direito e cidadania da medida socioeducativa de...
TRANSCRIPT
66
DIREITO E CIDADANIA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO
FEMININA NO ESTADO DA PARAÍBA
Ana Luíza Félix Severo
Wânia Claudia Gomes Di Lorenzo Lima
RESUMO
Este trabalho teve por objetivo analisar a medida socioeducativa de internação frente ao processo de construção da cidadania na Casa Educativa, no Estado da Paraíba. A pesquisa proveio da ausência de estudos na área, em trazer os princípios específicos para a aplicação de uma medida digna, breve e proporcional promovendo a educação, sem deixar de lado a resposta imposta pelo Estado a fim da ressocialização eficaz. Como também do despertar para que o direito regulador e coercitivo exista, é necessário que acatemos os valores fundamentais; sendo a cidadania nas variadas dimensões o meio para a efetivação desses direitos. Os dados foram levantados através da aplicação de questionários, além do aporte teórico das ciências sociais e jurídica. Utilizamos a metodologia de campo descritiva. O universo amostral compreendeu quinze adolescentes internas em julho de 2013 que desejaram participar do estudo. Através dessa pesquisa pudemos identificar o modo como as adolescentes receberam ou exerceram o direito e a cidadania na unidade, através das leis específicas que as regulam. Delineamos o perfil das adolescentes que cometeram atos infracionais, analisamos o descumprimento de normas jurídicas dentro de incongruências históricas e examinamos os dados amostrais. Apontamos algumas reflexões sem ambição de exaurir o tema e resultados percebidos. Não desejamos vitimizar à adolescente feminina, mas levantar que são diversos fatores que se unem no cenário de vulnerabilidade social feminina na vida pregressa e nas instituições de internação impossibilitando o exercício efetivo da cidadania e consequentemente do direito. Palavras-chave: Educação. Direito. Cidadania. Medida socioeducativa. Internação
feminina.
Recorte do trabalho apresentado para obtenção do título de Bacharela em Direito (UNIPÊ). Especializanda em Gênero e Diversidade na Escola (UFPB/NIPAM) e Direitos Humanos, Econômicos e Sociais (UFPB/CCJ); E-mail: [email protected] Doutoranda em Direito Econômico (UFPB); Professora orientadora do trabalho (UNIPÊ); E-mail: [email protected]
67
1 INTRODUÇÃO
As mulheres enfrentaram lutas e tiveram conquistas referentes às garantias
de direitos sociais, políticos, econômicos, mas ainda é vista de modo desigual seja a
respeito da sexualidade ou da vulnerabilidade, na qual o gênero está exposto.
Ao focarmos nas adolescentes, período de transição entre a fase infantil e
adulta, onde passam por várias mudanças biológicas, psíquicas e sociais,
despertamos para as autoras de atos infracionais, a fim de conhecermos as
vulnerabilidades, demandas e a influência social ligada ao comportamento com
ações positiva ou negativa aceitas socialmente.
O objetivo do presente trabalho é analisar a medida socioeducativa de
internação frente ao processo de construção da cidadania na Casa Educativa para o
cumprimento da medida socioeducativa de internação.
Pesquisas do BRASIL (2012); CONSTANTINO (2001) e DELL’AGLIO;
SANTOS; BORGES (2004) apontam aumento significativo dos atos infracionais
cometidos por elas em todo o Brasil. E a medida socioeducativa de internação
representa uma forma em garantir a autora da prática de ato infracional o direito e a
cidadania para atingir a ressocialização de forma eficaz.
Sendo assim, indagamos como a medida socioeducativa no Estado da
Paraíba tem gerenciado o direito e a cidadania na internação feminina. Para tanto,
foi realizada pesquisa de campo de cunho qualitativo na Casa Educativa, instituição
da Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice de Almeida,
durante o mês de julho/2013.
Utilizamos como instrumento o questionário semiestruturado, contendo
perguntas abertas e fechadas, além delas abrangerem conteúdo avaliativo
respondidos pelas gestoras da unidade e quinze internas em medida socioeducativa.
Essas últimas foram selecionadas com critério de mais tempo de internação por se
68
acreditar que apresentaria melhor avaliação da vivência e estrutura institucional;
bem como aceitação após a exposição inicial da pesquisa.
Não foi excluída nenhuma adolescente, pois todas as selecionadas
concordaram em participar e concluiu o questionário, vale mencionar que durante a
pesquisa não houve nenhum desligamento da unidade.
Para melhor compreender a dinâmica da casa educativa, teceremos breve
explanação sobre o sistema brasileiro de proteção jurídica de execução das medidas
socioeducativas, abordando-os sob o olhar atual de promoção dos direitos
fundamentais da criança e do adolescente. Além disso, não pretendemos exaurir o
tema, sendo os resultados a forma como percebemos o trabalho ao longo da
pesquisa, enquanto aprofundamento do assunto.
2 MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO E PRINCÍPIOS NORTEADORES
A denominação medida socioeducativa surgiu da compreensão de que além
do caráter punitivo existe a necessidade e finalidade primacial pedagógica da sua
aplicabilidade garantindo todos os direitos fundamentais para um bom
desenvolvimento biopsicossocial. Para isso, vamos expor alguns princípios basilares
da pessoa em desenvolvimento.
O princípio da Proteção Integral reconhece a condição peculiar da pessoa em
desenvolvimento colocando como responsáveis concorrentes a família, a sociedade
e o Estado, marco legal na Declaração dos Direitos das Crianças. Tal princípio “não
impede que se operem contenções de adolescentes que se envolvam em eventos
considerados conflitantes com a lei” (RAMIDOFF, 2011, p. 23).
Já o reconhecimento da condição peculiar da pessoa em desenvolvimento
tem importante destaque porque é onde se justifica que a/o adolescente pelo seu
estado de desenvolvimento deve receber tratamento, em resposta ao ato infracional
cometido, diferentemente de quem recebe uma pena.
A Carta Magna trouxe como princípios da medida socioeducativa: absoluta
prioridade, brevidade; excepcionalidade e a inimputabilidade penal a adolescentes
69
até os 18 anos de idade. O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Lei n°
12.494/2012) além de confirmar esses princípios, ainda trouxe os específicos, entre
eles: da legalidade, prioridade nas medidas restaurativas, proporcionalidade,
individualização da medida, mínima intervenção do Estado, não discriminação de
adolescente e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
As medidas socioeducativas são expostas no artigo 112 do Estatuto da
Criança e do Adolescente de forma gradativa em seis tipos: advertência, obrigação
de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida,
inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional.
Por ser a Casa Educativa unidade de internação, analisaremos algumas
características dessa modalidade. Ela não apresenta tempo determinado, mas deve
atender a brevidade, sendo aplicada excepcionalmente, caracterizada pela
perspectiva educacional a que se propõe. Bem como, o juiz deverá levar em
consideração a sua capacidade em cumprir a medida proporcional à infração
cometida. Ainda assim, com a medida imposta, a/o adolescente será avaliada/o a
cada seis meses por profissionais da comunidade socioeducativa da unidade, modo,
pelo qual, é responsável pela sua progressão ou desligamento antes dos três anos
(ISHIDA, 2013).
Conforme o art. 22 do ECA, a medida privativa de liberdade não impede que
adolescente realize atividades pedagógicas externas. Além de possibilitar a sua
substituição quando houver outra medida proporcional ao ato infracional cometido
(BRASIL, 1990), somente poderá ser aplicada quando se constatar prova material
dos fatos e da autoria, mediante sentença judicial, além da possibilidade mental e
física de cumprimento.
Os dispositivos normativos asseguram a possibilidade do/a infrator/a não
receber de imediato a medida socioeducativa de internação, em casos de ato
infracional que não gere grave ameaça ou violência a pessoa, de prática reiterada de
atos infracionais graves e nem descumprido outra medida socioeducativa
anteriormente imposta. O que corrobora com o princípio da proporcionalidade da
medida socioeducativa ao ato infracional cometido.
70
Apesar de constar no ECA, os direitos individuais exclusivamente para as
medidas privativas de liberdade, A Lei SINASE ampliou esses direitos, instituiu o
sistema de atendimento para execução da medida socioeducativa e uniformizou os
deveres das medidas, ponderando as peculiaridades de cada uma.
Quanto à internação de adolescentes femininas no Estado da Paraíba ela é
executada pela Casa Educativa, que foi a instituição escolhida para a pesquisa.
Portanto, seguiremos conhecendo um pouco do funcionamento dessa instituição
paralelamente com a descrição da pesquisa.
3 CASA EDUCATIVA: unidade feminina de internação no Estado da Paraíba
A unidade de internação feminina Casa Educativa1 foi construída para a
lotação máxima de cinco adolescentes, visto na época não ter muitas adolescentes
em privação de liberdade.
Durante a pesquisa (julho de 2013) estavam internas 19 adolescentes mais
um bebê que se encontrava no período de amamentação, por não ter completado
ainda seis meses de vida.
A Casa Educativa está localizada na capital da Paraíba, cidade de João
Pessoa e recebe adolescentes de qualquer município do Estado, com idade de 12 a
21 anos de idade, para cumprirem: a medida provisória, que tem o prazo máximo de
45 dias; a internação, com o prazo máximo de três anos; ou o descumprimento de
medida anteriormente imposta, possui o prazo máximo de três meses.
Durante a pesquisa não encontramos na unidade adolescente que estivesse
em descumprimento de medida anteriormente imposta (Art. 122,III,§1º ECA), mas
três adolescentes em situação provisória (Art. 108 c/c 183, ECA) e dezesseis
1 Unidade pertencente à Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice de
Almeida (FUNDAC), responsável em gerir a política de atendimento socioeducativo de jovens e
adolescentes em conflito com a lei, em privação ou restrição de liberdade.
71
adolescentes cumprindo a internação por decisão judicial final (Art. 121, §3º).
(BRASIL, 1990)
A unidade apresenta em seu quadro de funcionários uma diretora, uma vice-
diretora, uma pedagoga, uma assistente social, uma psicóloga, trinta e cinco agentes
sociais (feminino e masculino), dois oficineiros2 e uma defensora pública. Os
funcionários estão na situação de terceirizados, contratados por tempo determinado,
efetivos e cargos comissionados. A forma de trabalho aplicada as técnicas
(assistente social, psicóloga e defensora pública) é de revezamento por escala, não
há técnicos no período integral porque a unidade só dispõe uma sala para todas as
profissionais realizar atendimento individual.
O acolhimento, quando em horário de expediente, é realizado da seguinte
forma: primeiro, a adolescente passa pela revista, depois pelo setor técnico
(psicóloga ou assistente social); após isto, pela direção e só assim encaminhada
para o quarto. Fora do horário de expediente a adolescente fica reservada em um
quarto (quando disponível) ou é conduzida a algum quarto coletivo respeitando o
critério de idade.
Com relação à alimentação a unidade dispõe de uma cozinha completa, mas
as refeições são terceirizadas, no total de cinco: desjejum; almoço; lanche; jantar e
lanche noturno.
As adolescentes usam fardamento da própria instituição no dia a dia, exceto
em festas, audiência e quando desligadas. As roupas de cama e as fardas são
individuais, elas não trocam entre si enquanto internas e substituem no caso de
desgaste. O material de higiene pessoal e de limpeza para as roupas e quartos são
distribuídos pela unidade, entretanto, alguns familiares levam produtos de
preferência das adolescentes, que é permitida a entrada após a revista.
A unidade possui regimento interno onde prevê regras a serem respeitadas
pelas adolescentes e funcionárias/os, descrevendo as condutas que caracterizam
transgressão disciplinar e as sanções aplicáveis quando forem praticadas. A
2 Oficineiros são assim chamados os profissionais que ministram cursos ocupacionais e de artesanato
na Casa Educativa.
72
adolescente toma ciência do regimento interno durante o acolhimento através da
técnica e da direção que passam as orientações necessárias para uma boa
convivência coletiva enquanto perdurar a sua medida. Além disso, o regimento é
trabalhado cotidianamente junto às adolescentes em sala de aula, oficinas
ocupacionais, cursos profissionalizantes e atendimentos individuais.
O plano individual da adolescente é realizado dentro da Casa Educativa e há
a homologação judicial, conforme sistematizou o SINASE. O projeto político
pedagógico da unidade está pronto desde o ano de 2012, contudo, como a FUNDAC
passava por um processo de reformulação, não havia concluído o projeto político
pedagógico institucional na época da pesquisa.
Contam também com um plano de segurança, mas ainda não foi instituída a
comissão de apuração disciplinar, sendo a sanção disciplinar aplicada pela direção e
equipe técnica. A unidade não dispõe de nenhum método de contenção além da
realizada por agentes sociais. A segurança individual e coletiva é trabalhada de
forma preventivamente a facilitar a mediação de conflitos. Talvez, o principal motivo
de que até o momento da pesquisa a instituição só tinha constatado a evasão de
uma adolescente, também não tinha histórico de rebeliões ou de mortes dentro da
unidade.
A unidade de medida socioeducativa de internação da Paraíba possui espaço
coletivo pequeno, têm poucos cômodos, mas desenvolve atividades como escola,
educação física, cursos profissionalizantes, cursos ocupacionais. De forma que
todas as adolescentes participem independentemente da idade, situação jurídica ou
divergência pessoal.
4 REFLEXOS DA POPULAÇÃO FEMININA NA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE
INTERNAÇÃO NA PARAÍBA
A população feminina na medida socioeducativa de internação no Estado da
Paraíba tem apresentado aumento no quantitativo de adolescentes internas
73
(PARAÍBA, 2012), mas possui um percentual inferior se comparado as unidades
masculinas (BRASIL, 2012).
Esse aumento levanta o questionamento da discussão sobre o exercício da
cidadania, a limitação da liberdade e o afastamento do convívio familiar
característicos do sistema de privação de liberdade. Deste modo, podem, por si só,
se contrapor ao exercício da cidadania.
Por cidadania entendemos ser o exercício dos direitos civis e políticos de um
cidadão e deveres para com o país. Herkenhoff (2001) apresenta a cidadania em
quatro dimensões: social, econômica, educacional e existencial.
Na dimensão social afirmamos os direitos constantes no art. 6º da
Constituição Federal, em destaque o direito a uma educação digna e de qualidade,
saúde, alimentação adequada, moradia, lazer e assistência social.
Com relação à educação, a nossa Lei Maior (art. 205) diz que é direito de
todos e dever do Estado. Além da obrigação em manter escolas públicas, de boa
qualidade, com professores valorizados e qualificados, o Estado tem a missão de
não excluir ninguém.
A dimensão existencial é a condição para que alguém possa ser uma pessoa
com sua dignidade respeitada, então podemos relacionar “que para ser cidadão é
preciso ser respeitado como pessoa humana” (HERKENHOFF, 2001, p. 222). Para
isso, é necessária a obediência aos seguintes itens: tratamento igualitário das
pessoas; respeito por ser uma pessoa humana; educação pública a todos e de
qualidade; saúde pública digna e eficaz; moradia salubre. Outrossim, a privação de
liberdade deve ser cumprida com respeito aos dispositivos de proteção legal, entre
os quais, tratamento humano e esforço social para sua recuperação.
As adolescentes da unidade pouco conhecem o termo cidadania como
vocativo de direitos, pois comumente escutam em modo pejorativo. Damatta (1997,
p. 73, grifo do autor) mostra que “a palavra cidadão é usada sempre em situações
negativas no Brasil, para marcar a posição de alguém que está em desvantagem ou
mesmo inferioridade”, citamos a prática da abordagem policial como exemplo.
74
Dessa forma, tem-se necessidade de conselhos representativos para lutar
pelos direitos de adolescentes internas e até mesmo orientá-las quanto aos direitos
e obrigações da pessoa humana enquanto ser coletivo. O Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e de Adolescente, o Fórum Nacional de Organizações
Governamentais de Atendimento à Criança e ao Adolescente, a Associação
Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude, os Conselhos de
Direitos, gestores e a comunidade socioeducativa; reúnem-se anualmente para
debater e deliberar sobre a execução de medidas socioeducativas e também as
práticas pedagógicas desenvolvidas nas entidades (BRASIL, 2006).
Essas representações foram necessárias para a elaboração e aprovação da
Lei nº 12.594/2012, que instituiu o SINASE. Anterior à Lei a política de atendimento
socioeducativo era exercida a base do costume de cada Estado e através de
normatização ou termo de ajuste de conduta do juiz da Vara de execução e do
promotor público da Medida Socioeducativa.
O Direito estabelece uma correlação entre direitos e obrigações sancionadas
pelos Poderes para reger o comportamento, positivo ou negativo, produzido pela
pessoa e exteriorizado socialmente. No entanto, cabe ao indivíduo absorver os
valores fundamentais para uma boa convivência coletiva, pois sozinho, o Direito, não
mudará comportamentos, não modificará a natureza intrínseca do ser humano.
Sabemos que o Direito vive em constante adaptação para atender o
progresso social e este papel de modificá-lo é exercido através da cidadania,
portanto: “Este processo de adaptação externa da sociedade compõem-se de
normas jurídicas, que são células do Direito, modelos de comportamento social, que
fixam limites à liberdade do homem, mediante imposição de condutas” (NADER,
2006, p. 20).
O direito e a cidadania estão intrinsecamente ligados, pois um depende do
outro para sua existência, o direito se relaciona ao exercício da cidadania para
existir, e esta depende de um ambiente democrático para nascer. Então, a
democracia compreende as formas do exercício da cidadania, sendo definidos
75
através dos meios diretos ou indiretos de participação dos cidadãos no exercício do
poder (BARACHO, 1995).
Na tentativa de exibir melhor a percepção sobre a efetivação da cidadania
pelas jovens internas pesquisadas neste trabalho, trataremos a seguir de apresentar
os resultados obtidos na pesquisa, fazendo uma breve discussão sobre a estrutura e
dinâmica dos atos infracionais femininos.
5 CASA EDUCATIVA: amostra populacional, representação e prática social
A coleta de dados realizada com as gestoras, pedagoga e assistente social
nos permitiram ter uma visão ampla das internas, bem como da parte estrutural,
pedagógica, da rotina e da gestão socioeducativa da unidade.
Durante o mês de julho a lotação atual da unidade era de 19 (dezenove)
adolescentes; sendo a média mensal de 25 (vinte e cinco) internas. Se compararmos
as médias estatísticas dos anos 2010 (9), 2011 (15) e 2012 (22), obtidas por meio da
FUNDAC, percebemos o aumento de internações femininas. Assim, “recentemente,
o fenômeno de criminalidade entre jovens do sexo feminino tem aumentado em
muitos países no mundo, elevando a preocupação da sociedade civil, das
instituições sociais e do meio acadêmico” (CONSTANTINO, 2001, p. 1).
É certo e notável que “as mulheres participam muito menos do que os
homens da criminalidade em geral” (ZALUAR, 1993, p. 135); todavia esse aumento
da população feminina pode se dá, para continuar a atividade ilícita praticada pelos
parceiros, protegê-los, escondendo armas e ou drogas, ou até mesmo por
desejarem posição de destaque na comunidade e com o lucro possuir objetos de
desejo de qualquer adolescente (CONSTANTINO, 2001).
Com relação à faixa etária das adolescentes internas durante o mês da
pesquisa observamos que a frequência maior foi entre 16 e 17 anos (total de 7 numa
amostra de 15 internas) e estão entre as mais antigas no cumprimento da medida
socioeducativa de internação. Estudo realizado pela Coordenação da Infância e
76
Juventude no ano de 2009, revelou maior quantidade de adolescentes internas
também entre a 16 e 17 anos de idade (PARAÍBA, 2009).
O Conselho Nacional de Justiça em 2012 publicou dado que indica a faixa
etária predominante nas casas de internação do Brasil. Também prevalece as
idades de 16 e 17 anos, sendo este com 22% e aquele com 31% da amostra total
pesquisada (BRASIL, 2012).
As adolescentes da Casa Educativa são separadas internamente ao alcançar
a maioridade, assim às adolescentes de 12 a 17 não dormem no mesmo quarto das
jovens de 18 a 21 anos.
No que diz respeito ao estado civil, constatamos que dez das internas
consideram-se solteira. O Censo 2000 aponta que a mulher tem casado cada vez
mais tarde. Da mesma forma, que o Censo Demográfico 2010 apresentou uma
diminuição dos casamentos entre as idades de 17 a 20 anos, assim como comprou
aumento na união estável, em contrapartida do casamento civil. (BRASIL, 2000 -
2010).
Zaluar (1993) revela que as mulheres são iniciadas ao mundo ilícito por meio
do companheiro ou namorado, começando pelo amor ou vício, seja furtando,
pagando dívida da droga, guardando drogas ou armas para o masculino.
Embora os dados obtidos na Casa Educativa indiquem que dez adolescentes
internas estão solteiras, isto não afasta o incentivo masculino, pois além do grupo
iniciado por causa dos namorados, maridos ou companheiros, existe outro aonde as
garotas podem ter a entrada facilitada por pais, tios ou amigos. Deste modo, não
excluiremos a influência masculina da vida delas, nem outros fatores que podem ser
determinantes na entrada e continuidade da atividade infracional (CONSTANTINO,
2001).
Também observamos o envolvimento das adolescentes com o masculino
quando foram perguntadas se houve incentivo à prática infracional. Na frequência de
quinze adolescentes, oito adolescentes responderam que as más amizades
masculinas foram o que as levaram a prática infracional; quatro disseram que o
incentivo foi de amigos.
77
A privação de liberdade feminina revela uma característica peculiar no que se
refere ao baixo índice de reincidência. Apesar da pesquisa do CNJ (BRASIL, 2012)
apresentar elevado índice de reincidência em adolescentes internas, a diferença de
dados pode ser justificada pelo fato de que a referida pesquisa foi realizada com
adolescentes de ambos os sexos, como há maior representatividade do sexo
masculino (de acordo com o levantamento nacional) a reincidência de atos
infracionais feminina é bem menor em comparação com a masculina.
Além do fator de gênero e das questões culturais em inserir a mulher no
mundo ilícito, outro motivo pode justificar o baixo envolvimento feminino no ato
infracional porque para o masculino, as mulheres “desempenham função de caráter
sexual e são consideradas perigosas, capazes de traição e não confiáveis, com
exceção das que passam por provas especiais que demonstrem seu valor”. Também
chamam atenção para fato que “o perfil típico das mulheres que infringem a lei
mostra que são adolescentes ou jovens, primárias no crime, presas por roubo em
lojas e têm como destino a advertência ou a sentença sem detenção”
(CONSTANTINO, 2001, p. 2).
Sobre a escolaridade, todas estavam atrasadas no calendário escolar no que
se refere à série/idade. Observamos que todas frequentaram a escola antes da
apreensão (não quer dizer que estavam estudando no tempo da apreensão). Uma
adolescente entrevistada com idade entre 18 e 19 anos prestou vestibular em 2013.
As quinze adolescentes reconheceram ser o estudo importante para um
emprego no futuro, da mesma forma que os cursos profissionalizantes a preparam
para o trabalho.
Várias são as razões para o abandono escolar pelas adolescentes, que além
do mero desinteresse pelos estudos, está ligada a fatores subjetivos que, muitas
vezes, estão arraigados a sua infância, ou seja, ao início da sua vida escolar. Nesta
fase os abusos são mais frequentes, seja através da violência sexual, abandono
familiar, responsabilidade precoce ou qualquer outro. Não há um fator determinante
a ser considerado (CONSTANTINO, 2001).
78
Observamos que três adolescentes possuíam um filho, enquanto que uma
tinha dois filhos. No momento da entrevista uma dessas adolescentes havia
terminado o período gestacional e estava com a criança na Casa Educativa, que
contava com dois meses de vida. Segundo IBGE, censo 2010, a fecundidade
durante a adolescência tem diminuído, passando a idade média entre 24 a 27 anos.
Para confirmar esses dados há publicação do Ministério da Saúde, no Painel
Panorâmico de Indicadores do SUS nº 7, dizendo que “a taxa específica de
fecundidade entre adolescentes e jovens mantém o padrão nacional” (2013, p. 43),
essa diminuição vem ocorrendo desde o ano 2007 entre adolescentes de 10 a 19
anos.
Com relação ao nível econômico, verificamos que existia uma adolescente
interna que ninguém da família exercia atividade remunerada, recebendo apenas
auxílio governamental no valor de R$ 300,00; três delas disseram viver abaixo de um
salário mínimo brasileiro (R$ 678,00) e não faziam parte do programa de assistência
do governo; cinco adolescentes falaram que a família tinha uma renda acima de dois
salários mínimos e sete famílias sobreviviam com a renda de um salário mínimo por
mês.
Tratar do envolvimento das adolescentes no ato infracional e sua relação com
a representação e prática social que elas levam na construção da sua identidade,
não são características restritas delas, mas que faz parte da constituição de toda a
sua trajetória na história.
Duas das adolescentes que participaram da pesquisa aparentavam
estereótipo masculino, demonstrados através de expressões corporais, corte de
cabelo. Segundo os seus relatos, mantinham esse padrão para serem mais
facilmente aceitas no mundo do tráfico, desta forma eram tratadas como homens,
recebendo até nomes masculinos.
Esse tipo de caracterização é comum para a inserção no mundo ilícito, pois
as mulheres para entrar nessas atividades precisam demonstrar força, frieza de um
homem, coragem, disposição, correr rápido, saber pular muros e nadar, além de não
79
poder dedurar os integrantes do tráfico. Desta forma, são mais facilmente aceitas
quando exibem que podem ser iguais aos homens (CONSTANTINO, 2001).
No entanto, não é o bastante, as adolescentes precisam dar provas de que
suportariam tudo, elas são testadas constantemente através de vivências arriscadas,
como troca de tiros com policiais ou rivais, prática de cobrança de dívida com drogas
para terem asseguradas sua permanência no tráfico (CONSTANTINO, 2001).
A relação de poder construída socialmente sobre a mulher como se fosse
algo natural, tenta trocar a identidade feminina pela masculina para submetê-la a
esta inversão com o fim de exercer a dominação. É sob esta dominação que a
mulher passa a fazer parte do mundo ilícito através do poder masculino.
Em nossa pesquisa, encontramos que oito adolescentes afirmaram que
praticaram o ato ilícito por influência de más amizades masculinas, uma adolescente
por influência do namorado, quatro através de amigos e duas disseram que
praticaram por vontade própria.
Do mesmo modo como as influências negativas é um grande fator para o
desenvolvimento de distúrbios de comportamento na adolescência; as influências
positivas podem ser um fator preponderante para o processo de ressocialização das
internas (DELL’AGLIO; SANTOS; BORGES, 2004).
Todas as adolescentes moram com pelo menos um membro da família (mãe,
tia, avó, irmão), mas uma adolescente reside com a família nuclear completa, ou
seja, mãe, pai e irmãos. Sabemos que a família é o primeiro grupo social do
indivíduo, pois é a partir dela que recebemos os primeiros valores fundamentais para
uma boa convivência social (DELL’AGLIO; SANTOS; BORGES, 2004).
Podemos perceber que as adolescentes da Casa Educativa apresentam
vários fatores para o cumprimento da medida socioeducativa de internação. Mais do
que a questão econômica e do incentivo negativo dos amigos, mesmo que a
influência masculina apareça negativamente de forma direta ou indiretamente na
vida do tráfico; ou da localidade onde residem; elas apresentaram índices de
desestrutura na fase inicial de formação biopsicossocial, que é na família.
80
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mulheres alcançaram direitos em âmbito social e financeiro, outrossim,
como produto da sociedade também se voltou para a prática criminosa com mais
intensidade nos últimos anos. Nunca é demais lembrar que a submissão ao
masculino se mantém até na iniciação da mulher no crime.
Com as adolescentes não poderia ser diferente, diante de todas as
vulnerabilidades de gênero, familiar e do meio social com suas influências negativas,
nessa fase transitória biopsicossocial, elas também possuem incentivo do masculino
para a prática ilícita.
A medida socioeducativa de internação deveria ser o meio eficaz em garantir
a ressocialização das adolescentes internas, mas com os problemas observados na
estrutura física e de pessoal da unidade ficou evidenciado que a unidade não possui
condição para cumprimento digno da medida. No entanto, podemos considerar que
as adolescentes rompem com essas barreiras ao freqüentar a escola, cursos
profissionalizantes e oficinas ocupacionais, compreendendo que devem se preparar
para um futuro melhor.
Como visto, a medida socioeducativa de internação feminina na Paraíba
aumentou nos últimos dois anos, merecendo maior preocupação do Estado e da
sociedade, sendo assim, verificamos que há necessidade de investigar componentes
das infrações, bem como, os fatores sociais interligados a prática infracional em
questão.
Além da consolidação da Lei nº 12.594/12 o investimento em formação
continuada de toda a comunidade que trabalha com adolescentes infratores é
indispensável para avançarmos na sócioeducação, para isso, se faz necessária
também a participação da família. Por outro lado, a necessidade em contratação
através de concurso público de todo corpo técnico e agente sociais, pois diminuiria a
rotatividade desses profissionais e os solidariamente responsáveis.
Resta claro que parte da população adolescente está em situação vulnerável,
por outro lado, a sociedade em resposta a este fato reage com incentivo a retroceder
81
as leis garantidoras dos direitos, principalmente em proteção aos direitos das
crianças e de adolescentes. Diante de tudo isso, torna-se urgente e necessário que
o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo se consolide cada vez mais
garantindo uma ressocialização eficaz.
REFERÊNCIAS
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: Set.2013. ______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8.069. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: Set. 2013. ______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. CENSO 2000 e 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: Out. 2013. ______. Ministério da Saúde. Temático Promoção da Saúde IV – Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2009. ______. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Panorama Nacional a Execução das Medidas Socioeducativas de Internação: programa justiça ao jovem. 2012. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/infjuv/documentos/acoeseprojetos/CNJ_panorama_nacional_mmedida_socioeducativas.pdf>. Acesso em: Out. 2013. _____. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Relatório Final Paraíba. 2009. Disponível em: <http://wwwh.cnj.jus.br/portal/images/programas/justica-aojovem/relatorio_final_paraiba.pdf>. Acesso em: Fev. 2013 ______. Portal Brasil. Salário Mínimo Brasileiro. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/salariominimo.htm>. Acesso em: Out. 2013. ______. Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente. LEVANTAMENTO NACIONAL: Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei ano 2010. Brasília, 2011.
82
______. Sistema de Atendimento Socioeducativo. Lei Federal nº 12.594. 2012. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm>. Acesso em: Out. 2013. CONSTANTINO, Patricia. Entre as escolhas e os riscos possíveis: a inserção das jovens no tráfico de drogas. Escola Nacional de Saúde Pública. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2001. DAMATTA, Roberto. A Casa & a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. DELL’AGLIO, Débora Dalbosco; SANTOS, Samara Silva dos; BORGES, Jeane Lessinger. Infração Juvenil Feminina: uma trajetória de abandonos. Revista Interação em Psicologia. 2004, (8)2, p. 191-198. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/psicologia/article/view/3255/2615>. Acesso em: Set. 2012. HERKENHOFF, João Baptista. Como Funciona a Cidadania. 2. ed. Manaus: Valer, 2001. ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2013. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. PARAÍBA. Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice de Almeida. Dados Estatísticos Casa Educativa. Coordenação de Planejamento da Fundac. 2013.
______. Poder Judiciário. Tribunal de Justiça da Paraíba. Diagnóstico adolescentes em conflito com a lei no estado da Paraíba: Unidades de internação. 2009. Disponível em: < http://www.tjpb.jus.br/wp-content/uploads/2012/05/COINJU-DIAGNOSTICO-diagnostico_das_unidades_de_internaca.pdf>. Disponível em: Out.2013. RAMIDOFF, Mário Luiz. Lições de Direito da Criança e do Adolescente: ato infracional e medidas socioeducativas. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. ZALUAR, Alba. MULHER DE BANDIDO: crônica de uma cidade menos musical. Florianópolis: Revista: Estudos Feministas, 1993. Pág.: 135 a 142. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/issue/view/295>. Acesso em: Out. 2013.