direito dos animais e as prÁticas culturais que os
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE DIREITO
IKARO DE OLIVEIRA CARVALHO
DIREITO DOS ANIMAIS E AS PRÁTICAS CULTURAIS QUE OS
SUBMETEM A CRUELDADE:
Uma análise da Emenda Constitucional n.º 96/2017
BARRA DO GARÇAS – MT
FEVEREIRO/2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE DIREITO
IKARO DE OLIVEIRA CARVALHO
DIREITO DOS ANIMAIS E AS PRÁTICAS CULTURAIS QUE OS
SUBMETEM A CRUELDADE:
Uma análise da Emenda Constitucional n.º 96/2017
Monografia apresentada ao curso de Direito, do
Instituto de Ciências Humanas e Sociais, do
Campus Universitário do Araguaia, da
Universidade Federal do Mato Grosso, como
requisito parcial para obtenção de grau de
bacharel em Direito, sob orientação do Prof. Me.
Alexandre Fernandes Silva.
BARRA DO GARÇAS – MT
FEVEREIRO/2021
IKARO DE OLIVEIRA CARVALHO
DIREITO DOS ANIMAIS E AS PRÁTICAS CULTURAIS QUE OS
SUBMETEM A CRUELDADE:
Uma análise da Emenda Constitucional n.º 96/2017
Monografia apresentada ao curso de Direito, do
Instituto de Ciências Humanas e Sociais, do
Campus Universitário do Araguaia, da
Universidade Federal do Mato Grosso, como
requisito parcial para obtenção de grau de
bacharel em Direito.
______________________________ em 18/03/2021.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________
Prof. Me. Alexandre Fernandes Silva
Orientador e Avaliador 1
________________________________________________
Prof.ª Ma. Aline Trindade do Nascimento
Avaliador(a) 2
________________________________________________
Prof.ª Ma. Rosana Gomes da Rosa
Avaliador(a) 3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer aos meus pais, Ronan e Ângela, e aos
meus irmãos, Thawana e Juan, por todo apoio e carinho por eles proporcionado nesse
momento tão difícil da graduação.
Gostaria de agradecer também, aos meus animais, Akira, Frederico, Leo e
especialmente a minha cadelinha Nina que esteve ao meu lado a cada linha escrita
desse trabalho, desde o momento em que eu sentava em frente ao computador até o
momento em que eu me levantava, ela esteve sempre ao meu lado, porém, antes do
término do trabalho, infelizmente, ela veio a falecer, então fica aqui não só os meus
agradecimentos, mas também a minha dedicatória para você, obrigado por toda
companhia e carinho que você me deu Nina.
Agradeço também aos meus amigos e colegas da universidade, em especial
ao Ângelo, Flavia, Gabriela, Halek, Nathalia, Pedro e Victor, que sempre estiveram
comigo durante toda a graduação, torceram por mim e me ajudaram de diversas
formas para que eu pudesse escrever o presente trabalho.
Agradeço ao meu professor e orientador Alexandre, por ter me aceitado como
orientando, e me ajudado imensuravelmente, sempre dando o suporte necessário
para o meu melhor desempenho durante a elaboração do presente trabalho.
Agradeço também a todos os meus familiares, amigos e professores que de
alguma forma, diretamente ou indiretamente, contribuíram para a minha vida
acadêmica e na realização deste trabalho, sem cada um de vocês eu não teria
chegado até aqui. Por fim, agradeço a todos que me apoiaram ao longo dessa jornada,
obrigado!
RESUMO
O presente trabalho procurou analisar as tensões geradas pela edição da Emenda
Constitucional n.º 96/2017, notadamente o conflito entre a vedação a crueldade animal
e a proteção às práticas culturais. A partir do método científico dedutivo, buscou-se
estudar, inicialmente, a visão do movimento animalista sobre a condição dos animais
não-humanos, perpassando pelas subjacentes teorias filosóficas que o embasam.
Ademais, investigou-se, descritivamente, o estatuto jurídico dos animais não-
humanos na legislação comparada e no ordenamento jurídico brasileiro. Assim,
através de uma análise qualitativa, bibliográfica e jurisprudencial, analisou-se os
impactos que a sobredita reforma constitucional provocou. Dessa maneira, concluiu-
se que tal emenda, além de contrariar a interpretação constitucional do Supremo
Tribunal Federal, restringiu direitos fundamentais, tratados como cláusula pétrea
implícita em nosso sistema constitucional, ao modificar o art. 225 da Constituição, que
versa sobre o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
violando o princípio da proibição do retrocesso ao ultrapassar os limites do poder de
reforma da Constituição.
PALAVRAS-CHAVE: Movimento animalista; senciência; práticas culturais; limites à
reforma constitucional.
ABSTRACT
The present work was analyzed as tensions generated by the edition of Constitutional
Amendment No. 96/2017, notably the conflict between the prohibition against animal
cruelty and the protection of cultural practices. Based on the deductive scientific
method, we sought to study, come up with, the vision of the animalist movement on
the condition of non-human animals, going through the underlying philosophical
theories that underlie it. In addition, the legal status of non-human animals was
descriptively investigated in comparative legislation and in the Brazilian legal system.
Thus, through a qualitative, bibliographic and jurisprudential analysis, the impacts that
the aforementioned constitutional reform caused were analyzed. Thus, it was thought
that such an amendment, in addition to contradicting the constitutional interpretation of
the Supreme Federal Court, restricted fundamental rights, treated as a stone clause
implicit in our constitutional system, by modifying art. 225 of the Constitution, which
deals with the fundamental right to an ecologically balanced environment, violating the
principle of the prohibition of retrogression by exceeding the limits of the power of
reform of the Constitution.
KEYWORDS: Animalist Movement; sentience; cultural practices; limits to
constitutional reform
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8
2. OBJETIFICAÇÃO ANIMAL E A IMPORTÂNCIA DE UMA NOVA DEFINIÇÃO .... 9
2.1. A Construção Histórica do Pensamento Antropocêntrico e o Início do
Movimento Animalista ............................................................................................ 10
2.2. Teorias do Movimento Animal ........................................................................ 14
2.2.1. Teoria do bem-estar animal de Peter Singer ................................................... 14
2.2.2. Teoria dos direitos de Tom Regan .................................................................. 18
2.2.3. Teoria abolicionista de Gary L. Francione ....................................................... 20
2.2.4. A autonomia prática dos direitos dos animais de Steve M. Wise .................... 22
3. O ESTATUTO JURÍDICO DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS ................................ 25
3.1. Normas Jurídicas Referentes aos Animais Não-Humanos na Legislação
Comparada ............................................................................................................... 26
3.2. Normas Jurídicas Referentes aos Animais Não-Humanos na Legislação
Brasileira .................................................................................................................. 29
3.3. Decisões Judiciais Referentes aos Animas Não-Humanos .......................... 33
3.3.1. Animais de estimação e o direito de visita ....................................................... 34
3.3.2. Guarda de animal silvestre e o reconhecimento da dignidade animal ............ 34
3.3.3. A impetração de habeas corpus para grandes primatas ................................. 35
3.3.4. O caso da farra do boi ..................................................................................... 38
3.3.5. O caso da rinha de galos ................................................................................. 39
3.3.6. O caso da vaquejada....................................................................................... 40
4. A EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 96/2017 E A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
LEGISLATIVA (IN)CONSTITUCIONAL .................................................................... 42
4.1. O Efeito Backlash (Bumerangue) .................................................................... 43
4.2. A Supremacia Judicial e a Última Palavra Sobre a Constituição ................. 45
4.3. Emendas Constitucionais e os Limites aos Direitos Fundamentais ........... 47
4.4. O Princípio da Proibição do Retrocesso ........................................................ 51
4.5. O Julgamento das Ações Diretas e Inconstitucionalidade n.º 5728 e 5772 54
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 56
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 59
8
1. INTRODUÇÃO
O tema desta monografia consiste em analisar os direitos dos animais do
ponto de vista da Constituição Federal de 1988 e os conflitos gerados pelas práticas
culturais que submetem os animais não-humanos a crueldade, à luz do paradigma
inaugurado pela Emenda Constitucional n.º 96/2017.
A Constituição Federal, em seu artigo 225, §1°, inciso VII, dispõe sobre a
vedação ao tratamento cruel em face dos animais. A partir desse dispositivo, muitas
práticas culturais, que submetem animais a crueldade, foram impugnadas no Supremo
Tribunal Federal, órgão responsável por guardar e interpretar a Constituição.
Através de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, o Supremo decidiu,
reiteradas vezes, que há violação à Constituição se a prática cultural resultar em
sofrimento animal, não devendo ela ser praticada e nem incentivada.
Contudo, mesmo após decisões repetitivas que compartilharam do mesmo
entendimento, o Congresso Nacional elaborou e aprovou a Emenda Constitucional n.º
96/2017, originando a inclusão do § 7º ao art. 225 da Constituição, o qual permitiu que
não serão consideradas cruéis as práticas culturais que utilizem animais, se forem
registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural
brasileiro.
Nesse contexto, a delimitação do presente trabalho consiste na análise da
contradição entre as práticas que, por um lado, são protegidas como manifestação
cultural e, por outro lado, submetem os animais não-humanos à crueldade.
O objeto se situa no conflito de paradigmas, isto é, entre os direitos dos
animais e interesses humanos, e as tensões geradas pela coexistência de ambos, que
resulta em uma aparente incoerência nos atos praticados pelos seres humanos, pois
ao mesmo tempo que se busca legislar sobre a proteção e garantia de uma vida digna
aos animais, também os trata como instrumentos de mera satisfação humana.
Dessa forma, procura-se discutir se a reforma à Constituição realizada pelo
constituinte derivado, em relação às manifestações culturais e a vedação à crueldade
animal, foi constitucional ou inconstitucional. Assim, destaca-se que a atualidade da
temática pode ser demonstrada a partir das discussões levadas ao Supremo Tribunal
Federal, através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 5728 e 5772, que
questionam a constitucionalidade da referida emenda constitucional.
9
O trabalho foi divido em três capítulos. O recorte temático do primeiro capítulo
versa sobre o estatuto moral da condição do animal não-humano, produto das teorias
do movimento animal que surgiram como um meio de alterar o tratamento a eles
dispensado, na luta pela conquista de um novo patamar filosófico de consideração.
No segundo capítulo, enfoca-se no estatuto jurídico dos animais não-
humanos, isto é, a forma como eles são tratados no âmbito das leis. Assim, foram
analisadas algumas normas do direito comparado que recentemente foram alteradas
com o fim de trazer uma nova atribuição jurídica aos animais. Ademais, passou-se a
averiguar a legislação brasileira, que trata sobre os animais não-humanos, abordando-
se, ainda, alguns precedentes judicias que contribuíram para os avanços do direito
animal.
No último capítulo, analisou-se a Emenda Constitucional n.º 96/2017 e o
contexto de sua criação. Assim, abordou-se a questão sobre a interpretação
constitucional do STF, os limites ao poder de reforma à Constituição, e o conflito
gerado entre a proteção às práticas culturais e a proteção animal.
Para compreender se a reforma promovida pela Emenda Constitucional n.º
96/2017 fere a norma originária que veda a crueldade animal (art. 225, §1°, VII,
CF/88), utilizou-se o método cientifico dedutivo, ou seja, partindo de uma premissa
geral até um conhecimento específico. Em relação aos conflitos que envolvem o
estatuto jurídico dos animais, e todo arcabouço literário sobre tema, foi utilizado a
técnica de pesquisa qualitativa, que se baseou na junção de bibliografias e
documentos jurídicos nacionais e estrangeiros, bem como artigos, livros doutrinários
e, também, alguns precedentes judiciais que contribuíram qualitativamente para a
temática.
2. OBJETIFICAÇÃO ANIMAL E A IMPORTÂNCIA DE UMA NOVA DEFINIÇÃO
Ao longo da história, a relação da humanidade com os animais quase sempre
esteve presente. Inicialmente, o ser humano compreendeu que a utilização desses
seres não-humanos resultaria em uma série de benefícios e utilidades, tais como um
meio de alimento, de vestuário, de transporte, de entretenimento, dentre outras
benesses. Contudo, mesmo entendendo que ambos pertencem à mesma totalidade,
10
qual seja, a natureza, manifestou-se uma superioridade antropocêntrica, subjugando
os animais não-humanos ao mero estatuto de objeto
É nesse contexto que surgem os movimentos animalistas que, assim como
qualquer outro movimento de luta por direitos, origina-se da privação das
necessidades intrínsecas à vida, mas se diferencia por carecer de auxílio e
organização de terceiros, pois os oprimidos não possuem a capacidade, por si sós,
de lutarem por seus interesses.
Dessa forma, este capítulo tem como objetivo expor uma nova definição sobre
os animais não-humanos, a partir de uma breve evolução histórica do pensamento
animalista que, apesar de ter o mesmo objetivo, contém disputas filosóficas internas.
2.1. A Construção Histórica do Pensamento Antropocêntrico e o Início do
Movimento Animalista
É inegável que vivemos em uma sociedade antropocêntrica, isto é, em uma
sociedade que coloca o ser humano em uma categoria superior a todos os outros
seres, tendo como fundamento a ideia de que a capacidade racional do ser humano
em relação aos outros seres seria suficiente para defini-lo como um ser dotado de
dignidade e hierarquicamente superior.
No pensamento filosófico da antiguidade clássica grega, a dignidade era uma
qualidade atribuída somente ao ser humano, sendo uma característica que o
diferenciava das demais espécies de animais.
Nessa época, de acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade era conferida
para cada indivíduo a partir da sua posição social e do seu grau de reconhecimento
pelos outros integrantes da sua comunidade. Assim, percebe-se um dimensionamento
sobre a dignidade humana, podendo existir pessoas mais dignas que outras1.
No período do estoicismo — doutrina filosófica fundamentada nas leis da
natureza —, no entanto, a dignidade era um atributo inerente ao ser humano, que o
distinguia dos demais animais, não passível de ser mensurável ou quantificado.
Assim, todos os humanos possuíam a mesma dignidade2.
1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 32. 2 Ibidem.
11
Pitágoras, ainda na idade antiga, foi o primeiro a reconhecer na história da
filosofia ocidental a existência de um parentesco entre todos os seres humanos com
os demais seres vivos. Ademais, o filósofo aborda a ideia da justiça natural, afirmando
que o ser humano e todos os seres vivos estão ligados a um mundo onde todos devem
receber o mesmo “apanágio”, e não apenas alguns3.
Assim, para Pitágoras, a ligação de todos os seres com o mundo ultrapassaria
até a morte do corpo biológico, pois, ao perderem seu corpo, as almas desses seres
incarnariam em novas vidas, sejam elas humanos ou não-humanas. Nesse sentido, o
filosofo acreditava que tratar os animais não-humanos de forma inferior, ou sem valor,
seria o mesmo que maltratar um ser humano.
Posteriormente, Aristóteles cria um sistema ético que imagina o universo como
um lugar imutável e organizado hierarquicamente, em que cada ser ocupa uma
posição necessária e permanente4. Assim, o filósofo afirma que esses seres
hierarquicamente abaixo existem para servir àqueles que estão posicionados acima,
de modo que os animais não-humanos, as mulheres, os escravos e os estrangeiros
existiram para servir o homem racional5.
Já na idade média, o surgimento do cristianismo inspirou uma visão de mundo
que contribuiu para os antropocentrismos, entendendo que a superioridade humana e
a inferiorização animal seria algo divino, pois, de acordo com o mito bíblico, Deus fez
o homem à sua imagem e semelhança (imago Dei) e os animais para o seu domínio.
Assim, o teólogo Santo Agostinho, com base no cristianismo, não considerava
pecado matar qualquer animal, baseado na ideia de que o ser divino havia permitido
a utilização dos animais para fins humanos. Dessa maneira, acreditava que os animais
não-humanos seriam seres irracionais, impossibilitados de contratar qualquer acordo
político6.
Por outro lado, o teólogo Tomás de Aquino acreditava que não seria possível
ter um juízo sobre a crueldade contra os animais não-humanos, pois, para ele, não
haveria lugar para tal classificação. Nessa linha, o teólogo dividiu os pecados entre
3 MATTÉI, Jean-François. Pitágoras e os Pitagóricos. São Paulo: Paulus, 2000, p. 39. 4 GORDILHO, Heron José de Santana. Abolicionismo animal. Salvador: Evolução, 2008, p. 20. 5 Idem. Direito ambiental pós-moderno. Curitiba: Juruá, 2011, p. 127. 6 GORDILHO, Heron José de Santana. Direito ambiental pós-moderno. Op. cit., p. 22.
12
aqueles cometidos contra Deus, contra si mesmo e contra outras pessoas, excluído
os animais de qualquer consideração moral7.
No período da idade moderna, houve um desprendimento do cristianismo,
surgindo um pensamento antropocêntrico laico em que o ser humano ocupava
novamente o centro do universo8. Contudo, a consideração moral dos animais
começou a ser questionada por filósofos, surgindo diversas teorias sobre o tema.
O primeiro relato documentado a versar especificamente do tratamento ético
dos animais não-humanos foi elaborado pelo estudioso Humphry Primatt, em 1776,
no livro intitulado “a dissertation on the duty of mercy and the sin of cruelty against
brute animals” (Dissertação sobre o dever de compaixão e o pecado da crueldade
contra os animais brutos).
De acordo com Sonia T. Felipe, Humphry Primatt afirmou que o significado de
dor é somente um, e a ética deveria considerar esse fato ao controlar as ações
praticadas por seres humanos que a causam. Assim, o autor ressalta que
independente de quem estivesse sofrendo, a dor sempre seria dor9.
Na sequência, tendo como marco a discussão sobre os direitos e interesses
dos animais, Peter Singer, em sua obra “Libertação Animal”, originalmente publicada
em 1975, estabeleceu a corrente definida hoje como bem-estarista, partindo da
premissa utilitarista proposta por Jeremy Bentham.
Apesar de Jeremy Bentham não ter abordado exclusivamente o tema da ética
animal em sua obra, ele contestou as ideias anteriores de que apenas a racionalidade
ou a capacidade de comunicação poderiam reconhecer direitos naturais a um ser.
Dessa forma, substituiu as teorias predominantes do jusnaturalismo pela sua teoria
da utilidade.
De acordo com Maria Cândida Simon Azevedo, a partir do princípio da utilidade,
Bentham buscou constatar que o ser humano é regido por dois senhores, a dor e o
prazer, atributos que deveriam ser respeitados e, a partir disso, regular as ações
humanas10.
7 SINGER, Peter. Libertação Animal. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Tradução de Marly Winck e Marcelo Brandão Cipolla, p. 283. 8 GORDILHO, Heron José de Santana. Direito ambiental pós-moderno. Op. cit., p. 23. 9 FELIPE, Sônia T. Fundamentação ética dos direitos animais. O legado de Humphry Primatt. Revista brasileira de direito animal, v. 1, n. 1, mai. 2006, p. 217. 10 AZEVEDO, Maria Cândida Simon. O movimento animal produz direito? luta e reconhecimento no movimento animalista. 2019. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 2019, p. 38.
13
Ademais, conforme exposto por Elísio Augusto Velloso Basto, Bentham foi um
dos pioneiros no debater sobre a questão da senciência, ideia discutida até os dias de
hoje. Ele estudava a possibilidade de reconhecer a capacidade de sentir dor ou prazer
de todos os seres humanos e estendê-los aos animais não-humanos11.
Jeremy Bentham elucidava a importância do conceito de senciência, e
acreditava que um dia os animais não-humanos adquiriram direitos que nunca
poderiam ter sido negados a eles. Assim, apontava que a questão não era se os
animais poderiam raciocinar, ou falar, e sim se estes seriam capazes de sofrer12.
Para Bentham, em suma, o que era importante para a extensão dos direitos
aos animais não-humanos não seria a capacidade de raciocínio, ou a possibilidade de
comunicar-se, mas sim a capacidade de sentir, levando em consideração
principalmente a dor e o sofrimento. Desse modo, determinando que a proteção de
um ser é definida pelo atributo da senciência.
Immanuel Kant, na mesma época de Jeremy Bentham, ainda que sem atribuir
qualquer dever direto na consideração moral dos animais, apresentou uma formulação
que contribuiu para a elaboração da teoria dos direitos de Tom Regan, um importante
colaborador do movimento animalista que será analisado posteriormente.
Conforme exposto por James Rachels, Kant acreditava que todos os seres
humanos estavam acima dos outros seres da Terra. Assim, os humanos seriam um
ser com valor moral intrínseco, dotados de dignidade que os tornariam valiosos por si
sós, diferente dos outros animais. Para o filosofo alemão, os animais somente teriam
valor se fossem úteis ou servissem às finalidades humanas. Contudo, Kant reprovou
a crueldade animal, quando não necessária, pois afirmava que o ser humano que
praticasse crueldade com animais, se tornaria apático nas relações com outros
humanos13.
Logo, conforme Maria Cândida Simon Azevedo, para Kant, os animais não-
humanos seriam seres desprovidos de qualquer dignidade, sendo apenas meios para
um determinado fim humano, ou seja, meramente coisas sem qualquer direito
11 BASTOS, Elísio Augusto Velloso. Direitos para os animais não-humanos? Algumas teorias filosóficas a respeito. Revista Brasileira de Direito Animal, v. 13, n. 2, mai-ago, 2018, p. 46. 12 AZEVEDO, Maria Cândida Simon. O movimento animal produz direito?. Op. cit., p. 38. 13 RACHELS, James; RACHELS, Stuart. Os elementos da filosofia moral. 7. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013, p. 146.
14
intrínseco. Assim, os animais seriam objetos que atenderiam aos anseios humanos, e
os humanos somente possuiriam deveres morais em relação a outros humanos14.
Dessa forma, Kant, ao reconhecer a dignidade somente em favor dos seres
humanos, inferiorizou os animais não-humanos, entretanto, apesar de considerá-los
desprovidos de dignidade, subsiste uma obrigação humana indireta em relação aos
outros seres. Tais deveres com os animais seriam, mesmo que tendo um fim indireto
para com os humanos, o modo de tratá-los, ou seja, sempre que possível sem
crueldade, pois tais atos seriam reprováveis e degradariam a natureza do próprio ser
humano.
Posteriormente, surgiram diversos estudos sobre a condição moral dos animas
não-humanos e o surgimento dos movimentos animalistas, com o intuito de
reconhecimento e atribuição de direitos aos animais, objeto de análise no próximo
tópico.
2.2. Teorias do Movimento Animal
O movimento animal vem sendo definido por diversas teorias que buscam
trazer questionamentos e argumentações no campo ético sobre a possível
consideração moral dos animais não-humanos. Teorias que, apesar de possuírem os
mesmos objetivos, se diferenciam em vários aspectos sobre o caminho a ser trilhado,
como será visto adiante.
2.2.1. Teoria do bem-estar animal de Peter Singer
Peter Singer foi um importante filósofo para a causa animal. Em seu livro,
“Libertação Animal”, Singer apresentou o tratamento “desumano” sofrido pelos
animais em industrias de exploração animal. Com base na teoria utilitarista de
Bentham, Singer propôs reconhecer que animais não-humanos também seriam
guiados por seus interesses.
Singer sugere uma espécie do princípio da igualdade, o princípio da igual
consideração de interesses semelhantes, como forma de enquadrar todos os seres
14 AZEVEDO, Maria Cândida Simon. O movimento animal produz direito?. Op. cit., p. 38.
15
humanos e animais não-humanos em um patamar de igualdade, de acordo com os
seus interesses15.
O utilitarismo proposto por Singer, diferente do utilitarismo clássico que permeia
a ideia de que a conduta deve ser guiada a partir das suas consequências, adota o
entendimento de que as melhores consequências devem ser definidas a partir dos
interesses de quem as sofre16.
Nessa perspectiva, com base no princípio da igual consideração de interesses
semelhantes, Singer propõe uma reflexão sobre os nossos interesses e os interesses
alheios. Assim, exemplifica que, em determinada conduta em que um ser, capaz de
sentir dor ou prazer, sofre uma consequência, que de acordo com os seus interesses
essa ação é considerada reprovável, tal conduta não deveria ser praticada17.
Assim, afirma Singer que o objetivo do princípio da igual consideração de
interesses semelhantes é atribuir o mesmo peso entre as ações praticadas e aos
interesses daqueles que são afetados por essa conduta18. O ponto crucial nesse
princípio é analisar as preferências de todos que podem ser atingidos por
determinados atos, independe de quem seja, pois, dessa maneira, evitaria
arbitrariedades nas ações sobre outros indivíduos.
Assim, Singer afirma:
“(...) Os racistas violam o princípio da igualdade, atribuindo maior peso aos interesses dos membros da sua própria raça quando existe um conflito entre os seus interesses e os interesses daqueles pertencentes a outra raça. Os sexistas violam o princípio da igualdade ao favorecerem os interesses do seu próprio sexo. Da mesma forma, os especistas permitem que os interesses da sua própria espécie dominem os interesses maiores dos membros das outras espécies. O padrão é, em cada caso, idêntico”19.
Ademais, Singer alega que tal princípio não deve ser aplicado tão somente a
seres humanos, mas também aos animais não-humanos. Argumenta que, para
estender o princípio para além da espécie humana, as preocupações com o próximo
15 SINGER, Peter. Ética Prática. Tradução de Álvaro Augusto Fernandes. Lisboa: Tipografia Lugo Ltda, 1993, p. 19. 16 Ibidem, p. 8. 17 Ibidem, p. 19. 18 Ibidem, p. 19. 19 SINGER, Peter. Libertação Animal. Tradução de Marly Winck e Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 25.
16
não devem depender de seus aspectos ou capacidades, mas sim de seus
interesses20.
A defesa a igualdade entre seres humanos e animais não-humanos não
pretende torná-los “pessoas”, ou conferir um tratamento idêntico, mas reconhecer que
ambos possuem interesses e que seus interesses devem ser tratados com o mesmo
peso.
Assim, Singer afirma que independentemente da espécie do ser, o princípio da
igualdade estabelece que o sofrimento sempre deve ser levando em conta. Logo, se
um ser não é capaz de sofrer, não há nada para se levar em consideração. Dessa
forma, constrói um critério capaz de abranger todos os seres na esfera da
consideração moral, o critério da senciência, sendo este o limite defensável para a
preocupação dos interesses alheios21.
A senciência, de forma sintética, é a capacidade de sentir, podendo ser essa
experiencia positiva ou negativa, ou seja, prazer ou dor22. Assim, os animais, humanos
e não-humanos, são passiveis de sentir dor, não havendo qualquer justificativa moral
para menosprezar a dor sentida pelos animais em relação à dor sentida pelos
humanos23.
Nesse prisma, Richard Ryder afirma que os zelos com a dor e o sofrimento
devem ser ampliados para todos aqueles que a sentem, independentemente do seu
sexo, classe, raça, religião, nacionalidade ou espécie. Dessa maneira, ele afirma que
o estudo da dor é a única justificativa para atribuir direitos a outros seres24.
Carlos Nanconecy defende que um animal senciente tem a capacidade de
sentir, e que ele se importa com o que sente. No campo da ética animal, um animal é
um ser senciente e é capaz de sentir dor e ter o desejo de que ela se encerre, ou seja,
que o animal entende e tem a consciência de como está sendo tratado25.
Tal entendimento, evidencia que os seres vivos sencientes são sujeitos
passíveis de serem incluídos como seres dotados de direitos. Nesse critério, devem
ser incluídos todos os animais sencientes, pois isolar os animais não-humanos dessa
20 SINGER, Peter. Ética prática. Op. cit., p. 42-43. 21 SINGER, Peter. Libertação Animal. Op. cit., p. 24. 22 SINGER, Peter. Ética prática. Op. cit., p. 44. 23 SINGER, Peter. Libertação Animal. Op. cit., p. 24. 24 RYDER, Richard. Os animais e os direitos humanos. Revista Brasileira de Direito Animal, v. 3, n. 4, jan-dez, 2008, p. 67. 25 NACONECY, Carlos. Ética & Animais: um guia de argumentação filosófica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016, p. 117.
17
classe gera um especismo que ignora os interesses daqueles que não pertencem a
sua espécie.
O especismo, aqui, aparece como uma forma de reflexão, pois não passa de
um ato discriminatório com aqueles que não pertencem a sua espécie, semelhante a
qualquer outra forma de discriminação, que trata os outros de forma inferiorizada sem
qualquer justificativa para tal tratamento, sendo apenas uma ignorância infundada.
Nesse contexto, surge novamente o utilitarismo de Singer, expressado pelo
princípio da igual consideração de interesses semelhantes. Dessa maneira, defender
a igualdade nos interesses não depende de atributos como a capacidade racional,
física ou moral, mas apenas a possibilidade de ele sentir dor, assim, ampliando a sua
aplicação a todos os seres humanos e animais. A senciência, portanto, de acordo com
Singer, é essencial e suficiente para garantir que um ser humano ou animal possui o
interesse de não sofrer26.
Tanto os seres humanos quanto os animais não-humanos compartilham a
capacidade da senciência, ambos ligados pelo sofrimento e pelas formas de opressão
que vivenciam. O fato de haver atitudes controversas na humanidade, não deve
impedir que os animais também tenham direitos, uma vez que também são capazes
de sentir e sofrer.
Singer, portanto, para reprimir o especismo, ato de atribuir maior peso aos
interesses de membros de sua espécie em detrimento dos interesses de outras
espécies, acredita que há necessidade de reconhecer que seres semelhantes têm o
direito à igual consideração moral e que nenhuma classe merece ter seus interesses
ignorados. Dessa forma, Singer entende que se deve reconhecer os animais não-
humanos como seres pertencentes à nossa preocupação moral, assim, deixando de
tratá-los como seres sem importância ou utilizando-os para qualquer fim sem levar em
conta seus interesses.
Apesar da teoria de Singer contribuir para a consideração dos interesses dos
humanos e animais não-humanos, o movimento animal por ele proposto assume um
lugar apenas de oposição à utilização de animais para fins humanos, que
anteriormente era vista como necessária. Logo, tal teoria foi considerada polêmica
devido ao conceito de senciência, pois de um ponto de vista científico tal característica
não abarcaria todos animais, senão somente os vertebrados, permitindo a exploração
26 SINGER, Peter. Libertação animal. Op. cit., p. 24.
18
de diversos outros animais. Dessa forma, a teoria dos direitos, que será apresentada
a seguir, em contraponto, irá questionar a inferioridade animal, sugerindo equiparar
os seres humanos e os animais.
2.2.2. Teoria dos direitos de Tom Regan
Tom Regan foi um filosofo e ativista dos direitos dos animais. Ele era um
abolicionista que tinha como objetivo principal o fim a exploração animal. Em seu livro,
“Jaulas vazias”, propôs não uma reforma, mas o fim da exploração animal, afirmando
que “a verdade dos direitos dos animais requer jaulas vazias, e não jaulas mais
espaçosas”27.
Regan parte da ideia de que todos os seres são por si sós valiosos, sendo
assim, possuem um valor intrínseco. Regan, a partir da teoria deontológica de
Immanuel Kant, que enxerga os humanos como seres racionais e com um valor
inerente, critica a exclusão dos animais dessa esfera moral que considera os seres
humanos como seres dotados de um valor intrínseco, pois acredita que quaisquer
justificativas contra a inclusão de outros seres, além do ser humano, podem ser
refutadas.
Regan, antes de justificar a existência dos direitos dos animais, questiona por
que os seres humanos possuem direitos, trazendo possíveis respostas: porque são
humanos; porque são pessoas; porque são autoconscientes; porque usam a fala;
porque vivem em uma comunidade moral; porque humanos têm alma e uma origem
divina28.
Contudo, Regan reconhece que tais respostas são insuficientes para justificar
a existência de direitos aos seres humanos, pois existem inúmeras diferenças entre
os próprios humanos. Nessa discussão, ele afirma que existem alguns elementos que
fazem com que os seres humanos tenham direitos e que, independentemente de suas
diferenças, tornam os seres humanos iguais: são os direitos à vida, à integridade física
e à liberdade29.
27 REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando os desafios dos direitos dos animais. Tradução: Regina Rheda. Porto Alegre: Lugano, 2006, p. 12. 28 Ibidem, p. 53. 29 REGAN, Tom. Jaulas Vazias. Op. cit., p. 62.
19
Assim, explica Regan que os seres humanos não só estão todos no mesmo
mundo, como também são seres conscientes do que lhes acontece, seja sobre seus
corpos ou a sua liberdade; são fatos que importam para um indivíduo, assim como a
qualidade e o tempo de vida. Dessa forma, independentemente das diferenças entre
cada um, essas são as semelhanças fundamentais de cada ser30.
Nesse sentido, Regan compreendeu que, a partir da ideia de que humanos só
possuem direitos por que são assim definidos por ele como sujeitos-de-uma-vida,
caberia reconhecer os animais também como sujeitos-de-uma-vida para que tenham
direitos. Portanto, para Regan, existem valores inerente a todos os seres vivos; tais
valores resultam em direitos tanto para humanos como para animais não-humanos.
Dessa maneira, ele tenta analisar a possibilidade de atribuir direitos aos
animais, a partir do fundamento que dá aos seres humanos direitos fundamentais.
Assim, se todos os seres humanos são iguais e possuem direitos de serem todos
sujeitos-de-uma-vida, por que os outros animais, que também são sujeitos-de-uma-
vida, não possuem esses direitos31.
Logo, Regan afirma que:
“(...) Se olharmos a questão "com olhos imparciais", veremos um mundo transbordante de animais que são não apenas nossos parentes biológicos, como também nossos semelhantes psicológicos. Como nós, esses animais estão no mundo, conscientes do mundo e conscientes do que acontece com eles. E, como ocorre conosco, o que acontece com esses animais é importante para eles, quer alguém mais se preocupe com isto ou não. A despeito de nossas muitas diferenças, os seres humanos e os outros mamíferos são idênticos neste aspecto fundamental, crucial: nós e eles somos sujeitos-de-uma-vida”32.
Sob esse ponto vista, Regan compreende que se os animais não-humanos
respondem ao critério básico dos direitos humanos, devem ser considerados sujeitos-
de-uma-vida, dotados de valor intrínseco. Desse modo, defende que animais possuem
direitos inerentes assim como os seres humanos.
Um dos fundamentos utilizado por Tom Regan para classificar os animais não-
humanos como sujeitos dotados de um valor inerente é o da senciência. O
30 REGAN, Tom. Jaulas Vazias. Op. cit., p. 60. 31 Ibidem, p. 65. 32 Ibidem, p. 72.
20
reconhecimento dos animais como seres sencientes, e por consequência como
sujeitos de direito, resulta em garantir a eles a consideração dos seus interesses de
vida, liberdade e integridade física e psíquica.
Entretanto, Regan deparando-se com algumas argumentações sobre a
impossibilidade de atribuir direitos para todos os animais. Ele limita essa atribuição
somente para mamíferos e pássaros, não porque todos os animais não possuem
direitos, mas por não preencherem todos os requisitos33.
Em relação aos outros animais, que possuem a capacidade de sentir dor, mas
não uma identidade psicológica suficiente para serem tratados com respeito, Regan
recorre ao utilitarismo para poder abrangê-los, afirmando que não existe qualquer
justificativa pra fazê-los sofrer desnecessariamente34.
Diferente da teoria de Peter Singer, que guia o movimento animal a uma
aversão a utilização de animais para fins humanos, Tom Regan segue o caminho da
emancipação, que eliminaria os privilégios antropocêntricos do ser humano e incluiria
os animais não-humanos na esfera da consideração moral.
Por outro lado, como será apresentado na sequência, para Gary L. Francione,
a teoria dos direitos de Regan, apesar de proporcionar emancipação do movimento
animal, é uma emancipação restritiva, pois fica limitada em abolir a exploração
institucional, sem interferir na relação direta entre seres humanos e animais não-
humanos.
2.2.3. Teoria abolicionista de Gary L. Francione
Gary L. Francione, assim como Tom Regan, é um defensor da causa animal
que busca, através da teoria dos direitos dos animais, o abolicionismo de todas as
formas de opressão contra os animais. Ao desenvolver a sua teoria, Francione inicia
a partir de críticas ao bem-estarismo de Singer e ao abolicionismo de Regan35. Para
ele, apenas o critério da senciência é capaz de reconhecer que um ser merece a
inclusão na esfera de consideração moral.
33 REGAN, Tom. Jaulas Vazias. Op. cit., p. 74. 34 NACONECY, Carlos. Ética & Animais. Op. cit, p. 184-185. 35 FRANCIONE, Gary L. Introdução aos direitos animais: seu filho ou o cachorro. Campinas: Unicamp, 2013, p. 36.
21
Primeiramente, Francione analisa a aplicabilidade do princípio da igual
consideração de interesses semelhantes, proposto por Peter Singer. Nesse sentido,
Francione defende que a aplicação desse princípio ensejaria a erradicação do status
de propriedade dos animais, afastando, assim, a consideração de animais como coisa.
Dessa forma, Francione apresenta a primeira base de sua teoria, sendo ela a abolição
da condição dos animais como propriedade36.
Francione expõe que a aplicação do princípio da igual consideração de
interesses semelhantes resultaria na obrigação de estender aos animais o direito
básico de não serem tratados como propriedade dos humanos37. Contudo, tal
atribuição poderia colidir diretamente com os interesses humanos, não tornando viável
a utilização desse princípio.
Logo, ao invés de utilizar esse princípio, Francione propõe outro, o princípio do
tratamento humanitário, o qual reformaria a teoria utilitarista de Jeremy Bentham.
Tal princípio enfrentaria duas situações: a primeira seria quando existe um
conflito entre os interesses humanos e os interesses dos animais; nesse caso, os
interesses humanos prevaleceriam. Já na segunda situação, onde também há um
conflito de interesses, o princípio possibilitaria que, mesmo havendo uma preferência
dos interesses humanos, se eles resultassem em sofrimento desnecessário aos
animais, os interesses destes deveriam ser preferidos, pois animais são seres
sencientes38.
Dessa maneira, o princípio do tratamento humanitário indica que mesmo que
os interesses humanos sejam preferíveis aos dos animais não-humanos, não seria
possível escolhê-los quando o interesse humano infligir sofrimento desnecessário aos
animais.
Ademais, Francione destaca que, na maioria das situações de conflito de
interesses, inexiste o verdadeiro conflito, pois quem os fabrica são os seres humanos,
que criam necessidades que de certa forma são desnecessárias39. Assim, Francione
denomina essa atitude humana de esquizofrenia moral, que seria o modo como os
seres humanos se relacionam com os animais, enxergando-os apenas como
propriedade.
36 FRANCIONE, Gary. Introdução aos direitos animais. Op. cit., p. 27-28. 37 Ibidem, p. 35. 38 Ibidem, p. 24-25. 39 Ibidem, p. 34.
22
A teoria dos direitos animais de Francione apresenta uma abolição de toda
relação humana exploratória em face dos animais não-humanos, e não apenas a
regulação do uso desses seres. Para ele, seria impossível estabelecer um vínculo que
conectasse a política de bem-estar animal a curto prazo com um abolicionismo eficaz
a longo prazo, pois a visão de animais como propriedade permaneceria intacta40.
Francione, portanto, não acredita na possibilidade de leis que regulamentem a
exploração animal, pois tais leis não estariam preocupadas de fato com os animais
não-humanos, muito menos com a abolição dessa exploração, apenas tornariam a
exploração “legítima”, causando uma calmaria no movimento animal.
Assim, Francione argumenta que, anteriormente, o direito de não ser tratado
como propriedade já foi reconhecido e estendido para todos os seres humanos,
quando houve a proibição da escravidão humana. Nesse sentido, a intenção da
abolição da escravidão era que ninguém fosse tratado como propriedade, e não
apenas regulamentar essa exploração, transformando-a numa escravidão mais
humanitária. Logo, não se poderia mais reconhecer apenas direitos básicos aos
animais, e, ao mesmo tempo, querer regular a sua exploração41.
A proposta de Francione na teoria dos direitos abolicionista acredita na busca
definitiva dos direitos dos animais, sendo impossível a conquista gradual, pois tal
modelo apenas procrastinaria o reconhecimento de animais como seres com direitos.
Em contraponto, Steve Wise, outro defensor do movimento animal, entende que é sim
possível a busca gradual de direitos para os animais não-humanos, como será
apresentado a seguir.
2.2.4. A autonomia prática dos direitos dos animais de Steve M. Wise
Steve M. Wise é um escritor e ativista da luta pelo reconhecimento de direitos
para animais, pincipalmente para grande primadas (chimpanzés), paquidermes
(elefantes) e cetáceos (baleias e golfinhos), pois são animais que cientificamente
apresentam uma complexidade emocional maior que outras espécies.
Wise fundou um projeto chamado “Nonhuman Rights Project” (Projeto Direito
dos Não Humanos), que adota a estratégia de acionar o judiciário norte-americano,
40 FRANCIONE, Gary. Introdução aos direitos animais. Op. cit., p. 35. 41 Ibidem, p. 33.
23
impetrando ações de habeas corpus em favor de animais, especialmente em favor de
primatas. A finalidade do projeto é poder criar precedentes jurisprudenciais através
dessas ações, e por consequência um modelo jurídico que permita que animais
configurem como sujeitos de direitos e que possam demandá-los.
Rafael Speck Souza afirma que, para Wise, diferente das teorias abolicionista,
existe a possibilidade de adquirir direitos para os animais de modo gradativo. Assim,
Wise explica que, durante a história, foi criada uma ideia que separou os seres
humanos dos animais não-humanos: de um lado, os interesses humanos foram sendo
reconhecidos e protegidos, e de outro, as várias espécies animais foram esquecidas,
reservando para eles apenas o status de coisa42.
Rafael Speck Souza, expõe que, para Wise, os interesses humanos foram
cuidadosamente protegidos, enquanto os interesses dos animais, como seus
sofrimentos, suas vidas e suas liberdades, foram ignoradas. Dessa forma, o direito
desprezou os animais ao reconhecê-los apenas como propriedade humana,
dificultando o reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos43.
Nesse sentido, ainda na ideia de Wise, apresentada por Rafael Speck Souza,
os principais obstáculos do movimento animal que, devido a construção
antropocêntrica do Direito, impedem o fim da escravidão de animais não-humano. Tais
obstáculos como os uso de animais para alimentação; os econômicos, devido ao uso
de produtos de origem animal; os religiosos; até mesmo os políticos, dentre diversos
outros44.
Esses obstáculos, foram criados em razão do especismo presente na história.
Wise, com intenção de superá-los, observou que existe uma qualidade presente em
várias espécies de animais, denominada de autonomia prática, a qual bastaria para o
reconhecimento de direitos básicos aos animais não-humanos45.
Assim, Rafael Speck Souza explica que, de acordo com Wise, um ser vivo terá
autonomia prática e, por conseguinte, adquirira direitos básico quando possuísse
interesses e vontade de satisfazê-los46.
42 SOUZA, Rafael Speck. Direito animal à luz do pensamento sistêmico-complexo: um enfoque integrador da crise socioambiental a partir da constituição federal de 1988. 2017. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas. Florianópolis, SC, 2017, p. 113. 43 Ibidem, p.113. 44 Ibidem, p. 113-114. 45 Ibidem, p. 114. 46 SOUZA, Rafael Speck. Direito animal à luz do pensamento sistêmico-complexo. Op. cit., p. 114.
24
Wise utiliza como base a ideia proposta por Immanuel Kant para elucidar o
critério da autonomia prática. Como já mencionado, Kant acredita que seres humanos
possuem um valor inerente, pois são seres racionais, já os animais não-humanos são
seres irracionais, que não determinam as suas condutas.
Nessa perspectiva, Maria Alice da Silva e Tânia Aparecida Kuhnen afirmam
que, Wise, na tentativa de superar a ideia kantiana, expõe que se o sistema jurídico
levasse em conta a noção de autonomia moral de Kant, esse conceito teria de deixar
de fora todos aqueles seres humanos que possuem a capacidade racional limitada
devido a alguma incapacidade47.
Assim, o sistema jurídico necessitaria de outro fundamento para abranger
todos os seres humanos independente de adversidades que possam vir a existir,
sendo ele a autonomia prática proposta por Wise, que também incluiria os animais na
esfera da proteção jurídica48.
Desse modo, necessitaria saber quais animais não-humanos seriam incluídos
no fundamento da autonomia pratica, pois, uma vez incluídos, devem ter a sua
liberdade assegurada, assim como os seres humanos que também foram incluídos. A
partir disso, Rafael Speck Souza apresenta a ideia proposta por Wise, acerca de uma
escala de 0.0 a 1.0, que definiria o grau de autonomia do animal e se ele possuiria
habilidades mentais refinadas49.
O título do livro de Wise, “desenhado a linha”, se refere a uma metáfora que
cria uma espécie de linha imaginaria, a qual definiria a inclusão ou exclusão dos seres
na esfera da consideração moral e jurídica, determinando quem estaria dentro ou fora
dessa linha de consideração.
Essa escala elaborada por Wise permitiria que, com o passar do tempo e o
surgimento de novas informações cientificas, novas espécies de animais pudessem
ser acrescidas, que até então não tinham sidos incluídas. Dessa forma, a escala não
possuiria uma aplicabilidade estática e definitiva, podendo mudar conforme os
avanços das pesquisas científicas sobre os animais50.
47 SILVA, Maria Alice da; KUHNEN, Tânia Aparecida. Direitos e cuidado para a proteção da autonomia prática de animais não humanos. Revista Internacional Interdisciplinar Interthesis, v. 12, n. 1, jan.-jun. 2015, p. 44. 48 Ibidem, p.44. 49 SOUZA, Rafael Speck. Direito animal à luz do pensamento sistêmico-complexo. Op. cit., p. 116. 50 SILVA, Maria Alice da; KUHNEN, Tânia Aparecida. Direitos e cuidado para a proteção da autonomia prática de animais não humanos. Op.cit, p. 52.
25
A ideia apresentada por Wise, portanto, busca elementos que possam ser
utilizados perante um tribunal e reconhecidos por juízes, sem que seja necessária a
criação de um sistema jurídico inteiro com o fim de proteger os animais não-humanos,
ou a alteração do sistema jurídico vigente — no caso, o sistema americano analisado
por Wise. Assim, seria assegurada, de forma imediata, o direito à liberdade de
algumas espécies de animais. Desse modo, não seria necessário romper com o
modelo jurídico atual, mas se adequar, pragmaticamente, a ele para poder conquistar
direitos básicos para outras espécies.
Em suma, a história do movimento animalista, dentre as teorias apresentadas,
demonstrou que o conceito de animal sempre esteve conectado à ideia de
propriedade humana. A consideração moral, dada pelo ser humano, insiste em não
incluir os animais na categoria de sujeitos, devido ao fenômeno do antropocentrismo,
que aponta que os humanos são seres superiores e que os animais não-humanos
somente possuem valores na medida em que atendam às necessidades humanas.
Dessa forma, apesar de Singer ter apresentado que animais não-humanos
possuem interesses mínimos de não sofrer; Regan, que esses seres possuem valores
intrínseco; Francione, ressaltando a importância do reconhecimento dos animais
como seres sencientes; e Wise, na busca de direitos através do judiciário, o sistema
jurídico ainda está contaminado pelo antropocentrismo, e continua objetificando
animais.
Seja como for, no próximo tópico será analisado o estatuto jurídico dos animais
não-humanos, e os influxos daí decorrentes.
3. O ESTATUTO JURÍDICO DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS
O direito animal está se consolidando como um dos ramos da ciência jurídica.
O seu crescimento se dá através de diversos precedentes judiciais, construções
doutrinárias e legislativas, seja do Brasil ou em outros países, visando a proteção do
animal não só como um ser pertencente à fauna, mas como um sujeito que merece
ter a sua integridade física protegida.
Nessa linha, muitas Constituições e leis infraconstitucionais estão trazendo em
seus textos um novo tratamento jurídico para os animais não-humanos. Apesar de
ainda existirem leis que inferiorizem os animais, tratando-os com o status de coisa,
26
observa-se o crescimento do reconhecimento de uma nova atribuição e estatuto para
tais seres.
Assim, neste capítulo, serão apresentadas algumas legislações internacionais
e nacionais, projetos de leis e precedentes judiciais, com a finalidade de compreender
qual o estatuto jurídico dos animais não-humanos, e os avanços no reconhecimento
desses seres como sujeito de direitos.
3.1. Normas Jurídicas Referentes aos Animais Não-Humanos na Legislação
Comparada
Dentre os vários ramos jurídicos, o direito animal está cada vez mais presente
na legislação estrangeira, se consolidando através de normas constitucionais e
infraconstitucionais. Assim, serão analisadas algumas normas estrangeiras que
trataram da proteção dos animais não-humanos, com intuito de reconhecer o mínimo
de dignidade a esses seres e deixando de tratá-los como coisa.
Primeiramente, na Áustria, em 1988, foi incluído o parágrafo 285-a51 em seu
Código Civil, reconhecendo que animais não-humanos não são coisas e que devem
ser protegidos por lei especiais, embora aplicando de forma suplementar as normas
referentes ao direito das coisas, nos casos de lacunas legislativas.
Na Alemanha, em sua Constituição Federal de 1949, também denominada de
Lei Fundamental, foi acrescentado ao artigo 20-a52, no ano de 2002, o termo “e os
animais”, definindo como responsabilidade do Estados a proteção dos animais.
Ademais, ainda na Alemanha, anteriormente à Constituição, o Código Civil de 1900 já
previa normas referentes aos animais, no parágrafo 90-a53, inspirado no Código Civil
51 ÁUSTRIA. Código Civil Geral (1811). Allgemeines bürgerliches Gesetzbuch, de 01 de junho de 1811. Disponível em: https://www.globalanimallaw.org/database/national/austria/. Acesso em: 18 out. 2020. O § 285a estabelece que “(...) Os animais não são coisas; eles são protegidos por leis especiais. As previsões relativas às coisas são aplicáveis aos animais somente se não contrariarem a regulação existente”. 52 ALEMANHA. Constituição Federal (1949). Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland, de 23 de maio de 1949. Disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/gg/BJNR000010949.html. Acesso em 04 out. 2020. O artigo 20-a estabelece que: “O estado é responsável por proteger os fundamentos naturais da vida e dos animais no âmbito da ordem constitucional por meio da legislação e de acordo com a lei e a justiça por meio do executivo e do judiciário”. 53 ALEMANHA. Código Civil (1896). Bürgerliches Gesetzbuch, de 18 de agosto de 1896. Disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/bgb/BJNR001950896.html. Acesso em 04 out. 2020. O artigo 90-a estabelece que: “Animais não são coisas. Eles são protegidos por leis especiais. Os regulamentos aplicáveis às coisas devem ser aplicados de acordo com eles, a menos que especificado de outra forma”.
27
austríaco, definindo que os animais não-humanos não são coisas e serão regidos por
leis especiais, salvo disposição em contrário.
Na França, o Código Civil de 1804, reformado no ano de 2015, incluiu o artigo
515-1454 que reconheceu os animais não-humanos como seres vivos sencientes,
deixando de ser valorados apenas como um bem e passando a ser tratados a partir
de seu valor intrínseco, apesar de ainda se sujeitarem ao regime de bens.
Na Suíça, no ano de 1992, a partir de um referendo nacional, o país passou a
proteger os animais não-humanos na Constituição de 1848. O artigo 12055 garantiu
que os animais devem ser protegidos do uso indevido de tecnologias genética,
ressaltando que são seres vivos, “criaturas com dignidade”56.
Ainda na Suíça, o Código Civil de 1907 sofreu uma alteração no ano de 2003,
influenciado por sua Constituição Federal, incluindo o artigo 641-a57 que trata sobre a
situação dos animais, definindo que esses seres não são objetos, e que onde não
houver disposição especial para os animais, esses devem ser regidos pelas normas
referentes aos objetos.
Em Portugal, as mudanças legislativas ocorreram após a elaboração da Lei n.º
08/2017, denominada de Estatuto Jurídico dos Animais58. Com essa nova lei,
ocorreram diversas alterações no Código Civil, no Código de Processo Civil e no
Código Penal, de modo que os animais não-humanos passaram a ser reconhecidos
54 FRANÇA. Código Civil (1804). Code civil, de 21 de março de 1804. Disponível em: https://www.legifrance.gouv.fr/codes/texte_lc/LEGITEXT000006070721. Acesso em 04 out. 2020. O artigo 515-14 estabelece que: “Os animais são seres vivos sencientes. Sujeitos às leis que os protegem, os animais estão sujeitos ao regime de propriedade”. 55 SUÍÇA. Constituição Federal (1848). Bundesverfassung, de 18 de abril de 1848. Disponível em: https://www.admin.ch/opc/de/classified-compilation/19995395/index.html. Acesso em 04 out. 2020. O artigo 120 estabelece que: “Os humanos e seu meio ambiente são protegidos do abuso da engenharia genética. A Confederação emite normas sobre o manejo de germes e genes de animais, plantas e outros organismos. Ele leva em consideração a dignidade das criaturas, bem como a segurança dos humanos, dos animais e do meio ambiente e protege a diversidade genética das espécies animais e vegetais”. 56 MICHEL, Margot; KAYASSEH, Eveline Schneider. The legal situation of animals in Switzerland: Two steps forward, one step back-many steps to go. J. Animal L., v. 7, 1, 2011, p.3. 57 SUÍÇA. Código Civil (1907). Zivilgesetzbuch, de 10 de dezembro de 1907. Disponível em: https://www.admin.ch/opc/de/classified-compilation/19070042/index.html. Acesso em 04 out. 2020. O artigo 641-a estabelece que: “Animais não são coisas. Na medida em que não existam regulamentos especiais para animais, aplicam-se a eles os regulamentos aplicáveis a objetos”. 58 PORTUGAL. Lei nº 8, de 03 de março de 2017. Estabelece um estatuto jurídico dos animais. Disponível em: https://dre.pt/home/-/dre/106549655/details/maximized#:~:text=3%20de%20mar%C3%A7o-,Estabelece%20um%20estatuto%20jur%C3%ADdico%20dos%20animais%2C%20alterando%20o%20C%C3%B3digo%20Civil,82%2C%20de%2023%20de%20setembro. Acesso em 04 out. 2020.
28
como seres sencientes, sendo que a propriedade de um animal seria acompanhada
da obrigação de assegurar o seu bem-estar.
Assim, alguns artigos foram alterados no Código Civil Português, em prol da
proteção animal. Por exemplo, o artigo 201-B59 definiu que os animais são seres vivos
e sencientes, sendo objetos de proteção jurídica devido a sua natureza; o artigo 201-
C60 dispôs que a sua proteção seria regida pelo Código Civil e por leis especiais; o
artigo 201-D61 institui que, subsidiariamente, na ausência de lei especial, seria regido
pelas disposições relativa às coisas, desde que não fosse incompativel com a
natureza dos animais; e o artigo 1305-A62, que tratou dos deveres dos proprietarios de
animais, tais como o de assegurar o seu bem-estar, e que, sem motivo legítimo, não
poderia o proprietário de um animal lhe infligir dor, sofrimento, ou qualquer outro tipo
de maus-tratos, abandono ou até mesmo a morte desse ser.
No Código Penal Português, as altereções se deram na separação de coisa
móvel e animais não-humanos; assim, antes do referido Estatuto, os animais estavam
incluídos no conceito de coisa móvel; agora, os conceitos foram separados e incluíram
as palavras “animais alheios” em alguns tipos penais, como por exemplo o artigo 20463
referente ao furto.
59 PORTUGAL. Código Civil (1966). Decreto-Lei n.°47334, 25 de novembro de 1966. Diário do Governo. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/34509075/view. Acesso em: 04 out. 2020. O artigo 201-B estabelece que: “Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”. 60 PORTUGAL. Código Civil (1966). Decreto-Lei n.°47334, 25 de novembro de 1966. Diário do Governo. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/34509075/view. Acesso em: 04 out. 2020. O artigo 201-C estabelece que: “A proteção jurídica dos animais opera por via das disposições do presente código e de legislação especial”. 61 PORTUGAL. Código Civil (1966). Decreto-Lei n.°47334, 25 de novembro de 1966. Diário do Governo. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/34509075/view. Acesso em: 04 out. 2020. O artigo 201-D estabelece que: “Na ausência de lei especial, são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas às coisas, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza”. 62 PORTUGAL. Código Civil (1966). Decreto-Lei n.°47334, 25 de novembro de 1966. Diário do Governo. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/34509075/view. Acesso em: 04 out. 2020. O artigo 1305-A estabelece que: “1 - O proprietário de um animal deve assegurar o seu bem-estar e respeitar as características de cada espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à criação, reprodução, detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em risco, sempre que exigíveis. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o dever de assegurar o bem-estar inclui, nomeadamente: a) A garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão; b) A garantia de acesso a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei. 3 - O direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte”. 63 PORTUGAL. Código Penal (1982). Decreto-Lei n.°400, 23 de setembro de 1982. Diário da República. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/34437675/view. Acesso em: 04 out. 2020. O artigo 204 estabelece que: “Quem furtar coisa móvel ou animal alheios (...)”.
29
Ainda na Europa, no ano de 2007, foi elaborado um tratado pela União Europeia
(UE), denominado de Tratado de Lisboa, o qual definiu, em seu artigo artigo 1364, o
funcionamento da UE. Assim, tanto a União quanto os Estados-membros, na definição
e aplicação de politicas referente a agricultura, pesca, transporte, dentre outros,
deveriam levar em conta as exigências sobre o bem-estar animal, respeitando as
legislações e costumes locais da cada país.
O tratamento juridico conferido aos animais, no âmbito internacional, portanto,
vem sendo alterado com intutito de atribuir direitos a esse seres, reconhecendo-os
como sencientes, e tratando-os com dignidade, compreendendo a incompatibilidade
da atribuição da condição de coisa/propriedade. Dessa forma, seja na esfera
constitucional ou infranconstitucional, a tendência é que futuramente os animais sejam
definitivamente considerados como sujeitos de direitos, ampliando a sua proteção
legislativa.
No próximo tópico, será analisada a evolução das normas juridicas referente à
proteção animal no Brasil.
3.2. Normas Jurídicas Referentes aos Animais Não-Humanos na Legislação
Brasileira
Antes da Constituição Federal de 1988, pouco ou nada se mencionou sobre o
meio ambiente e menos ainda sobre os animais, com exceção do Decreto n.
24.645/193465. Entretanto, a atual Constituição dedicou um capítulo específico para
tratar sobre a questão do meio ambiente e, em seu bojo, sobre a proteção animal,
trazendo um grande avanço para o direito dos animais.
64 Tratado de Lisboa, de 13 de dezembro de 2007. Disponível em: http://www.direito.ufpr.br/portal/animaiscomdireitos/wp-content/uploads/2019/06/tratado-de-lisboa.pdf. Acesso em: 04 out. 2020. O artigo 13 estabelece que: “Na definição e aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados-Membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados-Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional”. 65 Também Conhecido como “Lei Áurea” dos animais, esse decreto foi uma inciativa da União Internacional Protetora dos Animais (UIPA). Trata-se de um estatuto jurídico geral dos animais, o qual inclui os animais na esfera de proteção do Estado. JUNIOR, Vicente de Paula Ataíde; MENDES, Thiago Brizola Paula. Decreto 24.645/1934: breve história da “Lei Áurea” dos animais. Revista Brasileira de Direito Animal, v. 15, n. 2, p. 47-73, mai./ago. 2020.
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A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 22566, reconheceu a
necessidade da proteção ambiental, expondo que todos têm o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, devendo ele ser defendido e preservado. O
termo “todos”, descrito nesse dispositivo, pode ser entendido como uma abertura para
a consideração moral e jurídica dos animais, definindo que independentemente da
espécie, o direito ao meio ambiente equilibrado é para todos.
No inciso VII do § 1º do art. 225 da Constituição67, foi estabelecido que cabe ao
poder público proteger a fauna e a flora, concluindo ser vedado provocar a extinção
de espécies ou submeter animais a crueldade. Dessa forma, o artigo 225, § 1º, VII da
CF/88, reconheceu que animais não-humanos possuem o direito mínimo de não
serem submetidos a crueldade.
Para Vicente de Paula Ataíde Junior, o direito animal constitucional e o direito
ambiental constitucional estão presentes na CF/88. O dispositivo que consagra a regra
da proibição das práticas que submetem os animais à crueldade seria uma norma
constitucional que se separaria do dever público de proteger a fauna e flora contra
práticas que coloquem em risco a sua função ecológica e, mesmo que não fosse uma
separação absoluta, surgiriam dois ramos de proteção aos animais: para o primeiro,
o animal não-humano é visto como indivíduo e, no segundo, como um componente
da fauna, um elemento da natureza68.
Contudo, mesmo que o capítulo dedicado ao meio ambiente tenha trazido uma
importante norma, que impõe um dever ao poder público, de proteção ambiental à
fauna e à flora, e de proibição de atos que possam provocar a extinção de espécies
ou submetam os animais a crueldade, o dispositivo traz uma proteção a um bem de
uso comum do povo, ou seja, como propriedade da coletividade.
No Código Civil, os animais são definidos na parte geral, no livro destinados
aos bens. Para a doutrina, bens são coisas materiais, úteis aos seres humanos, de
66 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 out. 2020. O artigo 225 estabelece que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. 67 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 out. 2020. O artigo 225, §1º, inc. VII, estabelece que: “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. 68 JUNIOR, Vicente de Paula Ataíde. Introdução ao direito animal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal, v. 13, n. 3, 2018, p. 52.
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valor econômico e suscetíveis de apropriação, ou imateriais economicamente
apreciáveis69.
Nessa linha, o artigo 8270 do Código Civil dispõe que são bens móveis aqueles
capazes de movimento próprio. Esse dispositivo define o estatuto jurídico dos animais
não-humanos para o Código Civil; assim, entende-se que animais são um bem móvel
suscetível de movimento próprio, doutrinariamente denominado de bem semovente.
Carlos Roberto Gonçalves afirma que para o Código Civil os animais não são
considerados sujeitos de direitos, mesmo que mereçam proteção71. Logo, afirma que
“(...) O Código Civil disciplina as relações jurídicas privadas que nascem da vida em
sociedade e se formam entre pessoas, não entre pessoas e animais ou entre pessoas
e coisas”72.
Dessa forma, no âmbito da doutrina civil clássica, os animais não possuiriam
quaisquer direitos que visassem a sua proteção como um sujeito, senão apenas como
coisa. Entretanto, diversas decisões judiciais vêm atribuindo a esses seres a condição
de sujeitos de direitos ou outro estatuto diverso de coisa, influenciando na elaboração
e alteração das leis.
No Senado Federal, tramita um projeto de lei que possui a finalidade de
regulamentar os casos de guarda de animais nas situações de separação do casal. O
Projeto de Lei do Senado n° 542, de 201873, estabelece o compartilhamento da
custódia de animais de estimação de propriedade comum, quando não houver acordo
na dissolução do casamento ou união estável, devendo aplicar as normas das ações
de família, ou seja, a normas concernentes à guarda de crianças, caracterizando o
que se convencionou denominar de família multiespécie.
Outro projeto de lei, o Projeto de Lei n°6054 de 201974, tem a finalidade de
alterar a definição dada aos animais não-humanos pelo Código Civil, em trâmite
69 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, parte geral. v. 1. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 399. 70 BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 04 out. 2020. O artigo 82 estabelece que: “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”. 71 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Op. cit., p. 99. 72 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Op. cit., p. 94. 73 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n.º 542/2018 Dispõe sobre a custódia compartilhada dos animais de estimação nos casos de dissolução do casamento ou da união estável. Aguardando designação do relator – 26 de março de 2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/135006. Acesso em: 04 out. 2020. 74 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei PL 6054/2019. Acrescenta parágrafo único ao art. 82 do Código Civil para dispor sobre a natureza jurídica dos animais domésticos e silvestres, e dá
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atualmente na Câmara dos Deputados. Os objetivos fundamentais deste projeto são
consolidar os direitos dos animais não-humanos e sua protegê-los, bem como
construir uma sociedade mais consciente e solidária e, por fim, reconhecer que os
animais não-humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres
sencientes, passíveis de sofrimento. Assim, define que a natureza jurídica dos animais
é sui generis, e que esses seres são sujeitos de direitos despersonificados, alterando
o disposto no artigo 82 do Código Civil.
Dessa maneira, percebe-se que apesar do Código Civil ainda tratar os animais
como coisa, há grandes chances de ocorrer uma mudança legislativa na atribuição
jurídica dada a esses seres, deixando de tratá-los apenas como um bem para
reconhecê-los como sujeitos de direitos, ainda que de forma atípica.
Por outro lado, no âmbito do direito penal, há quem defenda que os animais
não podem figurar como sujeitos passivos de delitos, ou seja, como titulares do bem
jurídico violado, mas somente como instrumentos materiais do delito. Assim, para
essa visão do direito penal, o animal seria apenas um objeto material sobre o qual
recairia a conduta criminosa.
Nesse sentido, a título exemplificativo, Cezar Roberto Bitencourt expõe quem
poderia configurar como sujeito passivo no direito penal: o ser humano, o Estado, a
coletividade e a pessoa jurídica75. Logo, para a parcela da doutrina penal brasileira,
os animais não-humanos ainda seriam vistos como incapazes de figurar como o titular
do bem violado.
Isso se daria mesmo quando a legislação penal estabelecesse uma devida
proteção aos animais, como no crime de maus-tratos, previsto no artigo 32 da Lei n°.
9.605/98 (Lei de Crimes e Infrações Administrativas Ambientais)76. A tutela não se
referiria aos animais, pois trabalha-se com a ideia de que atos cruéis não punidos
contribuiriam para o embrutecimento do ser humano. Portanto, a legislação penal
outras providências. Aguardando Parecer do Relator na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) — 29 de novembro de 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/601739. Acesso em: 04 out. 2020. 75 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 231. 76 BRASIL. Lei nº 9.605, de 29 de setembro de 2020. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm. Acesso em: 04 out. 2020.
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estaria na verdade tutelando o próprio ser humano e não os animais, que não se
apresentariam como as vítimas do tipo penal que os protege77.
Vale ressaltar que a pena prevista para o crime de maus-tratos (art. 32 da Lei
n. 9.605/98) é de detenção, de três meses a um ano para a conduta prevista no caput,
e, caso a conduta resulte na morte do animal, a pena pode ser aumentada de 1/6 (um
sexto) até 1/3 (um terço), conforme o § 2° deste tipo penal.
Nessa linha, sob os influxos de discursos que demandam a proteção aos
animais por meio do recrudescimento penal, foi aprovada a Lei n°. 14.064/2020, com
a finalidade de aumentar a pena do crime previsto no artigo 32 da Lei n°. 9.605/98 nos
casos em que cometido contra cães e gatos, passando a pena a ser de dois a cinco
anos de reclusão78. Assim, apesar da pena prevista no caput do artigo 32 não ter sido
alterada, e a nova pena não incluir todos os animais, é inegável que esta lei aprofunda
a defesa da condição do animal como sujeito passivo do delito de maus-tratos.
Seja como for, a legislação infraconstitucional brasileira ainda está ligada a uma
concepção antropocêntrica, pois continua tratando os animais apenas como meros
objetos passíveis de apropriação humana. Portanto, de um ponto de vista geral, para
a legislação nacional infraconstitucional, os animais não-humanos ainda são coisas.
Contudo, como foi visto, existem diversos projetos de lei que visam alterar essa
concepção, com o intuito de adequar as leis ao disposto na Constituição Federal,
redefinindo o estatuto jurídico dos animais não-humanos.
Nessa linha, as decisões judicias estão se tornando um meio de adequar o
direito aos avanços da sociedade, devido à burocracia para a aprovação de leis. Os
precedentes judicias, de certo modo, estão formulando um caminho possível na
redefinição de um novo status jurídico para os animais, como será visto adiante.
3.3. Decisões Judiciais Referentes aos Animas Não-Humanos
77 LOURENÇO, Daniel Braga; DE OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza. Vedação da crueldade contra animais: regra ou princípio constitucional?. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 24, n. 2, 2019, p. 229. 78 BRASIL. Lei nº 14.064, de 12 de fevereiro de 1998. Altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14064.htm#:~:text=Altera%20a%20Lei%20n%C2%BA%209.605,tratar%20de%20c%C3%A3o%20ou%20gato. Acesso em: 04 out. 2020.
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Os precedentes dos tribunais estão desempenhando um grande papel na luta
pelo direito dos animais. Várias são as decisões que os reconhecem como seres
sencientes, com dignidade e que devem ter o seu bem-estar protegido,
independentemente de previsão legislativa. Assim, serão analisadas algumas
decisões que contribuíram para a consolidação do Direito Animal.
3.3.1. Animais de estimação e o direito de visita
Em 2018, foi levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o Recurso Especial
n.º 1.713.167/SP79, em que se discutia a possibilidade de regulamentação de visitas
de um animal não-humano após a dissolução de uma união estável, adotado durante
a constância desta união. Tendo em conta que os animais não-humanos possuem,
majoritariamente, status de coisa para o direito civil, o caso gerou diversas discussões
sobre o estatuto jurídico desses animais.
Ainda no Tribunal de Justiça de São Paulo, os desembargadores já tinham
reconhecido a possibilidade de animais de estimação figurarem como sujeitos em um
processo de regulamentação de visitas e, em razão da omissão legislativa, o relator
optou por analogicamente aplicar as normas referente à guarda de crianças.
A decisão do tribunal inferior foi objeto de recurso, instante em que o STJ, ao
analisá-lo, também reconheceu a possibilidade do direito à regulamentação de visitas
de animal de estimação como já tinha sido decidido no acórdão recorrido.
O relator do caso, no STJ, buscando atender os fins sociais, e com base na
evolução da sociedade, entendeu que independente de previsão em lei, a resolução
da questão dependia da análise do caso concreto. Estabeleceu, portanto, que o
animal de estimação não seria uma coisa inanimada, porém, não estendeu a condição
de sujeito de direito, mas sim a condição de um “terceiro gênero”.
3.3.2. Guarda de animal silvestre e o reconhecimento da dignidade animal
79 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma). Recurso Especial n.° 1.713.167 - São Paulo. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 19 de junho de 2018. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1 717000&num_registro=201702398049&data=20181009&formato=PDF. Acesso em: 04 out. 2020.
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Em outro julgamento, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n.°
1.797.175/SP80, reconheceu a dimensão ecológica do princípio da dignidade humana,
estendendo-a aos animais não-humanos. O caso discutia a guarda de um pássaro
que uma pessoa mantivera em cativeiro há 23 anos e, conforme laudos apresentados,
encontrava-se em situação de maus-tratos devido ao estado de sua gaiola.
O STJ entendeu, em consonância com o tribunal a quo, que os maus-tratos
denunciado pelo o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis) não passavam de meros cuidados básicos, e que na atual
condição, o ideal seria manter a guarda com a pessoa que o detinha, e não com o
IBAMA, muito menos devolvê-lo ao seu habitat natural, pois tal decisão resultaria em
riscos maiores à vida do animal, apartado do ambiente há 23 anos.
Nessa linha, o STJ decidiu por não acolher o pedido do IBAMA, mantendo a
guarda com a pessoa que o mantinha em sua residência, e com o fim de assegurar o
bem-estar do animal, determinou que ele deveria ser levado, periodicamente, ao
veterinário especializado, além de se submeter à fiscalização anual do IBAMA, sob
pena de perdimento da guarda.
Independente no caso concreto, destaca-se a fundamentação apresentada
pelo relator, Ministro Og Fernandes, que abordou o conceito kantiano de dignidade, e
afirmou que seria necessário repensá-lo e adaptá-lo aos enfrentamentos existenciais
contemporâneos. Logo, a dignidade deveria perder o seu caráter antropocêntrico,
passando a incidir também em favor dos animais não-humanos, bem como sobre
todas as formas de vida.
Portanto, adotou-se uma visão ecocêntrica, reconhecendo os laços que
permeiam as relações entre o ser humano e a natureza, ainda que, ao fim e ao cabo,
o animal não tenha sido reinserido em sua ambiência natural.
3.3.3. A impetração de habeas corpus para grandes primatas
80 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma). Recurso Especial n.°1.797.175 - São Paulo. Relator: Min. Og Fernandes. Julgado em 21 de março de 2019. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201900983259&dt_publicacao=12/06/2019. Acesso em: 04 out. 2020.
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Dentre os instrumentos utilizados na defesa dos animais, o habeas corpus é
um dos mais comuns. A seguir, serão elencadas algumas das decisões mais
relevantes nesse sentido.
No ano de 2016, na Argentina, a chimpanzé Cecília foi a primeira primata no
mundo a ter sua liberdade reconhecida através da impetração de habeas corpus (HC
nº P-72.254/15), se tornando um marco histórico no direito dos animais. A chimpanzé
Cecília encontrava-se no zoológico de Mendonza e, de acordo com o HC, Cecília
estava submetida a péssimas condições de estadia, além de estar isolada de outros
primatas de sua espécie81.
De acordo com a decisão, Cecília tinha sido privada do seu direito de liberdade
e de uma vida digna pelas autoridades do zoológico. O estado de saúde físico e mental
de Cecília foi profundamente deteriorado e agravado dia a dia, a qual, de acordo com
o especialista que acompanhou o processo, podia resultar na morte do animal. Dessa
maneira, a juíza Maria Alejandra Mauricio concedeu a ordem de habeas corpus a
Cecília, transferindo-a para um santuário, localizado no Brasil82.
Anteriormente a esse caso, já havia ocorrido um fato muito semelhante no
Brasil: o caso da chimpanzé Suíça, que se tornou um marco importante na reflexão
sobre a questão jurídica dos animais no Brasil. O HC n.° 833.085-3/200583 apresentou
uma ressignificação da palavra “alguém” previsto no artigo 5°, inciso LXVIII, da CF/88,
ampliando tal significado para além da espécie humana.
Tal habeas corpus tratou de uma chimpanzé que vivia sozinha e aprisionada
no Jardim Zoológico de Salvador, em uma jaula que apresentava problemas de
infiltração na estrutura, o que impossibilitou que o animal acessasse a área de
cambiamento que possuía um espaço maior. A jaula possuía uma área total de 77.56
m² e altura de 4,0 m, com área de confinamento de 2,75 m de altura, privando a
chimpanzé Suíça de seu direito de locomoção84.
81 MAURÍCIO, Juíza Maria Alejandra. Decisión del Habeas Corpus P-72.254/15 en favor de la Chimpancé Cecilia. Revista Brasileira de Direito Animal, v. 11, n. 23, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/RBDA/article/view/20374/12959. Acesso em: 20 out. 2020. 82 MAURÍCIO, Juíza Maria Alejandra. Decisión del Habeas Corpus P-72.254/15. Op. cit. 83 EDMUNDO, C. R. U. Z. Sentença do Habeas Corpus impetrado em favor da chimpanzé Suíça. Revista Brasileira de Direito Animal, p. 281-285. v. 1, n. 1, 2006. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/RBDA/article/download/10259/7315. Acesso em: 20 out. 2020. 84 GORDILHO, Heron Santana. Habeas Corpus impetrado em favor da chimpanzé Suíça na 9ª Vara Criminal de Salvador (BA). Revista Brasileira de Direito Animal, v. 1, n. 1, 2006. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/RBDA/article/download/10258/7314. Acesso em: 04 out. 2020.
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O HC se baseou na ideia de que em uma sociedade livre e comprometida com
a garantia da liberdade e com a igualdade, a legislação iria evoluir de acordo com a
maneira que as pessoas se portam e pensam, de modo que as leis iriam se adaptando
conforme as mudanças da sociedade, e o judiciário seria uma das chaves dessa
mudança85.
O juiz da 9ª Vara Criminal da Comarca de Salvador/BA, em uma decisão
histórica, admitiu a ação de habeas corpus gerando discussões sobre o tema no
universo jurídico, entendendo que todos os pressupostos do instrumento tinham sido
preenchidos. Fundamentou, ainda, que o direito processual penal não seria estático,
estando sempre sujeito a constantes mutações. Contudo, lamentavelmente o
processo foi julgado extinto, sem examinar o mérito, pois a chimpanzé veio a falecer
antes da decisão de mérito86.
Posteriormente, no ano de 2010, o judiciário brasileiro se deparou com uma
demanda semelhante ao caso da chimpanzé Suíça. Tratou-se do caso do chimpanzé
Jimmy, o habeas corpus n.º 0002637-70.2010.8.19.000087. Novamente, o animal
encontrava-se aprisionado no zoológico de Niterói, “(...) numa jaula com área total de
61,38 m² e altura de 4,0 metros no solário, e área de confinamento de 2,80 metros e
altura”88.
Argumentou-se que Jimmy estava sendo privado do seu direito de liberdade de
locomoção e de uma vida digna. Além disso, o animal estava em absoluto isolamento,
sem qualquer tipo de contato com outros membros de sua espécie89.
Diferente do caso da chimpanzé Suíça, o HC de Jimmy foi denegado tanto em
primeira quanto em segunda instância. No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, foi sustentado que o remédio constitucional só deveria ter “alguém” como
paciente, e apenas seres humanos poderiam ser esse “alguém”, excluindo a
85 GORDILHO, Heron Santana. Habeas Corpus impetrado em favor da chimpanzé Suíça na 9ª Vara Criminal de Salvador (BA). Op. cit. 86 EDMUNDO, C. R. U. Z. Sentença do Habeas Corpus impetrado em favor da chimpanzé Suíça. Op. cit., p. 284. 87 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de janeiro. Habeas Corpus n.°2637-70.2010.8.19.0000 - Rio de Janeiro. Relator: Min. José Muiños Piñeiro Filho. Julgado em 19 de abril de 2011. Disponível em: http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004E164C7F5BA0C4F3C3D56853A3CF5FD40D4C4212E3E3B. Acesso em: 04 out. 2020. 88 GORDILHO, Heron Santana. Habeas-corpus em favor de jimmy, chimpanzé preso no jardim zoológico de niterói-rio de janeiro. Revista Brasileira de Direito Animal. v. 5, n. 6. jan.-jun., 2010, p. 341, 89 Ibidem, p. 341.
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possibilidade de impetrar o habeas corpus em favor dos grandes primatas ou de
qualquer outro animal não-humano90.
Conforme o exposto, ambos os casos buscavam proteger o direito à liberdade
de locomoção daqueles animais não-humanos, e mesmo que as decisões não tenham
sido harmônicas, o acionamento do judiciário para discutir tais fatos contribuiu para o
reconhecimento dos direitos dos animais não-humanos.
Tal método de impetrar habeas corpus, como forma de atribuir direitos aos
animais, foi a estratégia utilizada, anteriormente mencionada, por Steve Wise,
especialmente em relação aos grandes primatas. Vale ressaltar que ele foi um dos
impetrantes do habeas corpus em favor do chimpanzé Jimmy. Wise chegou a
comentar o caso da chimpanzé Suíça, afirmando que mesmo que ela tenha falecido,
o tema em questão continuaria sendo discutido91.
3.3.4. O caso da farra do boi
O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou diversas vezes em relação
ao artigo 225, §1º, VII, da CF/88, que veda expressamente a submissão de animais a
crueldade, por causa de algumas práticas culturais que contrariaram esse dispositivo.
A primeira decisão sobre o assunto foi exarada no Recurso Extraordinário n.º
153.531-8, em 13 de março de 199892, o qual discutia se a atividade da “farra do boi”,
até então definida como uma prática cultural, seria compatível com o tal dispositivo da
Constituição Federal.
A “farra do boi” era uma festa popular que ocorria eventualmente no litoral do
estado de Santa Catarina, que consistia em deixar o animal confinado, sem alimento
e água, durante alguns dias, sendo que a comida e a água eram colocadas à sua
vista, porém sem que os bois pudessem alcançar o alimento, até o dia do evento.
Como se já não bastasse tais atrocidades, no dia da “festa”, os animais eram soltos e
90 BRAZ, Laura Cecília Fagundes dos Santos. A interpretação evolutiva do conceito de habeas corpus na Constituição Federal de 1988 e nos tribunais. Dissertação (Mestrado) Aracaju: UNIT, 2017, p. 135. 91 WISE, Steven. O reconhecimento aos chimpanzés do direito de utilizar os writs do habeas corpus e
do de homine replegiando. Revista Brasileira de Direito Animal. v. 2, 2011, p. 15. 92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Segunda turma). Recurso extraordinário nº 153.531- 8 - Santa Catarina. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgado em 03 de junho de 1997. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=211500. Acesso em: 04 out. 2020.
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perseguido pelos denominados “farristas”, que carregavam pedaços de bambus,
facas, pedras e chicotes a fim de atacar o animal, que fugia de forma desesperada em
direção ao mar e acabava morrendo afogado93.
Diante dessa facticidade, a discussão sobre a inconstitucionalidade da
atividade foi levada até o STF. A corte decidiu, vencido o ministro Maurício Corrêa,
por dar provimento ao Recurso Extraordinário nº 153.531-8, considerando a
denominada “farra do boi” inconstitucional.
Nesse sentido, o Ministro Marco Aurélio, em seu voto, afirmou que a
manifestação cultural deve ser estimulada, mas não as práticas cruéis. Nessa linha,
complementou o Ministro Francisco Rezek que não seria possível admitir que uma
prática dessa natureza como uma ideia juridicamente correta e que a Constituição
havia sido violada, pois tal pratica não seria uma manifestação cultural, mas sim uma
manifestação de atos de violência e crueldade com animais, contrariando o disposto
na norma Constitucional94.
Nessa perspectiva, Rezek expôs que manifestações culturais são práticas
existente em várias partes do país e que muitas delas envolvem a figura dos animais
não-humanos, na maioria deles animais bovinos, porém feitos de pano ou de madeira,
e não seres vivos dotados de sensibilidade, protegidos constitucionalmente. Assim,
apesar de haver um conflito entre o direito à cultura e as práticas que submetem
animais a crueldade, o fato era que a Constituição tinha sido violada95.
3.3.5. O caso da rinha de galos
Posteriormente, chegou ao Supremo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) discutindo o mesmo conflito, a ADI 1.85696, que impugnou uma lei estadual que
regulamentava a “briga de galos”, a Lei n.º 2.895/1998 do Estado do Rio de Janeiro.
A briga de galos, também denominada rinha de galos, consistia em colocar duas aves
93 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 20. ed. Rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1451. 94 BRASIL. Supremo tribunal federal (Segunda turma). Recurso extraordinário nº 153.531- 8 - Santa Catarina. Op. cit. 95 BRASIL. Supremo tribunal federal (Segunda turma). Recurso extraordinário nº 153.531- 8 - Santa Catarina. Op. cit. 96 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.856 - Rio de Janeiro. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em 26 de maio de 2011. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628634. Acesso em: 04 out. 2020.
40
combatentes para lutar até que um dos animais seja nocauteado ou que chegue à
morte97.
O Ministro Celso de Mello, em seu voto, esclareceu um ponto muito importante
em relação ao inciso VII do § 1º do art. 225 da CF/88, afirmando que esse dispositivo,
além de possuir um alto significado ético-jurídico, traz a necessidade de impedir as
ações de risco que podem ameaçar ou periclitar formas de vida — não só a da espécie
humana, mas também a vida de animais não-humanos98.
Na mesma linha, o ministro Ayres Britto declarou que essa norma faz parte de
todo um contexto constitucional, ligado ao preâmbulo da Constituição Federal, que
fala de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. A fraternidade foi
entendida aqui como a ideia de ser impossível conviver com qualquer tipo de
crueldade, inclusive aquelas que resultam em derramamento de sangue, mutilação ou
até mesmo a morte do ser que está sendo submetido a tortura99.
Por unanimidade, os ministros julgaram inconstitucional a lei que permitia a
prática dessa atividade cruel.
3.3.6. O caso da vaquejada
O julgamento mais recente sobre esse tema foi o caso versado na Ação Direta
Inconstitucionalidade 4.983, que discutia a inconstitucionalidade da Lei n.º
15.299/2013100, do Estado de Ceará, que regulamentava a vaquejada como prática
desportiva e cultural.
Em suma, a vaquejada configura um esporte originário de uma prática cultural
derivada do processo de apartação do rebanho, na qual dois vaqueiros tentam
derrubar o animal, que está em movimento, tracionando o seu rabo com o objetivo de
derrubá-lo101.
O ministro Marco Aurélio, em seu voto, com base nas provas apresentadas,
ressaltou que os laudos técnicos demonstraram consequência nocivas à saúde dos
97 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. Op. cit., p. 1452. 98 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.856. Op. cit. 99 Ibidem. 100 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 4983 - Ceará. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgado em 06 de outubro de 2016. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12798874. Acesso em: 04 out. 2020. 101 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. Op. cit., p. 1452.
41
bovinos e até dos equinos utilizados nessa pratica. Dessa forma, afirmou que seria
indiscutível o tratamento cruel sofrido pelas espécies envolvidas, e que tal atividade
estaria em desconformidade com o disposto no texto constitucional102.
O Ministro Luís Roberto Barroso, neste julgamento, afirmou que tanto a
Constituição quanto os precedentes do STF não impedem que manifestações
culturais utilizem animais. O que restaria vedado seriam as manifestações culturais
que praticassem atos de crueldade com animais por puro entretenimento. Finalizou
expondo que o uso e o controle de animais por humanos seria compatível com a
Constituição, desde que garantisse o mínimo de decência em seu tratamento103.
Ainda em seu voto, Barroso explanou que os animais se importariam com o
sofrimento sentido, e na luta por seu bem-estar ou pelos seus direitos, seria inegável
que esses seres estivessem em grande desvantagem em relação aos seres humanos,
pois não poderiam eles, de forma organizada, protestar contra o tratamento que
recebem, como fizeram os seres humanos durante a história da humanidade104.
Levanta a ideia que os animais necessitam dos seres humanos na luta por
seus direitos, não sendo difícil encontrar uma motivação psicológica e nem uma
justificação moral para fazê-lo. Ressaltou, ademais, que os animais compartilhariam
da condição da senciência, ou seja, da capacidade de sofrer, de sentir dor e, por
conseguinte, do interesse em não receber esse tipo de tratamento cruel105.
Dessa maneira, a respeito da tutela dos animais, a legislação brasileira ainda
estaria extremamente ligada à concepção antropocêntrica, e o ordenamento jurídico
preso ao conceito de animais como coisa. Ademais, apesar dos primeiros interesses
na tutela jurídica do meio ambiente possuírem uma visão completamente
antropocêntrica, esse antropocentrismo estaria se relativizando devido à necessidade
de equilibrar as ambições da sociedade com a preservação do meio ambiente e suas
inúmeras formas de vida, e tal mudança estaria sendo proporcionada pelo judiciário.
O Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido da ADI 4983, declarando
a inconstitucionalidade da Lei n.°15.299/2013, do Estado do Ceará, reconhecendo a
vaquejada como uma prática que se utiliza do sofrimento animal como entretenimento,
102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 4983 – Ceará. Op. cit. 103 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 4983 – Ceará. Op. cit. 104 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 4983 – Ceará. Op. cit. 105 Ibidem.
42
incompatível com a expressão “crueldade” constante na parte final do inciso VII do §1º
do art. 225 da CF/88.
Apesar dos avanços acima descritos, no ano de 2017, o Congresso Nacional
aprovou uma emenda constitucional (a Emenda Constitucional n.º 96/2017) que
adicionou o § 7º ao texto do artigo 225 da Constituição, justamente aquele destinado
à proteção ambiental e à vedação da crueldade animal. A inclusão desse parágrafo
gerou intensa polêmica, pois permitiu, doravante, que animais não-humanos
pudessem ser submetidos a crueldade acaso o ato em questão fosse praticado em
atividades desportivas manifestamente culturais, em contradição com uma norma
constitucional originária.
Nesse sentido, serão apresentadas, no próximo capítulo, as implicações
jurídicas resultantes da aprovação da Emenda Constitucional n.º 96/2017.
4. A EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 96/2017 E A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
LEGISLATIVA (IN)CONSTITUCIONAL
Conforme salientado no último tópico, a Emenda Constitucional n.º 96/2017
acrescentou o § 7º ao artigo 225 da Constituição Federal. O novo parágrafo dispõe
que as práticas desportivas que utilizem animais não são consideradas cruéis, nas
condições de que sejam manifestamente culturais e registradas como patrimônio
cultural imaterial.
Tal emenda foi elaborada e aprovada em reposta ao julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.983/15 no Supremo Tribunal Federal, na data de
06 de outubro de 2016, a qual reconheceu, conforme dito, que a lei cearense que
regulamentava a prática da vaquejada era inconstitucional.
Logo após a esse julgamento, o Congresso Nacional (CN), no dia 29 de
novembro de 2016, promulgou a Lei n.º 13.364, que declarou a vaquejada e outras
atividades desportivas que utilizam animais como manifestações culturais de
patrimônio imaterial. Durante o processo legislativo, o Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN), órgão competente para realizar os estudos científicos e
o registro para declararem quais práticas que compõe o patrimônio cultural imaterial
do País, sequer foi ouvido.
Nessa linha, após a elaboração de tal lei, como já mencionado, o Congresso
Nacional aprovou EC n.°96/17, para resguardar a constitucionalidade da Lei
43
n.°13.364/16. Desse modo, depois que o Supremo reconheceu a inconstitucionalidade
da vaquejada, deu-se início, por parte do CN, a um contramovimento para tornar as
práticas desportivas que utilizam animais não-humanos em práticas culturais,
majoritariamente de entretenimento, como atividades constitucionalmente protegidas.
De acordo com Heron José de Santana Gordilho, apenas oito meses após a
decisão que julgou a ADI n.°4.983/15, a EC n.º 96/17 foi promulgada pelo CN, gerando
um claro exemplo de “ativismo congressual”, uma espécie de reação legislativa com
objetivo de reverter uma decisão do STF. Para o autor, tal reação constitui uma grave
ofensa ao princípio da separação dos poderes106.
Ademais, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, no dia 13 de junho
de 2017, ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.°5728/17,
argumentando que a EC n.º 96/2017 violou o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, na modalidade da proibição de submissão de animais a
tratamento cruel, previsto no inciso VII do §1º do art. 225 da Constituição.
Posteriormente, o Procurador Geral da República (PGR), no dia 5 de outubro
de 2017, ajuizou a ADI n.º 227.175/17, arguindo, também, a inconstitucionalidade
dessa emenda, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal já havia decidido que
práticas desportivas manifestamente culturais que submetem animais a crueldade
seriam consideradas inconstitucionais, e que tal pratica seria incompatível com os
preceitos constitucionais que obrigam o poder público a preservar a fauna, assegurar
o meio ambiente equilibrado e, sobretudo, a evitar desnecessário tratamento cruel de
animais.
Por fim, o movimento legislativo em reação à decisão do Supremo Tribunal
Federal sobre a regulamentação da vaquejada pode ser interpretado como um efeito
backlash (bumerangue) na proteção aos direitos dos animais não-humanos, que será
explicado no próximo tópico.
4.1. O Efeito Backlash (Bumerangue)
A palavra backlash, a grosso modo, significa um súbito e intenso movimento
de reação, em resposta a outro movimento igualmente intenso, só que ambos em
106 GORDILHO, Heron José de Santana; BORGES, Daniel Moura. Direito animal e a inconstitucionalidade da 96a emenda à Constituição Brasileira. Sequência (Florianópolis), n. 78, p. 199-218, 2018, p. 200.
44
sentido contrário. Conforme Lírio do Valle, o conceito inicial, também chamado de
efeito bumerangue, tem origem na física, que, de acordo com a terceira lei de Newton,
toda ação corresponde a uma reação igual e em sentido contrário107.
Assim, esse mesmo princípio foi analogicamente aplicado no âmbito da
realidade social. No campo do direito, sua incorporação ao universo das relações
humanas se deu de forma natural, pelo fato do direito gerar mudanças bruscas em
padrões de comportamento, resultando em reações de mesma intensidade em
sentidos opostos108.
Nessa perspectiva, o backlash pode ser entendido como uma reação adversa,
a uma medida política ou decisão judicial, com o fim de alterá-la através de outros
meios. George Marmelstein explica que o processo do backlash segue uma lógica
resumida da seguinte forma:
“(1) Em uma matéria que divide a opinião pública, o Judiciário profere uma
decisão liberal, assumindo uma posição de vanguarda na defesa dos direitos fundamentais. (2) Como a consciência social ainda não está bem consolidada, a decisão judicial é bombardeada com discursos conservadores inflamados, recheados de falácias com forte apelo emocional. (3) A crítica massiva e politicamente orquestrada à decisão judicial acarreta uma mudança na opinião pública, capaz de influenciar as escolhas eleitorais de grande parcela da população. (4) Com isso, os candidatos que aderem ao discurso conservador costumam conquistar maior espaço político, sendo, muitas vezes, campeões de votos. (5) Ao vencer as eleições e assumir o controle do poder político, o grupo conservador consegue aprovar leis e outras medidas que correspondam à sua visão de mundo. (6) Como o poder político também influencia a composição do Judiciário, já que os membros dos órgãos de cúpula são indicados politicamente, abre-se um espaço para mudança de entendimento dentro do próprio poder judicial. (7) Ao fim do processo, pode haver um retrocesso jurídico capaz de criar uma situação normativa ainda pior do que a que havia antes da decisão judicial, prejudicando os grupos que, supostamente, seriam beneficiados com aquela
decisão”109.
Dessa forma, a ideia pode ser visualizada no caso em que o Supremo Tribunal
Federal emite uma decisão declarando que uma prática, tal como a vaquejada, é
inconstitucional e, em resposta a essa decisão, o Poder Legislativo edita uma lei ou
emenda constitucional que regulamenta a prática que foi declarada inconstitucional,
107 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Backlash à decisão do Supremo Tribunal Federal: pela naturalização do dissenso como possibilidade democrática. Texto decorrente da palestra proferida no II Seminário Internacional de Teoria das Instituições, 2013, p. 5. 108 Ibidem, p. 6. 109 MARMELSTEIN, George. Efeito Backlash da Jurisdição Constitucional reações políticas ao ativismo judicial. Terceiro Seminário Ítalo-Brasileiro, 2016, p. 3. Disponivel em: http://www.academia.edu/download/55545454/Marmelstein__George_-_Efeito_Backlash_da_Jurisdicao_Constitucinal_Bolonha.pdf. Acesso em: 30 nov. 2020.
45
de modo que a torne “constitucional”, demonstrando uma reprovação na interpretação
do STF em relação ao significado da norma constitucional originária, através do
ativismo congressual.
Essa EC teve por motivação contornar a declaração da inconstitucionalidade,
dada pelo Supremo Tribunal Federal, de leis que regulamentassem a vaquejada,
julgamento este que se juntou a tantos outros precedentes que o STF já decidiu, a
respeito da vedação à crueldade aos animais em determinadas práticas culturais.
Devido a isso, nasce uma discussão em relação aos limites na atuação do
Supremo na interpretação da Constituição, bem como a quem cabe a última palavra
sobre a ela, elementos este que serão desenvolvidos no próximo item.
4.2. A Supremacia Judicial e a Última Palavra Sobre a Constituição
Dentre as concepções existentes sobre a democracia, o segundo pós-guerra
contribuiu para substituir a visão da regra da maioria institucionalizada, através da
supremacia do parlamento, pela da democracia constitucional, na qual direitos das
minorias passam a ser previstos em uma lei superior e garantidos por tribunais,
afastados da política, através da denominada jurisdição constitucional110.
Nessa linha, a jurisdição constitucional exercida pelas Supremas Cortes
reflete uma garantia de que os direitos fundamentais e as demais normas
constitucionais sejam respeitadas. Ademais, se o sentido da Constituição pudesse ser
alterado a qualquer tempo por lei ordinária, ou por qualquer outro ato do Congresso
Nacional, a Constituição se igualaria, no plano hierárquico, às leis. Dessa forma, a
limitação do poder legislativo definido pelos constituintes na Carta Magna de nada
serviria, já que o próprio parlamento definiria esses limites a que deveriam estar
sujeitos, sendo o autor do seu próprio poder111.
A supremacia judicial surge aqui, portanto, como um meio de regular os outros
poderes, sem que os proíba de interpretar a Constituição, ressalvando, porém que a
exegese final, ao menos de uma rodada argumentativa, é a judicial112.
110 BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia judicial versus diálogos constitucionais: A quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 7-8. 111 BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia judicial versus diálogos constitucionais. Op. cit., p. 17. 112 Ibidem, p. 20.
46
Assim, Rodrigo Brandão afirma que, com base no entendimento da Suprema
Corte norte-americana e do STF, a edição de lei contrária à interpretação
constitucional dessas cortes violaria a supremacia da Constituição sobre as leis e o
Estado de Direito, pois, ao permitir leis com esse teor, o legislativo poderia definir o
sentido das normas constitucionais que lhes deveriam servir limite113.
Dessa forma, a atuação do judiciário na interpretação da Constituição tem o
objetivo de que o legislador se sujeite a essa interpretação na edição de norma futuras,
evitando que legislem em sentido contrário114.
Contudo, Rodrigo Brandão discorda da ideia de que a supremacia judicial é
uma dedução lógica da supremacia da Constituição, pois daria às Supremas Cortes
muito poder. Assim, ele compara o judiciário com a metáfora de Hermes, que era um
semideus grego que, por intermediar a linguagem dos deuses e dos mortais, se tornou
tão poderoso que nunca se soube o que os deuses falavam, somente o que Hermes
dizia que os deuses diziam115.
Logo, surge o problema relativo a saber qual instituição deve ter a última
palavra na interpretação constitucional. Dessa forma, Rodrigo Brandão faz a seguinte
indagação: somente seria possível reverter as interpretações constitucionais do STF
por emenda constitucional? E há limites materiais para a aprovação de emenda
superadora de entendimentos constitucionais do STF?116
Seja na hipótese de lei idêntica à declarada inconstitucional pelo STF quanto
na emenda que conduza a interpretação constitucional diversa da atribuída pelo STF,
de acordo com Rodrigo Brandão, deveria o Tribunal reexaminar o conteúdo de novas
leis ou emendas, podendo manter o atual entendimento ou alterá-lo devido às novas
razões trazidas pelo legislador, ressaltando que tais leis nasceriam com presunção
relativa de inconstitucionalidade117. Isto é, seria possível a edição de leis que
revertessem a interpretação do STF, porém tais atos normativos gozariam do status
inverso às demais leis, qual seja, a presunção relativa de inconstitucionalidade.
Por outro lado, se o veículo normativo utilizado para superar a interpretação
do STF for as emendas constitucionais, em razão do quórum superior ao das leis
ordinárias, a invalidação por meio de decisão judicial da “emenda constitucional
113 BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia judicial versus diálogos constitucionais. Op. cit., p. 28-29. 114 Ibidem, p. 29. 115 Ibidem, p. 30-31. 116 Ibidem, p. 364. 117 Ibidem, p. 382.
47
superadora” somente será possível nos casos em que sejam violados os limites ao
poder de reforma constitucional, ou seja, nos casos em violem cláusulas pétreas, não
havendo, aqui, a presunção relativa de inconstitucionalidade. 118.
A emenda constitucional contrária à interpretação dada pelo STF, portanto, só
seria passível de invalidação nos casos em que violasse cláusulas pétreas, assim
declarando a EC inconstitucional.
A visão defendida por Rodrigo Brandão, inclusive, já foi adotada pelo Supremo
Tribunal Federal, no voto do relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5.105,
Ministro Luiz Fux, ao afirmar que a reação do poder legislativo, ao editar lei que
contrariou um posicionamento da Corte, presumia-se inconstitucional, na medida em
que não apresentou novos argumentos que justificariam a elaboração da lei. Afirmou
também que, se o veículo normativo utilizado fosse uma emenda à Constituição, o
parâmetro de análise seria outro, dado o quórum de aprovação mais elevado119.
Ademais, esclareceu que a interpretação constitucional não cabe somente a
um poder, ela pertence a um processo de construção coordenada entre os poderes,
em que cada um deles contribui conforme sua atividade típica, dialogando ao ponto
em que se possa aperfeiçoar a melhor interpretação do texto constitucional,
permitindo uma autocorreção de quaisquer das instituições120.
Nesse sentido, a discussão a respeito da inconstitucionalidade da EC n.º
96/2017 não deve ser pautada na presunção relativa de inconstitucionalidade, mas
sim pela análise da suposta violação aos limites materiais de reforma da Constituição,
que serão abordados na sequência.
4.3. Emendas Constitucionais e os Limites aos Direitos Fundamentais
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 60, § 4º, que as algumas
matérias (limites materiais) não serão passíveis de alteração por emenda
constitucional. Tais matérias, denominadas de cláusulas pétreas, são: a forma
118 BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia judicial versus diálogos constitucionais. Op. cit., p. 382. 119 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.105. Relator: Min. Luiz Fux. Julgado em 01 de outubro de 2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10499116. Acesso em: 01 fev. 2021. 120 Ibidem.
48
federativa do Estado; o voto direto, secreto universal e periódico; a separação dos
Poderes; e os direitos e garantias individuais.
Tal dispositivo expõe que somente não será objeto de deliberação as
propostas que tendem a abolir as já mencionadas cláusulas pétreas. Nesse sentido,
cabe ressaltar que não é qualquer mudança na Constituição, que envolva a limitação
aos direitos fundamentais, que será considerada como inconstitucional. Há, portanto,
uma margem de ação do poder constituinte reformador, que pode restringir direitos
fundamentais, desde que isto não seja considerado tendente a abolir.
Ademais, vale destacar que a CF/88 pode ter positivado como cláusulas
pétreas outras matérias para além do rol de direitos e garantias individuais previsto no
art. 5º. Assim, Rodrigo Brandão expõe que, conforme o entendimento do STF, a
expressão “direitos e garantias individuais”, do art. 60, § 4º, inc. IV, da CF/88, deve
ser lida como direitos fundamentais, abrangendo outros direitos, até os não
positivados formalmente na Constituição Federal121.
A cláusula pétrea referente aos direitos fundamentais divide-se em duas
espécies: as formalmente fundamentais e as materialmente fundamentais. As
formalmente fundamentais consistem naquelas em que são positivadas na
Constituição, no capítulo destinado às garantias e direitos fundamentais (Título II –
Dos direitos e garantias fundamentais. Capítulo I – Dos direitos e deveres individuais
e coletivos). Assim, o direito fundamental formal decorre da sua inclusão na norma
positivada junto aos outros direitos fundamentais. Por outro lado, as normas
materialmente fundamentais partem do conteúdo expressado pela norma,
independente da localização topográfica em que venha a ser positivada na
Constituição. Ou seja, devido à substância da norma, ela será considerada
materialmente fundamental122.
Nessa linha, a diferença entre a matéria estar prevista ou não no rol do art.
5º da Constituição é que, se ali prevista, será considerada formal e materialmente
cláusula pétrea, o que não impede que as demais normas da Constituição possam
também ser consideradas cláusulas pétreas. Nesse caso, seriam apenas
materialmente cláusulas pétreas.
121 BRANDÃO, Rodrigo. Emendas Constitucionais e restrições aos direitos fundamentais. Revista de Direito Administrativo, v. 246, p. 288-317, 2007, p. 1. 122 Ibidem, p. 25.
49
No plano das materialmente fundamentais, o constituinte originário consolidou
o direito subjetivo dos indivíduos e da coletividade de viver em um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, em um capitulo exclusivo, separado dos direitos
fundamentais. O constituinte considerou no art. 225 da CF/88 que o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado é “essencial à sadia qualidade de vida”,
reconhecendo a proteção ambiental como um dos valores permanentes e
fundamentais do Estado de Direito123.
Ingo Sarlet explica que a norma contida no art. 5º, § 2º, da CF, traduz uma
expansividade dos direitos fundamentais. O entendimento é de que, para além do
conceito formal de Constituição e de direitos fundamentais, existe um conceito
material, na qual certos direitos, por seu conteúdo, por sua substância, integram os
direitos fundamentais da Constituição de um Estado, mesmo não constando
expressamente no capítulo originalmente destinado a tratar sobre o assunto124.
Em razão disso, eventual supressão total ou parcial no conteúdo
constitucional do meio ambiente consistiria em um retrocesso no campo dos direitos
fundamentais. O direito ao meio ambiente está inserido no conjunto de normas
materialmente fundamentais e, portanto, incluídos no rol dos limites materiais do poder
de reforma do art. 60, § 4º, da CF/88, dando ao direito fundamental ao meio ambiente
o status de cláusula pétrea125.
Nesse sentido, mesmo que a Constituição Federal não tenha elencado o meio
ambiente no capítulo destinado aos direitos fundamentais, este não deixa de ser
reconhecido como um direito fundamental.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança n.º
22.164126, proclamou que o direito previsto no art. 225 da CF/88 é um típico direito
fundamental de terceira dimensão. O Ministro Celso de Mello, em seu voto, destacou
que o meio ambiente se insere entre os direitos de terceira dimensão, e que o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado “(...) constitui uma realidade a que não
123 SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental ao meio ambiente como cláusula pétrea do sistema constitucional brasileiro. Genjurídico, 2020. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2020/08/25/direito-fundamental-ao-meio-ambiente/. Acesso em: 01 fev. 2021. 124 SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 4. ed. ampl., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 334. 125 SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental ao meio ambiente como cláusula pétrea do sistema constitucional brasileiro. Op. cit. 126 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal pleno). Mandado de Segurança 22.164. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em 30 de outubro de 1995. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85691. Acesso em: 01 fev. 2021.
50
mais se mostram alheios ou insensíveis”127 sobre essa questão, mas os consagram
em ordenamentos jurídicos, tanto nacionais e quanto internacionais.
Extrai-se do art. 5º, § 2º, da CF, que há direitos formais e materialmente
fundamentais distribuídos pelo texto constitucional, sendo o direito previsto no artigo
225 da CF/88 um deles. Entretanto, se discute se o direito fundamental ao meio
ambiente inclui a proteção aos animais não-humanos prevista no inciso VII do §1º do
art. 225 da CF/88.
De acordo com Heron José de Santana Gordilho, a Constituição de 1988
reconheceu que os animais são dotados de sensibilidade, impondo a todos o dever
de respeitar-lhes a vida, liberdade corporal e integridade física ao vedar
expressamente todas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a sua extinção ou os submetam à crueldade128.
Nesse sentido, de um ponto de vista geral, o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, aqui incluído a proteção dos animais não-humanos de
não serem submetidos à crueldade, surge como um direito fundamental, em meio à
evolução histórica dos direitos, ambos pertencendo aos direitos de terceira dimensão.
Vale pontuar, por outro lado, conforme exposto por Ademar borges, que a
proteção jurídica ao meio ambiente que lhe dá o status de direito fundamental e, por
conseguinte, de uma clausula pétrea, é aquele diretamente ligado à proteção das
condições de vida digna para a pessoa humana, e que uma visão contrária a esta
geraria uma interpretação excessivamente ampla das cláusulas pétreas, afetando o
exercício do poder de reforma a Constituição129.
Seja como for, a discussão ainda se insere na gramática dos direitos
fundamentais. Para tanto, é necessário verificar os impactos da reforma constitucional
sobre a normativa pré-existente, à luz do princípio da proibição de retrocesso,
discussão que será desenvolvida a seguir.
127 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal pleno). Mandado de Segurança 22.164. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em 30 de outubro de 1995. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85691. Acesso em: 01 fev. 2021. 128 GORDILHO, Heron José de Santana. Abolicionismo animal: habeas corpus para grandes primatas. Tradução, Nicole Batista Pereira, Elizabeth Bennett. – 2. ed. – Salvador: EDUFBA, 2017, p. 299. 129 BORGES, Ademar. O debate sobre a constitucionalidade da emenda da vaquejada. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-out-20/ademar-borges-adi-5728-vaquejada. Acesso em: 01 fev. 2021.
51
4.4. O Princípio da Proibição do Retrocesso
O princípio da proibição do retrocesso é um princípio pertencente à teoria dos
direitos fundamentais, junto com o princípio da segurança jurídica, estando também
conectado com os limites matérias das reformas constitucionais, as denominadas
cláusulas pétreas130.
De acordo com Michel Prieur, em nenhuma outra área dos “novos direitos”
está mais presentes a imperiosidade ético-política e a viabilidade jurídico-material da
garantia à manutenção e o progresso das existentes medidas legislativas protetórias
do que no Direito Ambiental131.
O princípio da proibição do retrocesso surge como uma ferramenta de
proteção e garantia dos direitos fundamentais. Esse princípio, constitucionalmente
implícito, impõe aos legisladores um limite não absoluto na elaboração de novas leis,
proibindo a regressão dos denominados direitos fundamentais132.
Isto é, o princípio da proibição do retrocesso trata de um nível de promoção e
proteção de um direito que não admite diminuição ou enfraquecimento, por ser uma
conquista já sedimentada da teoria dos direitos fundamentais. Reduzir a proteção
normativa dos direitos fundamentais, por si só, já constituiria um retrocesso. 133.
Tal princípio é aplicável a todos os direitos fundamentais. Pode ser invocado
em face tanto de uma alteração legislativa que altere a finalidade da norma quanto de
um procedimento administrativo que diminua o grau de aplicabilidade do direito
fundamental, ou, ainda, de uma decisão judicial que gere uma má interpretação da
norma e, dessa maneira, enfraqueça do direito fundamental discutido134.
De outro lado, a proibição do retrocesso socioambiental, assim como ocorre
com a proibição do retrocesso social, está relacionado com o princípio da segurança
jurídica, e ligado aos limites materiais de reforma constitucional. Assim, considera-se
130 JUNIOR, Vicente de Paula Ataide. Princípios do direito animal brasileiro. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito, v. 30, n. 1, 2020, p. 131. 131 PRIEUR, Michel. O princípio da proibição de retrocesso ambiental. O Princípio da proibição de retrocesso ambiental. Brasilia: Senado Federal, 2012, p. 58. 132 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Notas sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição de retrocesso em matéria (socio) ambiental. Direito constitucional do ambiente: teoria e aplicação. Caxias do Sul: Educs, p. 121-206, 2011, p. 8. 133 ROTHENBURG, Walter Claudius. Não retrocesso ambiental: direito fundamental e controle de constitucionalidade. O Princípio da proibição de retrocesso ambiental. Brasilia: Senado Federal, p. 247-270, 2012, p. 247. 134 ROTHENBURG, Walter Claudius. Não retrocesso ambiental: direito fundamental e controle de constitucionalidade. Op. cit., p. 258.
52
que ambos os institutos objetivam a tutela de direitos e bens de matriz constitucional
contra atos ou medidas de caráter retroativo ou que possam, de algum modo, alterar
situações e posições jurídicas135.
A estabilidade jurídica em um Estado é fundamental para o exercício dos
direitos fundamentais dos cidadãos, ao passo em que os direitos e garantias
individuais não restariam suficientemente respeitados e protegidos, caso fosse
transparecido pelo Estado, uma certa instabilidade jurídica, na qual resultaria em uma
falta de confiança das pessoas nas instituições sociais e estatais, mesmo havendo o
mínimo de segurança que a norma garante136.
A vedação ao poder constituinte reformador na alteração de determinadas
normas, devido aos limites materiais de reforma, demonstra uma proteção ao piso
protetivo mínimo conquistado pela ordem constitucional, de modo que tais conquistas
se tornam insuscetíveis de sofrer qualquer abolição mediante reforma.137.
Nesse sentido, há uma certa proibição de intervenções ou proibições de
eliminação de determinadas posições jurídicas já consolidadas. Assim, em linha
gerais, o princípio da proibição do retrocesso tem por objetivo preservar as normas
constitucionais e infraconstitucionais já construídas e consolidadas no ordenamento
jurídico, principalmente aquelas que visam assegurar os direitos fundamentais,
evitando atos que venham a provocar a supressão ou restrição desses direitos138.
Dessa maneira, torna-se possível impugnar judicialmente qualquer medida
que venha a entrar em conflito com o disposto na Constituição, bem como repelir
medidas legislativas que visem diminuir supervenientemente o grau de concretização
de uma norma constitucional, diferente daquela que já havia sido anteriormente
declarado139.
Outro ponto importante diz respeito aos deveres de proteção do Estado, que
vincula os poderes a garantir a máxima eficácia dos direitos fundamentais,
protegendo-os contra qualquer violação e retrocesso.
Assim, o não reconhecimento do princípio da proibição do retrocesso, e por
conseguinte, o não cumprimento dos deveres do Estado, expressa uma não
135 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Notas sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição de retrocesso em matéria (socio) ambiental. Op. cit., p. 8. 136 Ibidem, p. 8. 137 Ibidem, p. 9. 138 Ibidem, p. 10. 139 Ibidem, p. 10.
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vinculação dos órgãos públicos em relação aos direitos fundamentais e às normas
constitucionais em geral, dando a entender que estes poderiam, livremente, tomar
suas decisões, mesmo que contrária à vontade do constituinte originário140.
Por outro lado, José Vicente Santos de Mendonça expõe que algumas
incidências do princípio da proibição do retrocesso resultam em usos inconsistentes,
e ocasionalmente antidemocráticos. O autor discute os limites do uso do princípio,
pois seu emprego, de modo absoluto, poderia resultar no cerceamento da atividade
do legislador 141.
A partir da ideia de que o princípio da proibição do retrocesso deva recair
principalmente quando a efetividade do direito estiver prejudicada, José Vicente
Santos de Mendonça aborda três requisitos a serem cumpridos para que não seja
necessária a incidência deste princípio sempre que houver alguma alteração de algum
dispositivo constitucional. O primeiro seria apresentar uma justificativa plausível para
a alteração, o segundo seria a preservação do núcleo do direito alterado e, por último,
seria a observância da razão pública142.
Nesse sentido, o princípio da proibição do retrocesso pode ser analisado de
dois pontos de vista: a uma, partindo de uma ideia mais absoluta de proteção na
norma constitucional, de modo que qualquer alteração por si só pode prejudicar a
dimensão do direito anteriormente descrito; em sentido contrário, poderia ser visto em
relação à efetividade da norma, de sorte que a incidência do princípio somente se
daria quando a alteração da norma prejudicasse a sua efetividade143.
De todo modo, as conquistas históricas da humanidade, consolidadas em sua
magna carta, não podem ser submetidas a um retrocesso em nível tal que possa
vulnerabilizar ou erradicar os direitos fundamentais, devendo apenas preservá-los e
acrescendo mais direitos conforme os avanços da sociedade144.
Feitas tais considerações, parte-se para o derradeiro estudo dos casos que
versam sobre a temática deste trabalho e que estão pendentes de julgamento no
Supremo Tribunal Federal.
140 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Notas sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição de retrocesso em matéria (socio) ambiental. Op. cit., p. 12. 141 MENDONÇA, José Vicente Santos de. Vedação do retrocesso: o que é e como perder o medo. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003, p. 210. 142 Ibidem, p. 235. 143 MENDONÇA, José Vicente Santos de. Op. cit., p. 235. 144 Ibidem, p. 29.
54
4.5. O Julgamento das Ações Diretas e Inconstitucionalidade n.º 5728 e 5772
As discussões até aqui desenvolvidas podem ser observadas a partir da
pontual análise das ações que arguiram a inconstitucionalidade da EC n.º 96/2017: a
ADI 5728, proposta pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, e a ADI 5772,
proposta pelo Procurador-Geral da República. Ambas as ações apontam fundamentos
semelhantes sobre a suposta inconstitucionalidade.
A ADI 5728, distribuída para o ministro Dias Toffoli, argui a
inconstitucionalidade sobredita em razão da violação ao princípio da proibição de
retrocesso, na medida em que o STF já havia decido sobre o tema, e vinha construindo
uma jurisprudência, ao longo dos anos, com o fim de proteger o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, especificamente na proteção aos animais não-
humanos.
Já ADI 5772, distribuída para o ministro Roberto Barroso, argumenta que a
Emenda Constitucional n.º 96/2017 contém uma ilogicidade insuperável, pois define
que as práticas desportivas reconhecidamente como manifestação culturais deixam
de ser cruéis. Contudo, a crueldade, que é intrínseca à prática desportiva, não deixa
de existir somente pelo fato de uma norma defini-la como manifestação cultural, pois
a crueldade permanece independentemente do tratamento jurídico que lhe é atribuído.
Ademais, a ADI 5772 arguiu a ofensa aos limites materiais de reforma à
Constituição, previsto no art. 60, § 4°, da Constituição, ou seja, a violação às cláusulas
pétreas, que não são passíveis de abolição pelo poder constituinte derivado. Assim,
ressalta que qualquer tentativa de abolir os direitos fundamentais do texto
constitucional deve ser repelida pelo Supremo Tribunal Federal.
O Procurador-Geral da República solicitou, no bojo da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n.º 5772, o julgamento em conjunto com a ADI 5728, dada a
identidade parcial de objeto existente entre ambas as ações.
Além disso, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5728
havia sido marcada para o dia 05 de novembro de 2020. Porém, no dia 26 de outubro
de 2020, o julgamento foi retirado de pauta pelo presidente do Supremo. Ambos as
ações se encontram conclusas para seus respectivos relatores, sem novos
andamentos ou determinações desde então.
55
As ações de controle concentrado, em geral, e a referida reforma
constitucional, em especial, são exemplificativas da controvérsia objeto desta
pesquisa. As repercussões também foram observadas recentes textos doutrinários.
Nessa linha, a título de exemplo, Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer, ao
comentarem sobre a EC n.º 96/2017 e a ADI 5728, argumentam que o legislador
extrapolou os limites materiais do poder de reforma constitucional. Eles afirmam que
o conteúdo do parágrafo 7º do artigo 225 da CF/88 foi em direção oposta àquela
proposta pelo constituinte originário, contradizendo o espírito protetivo que caracteriza
o art. 225 e o conjunto de normas e princípios de que era composto145.
A EC n.º 96/2017 criou uma definição normativa de “crueldade” afirmando que
uma prática que implica crueldade, devido a sua natureza, o deixa de ser cruel por
decreto normativo. Assim, Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer expõem que é
inconcebível que o legislador afirme o contrário, por meio de legislação, no sentido de
que determinada prática que importa em sofrimento animal não é cruel.146.
Nesse sentido, conclui-se que a hipótese inicial de pesquisa foi demonstrada
ao longo deste trabalho. Isto é, a alteração constitucional sofrida pelo inciso VII do
parágrafo 1º do art. 225 da CF/88, não só rompeu os inúmeros precedentes
consolidados pelo Supremo, mas também afetou o regime constitucional de proteção
ao meio ambiente e o seu status como direito fundamental, que já havia sido
consolidado tanto jurisprudencialmente como doutrinariamente. Acima de tudo, atingiu
a proteção jurídica e autônoma dada aos animais não-humanos pelo constituinte
originário.
Vale acrescentar, por fim, que ainda que consolidado, no STF, os precedentes
a respeito da incompatibilidade das práticas culturais que exponham animais à
crueldade com o disposto no inciso VII do parágrafo 1º do artigo 225, a EC n.º 96/2017
não deve ser analisar sob o prisma da presunção relativa de inconstitucionalidade,
pois a deferência judicial na análise das emendas à Constituição, resultante do
quórum qualificado, deverá orientar a cognição da inconstitucionalidade a partir da
violação de cláusulas pétreas, notadamente o direito fundamental ao meio ambiente,
abarcando a proteção aos animais não-humanos, incluídos materialmente no rol do
145 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER Tiago. A Emenda Constitucional 96/2017 da "vaquejada" e a ADI 5.728/DF. Revista Consultor Jurídico. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-out-18/direitos-fundamentais-ec-962017-vaquejada-adi-5728df. Acesso em: 30 de nov. 2020. 146 Ibidem.
56
art. 60, § 4º, da CF. Este é o resultado que se espera ver referendado, uma vez mais,
pelo Supremo Tribunal Federal, na análise das ADI’s 5772 e 5728.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito Animal, assim como qualquer outro ramo das ciências jurídicas,
busca o reconhecimento como um direito autônomo. Entretanto, tratar os animais não-
humanos como sujeitos de direitos ainda trata-se de um tema complexo no universo
jurídico, e fora dele. Através da pesquisa qualitativa de referenciais bibliográficos,
jurisprudenciais e legislativos, a partir do método dedutivo, procurou avaliar,
inicialmente as fundamentações filosóficas do movimento animal.
Do ponto de vista histórico, a relação do ser humano com os animais não-
humanos foi construída com base na dominação do primeiro sobre o segundo, num
processo de coisificação dos animais, o qual resultou numa constante exploração da
vida animal. Dessa forma, delongou o debate sobre os direitos desses seres, e a
inclusão na esfera das considerações morais, devido a visão antropocêntrica da
humanidade.
Ainda que exista uma resistência sobre o reconhecimento do Direito Animal,
o tema em si, esteve quase sempre na pauta de juristas e filósofos durante a história.
Sendo aperfeiçoado pelos movimentos animalistas, que, em fim, tentam trazer os
animais não-humanos para a esfera da consideração moral.
A humanidade primeiro discutiu sobre a dignidade dos seres humanos, antes
de discutir sobre a ética no tratamento de animais não-humanos, e mesmo que tenha
focado seus estudos na dignidade humana, estes falharam, e ainda falham, diversas
vezes, prejudicando e talvez banalizando o movimento animal em meios aos
problemas da humanidade. Contudo, o movimento que luta pelos direitos do animais
não-humanos, não deve ser adiado porque os seres humanos não resolveram os
próprios problemas.
Primeiramente, foi demonstrado como as correntes do movimento animalista
questionaram e buscaram trazer os animais não-humanos para o campo do
tratamento ético. Mesmo que cada corrente tenha seguido caminhos diferentes, cada
uma trouxe reflexões sobre a forma que esses seres são tratados, e os fundamentos
de como realmente deveriam ser tratados.
57
A teoria proposta por Peter Singer, a partir do princípio da igual consideração
de interesses semelhante, refletiu sobre os interesses dos seres humanos e animais
não-humanos, na qual as ações deveriam ser guiadas com base nos interesses
desses indivíduos. Desse modo, abordando o critério da senciência, ilustrou que um
animal não-humano, assim como o ser humano, possui o interesse em não sofrer ou
ser submetido a qualquer sofrimento.
Por sua vez, Tom Regan adentrou na esfera do reconhecimento de direitos
aos animais não-humanos, partindo do questionamento de qual critério atribui direitos
aos seres humanos direitos, ele expõe que, além de todos os animais serem seres
semelhantes, todos possuem uma característica em comum: a vida. Desse modo,
utilizando o termo sujeitos-de-uma-vida, Regan coloca os animais não-humanos
dentro da esfera de consideração moral, reconhecendo direitos inerentes em cada
animal, humano ou não-humano.
Ainda no campo de atribuição de direitos aos animais não-humanos, Gary L.
Francione abordou a abolição do status de propriedade dos animais. Com base no
princípio do tratamento humanitário, ele demonstra que a relação humano-animal
deve ser guiada a partir do critério da senciência, e que as ações humanas não devem
causar sofrimento desnecessário aos animais não-humanos, e que o reconhecimento
dos direitos animais não poderia ser conquistado gradualmente, pois apenas tornaria
a exploração animal em uma escravidão regulamentada.
Steve Wise, por outro lado, acredita que a busca de direitos graduais é uma
forma de expandir a esfera da consideração moral aos animais não-humanos. Ele
demonstra como a utilização do judiciário pode influir positivamente na discussão
sobre o Direito dos Animais, que eventualmente resultaria em precedentes que,
embora não previsto em lei, garanta uma proteção maior aos animais não-humanos e
aos direitos mínimos como a vida, a liberdade e os de não serem submetidos a
sofrimento.
Independente da forma e o modo adotado no reconhecimento do direito dos
animais, já é evidente que diversos países estão caminhando para ampliação da
proteção desses seres. Como foi demonstrando, os animais não-humanos possuíam,
na maioria das vezes, um estatuto jurídico de coisa, mas essa classificação vem sendo
alterada, apesar de não possuir um gênero que os defina o fato de defini-los como
seres sencientes contribui para os avanços do Direito Animal.
58
No Brasil o estatuto jurídico dos animais não-humanos, de acordo com o
Direito Civil, ainda é de coisa. Entretanto, alguns avanços legislativos apontam para
um caminho diferente a essa classificação, além dos projetos legislativos que
possuem o objetivo de alterá-la, retirando essa visão antropocêntrica desses animais.
Mesmo que a legislação infraconstitucional esteja caminhando gradualmente,
a proteção aos animais não-humanos é garantida no âmbito constitucional. Desde de
1988, a Constituição Federal, junto ao direito fundamental do meio ambiente
equilibrado, que garante a esses seres, de forma clara, o direito ao seu bem-estar,
vedando todas as práticas possam causar sua extinção ou submetê-los a crueldade.
Direito esse que, por diversas vezes, foi discutido pelo Supremo Tribunal
Federal. Nesses julgamentos, as decisões demonstraram que independente da
prática que está sendo realizada se ela submete animais à crueldade, esta em
inconformidade com a Constituição, violando o art. 225, §1º, VII, da CF/88.
Nessa linha, passou-se a discutir a inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional n.°96/2017, que além de reformar a constituição, modificou a
interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
A EC n.°96/2017 evidentemente contrariou não só a norma originária da
Constituição, como também todo corpo jurídico composto pelos precedentes judiciais
dos tribunais. O intuito protetivo do conjunto de normas que compõe o artigo 225 foi
mitigado pela inclusão do §7º, fragilizando a proteção constitucional ao meio ambiente,
especificamente em relação a tutela dos animais não-humanos.
Não se encontra qualquer fundamento coeso entre a norma originária que
veda a submissão dos animais a praticas cruéis, e a norma incluída pela emenda que,
divergentemente, permite que práticas culturais possam submeter animais à
crueldade. A emenda ao dispor que não se consideram cruéis as práticas desportivas
que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, ocorreu em uma
tentativa de legitimação da crueldade animal, como se fosse possível retirar a
crueldade de uma prática que implica crueldade pela sua natureza.
Ademais, a emenda caminhou para um rumo diferente daquele demonstrado
no direito comparado, que, nos últimos anos, estão passando a reconhecer os animais
não-humanos com seres sencientes, vencendo, portanto, o status jurídico de coisa
que era atribuído a esses seres.
O movimento legislativo em reação a decisão do Supremo tribunal Federal,
abriu uma discussão sobre a quem cabe a última palavra sobre o sentido da
59
constituição, e se a presente emenda, devido aos antigos posicionamentos da corte
sobre o tema, era dotada de presunção relativa de inconstitucionalidade.
Contudo, percebe-se que a inconstitucionalidade da referida emenda deve ser
pautada na violação do poder de reforma do constituinte derivado, pois essa alteração
no texto constitucional tratou de matéria definida como cláusula pétrea, os
denominados direitos fundamentais. A norma em questão, mesmo que não seja
considerada formalmente como um direito fundamental, em razão de sua matéria é é
consagrada como um direito fundamental, e que qualquer alteração que vise aboli-la,
viola diretamente o limites de reforma a constituição.
Os Direitos Fundamentais foram e estão, inegavelmente, sendo ampliados a
cada dimensão, ao passo que a humanidade se modifica e altera tradições e padrões
culturais. O modo que se trata da questão animal não pode ser decidido com base em
uma opinião, seja pessoal ou cultural, afinal os animais não-humanos são seres
sencientes, dotados de valores e direitos intrínsecos. O intuito do constituinte
originário foi proteger o bem-estar desses seres, e ignorar esse fato trata-se de um
retrocesso não só no campo da consideração moral dos animais não-humanos, como
também dos Direitos Fundamentais.
Nesse sentido, no julgamento sobre a inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional n°96/2017, espera-se que o Supremo Tribunal Federal venha a decidir
no sentido que melhor extrai os interesses do constituinte originário, ao elaborar a
norma em questão, e que melhor garante e protege o direito fundamental envolvido,
o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo que não cause um
retrocesso irreparável na luta pelos direitos dos animais e no reconhecimento desses
seres como sujeitos que merecem uma vida digna e que não os submeta a praticas
cruéis.
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