direito de acrescer na sucessão testamentária

16

Click here to load reader

Upload: limamonica

Post on 29-Jun-2015

1.244 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Trabalho apresentado no âmbito da unidade curricular de Trabalho Orientado de Direito Civil da Prof.ª Dr.ª Stela Barbas. 7 de Fevereiro de 2011. 16 valores.

TRANSCRIPT

Page 1: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

Departamento de Direito

Mestrado em Ciências Jurídicas

DIREITO DE ACRESCER NA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Trabalho apresentado no âmbito do programa da unidade curricular de

TRABALHO ORIENTADO DE DIREITO CIVIL.

Mestranda: Mónica Isabel Fonseca Sequeira Lima

Docente: Professora Doutora Stela Barbas

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2011

Page 2: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

2

ÍNDICE GERAL

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 3

1. GENERALIDADES ............................................................................................................. 4

1.1. Vocação Sucessória ........................................................................................................ 4

1.2. Direito de Acrescer ........................................................................................................ 4

2. PRESSUPOSTOS DO DIREITO DE ACRESCER .......................................................... 6

2.1. Pressupostos Negativos ................................................................................................. 6

2.1.1. Substituição directa ou vulgar ............................................................................... 6

2.1.2. Vontade do autor da sucessão contrária ao direito de acrescer ......................... 6

2.1.3. Direito de representação ........................................................................................ 7

2.1.4. Direito de transmissão do direito de aceitação ou repúdio ................................. 7

2.1.5. Pessoalidade no legado ........................................................................................... 7

2.2. Pressupostos Positivos ................................................................................................... 8

2.2.1. Quota Vaga .............................................................................................................. 8

2.2.2. Pluralidade de co-herdeiros ou co-legatários ....................................................... 8

3. ÂMBITO DO DIREITO DE ACRESCER ......................................................................... 9

3.1. Direito de acrescer entre Herdeiros ............................................................................. 9

3.2. Direito de acrescer entre Legatários .......................................................................... 10

3.2.1. Direito de acrescer entre Usufrutuários ............................................................. 11

3.3. Inexistência de direito de acrescer de herdeiros para legatários e, em sentido

próprio, de legatários para herdeiros. .............................................................................. 11

4. EFEITOS E NATUREZA DO DIREITO DE ACRESCER ........................................... 12

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 15

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 16

Page 3: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

3

INTRODUÇÃO

Segundo Ana Prata,1 o direito de acrescer “consiste na ampliação de um direito que,

conjuntamente com outro de igual ou diferente natureza, incidia sobre um mesmo bem, por

força da extinção deste.” De facto, o fenómeno do acrescer ultrapassa o direito das sucessões,

e encontra-se previsto no art. 419.º, n.º 1 do Código Civil2 no que toca à contitularidade do

direito de preferência resultante de pactos de preferência; no art. 1241.º, quanto à pluralidade

de beneficiários da renda vitalícia; nos arts. 1327.º e 1449.º no que diz respeito à acessão; e

nos arts. 1442.º e 944.º, n.º 2 no que se refere à pluralidade de usufrutários.3

Posto isto, optou-se por delimitar o nosso estudo sobre o direito de acrescer ao direito

sucessório. Aqui, este instituto é apontado como uma forma de vocação indirecta e vigora

tanto na sucessão legal (arts. 2137.º, n.º 2, 2143.º e 2157.º) como na sucessão testamentária

(arts. 2301.º a 2307.º), em termos mais amplos para os herdeiros e restritamente para os

legatários.4 Optámos por nos debruçar sobre o direito de acrescer em sede de sucessão

testamentária.

Procuraremos aprofundar o conceito de direito de acrescer e definir os seus

pressupostos e âmbito, assim como os seus efeitos e natureza.

1 DIREITO de Acrescer. In PRATA, Ana – Dicionário Jurídico. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2008. Vol. 1. p.

502. 2 Doravante, toda a legislação citada sem indicação em contrário será o Código Civil.

3 Cf. SOUSA, Rabindranath Capelo de – Lições de direito das Sucessões. 4.ª ed. renov. Coimbra: Coimbra

Editora, 2000. Vol. 1. p. 349-350. 4 Cf. SOUSA, op. cit., p. 350.

Page 4: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

4

1. GENERALIDADES

1.1. Vocação Sucessória

Sabemos já que o processo sucessório – enquanto conjunto de actos e de factos

necessários para que alguém adquira as posições jurídicas que pertenciam a outrem –

compreende um determinado número de momentos: abertura da sucessão; vocação sucessória;

devolução sucessória; herança jacente e sua administração; aquisição da herança; e partilha da

herança. Na vocação sucessória, chamam-se, da lista dos sucessíveis designados para suceder

potencialmente ao de cuius, aqueles que se encontram em melhor posição, sendo que o

conteúdo desta vocação é o direito de aceitar ou repudiar a herança.5

A vocação sucessória opera de modos diferentes, podendo distinguir-se em vocação

directa – aquela que se verifica por aplicação das regras comuns – e vocação indirecta –

aquela pela qual é chamado a suceder alguém que não é o normal sucessível, pois que este

último não quis ou não pôde aceitar a herança (falta de capacidade, repúdio, pré-morte). Nesta

vocação não existem duas transmissões sucessórias, apenas a indirecta. A segunda vocação

apaga a primeira do mundo do Direito, como se não existisse.6

A posição jurídica daquele que não quis ou não pôde suceder serve de referência para

a posição jurídica do sucessor que vai receber o que receberia aquele que foi chamado em

primeiro lugar. O direito de acrescer é, a par do direito de representação e da substituição

directa, uma forma de vocação indirecta7 segundo a qual ocorre uma “junção ao património de

alguém de determinado valor que a ele acresce”.8

1.2. Direito de Acrescer

Capelo de Sousa9 define o direito de acrescer como o “direito do sucessível,

chamado simultaneamente com outros, de adquirir o objecto sucessório que outro (ou outros)

dos sucessíveis não pôde ou não quis aceitar”. Ou seja, se um dos sucessíveis não chegar a

herdar porque se verificou uma situação de impossibilidade ou recusa na aceitação da herança

5 Cf. CAMPOS, Diogo Leite de – Lições de Direito da Família e Sucessões. 2.ª ed. Coimbra: Almedina,

2008. p. 485-486. 6 VOCAÇÃO Sucessória. In PRATA, op. cit.; CAMPOS, op. cit., p. 527, 530.

7 Cf. CAMPOS, op. cit., p. 530.

8 TELLES, Inocêncio Galvão – Sucessão Testamentária. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 104.

9 Cf. SOUSA, op. cit., p. 350-351. Independentemente da sua instituição (enquanto herdeiro) ou nomeação

(enquanto legatário) ser ou não conjunta (arts. 2301.º e 2302.º).

Page 5: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

5

ou legado, a quota que lhe tocaria acresce às dos outros. Assim, no caso de falta de qualquer

dos demais, cada herdeiro goza da faculdade de ver a sua quota aumentada, recebendo assim

mais do que o que lhe estava destinado.10

Tal encontra-se disposto no art. 2301.º, preceito

inspirado no art. 307.º do Anteprojecto de Galvão Telles.11

Veremos em seguida que a existência do direito de acrescer depende da verificação

de determinados pressupostos, entre outras particularidades.

10

Cf. TELLES, Inocêncio Galvão – Direito das Sucessões: Noções Fundamentais. 6.ª ed. rev. e actual.

Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 236. PROENÇA, José João Gonçalves de – Direito das Sucessões.

3.ª ed. rev. e actual. Lisboa: Quid Juris, 2009. p. 45. 11

TELLES, Inocêncio Galvão – Direito das Sucessões: Anteprojecto de uma parte do futuro Código Civil portu-

guês. In Separata do Boletim do Ministério da Justiça. N.º 54. (1956) Segundo o citado art. 307.º: “Se dois

ou mais herdeiros forem instituídos na universalidade ou numa quota dos bens, ou dois ou mais legatá-

rios no mesmo objecto, sem determinação de partes ou em partes iguais, ainda que determinadas, e

algum deles não puder ou não quiser aceitar, acrescerá a sua parte à dos outros instituídos na universali-

dade, na quota ou no objecto, salvo se o testador tiver disposto outra coisa e salvo também o direito de

representação.” O preceituado ocupa-se do direito de acrescer no âmbito dos herdeiros e dos legatários.

TELLES, Sucessão Testamentária, p. 104.

Page 6: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

6

2. PRESSUPOSTOS DO DIREITO DE ACRESCER

2.1. Pressupostos Negativos

Os pressupostos negativos deste direito consistem na não verificação de

determinadas circunstâncias que farão funcionar outros institutos sucessórios, nomeadamente

a não verificação de substituição directa, de vontade do autor da sucessão contrária ao direito

de acrescer, de direito de representação, de transmissão do direito de aceitação ou repúdio e

de pessoalidade no legado.12

Tal ocorre porque as normas sobre direito de acrescer possuem

um carácter supletivo.13

2.1.1. Substituição directa ou vulgar

Na sucessão testamentária, a substituição directa consiste na possibilidade do

testador, de forma livre e com plena eficácia, substituir outra pessoa ao herdeiro instituído,

para o caso de este não poder ou não querer aceitar a herança, nos termos do art. 2281.º.14

A pessoa chamada em substituição desse sucessível poderá ser alguém que não um

titular de um eventual direito de acrescer. O testador pode ainda “determinar, mesmo sem

estabelecer uma substituição, que não tenha pura e simplesmente lugar o direito de acrescer,

caso em que serão chamados os sucessíveis imediatos na designação sucessória.”15

2.1.2. Vontade do autor da sucessão contrária ao direito de acrescer

Nos termos do art. 2304.º, não há direito de acrescer se o testador manifestar a sua

vontade em sentido contrário. O testador pode estipular que, não querendo ou não podendo o

beneficiário da disposição aceitá-la, ela fica sem efeito. Desse modo, os bens reverterão,

normalmente, para os herdeiros legais por abertura da sucessão legítima (art. 2131.º). Pode

também prever uma substituição directa.16

12

Cf. SOUSA, op. cit., p. 351. 13

Cf. TELLES, Direito das Sucessões: Noções Fundamentais, p. 238. 14

Cf. COIMBRA, Armando de Freitas Ribeiro Gonçalves – O Direito de Acrescer no novo Código Civil.

Coimbra: Almedina, 1974. p. 132. 15

Cf. SOUSA, op. cit., p. 351-352. 16

FERNANDES, Luís A. Carvalho – Lições de Direito das Sucessões. 3.ª ed. rev. e actual. Lisboa: Quid

Juris, 2008. p. 228.

Page 7: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

7

2.1.3. Direito de representação

Nos termos do art. 2304.º, o direito de acrescer é eliminado pelo direito de

representação. Assim, serão chamados os descendentes do que não pôde ou não quis aceitar a

sucessão e não os co-sucessíveis.

Capelo de Sousa17

defende a licitude e eficácia de “uma disposição de última vontade

que declare não funcionar aí o direito de representação, o que fará emergir o direito de

acrescer.”

2.1.4. Direito de transmissão do direito de aceitação ou repúdio

Se se verificarem os pressupostos do direito de aceitação ou repúdio da herança (art.

2058.º) ou legado (art. 2249.º), também não há direito de acrescer, sobretudo “enquanto os

herdeiros do sucessível que faleceu sem ter aceitado ou repudiado a sucessão não exercerem o

seu direito de aceitação ou repúdio ou se os herdeiros do sucessível aceitarem a sucessão.”

Mas “se todos os herdeiros do sucessível em causa repudiarem a sucessão, pode então

processar-se, na falta de outro instituto sucessório prevalente, o direito de acrescer a favor dos

co-sucessíveis.”18

2.1.5. Pessoalidade no legado

Nos termos do art. 2304.º, se o legado tiver natureza puramente pessoal (como, por

exemplo, uma pensão) não há quanto a ele direito de acrescer. Trata-se dos legados de coisa

destinada a satisfazer um gosto subjectivo do legatário ou dos legados de prestação de facto a

custear pela herança ou por um legatário, mas também destinados a satisfazer um interesse

individual ou particular do legatário.19

Se o legatário nomeado não puder ou não quiser aceitar tal legado, este não acresce

aos co-sucessíveis e o legado extingue-se, porque fora previsto apenas em função da pessoa

do beneficiário. Assim, o legado em si mesmo deixa de existir no património hereditário, que

segue o seu destino como se o legado não tivesse existido.20

17

Cf. SOUSA, op. cit., p. 352. 18

Cf. SOUSA, op. cit., p. 352. 19

Cf. LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, anot. – Código Civil Anotado. Coimbra: Worters Kluwer Por-

tugal sob a marca Coimbra Editora, 2010. Vol. VI. p. 479. 20

Cf. SOUSA, op. cit., p. 352-353; PROENÇA, op. cit., p. 221.

Page 8: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

8

2.2. Pressupostos Positivos

Os pressupostos positivos consistem na ocorrência de determinados factos para que o

direito de acrescer actue por si mesmo. Assim, exige-se, nos termos dos arts. 2301.º, 2302.º,

1753.º, n.º 2, e 944.º, para a ocorrência do direito de acrescer, como condições de verificação

positiva, uma quota vaga21

por falta ou repúdio de herdeiros ou legatários testamentários e a

existência de pluralidade de co-herdeiros ou, em âmbito restrito, de co-legatários.22

2.2.1. Quota Vaga

Importa que exista uma quota vaga (ou fracção do todo, da herança ou do legado)

que resulta de o herdeiro ou legatário não terem podido (pré-morte, incapacidade, ausência,

nulidade ou anulabilidade de disposição testamentária e caducidade da mesma) ou não terem

querido aceitar a sua quota no objecto sucessório comum.23

Para Galvão Telles, como o direito de acrescer se traduz no preenchimento de uma

quota vaga, implicando assim uma verdadeira substituição do herdeiro (ou legatário)

instituído pelo sucessor titular daquele direito, irá ocorrer a transmissão de uma situação

jurídica.24

2.2.2. Pluralidade de co-herdeiros ou co-legatários

Também se requer que haja um chamamento em simultâneo à totalidade ou à quota

de herança ou ao mesmo legado de uma pluralidade de herdeiros ou de legatários,

respectivamente.

Na sucessão testamentária é possível uma instituição conjunta ou não de herdeiros ou

legatários testamentários (arts. 2301.º e 2302.º). Isto significa que os herdeiros ou legatários

podem ser instituídos ou nomeados, quer conjuntamente em relação à totalidade ou à mesma

quota da herança ou ao mesmo legado, quer apenas singularmente face a cada quota ou

fracção do mesmo legado.25

21

Quota ou fracção do todo, da herança ou do legado, que é objecto sucessório. 22

Cf. SOUSA, op. cit., p. 351 e 353. 23

Cf. SOUSA, op. cit., p. 353. 24

Cf. TELLES, Sucessão Testamentária, p. 105. 25

Cf. SOUSA, op. cit., p. 354-355.

Page 9: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

9

3. ÂMBITO DO DIREITO DE ACRESCER

Urge distinguir situações consoante estejamos perante uma sucessão entre herdeiros,

nomeadamente, só com herdeiros testamentários ou com herdeiros legais e testamentários),

entre legatários e ainda entre herdeiros e legatários.

3.1. Direito de acrescer entre Herdeiros

Quando existem apenas herdeiros testamentários instituídos na totalidade da herança

– algo possível se não existirem herdeiros legítimos ou os que existem são licitamente

preteridos na universalidade da herança –, nos termos do art. 2301.º, gozam recíproca e

ilimitadamente de direito de acrescer, independentemente da sua instituição ser ou não

conjunta. Assim, apenas um deles poderá vir a ser chamado à totalidade da herança. No

entanto, observar-se-á uma preferência inicial entre os herdeiros instituídos conjuntamente.26

Havendo concorrência ou co-existência de herdeiros legais e de sucessíveis

testamentários, o direito de acrescer operará separadamente no âmbito de cada uma das

modalidades sucessórias, reciprocamente entre herdeiros legais, por um lado, e herdeiros

testamentários, por outro. Se faltarem todos os herdeiros testamentários por impossibilidade

ou recusa, as suas quotas acrescerão às dos herdeiros legais, que verão a sua posição alargada

a toda a universalidade.27

Mesmo que faltem ou repudiem todos os elementos da classe de

herdeiros legais primeiramente chamados, os herdeiros testamentários não serão chamados – e

sim os herdeiros legais da classe ou grau subsequentes. Se nenhum dos herdeiros

testamentários puder ou quiser aceitar a herança, chamam-se os herdeiros legítimos às suas

quotas devido ao carácter supletivo da sucessão legítima (art. 2131.º) e não por direito de

acrescer.28

Há ainda que ter em conta quando, na sucessão testamentária, recaem encargos

especiais impostos pelo testador (art. 2244.º e ss.) a uma instituição do herdeiro que venha a

ser objecto de direito de acrescer e que seja repudiada (art. 2306.º), pelo que a porção

acrescida reverterá para a pessoa ou pessoas a favor de quem os encargos tenham sido

26

Cf. SOUSA, op. cit., p. 356. 27

Por exemplo: A morre deixando dois irmãos B e C e testamento em que atribui metade da herança a D e

E. Se B repudia, a sua quota acresce unicamente à de C; se repudia D, a quota dele acresce apenas à de

E. Cf. TELLES, Direito das Sucessões: Noções Fundamentais, p. 237. 28

SOUSA, op. cit., p. 356-357. No mesmo sentido, CORTE-REAL, Carlos Pamplona – Direito da Família

e das Sucessões. Lisboa: Lex, 1993. Vol. II. p. 151-152.

Page 10: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

10

constituídos, conforme a 2.ª parte do art. 2306.º. 29

3.2. Direito de acrescer entre Legatários

No Código anterior, dizia-se que os legatários, ao contrário dos herdeiros, não tinham

direito de acrescer. No presente Código, os co-legatários acrescem em quotas de bens

determinados, ao passo que os co-herdeiros acrescem em quotas da universalidade.30

Assim, nos termos do art. 2302.º, n.º 1, é admitido um direito de acrescer entre

legatários que tenham sido nomeados relativamente ao mesmo objecto. Objecto esse cuja

noção é, mais do que material, jurídica, abrangendo assim qualquer espécie de legado. O

direito de acrescer tem lugar independentemente dos legatários terem sido nomeados conjunta

ou individualmente, observando-se uma preferência inicial entre os nomeados

conjuntamente.31

Nos termos dos arts. 2302.º, n.º 2, e 2301.º, n.º 1 e 2, o direito de acrescer tem lugar

quando hajam dois ou mais legatários instituídos e quer sejam iguais ou desiguais as quotas

dos legatários no objecto sucessório. Mas, havendo mais do que um legatário com o direito de

acrescer, a parte ou partes acrescidas são divididas pelos outros, respeitando-se a proporção

entre legatários com direito de acrescer.32

Sempre relativamente ao mesmo objecto.

O que dizer de uma situação em que existam dois ou mais legados distintos? Para

Galvão Telles,33

o objecto é reabsorvido na universalidade, aproveitando aos herdeiros.

Oliveira Ascensão defende ainda que não há lugar a direito de acrescer dos legatários

sobre os herdeiros, ainda que falte disposição legal neste sentido.34

Decorrem ainda dos arts. 2303.º e 2306.º situações particulares entre os legatários. Se

o legado, cujo objecto acresce, tiver sido deixado com o encargo do seu cumprimento imposto

pelo testador a outro legatário (possível por força do art. 2276.º) é a este legatário que é

atribuído aquele legado. Contudo, se o objecto de um legado estiver genericamente

compreendido noutro legado, tal legado será atribuído ao legatário genérico.35

Também,

29

Cf. SOUSA, op. cit., p. 357-358. 30

Cf. TELLES, Sucessões: Noções Fundamentais, p. 237-238. 31

SOUSA, op. cit., p. 358-359. 32

SOUSA, op. cit., p. 359. 33

Cf. TELLES, Sucessões: Noções Fundamentais, p. 238. 34

Cf. ASCENSÃO, op. cit., p. 213. 35

SOUSA, op. cit., p. 359; COIMBRA, op. cit., p. 163. O Tribunal da Relação do Porto entendeu que “o

legado de uma pura e simples quantia pecuniária, como de «quantia de um milhão de Escudos em

dinheiro», é um legado genérico.”. ACÓRDÃO do Tribunal da Relação do Porto de 03.05.1967. Juris-

Page 11: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

11

quando se admite excepcionalmente o repúdio da parte acrescida de um legado, sujeita a

encargos especiais36

impostos pelo testador, a parte acrescida reverte para a(s) pessoa(s) a

favor de quem os encargos hajam sido constituídos.37

Capelo de Sousa entende que nestas situações existe, não um direito de acrescer em

sentido próprio, mas antes uma atribuição ou uma reversão ex lege.38

3.2.1. Direito de acrescer entre Usufrutuários

O art. 2305.º determina que “é aplicável ao direito de acrescer entre usufrutários o

disposto nos arts. 1442.º e 2303.º”. Disposição, nas palavras de Oliveira Ascensão, inútil, pois

nos termos do art. 2030.º, n.º 4, são havidos como legatários os usufrutários.39

3.3. Inexistência de direito de acrescer de herdeiros para legatários e, em sentido

próprio, de legatários para herdeiros.

Se a inexistência do direito de acrescer é manifesta a favor de legatários face ao

objecto de heranças, o mesmo se aplica no que toca, aos herdeiros face ao objecto de legados,

mas, neste caso assiste-se a uma aquisição ex lege pelos herdeiros, só que por força do art.

2303.º.

Nos termos desse preceito, “não havendo direito de acrescer entre os legatários, o

objecto do legado é atribuído ao herdeiro ou legatário onerado com o encargo do seu

cumprimento”. Se não tiver sido determinado pelo autor da sucessão que o cumprimento do

legado, objecto de atribuição, impende sobre um outro legatário ou se aquele legado não

estiver genericamente compreendido noutro legado, o cumprimento dos legados cabe aos

herdeiros com designações prevalentes e aceitantes (cfr. arts. 2068.º, 2070.º, 2097.º e 2098.º,

n.º1), a não ser que o de cuius tenha determinado validamente que tal cumprimento compete a

certo ou certos herdeiros legais ou voluntários (arts. 2179.º, n.º1, 2163.º e 2244.º). É a esses

herdeiros que a lei atribui o legado.”40

prudência das Relações: Acórdãos das Relações de Lisboa, Porto e Coimbra. Coimbra: edição do autor

(Albanho Cunha). Ano 13.º, Tomo III (Jul.-Out. 1967). p. 530. 36

Isto é, encargos que não os gerais, a que estão sujeitos em princípio os herdeiros (arts. 2068.º e ss. e

2097.º e ss.) mas também os legatários, quando a herança tenha sido toda partilhada em legados (art.

2277.º). Cf SOUSA, op. cit., p. 360 37

SOUSA, op. cit., p. 360. 38

SOUSA, op. cit., p. 360. 39

Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira – Direito Civil: Sucessões. 5.ª ed. rev. Coimbra: Coimbra Editora,

2000. p. 204. 40

SOUSA, op. cit., p. 360-361.

Page 12: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

12

4. EFEITOS E NATUREZA DO DIREITO DE ACRESCER

O nosso código refere-se apenas ao direito de acrescer. No entanto, é frequente

discutir a demarcação entre direito de acrescer e direito de não decrescer.

A parte inicial do art. 2306.º, ao determinar que a “aquisição da parte acrescida dá-se

por força da lei, sem necessidade de aceitação do beneficiário, que não pode repudiar

separadamente essa parte”, consagra a tese do direito a não decrescer. Defendem os autores a

seu favor que existe um direito, uma vocação, que potencialmente abrange um objecto mais

vasto, e que é limitado por concorrência com outros direitos que o comprimem, de forma que,

logo que estes cessem, se expande automaticamente devido à virtualidade do título.41

Não se

trata, assim, de um novo chamamento sucessório, mas de simples funcionamento da vocação

já existente.42

Nas palavras de Capelo de Sousa, este direito é “fruto de uma única vocação

inicialmente comprimida pela concorrência de outros herdeiros [legais], mas dotada de força

expansiva, dado que o título de herdeiro [legal] abrangeria virtualmente toda a herança”.43

Carvalho Fernandes relembra, a este propósito, a elasticidade do direito de

propriedade: quando a propriedade é limitada por um usufruto, a extinção deste determina a

expansão natural do direito de propriedade do proprietário de raiz, em lugar da sua aquisição

autónoma por este último. Também desta forma, analogicamente, um título de vocação

sucessória tende para um conteúdo mais vasto (herança ou uma quota dela), mas é limitado

pelo concurso de outros títulos que, extinguindo-se, permitem que o primeiro se expanda

naturalemente. Deste modo, existe apenas uma vocação.44

Por oposição a esta teremos a tese que considera antes existir na sucessão

testamentária um verdadeiro ius adcresdendi ou um direito de acrescer stricto sensu, no qual

o título do direito se limita a uma parte do objecto sucessório, pressupondo-se assim a

existência de duas vocações sucessórias, “sendo havido o acrescido através de um novo

chamamento sucessório e por novo título de vocação”,45

para que se legitime a sua

expansibilidade. Tal implica uma nova aceitação, ao contrário do que sucede no direito de não

decrescer. Além disso, no direito de não decrescer, é o direito/vocação que se expande, pelo

que o beneficiário não sucede nos direito e obrigações ou encargos do sucessível faltoso;

41

Cf. CORTE-REAL, p. 150. Neste sentido: PROENÇA, op. cit., p. 223. 42

Cf. CAMPOS, op. cit., p. 539. 43

SOUSA, op. cit., p. 362-363. Tal aplica-se igualmente à vocação dos herdeiros testamentários e também

assim à dos legatários co-sucessores em relação ao mesmo objecto. Cf. CAMPOS, op. cit., p. 539. 44

Cf. FERNANDES, op. cit., p. 240. 45

SOUSA, op. cit., p. 361. Neste sentido, TELLES, Direito de Representação..., p. 258.

Page 13: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

13

enquanto que no direito de acrescer stricto sensu o beneficiário ingressa nas situações

jurídicas do titular da vocação conjunta extinta.46

É certo que, ao admitir-se, no art. 2306.º, a possibilidade de repúdio sempre que

sobre a parte acrescida recaiam encargos especiais, e ainda, em sede do art. 2307.º, que “os

herdeiros ou legatários que houverem o acrescido sucedem nos mesmos direitos e obrigações,

de natureza não puramente pessoal, que caberiam àquele que não pôde ou não quis receber a

deixa”, favorece-se a tese do direito de acrescer.47

Porém, Leite de Campos, ao defender, e

bem, a tese do direito de não decrescer, sustenta que a aquisição da parte que acresce se faz

por força da lei, sem necessidade de aceitação do beneficiário (art. 2306.º). Isto por que como

a aceitação tem efeito constitutivo, a aquisição dos bens não se opera sem ela, pelo que o facto

dos bens acrescidos se adquirirem sem necessidade de aceitação, significa que a vocação e a

aceitação anterior produzem os seus efeitos, potencialmente, em relação à totalidade da

herança, compreendida a parte que vem a acrescer.48

Posição com a qual concordamos e,

inclusivamente, a possibilidade de repúdio presente no art. 2306.º é, face a esse preceito,

excepcional. Contudo, tal não implica que se possa ignorar o facto de existirem verdadeiros

casos de direito de acrescer em que ocorre uma vocação indirecta, nomeadamente no que diz

respeito à deixa onerada com encargos (primeira parte do art. 2306.º) e no que toca à deixa

onerada com encargos, se o beneficiário do acrescer repudiar a parte acrescida (nos termos da

segunda parte do art. 2306.º e se considerarmos que não ocorre aqui outro fenómeno jurídico

que não o direito de acrescer).49

Capelo de Sousa considera que esta é uma questão teórica e que não existe para ela

uma solução uniforme em sede de sucessão testamentária, definindo-se esta tendo em conta o

conteúdo e extensão da vontade do de cuius em cada sucessão em concreto.50

Se, nos termos do art. 2187.º, o testador nada declarar relativamente ao acrescer entre

sucessíveis (o que acontece na maioria dos casos), os sucessíveis aceitantes e com acrescer

sucederão a dois títulos relativamente a duas vocações (por força da vontade declarada do

autor da sucessão na vocação inicial e ex lege no acrescer) e serão chamados inicialmente por

46

Cf. CORTE-REAL, p. 150-151. 47

SOUSA, op. cit., p. 362. Neste sentido, Galvão Telles e Gonçalves Coimbra defendem que o verdadeiro

direito de acrescer se dá com encargos, ao contrário do direito de não decrescer. TELLES, Direito de Representação, Substituição Vulgar e Direito de Acrescer. Lisboa: Faculdade de Direito da Universida-

de de Lisboa, 1943. p. 260-261; COIMBRA, op. cit., p. 82-83. 48

Cf. CAMPOS, op. cit., p. 539. 49

Cf. FERNANDES, op. cit., p. 242. 50

SOUSA, op. cit., p. 362.

Page 14: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

14

força da vontade do autor da sucessão a apenas uma quota-parte do objecto sucessório,

verificando-se assim um verdadeiro direito de acrescer.51

Por outro lado, se nos termos em que a vontade do testador é manifestada se concluir

que ao instituir herdeiros ou nomear legatários o de cuius pretendeu fazer funcionar uma

vocação conjunta de todos e cada um dos sucessíveis em causa face ao todo do objecto

sucessório, então há um único título de vocação sucessória (a vontade do de cuius) e um só

chamamento dotado de expansividade, estando assim em sede de direito de não decrescer.52

Há que notar que nesta última hipótese não estamos perante uma substituição vulgar

recíproca (arts. 2283.º e 2285.º), que reclama nova e autónoma aceitação por parte dos

substitutos, ao passo que na hipótese do direito de não decrescer não é necessário nem

possível aceitar apenas a parte acrescida.53

51

Por exemplo: A declara em testamento que deixa a B e C um quadro em partes iguais. Ambos são cha-

mados a suceder em metade no quadro, por força da vontade de A, e gozam reciprocamente ex lege de

direito de acrescer. Cf. SOUSA, op. cit., p. 362-363. 52

Por exemplo: A declara em testamento que deixa a B e C um quadro em partes iguais, determinando ain-

da que se um deles não puder ou não quiser aceitar a sua parte, esta será atribuída àquele que desde logo

aceitar a sua parte, sem possibilidade de repúdio em separado. Desta forma, B e C são chamados a suce-

der uma única vez, quer em metade do quadro, quer na parte acrescida, por força directa da vontade de

A. Cf. SOUSA, op. cit., p. 363. 53

Por exemplo: A declara em testamento que deixa a B e C um quadro em partes iguais, determinando ain-

da que os co-legatários se substituirão reciprocamente, para o caso de um deles não poder ou não querer

aceitar o legado. B e C serão chamados duas vezes: para aceitar ou não a sua parte e para aceitar ou não

a substituição. Cf. SOUSA, op. cit., p. 363.

Page 15: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

15

CONCLUSÃO

Poder-se-á afirmar que os objectivos deste trabalho foram alcançados.

Poderia ter-se desenvolvido mais o tema deste trabalho quanto ao regime do direito

de acrescer no Código de Seabra.

Os objectivos foram também alcançados ao nível dos pressupostos, efeitos e natureza

do direito de acrescer, de forma satisfatória e concisa.

Enquadrou-se o âmbito do direito de acrescer de uma forma sumária, e que poderia

ter sido mais desenvolvida e enriquecida com uma pesquisa bibliográfica e documental – em

particular de jurisprudência e doutrina – mais profunda.

De uma maneira geral, foram alcançados os objectivos deste trabalho, mas teria sido

interessante desenvolver a problemática do direito de acrescer no Código de Seabra e como

este influenciou o actual regime do Código Civil.

Page 16: Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária

16

BIBLIOGRAFIA

ACÓRDÃO do Tribunal da Relação do Porto de 03.05.1967. Jurisprudência das Relações:

Acórdãos das Relações de Lisboa, Porto e Coimbra. Coimbra: edição do autor (Albanho

Cunha). Ano 13.º, Tomo III (Jul.-Out. 1967). p. 530-533.

ASCENSÃO, José de Oliveira – Direito Civil: Sucessões. 5.ª ed. rev. Coimbra: Coimbra Edi-

tora, 2000. 592 p. ISBN 972-32-0932-2.

CAMPOS, Diogo Leite de – Lições de Direito da Família e das Sucessões. 2.ª ed. rev. e

actual. Coimbra: Almedina, 2008. 618 p. ISBN 978-972-40-0993-3.

COIMBRA, Armando de Freitas Ribeiro Gonçalves – O Direito de Acrescer no Novo Código

Civil. Coimbra: Almedina, 1974. 283 p.

CORTE-REAL, Carlos Pamplona – Direito da Família e das Sucessões. Lisboa: Lex, 1993.

366 p. Vol. 2. ISBN 972-9495-08-4.

DIREITO de Acrescer, Vocação Sucessória. In PRATA, Ana – Dicionário Jurídico. 5.ª ed.

Coimbra: Almedina, 2008. 1531 p. Vol. 1. ISBN 978-972-40-3393-8.

FERNANDES, Luís A. Carvalho Fernandes – Lições de Direito das Sucessões. 3.ª ed. rev. e

actual. Lisboa: Quid Juris, 2008. 608 p. ISBN 978-972-724-400-3.

LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, anot. - Código Civil Anotado. Coimbra: Worters Kluwer

Portugal sob a marca Coimbra Editora, 2010. 523 p. Vol. VI. ISBN 972-32-0840-7.

PROENÇA, José João Gonçalves de – Direito das Sucessões. 3.ª ed. rev. e actual. Lisboa:

Quid Juris, 2009. 240 p. ISBN 978-972-724-457-7.

SOUSA, Rabindranath Capelo de – Lições de Direito das Sucessões. 4.ª ed. renov. Coim-

bra: Coimbra Editora, 2000. 373 p. Vol. 1. ISBN 972-32-0968-3.

TELLES, Inocêncio Galvão – Direito das Sucessões: Anteprojecto de uma parte do futuro

Código Civil português. In Separata do Boletim do Ministério da Justiça. N.º 54 (1956), p.

109-110.

TELLES, Inocêncio Galvão – Direito das Sucessões: Noções Fundamentais. 6.ª ed. rev. e

actual. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. 340 p. ISBN 972-32-0455-X.

TELLES, Inocêncio Galvão – Sucessão Testamentária. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.

123 p. ISBN 978-972-32-1404-8.

TELLES, Inocêncio Galvão – Direito de Representação, Substituição Vulgar e Direito de

Acrescer. Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1943. 319 p. Dissertação

de concurso para Professor Extraordinário do grupo de Ciências Jurídicas da Faculdade de

Direito da Universidade de Lisboa.