contratação 29 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 517.

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eletrônica imposto por uma das partes. O argumento de haver interesse público

na inclusão eletrônica ou sobreposição pelos contratos eletrônicos, sem opção à

outra parte, caracteriza ofensa à liberdade de opção e da contratação. Ademais,

é violadora do princípio da humanização do direito, concebendo o humano pelo

humano, em que não se tolera o humano pelo patrimônio, ao lançar as

contratações exclusivamente pelas vias eletrônicas sendo-lhe vedada a

possibilidade do conhecimento da parte contrária, face a face. É direito de

opção a escolha do usuário, por exemplo, de um prestador de serviço, sob o

enfoque das relações civis ou de consumo, em querer contratar ou realizar

qualquer negócio pelas vias tradicionais, como uma transação comercial,

movimentação bancária, em atendimento pessoal. Dificultar esse acesso ou

restringi-lo totalmente fere o próprio contexto da Sociedade da Informação, já

que esta não pode ser restritiva a certas condicionantes, no caso, o próprio meio

eletrônico.

Essa realidade não se trata de uma mera discussão filosófica,

mas implica também em reflexos e conseqüências jurídicas. Se alguém se

submete aos critérios dispostos na internet sob uma contratação e a parte não

tem opção de contratar pessoalmente, é ela, em tese, quem assume o risco da

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responsabilidade civil, sendo-lhe cerceado o direito de realizar uma contratação

fora dos parâmetros eletrônicos e, portanto, afastando-lhe dos riscos naturais

dessa atividade. Em contrapartida, dadas as orientações internacionais em que a

responsabilidade baseia-se na culpa, tem-se que o usuário internauta ficaria

adstrito – caso fossem aplicadas essas regras – às contratações eletrônicas

suportando os riscos de seu prejuízo, ainda que não incorresse em culpa a outra

parte contratante oferecedora do serviço, por vezes, de adesão.

d) A fonte do direito na “Sociedade da Informação”

Há quatro construções teóricas sobre a discussão da fonte do

direito que deve ser aplicada às questões relacionadas à internet.

A primeira corrente, considerada uma teoria negativista, surgida

nos Estados Unidos da América no início da década de 90, entende que a internet

criava um ambiente que não deveria estar sujeito à regulamentação jurídica

tradicional, haja vista a própria impossibilidade de adequação da normatização legal

às hipóteses surgidas no âmbito virtual. 30

30 Vários exemplos podem ser citados, apesar de haver muita controvérsia nos Estados Unidos da América sobre o assunto: embora o jogo de azar fosse proibido na maior parte dos estados norte-americanos, o jogo na internet através de um cassino localizado em outro país sem território próprio naquele país não poderia estar sujeito às normas legais pré-existentes. Ou, ainda, não se aplicaria as leis protetivas dos direitos autorais, já que a cópia é livre, perfeita e totalmente anônima na internet. Nas hipóteses de crimes por publicação de obscenidade, não haveria como controlar a publicação, bem como haveria forte controvérsia com a questão da

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No final da década de 90, surge um segundo posicionamento,

conhecida por teoria da “escola da arquitetura”. Os seus defensores sustentam que a

arquitetura técnica criada pelo código dos programas de computador que controlam

a internet seria a chave para a aplicação do direito no ambiente virtual. 31 É baseado

no entendimento que o código-fonte 32 poderia ser utilizado pelos programadores

como manobra para não se sujeitar à aplicação do direito e normas existentes. Desse

modo, seria possível que os programadores criassem arquiteturas virtuais de rede em

códigos imunes às leis. Segundo o pensamento dessa escola, o governo norte-

americano deveria regulamentar a arquitetura do código-fonte do ambiente de rede,

permitindo um controle legislativo e jurisdicional sobre todas as operações na

internet.

A terceira posição, advinda também dos Estados Unidos da

América, sustenta que a norma jurídica interna deve ser a principal fonte do direito

liberdade de expressão, tema árido no direito norte-americano. Entre os seguidores desse pensamento, destaca-se David R. Johnson e David G. Post, in “And how shall the net be governed?: a meditation on the relative virtues of decentralized emergent law”, Coordinating the internet, EUA: Brian Kahin & James H. Keller, 1997.

31 Nesse pensamento, ver: Lawrence Lessig, Code and other laws of cyberspace, EUA: Basic Books, 1999, passim.

32 O código-fonte é o programa originariamente escrito pelo programador. O código-objeto é o programa escrito em uma linguagem que possibilita à máquina executar e dizer as instruções digitalizadas. Assim, o código-fonte é o elemento que se permite realizar a manutenção, suporte e modificação do código-objeto. Ambos os códigos são protegidos pelo direito autoral, à luz da doutrina e jurisprudência, mas a proteção do código-objeto revestiu-se de alguma problemática anteriormente, devido à dificuldade de classificá-la como obra, criação humana ou tradução/adaptação. Nesse sentido, ver Manoel Joaquim Pereira dos Santos, “O direito autoral na internet”. In: Marco Aurélio Greco; Ives Gandra Martins (Coords.). Direito e internet: relações jurídicas na sociedade informatizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 137-62.

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regulamentador da internet, mediante o uso da analogia. 33 Na verdade, esse foi o

primeiro pensamento sobre o assunto, 34 sendo que nos parece ser a posição

majoritária também entre os autores brasileiros. 35 Por fim, há entendimento

proclamando a necessidade de tratados internacionais para o estabelecimento do

direito da internet. 36

Em que pese a carência de normas específicas regulando as

relações na internet, entendemos que a fonte do direito na “Sociedade da

Informação” deverá ser a norma jurídica interna de cada país e, assim, filiamo-nos à

terceira corrente acima exposta, devendo o intérprete adequá-las através do uso da

analogia, quando necessário, já que a internet deve ser vista apenas como um

instrumento ou meio das relações jurídicas, isto é, sob o aspecto fático social.

Sugere-se, contudo, que se observem as orientações internacionais, como a Lei

Modelo da UNCITRAL, já que apesar de não serem normas vigentes no país, é de

suma importância sua observância ao menos com relação às regras ou condutas

gerais, ante o conceito de globalização e dever de atenção dos países ao agir de

forma harmonizada com os demais, evitando o retrocesso ao desenvolvimento

nacional. E na omissão da lei, deve-se utilizar a função integrativa do magistrado. 33 Entre os seguidores, destaca-se Eugene Volokh, professor da Universidade de Ucla Law

School. Disponível em: <http://www.volokh.com/archives/archive_2006_10_22-2006_10_28.shtml>. Acesso em 18.01.07.

34 Ver: Mário Losano, Informática jurídica, São Paulo: Saraiva, 1976, p. 11 e ss.35 Nesse linha percebe-se o seu desenvolvimento em toda extensão da obra de Newton de Lucca

e Adalberto Simão Filho (Coords.), Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Edipro, 2000.

36 Stuart Biegel, Beyond our control? Confronting the limits of our legal system in the age of cyberspace, EUA: MIT Press, 2001.

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Nas questões envolvendo a internet e outros países são de sensível percepção a

necessidade de uma regulamentação internacional mais segura. Enquanto não há,

devem-se observar as normas e tratados internacionais já existentes, as normas

estabelecidas pela ONU e da UNCITRAL, porém, igualmente, colmatar pelo

processo de analogia e reconhecendo-se a questão da internet como espaço virtual de

meio comum entre as relações humanas.

AULA 02 - RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO CIVIL

Evolução histórica da responsabilidade civil A responsabilidade civil objetiva e subjetiva no Código Civil Requisitos da Responsabilidade civil objetiva Requisitos da Responsabilidade civil subjetiva

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Critério legal de aplicabilidade da responsabilidade civil objetiva e subjetiva Posições contrárias a respeito da responsabilidade civil dos provedores de internet

quanto à espécie de responsabilidade

AULA 03 – EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NA INTERNET

Conceito de direitos da personalidade no mundo digital. Espécies de direitos da personalidade: a imagem e suas espécies; a honra objetiva e

subjetiva; o nome; a intimidade pelos eletrônicos de divulgação. Critérios de quantificação do dano moral nas questões virtuais. Análise da

possibilidade de aplicação da Lei de Imprensa. A prova do dano nos meios virtuais e a sua extensão como quantificação da

indenização Direito à intimidade em e-mails

MATERIAL DA AULA 02 E 03:

a) História

A história confirma o princípio de que a personalidade diz respeito a todos

igualmente – princípio da isonomia. Como é sabido, este se divide em dois primaciais

momentos: tratar os iguais igualmente, e em segundo momento, tratar os desiguais,

desigualmente, de modo a equipará-los em um mesmo patamar de valoração jurídica.

O surto industrial que se seguiu à I Grande Guerra e a multiplicação de máquinas

provocaram o aumento do número de acidentes, motivando a difusão dos estudos e ações

nesse sentido, buscando um maior tratamento igualitário, bem como uma melhor análise

dos danos não só patrimoniais. Com efeito, este surto do progresso, o desenvolvimento

industrial e a multiplicação dos danos acabaram por ocasionar o surgimento de novas

teorias, tendentes a propiciar maior proteção às vítimas. Foi devido às preocupações de

índole social é que o direito de personalidade surgiu.

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Mas foi, sob a influência da jurisprudência francesa que o estudo da

responsabilidade civil se foi desenvolvendo entre nós. O direito subjetivo foi o fulcro da

Declaração Francesa dos direitos do homem e o Código de Napoleão os quais consagraram

uma secular tradição jurídica de cunho individualista com raízes no direito romano. A

doutrina dos direitos da personalidade surgiu da reação contra o domínio absolutista do

Estado sobre o indivíduo (Revolução Francesa, 1789). Iniciou-se com a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, em que se reduziu tais direitos à igualdade,

liberdade, segurança, propriedade e resistência à opressão, que tinha em vista a liquidação

(“tábua rasa”) do Antigo Regime feudal para uma ordem democrática de direito,

consubstanciada no capitalismo de livre concorrência, e sociedade não estratificada por

nascimento. A repercussão internacional da Revolução Francesa deu início à consagração

destes direitos no plano internacional e constitucional. Houve um individualismo do séc.

XVIII na formação da teoria da personalidade.

A doutrina germânica foi pioneira, percussora, inovadora na definição desses

direitos, na esfera civil, embora tivesse a oposição de Savigny. Havia uma proteção pela lei

penal, porém, esta não é destinada à proteção dos indivíduos mas à proteção do grupo

social.

Todavia, a personalidade integra o direito individual. Todo direito é da

personalidade, posto que todo direito é antropocêntrico, humano. Os direitos da

personalidade visam à proteção jurídica dispensada à pessoa em si mesma considerada, em

seus atributos físicos e morais e em tudo que suponha o seu adequado desenvolvimento.

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b) Origem

O legislador pátrio se inspirou no Código Civil francês, na elaboração dos arts. 159

e 1518 do Código Civil. O dever de reparar o dano na França se dá em virtude do FAUTE

(falta ou erro), que, devido sua ambigüidade, gerou muita discussão. E o legislador pátrio,

buscando contornar a discussão, preferiu valer-se da noção de ATO ILÍCITO como causa

da responsabilidade civil. Todavia, forçoso reconhecer que a passagem do subjetivismo

para o objetivismo jurídico é a característica essencial da evolução jurídica do nosso tempo.

Com efeito, responsabilidade objetiva funda-se num princípio da EQÜIDADE, existente

desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou

pelas desvantagens dela resultantes, pois “quem aufere os lucros, deve suportar os

incômodos ou riscos”.

O atual novo Código Civil, dedica um título especial e autônomo à responsabilidade

civil, do artigo 927 usque 943, o qual incluiu todas as reparações provenientes de atos

ilícitos, explicitando a responsabilidade objetiva e suas hipóteses de incidência: quando a

lei determinar ou quando ocorrer a hipótese de aplicação da teoria do risco (criado e

proveito) (§ único do art. 927 do novo Código Civil).

Assim, passaremos a tratar da responsabilidade civil no campo dos direitos da

personalidade, à luz de ambas as teorias.

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c) O Código Civil adotou ambas as responsabilidades, objetiva e subjetiva.

Conceitualmente, preferimos a lição de Maria Helena

Diniz, a respeito da responsabilidade civil:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que

obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou

patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por

ela mesma praticado, por pessoa por quem ela

responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de

simples imposição legal.37

A idéia de responsabilidade civil baseia-se no princípio

multissecular do neminem laedere (a ninguém se deve lesar), que reflete, nada mais e nada

a menos, do que uma das primeiras regras do denominado “direito natural”.

Assim, uma vez verificado uma conduta que gere um

prejuízo a terceiro, e este prejuízo pode decorrer de qualquer esfera jurídica (patrimonial ou

moral), ter-se-á, sob o manto da teoria da responsabilidade civil, o dever jurídico de reparar

o dano causado a terceiro. Dessarte, a teoria da responsabilidade civil foi edificada para

37 Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7, 21ª ed. p. 34.

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alcançar as ações praticadas em contrário ao direito (tomado no sentido de directus ou

rectus, isto é, reto, em linha reta).38

c) Pressupostos da responsabilidade civil

A ação, a omissão, nexo de causalidade e a antijuridicidade na

responsabilidade civil

A teoria da responsabilidade civil divide-se em duas: a

subjetiva e a objetiva.

A responsabilidade subjetiva é aquela que depende do

critério da culpa, seja por comissão ou omissão. E, ainda, do dolo malus. A

responsabilidade objetiva é aquele que decorre a responsabilidade independentemente de

culpa.

Contudo, na responsabilidade objetiva e subjetiva estão

presentes os seguintes requisitos: a ação ou omissão do agente, o nexo de causalidade e o

dano, seja ele material ou moral.

A ilicitude do ato consiste nas questões da

responsabilidade civil subjetiva. Na responsabilidade objetiva, ainda que haja ato lícito, este

poderá implicar em dever de reparação. 39

38 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª. Edição, p. 53.

39 SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de, Direito à moradia e de habitação: análise comparativa e suas implicações teóricas e práticas com os direitos da personalidade , 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 232-241.

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Isso porque, há a teoria do risco da atividade, enaltecido

através do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. O risco da atividade poderá ser o

risco criado e o risco proveito. O primeiro, consiste na hipótese da atividade naturalmente

criar um risco potencial de dano e, uma vez concretizado esse dano, surge o dever de

reparar. È o caso da responsabilidade nas questões ambientais. O sujeito não obtêm uma

vantagem econômica direta da atividade, mas cria uma situação de risco de dano. Já a

segunda hipótese, o risco proveito, tem-se o dever de reparar quando da atividade decorre

uma vantagem econômica direta, criando-se um risco naturalmente de dano. Ocorrendo o

dano, há o dever de reparação. É o caso das relações de consumo, quando um refrigerante

por excesso de gás causado pela fábrica vem a causar a cegueira em um consumidor diante

de sua explosão.

O momento de aplicação de uma espécie de

responsabilidade ou outro é definido pelo parágrafo único do art. 927 do Código Civil, isto

é, em duas situações: a) quando a lei determinar; b) quando houver risco causado pela

natureza da atividade exercida pelo agente lesante.

Com isso, definiu-se, de uma vez por todas, em que

situações se deve se deve aplicar a responsabilidade objetiva ou a subjetiva.

Nas questões de direito de família, pensamos que a

espécie de responsabilidade civil nas relações familiares reside sob a ótica da culpa e,

portanto, da responsabilidade subjetiva. É verdade que a teria objetiva vem a contribuir

com a possibilidade de ampliação da indenização, porém, a sua finalidade surgiu em

virtude do crescimento industrial, no intuito de atribuir um equilíbrio econômico-social.

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Nas relações familiares não vislumbramos critérios

legais que autorizariam o risco da atividade para indenizações entre membros de uma

mesma família como regra geral, mas, ainda, mantendo-se a idéia da culpa como elemento

autorizador do dever de reparação. Contudo, há exceções, como na hipótese do inciso I do

art. 932 do Código Civil, já que independe de culpa nestes casos.

Desse modo, poderá haver antijuridicidade por danos

seja pelo critério objetivo ou subjetivo, conforme determinar a lei. Contudo, mesmo sendo

praticado um ato inicialmente lícito, na hipótese da teoria da responsabilidade objetiva, em

havendo dano, considera-se como sendo antijurídico e, portanto, implicando no dever de

reparação.

d) Do dano patrimonial e dano moral

Segundo Marcius Porto, entende-se que dano é todo o

prejuízo que alguém sofre, suscetível de apreciação pecuniária. Não são indenizáveis os

danos insignificantes. O dano deve ser certo e não puramente individual ou hipotético para

que seja possível determinar o seu montante. Sendo futuro o dano, deve haver certeza de

que será o efetivamente produzidos. 40

Para Aguiar Dias, o dano que interessa ao estudo da

responsabilidade civil é o que constitui requisito da obrigação de indenizar. Assim, não se

40 PORTO, Marcius. Dano moral – proteção da consciência e da personalidade. São Paulo: Mundo Jurídico, 2007, p. 74-5.

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pode deixar de atentar a divisão de danos patrimoniais e danos morais, imateriais ou não

patrimoniais e destaca que:

Quando o dano não corresponde às características do

dano patrimonial, dizemos que estamos na presença do

dano moral. A distinção, ao contrário do que parece,

não decorre da natureza do direito, bem ou interesse

lesado, mas do efeito da lesão, do caráter da sua

repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é

possível ocorrer o dano patrimonial em conseqüência de

lesão a um bem não patrimonial, como dano moral em

resultado de ofensa a bem material. 41

A compreensão de dano moral remonta à idéia do que

seja bem da personalidade.

A personalidade é um complexo de características

interiores do indivíduo, que se manifesta na coletividade ou no meio que o cerca,

revelando seus atributos materiais e morais. Com efeito, no sentido jurídico, a

personalidade é um bem, aliás, o primeiro pertencente à pessoa, sua primeira

utilidade.42

Limongi França dispõe que:

41 DIAS, José Aguiar, Da responsabilidade civil, 8ª Ed., v. 02, Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 852.

42 TELLES JR, Goffredo, Direito subjetivo. Enciclopédia Saraiva de Direito. v. 28:135.

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São as faculdades jurídicas cujo objeto são os

diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem

assim as suas emanações e prolongamentos.43

Orlando Gomes ensina-nos que:

Sob a denominação de direitos da personalidade,

compreende-se direitos considerados essenciais à

pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e

disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade. 44

E enfatiza suas lições ao conceituar que os direitos

da personalidade constituem-se nos bens jurídicos em que se convertem projeções

físicas ou psíquicas da pessoa humana, por determinação legal que os individualiza

para lhes dispensar proteção.45

Dessa forma, podemos afirmar que os bens da

personalidade existem, quando se referem às condições da essência do ser humano e,

em decorrência, o direito de personalidade surge para proteger os referidos bens, à

medida que tais direitos preservem fatores elementares para a existência digna da

pessoa.

43 FRANÇA, Limongi. Direitos da personalidade. Enciclopédia Saraiva de Direito, v. 28:140. Vê-se que Limongi França define os direitos da personalidade como "faculdades", pois, somente ao interessado ou o titular desse direito, cumpre buscar a sua proteção jurídica aos aspectos da sua própria pessoa. Assim, esboça-se desde já uma das características dos direitos da personalidade que é a titularidade e, como conseqüência, a irrenunciabilidade deste direito pelo seu titular.

44 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 153.45 GOMES, Orlando. Introdução, cit., p. 150-1.

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Pontes de Miranda, dentre os juristas nacionais,

classifica os direitos da personalidade em:

a) o direito à vida; b) o direito à integridade física;

c) o direito à integridade psíquica; d) o direito à

liberdade; e) o direito à verdade; f) o direito à

igualdade formal (isonomia); g) o direito à igualdade

material, que esteja na Constituição; h) o direito de

ter nome e o direito ao nome; i) o direito à honra; j)

o direito autoral de personalidade.46

Os direitos da personalidade surgem não só com o

nascimento da pessoa humana, mas até mesmo antes dele, aparecendo a partir da

concepção. Logo, poder-se-iam denominar inatos não no sentido de serem anteriores

ou de existirem independentemente do seu reconhecimento jurídico, como se dissera

outrora, mas porque aparecem exigindo apenas um pressuposto necessário: a

personalidade, pois havendo esta, há o direito a proteger. Nesse sentido é que

devemos entender o direito de personalidade como inato.47

Assim, os bens da personalidade são bens infungíveis,

por se referirem à dignidade da pessoa humana. Os bens materiais, quando são lesionados,

tem-se a indenização por dano material. 48

46 MIRANDA, F.C. Pontes de. Tratado de direito privado . Rio de Janeiro: Editor Borsoi, t. 2, 1971, p. 06; e Rio de Janeiro: Borsoi, t. 7, 1955, p. 11-139.

47 Para Carlos Alberto Bittar, os direitos da personalidade “constituem-se em direitos inatos (originários), absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes”. Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, cit., p. 11.

48 Citamos: “Por exemplo, se o sujeito “A”, colecionador de veículos, tem seu automóvel antigo da década de 60, destruído por uma colisão, em que o mesmo era mantido sob elevado custo anual, tem-se um bem infungível, mas não direito à indenização por dano moral, em que pese

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Logo, podemos afirmar que não se restringe o dever de

reparação os danos materiais nas relações familiares, mas, igualmente, os danos morais, já

que se é possível a indenização por aquele, sob o prisma axiológico, não poderia se excluir

este último. Seria, afinal, uma inversão de valores que não teria sentido em uma

interpretação sistemática e lógica do ordenamento jurídico. Se, pois, o tutor ou os

ascendentes devem reparar o dano material por má gestão administrativa dos bens de

menores, tem-se a possibilidade de indenização por dano moral, quando há, por exemplo, o

abandono espiritual ou, ainda, v. g., o descumprimento injustificado do dever de alimentar

um idoso, entre um descendente ao seu ascendente direto. A dignidade da pessoa humana

deverá comportar proteção preventiva e repressiva sob o aspecto do dano moral.

posição jurisprudencial em contrário. Todavia, certos bens são infungíveis, mas exprimem em si elevada dose de relação afetiva com outrem, como o anel de casamento ou noivado ou, ainda, uma foto rara da família. Tais bens têm uma única destinação própria: a lembrança de um ente querido, vivo ou não. Esses bens que têm uma funcionalidade exclusiva de recordação ou enlace afetivo entre pessoas são passíveis de indenização por dano moral, por dano à integridade moral no que concerne ao aspecto psicológico. Outros bens que se destinam a uma função própria, como uma rara caneta de coleção, por exemplo, apesar de serem recebidos por alguém estimado, não há indenização por dano moral, mas sim uma fixação de um valor pelo dano suportado por ser bem infungível, inestimável. Citamos a lanço de exemplo, quando um sujeito “B” mantém um veículo em sua propriedade, sendo que este não tem nem mesmo mais condições econômicas de reparo e uso, mas é mantido pelo proprietário pelo fato de ter sido um presente por um ente querido da família. Se o veículo foi destruído por uma colisão, não caberia dano moral, segundo nosso entender, ainda que nestas condições. Isso porque, somente o amor e/ou os valores às pessoas ou objetos inanimados que trazem por função própria a lembrança e o enlace com outro são indenizáveis por dano moral, por abalo psicológico. Os valores pessoais por esses bens destruídos evidentemente se indenizam, porque o afeto entre as pessoas desrespeitadas fere a dignidade humana, mas não o sentimento sobre as coisas e bens com típica funcionalidade diversa. Estes, quando muito, são bens infungíveis, passíveis de uma fixação justa por parte do aplicador do direito, por serem inestimáveis, já que não podem ficar à revelia de uma proteção jurídica. Será mera hipótese de indenização de bens materiais infungíveis, mas não sob o fundamento de dano moral. É nesse aspecto que deve se ater o operador e o aplicador do direito”. SOUZA, Sergio Iglesias Nunes de. Lesão nos contratos eletrônicos na sociedade da informação: teoria e prática da juscibernética ao Código Civil . São Paulo: Saraiva, 2009, p. 271.

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O dano moral refere-se aos danos relativos aos bens da

personalidade humana e os bens infungíveis são bens que têm um valor inestimável, mas

não traduzem, em si, um dano à pessoa, mas a bens patrimoniais pertencentes à pessoa, sem

qualquer reflexo extrapatrimonial. Dessa forma, podemos afirmar que os bens da

personalidade existem quando se referem às condições da essência do ser humano e o

direito de personalidade surge para proteger os referidos bens extrapatrimoniais, à medida

que tais direitos preservem fatores elementares para a existência digna da pessoa.

Por essa razão, J. Gomes Canotilho sugere critérios de

forma a concretizar a preservação da dignidade da pessoa humana: “1. Afirmação da

integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável da sua

individualidade autonomamente responsável; 2. Garantia da identidade e integridade da

pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade; 3. Libertação da ‘angústia da

existência’ da pessoa mediante mecanismos de socialidade, dentre os quais se incluem a

possibilidade de trabalho e a garantia de condições existenciais mínimas; 4. Garantia e

defesa da autonomia individual através da vinculação dos poderes públicos a conteúdos,

formas e procedimentos do Estado de direito; 5. Igualdade, expressa na mesma dignidade

social e na igualdade de tratamento normativo (igualdade perante a lei)”. 49

Devemos, ainda, lembrar que a matéria de

responsabilidade civil tem natureza de ordem pública.

Orlando Gomes pontifica:

“A lei de ordem pública é aquela que entende com os

interesses essenciais do Estado ou da coletividade, ou

49 CANOTILHO, J.J,. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1992, p. 82-3.

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que fixa, no Direito Privado, as bases jurídicas

fundamentais sobre as quais repousa a ordem

econômica ou moral de determinada sociedade.

... Recorre-se ao expediente da enumeração

exemplificativa, tentando-se classificá-los, como segue:

2o) as leis relativas a certos princípios de

responsabilidade civil ou a certas responsabilidades

determinadas”.50

Assim, a matéria de responsabilidade civil, por si só,

envolve interesse de ordem pública, reforçado ao talante, ainda, quando se tratar de

responsabilidade civil em relações familiares.

Com efeito, os danos personais referem-se justamente a

violação de direitos inerentes à personalidade humana, e logo, não são suscetíveis de uma

aferição econômica exata, todavia, isto não justifica que tais violações não sejam

indenizáveis.

É impossível uma rigorosa avaliação pecuniária do dano

moral, conforme lembra nossos Tribunais (RT 564/265), todavia, o direito não vem a

reparar, no sentido literal do termo, um bem que é juridicamente protegido, como a vida,

mas serve apenas como um apaziguamento dos prejuízos decorrentes de determinada

conduta que lhe tenha causado. Maria Helena Diniz ressalta as seguintes considerações:

50 GOMES, Orlando, Contratos, 24a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 24.

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“Não se pergunta: Quanto vale a dor dos pais que

perdem o filho? Quanto valem os desgostos sofridos

pela pessoa injustamente caluniada?, porque não se

pode avaliar economicamente valores dessa natureza.

Todavia, nada obsta a que se dê reparação pecuniária

a quem foi lesado nessa zona de valores, a fim de que

ele possa atenuar alguns prejuízos irreparáveis que

sofreu. Assim, com o dinheiro, o lesado poderia

abrandar sua dor, propiciando-se alguma distração ou

bem-estar. Não há quantia capaz de corresponder, p.

ex., ao sofrimento causado aos pais pela morte de um

filho; ao abalo emocional pelo impacto de uma injúria;

à humilhação ou à contrariedade causada pela queda

de crédito oriunda de uma calúnia ou difamação, etc. A

reparação pecuniária teria, no dano moral, uma função

satisfatória ou compensatória e, concomitantemente,

penal, visto ser encargo suportado por quem causou o

dano moral. O lesado sempre prefere não ter sofrido

qualquer lesão, logo o dinheiro que se lhe dê, qualquer

que seja o montante indenizatório arbitrado, jamais

faria com que se sentisse compensado” (RTJ, 67/182)” 51

E assim deve ser enfrentado a questão da avaliação do dano à personalidade

humana, na medida em que embora não seja suscetível de apreciação econômica, deverá

51 DINIZ, Maria Helena, Curso, cit, v. 06., p. 85.

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haver um valor que represente a atenuação do prejuízo que lhe fora causado. Assim, é

aplicável o art. 944 do Código Civil para a fixação do valor da indenização por dano moral,

bem como adotar critérios, tais como a culpabilidade do agente, o grau do bem da

personalidade envolvido, além da extensão do dano, já que os critérios de fixação de dano

moral não podem ser taxados coletivamente, mas individualmente, conforme cada caso

concreto, cabendo ao Poder Judiciário um poder discricionário justo e equitativo,

principalmente, quando se tratar de relação familiar, com caráter de compensação e sanção

a indenização (teoria do desestímulo).

d) Responsabilidade civil dos provedores

Os adeptos à irresponsabilidade civil dos provedores tem os

seguintes argumentos: a) as redes telemáticas obrigam-se a transferir somente dados

eletrônicos, já que são editores de caráter difuso, assim como um transportador,

arquivista ou um consumidor (receptor da informação); b) reconhecem a relação de

consumo, mas restringem a responsabilidade civil; c) o dever é restrito ao acesso,

registro, guardar dados e prestar informações adequadas aos seus usuários; d) somente

quando há a figura do fornecedor a responsabilidade é objetiva, art. 12 do CDC; e)

não responde pela informação criada por terceiro os provedores de conteúdo; f) é

inviável o controle, sob o risco de tornar-se provedor de censura; g) conforme a

Diretiva Européia (2000/31/CE) o provedor só responde, nos termos do item 12.1 se:

não estiver na origem da transmissão ou sendo intermediário não selecione o

destinatário da transmissão; não selecione ou modifique as informações que são objeto

da transmissão; pela diretiva 15.1, os Estados-membros não poderão impor aos

prestadores uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que estes

transmitem ou armazenem ou, ainda, uma obrigação geral de procurar ativamente

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fatos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes; que essa diretiva inspirou-se no direito

alemão relativa aos tele serviços; deverá haver uma regra geral de normas internas nos

países incentivando a isenção total da responsabilidade civil; h) só há

responsabilidade quando se conhece inequivocadamente a ilicitude da informação,

serviço ou oferta e não suspende ou interrompe o acesso aos destinatários; i) O projeto

da Ordem dos Advogados do Brasil, 52 instiga pela responsabilidade subjetiva, isto é,

através do pressuposto da culpa ou conhecimento; j) haja vista a automação da

inserção da informação, não há dever de informar; k) a lei geral de tele serviços na

Alemanha determina que os Estados federados sobre os serviços de mídia, incluindo,

distribuição, venda, compra, locação ou arrendamento de serviços respondem se: há

conhecimento do conteúdo; tecnicamente seja possível e razoável impedir sua

utilização; observar a obrigação de bloqueio do uso de conteúdos ilegais nos termos

das leis gerais; l) Em França, a orientação relativa à liberdade de comunicação é no

sentido de responsabilizar o provedor quando não cumprir ordem judicial; m) só há

responsabilidade civil quando existir prévio controle; n) nos contratos, após a junção

das partes, o comerciante, em princípio, não responde, nos termos do art. 13 do CDC.

Todavia, no sentido da responsabilidade civil dos provedores,

temos os seguintes fundamentos: a) tudo o que há nas relações juscibernéticas deverá

ter um controle humano, sob pena de o risco recair sobre o veículo de informação ou

provedor, seja ele qual for sua natureza, de conteúdo ou de intermediação; b) o

controle jurídico é de interesse público, inderrogável pelas partes, já que a natureza

jurídica da responsabilidade civil é norma de natureza cogente; c) a informação ainda

que sem destinatário não deverá ser ofensiva, contrária às normas da Constituição

Federal de 1988, sendo garantida a liberdade de pensamento; d) independentemente do

controle prévio, ainda que seja impossível pela tecnologia atual, o risco da informação 52 Atualmente em trâmite até a conclusão deste estudo.

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é de quem se beneficia, direta ou indiretamente por sua atividade, conforme o

parágrafo único do art. 927 do Código Civil, à luz da teoria do risco da atividade

proveito ou criado, pois, de fato, o controle total é inviável na atualidade, mas não

será a culpa o termostato regulador dos atos ilícitos praticados na internet, mas sim o

risco dessa atividade; e) a informação não é o produto da coisa, mas elemento

acessório obrigacional que pode ensejar danos ou defeitos (art. 14 do CDC), pois em

seu sentido latu temos a informação, em sentido strictu, temos o programa de

computador, por exemplo; f) a responsabilidade civil de terceiro, por hospedaria,

ainda que da informação é objetiva, art. 933 e 932, inciso IV do Código Civil de 2002;

g) o tratamento da realidade deverá ser idêntico à virtualidade; h) a inviabilidade

física ou tecnológica não é argumento jurídico de isenção de responsabilidade civil; i)

a censura comumente não reprime os atos lícitos, mas os ilícitos, assim como ocorre

nos meios televisivos; j) a liberdade de pensamento não é irrestrita ou ilimitadamente

maior que as garantias constitucionais, pois não há direitos absolutos (no sentido de

que este prepondera sobre todos os outros direitos); k) a informação inserida

automaticamente nos meios cibernéticos poderá ensejar reparação se não houve tempo

hábil para a sua retirada do ar; l) a isenção total da responsabilidade civil é instituto

que não existe no direito brasileiro, não sendo possível derrogar essa regra por

diretivas internacionais, ante ao princípio da soberania e do dever de cumprimento de

leis nacionais internas de cada país; m) o anonimato é vedado, garantido o uso de

codinome para preservar a privacidade; n) a televisão surgiu como veículo e responde

por danos aos bens da personalidade, logo, se um terceiro ofende na rede de televisão

caberá indenização contra o ofensor e, se não puder se identificar o ofensor, a

emissora responde ou jornalista, conforme o caso. O mesmo deverá ocorrer na

internet, pois, já são inúmeros os casos, principalmente na Alemanha, em que uma

empresa foi condenada pela divulgação de mensagens pornográficas; o) o transporte

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de informação (bem infungível) assemelha-se ao transporte de coisas, podendo

aplicar-se, analogicamente, a regra do art. 750 e seguintes do Código Civil de 2002; p)

quem tem legitimidade para determinar o dever de controle não é o próprio provedor,

mas a legislação interna de cada país; q) nos contratos eletrônicos comissionados, a

comissão é devida quando: vende; quando a negociação não se concretizar por

responsabilidade do usuário vendedor; se não há identidade do usuário comprador;

erro de digitação ao cadastrar o preço ou quantidade do produto anunciado. Assim, a

obrigação é de resultado e, portanto, responde pelas informações ou insuficiência

delas, art. 14 do CDC; modo de fornecimento por pessoa não credenciada, estranha ou

possível ser nome anônimo ou falso; r) o provedor atua sempre como um co-

contratante, pois tanto o comprador como o vendedor se sujeitam às normas do

provedor, havendo sua responsabilidade; s) o nome ou identificação da pessoa deve

ser obrigatório nos sítios, com informação de documentos pessoais, assim como o

Ministério Público de São Paulo já obrigou os provedores em medidas judiciais a

assim se comportarem.

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AULA 04 – CONTRATOS ELETRÔNICOS

Conceito de contrato eletrônico Classificação dos contratos eletrônicos Princípios contratuais nas relações juscibernéticas Requisitos genéricos dos contratos eletrônicos A inteligência artificial e a análise da vontade humana nas questões contratuais Formação do contrato eletrônico A prova do contrato eletrônico e a assinatura digital O domicílio virtual. O sítio na internet de fornecedor de produtos e serviços. Análise de sua definição

como estabelecimento comercial. Efeitos decorrentes da relação de consumo: direito de arrependimento do CDC

a) Conceito

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O contrato eletrônico é toda e qualquer manifestação de

vontade bilateral ou plurilateral que têm por objetivo constituir, modificar ou

extinguir direitos, de natureza patrimonial ou extrapatrimonial, por meio de

qualquer processo de telecomunicação eletrônica ou digital, desde que

celebrado à distância.

b) Classificação

Quanto à espécie de contratos envolvendo a tecnologia

moderna, direta ou indiretamente, há o: a) contrato eletrônico; b) contrato

telemático; e, ainda, c) contrato informático. 53

c) Princípios

O princípio da neutralidade tecnológica

O princípio da neutralidade tecnológica 54 indica que a

compreensão que se deve ter sobre determinado instituto jurídico relativamente

à regulamentação da contratação eletrônica na “Sociedade da Informação”, no

caso em análise, a lesão, não poderá sofrer alterações ao talante da contínua

evolução tecnológica, por novas descobertas e inventos. Pode parecer, numa

análise inicial, que o referido princípio estaria justamente caminhando em

sentido contrário à própria evolução do direito de informática ou telemática. 53 Ressalte-se que a classificação é atribuída conforme dois elementos essenciais: a) a forma de

manifestação da vontade, tema de relevância para o estudo da lesão nesses contratos em virtude deste vício de consentimento; b) quanto ao objeto do contrato, também de importância para o estudo da lesão em decorrência da desproporcionalidade das prestações oriundas do negócio.

54 Rafael Illescas Ortiz, Derecho de la contratación electrónica, cit., p. 51.

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Ademais, poderia aparentar contraditório, já que o direito como uma realidade

jurídica deveria adaptar-se às novas tecnologias e ao dinamismo social e, em

contrapartida, um pensamento de neutralidade poderia significar uma reflexão

interpretativa estanque às mutações tecnológicas. Porém, não é o que realmente

ocorre ao analisar o princípio da neutralidade.

O referido princípio não é absoluto, mas um mitigador das

abruptas evoluções que se trazem com a tecnologia moderna. De fato, devem-se

adaptar as novas descobertas e, continuadamente, sua aplicação a estas, de

modo que não afetem seu núcleo de significado ou, ainda, o seu fundamento

valorativo enquanto essência.

A própria insegurança jurídica estaria instaurada se, a cada

nova forma de transmissão de um e-mail, por exemplo, tivéssemos que

reestruturar os seus princípios de validação ou requisitos intrínsecos estruturais

de legitimação ou validação jurídica de um contrato celebrado por esse meio

virtual. 55 Dessa forma, o princípio da neutralidade tecnológica refere-se à idéia 55 Atualmente, muito se fala também na era do simples apertar de um botão. Essa própria idéia

se torna ultrapassada conceitualmente ou, ao menos, já defasada quando já existem tecnologias que obedece a comandos sem um só apertar de botão. Por exemplo, em um novo aparelho de celular, recentemente lançado, através de um sensor de calor do dedo humano é capaz de permitir a ampliação ou redução de uma imagem fotográfica, pelo mero movimento desejado, com um gesto de pinça ao se separarem (indicador e polegar). Revista Veja sobre novos celulares em recente lançamento, 17.01.07, edição 1991, ano 40, n. 02, São Paulo: Editora Abril, p. 56-9. Outro aspecto importante é que após o anúncio de referido celular, minutos depois o anunciante usou o próprio celular para verificar em tempo real as ações da empresa americana fabricante do produto e essas já tinham subido em 8%. Hoje, é a mera ampliação de uma imagem virtual. Amanhã, quem sabe, será para comunicar-se ou uma nova forma de instrumentalizar os contratos eletrônicos. É nessas reflexões que deve basear-se a ciência jurídica de que, embora haja mudanças tecnológicas, o importante, neste caso, por exemplo, é a intenção da vontade da parte

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essencial de que a ciência do direito não poderá ser remontada a cada nova

sistemática, tecnologia ou forma de transmissão de mensagens ou realização de

contratos pelas inúmeras formas possíveis e que ainda virão ao longo dessa

revolução virtual.

O que interessa para a ciência do direito, como ferramenta

para alcançar seus próprios resultados, é que esta ficará isenta das influências

na estrutura de seus valores já montados com a tecnologia presente e/ou futura,

sem, contudo, se engessar pelas normas principiológicas ou legislações

especiais também aplicáveis às questões virtuais.

Princípio da dignidade da pessoa humana

A razão da existência da sociedade, da organização do

Estado, os direitos e deveres incluídos os direitos difusos, resume-se na pessoa

humana. 56 A dignidade da pessoa humana é o fundamento ideológico do

Código Civil de 2002, implicando em um personalismo ético atribuído ao ser

humano. 57

consubstanciada no contrato ou no novo mecanismo eletrônico utilizado, seja ele qual for.56 No sentido léxico: decência, decoro, respeito a si mesmo, amor próprio, brio, pundonor. No

contexto do presente texto, entendemos como existência digna do ser humano aquelas condições consideradas elementares para a sua sobrevivência e no caso, a moradia, assim entendida pelas normas internacionais e pela Organização das Nações Unidas, como uma manifestação de autodeterminação consciente e responsável da própria vida, sendo um elemento também da dignidade, carregando consigo o dever de respeito por parte das demais pessoas e constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo ordenamento jurídico deve proteger, exigir e assegurar.

57 Conforme Larenz: “el personalismo ético atribuye al hombre, precisamente porque es ‘persona’ en sentido ético, un valor en sí mismo – no simplemente como medio para los fines de otros – y, en este sentido, una ‘dignidad’. De ello se sigue que todo ser humano tiene frente a cualquier otro el derecho a ser respetado por él como persona, a no ser perjudicado en su

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A Constituição Federal de 1988 adota o princípio da

dignidade da pessoa humana 58 como erigida ao status fundamental, nos termos

do inciso III do art. 1o. Trata-se de um princípio basilar que deve ser observado

da relação jurídica entre Estado e indivíduo (relação jurídica através da ordem

constitucional) e indivíduo-indivíduo e Estado-Juiz (relações jurídicas no

direito civil). O fundamento jurídico em nossa abordagem sobre a lesão na

“Sociedade da Informação” é um aspecto de fundamento de valor e, por

conseguinte, por ser nesta característica, é justamente a dignidade também um

valor atribuído pela sociedade, conforme o curso de sua evolução, tempo e

espaço. Há uma natural revalorização da pessoa no direito privado,

propugnando-se por sua dignidade nas relações contratuais erigida a princípio

existencia (la vida, el cuerpo, la salud) y en ámbito propio del mismo y que cada individuo está obligado frente a cualquier otro de modo análogo. La relación de respeto mutuo que cada uno debe a cualquier otro y puede exigir de éste es la ‘relación jurídica fundamental’, la cual, según esta concepción, es la base de toda convivencia en una comunidad jurídica y de toda relación jurídica en particular. Los elementos esenciales de esta relación jurídica fundamental son el derecho (la pretensión justificada) y el deber, así como la reciprocidad de los derechos y deberes en las relaciones de las personas entre si”. Karl Larenz, Derecho civil – parte general, Tradução Allgemeiner Teil des Deutschen Bürgelichen Rechts, 3ª ed. alemã; Tradução Miguel Izquierdo y Macías Picave, 1ª ed. espanhola, Madrid: Edersa, 1978, p. 44-6.

58 Os artigos 2o e 3o da Constituição italiana, em tradução livre do autor, estabelecem: Art. 2 o: “A República reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, quer como ser individual ou nas formações sociais onde se desenvolve e sua personalidade, e requer o cumprimento dos deveres inderrogáveis de solidariedade política, econômica e social”. Art. 3 o: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei, sem discriminação de sexo, de raça, de língua, de religião, de opiniões políticas, de condições pessoais e sociais. Cabe à República remover os obstáculos de ordem social e econômica que, limitando de fato a liberdade e a igualdade dos cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos os trabalhadores na organização política, econômica e social do país”. No direito francês, por criação jurisprudencial, protege-se o princípio da dignidade da pessoa humana. Sobre o assunto, veja: Dominique Rousseau, Les libertès individuelles et la dignité de la personne humaine, Paris: Montchrestien, 1998, p. 62; Jean-Jacques Israel, Droit des libertés fondamentales, Paris: LGDJ, 1998, p. 337-70. Veja também: Juan Fernando López Aguilar, Derechos fundamentales y libertad negocial, Madrid: Ministério de Justicia, 1998, p. 72-83.

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fundamental, nos termos do inciso III do art. 1o da Constituição Federal de

1988.

O princípio da função social do contrato eletrônico

Não se admite sob o prisma da funcionalidade social do

contrato eletrônico que, independentemente do objeto contratual, seja móvel ou

imóvel, que alguém realmente assuma prestação extremamente desproporcional

à oposta em decorrência de aspectos de deficiência pessoal (inexperiência) ou

pela urgente necessidade de obter os benefícios de determinado contrato

eletrônico, tentando evitar com a sua celebração prejuízos ainda maiores ao seu

patrimônio.

Assim, como se admite o estado de necessidade para certos

atos que excluiriam uma responsabilidade penal, também agora temos,

invariavelmente, um novo estado de necessidade no direito civil através da

lesão nos contratos. Pela lesão, admitimos uma nova idéia de limitação à

liberdade de contratar, ainda que seja um interesse econômico, justamente

porque, aqui, existe um balanceamento entre a liberdade de contratar, a

socialidade, a funcionalidade do contrato eletrônico e a sua razão que o motivou

ao pacto. 59

59 Miguel Reale sustenta que: “Toda ética social funda-se na convicção de que ninguém pode legitimamente considerar-se feliz numa comunidade de indivíduos privados dos meios normais

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O humanismo ético nessa funcionalidade social reside no

simples fato de que não se admite mais alguém estar satisfeito numa

comunidade em que se permita privar a outra de certos elementos de

subsistência mínima, bem como ainda que não comprometa essa sua

subsistência, fulmine-o com tamanha prestação onerosa a ponto de elevar-se o

custo do negócio, com lucros desproporcionais em benesse de alguém.

Vantagens contratuais com conseqüências financeiras admitem-se, mas sob

limites. Esse é o dever-ser da regra de conduta com fundamento na própria

função social do contrato eletrônico.

Princípio do consensualismo

O pensamento de que bastaria o consensualismo para a

formação do contrato é, deveras, uma conquista recente na ciência jurídica. 60 O

princípio do consentimento é o acordo de vontades como elemento suficiente à

perfeição do contrato.

O racionalismo iluminista e a codificação do século XIX

vincularam o contrato ao consentimento. Porém, numa economia atual, a

de subsistência, assim como da esperança de poderem um dia superar, efetivamente, tal estado de coisas. A transitoriedade das situações de desigualdade opressiva (pois certa desigualdade haverá sempre em razão de desigualdades naturais, independentemente de classes ou categorias sociais) é um imperativo do Estado de Direito e de Justiça Social, ou, sob outro ângulo, é uma exigência indeclinável da Democracia Social, que constitui, a nosso ver, a versão atual do liberalismo enquanto liberalismo social”. Miguel Reale, Introdução à filosofia, cit., p. 179.

60 Aponta Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 35 que: “O princípio do consensualismo é considerado, por alguns, manifestação do liberalismo, mas foi conservado nas legislações que se libertaram dessa influência, posto se nota a sua inclinação para o formalismo em novas bases”.

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singularidade da vontade perdeu relevância, com predominância realmente do

ato repetitivo e uniforme, 61 em razão do uso da informática, ainda que seja para

simplesmente utilizar modelos-padrões de contratos para a sua

instrumentalização. Apesar da chamada “crise do contrato”, em verdade, deve-

se observar que não se trata somente de uma crise em razão do consentimento

de vontades e da intervenção Estatal, mas sim de como analisar a intensidade da

vontade na celebração dos contratos, principalmente, nos contratos eletrônicos.

Princípio da objetivação da conduta social típica na “Sociedade da

Informação”

É sensível a mudança sofrida no que se refere à

interpretação dos contratos. O antigo art. 85 do Código Civil de 1916 dispunha

que: “nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido

literal da linguagem”. O art. 112 do Código Civil de 2002 alterou com a

seguinte redação “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas

consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

Princípio da autonomia da vontade e suas limitações

A autonomia da vontade é um marco essencial para a

eficácia do negócio jurídico, 62 pois é a liberdade de escolher sobre o contrato.

61 Ricardo Luís Lorezentti, Comércio eletrônico, Tradução Fabiano Menke, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 278.

62 Sobre eficácia do contrato, nulidade e anulabilidade, v. José Enrique Bustos Pueche, “El derecho español em matéria de obligaciones y contratos”, Estudios de Derecho; Universidad de

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Para o modelo clássico, é o acolhimento do negócio jurídico entabulado

conforme a vontade humana. 63

A liberdade de contratar abrange a opção de escolher ou não

a realização do contrato, as condições e cláusulas eleitas pelas partes, bem como

o tipo contratual que se rege pelo princípio da não taxatividade, isto é, podem as

partes criar contratos novos com características múltiplas, tal como ocorre com

o leasing. 64

Princípio da igualdade

Antioquia Facultad de Derecho y Ciências Políticas Medellin-Colombia, n. 115-116, 1990, v. 48, p. 156.

63 Convém frisar que, para alguns autores, como Alf Ross, a liberdade da vontade foi verdadeiro marco diferenciador da clássica distinção entre o direito privado e público. Dessa forma, a doutrina pontuava que entre tais campos ou órbitas do direito, se pressupunham conceitos diversos sobre a competência privada, caracterizadamente discricionária e autônoma, assim, com expressivo lugar à prevalência da vontade das partes na relação jurídica, de cunho obrigacional, e a competência social, como marca essencial do direito público, cujas conotações eram de compulsoriedade (jus imperii) e de heteronímia. Alf Ross, Sobre el derecho y la justicia . Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1974, p. 199.

64 Miguel Maria de Serpa Lopes resume a autonomia da vontade na proposição essencial de que “toda obrigação, para ser sancionada pelo direito, deve ser livremente consentida, isenta de vícios de consentimento e sociais, ter objeto lícito e possível e forma prescrita ou não defesa em lei. Portanto, para a autonomia da vontade, temos: a) os indivíduos são livres de estabelecer, ou não, negócios jurídicos; b) o conteúdo do negócio jurídico pertence livremente a determinação das partes pactuantes; c) nulo será o ato negocial se não houver um consentimento livre; d) no caso do conflito interespacial de leis, os pactuantes são livres de eleger a lei aplicável às suas relações negociais; e) concluído o negócio jurídico, ele é inatingível, a menos que as próprias partes pactuantes o rescindam voluntariamente, caso a lei o permita; f) o negócio concluído livremente incorpora-se ao ordenamento jurídico, tendo os agentes o direito de pedir a intervenção estatal para a execução da obrigação não cumprida (proteção jurídica); g) o juiz, ao aplicar o negócio jurídico, é obrigado a se ater à intenção comum das partes pactuantes”. Sacramentando aquele autor que hoje há o reinado do dirigismo contratual. Miguel Maria de Serpa Lopes, Curso de direito civil – fontes das obrigações: contratos . 6a ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, v. 03, p. 33-5.

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Todos são iguais perante a lei (art. 5o da Constituição

Federal de 1988). Em termos de hierarquia, este é um princípio existencial de

relevância que deve ser interpretado sob o enfoque da lesão nos contratos

eletrônicos. A questão da igualdade está relacionada ao próprio princípio da

isonomia, em que se devem tratar os iguais igualmente e os desiguais,

desigualmente (sendo nessa última parte o princípio da especialidade).

Princípio da obrigatoriedade

Se a autonomia da vontade foi descartada como idéia de um

exercício de um poder soberano, tal como à lei, o que não impede seja

reconhecida pelo Estado certa força originária dos indivíduos para fixar, eles

próprios, as regras que regerão suas relações particulares em uma determinada

operação jurídica. 65

Princípio da intangibilidade e o princípio da inalterabilidade ou

conservação dos contratos

65 Alfred Rieg, “Lê role de la volonté dans l’ acte juridique en droit français et allemand”, Paris: Librairie genérale de droit et de jurisprudence , 1961, p. 06.

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O princípio da intangibilidade sacramenta a imutabilidade

do negócio jurídico, de modo que sejam mantidas as condições contratuais para

a sua própria preservação.

Esse princípio está vinculado também ao princípio da

inalterabilidade e conservação contratual, isto é, deve-se primar, sempre que

possível pela conservação do negócio e, somente em casos excepcionais, deverá

haver o rompimento do vínculo jurídico, tais como caso fortuito ou força maior,

resilição ou rescisão do negócio, dentre outras.

Princípio da relatividade dos efeitos do contrato

Os efeitos do contrato atingem tão-somente aos que a

celebraram, sem a produção de obrigações ou direitos aos estranhos do vínculo

(res inter alios acta tertio nec nocet nec prodest ). 66 Citemos como exemplo as

hipóteses de seguro, em que o pagamento pelo sinistro através da seguradora é

feito em proveito do beneficiário constante da apólice. Ainda, no seguro de

vida, somente com o falecimento do segurado é que os seus beneficiários

receberiam a quantia pelo óbito, independentemente da aceitação do terceiro,

geralmente membros familiares. 67

66 O Código Civil de 2002 admite a estipulação em favor de terceiro, conforme parágrafo único do art. 436.

67 Cite-se além do seguro de vida, a constituição de renda (riqueza) e transporte de objetos para terceiros destinatários.

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Princípio da boa-fé: objetiva e subjetiva 68

O Código Civil de 2002 deu ênfase à boa-fé 69 nos negócios

jurídicos em geral e nos contratos, através de cláusulas gerais 70 que propiciarão

a atuação judicial de uma forma mais criadora, contudo, jamais arbitrária. 71 O

conceito de boa-fé, 72 apesar de ser amplo e abranger enfoques diferenciados, 73

tem, em seu substrato comum, uma só idéia: o valor ético. 74

68 “A boa-fé é o óleo invisível que amacia o funcionamento da engrenagem jurídica”. Jean Cruet, A vida do direito e a inutilidade das leis, Lisboa: Ibero-Americana, p. 182. Aristóteles Atheniense, “O primado da boa-fé e a aplicação do Código de Proteção ao Consumidor (Lei 8.078/90) às instituições financeiras”. Ano 86, out. 1997, Revista dos Tribunais v. 744:80-4.

69 Orlando Gomes lembra que o Código Civil grego, no art. 281 já disciplinava: “O exercício de um direito é proibido se ultrapassa manifestamente os limites impostos pela boa-fé ou pelos bons costumes, ou por seu fim econômico ou social”. Orlando Gomes, Código Civil: projeto Orlando Gomes, Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 14. Antonio Junqueira de Azevedo, Revista trimestral de direito civil, ano 01, “Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos”, mar. 2000, v. 01, p. 04-12.

70 Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, “O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português” . Estudos de direito civil brasileiro e português , São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 66: “o sentido da cláusula geral e a exata dimensão de sua normatividade; do direito do caso chega-se à formulação de normas novas, ou seja, individualizadora passa-se para função generalizadora, possibilitando a formação de instituições jurídicas”.

71 José Carlos Moreira Alves, “A boa-fé objetiva no sistema contratual brasileiro”. Roma e américa. Revista di diritto dell’integrazione e unificazione del diritto in Europa e in América latina. Roma: Mucchi Editore, 1999, v. 7, p. 202.

72 Franz Wieacker explica o conceito de boa-fé: “causa ou fonte de criação de especiais deveres de conduta exigíveis em cada caso, de acordo com a natureza da relação jurídica e com a finalidade perseguida pelas partes através dela. As partes não devem apenas aquilo a que elas mesmas estipularam ou precisamente aquilo que determina o texto legal, mas a tudo aquilo que em cada situação impõe a boa fé”. Franz Wieacker, El principio general de la buena fe, Tradução José Luis Carro, Madrid: Editorial Civitas, 1977, p. 19.

73 A boa-fé objetiva concebida como um “princípio geral inexpresso” e o princípio da confiança: Daniela Corrêa Jacques, “A proteção da confiança no direito do consumidor”, Revista de Direito do Consumidor, n. 45, ano 12, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan. – mar. 2003, p. 148.

74 Alvino Lima, citando François Gorphe, tece importante consideração sobre o princípio da boa-fé e o seu valor moral: “O princípio da boa-fé é o caminho pelo qual a moral penetra no direito; sua influência no disciplinar e resolver os conflitos de interesses é quase sempre decisiva, no sentido de proteger os que agem lealmente, com probidade, ou na ignorância escusável das situações antijurídicas; em sentido contrário, a lei repele as pretensões dos que

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A boa fé subjetiva se apresenta como fato psicológico e

considera-se o seu valor ético, atuando predominantemente no campo das

relações reais e possessórias, conforme Emílio Betti. 75 A boa-fé objetiva se

situa, basicamente, no campo das relações obrigacionais e do negócio jurídico

em geral, se caracterizando como regra de reta conduta do homem de bem no

entendimento de uma sociedade em certo momento histórico, não se fundando,

pois, na vontade das partes. Emílio Betti cita o “dever de cooperação” que

nessas relações obrigacionais se exige, sendo algo exterior ao sujeito, conforme

o comportamento e postura que a parte toma para a celebração e execução do

agem de má-fé, impondo-lhes penalidades, restringindo-lhes as faculdades e poderes, ou proclamando a nulidade, a anulação, ou a ineficácia dos seus atos jurídicos. O princípio da boa-fé, constitui, pois, a regra fundamental das relações humanas, quer na constituição das obrigações, como na sua execução; quer na confecção dos atos jurídicos, como, de um modo geral, em quaisquer atos que possam atingir os interesses de terceiros”. Acrescenta o autor que: “A barreira que se pretende antepor entre a regra moral e a lei civil, é apenas ilusória, porquanto, o que a realidade nos revela, desmente aquela pretensão. Verificamos, através dos julgados dos tribunais, diariamente, a aplicação de regras morais, anulando atos que importam na sua violação. Do campo moral para o direito positivo, há uma migração contínua e irrepreensível de prescrições morais, de tal forma que ‘le progrés du droit positif’, diz Georde Renard, ‘est um evahissement progressif du champ de la morale sociale’. Se a influência da moral no direito sempre se evidenciou e se proclamou, mas necessária se nos afigura a sua aplicação nos momentos que atravessamos, de dissolução de costumes, de avidez de lucros inconfessáveis, de insensibilidade moral, de ausência de honestidade. Burlam-se os efeitos dos contratos, rompendo a palavra empenhada; frustram-se os direitos dos credores através de artifícios e artimanhas ardilosamente engendrados, com tal astúcia e arte, que nem sempre a lei positiva, na sua forma imperfeita e lacunosa, atinge o fraudador. Desta forma perece o direito e triunfa a improbidade, acarretando não apenas um dano jurídico, mas também uma grave perturbação moral e social de conseqüências imprevisíveis”. Alvino Lima, A fraude no direito civil, São Paulo: Saraiva, 1965, p. 07-11.

75 Emílio Betti, Teoria generale delle obbligazioni , Milano, Giuffè, 1953, v. 1, p. 69. Veja também, sobre a teoria geral do negócio jurídico de Emílio Betti e a classificação de fato jurídico e seu método axiológico prático, por Angelo Falzea, “L’ atto negoziale nel sistema del comportamenti giuridici”, Rivista di diritto civile, Padova: Cedam, ano 42, 1996, p. 02-55; Teresa Picontó Novales, “Teoria de la interpretacion de Emilio Betti”, Revista de derecho privado, Madrid: Ortega, mar. 1993, p. 226-46.

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contrato, do seu início ao fim. 76 Desse modo, nos contratos eletrônicos a boa-fé

objetiva caracteriza-se pela conduta da parte em adotar todas as medidas típicas

das transações eletrônicas, bem como a abster-se de adotar condutas que possam

comprometer a informação, a transparência, a lealdade e a consciência da parte

contrária das condições em que é celebrado o negócio e quanto ao objeto

envolvido na negociação.

O recurso à boa-fé objetiva no domínio do contrato

eletrônico se dá de uma forma supletiva, quando se busca interpretar o conteúdo

do negócio jurídico, ainda que sejam através de sucessivos e-mails ou

informações descontínuas de contatos em tempo compartido. Pela natureza

desses contratos eletrônicos, seu objetivo é definido pelas partes que, nesse

sentido, exercem uma grande autonomia negocial, atribuída pela própria

realidade tecnológica que se acomodou perante a sociedade, bem como ante a

ausência de uma legislação específica restritiva. Se há imprecisão do enunciado

da declaração de vontade, por sítio ou e-mail, deverá atuar a força integrativa da

boa-fé objetiva. Se, porém, a vontade negocial é conhecida e corresponde a um

objetivo ilegal ou imoral, não se presta a teoria da boa-fé objetiva para corrigir

a patologia do negócio eletrônico. A solução dar-se-á pela nulidade do contrato

ou das cláusulas ilícitas e não pela alteração judicial autoritária do seu

conteúdo. 77

76 Emílio Betti, Teoria generale, cit., v. 1, p. 77. Acrescente-se que a boa-fé deverá ser observada também na fase pré-contratual.

77 Giovanni Criscuoli, Il contratto. 2a ed., Padova: Cedam, 2000, p. 345.

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Para José de Oliveira Ascensão, a boa-fé subjetiva 78

representaria de qualquer modo um estado de espírito: seja de dimensão

psicológica, na boa-fé psicológica; seja de dimensão valorativa, na boa-fé ética

sob a identidade da “Sociedade da Informação”, em que se indaga se o agente

conhecia ou deveria conhecer certos procedimentos tecnológicos virtuais ou

cuidados para não prejudicar direito alheio. A valoração das cláusulas

contratuais gerais não se relaciona com uma boa-fé subjetiva, daí porque se fala

que só pode estar em causa uma boa-fé objetiva, isto é, uma boa-fé normativa,

traduzindo-se em normas de conduta, quer seja permitindo formulá-las para

além de previsões legais ou cláusulas contratuais, justamente porque inexiste

uma legislação satisfatória acerca das transações eletrônicas, quer seja, ainda,

por condenar certos tipos de exercício, como os comportamentos contraditórios

que violem uma noção objetiva de boa-fé.

78 José de Oliveira Ascensão, “Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa-fé”, Revista de Direito Privado, n. 04, ano 01, São Paulo: Revista dos Tribunais, out. – dez. 2000, p. 19.

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É o princípio da boa-fé uma cláusula geral 79 inerente aos

demais subsistemas normativos, tendo duas perspectivas atualmente: a do

interesse social de segurança das relações jurídicas eletrônicas pela própria

estimulação a contratar e a forma de interpretação desses contratos. Em relação

à primeira, se espera que as partes atuem com lealdade e confiança 80

recíprocas; ou seja, que procedam de boa fé. 81 Em relação à segunda, afirma-se

que o sentido literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção da

79 Fernando Noronha explicita que é a ordem, a justiça e a liberdade os valores jurídicos inerentes à boa-fé contratual: “tendo como balizas estes três valores, da ordem, da justiça e da liberdade, que todo contrato intenta promover o ‘bem comum’, o progresso econômico, o bem-estar social. A liberdade, no Direito dos Contratos, constitui o núcleo essencial no princípio da autonomia da vontade. A justiça conforma o princípio da justiça contratual. A ordem, que no âmbito dos contratos seria melhor chamada de segurança, faz-se presente através do princípio da boa fé contratual”. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais , São Paulo: Saraiva, 1994, p. 100. O princípio da boa-fé, na bem colocada expressão de Cláudia Lima Marques, à luz do Código de Defesa do Consumidor destaca com clareza o art. 51, inciso IV que expressamente dispõe sobre a boa-fé, tida como verdadeira cláusula geral, Contratos, cit., p. 154-5: “Essa renovação teórica do contrato à procura da equidade, da boa-fé e da segurança nas relações contratuais vai aqui ser chamada de socialização da teoria contratual. É importante notar que esta socialização, na prática, se fará sentir em um poderoso intervencionismo do Estado na vida dos contratos e na mudança dos paradigmas, impondo-se o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações. A reação do direito virá através de ingerências legislativas cada vez maiores nos campos antes reservados para a autonomia da vontade, tudo de modo a assegurar a justiça e o equilíbrio contratual na nova sociedade de consumo”.

80 A teoria da confiança nasce como uma forma de resolver os conflitos existentes entre a teoria da vontade e a da declaração. Como sabemos, na primeira, tem maior relevância a vontade interna do que em relação à declarada, valendo a emanação volitiva somente na medida em que traduzir uma intenção a determinadas conseqüências jurídicas. Na teoria da declaração, manifesta-se seu enfoque exclusivamente no conteúdo declarado, não importando se ela representa a real intenção do declarante. O objetivo da teoria da confiança é aperfeiçoá-la. Para Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, “a confiança exprime a situação em que uma pessoa adere, em termos de actividade ou de crença, a certas representações passadas, presentes ou futuras, que tenha por efectivas. O princípio da confiança explicitaria o reconhecimento dessa situação e a sua tutela”. Da boa-fé no direito civil, Coimbra: Almedina, 1984, v. 01 e 02, p. 1234-51.

81 Entendendo que as situações envolvendo computadores e a internet devem ser balizadas pelos princípio da boa-fé e da confiança, Renato Clarizia, Informática e conclusione del contratto . Milão: Giuffre Editore, 1985, p. 30.

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declaração consubstanciada no negócio que represente a vontade das partes,

como dissemos alhures. 82

O Código Civil de 2002, em relação aos negócios jurídicos

e, por conseguinte, aos contratos eletrônicos, cita expressamente a boa-fé, art.

112. O art. 187 do Código Civil de 2002 ressalta que o titular de um direito que

exercê-lo excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, comete

ato ilícito. 83

O regramento atual, portanto, é que existe um dever jurídico

das partes agirem com boa-fé, sob pena de caracterização de uma ilicitude civil.

Isso quer dizer que a boa-fé deixa de abranger apenas aspectos morais para

ganhar destaque na órbita da lei. O mandamento legal é justamente um dever

ético jurídico dos indivíduos no momento da celebração do negócio jurídico

eletrônico. 84

82 Judith Martins-Costa, A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional , São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 410 e ss.

83 Silvio Luiz Ferreira da Rocha pontifica sobre o dever de informar e o dever de não enganar nas relações de consumo: “Este refere-se ao dever de lealdade presente em todas as transações e aproxima-se mais do princípio da boa-fé. Aquele visa a obter um consentimento esclarecido da outra parte. O dever de não enganar já existia e foi objeto de preocupação do legislador quando protegeu o adquirente do dolo do vendedor, definido como artifício ou expediente astucioso empregado para induzir alguém à prática de um ato”. A oferta no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Lemos, 1997, p. 87-8.

84 José Lourenço pontifica sobre o princípio da boa-fé: “O princípio da boa-fé foi reafirmado, em toda a sua grandeza ética e histórica, no âmbito das condições gerais, que não são expressas e que, na realidade, constituem os requisitos de caráter social da validade do negócio jurídico. Em nosso País, a quase totalidade dos doutrinadores elencam, como princípios do contrato, além da autonomia da vontade, o consensualismo, a obrigatoriedade da convenção, a relatividade dos efeitos e a boa-fé, que, além de ser um princípio, é uma condição geral do contrato, mesmo que não escrita (...) Como cláusula geral, a boa-fé não é um princípio dedutivo, nem argumentação dialética, passageira ou conjuntural: é medida diretiva, por força de lei, para pesquisa da norma

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Neste mesmo espírito, sem dúvida, está também o vício de

consentimento da lesão. Se o negócio jurídico pode ser anulado por

inexperiência ou premente necessidade de uma das partes, seria o princípio da

boa-fé o ditame que determinaria que a parte contratante devesse advertir a

outra sobre as conseqüências maléficas do negócio eletrônico, por

desproporcionalidade das prestações? Parece-nos que não é nessa perspectiva

que deve ser observado o princípio da boa-fé à luz da lesão, já que,

evidentemente, a parte dificilmente procederia contra os seus próprios

interesses.

A vedação do abuso do direito

O art. 187 do Código Civil de 2002 institui o abuso do

direito como ato ilícito. 85 Em sua natureza, o abuso do direito é um princípio

geral, pois, esta é a orientação dos códigos civis modernos que tratam do abuso

do direito, já que este é o exercício anormal do direito. O ato abusivo é um ato

de decisão, da regra a aplicar no caso concreto, com hipótese normativa pré-constituída, que é o art. 5o da Lei de Introdução ao Código Civil, com a mediação concretizadora do intérprete-julgador”. Limites à liberdade de contratar: princípios da autonomia e da heteronomia da vontade nos negócios jurídicos, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 180-1.

85 O abuso do direito já era um princípio geral de direito mesmo antes do advento do referido dispositivo legal no direito brasileiro. Evidentemente, é conveniente que a lei ressalte a sua importância, dirimindo qualquer dúvida quanto à sua aplicabilidade, como o fez o Código Civil de 2002. O abuso do direito é um princípio normativo que deve ser observado nas instituições jurídicas. Neste mesmo sentido, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do abuso do direito: ensaio de um critério em direito civil e nas deliberações sociais , Coimbra: Almedina, 1999, p. 49; sobre o abuso do direito e a teoria do risco da atividade, ver Pedro Baptista Martins, O abuso do direito e o ato ilícito, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 38 e ss.; Sobre os elementos ontológicos do abuso do direito, v. Epifanio J. L. Condorelli, El abuso del derecho, Buenos Aires: Editora Platense La Plata, 1971, p. 19 e ss.

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anormal, porque contraria a finalidade econômica e social do direito – ato sem

conteúdo jurídico, economicamente prejudicial e reprovado pela consciência

pública. 86

A questão referente ao abuso do direito é se este é requisito

extrínseco ou intrínseco também do instituto da lesão. Se o abuso do direito for

considerado como fundamento da lesão, logo, poderia se interpretar que o dolo,

ainda que de aproveitamento, é requisito desse novel instituto, principalmente,

se acolhermos o abuso como essência de manifestação de seu elemento

intencional.

O abuso do direito, porém, traduz uma idéia de

aproveitamento ou exagero da parte no sentido de querer exercer ou obter certos

privilégios, além do direito que lhe é concedido por lei. Não obstante isso, é

possível que alguém exceda no seu exercício o direito adequado por mera culpa,

sem o elemento volitivo. Por exemplo, se o sujeito “A” acreditando ter o direito

de cobrar uma multa por inadimplemento do devedor “B”, exige a dívida “y”

além do que realmente lhe cabe, apesar da mora de “B”. Neste caso, não se pode

falar em dolo de “A”, mas da inexigibilidade da prestação por parte deste.

Embora indevida a prestação, não é elevado ao status de ato ilícito, de per si,

não havendo que se falar em dolo. Outra hipótese seria aquele que demanda por

86 Maria Antonia Leonfanti, Abuso del derecho, Buenos Aires: Editor Valério Abeledo, 1945, p. 86. Daí porque o art. 187 do Código Civil de 2002 estabelece como ato ilícito o abuso do direito, quando excede os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

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dívida paga ou parcialmente indevida, nos termos do art. 940 do Código Civil

de 2002, pois os tribunais têm entendido que deve estar configurado o dolo para

que a indenização seja devida, apesar da conduta culposa do credor em cobrar

mais do que lhe é devido. 87

Embora na lesão, segundo nosso posicionamento, não

comporte o requisito do dolo, 88 concebemos o princípio do abuso do direito

como fundamento extrínseco de existência desse vício no negócio eletrônico.

O abuso do direito aqui é caracterizado sobre o prisma

objetivo, isto é, sob o requisito da desproporcionalidade das prestações

configurando o exercício anormal do direito. Desse entendimento há duas

razões de natureza prática: uma, porque seria praticamente impossível ao

magistrado perquirir com segurança se a parte tinha ou não intenção de

aproveitar-se da necessidade ou inexperiência da outra para a celebração do

contrato, principalmente, nos contratos eletrônicos onde impera a

impessoalidade e total ausência de contato direto entre as partes, circunstâncias, 87 Deve ser o demandante de má-fé para o cabimento da indenização. Confira-se: Revista dos

Tribunais 520:213; 406:146; 481:78, 716: 270; Enunciado n. 32 do extinto 2 o TACSP e Supremo Tribunal Federal, Súmula 159. Podemos conceber, independentemente de culpa ou dolo, o credor que pede um valor acima do seu valor real ou fora da realidade do comércio, apenas por desconhecimento das novas condições de mercado daquele objeto, como um carro, por exemplo; por desconhecer a alta desvalorização do veículo ante o mesmo ter sido retirado de fabricação e com conseqüente desvalorização nas transações dessa natureza; os imóveis construídos há mais de cinco anos em virtude do novo incentivo na construção civil no mercado imobiliário, dentre outras.

88 Outras legislações consideram o abuso ou a má-fé como sendo um dos requisitos da lesão. Por exemplo, o direito alemão refere-se a inexperiência, ligeireza e necessidade. O Código da Suíça, art. 21, repete essas mesmas terminologias, citado por Wilson de Andrade Brandão, Lesão e contrato no direito brasileiro, 3a ed., Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 267.

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inclusive, sob total dependência de provas, ainda que pela oitiva de

testemunhas, conforme o caso. Segundo, a desproporcionalidade das prestações

não enfrenta o debate sobre a dependência de provas (quando muito estaria

sujeita a uma perícia estimativa de valores) e deve ser concebido isoladamente

como elemento caracterizador do abuso do direito, em virtude da

desrazoabilidade do valor pretendido, ensejando na anulação do negócio.

O abuso de direito pode existir, portanto,

independentemente do elemento intencional. Acolhemos a teoria objetiva da

interpretação do abuso do direito. 89 Se for celebrado um contrato, criam-se

direitos. Decerto, porém, que esses direitos serão limitados. A limitação está

justamente nesse princípio da vedação do abuso, por questões de disparidade

econômica, de ausência da proporcionalidade entre a prestação e a

89 Sobre os sistemas adotados pelas legislações que proíbem o abuso do direito, com soluções subjetivas objetivas ou mistas, v. Jorge A. Carranza, El abuso del derecho em la reforma del Código Civil, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, [s. d.], p. 27-0. Sobre a utilidade econômica da teoria do abuso do direito, v. Pietro Rescigno, L’ abuso del diritto, Bologna: Società editrice il Mulino, 1998, p. 51 e ss.; a cláusula geral proibitiva do abuso do direito, Carlos Fernández Sessarego, Abuso del derecho, Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 1992, p. 145. O abuso do direito é visto por parte da doutrina sob duas perspectivas, uma, dedicada ao aspecto da sua admissibilidade ou inadmissibilidade; outra, uma vez resolvida aquela, no sentido afirmativo, consistente em saber qual o critério ou critérios aptos a individualizar as hipóteses de abuso, conf. Fernando Augusto Cunha de Sá, Abuso do direito: cadernos de ciência e técnica fiscal, Lisboa: Petroni - Centro de Estudos Fiscais da direção geral, p. 285 e ss.; a classificação do abuso do direito como categoria autônoma, por Paulo de Araújo Campos, Abuso do direito, dissertação de mestrado sob orientação de Yussef Said Cahali, USP, 1982, p. 72-92; Mario Rotondi, L’ abuso di diritto, Padova: Cedam, 1979, p. 13-28; sobre o fundamento do abuso do direito, à luz do pensamento de Saleilles, de que todo o ato, cujo efeito tenha por fim causar dano a outro, sem interesse apreciável ou legítimo por aquele que tenha cumprido não poderá nunca constituir um exercício de um direito. É o contrário do direito por seu caráter antisocial do que seu fim intencional, por Arturo Niño Jaimes, Consideraciones a la teoria del abuso del derecho, Bogotá: Editorial Optima, [s. d.], p. 30.

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contraprestação assumida pela parte. O critério, ainda, permite que possa se

averiguar por análise comparativa, uma circunstância que caracteriza fora dos

padrões habituais de preço ou vantagem auferida por uma das partes no contrato

eletrônico. Dessa forma, ainda que não houvesse intenção de uma das partes ou,

quiçá, o mero conhecimento do fato de que a outra se encontra em situação de

necessidade ou inexperiência, já seria suficiente a caracterização do abuso do

direito.

Aliás, a lei não poderia exigir que uma das partes tivesse o

dever de perceber que a outra é inexperiente, principalmente, nas transações

eletrônicas. É matéria absolutamente inexigível no mundo dos negócios

eletrônicos já que seria um estímulo à não-contratação, à quebra da própria

confiança inicial entre as partes, muitas das vezes, já insegura ou duvidosa pelas

vantagens ou desvantagens que poderiam advir do negócio firmado por

tecnologias avançadas. A confiança pode existir sobre a tecnologia, mas deve

incidir essa mesma confiança na outra parte contratante, num processo de maior

humanização das relações jurídicas tecnológicas. Sendo incabível, por exemplo,

a inserção de cláusulas neste sentido: “a parte declara que tem manifesta

experiência dos negócios dessa natureza, não podendo alegar o seu

desconhecimento pelos riscos naturais do contrato eletrônico”. Não há como se

provar experiência como fato único, mas apenas através da análise da conduta

pregressa da parte, através de situações diversas ou fatos anteriores.

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O abuso do direito sob o enfoque da lesão como fundamento

está assentada também na ruptura do equilíbrio. 90 É essencialmente inspirado

por um sentimento de predomínio do interesse geral sobre o particular, baseada

na finalidade econômica e social do direito e no exercício de um direito

contrariando o seu espírito. É, portanto, a lesão um desmembramento das

cláusulas abusivas 91 pelo exercício anormal do direito.

O enriquecimento sem causa

A teoria do enriquecimento sem causa está relacionada com

a atribuição dos bens, bem como a uma aquisição que foi feita sem fundamento

jurídico quando, segundo essa atribuição ou adequação desses bens,

corresponde, em verdade, a outra pessoa. 92

90 Abel M. Fleitas, El abuso del derecho en la reforma del Código Civil argentino, Buenos Aires: Séccion Publicaciones del seminario de ciencias jurídicas y sociales, 1944, p. 43-7.

91 “Toda cláusula que importe em um contrato de consumo com um desequilíbrio injustificado entre os direitos e as obrigações de cada parte, desnaturaliza o vínculo e, portanto, é abusiva (...). Todas estas características põem em evidência que a razão pela qual o empresário introduz no contrato cláusulas abusivas não é outra que consolidar sua posição dominante”. Rubens Stiglitz, “Aspectos modernos do contrato e da responsabilidade civil”. Tradução Cláudia Lima Marques. Revista de direito do consumidor. n. 13, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan. – mar. 1995, p. 09.

92 Karl Larenz, Derecho de obligaciones, Madrid: Ed. Revista de Derecho Privado, 1959, v. 02, p. 523-4.

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O enriquecimento injustificado consiste em três situações: a)

nos enriquecimentos pela prática de atos delituosos, como furto, roubo,

apropriação indébita ou estelionato, dentre outras; b) pelo inadimplemento de

obrigações negociais; c) pela vantagem auferida em razão de que determinados

bens estão em um determinado patrimônio, mas que, pela ordenação geral

jurídica dos bens, devam integrar um outro patrimônio. É neste último que se

assenta o princípio da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa ,

conhecido de forma abreviada, do enriquecimento sem causa. 93

Anteriormente, era comum falar-se em enriquecimento

ilícito, ao invés de enriquecimento sem causa. Contudo, a noção é equivocada,

já que o enriquecimento ilícito está relacionado à matéria de responsabilidade

civil e a ilicitude pode decorrer da responsabilidade subjetiva ou objetiva,

conforme os seus demais pressupostos: ato ilícito, nexo de causalidade, culpa

ou dolo do agente, risco da atividade, etc. É verdade que o enriquecimento

ilícito é uma vantagem auferida por quem não tem o direito de adquirir

determinado bem ou patrimônio, contudo, a sua origem está necessariamente em

um ato concebido como ilícito.

O princípio da equidade e da equivalência das prestações

93 Jorge Fábrega, “Teorias que explican el principio del enriquecimento sin causa”. Revista Del Colegio de Abogados de la Plata, ano 34, n. 54, mar. – jun. 1994, p.173-207.

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O princípio da proporcionalidade 94 das prestações ou

equivalência 95 não é algo extremamente novo no direito brasileiro. 96

Todavia, o poder discricionário do juiz no direito brasileiro

não poderá ser traduzido como poder arbitrário e tampouco essa

discricionariedade essencialmente seja do juiz, mas sim uma atribuição e

derivação característica da própria lei, conforme anteriormente já enfatizamos.

Teoria da base objetiva do negócio

94 “O princípio da proporcionalidade tem por conteúdo os subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Entendido como parâmetro a balizar a conduta do legislador quando estejam em causa limitações a direitos fundamentais, a adequação traduz a exigência de que os meios adotados sejam apropriados à consecução dos objetivos pretendidos; o pressuposto da necessidade é que a medida restritiva seja indispensável à conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outro igualmente eficaz, mas menos gravosa; pela proporcionalidade em sentido estrito, pondera-se a carga de restrição em função dos resultados, de maneira a garantir-se uma equânime distribuição do ônus”. Suzana de Toledo Barros. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais , Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 210.

95 Para Eduardo Espínola: “Fácil é de compreender que tal arbítrio poderia levar a dar-se à coisa vendida um valor ridículo, ou, por outro lado, a constituir pelo preço excessivo arbitrado pelo vendedor, um abuso em prejuízo de um comprador inexperiente ou subordinado ao vendedor (...) Em nossa lei, não há regra geral sobre a equivalência das prestações e contraprestações, mas pela mesma razão que se leva repelir a fixação do preço por uma das partes, é justo que se repila o preço derrisório que deixará presumir abuso da inexperiência ou dependência do vendedor”, Contratos nominados no direito civil brasileiro , Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, notas n. 75 e 76, 1946, p. 44.

96 Cite-se, por exemplo, a Lei 4.380/64 que havia instituído o chamado “Plano de Equivalência Salarial” como fator de reajuste das prestações de financiamento imobiliário pelo extinto Banco Nacional da Habitação que consistia numa forma de reajuste das mensalidades da casa própria pelos mesmos índices de aumento da categoria profissional a que pertencia o mutuário.

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Karl Larenz desenvolveu a teoria da base objetiva do

negócio diferenciando da sua base subjetiva. 97 A base objetiva do negócio é o

conjunto de circunstâncias e o estado geral das coisas, cuja existência ou

subsistência são objetivamente necessárias para que o contrato, segundo o

significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como

regulação dotada de sentido. 98

Logo, a base objetiva tem como fundamento justamente a

alteração das circunstâncias em que se realizou o negócio. A base subjetiva está

alicerçada no que as partes pressupunham quando celebraram o contrato ou

acreditavam em certas circunstâncias inverdadeiras, seja qual motivo for, por

erro, dolo ou mesmo lesão. Isto é, trata-se do substrato dos vícios de

consentimento. Entrementes, é a base objetiva em razão da

desproporcionalidade das prestações que se observa no instituto da lesão como

fundamento extrínseco de sua existência.

97 Karl Larenz, Derecho de obligaciones. Tradução da 2ª ed. alemã, Madrid: Revista de Derecho Privado, 1958, v. 01, p. 314-5.

98 De fato, Mário Júlio de Almeida Costa, citando Enneccerus e Lehmann, sustenta que a base do negócio são “as representações dos interessados, ao tempo da conclusão do contrato, sobre a existência de certas circunstâncias fundamentais, para a sua decisão, no caso de essas representações não terem sido meramente conhecidas, mas constituídas, por ambas as partes, em base do negócio, como, por exemplo, a igualdade de valor, a manutenção aproximada do preço convencionado, a possibilidade de repor a provisão de mercadorias e outras circunstâncias semelhantes”. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 3a ed., Coimbra: Almedina, 1979, p. 243.

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AULA 05 – RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EFEITOS NAS CONTRATAÇÕES VIRTUAIS

Os vícios de consentimento como possibilidade de anulação desses contratos: o erro, o dolo, a coação e a lesão. Questões pontuais de cada vício negocial nesses contratos

A responsabilidade contratual dos sítios de intermediação contratual. Sítios de leilão. Análise da questão da gratuidade como critério ou não de identificação da responsabilidade civil

Critérios de revisão contratual, como a imprevisibilidade e a cláusula rebus sic stantibus

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A violação da intimidade diante das relações contratuais. Violação e inserção de programas aptos a identificação dos supostos interesses do cliente nas relações de consumo.

Os dados eletrônicos como tutela penal e civil. Os dados privados decorrente do contrato e a necessidade de sua proteção jurídica

A responsabilidade contratual nas aquisições por meio virtual perante a administração pública. Sua viabilidade como ferramenta da prestação eficiente do serviço (custo/benefício).

Alguns aspectos polêmicos no Second Life quanto às contratações Solução de conflitos de responsabilidade civil e contratos na internet? A função do

Poder Judiciário.

a) A lesão e o erro ou ignorância

O erro vem a ser a falsa noção a respeito de um objeto (real ou virtual) ou

de uma determinada pessoa.99 Na ignorância, desconhece-se o objeto ou a

pessoa completamente. Tem-se uma idéia falsa sobre algo, no primeiro caso, ou

nada se conhece, na ignorância. O agente crê verdadeiro o que é falso, ou falso

o que é verdadeiro. Ambas as figuras são puramente fortuitas, provocadas por

engano ou equívoco do lesado, sem que a outra parte haja concorrido, de

qualquer maneira, para este estado de espírito. Diferencia-se o erro do dolo,

porque, neste, a vítima incorre em equívoco levada intencionalmente pelo

agente. 100

99 Vicente Ráo pondera que “Se o erro, substancial embora, for inescusável, a declaração prevalecerá apesar de seu conflito com os elementos volitivos”, Ato jurídico: noção, pressupostos, elementos essenciais e acidentais. O problema do conflito entre os elementos volitivos e a declaração. 4a ed. por Ovídio Rocha Barros Sandoval, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 235.

100 Arnaldo Rizzardo, Contratos, 2a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 105.

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O vício na lesão está em que a parte assume a desproporcionalidade das

prestações, mesmo sabendo dos valores destas. A indagação que se faz é: se a

parte tem consciência ou não da desproporcionalidade de um determinado

negócio virtual, principalmente, à frente da tela de um computador, apesar do

conhecimento dos seus valores em relação à prestação oposta.

Se admitirmos o posicionamento de que a parte apesar de consciente dos

valores, desconhece, até por inexperiência, a desproporcionalidade, julgando

algo falso como sendo real, sabidamente, tem-se a possibilidade de erro e não

de lesão. O Código Civil de 2002 no art. 157 adota a expressão

“manifestamente desproporcional”. Ora, o requisito intrínseco da lesão é

justamente que haja manifesta desproporção entre os valores. Se admitíssemos

que deve haver o desconhecimento da parte no que se refere à

desproporcionalidade, não se poderia cogitar em “manifesta

desproporcionalidade”, até porque, para o homem mediano, a parte não obteve

conhecimento da disparidade das obrigações. A inexperiência seria resultado

apenas da individualidade do contratante, incompatível com o sentido dado da

manifesta desproporcionalidade atribuída pelo referido artigo legal. Essa

manifesta desproporcionalidade deve ser à luz da interpretação científica,

caracterizada pelo posicionamento da sociedade relativo à análise bilateral entre

os contratantes e às obrigações assumidas por eles. É este o trabalho a ser

desvendado na aplicação e diferenciação da lesão e do erro pelo órgão

judicante.

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O fundamento intrínseco da lesão, como já dito, não implica, de um lado,

dolo de aproveitamento por uma das partes e tampouco a inconsciência de uma

das partes que assinava o contrato eletrônico sob obrigações desproporcionais.

Na lesão, pouco importa se o sujeito tinha conhecimento ou não que estava

assinando o negócio jurídico eletrônico com prestações desproporcionais. É

irrelevante até pela sua dificuldade de sua prova nesses contratos. Ainda que ele

tenha plenitude de conhecimento que o assina nestas condições, a vicitude

contratual se completa aliada somente aos outros dois requisitos: a necessidade

e/ou a inexperiência. Mesmo nesta última, na inexperiência pode incidir

também o desconhecimento da desproporcionalidade, mas não se resume

exclusivamente a essa hipótese, pois é circunstância meramente acidental. Pode

o sujeito assinar o negócio, justamente pela inexperiência, para fins de

solucionar a pendência econômica ou acreditar que celebrando o negócio

jurídico eletrônico, mediante uma proposta “milagrosa” e imediata pelo negócio

eletrônico, mesmo em condições desfavoráveis, solucionaria o entrave do

conflito de seus interesses com terceiros. Isso ocorre justamente ante os

fundamentos extrínsecos da lesão que não justificariam a manutenção do

negócio pelo desequilíbrio contratual e a desigualdade entre as partes no que se

refere às circunstâncias que o levaram a contratar, ante a sua necessidade ou

inexperiência. É, por este aspecto, que afirmamos que a lesão tem caráter de

vício de consentimento também nos contratos eletrônicos, diferenciando-se a do

erro ou ignorância, contudo, ambos também se assentam, sob o prisma do

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fundamento extrínseco, no princípio da confiança, como justificadores de sua

existência no ordenamento jurídico.101

b) O dolo e o instituto da lesão

O dolo de aproveitamento é um minus em relação do dolo estabelecido

pelo art. 145 do Código Civil de 2002. Na configuração do dolo, 102 existe uma

correspondência entre a vantagem auferida pelo autor do dolo e um prejuízo

patrimonial sofrido pela outra parte, em que há, virtualmente, um prejuízo pelo

simples fato de alguém ser induzido a efetivar negócio jurídico por manobras

maliciosas que afetaram sua vontade. O erro deriva de um equívoco da própria

vítima, sem que a outra parte tenha concorrido para isso, ao passo que o dolo é,

intencionalmente, passível de anulação. 103

101 Sobre o dogma da vontade e do princípio da confiança, v. Vittorino Pietrobon, El error em la doctrina del negocio juridico, trad. de Mariano Alonso Perez, Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, p. 83-91.

102 “Ementa. Ato jurídico. Defeito. Dolo. Inexistência de definição em lei. Conceito deixado para a doutrina e ocorrência a ser apurada pelo juiz em cada caso concreto. Defeito. Dolo essencial. Reconhecimento. Nulidade conseqüente também dos títulos ou documentos dele resultantes. A lei, considerando os aspectos variados e imprevisíveis da malícia humana, não definiu o dolo, deixando à doutrina a missão de conceituá-lo e ao juiz o trabalho de apurar a sua ocorrência em cada caso concreto, facilitada a prova pela regra do art. 252 do Código de Processo Civil brasileiro, segundo a qual o dolo, a fraude, a simulação e, em geral, os atos de má-fé, poderão ser provados por indícios e circunstâncias. Uma vez reconhecida a existência do dolo essencial na formação e aperfeiçoamento do ato jurídico, impõem-se a decretação da nulidade deste, bem como a de outros títulos ou documentos resultantes do mesmo” Apelação cível n. 33.037, Tribunal de Justiça de Minas Gerais Belo Horizonte, j. 23.11.70, Revista dos Tribunais 439:228; “Ementa. Ato Jurídico. Defeito. Dolo. Necessidade de ser provado concludentemente. Alegação não acolhida por falta de prova. Apelação cível n. 107.154, 3 a Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. O. Gonzaga Júnior, j. 08.06.61, v.u.

103 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 01, p. 389.

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Logo, a manifesta diferenciação é justamente a inexistência do dolo de

aproveitamento ou de qualquer espécie de dolo 104 como fundamento intrínseco

da lesão. Ainda que se trate acidentalmente da existência de um dolo de

aproveitamento pela parte numa hipótese concreta de lesão, não significa dizer

que o dolo seria sua causa para a configuração desse instituto.

Ademais, o ordenamento jurídico já cuida do vício de consentimento

existente decorrente do dolo de uma das partes, por comissão ou omissão,

abrangendo toda e qualquer hipótese em que haja vício da vontade por conduta

de má-fé.

c) A coação e a lesão

Na coação existe uma pressão física 105 ou moral, feita a alguém para que

realize o negócio jurídico. Na coação uma das partes age, além do dolo

intrínseco a seu ato, também sob ameaça, isto é, um comportamento objetivo

104 Quanto à gravidade, o dolo pode ser bonus ou malus. O primeiro é admitido e tolerado pelo ordenamento, ao contrário do segundo. O dolo bonus é a hipótese, por exemplo, do vendedor que exagera nos elogios de uma determinada marca de um produto, dizendo ser a melhor, quando não é. Já o dolo malus é o emprego de um artifício ou expediente astucioso para induzir alguém à prática de um ato que o prejudica e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro, Clóvis Beviláqua, Comentários ao Código Civil, v. 01, p. 363.

105 A coação física, vis absoluta, é concebida não como um vício do negócio jurídico, mas sendo o negócio jurídico inexistente. Já a vis compulsiva, é a ameaça relativa, isto é, através da força resistível e forma moral em sentido estrito. Serpa Lopes, Curso de direito civil, 5a ed., Rio-São Paulo: Freitas Bastos, 1971, v. 01, n. 292, p. 392; Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil, v. 01, 18a ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 395.

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sobre o outro, obrigando-o a assinar o contrato eletrônico, não bastando que

haja o mero temor reverencial. 106

A semelhança com a coação pode ocorrer, a partir do momento em que

uma das partes seja inexperiente e, ainda, esteja em grau de subordinação. A

semelhança é também sobre o possível temor por parte da vítima em virtude da

necessidade de contratar, evitando-lhe um prejuízo econômico. Todavia, as

diferenças são claras: na coação, a ameaça é direcionada à assinatura do

contrato virtual, em que na lesão não ocorre; na coação, o temor é mediante a

contraprestação exigida, isto é, assinatura do contrato eletrônico ou o mal que

poderá lhe ocorrer a ser provocado exclusivamente pela parte, tendo-lhe a

faculdade de evitar esse mal pela assinatura desse negócio jurídico, enquanto

que na lesão, o sujeito celebra o negócio jurídico para salvaguardar ou proteger

seu patrimônio (necessidade) ou, ainda, pela mera inexperiência.

Fácil perceber que se alguém é coagido a assinar um contrato eletrônico

com valores desproporcionais, apesar de o fazê-lo também em estado de

necessidade, fica caracterizada, sob essas circunstâncias, a coação ao invés da

106 “Ementa. Casamento. Anulação. Coação paterna. Temor reverencial que não a caracteriza. Ação improcedente”. Recurso Extraordinário n. 78286-CE, 1 a Turma, Rel. Des.Oswaldo Trigueiro, j. 30.04.74. Revista dos Tribunais 476:258, considerando que: “não tem valia o argumento de que a autora para decidir-se a casar teria agido sob a influência do temor de descontentar a seu autoritário pai, porque este motivo não caracteriza a coação exigida pela lei. Assim, na lição de Washington de Barros Monteiro, ‘o simples temor reverencial, isto é, o receio de desgostar o pai, a mãe e outras pessoas a quem se deve respeito e obediência, não constituirá coação’, (‘Curso de Direito Civil’, v. 2o/79)”, p. 259.

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lesão, posto que ele foi constrangido a assinar o contrato, apesar de ambas as

hipóteses possibilitarem a anulação do negócio jurídico.

d) O estado de perigo e a lesão

O estado de perigo é um dos institutos mais próximos à lesão. A

semelhança é evidenciada pelos seguintes requisitos: necessidade e a obrigação

excessivamente onerosa.

Contudo, a semelhança é genérica, pois a diferença está na espécie desses

mesmos requisitos.

A necessidade do estado de perigo está na tentativa da parte em salvar-se,

isto é, de proteger bens extrapatrimoniais relativos à pessoa, enquanto que, na

lesão, pode ocorrer acidentalmente a proteção desses bens dessa natureza, mas

abrange também os bens patrimoniais. No estado de perigo não abrange, em

hipótese alguma, a necessidade de bens patrimoniais, tendo comunicabilidade

direta apenas com bens extrapatrimoniais. Desse modo, alguém pode alugar um

imóvel para não ficar ao relento por alguns dias, contudo, apesar de não estar

em busca da vantagem econômica do imóvel, sendo este um meio, mas de

preservação de bens extrapatrimoniais (finalidade do ato), como a integridade

física (saúde sua e de seus familiares), e também a integridade moral (moradia),

será lesão por incidência daquele bem patrimonial (imóvel) e também pela

proteção dos bens extrapatrimoniais.

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Adriano de Cupis ressalta que o conceito de necessità é o mesmo nos

arts. 1.447 e 2.045 do Código Civil italiano, isto é, a necessidade de salvar a si

ou outrem de perigo atual de um dano à pessoa. Porém, afirmando que há uma

diferença entre os dois artigos: no primeiro, o estado de necessidade de um

sujeito é desfrutado por outro; no segundo, o estado de necessidade obriga o

sujeito a praticar um dano, pelo qual ele deve uma indenização, que fica

submetida ao poder discricionário do juiz, que deve usar da eqüidade. No

entanto, salienta aquele autor, que no caso do art. 2.045 se exige que o perigo

não tenha sido voluntariamente causado pelo autor do dano e que este não fosse

evitável. No art. 1.447 tais condições não são requisitos do instituto do estado

de perigo, ainda que tenha sido voluntariamente causado pela pessoa que a ele

esteja exposto, mesmo que o perigo fosse evitável, caberá a rescisão, já que a

liberdade de determinação estará, de qualquer forma, reduzida. 107

No estado de perigo o art. 156 determina a obrigação excessivamente

onerosa. Daí porque, o conceito de estado de perigo, segundo Moacyr de

Oliveira, é “o fato necessário que compele à conclusão de negócio jurídico,

mediante prestação exorbitante”.108 Desse modo, está caracterizado o dolo de 107 Adriano de Cupis, Teoria e prática Del diritto civille, 2a ed., Milano: Giuffrè, 1967, p. 410 e

ss.108 Moacyr de Oliveira, “Estado de perigo”, In: Enciclopédia Saraiva do Direito, 1979, p. 504 e

ss. Cita o autor exemplo de estado de perigo: o caso do pai que, tendo seu filho seqüestrado, promete recompensa vultosa a quem lhe salvar a criança, p. 506. São exemplos de estado de perigo citados por Demolombe: a promessa do náufrago ao salvador; a hipótese daquele que, assaltado por bandidos, em lugar ermo, se dispõe a pagar alta cifra a quem livrá-lo da violência; ou também do doente que concorda com os altos honorários exigidos pelo cirurgião ou da mãe que promete toda a sua fortuna para quem lhe venha salvar o filho, ameaçado pelas ondas ou de ser devorado pelo fogo. Demolombe, Traité des contrats, 3a ed., Paris: Imprimerie Générale,

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uma das partes ou o aproveitamento abusivo por parte do credor da obrigação,

ante as circunstâncias de premente necessidade da outra, buscando salvar-se. Já

na lesão, o art. 157 determina a mera desproporcionalidade das prestações,

tendo um enfoque objetivo, sem relevância o aspecto abusivo ou não do credor

da obrigação, sendo que este, se existir, é mera circunstância acidental existente

no negócio contratual, mas não é o seu requisito. 109

Percebe-se, por fim, que a lesão tem maior eficácia de aplicação do que o

estado de perigo, haja vista que o requisito do dolo não existe naquele. Há

apenas um conflito aparente de valores (entre estado de perigo e lesão), pois, na

hipótese de não configuração do estado de perigo para proteção dos bens

extrapatrimoniais, subsidiariamente, há a lesão como instituto de proteção da

situação de desigualdade das partes contratantes em razão da sua necessidade.

Ainda, o perigo objetivamente considerado é a idoneidade de um

fenômeno ou vários fenômenos para ocasionar a perda ou a diminuição de um

bem, o sacrifício ou a restrição de um interesse. 110 Já o dano é exatamente essa

[s.d], t. 01, p. 141. Messineo cita expressamente como estado de perigo os depósitos em dinheiro que exigem os hospitais para que o paciente possa ser atendido numa emergência. Manueale di diritto civile e commerciale, Milano: Giuffrè, v. 03, 1959. De fato, a exigência pelos hospitais de um cheque, muitas das vezes emitidos em branco para preenchimento posterior pelo próprio credor do respectivo valor, é anulável sob o argumento do estado de perigo, além de caracterizar prática abusiva e contrária à boa-fé.

109 No mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior, “Dos defeitos do negócio jurídico no novo Código Civil: fraude, estado de perigo e lesão”, Revista Forense, nov-dez 2002, v. 364, ano 98, p. 163-179. v. também Humberto Theodoro Júnior, “Negócio Jurídico. Existência. Validade e eficácia. Vícios. Fraude. Lesão”, Revista dos Tribunais, out-2000, v. 780:11-28.

110 Enrico Contieri, O estado de necessidade. Trad. Fernando de Miranda, Coimbra: Armênio Amado, 1942, p. 47.

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perda ou diminuição de um bem material ou moral. O perigo é uma realidade; o

dano, a possibilidade de que essa realidade se realize, e, se essa realidade

efetivamente se verifica, já não há perigo, mas dano. Desse modo, no estado de

perigo o dano que o contratante procura evitar não deve ainda ter se verificado,

pelo menos completamente, no momento da declaração de vontade. Caso

contrário, de nada adiantaria a conclusão de tal negócio. 111

Assim, são estes os requisitos objetivos do estado de perigo: ameaça de

grave dano à própria pessoa ou à pessoa de sua família; dano atual ou iminente;

onerosidade excessiva da obrigação. Os requisitos subjetivos: o declarante

acredita que realmente se encontra em situação de perigo, de medo ou temor;

conhecimento do perigo pela outra parte; nexo causal entre o temor da vítima e

a declaração de vontade viciada da outra parte contratante, abusando-se da

situação.112

e) Sítios de Leilão

Existem duas posições: uns defendem a responsabilidade objetiva e outros, a subjetiva. Outros, diferem, ainda, pelo fato da cobrança ou gratuidade do serviço.

111 Tereza Ancona Lopes, “O negócio jurídico concluído em estado de perigo”. Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues, 1989, São Paulo: Saraiva, p. 311. A autora citando Enrico Contieri, diferencia o perigo do dano: “ O perigo, objetivamente considerado, é a idoneidade de um fenômeno ou vários fenômenos para ocasionar a perda ou a diminuição de um bem, o sacrifício ou a restrição de um interesse. (...) Dano é exatamente essa perda ou diminuição de um bem material ou moral. O perigo é real. O dano é a possível realização desse perigo. Assim, se essa possibilidade efetivamente se verifica, já não há perigo, mas dano”, “O estado de perigo como defeito do negócio jurídico”, Revista do Advogado, Novo Código Civil: Aspectos relevantes. Ano 22, n. 68, dez-2002, p. 51.

112 Teófilo Marcelo de Área Leão Júnior, “Salve-a, que lhe prometo meu patrimônio! A figura do estado de perigo dentro da perspectiva do novo Código Civil”, Revista de Direito Privado, n. 12, ano 03, out-dez 02, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 76.

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d) Critérios de revisão contratual, como a imprevisibilidade e a cláusula rebus sic stantibus

A teoria da imprevisão está cediça no art. 478 do CC/02

Já a rebus sic stantibus, prevista no CDC.

e) A violação da intimidade diante das relações contratuais. Violação e inserção de programas aptos a identificação dos supostos interesses do cliente nas relações de consumo.

O e-mail pessoal de empregado não poderá ser devassado pelo empregador. Mas, o e-mail empresarial ou corporativo, sim.

f) Os dados eletrônicos como tutela penal e civil. Os dados privados decorrente do contrato e a necessidade de sua proteção jurídica

O art. 313-A e 313-B estabelecem os crimes de falsa informação ou alteração contra a administração pública.Há diferença entre inserção de dados e alteração de sistema de informação ou programa de informática. O primeiro, é apenado com reclusão, o segundo, com detenção.

O CPP estabelece, definitivamente, pela Lei 11.900/09, reformas quanto à possibilidade de ouvir testemunhas, depoimentos, através de videoconferência, inclusive, garantir ao acusado, a presença de juiz corregedor, juiz da causa, Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil, par. 6º do art. 185 do CC/02.

O CPC pela Lei 11.419/06 estabelece a informatização do processo civil, como a possibilidade de comunicação eletrônica dos atos processuais, o processo eletrônico, dentre outras. O processo é totalmente informatiza, por exemplo, no Juizado Especial Federal, em que não há arquivo físico, como ocorre nos pedidos de revisão de aposentadoria.

g) O pregão eletrônico. Responsabilidade contratual nas aquisições por meio virtual perante a administração pública. Sua viabilidade como ferramenta da prestação eficiente do serviço (custo/benefício).

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A Lei 10.520/02 estabelece o pregão eletrônico. O Decreto 5.450 de 31.05.05 regulamenta na órbita federal esse pregão, que permite, via internet, a compra, independentemente do valor, disputa à distância, de bens ordinários e rotineiros para a administração pública.

h) Alguns aspectos polêmicos no Second Life quanto às contratações

No Second Life, tanto o personagem, como quaisquer

objetos virtuais, tais como o terreno da área virtual definida, a construção, o

imóvel, a localidade, tudo não pode ser transmudado senão para a noção

primária de bens virtuais, inclusive, o denominado “linden dollar”, como

expressão monetária. Se, por exemplo, alguém invadir através de programas um

determinado terreno virtual, ante o caráter real, a imissão da posse e todas as

suas noções poderiam, em tese, ser estendidas para a preservação de interesses

econômicos de seus titulares. Dado a potencialidade de repercussão financeira

no mundo real, o simples “jogo” passou a ter um contexto com extrema

necessidade de regulamentação jurídica, em que seria intolerável apenas a auto-

regulamentação. Evidentemente, não bastará os códigos de conduta, com

punições ou obrigações impostas a quem os transgredir pelos próprios usuários,

já que o ordenamento jurídico, a própria fiscalização da polícia decorrente de

crimes nesse âmbito deverão ter uma intervenção e participação efetiva.

i) Solução de conflitos de responsabilidade civil e contratos na internet? A função do Poder Judiciário.

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O número de demandas e conflitos judiciais tem preocupado a

todos os setores da sociedade. Inúmeras medidas tem sido adotadas, como a criação

das Súmulas e, especialmente, a Súmula vinculante; a informatização do processo

judicial;a redução da eficácia de efeito suspensivo a inúmeros recursos ou medidas

processuais, a ampliação da possibilidade de execução provisória das sentenças e,

ainda, o novo sincretismo entre a fase de conhecimento e execução da sentença,

tornando-o em procedimento único. Todas essas situações são tendências modernas de

reformulação e novo pensamento para a agilização das soluções em conflitos. Mas,

propositadamente, citaremos em destaque a medida que tem sido adotada com maior

amplitude, sendo uma nova tendência hodierna para a solução dos conflitos atuais: o

princípio da máxima tentativa de possibilidade de conciliação entre as partes.

Nos meios forenses, seja no âmbito civil ou trabalhista, por

exemplo, a busca incessante do Poder Judiciário é a tentativa de conciliação, em que o

caráter do juiz sentenciador migra para um novo aspecto: a do juiz conciliador. Para

ser juiz atualmente é preciso ser, antes, um conciliador vívido.

Mas em que medida poderíamos afirmar ser o juiz um

conciliador? Quais seriam os seus limites? A questão é que não devemos dar primazia

ao brocardo popular: “antes um mau acordo do que uma longa demanda”. Talvez,

seria melhor a adoção da idéia de que “antes um acordo razoável do que uma longa

demanda”. O princípio da razoabilidade deve imperar nessas questões de conciliação.

A análise do tempo de demora na prestação jurisdicional, diante de uma proposta de

acordo em que a parte é beneficiada com o direito conciliado é uma das buscas

incessantes de todos os membros da atividade jurídica, sejam advogados ou juízes.

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Sérgio Iglesias Nunes de SouzaDoutor e Mestre em Direito Civil pela PUCSP

Docente em Direito Civil na graduação e pós-graduação das FMU – Faculdades Metropolitanas UnidasAdvogado

Nas questões de conflitos oriundos das relações juscibernéticas,

especialmente, as divergências contratuais de conflito de interesses, sejam civis ou do

e-commerce, a busca do acordo passa do campo da mera possibilidade para a seara da

necessidade das partes.

Imagine-se, por exemplo, em que uma determinada pessoa

jurídica necessita de um ajuste com a empresa fornecedora de um determinado

software que desenvolve para uma atividade empresarial, diante de uma divergência

ou desentendimento daquele programa de computador. A prestação jurisdicional

convencional é ineficaz diante da necessidade de uma rápida solução do conflito,

diante dos riscos de se agravarem os prejuízos, caso a empresa não consiga conciliar-

se imediatamente com a fornecedora do serviço, em que por vezes, mesmo as medidas

antecipatórias ou cautelares não teriam o condão de afastar totalmente os prejuízos. 113

Assim, a conciliação é o remédio necessário para a melhor proteção do direito entre

elas. Ainda que fosse dada uma sentença absolutamente justa e correta, a demora na

prestação jurisdicional, por vezes, ainda que em poucos meses prolatada, já seria

causa dos prejuízos sofridos causados pela própria divergência de interesses entre as

partes contratantes.

Isso porque, as questões eletrônicas têm, por natureza, a

aplicação do princípio da celeridade e rápida prestação obrigacional entre as partes

envolvidas. De modo que, se não fosse essa natureza da realidade no campo das

questões juscibernéticas, a internet não seria o que conhecemos hoje, diante de seu

maior benefício conquistado.

113 Imagine que a mesma pessoa jurídica necessite que a fornecedora desenvolva imediatamente um programa de computador de adequação para atender um maior número de pedidos de seus clientes, em que, por vezes, o novo software necessita ser compatível com o programa já instalado, em que o código fonte é inacessível.

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Sérgio Iglesias Nunes de SouzaDoutor e Mestre em Direito Civil pela PUCSP

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Imagine-se, assim, um conflito oriundo de uma divergência

contratual eletrônica. Inicialmente, surge a necessidade de medidas cautelares ou

antecipatórias para evitabilidade do dano. Ao depois, a decisão acerca do juízo

competente. Ainda, a instrução da causa, a análise probatória do contrato, como

mencionamos e, finalmente, a espera da sentença transitada em julgado. Todos os atos

processuais seriam inúteis se, infelizmente, não atenderem ao próprio interesse das

partes em litígio e, portanto, a própria finalidade da jurisdição deixaria de ser

atendida.

É por essa razão que os meios de soluções alternativas para os

conflitos na internet, sejam eles no âmbito do judiciário ou extrajudicialmente, devem

estar atentos às necessidades das partes, em que o conhecimento relacionado à

temática da juscibernética se faz necessário, para que a extensão dos prejuízos e o

alcance dos interesses das partes sejam atendidos em maior plenitude à rápida

prestação jurisdicional.

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